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O Último Canalha
5º Livro da Série
Os Órfãos de St. James
Sinopse
William Graves é o último dos canalhas de Feagan. Um ladrão de sepulturas
que se tornou o médico real, ele tem dedicado sua vida para salvar os outros—
porque ele sabe que não há como salvar a si mesmo. Especialmente tão próximo
de uma dama como Winnie. Embora não seja merecedor de seu toque, ele não
consegue resistir. Sua paixão não pode ser domada... mesmo em face de certo
perigo.
Winnie, a Duquesa de Avendale, nunca conheceu a paz até que seu cruel
marido morreu. Com William, ela conheceu o desejo ardente, e o poder de cura
do amor. Mas agora, confrontada com o passado que ela pensou que tinha
abandonado, Winnie deve enfrentar seus medos... ou, arriscar perder o único
homem com quem pode realizar todos os seus sonhos.
Prólogo
Partindo do diário de William Graves
Eu nasci de uma mulher que me considerou sem valor, exceto quando eu lhe proporcionava
um local conveniente para o dorso de sua mão. Eu aprendi bem como evitá-la, eu me escondia
nos cantos, para encontrar uma maneira de estar longe de seu alcance. Assim que as minhas
pernas puderam manter-se, comecei a acompanhar meu pai em suas corridas noturnas pelos
cemitérios.
Ele era um ladrão de sepulturas. E me tratou muito mais gentilmente do que minha mãe.
Ele viu o potencial em mim, porque eu estava disposto a ajudá-lo a cavar os tesouros. Era
assim que ele os chamava. Muitas vezes, os mais abastados eram enterrados com suas joias.
Alguns cavalheiros tinham dentes de ouro. Todos eram cadáveres, e eram necessários nos
hospitais para ensinar a médicos em potencial sobre os meandros do corpo humano, e eles
colocavam moedas nos bolsos de meu pai.
Eu nunca temi os mortos. Eles já não podiam me machucar. Quando minha mãe morreu,
meu pai a levou imediatamente ao hospital porque ela iria nos render uma boa soma. Mas
nesse dia— depois que eles pagaram o meu pai— eu me demorei um pouco mais, e vislumbrei
a reverência com que os corpos eram tratados e os segredos que revelavam.
Quando voltei para casa, meu pai tinha ido embora. Eu nunca mais o vi. Não sei se ele foi
roubado e morto para roubarem seus bolsos ou se decidiu que queria se livrar de mim, percebi
que a minha mãe estava certa e que não valia a pena o esforço de me manter vivo.
Eu tinha oito anos na época, e logo me vi nas ruas, onde caí na mão de um sujeito que se
passou pelo nome de Feagan. Ele controlava um grupo de crianças ladras, e logo me ensinou a
roubar lenços de seda dos grã-finos. Meus dedos eram ágeis e rápidos, bem adequados para a
tarefa.
No entanto, o destino é uma senhora volúvel. Eventualmente, foi descoberto que um dos
rapazes do Feagan era realmente uma criança perdida da aristocracia, e quando Lucas foi
viver com seu avô, o Conde de Claybourne, me levou com ele. Eu fui orientado em matemática,
caligrafia e leitura. Quando eu estava numa idade adequada, fui admitido em um hospital de
ensino. Eu estava confortável em torno dos cadáveres, ansioso para entender tudo o que podiam
compartilhar comigo. Na época, eu era capaz de aplicar o que aprendi. Tornei-me um médico
de renome, tratava dos pobres e da aristocracia igualmente. Eventualmente, minhas
habilidades se tornaram de conhecimento da Rainha, e ela me pediu para servir a seu bel
prazer, o que fiz de bom grado.
Mas eu nunca esqueci minhas origens humildes, nunca me esqueci de que os mortos sempre
contam seus segredos.
Capítulo 1
Londres, 1854
Winifred Buckland, a Duquesa de Avendale, nunca tinha sentido tanto medo
em sua vida. Algo estava errado, terrivelmente errado, e ela temia que se
contasse a alguém o que estava acontecendo, a mandariam imediatamente para
Bedlam.
Assim que as pessoas chegaram para seu baile de caridade, ela estava ao pé da
escada que dava para o grande salão e fingiu que nada estava errado. Com um
sorriso, ela agradeceu aos membros mais influentes e ricos da aristocracia por vir
apoiar seus planos de construir um hospital. Era uma grande empreitada, mas
gerenciar o projeto serviu para reforçar a sua confiança. Ela começou a
organizar o evento logo após seu primeiro ano de luto. Seu marido havia
morrido em um incêndio em Heatherwood, a propriedade ancestral do Conde
Claybourne. A razão para ele estar no solar ainda era um pouco obscura, mas
sua morte foi clara. Ela tinha visto os seus restos carbonizados e tinha os anéis
ducais removidos das cinzas de seus dedos. Com sua morte tinha chegado a sua
liberdade— a sua libertação da dor, humilhação e medo paralisante. Ele tinha
sido um bruto, se ela fosse honesta, ainda que apenas um punhado de pessoas
soubessem a verdade. Não era algo sobre o qual se gabava.
Depois de saudar os últimos convidados, ela vivenciou uma pequena pausa e
tomou um momento para olhar ao redor. A orquestra situada na varanda estava
tocando uma valsa. Lírios da manhã, sua flor favorita, foram dispostos em
encantadores vasos, trazendo sua fragrância doce no salão de baile. Através de
uma porta próxima, seus convidados vagavam para outra sala onde eram
recebidos com uma abundância de comida e bebida em longas mesas cobertas
de linho. Champanhe fluía. Risos flutuavam pelas salas. Ela amava o riso mais
do que tudo. Tal som alegre que esteve tão pouco presente em sua vida por
alguns anos.
Onde uma vez, organizar bailes tinha sido uma provação tediosa que muitas
vezes minou sua autoestima, porque o marido sempre encontrou falhas numa
coisa ou outra, agora ela apreciava a tarefa imensamente, porque seu baile servia
o propósito de recompensar o homem que tinha literalmente a salvado da beira
da morte.
Olhando para o topo das escadas, ela sentiu seu coração dar um leve salto
quando ela viu William Graves descendo. Com seu cabelo loiro ondulado sobre
sua cabeça como uma auréola, ele a lembrou um anjo. Seu anjo. Ele não só
havia cuidado de seus ferimentos, mas tinha lhe proporcionado um santuário
após a última horrível surra que seu marido lhe dera antes de sua morte
acidental. Foi por causa de William Graves que ela acolheu este evento nos anos
seguintes. Ela tinha a intenção de usar os fundos para estabelecer um hospital
em sua honra como uma forma de recompensá-lo por tudo o que ele tinha feito
por ela.
Finalmente, ele chegou até ela, tomou sua mão enluvada, e pressionou um
beijo nela.
— Sua Graça, você está vestida lindamente esta noite.
— Dr. Graves, eu estou tão contente que você pôde se juntar a nós.
Desejou que não soasse tão ofegante, como se fosse aquela que tinha
acabado de descer as escadas a um ritmo apressado. Ela não entendia por que
ele sempre a fazia lutar para respirar, de uma forma bastante agradável, que
implicava a antecipação ao invés de medo. Considerando o tratamento que
sofreu nas mãos de seu marido, ela estava muito surpresa que não temia a todos
os homens.
Mas havia algo em William Graves que sempre a tranquilizava. A diabrura
dançando no azul de seus olhos, talvez, ou a maneira como ele sorria um pouco
maliciosamente como se fosse muito hábil em guardar segredos de uma dama,
especialmente se ele fosse a razão para esses segredos. O dele era um rosto
como de Adônis, e enquanto suas roupas de noite proporcionaram-lhe uma
elegância e um verniz de civilidade, ela sabia que o poder residia sob o tecido.
Ele a tinha levado com tanta facilidade há três anos. Quase inconsciente no
momento, ela ainda tinha sido extremamente consciente de ser encapsulada
dentro do abrigo de seus braços fortes. Sua voz tinha emitido comandos
tranquilos, mas insistentes, pedindo-lhe para não sucumbir às garras da morte.
Ela suspeitava que a maioria de seus pacientes se viam curados por causa de sua
insistência inabalável que não deixava fazer o contrário.
Ele se aproximou dela, com a atenção de alguém que nunca deixou de ignorar
o mais ínfimo dos detalhes.
— Você conta com uma boa afluência. Não tenho a certeza se eu teria tido o
mesmo êxito.
Esfregando a ponte do nariz, ela disse: — Você teria tido, eu lhe garanto. E
está correto sobre afluência desta noite, as doações deste ano irão fornecer os
fundos para que o trabalho no hospital comece a sério.
Seus olhos azuis se voltaram e se mantiveram sobre ela.
— Um hospital será muito apreciado. Você é muito generosa para doar-lhe o
seu tempo e tal devoção.
— Não é nenhum sacrifício, eu lhe garanto. Talvez, se você tiver um par de
horas à disposição nos próximos dias, poderíamos discutir alguns dos detalhes.
Quero garantir que ele atenda às suas necessidades.
— Eu confio em seu julgamento.
Ele nunca saberia o quanto essas palavras significavam para ela. Seu marido
havia tentado controlar cada aspecto de sua vida, nunca tinha confiado em seu
julgamento. No final, até ela começou a duvidar de si mesma.
— Ainda assim, eu valorizo sua opinião.
— Sua Graça, o hospital não deve ter nada a ver comigo.
Tinha tudo a ver com ele.
— Por favor —, ela pediu, sabendo que a seguir ele iria dizer-lhe que não
havia feito nada fora do comum ao cuidar dela.
Gostava dele, gostava muito, mas ele manteve uma distância respeitosa e
sempre foi tão formal com ela. Sabia que ele tinha crescido nas ruas e que era
amigo do Conde de Claybourne. Era como ela o tinha conhecido e o conde, eles
haviam presenciado tudo naquela noite terrível.
— Isto passou a ser o meu propósito de vida. Vou construir um hospital e se
você não me ajudar, irei fazê-lo do meu próprio jeito, e eu posso estragar as
coisas.
Ele sorriu, um suave elevar de seus lábios.
— Duvido que você possa estragar as coisas, mas suponho que eu poderia
adicionar um pouco da minha visão sobre as necessidades de um hospital. Vou
arranjar um tempo na minha agenda para analisar seus planos.
— Eu agradeço.
— Agora, você pode arranjar um tempo em sua agenda de anfitriã para
dançar comigo?
Alegria resplandeceu nela. Era o primeiro baile onde ela não usava seu traje
de luto. Em seu vestido de noite azul pálido, ela se sentiu jovem novamente, não
sobrecarregada com as más decisões de sua juventude.
— Eu, na verdade posso. Meu cartão de dança está completamente vazio.
Viúvas não são tão procuradas como jovens damas solteiras.
— Pessoalmente, eu prefiro uma dama com alguma experiência na vida do
que aquelas que ainda são muito inocentes. — Os acordes de outra valsa
começaram a soar. — Será que pode ser esta valsa?
Ela não podia conter seu prazer.
— Essa servirá muito bem.
Enquanto ele a conduzia para a pista de dança, ela sentiu um leve
desapontamento. Ela teria se sentido muito mais autoconfiante se estivesse
usando o colar de safira que pertenceu a sua mãe. Ele teria combinado
perfeitamente com seu vestido e teria servido para distrair atenção de seu nariz
disforme, levemente torto para o lado... um presente de despedida de Avendale.
Mas quando ela havia ido até o cofre anteriormente para pegar as safiras, elas
não estavam lá. Não sabia como o colar poderia ter sido roubado quando o
cofre era seguro e ela era a única pessoa com a chave. Tentou se lembrar quando
foi a última vez o tinha usado, e se ela poderia tê-lo colocado em outro lugar,
mas ela sempre teve muito cuidado com essa joia, mais por causa de seu valor
sentimental do que o seu valor monetário.
Mas os pensamentos sobre o colar se recaíram de sua mente quando William
Graves a tomou em seus braços e a fez deslizar sobre o chão de mármore
brilhante. A sua parte favorita da noite sempre foi essa única dança com ele. Só
lhe pediria está dança. Não importava que ninguém mais a escoltasse para o
salão de baile. Após estes poucos minutos, ele não se intrometeria em sua noite
de novo, como se ela fosse considerar qualquer tempo gasto com ele uma
intrusão.
Quando seus olhos se encontravam com os dela, se perguntava se ele a via
como ela era agora ou como tinha sido. Não queria ser vaidosa, mas parecia que
ela era. Uma linha branca diagonal marcava a sua sobrancelha. Ela tinha uma
pequena cicatriz na bochecha. Debaixo de seu vestido residia várias outras.
William sabia de sua existência, porque ele tinha sido aquele a costurá-la, quem
manteve o gelo contra todas as diversas áreas machucada que tinham inchado.
Ele foi o único que lhe deu colheradas de caldo em sua boca quando ela mal
conseguia mover sua mandíbula. Ela era uma mulher casada quando começou a
sentir uma forte afeição por um homem que não era seu marido, dentro de
poucos dias. Então Avendale se morreu, e a culpa sobre seus sentimentos em
relação a William. Inteiramente impróprio por ela pensar nele como algo mais
que seu médico. E William, bendito fosse, nunca tinha tirado partido da
situação, nunca tinha indicado que ele a via como algo diferente de uma
paciente.
Mas agora ela quase acreditou ter visto o desejo latente em seus olhos. Eles
não conversavam. Parecia que não havia necessidade de palavras. Mas ela estava
ciente de sua mão segurando a dela com força, a outra mão pressionando a parte
baixa de suas costas, com as pernas roçando a saia. Ele era alto, de ombros
largos, mas ela não se sentia ameaçada por seus traços físicos. Em vez disso, se
sentia segura e protegida. Talvez tenha sido o resultado dos dias que passara sob
seus cuidados. Ele tinha secretamente levado ela e seu filho embora para sua
casa na cidade. Sua amiga, Frannie, que mais tarde tornou-se a Duquesa de
Greystone, tinha vindo para cuidar de Whit, enquanto que William dedicou todo
o seu tempo assegurando que Winnie se recuperasse de seu calvário. Foi preciso
mais do que a cura física, ele atendeu suas necessidades emocionais
magistralmente.
Tantas noites ela acordou no meio de um pesadelo e então o via sentado em
uma cadeira ao lado de sua cama a vigiando. Ele preencheu suas horas de
recuperação, lendo Shakespeare e Dickens para ela, jogando xadrez, levando-a
para o jardim para que ela pudesse desfrutar e assistir seu filho chutar bola com
Frannie. Ele parecia adivinhar o que ela precisava sem manifestá-lo. Ele foi tão
atento, e enquanto dizia a si mesma que ele só estava lá porque estava
acompanhando sua recuperação, ainda assim em um pequeno canto de seu
coração, ela não podia deixar de sentir, e acreditar que ele gostava de passar seu
tempo com ela, que arrumava desculpas para estar em sua companhia um pouco
mais. Às vezes, eles conversavam sobre nada em particular nas altas horas da
noite, até que ela adormecia num sono repousante. Sempre parecia dormir
melhor quando levava sua voz em seus sonhos.
Então a música silenciou, e muito lentamente os movimentos deles de
detiveram. Ele pareceu prestes a dizer alguma coisa, pedir outra dança talvez.
Ou pelo menos esperava que essas fossem as palavras que ele iria proferir. Ela
não se importava se apenas duas danças eram adequadas. Ela dançaria todas elas
com ele se lhe pedisse.
Em vez disso, ele lhe deu um pequeno sorriso e começou a levá-la em
direção à escadaria onde ela poderia estar para cumprimentar os retardatários.
Uma vez que eles chegaram ao seu destino, ele novamente pegou sua mão e
beijou o dorso dela.
— Obrigado pela dança —, disse ele.
— O prazer foi meu.
Seus olhos escureceram.
— Não, Duquesa, como sempre foi meu.
Com essas palavras de despedida, ele afastou-se, desaparecendo no
emaranhado de convidados. Ela não tinha dúvida de que ele estava no lado de
fora procurando seus amigos que também estariam aqui. Outros que haviam
crescido nas ruas com ele, que apoiavam os seus esforços mais para o benefício
do bom doutor do que dela, disso estava certa. Ele parecia incutir lealdade nas
pessoas. Embora, isto provavelmente não fosse incomum, considerando sua
habilidade em afastar os avanços da morte.
No entanto, encontrou-se muitas vezes desejando que ela o tivesse conhecido
em circunstâncias diferentes, que o tivesse conhecido antes de ter se tornado
uma senhora casada.
Permanecendo em um canto escuro do terraço, William Graves sorveu o
uísque que tinha roubado da biblioteca. Preferia o amargo do uísque forte ao
champanhe. Estava mais de acordo com a escuridão que residia dentro dele.
Dançar com Winifred Buckland, Duquesa de Avendale, era um de seus
momentos favoritos no ano. Mesmo que o ato fosse de puro tormento.
Três anos atrás, ele havia feito o que era necessário para salvá-la, embora nem
tudo fosse exatamente legal. Não que ele tivesse sofrido alguma culpa por
driblar a lei. Mas ele não estava certo de que ela aceitaria de bom grado seu
delito. De fato, ele estava bastante certo de que o desprezaria por seu papel na
morte de seu marido, e assim ele mantinha distância quando preferia fechar a
lacuna entre eles.
Ou pelo menos explorar a possibilidade de se aproximar. Ele se sentia atraído
por ela de uma maneira que nunca fora atraído por outra mulher. Ela possuía
uma vulnerabilidade que ele suspeitava ocultava sua força, e ele adoraria ajudá-la
a descobrir esse segredo sobre si mesma, mas temia que ao fazê-lo ela
descobrisse os segredos dele. Seus segredos que poderiam muito bem destruir
não só ela, mas todas as outras almas sobre quem ele se importava.
Então, por dois anos, ele comparecia a esse maldito baile. Dançava somente
uma vez com ela. Inalava sua fragrância de jasmim, sentia o calor de sua pele
escoando através de suas roupas e tocava suas luvas para sentir o calor de suas
mãos. Ele olhou para seus sombrios olhos castanho, e desejou a Deus que ele
possuísse o poder de fazê-la rir. Ele estudou seu nariz ligeiramente torto, que
apesar de suas origens ele achou cativante, e se perguntou se estava ciente
quantas vezes ela esfregava a ponte dele, quantas vezes ela parecia tentar
escondê-lo. Ele estava familiarizado com a cicatriz em sua sobrancelha, a de sua
bochecha, e a marca quase imperceptível na parte de baixo de seu queixo que ela
nem sabia que estava lá. Ele não via nenhum problema nelas, elas eram sinais de
sua sobrevivência, mas detestava as razões pelas quais ela as possuía.
Ainda assim, ele pensava muitas vezes em como se sentiria rastreando sua
boca sobre elas, e se perguntava se no processo ele curaria as dores internas com
tanto sucesso como tinha conseguido curar as externas.
Ansiava remover os grampos de seu cabelo cor de mogno. Duvidava que ela
estivesse ciente de que durante alguns de seus momentos de delírio ele tinha o
escovado para livrá-lo de se tornar tão embaraçado e precisasse ser cortado. Ele
caía até a cintura, e era tão bonito. Tão bonito quanto ela. Ele podia olhar seus
olhos castanhos por horas, mas já tinha olhado tudo que ele se permitia para
uma noite. Uma dança. Alguns momentos. Não ousava se torturar mais, tomar
mais. Sua capacidade de resistir a ela estava por um fio.
Ele bebeu todo o conteúdo do copo antes de deixá-lo de lado na balaústra.
Hora de sair, encontrar outra mulher para distraí-lo de seus desejos. Embora
infelizmente, desde que a conheceu, todas as outras mulheres se empalideciam
em comparação a ela, deixando-o carente. Ele muitas vezes trabalhou até a
exaustão simplesmente para não a levar em sonhos, porque ela nunca usava
roupas neles, e sua frustração com ações passadas apenas aumentavam. Mas
mesmo sabendo o preço que pagou, o faria outra vez sem hesitação. Ele faria
qualquer coisa para protegê-la.
Virando os calcanhares, fez uma pausa ao ver que a Duquesa descia os
degraus que levavam ao jardim. Ele não deveria segui-la. Ela poderia ter
arranjado um encontro, mas pareceu incapaz de impedir suas pernas e fechar a
curta distância que os separava.
— Duquesa?
Parando, ela o encarou. Dentro da luz pálida lançada pelas lamparinas de gás
que iluminavam o caminho, ele viu seu leve sorriso. Gentil, afetuoso e
acolhedor. Ela era a pessoa mais gentil que já conhecera. Em sua juventude ele
tinha desejado um toque gentil, uma doce carícia que aliviaria todas as suas
feridas. Ele imaginou que ela seria um bálsamo para sua alma endurecida.
— Eu gostaria que você me chamasse de Winnie —, ela disse suavemente.
— Você é uma duquesa; sou um plebeu.
— Um plebeu que serve como um dos muitos médicos da rainha. Eu diria
que isso o torna incomum, Dr. Graves.
Ignorou seu argumento, não precisava de nada para criar um senso de
intimidade entre eles, que pudesse enfraquecer sua determinação de permanecer
distante.
— Você deveria estar aqui sozinha?
— É o meu jardim. Como viúva, eu não preciso de uma acompanhante. —
Ela olhou para trás por cima do ombro. — Está tão lotado lá dentro, o que é
um grande benefício para a causa, mas estava começando a me sentir como se
estivesse sufocando. Eu só precisava de um pouco de ar fresco, então pensei em
dar uma volta rápida pelo jardim. Você gostaria de se juntar a mim?
Ele sabia a resposta correta, a resposta segura. Em vez disso, ele se ouviu
dizendo: — Eu gostaria, muito.
Então ele fez algo igualmente estúpido: ofereceu-lhe o braço. Ela enlaçou a
pequena mão em seu cotovelo, e mesmo usando camisa e jaqueta, ainda podia
sentir o contorno de cada dedo no tecido até que ele podia jurar que estava
queimando uma marca em sua pele. Sua cabeça ficava uns quinze centímetros
bem abaixo de seu ombro. Ela era tão pequena, o que o deixou ainda mais
irritado quando pensou no bruto de seu marido levantando os punhos para ela,
antes de segurá-la e batê-los contra ela. Ele recebeu o que merecia, e William
não se arrependia disso. Se isso acrescentava o peso da culpa à sua própria
consciência que assim fosse. Não era a primeira vez.
Uma brisa fresca flutuava pela encantadora noite de verão, segurando a névoa
na baía. Alguns outros casais estavam caminhando. Os sussurros de alguns que
se desviaram do caminho se misturaram com o chilrear de insetos. A escuridão
criou uma intimidade que tornou fácil acreditar que os segredos poderiam ser
mantidos lá.
— Por que Victoria requer tantos médicos? — Perguntou a duquesa.
Porque ela sofre muito da hipocondria. Não que ele estivesse prestes a compartilhar
essa informação. Ele não discutia as enfermidades daqueles a quem assistia.
— Ela é a rainha e quer garantir que fique saudável para seus súditos. Às
vezes, ajuda a ter mais de uma opinião sobre um assunto. A medicina não é uma
ciência exata, e ainda temos muito a aprender.
— Deve ser fascinante, no entanto, ver tudo o que você faz.
— Fascinante e doloroso. Prefiro os dias em que meus pacientes se
recuperam aos dias em que não.
— Estranho, mas nunca considerei que você tenha perdido um paciente.
Acho que eu estava tão perto da morte quando me trouxe de volta que acredito
que você pode realizar milagres —, disse ela.
— Dificilmente. Eu sou apenas um homem, não um milagreiro.
Estavam mais afastados do jardim agora, longe das luzes, mas seus olhos se
ajustaram e ele podia ver claramente para onde estavam indo. Nenhum outro
casal parecia estar próximo. Eles deveriam voltar. No entanto ele nem sempre
fazia as coisas que deveria.
— Você sabe muito sobre o funcionamento do cérebro? — Ela perguntou.
— Eu consegui remover um ou dois tumores, com bastante sucesso. Você
está com dores de cabeça?
Ele não gostou da ideia de ela passar por mais esse sofrimento. Já
experimentou dor suficiente nas mãos de seu marido que servia para uma vida
inteira, mas ele estava bem familiarizado com o fato de que as pessoas nem
sempre conseguiam a existência despreocupada que mereciam.
— Não, não. Na realidade é o esquecimento. É bobagem realmente. Eu
tenho um colar de safira que tinha planejado usar com este vestido, mas quando
fui buscá-lo no cofre do meu quarto, ele não estava lá.
— Foi roubado, então.
— Aí é que está. Eu não sei. O cofre estava fechado. Quem roubaria? Os
criados estão a meu serviço há anos. Por que eles de repente começariam a
roubar? Embora para ser honesta, é mais do que esse único incidente. Houve
outras coisas acontecendo que me deram motivo de preocupação.
— Tal como?
— Parece que estou sempre a perder coisas. Não sei por que estou tão
esquecida ultimamente.
Ele parou de andar, colocou as mãos em seus ombros, e virou-a para que ela
o encarasse diretamente. Ele tinha tirado as luvas quando saiu do salão em busca
de uma bebida mais forte. Usou de toda a sua força interior para não levar as
palmas das mãos desnudas a passear sobre a pele sedosa, não tirar as luvas dela,
não brincar com os cabelos, não se aproveitar deste momento em que ela olhava
para ele com tal seriedade. Forçando seus pensamentos errantes de volta ao
assunto em questão, desejou ter mais luz, ter seus instrumentos com ele para
poder examinar seus olhos com mais atenção. Como já cuidou dela antes, ele
estava bastante familiarizado com as profundidades marrons, o círculo mais
escuro ao redor de sua íris, as pequenas manchas douradas que captavam a luz.
— Você sofreu um golpe na cabeça há três anos. O que você está
enfrentando pode ser o resultado de uma lesão que eu não consegui diagnosticar
corretamente.
— Mas por que agora?
— Quando isso começou?
Ela balançou a cabeça, e ele se viu desejando que seus movimentos soltassem
os grampos, até que seus cabelos escapassem de seu laço e ele pudesse correr
seus dedos através dele. Por que com ela sempre foi tão difícil ser o médico
impessoal que tinha sido treinado para ser? Ele deveria olhar para ela como um
objeto a ser analisado, não uma mulher a ser explorada.
— Dois ou três meses atrás —, disse ela levemente, completamente
inconsciente do caos e devastação que isso causava nele. — Logo depois que
voltei para Londres para a temporada. O meu cérebro demoraria tanto para se
manifestar?
Ele não pensava assim, mas como tinha dito a ela, a comunidade médica
ainda estava aprendendo coisas sobre a condição humana.
— Você teve outro golpe na cabeça recentemente? Algum acidente? Você
caiu?
— Não, nada. E eu sinto muito. — Ela riu levemente, um tilintar de sinos
que causava um aperto em seu estômago com a memória da primeira vez que ele
tinha ouvido o doce som. Ela estava observando seu filho pequeno brincar com
Frannie no jardim de William, e seu deleite lhe tinha dado o primeiro raminho
de esperança de que ela realmente se recuperaria, que ele tinha conseguido
descobrir todas as lesões que precisava cuidar. Mas agora ele estava se
perguntando se tinha esquecido algo, algo vital que poderia atormentá-la para o
resto de seus anos. — Eu não queria te causar uma preocupação indevida. Esta
noite é para ser divertida.
Mas ele estava preocupado. As pessoas podiam parecer perfeitamente bem,
mas algo escuro e sinistro poderia estar à espreita, esperando para arrancar-lhe a
vida. Em sua juventude, ele estava muito familiarizado com a escuridão e o
sinistro, e seus medos o tinham levado ao desastre. Não importa quantas vidas
salvou, ele não poderia reparar a vida que tinha sido perdida por causa de sua
fraqueza.
— Quero que venha ao meu consultório amanhã para um exame.
— Você realmente acha que isso é necessário?
— Não saberei até eu dar uma olhada. E eu enviarei uma mensagem ao
inspetor Swindler da Scotland Yard. Não sou um especialista em cofres. Eles
não eram de minha competência quando vivia nas ruas, mas ele deve ser capaz
de examinar o seu, a fim de determinar se alguém sem uma chave conseguiu
abri-lo.
— Esqueci que foi ladrão um dia. Só ouvi parte dos rumores sobre o seu
passado. Foi horrível?
— Nem tudo. — Ele embalou o rosto dela entre as mãos. Um erro. Sua pele
era tão lisa, como a mais fina seda. Em sua garganta, ele podia sentir seu pulso
batendo contra seus dedos. — Quero que prometa que virá me ver amanhã.
— Sim tudo bem. Ainda é no mesmo lugar onde você me levou há tantos
anos?
Não podia se conter. Ele passou os polegares por suas bochechas.
— Sim. Posso mandar uma carruagem apanhar você.
— Não, eu ainda me lembro onde fica. Posso encontrá-lo. Que horas?
Traçando a linha externa de seus lábios, ele ouviu sua respiração suave.
— Qualquer hora que seja melhor para você.
Ela simplesmente assentiu com a cabeça, o olhar fixo nele. Considerando o
que sabia do passado dela, ele ficou surpreso que ela não saiu correu gritando de
volta para a residência.
— Eu não quero que você tenha medo, Winnie. — Ele se amaldiçoou pela
facilidade com que seu nome rolou fora de sua boca.
— Não tenho quando estou com você.
Você deveria ter, ele pensou. Deus a ajude, mas ela deveria ter. Qualquer que
fosse o reservatório de controle que possuía, dissipava-se. Como uma
condenada maldição ecoando entre eles, ele baixou a boca para a dela. Seus
lábios eram tão carnudos e macios como sempre imaginou, se abrindo
ligeiramente, hesitantemente, convidando-o a tomar mais liberdade. E era
canalha o bastante para aceitar o convite. Ela gemeu quando ele passou a língua
pela boca doce. Ela provara champanhe e se perguntou se estava tão à vontade
com ele porque tinha bebido algumas taças a mais. Então, sua pergunta se
voltou para admirar enquanto sua língua explorava a boca dele com igual fervor.
A vantagem de estar com uma viúva. Ela não era inocente. Deus, ele sabia que
ela estava longe disso. Ela agarrou as lapelas de sua jaqueta. Fechando seus
braços ao redor dela, ele a aproximou mais perto dele, até que seus corpos
estivessem pressionados um contra o outro. Ele podia sentir suas curvas, sua
excitação crescente. Amaldiçoou as roupas que os separavam.
As unhas dela raspavam seu couro cabeludo imediatamente antes de seus
dedos se arrastarem ao longo da mandíbula dele. Suspirando, ela abraçou seu
pescoço, aproximando-se ainda mais.
Fazia três anos que sonhava com esse momento, fantasiava-o, imaginava-o,
mas nunca ousara acreditar que acontecesse. Ele não queria desistir, não queria
parar. Ele se aprofundou mais, soltando a fome que tinha segurado por tanto
tempo, por ela, só por ela.
Ela merecia alguém muito melhor que ele, alguém que não mentia, que não
guardava segredos, que podia sentar-se com ela diante de um fogo e nunca
temer ser honesto. Mas com ela, ele sempre teria que tomar cuidado com suas
palavras, sempre atento no que revelasse. Ela havia dito que não tinha medo
dele, mas sabia que, se entendesse exatamente o que era capaz de fazer, ficaria
aterrorizada. Ela não confiaria nele. Duvidava que gostasse dele; ela certamente
não o amaria.
Até mesmo beijá-la tinha a possibilidade de levar ao desastre, e ele não era o
único cuja vida poderia ser arruinada. Deveria se afastar agora. E ele o faria.
Depois de mais um momento.
Mais um momento de seus suspiros e gemidos. Mais um momento de seu
corpo exuberante se contorcendo contra o dele. Mais um momento de seus
braços se entrelaçando fortemente ao redor dele como se ela nunca o fosse
deixar ir.
Queria soltar os fechos. Ele queria levantá-la em seus braços e levá-la para
seu quarto. Queria fazer todas as coisas que não deveria. Mas as indulgências
viriam com um preço, e ele não podia, em boa consciência, pedir-lhe que
pagasse.
Com um gemido de frustração, recuou. Soltando respirações rápidas e curtas,
ela olhou para ele com expectativa. Melhor decepcioná-la agora do que arriscar-
se a destruí-la. Estar muito tempo em sua companhia não seria sábio para
nenhum deles.
— Boa-noite, duquesa.
Pôs-se bruscamente sobre o calcanhar e caminhou em direção ao portão
traseiro que o levaria até as cavalariças. Por alguns instantes, ele havia
experimentado o céu, e sabia, sem dúvida, que gastaria as horas restantes da sua
noite definhando nas profundezas do inferno.
Capítulo 2
Enquanto Winnie entrava no salão de baile, ela se perguntou se alguém
notaria que seus olhos estavam um pouco mais brilhantes, seus lábios um pouco
inchados e sua pele ligeiramente corada. Sem olhar no espelho, ela podia saber
que tudo isso era verdade, porque sentia como se tivesse mudado no espaço de
alguns momentos, havia se transformado em alguém saltitante, uma leveza em
sua alma que ela nunca tinha experimentado antes.
Avendale a tinha beijado, mas sem ternura nem gentileza. Mesmo que a
paixão tenha tomado conta e William tivesse aprofundado o beijo, não se tratava
de posse ou controle, mas de dar, compartilhar, desfrutar, completamente e
absolutamente. Embora inicialmente tivesse ficado surpresa com a fome,
experimentara alguns segundos de pânico, sua tenacidade, seu desejo honesto a
haviam estimulado a retribuir e perceber que não lhe faria nenhum mal. Ele fez
com que seu coração acelerasse, sua pele se aquecesse, seus nervos formigarem,
seus dedos do pé se curvassem. Em alguns momentos que ficou sem fôlego, ele
lhe mostrou que podia ser agradável ter as atenções de um homem.
Ele a beijara esta noite e ela o veria no dia seguinte. Mal podia esperar. Não
importava que tivesse saído abruptamente ou que não tivesse usado sido
carinhoso enquanto se separavam. O que importava era que ela sabia que a
desejava. O que importava era que ele não a assustava.
— Winnie?
Ela parou rapidamente ao chegar até sua amiga mais querida em todo o
mundo, a Condessa de Claybourne, se aproximou dela.
— Olá, Catherine.
Catherine lhe deu um rápido abraço e um beijo na bochecha quando ela e o
Conde de Claybourne chegaram mais cedo. Agora ela simplesmente estudava
Winnie como se a visse pela primeira vez.
— Você parece feliz.
— Sim. — Ela queria dizer-lhe o porquê, mas ainda estava tão leve, tão
maravilhada que decidiu segurá-la por um momento mais, para simplesmente
abraçar o espanto e o brilho disto. — Eu tenho todas as razões para estar. O
baile é um sucesso.
— Você lembra-se o quão duro eu tive que trabalhar para convencê-la que
poderia lançar uma festa arrebatadora?
Winnie acenou com a cabeça, com o lembrete de como se preocupara com os
bailes que ela tinha dado enquanto Avendale estava vivo.
— Mas eu não tenho mais medo de decepcionar alguém. William Graves está
muito agradecido. Ele e eu nos encontraremos durante a semana para discutir os
planos para o hospital.
Ela não viu nenhum motivo para mencionar que também o veria no dia
seguinte. Não tinha nenhum desejo de preocupar sua amiga, e com toda a
probabilidade nada estava errado. Talvez fosse pouco mais do que estar distraída
organizando este assunto. Sim, era isso, tinha certeza. Ela começou a planejá-lo
assim que chegou à Londres. Queria que tudo fosse perfeito. Estava dedicada a
isto, e por causa disso sua mente tinha sido incapaz de se concentrar em
qualquer outra coisa.
— Isso é maravilhoso —, Catherine falava agora sobre o hospital. — Estou
tão feliz que você tenha esse projeto para ocupar seu tempo.
— Estou apreciando muito tudo isso, reunindo-me com os arquitetos e
construtores. William Graves me deu licença para projetá-lo, no entanto, eu
gosto. Passei de visita em outros hospitais, falando com o pessoal para que eu
tenha uma melhor compreensão de tudo o que é necessário. Acredito que o Dr.
Graves ficará satisfeito com meus esforços.
— Tenho certeza de que ele ficará. Estou muito impressionada. —
Estendendo a mão, tocando a pétala de um lírio plantado em um grande vaso
azul, Catherine disse:— Falando de Graves, eu vi você valsando com ele mais
cedo.
— Você sempre acha que algo está acontecendo quando o vê dançar comigo.
Uma dança. Apenas uma. Acho que é o jeito dele me agradecer.
— Você gosta dele.
— Ele é muito gentil como você bem sabe.
Catherine deu-lhe um sorriso preocupado.
— Apenas tome cuidado, querida. O trabalho dele vem em primeiro lugar e
sempre o será. Ele é dedicado a seus pacientes.
Uma hora atrás, aliás há meia hora, Winnie simplesmente concordaria com a
cabeça, mas William Graves a beijou.
— Eu não estou esperando nada dele.— Bem, talvez ela esperasse apenas um
pouco.
Naquele momento, o Conde de Claybourne apareceu para reivindicar sua
esposa para uma dança. Winnie nunca tinha esperado que Catherine casasse com
o Conde Diabo, mas não podia negar que sua amiga era incrivelmente feliz, e
que o homem obviamente a adorava.
O restante da noite, ela conversou com uma pessoa após a outra, assegurou
que a comida e o champanhe estivessem prontamente disponíveis, agradeceu as
pessoas por apoiar o seu evento, para garantir que um hospital de primeira classe
fosse construído. Um pouco depois da meia-noite olhou ao redor e todos
tinham ido embora, estava exausta de servir como anfitriã. Ela teve que se
arrastar até as escadas. Mas ainda não podia ir para a cama.
Passando por seu dormitório, ela seguiu por mais três portas. Dentro, ela
encontrou seu filho de sete anos, esparramado sobre a cama, roncando
levemente. A porta do aposento de sua babá estava fechada já que ele estava
ficando velho o suficiente para não ser observado a cada momento. Uma
lamparina acesa sobre a mesa ao lado da cama. Ele nunca gostou de dormir no
escuro. Aproximou-se o mais silenciosamente possível, e depois afastou
suavemente os cabelos castanhos de sua testa. Com a morte de seu pai, ele se
tornou o Duque de Avendale, mas ela não conseguia o tratar por seu legítimo
título, talvez porque ainda lembrava muito seu marido. Para ela, seu filho era
Whit, o nome que se tornara seu enquanto ele tinha o título de Conde de
Whitson. Ela também acreditava que Whit parecia mais apropriado para uma
criança. Ela suspeitava que não iria demorar muito para que ele começasse a
querer ser chamado pelo nome que pertencia a seu pai. Mas até então, ela teria
as coisas à sua maneira.
Ela só podia estar agradecida de que seu pai nunca tivesse o agredido, e que
Whit fosse muito jovem para entender tudo o que outrora aconteceu dentro
desta casa. E enquanto estava certa de que ela iria para o inferno, não se sentia
culpada por estar contente que seu marido tinha morrido. Ela sabia que isso a
tornava uma pessoa horrível, mas não tão terrível quanto Avendale. Inclinando-
se, pressionou um leve beijo na testa de Whit.
— Bons sonhos meu amor.
Ela ficou estática quando uma fragrância a assaltou. Alcaravia[1]. Era um
aroma que associava ao marido, com dor, com humilhação. Com o coração
batendo, ela girou e percorreu as sombras. Não viu nada além da escuridão
velada.
Ela estava sendo ridícula. Avendale estava morto, mas ultimamente, o cheiro
dele começara a escorrer dos cantos, dos pequenos bolsos, tomando-a de vez
em quando. Ela proibiu os criados de trazerem sementes de alcaravia na
residência, e se satisfazer a comê-los. Alguém devia estar desobedecendo à sua
ordem. Ela teria de levar o assunto ao mordomo no dia seguinte.
Ela não queria lembranças de seu marido, nada que despertasse recordações
de sua existência miserável enquanto ela viveu sob seu polegar.
Com um último olhar para Whit, ela silenciosamente saiu do quarto,
fechando a porta silenciosamente atrás dela. Seu coração estava finalmente
voltando ao seu ritmo normal. Talvez fosse hora de encontrar outra residência
em Londres. Esta continha muitas recordações. Onde quer que olhasse, via
lembranças de Avendale. Fazia pouco sentido que ela começasse a sentir o
cheiro dele, uma vez que fazia três anos desde sua morte, mas seu hábito de
mastigar constantemente sementes de alcaravia tinha feito com que a fragrância
permeasse em tudo. Enquanto a casa estava fechada para o inverno, talvez o
aroma estivesse preso em pequenos bolsões de ar e foi solto quando a casa foi
aberta novamente. Mas por que ela não percebeu isso antes? Não podia explicar,
não queria mais pensar nisso.
Depois de chegar a seu quarto de dormir, ela chamou sua criada pessoal.
Parecia que Sarah não teve tempo para preparar a cama. Depois que a criada
partiu, Winnie estudou seu reflexo no espelho da penteadeira. Por um certo
ângulo, era quase impossível dizer que seu nariz tinha sido quebrado. Ela se
encolheu ante a lembrança da dor, o sangue, a fenda de cartilagem cedendo sob
o punho pesado. Sua ofensa foi porque ela permitiu que o Conde Diabo
comparecesse a seu baile. Seu marido estava furioso. Ela não tinha visualizado
imagens daquela noite horrível em sua mente por um bom tempo. Ela esperava
que não despertasse suando frio com seus gritos ecoando pelo quarto. Os
pensamentos tão frequentes daquela noite lhe traziam pesadelos, apesar de anos
terem se passado. Era como se estivessem entrelaçados no tecido de sua alma.
Levantando-se da cadeira, ela deu uma última olhada em seu reflexo antes de
vaguear para a cama. Quando ela rastejou entre os lençóis, teve uma visão
momentânea de William Graves esperando por ela, de ser tomada em seus
braços, e beijando-a com a mesma paixão que ele o tinha feito no jardim.
Embora tivesse todos os motivos para temer a intimidade que se seguiria, ela se
viu antecipando-a. Compreendia perfeitamente que nem todos os homens eram
tão brutos como Avendale. Ela desejava brilhar de felicidade como Catherine
brilhava.
Ela não se preocupou em alcançar a lamparina, para apagar a chama. Seu
filho não era o único que não queria dormir no escuro.
Rolando para seu lado, ela deslizou uma mão debaixo do travesseiro.
Congelou quando seus dedos tocaram em algo duro e frio.
Não, não poderia ser. Não era possível.
Endireitando-se, ela jogou o travesseiro de lado e ofegou ao ver o colar de
safira reluzindo para ela.
Swindler saiu, mas William permaneceu, sugerindo que Winnie lhe mostrasse
os planos para o hospital que ela mencionara na noite anterior. Ela o levou para
o escritório. Era muito menor do que de Avendale, os móveis mais delicados.
Nele poderia se observar os jardins. Com as cortinas puxadas, a luz do sol
entrou. Nunca se sentira confortável na biblioteca de Avendale. Tudo era tão
escuro, o mobiliário ousado e intimidante.
— Depois do sucesso do baile do ano passado, tomei a liberdade de
contratar um arquiteto. — Ela foi para trás da mesa, pegou um rolo, e começou
a desenrolar em cima da mesa. — Eu sei que eu poderia ter sido um pouco
cautelosa...
— Tudo bem, Duquesa. Você está fornecendo os fundos. Você pode lidar
com a construção do hospital como quiser.
Ele se posicionou atrás dela, olhando por cima de seu ombro. Meu Deus, era
tão maravilhosamente alto que provavelmente estava olhando por cima de sua
cabeça. Ela colocou um peso de papel de mármore em um dos cantos do
pergaminho. Inclinando-se, ele se aproximou de um tinteiro. Ela estava
agudamente consciente da pressão do peito dele contra suas costas, a curva de
seu corpo em torno dela. Muito lentamente, como se tivessem o resto de suas
vidas, ele colocou o recipiente de vidro no canto oposto do pergaminho. Em
seguida, colocou a mão na outra ponta para impedi-lo de enrolar-se.
— Isso deve ser tudo o que precisamos —, disse ele calmamente, e ela sentiu
a sua respiração quente soprar em sua têmpora.
Podia pensar em tudo menos no que precisava: um toque, um beijo, uma
carícia. Esfregando a ponta do nariz, ela lutou para se concentrar nas linhas
espalhadas diante dela.
— Não tenho certeza de todos os detalhes, mas temos a ala cirúrgica em uma
área separada para isolar daqueles que são contagiosos.
— Eu gosto dessa ideia. O que você acha de ter uma ala separada para as
crianças? Parece que elas deveriam ter sua própria área.
Ela sentiu uma bolha de alegria explodir dentro de seu peito. Avendale nunca
tinha perguntado sua opinião sobre nada. Ele sempre lhe dissera como as coisas
seriam. Ela gostou especialmente por que William estiva pensando nos
pequeninos.
— É uma noção esplêndida. Acho que deveria ser aqui. — Ela colocou o
dedo na extremidade do prédio. Ele envolveu sua mão em volta dela.
— Não consigo pensar em nenhum lugar melhor.
Sua voz tentou se alojar em sua garganta, mas ela não queria. Queria falar
com ele, queria contar-lhe tudo.
— E jardins. Lindos jardins onde as pessoas possam caminhar enquanto
estão se recuperando. Me lembro das caminhadas que você me levava, insistindo
que eu precisava delas para recuperar minha força. — Hesitante para dizer as
palavras seguintes, ela engoliu em seco. Avendale riria de tal bobagem, mas
William não era Avendale. Ainda assim, se ele risse, ficaria muito magoada. Mas
ela tinha que arriscar. Tinha tentado se transformar no que Avendale queria e
falhou miseravelmente. Ela precisava de alguém que a aceitasse como era. —
Elas se tornaram minha parte favorita do dia.
Carinhosamente, com uma mão ele segurou seu queixo e virou o rosto dela
em direção a ele até que capaz de capturar seu olhar.
— Elas foram a minha parte favorita do dia também.
Não sabia o que dizer àquela admissão. Depois de ontem à noite, ela ousou
esperar que significasse algo especial para ele, mas eles eram tão diferentes em
termos e objetivos. Considerou sugerir que fossem dar um passeio agora, mas
ela não queria se afastar de onde estava. Tão perto dele. Ele cheirava a sândalo.
Sua mandíbula e bochechas estavam lisas. Ele tinha se barbeado antes de vir vê-
la. Seus cabelos encaracolados caíam desordenadamente em torno de sua cabeça,
e ela se perguntou se ele alguma vez tentou domá-lo, então decidiu que ele não
se pareceria com ele mesmo sem a selvageria.
Com o polegar, ele acariciou seu lábio inferior. Seus olhos azuis se
escureceram. Ela observou os músculos de sua garganta subir e descer quando
ele engoliu. Inclinando-se, baixou a boca para a dela. Ela se levantou na ponta
de seus pés para encontrá-lo, convidando-o a possuir, saquear e tê-la. Ela se
perdeu nas sensações de sua boca brincando sobre a dela, vagamente consciente
de que ele a virava para que eles estivessem de frente um para o outro.
Enquanto deslizava as mãos por cima dos ombros, seus braços a rodearam,
atraindo-a para mais perto. Ele era um homem de dedos ágeis, mãos hábeis que
aliviavam dores e ferimentos e evitava a morte. Ele a tinha remendado com
aquelas mãos, e agora, com os lábios, a estava remendando ainda mais.
De repente, mudando o ângulo de sua boca, ele aprofundou o beijo, sua
língua explorando com fome, seduzindo-a a tomar sua própria viagem de
descoberta. Tinha um sabor de bala de hortelã. Ela podia imaginar que ele
sempre carregasse as balas em seu bolso, à mão das crianças, para aliviar seus
medos. Pescando uma para si mesmo de vez em quando, e agora para eles.
Ele enlaçou as mãos ao redor de sua cintura e, sem largar a boca dela,
levantou-a sobre a mesa. O pergaminho estalava sob ela. Sabia que devia estar
preocupada por estragar o projeto do hospital, mas parecia incapaz de se
importar com nada além das sensações maravilhosas que ele estava trazendo à
sua vida.
Avendale nunca a beijara com tanto entusiasmo, tanta determinação. Ela
sentia como se William estivesse determinado a devorá-la, e que seria uma das
experiências mais maravilhosas de sua vida.
Ele subiu suas saias para cima dos joelhos, se encaixou entre suas coxas.
Muito lentamente, a deitou sobre a escrivaninha até que estivesse esparramada
sobre ela como se fosse uma irresponsável. Na mesa! Ela nunca tinha sabido
que este tipo de atividade poderia acontecer em qualquer lugar diferente da
cama. Era perverso, emocionante e intrigante. Certamente ele não queria fazer
mais do que beijá-la, não que ela se opusesse a ele ir mais longe.
Tinha passado tanto tempo sem uma carícia, sem ser desejada, sem ser tocada
com tanta paixão. Ela se sentiu ao mesmo tempo aterrorizada e alegre, enquanto
o prazer se ondulava através dela.
Enquanto ele arrastou a boca pela garganta dela, começou a soltar os botões,
dando acesso a mais pele. Ele mordiscou a clavícula dela e circulou sua língua na
cavidade em sua garganta. Ela passou os dedos pelos seus cabelos dourados,
saboreando os macios cachos enquanto se enrolavam em seus dedos.
Mais botões foram desabotoados. Ela suspirou enquanto arrastava sua boca e
língua ao longo da parte superior do morro de seus seios. O calor se acumulava
dentro dela. Envolveu as pernas em torno dos quadris dele, tomando ainda mais
da pressão dele contra ela. Ele gemeu baixo, mais um rosnado do que qualquer
outra coisa enquanto pressionava um beijo no vão entre seus seios.
Deus a ajudasse, mas queria sentir o toque dele sobre ela.
Soltando o corpete, começou a afrouxar as fitas da camisa.
Lá longe, num lugar muito distante, ela pensou ter ouvido uma porta sendo
aberta.
— A Condess... — Seu mordomo começou e parou.
— Winnie? — A voz de Catherine a fez cair de volta à realidade.
Mortificada, Winnie sabia que o calor que a queimava agora não tinha nada a
ver com paixão.
William tranquilamente levantou a cabeça.
— Com licença, mas ela vai precisar de um momento.
Um momento? Querido Deus, ela precisaria do resto de sua vida para superar a
humilhação de ser pega esparramada sobre sua mesa com um homem que não
era seu marido lambendo sua carne. Ela estava vagamente consciente do
fechamento da porta.
Muito lentamente, com muito cuidado, como se ela fosse um cristal delicado
que poderia facilmente quebrar, William colocou suas mãos sob suas costas e
ajudou a sentar-se. Então fechando seus braços ao redor dela, ele a abraçou, e
ela enterrou seu rosto contra o peito dele. Como poderia seu coração bater tão
metodicamente enquanto o dela estava saltando, ou melhor, pulando fora de
suas costelas?
— Você não fez nada de errado —, disse William em voz baixa. — Embora
possa instruir seu mordomo que ele precisa bater antes de entrar.
balançou a cabeça negativamente.
— Eu quero morrer.
— Winnie, você não teve culpa aqui. A culpa é minha por ser incapaz de
resistir aos seus encantos. — Ele segurou o queixo dela com os dedos e
direcionou seu rosto até que ela lhe olhasse nos olhos. — Convide-me para
jantar.
— Jantar?
— Sim, você sabe. Essa refeição que acontece à noite, poucas horas antes de
deitar.
— Você não está envergonhado por ter sido pego?
— Já fui pego nas piores circunstâncias, e aqui não há punição nenhuma,
exceto pelo fim abrupto de algo que eu estava desfrutando imensamente. — Ele
deu a ela um sorriso perverso. — Prometo me comportar esta noite, se isso a
deixa mais à vontade.
Tão errado como fosse, ela não tinha certeza se queria que ele se
comportasse. Ainda assim, acenou com a cabeça.
— Sim, por favor, junte-se a mim para o jantar.
— Eu estarei aqui às sete e meia. — Inclinando-se, ele tomou a boca dela
calorosamente, mas brevemente, antes de lhe dar um sorriso sedutor e uma
piscadela. — Agora feche os botões.
Quando ele começou a andar a passos largos deixando o escritório, ela
deslizou fora da mesa e começou a fazer o que ele sugeriu.
Winnie havia escolhido a biblioteca do duque para a sessão. Ele passara boa
parte de sua vida ali, supervisionando a administração de suas propriedades.
Apesar de seu tamanho, que mantinha quatro grandes áreas de estar, este
cômodo parecia ter absorvido o seu forte aroma. A mobília escura e pesada
lembrou-lhe tanto do homem ambicioso e descarado que tinha sido.
— Por que alguém exigiria uma mesa tão grande? — Ela perguntou a
William, enquanto os criados reorganizavam uma das áreas de estar a pedido da
Sra. Ponsby, que era bastante conhecida por sua capacidade de se comunicar
com os mortos.
— Isso o fazia se sentir importante —, respondeu William à pergunta dela.
— E eu odeio as gárgulas —, disse ela. As horríveis criaturas de pedra
ficavam sentadas em ambos os lados da lareira. — Ele as trouxe de uma igreja
em ruínas, ou assim ele disse. Ainda assim, parecia um sacrílego. Para ser
sincera, não há nada nesta sala que eu gosto, exceto os livros. Suponho que eu
deveria redecorá-la.
Onde não havia prateleiras, havia pinturas de batalhas e pessoas deitadas
ensanguentadas. Elas sempre lhe davam arrepios, o que era outra razão pela qual
ela achava que esse aposento serviria bem. Parecia celebrar a morte e o
sofrimento.
— Tem certeza disso, Winnie? — perguntou Catherine.
No final da tarde, ela tinha passado para um chá, e Winnie aproveitou a
oportunidade para convidar ela e Claybourne a se juntar a ela naquela noite para
a sessão.
— Sim, tenho certeza. Ele tornou minha vida bastante miserável enquanto
estava vivo. Não quero tê-lo fazendo isso mesmo depois de morto. — Ela
apertou o braço de William. — Da mesma forma que você não teve medo dos
mortos quando ainda era um garoto, não vejo nenhuma razão para ter sendo eu
uma mulher adulta.
— Não estou certo de que você vá falar com ele com tanta clareza quanto
você pensa que vai —, disse William. — Contatar os mortos não foi provado
possível cientificamente.
— Você já teve um paciente de que estava certo de que ia morrer, baseado
em seu conhecimento do corpo humano e medicina, mas ele se recuperou de
sua doença ou ferimentos?
— Sim. Você.
Ela ficou surpresa com sua resposta, embora soubesse que não deveria ter
ficado. Naquela noite terrível, ela tinha certeza de que ela iria morrer, mas
simplesmente não tinha sido capaz de sucumbir e deixar Whit.
— Há algumas coisas que simplesmente não podem ser explicadas —, ela
disse suavemente. — A Sra. Ponsby diz que é mais provável que funcione se
todo mundo acreditar que vai funcionar. — Ela olhou ao redor. — Se algum de
vocês não consegue acreditar, então não se sintam obrigados a ficar. Eu sei que
isso provavelmente parece absolutamente louco, mas tenho que tentar.
Avendale era um homem muito forte. Acredito que seu espírito lutaria em ir
para o além.
— Tenho certeza de que você está certa —, disse Catherine.
— Vossa Graça?
Ela se virou para olhar para a Sra. Ponsby. Seu cabelo era preto, exceto por
uma faixa branca de fios que começavam no pico de sua testa e arrastava para
trás, para ser enfiada finalmente em seu coque. Usava um modesto vestido preto
que lhe abotoava até a garganta com mangas apertadas que abotoavam nos
pulsos. Ela não poderia estar escondendo nada ali. Ela não trouxera nenhum
instrumento de seu ofício, nenhuma caixa na qual ela desaparecesse enquanto
conversava com os mortos, sem assistente, sem bola mágica ou um tabuleiro
Ouija. Winnie preferia que ela não trouxesse seus adereços.
— Sim, senhora Ponsby?
— Estamos quase prontos. Só precisamos de algo pessoal do seu marido.
— Oh. Seus anéis seriam perfeitos, mas um criado deve tê-los guardado. Vou
ver se consigo localizá-los.
— Eu os tenho —, disse William, tirando-os do bolso. — Eu sabia que eles
estavam perturbando você, então decidi guardá-los. — Ele entregou-os para a
médium.
— Eles vão servir. Por favor, venham se juntar a mim na mesa.
Eles fizeram como solicitado. Winnie sentou-se à sua esquerda, com William
ao seu lado, enquanto Catherine estava sentada à direita da médium. A Sra.
Ponsby colocou os anéis na mesa com a crista ducal voltada para ela. A Sra.
Ponsby fez um sinal para um criado que percorria a sala, que apagou as luzes e
as chamas das velas até que toda a luz vinha de uma vela solitária sobre a mesa.
Então todos os criados deixaram a sala em silêncio.
— Devemos todos apertar as mãos uns dos outros para formar um círculo de
serenidade, assim o espírito ficará à vontade para entrar —, disse ela
calmamente. — Não importa o que aconteça, você não deve quebrar a conexão.
As mãos se juntaram e Winnie sentiu o pulso latejar.
— Avendale —, a Sra. Ponsby cantarolou em uma voz que se levantou e caiu
como um vento soprando através das folhas. — Avendale, nós sabemos que
você é um espírito infeliz, não querendo ir para o além, que está tentando fazer
conhecida sua presença. Estamos aqui por você. Através de mim, pode falar
com os que estão nesta sala.
Apertando a mão de Winnie, ela fechou os olhos e deixou cair a cabeça para
trás.
— Eu sou a sua hospedeira. Venha até mim.
Winnie esperou. Ela sabia o que deveria acontecer a seguir. De acordo com
sua tia, haveria uma batida, um frio ao longo de seu pescoço, os cabelos em sua
nuca se arrepiariam.
— Avendale —, a Sra. Ponsby cantarolou de novo. — Não seja tímido. Nós
estamos esperando por você. Não precisa se agitar com sua atual circunstância.
Nós o ajudaremos a ficar em paz nela.
Eles esperaram. A Sra. Ponsby cantarolou um pouco mais. Eles esperaram.
Mais canto, um pouco de gemido, um suspiro. Mrs. Ponsby finalmente abriu os
olhos e olhou para Winnie.
— Sinto muito, Vossa Graça, mas não sinto que o seu espírito está por vir.
Winnie não poderia ter ficado mais desapontada se a Sra. Ponsby lhe dissesse
que logo se encontraria morando no mundo espiritual ao lado de seu marido.
— Você não pode tentar de novo? Isso deveria ser mais obstinado.
A Sra. Ponsby parecia sombria.
— Há um vazio onde ele deveria estar. Não consigo explicar, mas não
consigo entrar em contato. Ele simplesmente não está lá.
— Mas como pode ser isso? — Winnie perguntou.
A Sra. Ponsby cruzou as mãos sobre a mesa e olhou para Winnie através de
um olhar gentil.
— A única explicação possível é que ele não esteja morto.
Winnie chegou à conclusão que ela gostava de ser amada pela manhã. Era
uma forma gloriosa de acordar. Então, eles desfrutaram do café da manhã na
cama antes de se satisfazerem mais uma vez. Ela não conseguia lembrar se
alguma vez conhecera tal felicidade. Também descobriu que gostava de ser
vestida por um homem, mesmo que seu penteado não fosse nada mais do que
uma simples trança. Sentada em sua penteadeira, observou enquanto William
calçava os sapatos. Ela nunca tinha visto um homem se vestindo completamente
antes. Ela gostou de todas essas novas experiências.
— Suponho que você tem que se despedir agora —, disse ela.
De pé, ele se aproximou e a levantou.
— Estou me dando um dia de folga, para não fazer nada além de estar com
você.
— E seus pacientes?
— Ninguém está batendo na porta da morte. Minha babá sabe onde estou. Se
algum hospital precisar de mim, mandarão um recado para minha casa e ela
mandará uma mensagem para mim. — Ele embalou a bochecha dela. — Eu
quero ficar com você.
— Prometi a Whit que o levaria para a casa de Madame Tussaud.[3]
— Eu a acompanho.
Ela não podia negar o prazer que sua oferta lhe trouxera, embora uma parte
secreta dela admitia que preferia ficar com ele. Nunca em sua vida se sentira tão
estimada, tão apreciada, tão cuidada. Era assim que se supunha que tinha que ser
entre um homem e uma mulher. Se Avendale não tivesse morrido, ela nunca o
saberia.
Mas ela também reconhecia que era mais pela maneira que William a tratava.
Isso a tornava mais forte, isso a fazia acreditar que deveria ser tratada melhor.
Uma pequena parte, uma parte muito pequena dela desejava poder confrontar
Avendale e mostrar-lhe que não era mais a menina encolhida que ele tinha se
casado.
— Vamos compartilhar as notícias com Whit.
Mas antes que ela pudesse sair do quarto, William a abraçou de novo e a
beijou como se não tivesse passado boa parte da noite fazendo exatamente isso.
Ela lhe abraçou o pescoço, sabendo que nunca se cansaria disso. Embora não
tivesse nenhuma promessa garantida dele, ela entendeu agora que não precisava
de um casamento para ser feliz. Estar com ele era o suficiente.
Quando ele se afastou e abriu a porta, ela tinha um sorriso secreto brincando
sobre seus lábios e esperava que Whit não pudesse interpretar o seu significado.
Enquanto caminhavam pelo corredor, William disse: — Eu não esperava que
você fosse uma fã de Madame Tussaud.
— Devo admitir que eu teria enlouquecido fazendo estátuas de cera de
falecidos, mas acho fascinante ver as pessoas como eram. Embora eu evite a
câmara de tortura. — Ela sabia o suficiente sobre a sala terrível para saber que
não tinha desejo de ver instrumentos de tortura ou vê-los demonstrados em
figuras de cera, mesmo que eles não pudessem sentir nenhuma dor.
— É de meu entendimento —, disse William — que as senhoras não são
permitidas na sala por causa de sua delicada sensibilidade.
— Você já esteve lá?
— Não, já vi o suficiente de sofrimento na vida para não querer vê-lo em
cera.
— Como você suporta todo o sofrimento que viu?
— Concentrando-me em coisas mais felizes, como os momentos que eu
passo com você.
Ele dizia coisas adoráveis para ela. Estava meio tentada a renunciar ao passeio
com Whit e passar o dia inteiro em seu quarto com William, mas ela queria que
ele tivesse algum tempo com seu filho. Sabia que eles se tornaram próximos
enquanto ela e Whit haviam ficado na residência de William durante sua
recuperação, mas achou uma boa ideia reaproximá-los, pois suspeitava que
passariam mais tempo com William a partir de agora.
Ela entrou no berçário, embora parecesse estranho referir-se a ele como tal
quando Whit já tinha sete anos. Logo iria trocar o berçário pela sala de aula, mas
por mais um tempo ele ainda seria dela.
Whit estava sentado em uma pequena mesa, esfregando freneticamente um
lápis sobre o bloco de arte. Várias folhas de papel estavam espalhadas pela mesa.
Sua babá estava sentada em uma cadeira próxima lendo. Ela rapidamente se
levantou, mas Whit continuou. Winnie ajoelhou-se a seu lado.
— Bom dia querido.
— Havia tantos animais. Estou tentando desenhá-los, antes de esquecer
como eles eram.
— Você está fazendo um trabalho maravilhoso. Talvez goste de compartilhá-
los com o Dr. Graves. Ele está nos visitando esta manhã. Você se lembra dele,
não é?
Whit olhou então para cima, seu cabelo escuro caindo sobre sua testa, seus
olhos escuros, os olhos de seu pai, focalizando em William.
— Você cuidou da mamãe quando ela estava machucada. — Desejava que
não se lembrasse desse aspecto particular de seu tempo com William. Whit tinha
apenas quatro anos na época. Ela esperava que ele tivesse esquecido o pior
momento de sua vida até agora. — Você me carregou em seus ombros pelo
parque —, Whit continuou.
William se agachou ao lado dela.
— Sim eu carreguei. Gostaria de levar você e sua mãe para o parque
novamente em algum momento, mas sei que você já tem um passeio especial
planejada para hoje.
— Tenho que terminar isso primeiro.
— Gostou de caminhar pelo jardim zoológico? — William perguntou.
Whit acenou com a cabeça, os cabelos batendo contra a testa. Ele apontou
para um dos papéis.
— Esse é o leão. — Ele rugiu.
— É um desenho muito bom —, disse William, pegando-o e segurando-o
para que Winnie pudesse ver claramente.
A juba do leão era quase maior do que o próprio animal. Ao lado estava uma
árvore. Perto dele havia algo que parecia ser um obelisco: alto e escuro, sem
traços. Com um rápido olhar sobre os outros esboços, ela viu que aparecia em
vários deles. Ela não sabia por que achava estranho, mas achava. Em um dos
desenhos, aquilo parecia ter braços.
— O que é isso, querido? — Ela perguntou.
A pequena testa de Whit enrugou enquanto estudava onde seu dedo
apontava, antes de lançar seu olhar para ela.
— É o homem das sombras. — Ele se manteve calmo enquanto voltava para
seus esboços como se ele não tivesse dito nada anormal.
— Que homem das sombras? — Ela odiava o ligeiro tremor em sua voz.
Estava muito consciente de que William não tinha se movido, mas ele parecia
alerta, apenas respirando.
Whit levantou um ombro esbelto.
— Já o vi. Algumas vezes no parque. No jardim.
— No nosso jardim? — Winnie perguntou.
Whit acenou com a cabeça.
Ela olhou para a babá.
— Você já o viu?
— Não, Vossa Graça. O jovem duque o mencionou, é claro, mas ele tem
uma imaginação tão fértil que eu assumi que o homem das sombras era um
amigo imaginário.
Sim, provavelmente era isso, pensou Winnie. Apenas uma invenção...
— Ele estava no meu quarto na noite passada —, Whit disse distraidamente,
sua atenção de volta em seu desenho. — Acordei e ele estava nas sombras. Eu
não podia vê-lo muito bem, mas ele disse que estava olhando por mim e não
precisava ter medo. Este é o elefante.
Ele mostrou para ela o papel, e ela o pegou com os dedos trêmulos. Ontem à
noite, querido Deus, ontem à noite, quando ela estava gritando de prazer, ele
estava em sua residência, no quarto de seu filho.
— Ele é uma criatura muito interessante com esse focinho longo. Então, e o
seu homem das sombras, ele disse mais alguma coisa?
Ele balançou sua cabeça.
— Mas ele estava usando meus anéis.
— Seus anéis?
Ele assentiu.
— Os que você disse que eu posso usar quando eu for um homem.
Ela tinha mostrado os anéis ducais para Whit várias vezes porque ele gostava
de olhar para eles.
— Não disse a ele que eles eram meus —, Whit disse calmamente. — Porque
ele era tão grande.
Inclinando-se, ela pressionou um beijo em sua têmpora.
— Ele não vai te machucar, querido. Mamãe não está se sentindo bem, então,
nós não iremos fazer nosso passeio hoje. Apenas continue desenhando.
Suas pernas tremiam tanto que mal podiam sustentá-la quando ela saiu do
quarto. O que estava considerando era uma impossibilidade, porém, era a única
coisa que fazia sentido.
— Winnie, você está bem? — William perguntou.
— Muito dificilmente. — Com William nos calcanhares, ela desceu correndo
as escadas e se dirigiu para a biblioteca, foi até a caixa de charutos onde tinha
colocado os anéis após a sessão e levantou a tampa. Eles se foram. Depois de
fechar a tampa, ela começou a caminhar para a porta. — Preciso falar com
Catherine. Meu marido ou conseguiu se manifestar como um fantasma ou ele
nunca esteve morto para começar.
Capítulo 8
— Diga exatamente o que aconteceu em Heatherwood —, exigiu Winnie.
William sabia que ele poderia ter evitado a viagem até Claybourne, mas a
mentira não era dele para revelar. Estavam todos reunidos na biblioteca de
Claybourne, um aposento suficientemente amplo que, com a porta fechada, era
improvável que qualquer conversa deles saísse pelos corredores para ser ouvida
por empregados. Eles estavam todos em pé, Claybourne na frente da
escrivaninha, com os quadris encostados, Catherine perto do marido. Winnie
parou diante deles, suas mãos fechadas em punhos ao seu lado. Pelo menos ela
parou de tremer na viagem até aqui. Ele queria estar ao lado dela, segurando-a
perto, mas ela parecia determinada a enfrentar isso sozinha, então ele
simplesmente ficou esperando, seus braços cruzados sobre seu peito. Era a
batalha dela.
— Por que todos nós nos sentamos? — Catherine perguntou. — Vou pedir
para trazerem o chá.
— Não quero chá —, disse Winnie. — Eu quero saber sobre o incêndio em
Heatherwood. Você realmente viu o Avendale morrer?
Catherine olhou para Claybourne antes de voltar sua atenção para Winnie.
— Winnie, deve entender que eu estava apavorada por você.
— O que você fez? — Perguntou ela, sua voz trêmula.
— Sente-se —, insistiu Catherine.
— Acho que não quero. Tenho a impressão de que o que você está prestes a
me dizer é melhor que eu fique em pé.
Bom para você, William pensou, admirando a coluna dela. Seu marido quase a
quebrou. Esperava que ela se agarrasse a ele quando soubesse a verdadeira
história.
Catherine limpou a garganta.
— Na noite em que ele a espancou até quase tirar sua vida, antes de sair de
sua residência, dissemos aos criados que íamos levá-la a Heatherwood. Em vez
disso, é claro, levamos você para Bill. Então Claybourne e eu fomos sozinhos
até Heatherwood. Avendale apareceu algumas noites depois exigindo que nós
lhe estregássemos a ele. Quando soube que não estava lá, ficou furioso, atacou
Claybourne. Na briga uma lamparina acesa se estilhaçou no chão, o querosene e
as chamas atingiram o tapete e as cortinas rapidamente. Claybourne conseguiu
uma vantagem e derrubou Avendale inconsciente. Mas quando ele o fez, o fogo
estava intenso. Embora eu não me orgulhe disso, fiquei grata por ele não ter
conseguido escapar do fogo.
— Então ele morreu, você o deixou morrer.
Catherine hesitou.
— Winnie...
— Pelo amor de Deus, conte-lhe a verdade —, disse William, — porque se
não o fizer, eu o farei.
Com sua sobrancelha profundamente franzida, Winnie lançou seu olhar para
ele, e não o evitar foi a coisa mais difícil que ele já tinha feito.
— Claybourne o tirou para fora —, Catherine disse rapidamente, capturando
a atenção de Winnie mais uma vez.
— Então ele não morreu? — Infelizmente, Catherine negou com a cabeça.
Winnie tropeçou para trás um par de passos.
— Mas eu vi o corpo.
— Você viu um corpo, vestido com as roupas de Avendale, e usando seus
anéis. Conseguimos que Avendale fosse transportado para a Nova Zelândia
como um criminoso, sob outro nome. Deduzimos que ele conseguiu escapar ou
convencer alguém a libertá-lo.
— Só pode deduzir? Então você acredita que ele está aqui, causando estragos
na minha sanidade, e não achou que eu precisava saber?
Catherine assentiu com relutância.
— Nós acreditamos que poderíamos lidar com isso sem que você ficasse
sabendo. Você pensou que era viúva...
Winnie cambaleou para trás como se tivesse levado um golpe. Horrorizada,
olhou para William e ele sabia que ela estava pensando na noite passada, em seus
votos matrimoniais e em como o tinha quebrado inconscientemente.
— Não sou viúva. Meu filho não é o duque.
— Ninguém precisa saber disso —, disse Catherine. — Vamos encontrá-lo.
Vamos corrigir as coisas.
— Acho que todos vocês já fizeram o bastante. — Ela lentamente se virou
para encarar William diretamente. — Você roubava sepulturas em sua
juventude, então eu suponho que você forneceu o corpo. Onde você conseguiu
um?
— Cemitério de Indigentes.
— Um mendigo está enterrado na cripta da família do meu marido?
Embora isso não lhe trouxesse orgulho, ele acenou com a cabeça.
— O tempo todo você sabia que ele estava vivo. A noite passada... —
Lágrimas brotaram em seus olhos. — Você sabia que eu não era viúva. Sabia
que eu não era... livre.
Ele não tinha resposta para essa acusação. Sim ele sabia, maldito seja, e tinha
colocado sua necessidade em tomá-la acima de tudo.
Ela avançou sobre ele.
— Pensei que eu estava ficando louca. Coisas desaparecendo, reaparecendo.
Sons na noite. Seu cheiro flutuando pela casa, que agora percebo que deve ter
estado flutuando em seu rastro. Ele estava no quarto do meu filho. Ele estava
no meu quarto. Você sabia de tudo isso e ainda assim me deixou duvidar da
minha sanidade.
— Você não pode culpá-lo —, disse Catherine. — Quando decidimos fazer
isso, fizemos um voto de segredo.
O olhar de Winnie não deixou o dele.
— Um voto é mais importante do que eu. — Então ela riu, um som que não
trazia alegria. — Suas atenções ultimamente, foram tudo parte deste esquema
elaborado para esconder o que você tinha feito, para garantir que eu não
descobrisse a verdade?
Era mais fácil mentir do que dizer a verdade, porque nesse momento ela não
acreditaria nele de qualquer maneira.
— Queria ter certeza de que eu estaria lá para te proteger, se ele aparecesse.
— Você me deixou sofrer. Não confiou em mim para que eu não traísse
você.
— Winnie, você chorou quando eu disse que ele estava morto —, disse
Catherine.
— É claro que eu chorei. Com profundo alívio, porque ninguém jamais iria
me machucar novamente. — Ela se virou para William. — Embora eu tenha me
enganado. Como eu poderia saber que a dor dos ossos quebrados não são nada
em comparação com a de um coração partido?
— Winnie, nunca foi minha intenção te machucar.
Ela deu uma risada cáustica.
— Você sabia que Avendale dizia essas mesmas palavras depois de cada vez
que ele me bateu?
Nada mais que ela pudesse dizer o teria atingido tão profundamente.
Olhando rapidamente para os outros, ela disse: — Por favor, peço a todos, não
me ajude mais. Eu mesmo cuidarei disso.
Com o queixo erguido, saiu da sala e de sua vida. Ele a deixou ir porque sabia
que matara o amor que ela pudesse ter por ele.
Ele estava vagamente consciente de Catherine tocando seu braço.
— O que ela disse, não foi justo.
— Foi totalmente justo.
Avendale estava vivo!
Winnie deixou que a ideia pairasse ao seu redor enquanto ela se sentava na
biblioteca hedionda e arrogante dele. Ele estava vivo. Ela não estava livre. Não
estava livre para amar William. Não estava livre nem sequer para beijá-lo!
Por que Avendale não entrou na residência e anunciou seu retorno? Porque
queria brincar com ela, o bastardo. Sem dúvida, a culpava pelo que sofreu.
Tanto quanto desejava que Catherine não tivesse tomado medidas tão drásticas
para manter Winnie segura, ela também teve que admitir que estava emocionada
com a devoção de sua amiga. Irritada com certeza, decepcionada que eles
tinham pensado que não podiam confiar nela, mas também isto a sensibilizou.
Três anos atrás, ela tinha sido muito tímida para defender a si mesma, não
possuía confiança em suas habilidades. Até pensara na ocasião que talvez ela
merecesse o tratamento áspero. Mas agora entendeu que Avendale não tinha
direito de bater com seus punhos nela, nenhum direito de tratá-la mal. Ele
pensou que poderia voltar e começar a atormentá-la novamente, mas não, isso
não seria tolerado.
Ela considerou embalar suas coisas, pegar Whit e partir para algum lugar
onde ambos estariam seguros, mas não gostou da maneira que se sentiu ao
tentar evitar o confronto que estava certa aconteceria muito em breve. Então ela
mandou sua babá levá-lo para um primo por alguns dias. Deu aos criados a
noite de folga. Com as portas da biblioteca abertas para o terraço, ela viu
enquanto a noite caia, todo o tempo sentindo como se estivesse sendo
observada.
Cedo ou tarde ele a enfrentaria, estava certa disso. Ele poderia ter seu lugar
na Sociedade de volta, mas não poderia ter seu lugar de volta em sua vida.
Embora criasse um enorme escândalo, ela se divorciaria dele. Ou, mais
precisamente, que ele se divorciasse dela por adultério. Ela admitiria ter dormido
com William Graves. Seu mordomo poderia ser testemunha que ele possuía uma
chave para que pudesse ir e vir quando quisesse. Ela suspeitava que William
também confessasse o mal comportamento. Afinal, ele devia isso a ela.
Mas, independentemente disso, ela não iria permanecer neste casamento.
Durante o tempo de Avendale “morto”, ficou sozinha. Administrou a casa de
Londres, as fazendas e ela havia se saído bem. Tinha montado os meios para
levantar fundos para um hospital. Ela falou com arquitetos, construtores e um
médico para descobrir tudo o que era necessário. Eles haviam conversado com
ela, oferecido conselhos e aceitado suas sugestões. Já não se sentia pequena ou
insignificante. Estava confiante de que poderia gerenciar seus próprios negócios.
Fez muito bem durante três anos.
Graças a William Graves, que tinha mostrado a ela como deveria ser entre
um homem e uma mulher. Mesmo antes de seu interesse nos últimos tempos,
quando ela estava se recuperando, e tinha sugerido pela primeira vez a noção de
um hospital, ele tinha apoiado e nunca questionou sua capacidade de fazê-lo.
Tratava-a com respeito e valorizava-a. Não poderia voltar a estremecer cada vez
que seu marido falasse, a encolher-se quando se aproximava e temer receber um
golpe.
Então lhe ocorreu que as coisas poderiam ser mais fáceis se ela tivesse todos
os amigos ao seu lado, mas ela precisava cuidar desse assunto por conta própria.
Eles já tinham colocado suas vidas e reputações em risco. A raiva que ela sentia
deles estava se dissipando, deixando-a consternada com a percepção de que
arriscaram tanto por ela.
Essa batalha era somente dela.
Graves sabia que não devia estar de pé atrás das sebes que alinhavam os
jardins de Winnie, também sabia que ela o desprezava e não queria que ele
estivesse por perto, mas não conseguiu obrigar-se a ficar longe, não quando
havia uma chance de que ela pudesse ser ferida, que seu marido pudesse estar
espreitando nas sombras.
O que o tinha feito a pensar que o plano deles seria uma solução permanente
para o problema de Winnie, e por que todos eles concordaram com isso sem
consultá-la? Por que ele aceitou fazer parte disso?
Porque examinando seu corpo sangrando, golpeado, e espancado, tinha
acreditado, verdadeiramente acreditado, que ninguém deveria ser maltratado
como ela tinha sido. Era tão pequena, delicada e frágil que nunca lhe ocorrera
que seria capaz de cuidar de si mesma. É uma vergonha para ele não ver em três
anos que tudo o que ela precisava era desenvolver a confiança para se defender.
Estava tão determinada esta manhã, a afastá-los, e a resolver tudo sozinha.
Mas fazê-lo por conta própria, cuidar do assunto, significava enfrentar o
marido, e ele não podia permitir que ela o enfrentasse sozinho. Não importa o
quão forte pensava ser, ela não era forte o suficiente para isso.
Ele tinha visto os criados sair mais cedo, supôs que seu filho tinha sido
levado para outro lugar. Nenhuma luz escapou de nenhuma das janelas, exceto
aquelas que escapavam pela janela da biblioteca. Ela estava se preparando para
encontrar o animal em seu próprio covil. Perguntou-se se Avendale responderia
ao convite. Certamente, agora tinha certeza que ela estava ciente de que ele havia
retornado.
Graves ouviu algo sussurrar à sua esquerda. Segurando o cassetete que tinha
pegado emprestado de Jim, ele cautelosamente avançou e olhou...
Dor disparou através da parte traseira de seu crânio.
Então não viu mais nada.
— Olá, duquesa.
Winnie não se lembrava de ter adormecido na cadeira junto ao fogo, mas a
voz suave e ameaçadora enviou um tremor para ela. Lutando contra o medo,
abriu os olhos.
Um grande homem maltrapilho estava agachado diante dela. Avendale.
Só que não parecia ele. Este homem tinha uma cicatriz horrível da bochecha
ao queixo. Ele estava barbudo, o cabelo era uma bagunça imensa. Suas roupas
não eram feitas sob sua medida para se adequar a ele, mais parecia algo que tinha
tirado de um mendigo. Usava um grosso casaco preto. Seus braços eram mais
robustos, suas mãos mais ásperas.
— Avendale —, ela respondeu, agradecida por sua voz estar estável. — Bom
ver você aqui.
— Acho que você estava me esperando, mas eu ainda consegui pegar seu
amante de surpresa.
— Meu amante? Não sei do que você está falando.
Ele se moveu ligeiramente e apontou William deitado no tapete, suas mãos
amarradas atrás dele, olhos fechados, sangue acumulando na parte de trás de sua
cabeça.
— Meu Deus, o que você fez? — Ela começou a se levantar, para ver o
quanto ele estava ferido, mas Avendale a empurrou de volta para a cadeira com
uma mão carnuda, e avançou sobre ela como Lúcifer vindo do inferno.
— Você estava se deitando com ele antes de eu ser mandado embora?
— Nunca fui infiel.
— O que você me diz da noite passada? Fiquei do lado de fora do seu
quarto, ouvindo seus gritos. Quase interrompi para poder matá-lo, para matar
ambos. Eu estaria dentro dos meus direitos.
— Pensei que estivesse morto. Não sabia o que aconteceu com você, não até
hoje.
— Você espera que eu acredite nisso?
— Eu realmente não me importo se você acredita ou não. E por que ficou
observando de uma maneira tão despreocupada? — Ela viu sua mandíbula se
apertar e podia ver o rubor vermelho de vergonha manchando sua pele. Se havia
alguma coisa que o incomodasse mais do que ter sua masculinidade questionada,
ela não sabia o que era. Bom, talvez ter sido enviado para o outro lado do
mundo a bordo de um navio prisão era consideravelmente mais irritante. — Por
que não anunciou seu retorno, por que jogar esses jogos tolos?
— Assim ninguém poderia questionar o fato de eu enviar minha devotada
esposa a um asilo para insanos. Minha esposa que perde coisas e as encontra,
que acredita em espíritos. — Ele agarrou os braços da cadeira e se inclinou até
que estivesse pairando uma polegada de seu nariz. — Eu gostaria de ver você
entrar em pânico, embora eu deva confessar que você não quebrou tão
rapidamente como eu pensei que você faria.
— Você assistiu à sessão ontem à noite, não foi? E então foi assim que soube
onde encontrar seus anéis.
Ele sorriu.
— Quase respondi à convocação da médium, mas achei melhor não deixar
que os outros soubessem que eu estava por perto, não por agora.
— Por que fez isso?
— Para castigar você e Catherine. Talvez ela até enlouquecesse pela culpa,
pensando em você passando o resto de sua vida entre os verdadeiramente
insanos.
— Se você quer se livrar de mim, simplesmente se divorcie.
— Onde estará a diversão nisso?
— Por que você não me matou, como fez com suas outras esposas?
Um canto de sua boca se ergueu sinistramente.
— Você não pode provar que eu as matei.
— Mas você o fez, não é? Ninguém vai acreditar em uma louca, então por
que não me contar? Talvez se eu souber que era casada com um assassino será o
suficiente para me tirar do meu juízo.
Ele soltou algo entre um grunhido e uma gargalhada.
— Eu quase achei que você tinha adquirido alguma coragem enquanto estive
fora. Isso seria vergonhoso, e ainda resultaria em sua própria morte.
A incomodava que ele pensasse que iria quebrar tão facilmente. Mas se ela
tivesse sido mais corajosa antes, talvez ele a tivesse matado.
— Você as matou então.
— É claro que sim. Elas eram estéreis. Eu precisava de um herdeiro. O
divórcio é caro, demorado e escandaloso. Agora tenho um herdeiro, não preciso
de uma esposa, especialmente alguém que não pode ser confiável. Depois do
que passei, você também merece sofrer um pouco. Sabe como são aqueles
navios prisão? Fiquei infestado de pulgas e piolhos. Pulgas e piolhos pelo amor
de Deus. E um rato me mordeu antes de eu quebrar seu pescoço magro.
Seus olhos estavam arregalados e brilhantes, e ela se perguntou se talvez sua
provação o tivesse deixado louco. Talvez fosse ele quem pertencesse a um
manicômio.
— Eles me fizeram trabalhar até que minhas mãos sangrassem e minhas
costas doessem. Eles riram quando disse que eu era um duque. Levei chicotadas.
Foram quase dois anos antes que eu encontrasse uma maneira de escapar. E por
todo esse tempo planejei minha vingança. Então ontem à noite eu ouvi você
com ele, e eu percebi que teria que ser punido também.
— Você deveria repensar isso. Ele serve a rainha.
— Parece que ele se encontrou com um grupo muito grosseiro que o
espancou até a morte e o deixou nas cavalariças.
Ela lutou contra seu medo. Não permitiria que ele machucasse William.
— Não.
— Você não pode me impedir. Sempre foi um pássaro assustado cujas asas
foram cortadas. Quando eu acabar com ele, pretendo passar a noite juntamente
com minha esposa antes de enviá-la para Bedlam.
Seu estômago se agitou ao pensar que ele a tocaria, que limparia o toque de
um homem que amava. Ela amava William, apesar de tudo o que ele tinha
escondido dela, ela o amava. Não foi quem insistiu que Catherine lhe dissesse a
verdade? Ele sabia que ela era forte o suficiente para lidar com isso. Sabia tudo
sobre ela, por dentro e por fora, e ele a aceitou como era.
— Vá para o inferno —, ela disse e empurrou em seu peito.
A grande montanha que era seu marido mal se moveu. Ele apenas riu, riu
como tinha feito quando ele bateu nela antes, quando ela gritou. Então tinha
aprendido a não gritar.
Um rosnado ecoou ao redor deles. Winnie mal teve tempo de registrar a
visão de William se erguendo antes de bater do lado de Avendale. Os dois
homens caíram ao chão. Ainda preso, William lutou para ficar de pé. Avendale
não tinha nada que dificultasse seu progresso. Saltando em seus pés, ele agarrou
William pela frente da camisa, levantou-o ligeiramente, e bateu com o punho em
seu rosto.
Ela ouviu o barulho do osso quebrando, um som que uma vez ecoou entre
seus ouvidos quando seus próprios ossos receberam o peso de seus punhos.
Saltando da cadeira, ela agarrou o atiçador da lareira e golpeou suas costas. Ele
se virou. Ela colocou toda a sua força, seu peso, sua necessidade de detê-lo no
próximo avanço, pegando-o na cabeça, deixando-o em desiquilíbrio. Ele caiu de
costas na extremidade da pedra da lareira, com a cabeça inclinada, batendo-se
contra sua própria gárgula.
Respirando pesadamente, ela levantou-se, os pés afastados, o atiçador pronto
para atacá-lo novamente. Mas ele não se mexeu. Ficou deitado ali, olhando-a
como se estivesse surpreso por ela ter revidado desta vez.
— Solte-me.
Ela lançou seu olhar para William enquanto ele lutava para se sentar, o
sangue jorrando de seu nariz.
— Oh, sim, é claro. — Enquanto se ajoelhava ao lado dele e soltava os nós,
ela continuou olhando para Avendale. — Como ele conseguiu te pegar?
— Eu estava no jardim, vigiando, mas fui tolo o suficiente para cair no
truque dele. Você está machucada?
— Não, não realmente. Ele parecia mais empenhado em falar do que me
matar.
William soltou um bufo que poderia ter sido uma risada. Quando seus braços
estavam livres, ele embalou seu rosto.
— Você foi extraordinariamente corajosa.
— Nunca o enfrentei antes, nunca revidei. Eu não poderia voltar a viver
assim. Não suportaria. Mas acho que o machuquei bastante.
— Vou dar uma olhada. — Ela observou enquanto William se dirigia para
Avendale.
— Tenha cuidado —, ela o advertiu.
— Ele não vai me machucar. — Ele pressionou sua orelha no peito de
Avendale, então suavemente levantou a cabeça de Avendale. Ela viu o sangue
escorrendo na pedra.
— Parece que ele levou um grande golpe. Eu irei pegar alguns lençóis para
estancar o sangramento —, disse ela.
William se voltou para ela, colocou suas mãos sobre seus ombros e
encontrou seu olhar.
— Winnie, ele está morto.
Winnie sentou-se numa cadeira num canto. Depois de cobrir Avendale com
um lençol, William tinha chamado o Inspetor Swindler. Ela observou quando
ele primeiro analisou a porta, então se agachou e levantou o lençol para
examinar Avendale.
— Obviamente alguém das ruas, — disse ele.
— Ele é o Duque de Avendale —, corrigiu ela.
Ele olhou para ela, olhou para William e olhando para Avendale ele disse: —
Eu vejo um mendigo, um ladrão que sem dúvida invadiu sua casa e tentou
roubar coisas. Meu relatório indicará que a porta foi arrombada por algum
especialista.
Ela estava a ponto de protestar de novo, quando percebeu por que William
mandara chamar Swindler.
— Claro. Você faz parte do grupo que viveu sob os cuidados do avô do
Conde de Claybourne.
William deu um passo na direção dela.
— Winnie, eu sei que você me despreza, mas não soará nada bem revelar a
verdade agora. Swindler pode fazer com que tudo isso pareça como se ele fosse
um assaltante.
— Você está dizendo isso para proteger a si mesmo?
— Não, para protegê-la do escândalo. Tudo sobre sua vida com ele se
tornará forragem para fofoca. Sim, alguns de nós, sem dúvida, sofreria por causa
do que fizemos, mas você também tem que considerar o impacto que tudo isso
terá sobre seu filho.
Nunca tinha falado mal de Avendale a seu filho, nunca quisera que Whit
conhecesse o bruto que seu pai era. Ele sofreria se a verdade surgisse.
— Mas eu o matei.
— Na verdade não. Você bateu nele. Ele caiu. O golpe na cabeça o matou,
mas você não teve nenhuma influência sobre isso. Foi um acidente.
— Que é o que meu relatório dirá —, disse Swindler. — Com todo o
respeito, Vossa Graça, ninguém questionará minhas investigações.
— Você pode viver com isso?
— Eu posso viver com a justiça sendo feita. Na minha profissão, vejo muitas
pessoas feridas ou mortas e os culpados nem sempre são capturados. Então eu
faço justiça onde eu posso. Seu marido a tratou mal, quase a matou,
provavelmente mataria Bill aqui esta noite. Ele era um homem que não sentia
remorso, nem arrependimento. Não lamento vê-lo morto. É de nosso
conhecimento que suas duas esposas anteriores foram encontradas mortas em
acidentes infelizes. Eu chamo de justiça poética ele morrer de um golpe na cabeça.
— É isto mesmo? Ao tentar me convencer a dizer nada, você também não
está se esforçando para se proteger? Imagino que tenha desempenhado algum
papel em seu encarceramento. Você teria tido acesso às prisões que nenhum dos
outros teria.
— Todos nós conhecíamos os riscos, Winnie —, disse William. —
Estávamos todos preparados para arcar com os resultados se o que fizemos
fosse descoberto. Faça o que você achar certo.
Ela pensou em quão corajosos todos eles foram arriscando tanto quando
somente Catherine realmente a conhecia. O que ela era para eles, além de
alguém que a lei não protegeria? Então eles fizeram o que puderam para
protegê-la.
Ela respirou fundo, um longo suspiro.
— Ele está usando os anéis do meu marido. Não tenho certeza se ele os
roubou, mas eles pertencem a meu filho, fazem parte de sua herança.
Swindler assentiu com a cabeça.
— Vou acrescentar isso ao meu relatório. Vou levar o corpo ao médico
legista agora, se você não tem objeções.
— Quero que ele seja enterrado na cripta da família —, informou ela. —
Você não precisa remover o outro cavalheiro, mas Avendale deve descansar
com seus antepassados.
— Cuidarei disso –, disse William.
Não se surpreendeu com sua oferta. Ele estava olhando para ela mais tempo
do que tinha percebido, e ele também tinha as habilidades para concluir a tarefa
por si mesmo.
— Devemos cuidar de seus ferimentos —, disse ela.
— Estou bem.
— Você não parece bem olhando daqui —, disse Swindler. — Estou
acabando aqui. Você deixará que a dama cuide de você.
Parecia que William ia opor-se, então ela disse suavemente.
— Por favor.
Ela não poderia ter ficado mais aliviada quando ele concordou. Depois de
levá-lo para seu quarto, ela o sentou em sua penteadeira. Mergulhou um pano
no lavatório e, ajoelhando-se diante dele, começou a limpar suavemente o
sangue que tinha escorrido quando ele estancou o sangramento com o lenço.
Ele fez uma careta, e ela aliviou seu toque.
— Desculpe-me se isso doeu —, disse ela.
— Vou sobreviver. Desculpe-me por não lhe ter dito o que suspeitei quando
me contou os acontecimentos estranhos. Estava esperando que eu estivesse
errado.
Ela deu a ele um sorriso suave.
— Você preferia pensar que eu tivesse ficado louca?
Ele balançou sua cabeça.
— Não, esperava outra explicação.
— Estou aliviada que tudo tenha acabado, que ele realmente se foi, e ainda
assim estou melancólica.
— Isso é de se esperar, eu acho.
—Se eu não tivesse batido nele com tanta força...
Ele embalou o rosto entre as palmas das mãos.
— Winnie, não se engane. Ele ia me matar. Limitado como eu estava, duvido
que poderia impedi-lo. Apesar dos planos que queria cometer com você, eu
suspeito que ele a mataria também. Eu ouvi um pouco de sua conversa com ele.
Praticamente confessou matar suas outras esposas. Adquiriu justiça não só para
você, mas para elas também.
— Você acha que a culpa diminuirá com o tempo?
— Eu sei que vai, mas nunca vai desaparecer completamente.
Ele desviou seu olhar por um momento, uma expressão distante em seu
rosto, e ela não pôde deixar de observar que estava visitando o passado. Quantas
vezes tinha feito o mesmo? Ela viu quando engoliu em seco. Quando ele trouxe
seu olhar de volta para o dela, estava atormentado.
— A Sra. Ponsby estava certa. Eu fui o responsável pela morte da minha
mãe. Ela estava me batendo um dia, no topo das escadas, e eu revidei, tentando
chutá-la. Não sei ao certo como aconteceu, mas nossas pernas ficaram
emaranhadas, ela perdeu o equilíbrio, foi para trás por cima da grade e caiu na
rua. Quebrou o pescoço.
Ela apertou suas mãos.
— Oh meu Deus, meu amor, você não pode se culpar pelo que aconteceu.
— Eu não acho que havia entendido isso completamente até esta noite,
quando eu vi você atacar Avendale. Você não queria matá-lo, Winnie, assim
como eu não queria matar minha mãe. Eu gastei uma boa parte da minha vida
lutando para reparar algo que não foi culpa minha. Você é igualmente inocente
na tragédia desta noite.
— Sim, mas... — De certa forma, a situação dela era diferente, mas era
mesmo?
— Acho que foi por isso que meu pai me abandonou naquela noite —,
prosseguiu William. — Quando eu olhei para o corpo da minha mãe caída, vi
meu pai parado ali, olhando para mim. Acho que ele poderia ter temido que eu
fosse ser como ela, agressivo. Então ele se foi.
Como o pai pôde deixá-lo? Como poderia ter acreditado por um momento
que William se tornaria como sua mãe? Nunca passou pela cabeça de Winnie
que Whit iria crescer para ser nada além de um homem bom e honrado.
— Embora nunca o tenha conhecido, não gosto muito de seu pai —, disse
ela. — Que ele tenha abandonado uma criança para se defender sozinha.
— Mas suas ações resultaram em minha vida uma reviravolta que me trouxe
até aqui. Eu te amo, Winnie. Tenho te amado por três anos, mas eu guardei
minhas afeições, porque pensei que não fosse aprovar o que nós fizemos e que
você me desprezaria pelo meu papel nisso tudo. Mas então eu a beijei no jardim
e tudo isso pareceu não importar mais.
Não importava. Tentaram protegê-la porque ela não tinha sido forte o
suficiente para se proteger. Mas aquela noite e todos os dias que se seguiram a
mudaram. Nunca mais acreditaria que merecia outra coisa que não fosse o
melhor. Ela não tinha dúvidas de que o homem diante dela era absolutamente o
melhor. Deu a ele um pequeno sorriso.
— Bem, eu sou realmente uma viúva agora.
Ele sorriu para ela.
— Agora você é.
Capítulo 9
Seis meses depois.
Winnie achava que um casamento era uma ótima maneira de começar o ano,
e por isso estava muito animada quando a primeira semana de janeiro estava
finalmente chegando, e pode analisar seu reflexo em um espelho. Ela tinha
vendido a casa em Londres, havia muitos fantasmas lá, e se mudou para uma
casa modesta que William tinha comprado. Naquela tarde, ele se instalaria ali
oficialmente com ela e Whit, embora muitas noites antes ele, canalha como que
era, entrava furtivamente e se juntava a ela na cama ou sentava com ela diante da
lareira e conversavam até altas horas da madrugada. Adorava cada momento que
passava em sua companhia.
William tinha sido bastante atento nos últimos meses, enquanto ela lutava
para assimilar tudo o que tinha acontecido. A morte de Avendale
frequentemente a assombrava. Às vezes ela acordava suando frio, certa de que
ele havia ressurgido dos mortos determinado a reclamá-la, mas William estava
sempre lá para confortá-la e assegurar-lhe que não era assim. Ele se foi, desta
vez realmente desapareceu, e nunca mais a machucaria.
Ela aceitou que Catherine tinha tentado protegê-la o melhor que pôde.
Winnie ainda se culpava por colocar sua amiga em uma posição onde estava
disposta a vender sua alma, a fim de evitar que Winnie sofresse nas mãos de seu
marido. Tudo que ela podia recordar durante aqueles longos anos era que se
sentia impotente e não sabia a quem recorrer.
Mas, de algum modo, enquanto Avendale estava ausente, mudara, assumira o
seu próprio destino. Enquanto não teve intenção de matá-lo, ela tinha a
completa intenção de enfrentá-lo, para mostrar-lhe que ele não podia mais
controlá-la com os punhos. Seu retorno foi sua oportunidade de se redimir, de
colocá-lo em seu lugar, de demonstrar que ela era agora uma mulher a ser
estimada.
Mas todos esses pensamentos ficaram para outro dia. Hoje, ela estava se
casando.
— Você está linda —, Catherine disse, chegando atrás dela para colocar o
véu no lugar.
— Eu me sinto encantadora, por dentro e por fora.
Uma batida soou na porta. Catherine abriu a porta e Winnie ouviu o Conde
de Claybourne dizer: — Está começando a nevar. É melhor irmos para a igreja.
Catherine voltou-se para ela.
— Você está pronta, Winnie?
Ela deu uma última olhada em seu reflexo. Ela viu uma mulher que ficou um
pouco mais alta, sem temores, que estava confiante sobre o destino que a
aguardava. Uma mulher que era amada.
— Mais do que pronta.
[1] São sementes de uma planta da família da salsa, usadas para aromatizar e como fonte de óleo.
[2] O fantasma de Marley é um personagem fictício de Charles Dickens no livro “Um conto de Natal”,
um fantasma que vagava inquieto e atormentado.
[3] Marie Tussaud (1761-1850), nasceu em Estrasburgo, França, trabalhou como governanta para o
Doutor Philippe Curtius, um médico com talento em modelação da cera, que ensinou essa arte a Tussaud.
Começou sua carreira modelando em cera, máscaras de vítimas da Revolução Francesa. Ela se mudou para
a Inglaterra em 1835, fez uma mostra de seu trabalho na Baker Street perto do endereço do atual museu.
Suas técnicas convencionais ainda são usadas para criar figuras da realeza, políticos, atores e astros da
música pop e heróis do esporte.