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Ética cristã

Reverendo João Batista dos Santos Araújo


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EUTANÁSIA: CONCEITOS E IMPLICAÇÕES

A “boa morte” ou “morte misericordiosa”, como a eutanásia é conhecida, tecnicamente


é “a doutrina segundo a qual é lícito antecipar a morte de pacientes terminais, que
estejam sofrendo de enfermidade incuráveis, aflitivas e dolorosas” (5).

Se no assunto da pena de morte os teólogos estão divididos, na questão da eutanásia


percebemos uma opinião quase comum e que é contrária a tal prática. Em virtude
disso, não necessitaremos nos alongar tanto nesta questão.

Falando sobre organizações que buscam a legalização da eutanásia, Hanegraaff diz


que na visão destas organizações “‘assassinatos por misericórdia’ quando se trata de
doenças, incapacidades e casos terminais são um passo para luz”, na ética cristã,
porém, “são um passo para a escuridão” (6).

 Eutanásia: passiva e ativa


Eutanásia passiva – quando o doente recusa tratamento médico que está lhe
causando dores e sofrimentos e aceita o curso natural da doença com o risco da
morte (ele não pretende morrer, pretende livrar-se do sofrimento do tratamento que,
não raras vezes, demonstra-se ineficaz).

Quando o paciente continua sendo medicado, mas com restrição aos usos de
tratamentos que provoquem dor, e recebendo cuidados farmacológicos mínimos que
ao menos alivie seu sofrimento, reconhecendo que a doença tem seu curso natural e
que o prolongamento artificial da vida biológica não é benéfica para o paciente, então
diz-se que neste caso ocorre a ortotanásia (“morte correta”), e não eutanásia.

Eutanásia ativa – quando o processo de morte é acelerado intencionalmente, seja


por desligamento dos aparelhos hospitalares, seja por injeção de alguma droga, para
por um fim imediato à vida do paciente. Uma questão a se ponderar é se neste caso, o
fato do paciente permitir que pratiquem contra ele a eutanásia, não estaria ele também
praticando uma forma de suicídio (suicídio assistido), ou se os médicos ou parentes
que concordam em acelerar a morte do paciente não estariam por isso cometendo
homicídio. No Código Penal Brasileiro, em seu Artigo 122, a eutanásia é tipificada
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como crime já que tal prática é “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe
auxílio para que o faça”.

Hank Hanegraaf diz que “Embora a eutanásia passiva seja moralmente admissível,
pois permite que o processo de morte siga seu curso natural, a eutanásia ativa é
moralmente proibida, porque envolve, de forma direta, o ato de tirar a vida
humana” (7).

Alan Pallister, num discurso que representa opinião cristã majoritária, entende
que“praticar eutanásia é usurpar o lugar do Deus soberano. Este dá o espírito que
torna o homem uma alma vivente (Gn 2.7) e, quando Deus estende, o espírito volta
para ele (Ec 12.7)”. [8]

 O problema do sofrimento
Quase sempre o argumento a que recorrem os defensores da eutanásia, é o
argumento emocional: por que não antecipar a morte de uma pessoa cuja doença é
incurável e que já está em estágio terminal, livrando-a assim de ficar dias ou até
meses sofrendo com a doença sobre uma cama?

Claudionor de Andrade e também Alan Pallister questionam se este argumento é


mesmo sincero, ou se o interesse pela eutanásia é muito mais financeiro: por um lado,
parentes que querem se livrar das despesas e de suas obrigações para com o doente;
por outro lado, operadoras de planos de saúde que não desejam custear altos gastos
com tratamento do doente. Mas, quanto vale uma vida?

Embora não devamos buscar a dor, nem desejar o sofrimento, fato é que, como diz
Pallister, “faz parte dos propósitos de Deus permitir que a maioria de seus filhos
atravessem períodos de grande sofrimento – os quais contribuem para seu
amadurecimento e santificação (Rm 5.3-5; 2Co 4.16,17; Tg 1.2-4)” [9]. Como dizia o
crítico literário C.S. Lewis, “Deus sussurra em nossos prazeres, fala em nossa
consciência, mas grita em nossas dores; é seu megafone para despertar um
mundo surdo” [10].

O apóstolo Paulo, aquele que trazia as marcas do sofrimento por amor de Cristo em
seu corpo (Gl 6.17; 2Co 11.23-38), inspirado pelo Espírito Santo nos exorta que a
nossa “leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui
excelente” (2Co 4.17). Davi com muita confiança assim salmodia ao seu Pastor:
“Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque
tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam” (Sl 23.4). Em horas de
grande aflição, precisamos nos unir aos coraítas e assim cantar com fé: “Deus é o
nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia” (Sl 46.1).

A Bíblia ensina a consolar-nos uns aos outros (1Ts 4.18), chorar com os que
choram (Rm 12.15), socorrer os que sofrem (1Tm 5.10,16; Mt 25.34-36), orar
pelos doentes (Tg 5.14,15) e medicá-los quando preciso (1Tm 5.23). Mas a Bíblia
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nunca nos manda antecipar a morte de ninguém, para poupar-lhe da dor e de


doenças prolongadas!

O segundo maior mandamento, na perspectiva de Cristo é: “amar ao próximo como a


si mesmo”. E o amor “O amor é sofredor, é benigno… Tudo sofre, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta” (1Co 13.4,7). Além do mais, como Jó que em meio ao
sofrimento obtive uma sublime revelação de Deus tal qual nunca dantes tinha recebido
em seus cultos matinais, assim também é perfeitamente possível que em meio ao
sofrimento, Deus esteja querendo se revelar a nós ou a nossos parentes e amigos de
maneira maravilhosa. Como disse o profeta Naum, “o Senhor tem o seu caminho na
tormenta” (Na 1.3).

Nas palavras do filósofo cristão William Lane Craig, “muito do sofrimento desde mundo
pode parecer totalmente sem sentido em relação ao objetivo de produzir a felicidade
humana, mas não pode ser sem sentido em relação a trazer um conhecimento mais
profundo de Deus” (11). Antes do sofrimento intenso que amargou, e mesmo quando
sua mulher lhe sugeriu amaldiçoar a Deus e morrer, Jó só conhecia a Deus de ouvir
falar; depois do sofrimento, quando Deus se revelara a ele pessoalmente em meio ao
redemoinho (Jó 38.1), Jó então pode dizer: “agora meus olhos te veem…” (Jó 42.5).
Creio que mesmo sofrendo dores terríveis, precisamos confiar em Deus, como uma
mulher grávida confia que dará a luz ao filho querido, ainda que em meio a terríveis
dores de parto.

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