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A liberdade de expressão como direito difuso na

sociedade da informação

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO DIFUSO NA SOCIEDADE DA


INFORMAÇÃO
Freedom of expression as diffused law in the information society
Revista dos Tribunais | vol. 994/2018 | p. 133 - 147 | Ago / 2018
DTR\2018\18046

Emerson Penha Malheiro


Pós-Doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca – USAL –
Espanha. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos –
Unimes. Pós-Graduado com título de Especialista em Direito da Comunicação Digital e
em Direito Penal pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, em Direitos Humanos
pela Universidade Cândido Mendes – UCAM e em Direito Público pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas. Graduado em Direito pelas
Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Graduado em Marketing pela Universidade
Paulista – UNIP. Graduando em Filosofia pela Universidade de São Paulo – USP.
Professor Doutor de Direito Internacional, Direitos Humanos, Direitos Fundamentais,
Direito da Sociedade da Informação, Direito Penal e Criminologia nas Faculdades
Metropolitanas Unidas – FMU. Consultor da Comissão do Acadêmico de Direito da Ordem
dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo – OAB/SP. Advogado.
emersonmalheiro@gmail.com

Guilherme Ferreira Rossetto


Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelas Faculdades Metropolitanas Unidas –
FMU. Pós-Graduado com título de MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de
Direito – EPD. Graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU.
Professor Mestre de Direito da Sociedade da Informação, Direito Civil e Direito
Processual nas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Membro da Comissão Especial
do Jovem Advogado e da Comissão Especial de Informática Jurídica da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seção São Paulo – OAB/SP. Advogado. ferreirarossetto@gmail.com

Área do Direito: Constitucional


Resumo: O artigo em apreço analisa a liberdade de expressão e a sua influência na
tutela dos direitos fundamentais e nas normas protetivas no ordenamento jurídico
brasileiro, propondo uma reflexão em relação à concorrência entre interesses
fundamentais, bem como apresenta uma breve reverberação o dos direitos humanos de
proteção, observando-se a complexidade dos fenômenos de tutela na sociedade da
informação. Por fim, examina a eficácia da liberdade de expressão no cenário de direito
do Brasil.

Palavras-chave: Liberdade de expressão – Direitos difusos – Sociedade da informação –


Direitos fundamentais – Direitos humanos
Abstract: This article examines freedom of expression and its influence in the protection
of fundamental rights and in the Brazilian legal system, proposing a reflection on the
competition between fundamental interests, as well as a brief reverberation of the
human rights of protection, observing the complexity of the tutelage phenomena in the
information society. Finally, it examines the effectiveness of freedom of expression in the
Brazilian legal scenario.

Keywords: Freedom of expression – Diffuse rights – Information society – Fundamental


rights – Human rights
Sumário:

1 As novas feições do direito provocadas pela sociedade da informação - 2 A distinção


entre a liberdade de informação e a liberdade de expressão - 3 A liberdade de expressão
de acordo com as classificações dos direitos fundamentais - Conclusão - Referências

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A liberdade de expressão como direito difuso na
sociedade da informação

1 As novas feições do direito provocadas pela sociedade da informação

Diante das mudanças provocadas pela Sociedade da Informação, é evidente que


diversos direitos assumiram novas feições, situação essa que também pode ser
constatada quando da análise da liberdade de expressão.

Deveras, o papel da Web 2.0 deixa essa constatação ainda mais evidente, pois, de
meros telespectadores, os usuários passaram a produzir informações.

Isso tanto é verdade que Erick Felinto, confrontando a realidade de outrora com a atual,
destacou a dificuldade de definir o que pode ser tratado como patrimônio cultural
hodiernamente:

Havia as “boas” obras, nossos supremos gênios e artistas (“antenas da raça”, na célebre
expressão de Ezra Pound), e todo o resto, o lixo cultural geralmente atribuído às
indústrias da cultura, conforme definiram Adorno e Horkheimer (1985) os poderosos
meios de comunicação de massa em fins da década de 1940. Graças ao desenvolvimento
tecnológico dos próprios meios eletrônicos de comunicação, os refugos da cultura
encontraram não apenas novos espaços de visibilidade como também um novo valor
social. Oferecendo um “espaço” de armazenagem virtualmente inesgotável e custos de
manutenção relativamente acessíveis, a internet tem se convertido no abrigo por
1
excelência dos detritos culturais, dos restos, do inútil, do trivial.

Basta uma rápida pesquisa nos sítios eletrônicos de buscas para apurar a veracidade
dessa afirmação.

É possível encontrar de tudo na Internet, desde uma pilhéria entre amigos até artigos
científicos.

Quando a história da liberdade de expressão começa a ser analisada, é interessante


notar que a sua importância sempre foi ressaltada, principalmente como forma de
repudiar governos autoritários e viabilizar os democráticos.

Nos dias atuais, contudo, a preocupação não se cinge a essa questão.

Pelo contrário, na Sociedade da Informação, notadamente com o fortalecimento da


Internet e com a feição difusa que ela vem conferindo às diversas manifestações que são
exaradas em seu âmbito, as discussões a respeito do assunto passaram a ter outros
focos, centrados, por exemplo, na compatibilização dos atos de se manifestar e ser
informado com outros direitos fundamentais, tais como a honra, a vida privada etc.

Não é demais dizer que essa perspectiva pôde ser evidenciada quando a informação
criptografada foi brevemente refletida.

Assim, um dilema entre a segurança e a privacidade no ato de se manifestar ocupou


espaço nas discussões jurídicas.

Como lembra Noberto Bobbio,

[...] o elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a


mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses das
classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das
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transformações técnicas, etc.

Realmente, é evidente a necessidade de revisitar o Direito à medida que a forma de


praticar os atos da vida cotidiana mudam.

A seguir, valendo-se da análise da liberdade de expressão, será possível ratificar tal


observação, principalmente quando se analisa a questão da retirada de conteúdos da
Internet.

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sociedade da informação

Além dos fatores de ordem técnica, é fato que uma informação divulgada na rede de
computadores não fica adstrita a um grupo restrito de pessoas.

Pelo contrário, de maneira rápida e eficaz, ela se descentraliza e atinge indivíduos de


toda parte do mundo.

Ficar discutindo se uma informação inverídica deve ser retirada pode não ser o melhor
caminho no contexto atual, nitidamente desapegado dos aspectos físicos.

Não dá para apreender uma informação assim como se retira revista de uma banca de
jornal.

2 A distinção entre a liberdade de informação e a liberdade de expressão

Antes de iniciar a análise do tema em destaque, cumpre esclarecer um ponto delineado


pela doutrina: a distinção entre a liberdade de informação e a liberdade de expressão.

Em resumo, conforme explica Luis Roberto Barroso,

[…] a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao


direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno,
destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor, em suma,
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qualquer manifestação do pensamento humano.

A diferença pode parecer despicienda numa primeira análise. No entanto, o mesmo autor
destaca que ela é útil do ponto de vista prático, uma vez que

A informação não pode prescindir da verdade – ainda que uma verdade subjetiva e
apenas possível [...] – pela circunstância de que é isso que as pessoas legitimamente
supõem estar conhecendo ao buscá-la. Decerto, não se cogita desse requisito quando se
cuida de manifestações da liberdade de expressão. De qualquer forma, a distinção deve
pautar-se por um critério de prevalência: haverá exercício do direito de informação
quando a finalidade da manifestação for a comunicação de fatos noticiáveis, cuja
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caracterização vai repousar sobretudo no critério da sua veracidade.

O ponto principal reside na verdade que um dado procura transmitir.

Diante de eventual caso concreto levado ao Poder Judiciário, é cediço que essa distinção
será útil ao magistrado, por exemplo, quando da definição de eventual indenização a ser
fixada.

Entretanto, considerando o objetivo do presente artigo, frisa-se que o referido termo


será utilizado em seu sentido amplo, isto é, englobando as duas perspectivas.

3 A liberdade de expressão de acordo com as classificações dos direitos fundamentais

Superada essa questão, passa-se à análise da liberdade de expressão de acordo com as


cinco classificações de direitos fundamentais traçadas pela doutrina, divididas em
dimensões.

Valendo-se desse ponto teórico, será possível compreender a importância que ela
desempenha na sociedade, bem como a forma pela qual sua natureza foi se
transformando com o passar do tempo.

3.1 A liberdade de expressão na primeira dimensão

Com relação à primeira dimensão, pode-se afirmar que a liberdade de expressão passou
a ser tratada como direito fundamental a partir das revoluções americana e francesa.
Sobre o tema, Riva Sobrado de Freitas e Matheus Felipe de Castro destacam que

[…] a Liberdade de Expressão, desdobrada em diferentes modalidades (Liberdade de


Imprensa e Liberdade Religiosa), adquire relevância extrema para a afirmação da
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burguesia no período das Revoluções Liberais, quer como um instrumento de


propagação das ideias revolucionárias (Liberdade de Imprensa), quer para a afirmação
do Estado Laico, repelindo qualquer subordinação ou influência da Igreja Católica
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(Liberdade Religiosa).

A burguesia, inflamada contra a concentração do poder nas mãos da monarquia,


começou a reivindicar direitos civis e políticos, dentre os quais a liberdade de expressão
e de participação política ganharam especial relevo.

Tratava-se da busca pela liberdade pura.

Assim, a intervenção máxima deu lugar à intervenção mínima.

É possível destacar alguns eventos e textos legais que marcaram o período em análise.

Por exemplo, nos Estados Unidos foi publicada, aos 12 dias de junho de 1776, a
Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, colônia inglesa situada em solo
estadunidense, a qual iniciou o processo de desvinculação das treze colônias do controle
da Inglaterra.

Note-se a preocupação da burguesia em veicular os seus propósitos. Era necessário falar


sem qualquer restrição do poder controlador, direito que, em atenção aos ideais
iluministas, estava ligado ao próprio homem.

Pouco tempo depois, aos 4 dias de julho de 1776, considerando as diversas restrições
que a Inglaterra continuava impondo, as treze colônias norte-americanas lograram se
separar daquela, instante em que foi publicada a Declaração de Independência dos
Estados Unidos, a qual desempenhou

[…] papel relevante. Por seu intermédio, em nome de valores abstratos de direito à vida,
à liberdade e à busca da felicidade, além da prerrogativa de combater a opressão, e na
condição de representante do povo das treze colônias, um grupo de indivíduos desafiou
a autoridade constituída, recorrendo a sofisticada argumentação para instituir um
governo que deveria, a um só tempo, derivar sua legitimidade do consentimento da
população e evitar usurpações de direitos – tipicamente empreendidas por governos
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tiranos.

É interessante observar que a bandeira da plena liberdade de expressão já estava sendo


levantada, tendência que se intensificou no período em que a Constituição
norte-americana começou a ser formada, cuja aprovação ocorreu em 1787 pela
Convenção de Filadélfia. Sobre o tema, Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel
Sarmento, explicam que o texto dela

[...] substituiu os Artigos da Confederação, de 1781, criando um novo modelo de


organização política, que é o Estado Federal. Inovou também ao instituir o
presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos, associado à separação de poderes.
Trata-se de um texto constitucional extremamente sintético, composto originariamente
de apenas 7 artigos, que, ao longo dos seus mais de 220 anos de vigência, sofreu 27
emendas. É extremamente difícil modificar formalmente a Constituição norte-americana.
Porém, a plasticidade das cláusulas constitucionais mais importantes abriu a
possibilidade de atualização daquela Constituição pela via interpretativa, para adaptá-la
às novas demandas e valores que emergiam com as grandes mudanças experimentadas
pela sociedade americana ao longo do tempo. Por isso, nada obstante a rigidez formal de
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seu texto, a Constituição dos Estados Unidos é uma living Constitution.

A referida plasticidade foi importante para a consolidação da liberdade de expressão, a


qual passou a ser moldada a partir do advento da primeira emenda (1791), que assim
dispõe:

O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre


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exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito


do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de
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seus agravos.

Esse momento foi muito importante porque – seguido das Declarações do Bom Povo da
Virgínia, da Independência dos Estados Unidos e da formação de sua Constituição –
marcou o estabelecimento de direitos aos cidadãos no plano constitucional, assegurando,
o início da definição da plena liberdade de se expressar.

Início porque, como destaca o referido autor, foram os juízes – paulatinamente – que
desenharam o que deveria ser assegurado.

Como mostra a história da Primeira Emenda, incluir uma garantia em uma carta magna
não assegura que ela será cumprida. Afinal, nos Estados Unidos, levou mais de um
século para que os tribunais começassem a proteger oradores e editores de oposição
contra a repressão do governo. Ou, dizendo de outra forma, foi preciso tempo para que
os juízes passassem a agir de acordo com a promessa fundamental daquelas catorze
palavras da Primeira Emenda: que este seria um país livre de expressão e liberdade de
imprensa. Tempo, imaginação e coragem. Juízes tímidos e pouco imaginativos não
poderiam ter tornado os Estados Unidos tão extraordinariamente livres como são hoje.
[…] O significado da Primeira Emenda foi, e será, moldado por cada geração de
americanos: por juízes, líderes políticos, cidadãos. Sempre haverá autoridades que
tentarão tornar sua vida mais confortável por meio da eliminação de comentários
críticos. Sempre haverá diretores de escola como aquele da cidade de Wilton, no Estado
de Connecticut, que em 2007 cancelou uma peça teatral montada pelos alunos sobre a
guerra no Iraque porque ela poderia incomodar algumas famílias. Mas estou convencido
de que o compromisso americano fundamental com a expressão livre, a expressão que
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incomoda, não está mais em dúvida.

Ainda sobre a primeira dimensão, por fim, não dá para deixar de comentar a publicação,
na França, em 1789, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual
estatuiu, em seu artigo 11, que

A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do
homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente,
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respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

A referida declaração apontou a liberdade de expressão como um dos bens mais caros
ao homem, o que não deixa de se aplicar aos dias atuais, já que

[...] o homem não vive concentrado só em seu espírito, não vive isolado, visto que, por
sua natureza, é ente social. Tem a viva tendência e necessidade imediata de expressar e
trocar ideias e opiniões com os outros homens, de cultivar mútuas relações, e seria
mesmo impossível vedar a exteriorização do pensamento, porque para isso seria
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necessário dissolver e proibir a sociedade.

Como se vê, nesse primeiro momento – primeira dimensão –, as necessidades da


liberdade de expressão gravitavam em torno da simples necessidade de poder falar e
receber informações sem restrições do Poder Estatal.

No caso dos Estados Unidos, como se viu, mesmo com a garantia desses direitos, não foi
imediatamente que isso se tornou possível.

Pelo contrário, foram os juízes, a partir de interpretações extraídas do contexto social,


que moldaram o referido valor fundamental dia após dia.

Em resumo, como observa Celso Lafer, pode-se dizer que a primeira dimensão
prende-se à liberdade individual de cada cidadão e

Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício – é individualmente
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que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo do
direito –, pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os
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indivíduos, já que estes direitos têm como limite o reconhecimento do direito do outro.

Quando se analisa a Sociedade da Informação, é evidente que tal dimensão traduz-se na


necessidade de, por exemplo, impedir a censura na Internet.

Todos devem ter oportunidade de escrever, gravar vídeos e publicar mensagens sem
qualquer tipo de restrição.

É claro que outros valores fundamentais, conforme foi afirmado anteriormente, devem
ser refletidos diante de eventual manifestação indevida, mas faz-se mister deixar claro
que a própria história não comporta atitudes arbitrárias.

3.2 A liberdade de expressão na segunda dimensão

Em um momento posterior, a mera garantia de liberdade já não era suficiente, razão


pela qual a sociedade passou a clamar por igualdade material, dando origem aos
chamados direitos sociais, culturais e econômicos, os quais são classificados como
direitos fundamentais de segunda dimensão.

Ao contrário do primeiro movimento que exigia um verdadeiro absenteísmo estatal, os


direitos de segunda geração demandavam uma prestação positiva do Estado, a fim de
que as desigualdades fossem corrigidas.

Do ponto de vista da sociedade hodierna, a segunda dimensão dos direitos fundamentais


pode consistir na necessidade de o Poder Público inserir os indivíduos, notadamente a
população mais carente, nesse novo contexto, fazendo valer o princípio da dignidade da
pessoa humana.

De nada adiantaria reconhecer a nova realidade informacional, mas não viabilizar a


utilização dos diversos dispositivos a ela inerentes, corrigindo eventuais contrastes.

A própria liberdade de expressão restaria malbaratada diante de eventual omissão do


Poder Público, no tocante à inserção de todos nos novos paradigmas de vida. É preciso,
por exemplo, garantir acesso à Internet.

Destarte, não é demais afirmar que limitar o acesso à rede nos dias atuais equivale-se a
cercear a liberdade de expressão.

Dirigindo-se para a terceira dimensão dos direitos fundamentais, pode-se afirmar que foi
reconhecido que muitos dos valores até então conquistados não se restringiam a uma
comunidade específica.

Pelo contrário, muitos deles, tais como o desenvolvimento, a comunicação, a


solidariedade, a segurança mundial, a proteção ao meio ambiente e aos consumidores,
constituíam-se em verdadeiros direitos difusos.

Note-se que se realça o fato de que a liberdade de expressão está intimamente ligada à
formação da própria sociedade.

Realmente, qualquer manifestação que é publicada contribui para formação de uma


sociedade pluralista.

3.3 A liberdade de expressão nas demais dimensões nos dias atuais

Nos dias atuais, em razão das Tecnologias da Informação, principalmente com o advento
da Web 2.0, a realidade difusa ganhou mais notoriedade, já que a rede de computadores
rompeu as barreiras que as fronteiras físicas impunham até há pouco tempo.

Sobre o assunto, Manuel Castells destaca que


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A liberdade de expressão como direito difuso na
sociedade da informação

[…] a internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação
de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global. Assim como a difusão
da máquina impressora no Ocidente criou o que Machuhan chamou de a “Galáxia de
Gutenberg”, ingressamos agora num novo mundo de comunicação: a Galáxia da
Internet. O uso da internet como sistema de comunicação e forma de organização
explodiu nos últimos anos do segundo milênio. [...] A influência das redes baseadas na
internet vai além do número de seus usuários: diz respeito também a qualidade do uso.
Atividades econômicas, sociais, políticas e culturais essenciais por todo o planeta estão
sendo estruturadas pela internet e em torno dela, como outras redes de computadores.
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É claro que comunidades específicas podem ser formadas – também no âmbito da


Internet – para debater assuntos peculiares a determinado grupo, mas, mesmo nessa
situação, é evidente que o alcance de todas as mensagens postadas será maior.

Diante desse quadro, é certo que eventual análise sobre a retirada de conteúdos da rede
de computadores não pode deixar de considerar a realidade difusa das informações que
nela circulam.

Com efeito, do ponto de vista pragmático, parece que o ideal é combater uma
informação inverídica com outra informação, ainda mais quando se considera que – em
comparação com outros meios de comunicação, tal como a televisão – a Internet é
nitidamente mais acessível, conforme destaca Jeremy Rifkin:

Embora exista uma rede física – um backbone de Internet – formada por grandes
companhias que instalam os cabos, fornecem conexão com e sem fio, roteiam o tráfego
e armazenam os dados, essas companhias são meros fornecedores e facilitadores. Há
também companhias e organizações sem fins lucrativos que habitam a Internet e
coordenam seu conteúdo. A Internet propriamente dita, no entanto, é um espaço público
virtual onde qualquer um que pague por uma conexão pode obter acesso e participar da
conversa. A Internet já trouxe 2,7 bilhões de pessoas para a cobiçada zona onde o custo
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marginal de acessar e estabelecer várias formas de comunicação é próximo do zero.

Portanto, se alguém fere a honra de uma pessoa valendo-se da Internet, este mesmo
meio de comunicação também pode ser utilizado como instrumento de defesa, ao invés
de ficar discutindo questões difíceis de serem efetivadas.

Essa perspectiva de trabalho não só contribui para a formação do citado ambiente plural,
como também faz com que o injusto seja combatido na mesma proporção e com o
mesmo alcance.

Recentemente, em palestra sobre a liberdade de expressão na comunicação tecnológica,


a atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, comentou a dificuldade
de se discutir a retirada de conteúdos no contexto da Sociedade da Informação:

Como é que os juízes brasileiros, três mil juízes eleitorais, vão dar conta de estar atrás
de 80 milhões de twitters falando o tempo todo? Como é que nós vamos decidir sobre
isso e tirar do ar? Não adianta, porque no momento seguinte nós dizemos que esse aqui
não poderia ter acontecido vão aparecer cem outros (sic). Portanto, é inócua a nossa
situação. […]. Não há jurisdição para ser exercida sobre isso. […]. A democracia muda a
partir dessa mudança de tecnologia pela qual se passa a informação alastrada,
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permanente, e que não para um segundo.

Como controlar uma informação nos dias atuais?

Atente-se para as questões que foram levantadas por Cármen Lúcia, todas intimamente
atreladas ao caráter descentralizado e massificado que os dados assumiram
hodiernamente. Muita informação sendo produzida e poucos juízes para analisá-las.

Em continuidade à classificação dos direitos fundamentais, a doutrina passou a discutir a


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A liberdade de expressão como direito difuso na
sociedade da informação

quarta dimensão.

Não dá para deixar de reconhecer que, com o advento da Internet, ficou mais fácil de se
manifestar diante de inúmeras pessoas (e com rapidez).

Realidade essa que pode ser facilmente observada a partir da chamada Web 2.0, na
medida em que os usuários passaram a produzir informações, deixando de ser meros
telespectadores.

A rede de computadores tornou-se palco de participação popular na política.

É difícil encontrar uma pessoa inscrita em qualquer rede social que não tenha se
manifestado sobre o processo de impedimento da então presidente Dilma Vana Rousseff.

Sem dúvidas, pode-se atribuir esse fato aos reflexos da Sociedade da Informação, já
que, nos dias atuais, todos podem contribuir para eventual desfecho político.

A transparência incomoda os governantes, pois o controle exercido pela população se


intensifica.

Quem vota, por exemplo, pode saber o que e como o seu candidato está fazendo para
que as propostas veiculadas em campanha sejam implementadas.

É claro que a transparência, por si só, é insuficiente, já que é preciso compreender o que
está sendo transmitido.

Conclusão

No entanto, é cediço que um caminho para viabilizar uma nova perspectiva de


democracia, de fato, foi iniciado a partir das Tecnologias da Informação.

E é justamente essa questão que se procura evidenciar ao delinear a quarta dimensão


de direitos fundamentais.

Adverte-se, entretanto, que o estudo acerca da democracia à luz das mudanças


provocadas pela Internet também merece uma análise detalhada.

Atente-se para o fato de que cada assunto ligado à Internet impõe uma série de
reflexões acuradas para que o Direito seja ajustado de maneira eficaz.

O ponto trazido não pode ser desconsiderado, uma vez que, de fato, novas formas de
controle também entraram em evidência.

Pode-se refletir, por exemplo, se o Estado, além de propiciar o acesso à Internet, precisa
garantir a neutralidade dos conteúdos transmitidos.

Trazendo essa perspectiva para a Sociedade da Informação, o interessante é notar que


Kant sustentava essa posição por acreditar que o contato entre os homens é inevitável,
considerando a própria disposição física da Terra.

Ora, é evidente que, nos dias atuais, não só a disposição física torna o contato
inevitável, mas sim a própria imaterialidade trazida pelas Tecnologias da Informação.

Como foi afirmado anteriormente, as fronteiras até então existentes já não possuem a
mesma força de outrora.

O contato entre pessoas de nacionalidade diferentes é uma realidade cada vez maior.

Destarte, se for possível realçar um ponto de reflexão que a quinta dimensão deixa,
sublinha-se o avizinhamento dos povos reforçado pela Sociedade da Informação,
questão que deve, por exemplo, orientar eventual produção normativa.

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A liberdade de expressão como direito difuso na
sociedade da informação

A título de exemplo sobre o que vem ocorrendo, vale citar a previsão do Novo Código de
Processo Civil (LGL\2015\1656) sobre a ampliação da competência da autoridade
judiciária brasileira para apreciar todas as ações decorrentes de relações de consumo, a
partir de um único requisito: que o consumidor resida no Brasil.

Referências

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personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do
Código Civil (LGL\2002\400) e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Administrativo, Rio
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A liberdade de expressão como direito difuso na
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1 FELINTO, Erick. Videotrash. O YouTube e a cultura do “spoof” na internet. In: XVI


Compós, 2007, Curitiba. Anais da XVI Compós. Curitiba, 2007. p. 34.

2 BOBBIO, Noberto. Direito e Estado no pensamento de Immanuel Kant. Brasília: Ednub,


1992, p. 18.

3 BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da


personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do
Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
235, p. 1-36, fev. 2015. Disponível em:
[http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45123/45026]. Acesso em:
20.03.2018.

4 Idem, ibidem.

5 FREITAS, Riva Sobrado de; CASTRO, Matheus Felipe de. Liberdade de expressão e
discurso do ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão.
Sequência: Publicação do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, v. 34, n. 66, p. 327-355, jul. 2013. Disponível
em: [http://hdl.handle.net/11449/110241]. Acesso em: 30.03.2018.

6 ROCHA, Antonio Jorge Ramalho da. O sistema político dos EUA: implicações para suas
políticas externa e de defesa. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p.
53-100. jan.-jun. 2006. Disponível em:
[http://dx.doi.org/10.1590/S0102-85292006000100001]. Acesso em: 30.03.2018.

7 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria,
história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 58.

8 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constituição dos Estados Unidos da América (1787).


Disponível em:
[http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A
Acesso em: 30.03.2018.

9 LEWIS, Anthony. Liberdade para as ideias que odiamos: uma biografia da Primeira
Emenda à Constituição Americana. São Paulo: Aracati, 2011, p. 13.

10 FRANÇA. Declaração de direitos do homem e do cidadão (1789). Trad. Marcus


Cláudio Acqua Viva. Disponível em:
[http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A
1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html]. Acesso em:
30.03.2018.

11 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 1988, p. 207.

12 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras, 1991, p. 126.

13 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a


sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 8.

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A liberdade de expressão como direito difuso na
sociedade da informação

14 RIFKIN, Jeremy. Sociedade com custo marginal zero: a internet das coisas, os bens
comuns colaborativos e o eclipse do capitalismo. São Paulo: M. Books, 2016, p. 166.

15 MACEDO, Fausto. ‘Como é que os juízes vão dar conta de 80 milhões de twitters
falando o tempo todo?’, diz Cármen Lúcia. Disponível em:
[http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/como-e-que-os-juizes-vao-dar-conta-de-80-milhoes-de-twiters-falando-o-tempo-todo-diz-carm
Acesso em: 30.03.2018.

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