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sociedade da informação
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A liberdade de expressão como direito difuso na
sociedade da informação
Deveras, o papel da Web 2.0 deixa essa constatação ainda mais evidente, pois, de
meros telespectadores, os usuários passaram a produzir informações.
Isso tanto é verdade que Erick Felinto, confrontando a realidade de outrora com a atual,
destacou a dificuldade de definir o que pode ser tratado como patrimônio cultural
hodiernamente:
Havia as “boas” obras, nossos supremos gênios e artistas (“antenas da raça”, na célebre
expressão de Ezra Pound), e todo o resto, o lixo cultural geralmente atribuído às
indústrias da cultura, conforme definiram Adorno e Horkheimer (1985) os poderosos
meios de comunicação de massa em fins da década de 1940. Graças ao desenvolvimento
tecnológico dos próprios meios eletrônicos de comunicação, os refugos da cultura
encontraram não apenas novos espaços de visibilidade como também um novo valor
social. Oferecendo um “espaço” de armazenagem virtualmente inesgotável e custos de
manutenção relativamente acessíveis, a internet tem se convertido no abrigo por
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excelência dos detritos culturais, dos restos, do inútil, do trivial.
Basta uma rápida pesquisa nos sítios eletrônicos de buscas para apurar a veracidade
dessa afirmação.
É possível encontrar de tudo na Internet, desde uma pilhéria entre amigos até artigos
científicos.
Não é demais dizer que essa perspectiva pôde ser evidenciada quando a informação
criptografada foi brevemente refletida.
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Além dos fatores de ordem técnica, é fato que uma informação divulgada na rede de
computadores não fica adstrita a um grupo restrito de pessoas.
Ficar discutindo se uma informação inverídica deve ser retirada pode não ser o melhor
caminho no contexto atual, nitidamente desapegado dos aspectos físicos.
Não dá para apreender uma informação assim como se retira revista de uma banca de
jornal.
A diferença pode parecer despicienda numa primeira análise. No entanto, o mesmo autor
destaca que ela é útil do ponto de vista prático, uma vez que
A informação não pode prescindir da verdade – ainda que uma verdade subjetiva e
apenas possível [...] – pela circunstância de que é isso que as pessoas legitimamente
supõem estar conhecendo ao buscá-la. Decerto, não se cogita desse requisito quando se
cuida de manifestações da liberdade de expressão. De qualquer forma, a distinção deve
pautar-se por um critério de prevalência: haverá exercício do direito de informação
quando a finalidade da manifestação for a comunicação de fatos noticiáveis, cuja
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caracterização vai repousar sobretudo no critério da sua veracidade.
Diante de eventual caso concreto levado ao Poder Judiciário, é cediço que essa distinção
será útil ao magistrado, por exemplo, quando da definição de eventual indenização a ser
fixada.
Valendo-se desse ponto teórico, será possível compreender a importância que ela
desempenha na sociedade, bem como a forma pela qual sua natureza foi se
transformando com o passar do tempo.
Com relação à primeira dimensão, pode-se afirmar que a liberdade de expressão passou
a ser tratada como direito fundamental a partir das revoluções americana e francesa.
Sobre o tema, Riva Sobrado de Freitas e Matheus Felipe de Castro destacam que
É possível destacar alguns eventos e textos legais que marcaram o período em análise.
Por exemplo, nos Estados Unidos foi publicada, aos 12 dias de junho de 1776, a
Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, colônia inglesa situada em solo
estadunidense, a qual iniciou o processo de desvinculação das treze colônias do controle
da Inglaterra.
Pouco tempo depois, aos 4 dias de julho de 1776, considerando as diversas restrições
que a Inglaterra continuava impondo, as treze colônias norte-americanas lograram se
separar daquela, instante em que foi publicada a Declaração de Independência dos
Estados Unidos, a qual desempenhou
[…] papel relevante. Por seu intermédio, em nome de valores abstratos de direito à vida,
à liberdade e à busca da felicidade, além da prerrogativa de combater a opressão, e na
condição de representante do povo das treze colônias, um grupo de indivíduos desafiou
a autoridade constituída, recorrendo a sofisticada argumentação para instituir um
governo que deveria, a um só tempo, derivar sua legitimidade do consentimento da
população e evitar usurpações de direitos – tipicamente empreendidas por governos
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tiranos.
Esse momento foi muito importante porque – seguido das Declarações do Bom Povo da
Virgínia, da Independência dos Estados Unidos e da formação de sua Constituição –
marcou o estabelecimento de direitos aos cidadãos no plano constitucional, assegurando,
o início da definição da plena liberdade de se expressar.
Início porque, como destaca o referido autor, foram os juízes – paulatinamente – que
desenharam o que deveria ser assegurado.
Como mostra a história da Primeira Emenda, incluir uma garantia em uma carta magna
não assegura que ela será cumprida. Afinal, nos Estados Unidos, levou mais de um
século para que os tribunais começassem a proteger oradores e editores de oposição
contra a repressão do governo. Ou, dizendo de outra forma, foi preciso tempo para que
os juízes passassem a agir de acordo com a promessa fundamental daquelas catorze
palavras da Primeira Emenda: que este seria um país livre de expressão e liberdade de
imprensa. Tempo, imaginação e coragem. Juízes tímidos e pouco imaginativos não
poderiam ter tornado os Estados Unidos tão extraordinariamente livres como são hoje.
[…] O significado da Primeira Emenda foi, e será, moldado por cada geração de
americanos: por juízes, líderes políticos, cidadãos. Sempre haverá autoridades que
tentarão tornar sua vida mais confortável por meio da eliminação de comentários
críticos. Sempre haverá diretores de escola como aquele da cidade de Wilton, no Estado
de Connecticut, que em 2007 cancelou uma peça teatral montada pelos alunos sobre a
guerra no Iraque porque ela poderia incomodar algumas famílias. Mas estou convencido
de que o compromisso americano fundamental com a expressão livre, a expressão que
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incomoda, não está mais em dúvida.
Ainda sobre a primeira dimensão, por fim, não dá para deixar de comentar a publicação,
na França, em 1789, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual
estatuiu, em seu artigo 11, que
A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do
homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente,
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respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
A referida declaração apontou a liberdade de expressão como um dos bens mais caros
ao homem, o que não deixa de se aplicar aos dias atuais, já que
[...] o homem não vive concentrado só em seu espírito, não vive isolado, visto que, por
sua natureza, é ente social. Tem a viva tendência e necessidade imediata de expressar e
trocar ideias e opiniões com os outros homens, de cultivar mútuas relações, e seria
mesmo impossível vedar a exteriorização do pensamento, porque para isso seria
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necessário dissolver e proibir a sociedade.
No caso dos Estados Unidos, como se viu, mesmo com a garantia desses direitos, não foi
imediatamente que isso se tornou possível.
Em resumo, como observa Celso Lafer, pode-se dizer que a primeira dimensão
prende-se à liberdade individual de cada cidadão e
Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício – é individualmente
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que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo do
direito –, pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os
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indivíduos, já que estes direitos têm como limite o reconhecimento do direito do outro.
Todos devem ter oportunidade de escrever, gravar vídeos e publicar mensagens sem
qualquer tipo de restrição.
É claro que outros valores fundamentais, conforme foi afirmado anteriormente, devem
ser refletidos diante de eventual manifestação indevida, mas faz-se mister deixar claro
que a própria história não comporta atitudes arbitrárias.
Destarte, não é demais afirmar que limitar o acesso à rede nos dias atuais equivale-se a
cercear a liberdade de expressão.
Dirigindo-se para a terceira dimensão dos direitos fundamentais, pode-se afirmar que foi
reconhecido que muitos dos valores até então conquistados não se restringiam a uma
comunidade específica.
Note-se que se realça o fato de que a liberdade de expressão está intimamente ligada à
formação da própria sociedade.
Nos dias atuais, em razão das Tecnologias da Informação, principalmente com o advento
da Web 2.0, a realidade difusa ganhou mais notoriedade, já que a rede de computadores
rompeu as barreiras que as fronteiras físicas impunham até há pouco tempo.
[…] a internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação
de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global. Assim como a difusão
da máquina impressora no Ocidente criou o que Machuhan chamou de a “Galáxia de
Gutenberg”, ingressamos agora num novo mundo de comunicação: a Galáxia da
Internet. O uso da internet como sistema de comunicação e forma de organização
explodiu nos últimos anos do segundo milênio. [...] A influência das redes baseadas na
internet vai além do número de seus usuários: diz respeito também a qualidade do uso.
Atividades econômicas, sociais, políticas e culturais essenciais por todo o planeta estão
sendo estruturadas pela internet e em torno dela, como outras redes de computadores.
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Diante desse quadro, é certo que eventual análise sobre a retirada de conteúdos da rede
de computadores não pode deixar de considerar a realidade difusa das informações que
nela circulam.
Com efeito, do ponto de vista pragmático, parece que o ideal é combater uma
informação inverídica com outra informação, ainda mais quando se considera que – em
comparação com outros meios de comunicação, tal como a televisão – a Internet é
nitidamente mais acessível, conforme destaca Jeremy Rifkin:
Embora exista uma rede física – um backbone de Internet – formada por grandes
companhias que instalam os cabos, fornecem conexão com e sem fio, roteiam o tráfego
e armazenam os dados, essas companhias são meros fornecedores e facilitadores. Há
também companhias e organizações sem fins lucrativos que habitam a Internet e
coordenam seu conteúdo. A Internet propriamente dita, no entanto, é um espaço público
virtual onde qualquer um que pague por uma conexão pode obter acesso e participar da
conversa. A Internet já trouxe 2,7 bilhões de pessoas para a cobiçada zona onde o custo
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marginal de acessar e estabelecer várias formas de comunicação é próximo do zero.
Portanto, se alguém fere a honra de uma pessoa valendo-se da Internet, este mesmo
meio de comunicação também pode ser utilizado como instrumento de defesa, ao invés
de ficar discutindo questões difíceis de serem efetivadas.
Essa perspectiva de trabalho não só contribui para a formação do citado ambiente plural,
como também faz com que o injusto seja combatido na mesma proporção e com o
mesmo alcance.
Como é que os juízes brasileiros, três mil juízes eleitorais, vão dar conta de estar atrás
de 80 milhões de twitters falando o tempo todo? Como é que nós vamos decidir sobre
isso e tirar do ar? Não adianta, porque no momento seguinte nós dizemos que esse aqui
não poderia ter acontecido vão aparecer cem outros (sic). Portanto, é inócua a nossa
situação. […]. Não há jurisdição para ser exercida sobre isso. […]. A democracia muda a
partir dessa mudança de tecnologia pela qual se passa a informação alastrada,
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permanente, e que não para um segundo.
Atente-se para as questões que foram levantadas por Cármen Lúcia, todas intimamente
atreladas ao caráter descentralizado e massificado que os dados assumiram
hodiernamente. Muita informação sendo produzida e poucos juízes para analisá-las.
quarta dimensão.
Não dá para deixar de reconhecer que, com o advento da Internet, ficou mais fácil de se
manifestar diante de inúmeras pessoas (e com rapidez).
Realidade essa que pode ser facilmente observada a partir da chamada Web 2.0, na
medida em que os usuários passaram a produzir informações, deixando de ser meros
telespectadores.
É difícil encontrar uma pessoa inscrita em qualquer rede social que não tenha se
manifestado sobre o processo de impedimento da então presidente Dilma Vana Rousseff.
Sem dúvidas, pode-se atribuir esse fato aos reflexos da Sociedade da Informação, já
que, nos dias atuais, todos podem contribuir para eventual desfecho político.
Quem vota, por exemplo, pode saber o que e como o seu candidato está fazendo para
que as propostas veiculadas em campanha sejam implementadas.
É claro que a transparência, por si só, é insuficiente, já que é preciso compreender o que
está sendo transmitido.
Conclusão
Atente-se para o fato de que cada assunto ligado à Internet impõe uma série de
reflexões acuradas para que o Direito seja ajustado de maneira eficaz.
O ponto trazido não pode ser desconsiderado, uma vez que, de fato, novas formas de
controle também entraram em evidência.
Pode-se refletir, por exemplo, se o Estado, além de propiciar o acesso à Internet, precisa
garantir a neutralidade dos conteúdos transmitidos.
Ora, é evidente que, nos dias atuais, não só a disposição física torna o contato
inevitável, mas sim a própria imaterialidade trazida pelas Tecnologias da Informação.
Como foi afirmado anteriormente, as fronteiras até então existentes já não possuem a
mesma força de outrora.
O contato entre pessoas de nacionalidade diferentes é uma realidade cada vez maior.
Destarte, se for possível realçar um ponto de reflexão que a quinta dimensão deixa,
sublinha-se o avizinhamento dos povos reforçado pela Sociedade da Informação,
questão que deve, por exemplo, orientar eventual produção normativa.
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A título de exemplo sobre o que vem ocorrendo, vale citar a previsão do Novo Código de
Processo Civil (LGL\2015\1656) sobre a ampliação da competência da autoridade
judiciária brasileira para apreciar todas as ações decorrentes de relações de consumo, a
partir de um único requisito: que o consumidor resida no Brasil.
Referências
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discurso do ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão.
Sequência. Publicação do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, v. 34, n. 66, p. 327-355, jul. 2013. Disponível
em: [http://hdl.handle.net/11449/110241]. Acesso em: 30.03.2018.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras, 1991.
LEWIS, Anthony. Liberdade para as ideias que odiamos: uma biografia da Primeira
Emenda à Constituição Americana. São Paulo: Aracati, 2011.
MACEDO, Fausto. ‘Como é que os juízes vão dar conta de 80 milhões de twitters falando
o tempo todo?’, diz Cármen Lúcia. Disponível em:
[http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/como-e-que-os-juizes-vao-dar-conta-de-80-milhoe
Acesso em: 30.03.2018.
RIFKIN, Jeremy. Sociedade com custo marginal zero: a internet das coisas, os bens
comuns colaborativos e o eclipse do capitalismo. São Paulo: M. Books, 2016.
ROCHA, Antonio Jorge Ramalho da. O sistema político dos EUA: implicações para suas
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53-100. jan./jun. 2006. Disponível em:
[http://dx.doi.org/10.1590/S0102-85292006000100001]. Acesso em: 30.03.2018.
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SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria,
história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
4 Idem, ibidem.
5 FREITAS, Riva Sobrado de; CASTRO, Matheus Felipe de. Liberdade de expressão e
discurso do ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão.
Sequência: Publicação do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, v. 34, n. 66, p. 327-355, jul. 2013. Disponível
em: [http://hdl.handle.net/11449/110241]. Acesso em: 30.03.2018.
6 ROCHA, Antonio Jorge Ramalho da. O sistema político dos EUA: implicações para suas
políticas externa e de defesa. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p.
53-100. jan.-jun. 2006. Disponível em:
[http://dx.doi.org/10.1590/S0102-85292006000100001]. Acesso em: 30.03.2018.
7 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria,
história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 58.
9 LEWIS, Anthony. Liberdade para as ideias que odiamos: uma biografia da Primeira
Emenda à Constituição Americana. São Paulo: Aracati, 2011, p. 13.
12 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras, 1991, p. 126.
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sociedade da informação
14 RIFKIN, Jeremy. Sociedade com custo marginal zero: a internet das coisas, os bens
comuns colaborativos e o eclipse do capitalismo. São Paulo: M. Books, 2016, p. 166.
15 MACEDO, Fausto. ‘Como é que os juízes vão dar conta de 80 milhões de twitters
falando o tempo todo?’, diz Cármen Lúcia. Disponível em:
[http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/como-e-que-os-juizes-vao-dar-conta-de-80-milhoes-de-twiters-falando-o-tempo-todo-diz-carm
Acesso em: 30.03.2018.
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