Você está na página 1de 75

Título original: The Last Wicked Scoundrel

Copyright © 2014 por Lorraine Heath


Copyright da tradução © 2018 por ALEH.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem
autorização por escrito dos editores.

tradução: Angélica Fonseca e Re Moreira


preparo de originais: ALEH
revisão: Re Moreira
diagramação: Star Books Digital
capa: Star Books Digital
imagem de capa: Top Seller
adaptação para ebook: Star Books Digital

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

https://t.me/SBDLivros

https://t.me/StarBooksDigital

Heath, Lorraine
O Último Canalha Perverso [recurso eletrônico] / Lorraine Heath [tradução
de ALEH]; Rio de Janeiro: ALEH, 2018.
recurso digital (Órfãos de Saint James; 5) Tradução de: The Last Wicked Scoundrel
Sequência de: Prazeres a Meia-Noite
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide
Web
ISBN 978-00-6231-715-5 (recurso eletrônico) 1.Romance de Época. 2. Livros
eletrônicos. I. Título. II. Série.

E-book distribuído sem fins lucrativos


É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou qualquer uso comercial do presente conteúdo
Dedicatória
Para todos os meus adoráveis leitores que dão aos meus personagens
um lar em seus corações.
Prólogo

Do Diário de Sir William Graves.


Nasci de uma mulher que me considerava de pouco valor, exceto quando oferecia um conveniente lugar para lançar
a palma de sua mão. Aprendi a evitá-la, a me esconder nos cantos, a encontrar uma maneira de estar longe de seu
alcance. Comecei a acompanhar a meu pai em suas rondas noturnas pelos cemitérios logo que minhas pernas puderam
acompanhar o seu passo.
Ele era um ladrão de tumbas, sabem. E era mais amável comigo do que foi minha mãe. Viu potencial em mim,
porque eu estava disposto a ajudá-lo a cavar para encontrar os tesouros. Assim ele os chamava. Com frequência os
ricos eram enterrados com suas joias. Alguns cavalheiros tinham dentes de ouro. Todos eram cadáveres, requeridos pelo
hospital para ensinar aos médicos potenciais sobre as complexidades do corpo humano, e além disso, contribuíam com
moedas aos bolsos de meu pai.
Nunca temi aos mortos. Eles já não podiam me machucar.
Quando mamãe morreu, meu pai a levou imediatamente ao hospital porque renderia uma boa soma. Mas nesse
momento – depois de pagarem meu pai – me distraí e fiquei para trás, vislumbrando a reverência com a qual eram
manipulados os corpos e os segredos que estes revelavam.
Quando retornei para casa, meu pai não estava. Nunca voltei a vê-lo. Não sei se o roubaram e assassinaram pelo
que havia em seus bolsos ou se decidiu que queria desfazer-se de mim, dando-se conta que mamãe tinha razão e que eu
não valia o esforço de me manter com vida.
Tinha oito anos naquele tempo, e logo me vi nas ruas onde encontrei com um homem chamado Feagan.
Encarregava-se de um grupo de meninos ladrões, e logo me ensinou a roubar dos cavalheiros seus lenços de seda. Meus
dedos eram destros e rápidos, muito apropriados para a tarefa.
Entretanto, o destino é volúvel. Com o tempo, aconteceu que um dos meninos de Feagan era na realidade um filho
perdido da aristocracia, e quando Luke foi viver com seu avô, o Conde de Claybourne, levou-me com ele. Ensinaram-
me matemática, a escrever e a ler. Quando tive a idade apropriada, ingressei em um hospital de ensino.
Estava cômodo rodeado de cadáveres, ansioso por entender o que podiam compartilhar comigo. Com o tempo, pude
aplicar o que aprendi. Converti-me em um médico reconhecido, tratando por igual a pobres e aristocratas.
Eventualmente, minhas habilidades foram conhecidas pela rainha, e me ordenou a atendê-la de acordo a suas
necessidades, o qual fiz com gosto.
Mas nunca esqueci minhas humildes raízes, nunca esqueci que a morte sempre conta seus segredos.
Capítulo Um

Londres, 1854.
Winnifred Buckland, a Duquesa de Avendale, nunca tinha estado mais assustada em sua vida.
Algo ia mal, terrivelmente mal, e temia que se contasse a alguém o que estava acontecendo a
enviariam direto ao Bedlam.
Assim, enquanto as pessoas chegavam em seu baile de caridade, permaneceu ao pé das escadas
que levavam para o grande salão fingindo que nada acontecia. Com um sorriso cálido, agradeceu aos
mais influentes e enriquecidos membros da aristocracia por apoiar seus planos de construir um
hospital. Era uma grande empreitada, mas dirigir o projeto tinha servido para fortalecer sua
confiança.
Começou a oferecer este evento pouco depois de seu primeiro ano de luto. Seu marido tinha
morrido em um incêndio no Heatherwood, a propriedade familiar do Conde do Claybourne. A
razão para que tivesse estado na mansão ainda era um pouco turva, mas sua morte estava clara. Ela
tinha visto seus restos calcinados e havia retirado os anéis ducais de seus dedos carbonizados. Com
sua morte tinha chegado sua liberdade – liberação da dor, humilhação, e do medo paralisante. Ele
tinha sido uma besta, para ser honesta. Embora somente um punhado de gente soubesse a verdade.
Não era algo sobre o que alguém se gabasse.
Depois de saudar os últimos convidados, fez uma pequena pausa e tomou um momento para
olhar ao redor. A orquestra situada no balcão estava tocando uma valsa. Lírios, suas flores favoritas,
estavam postos em lindos arranjos, trazendo sua doce fragrância ao salão. Através de uma porta
próxima, seus convidados passavam para sala onde eram recebidos por abundante comida e bebida
organizada sobre longas mesas. Champanhe fluía. A risada flutuava através dos salões. Ela amava as
risadas sobre todas as coisas. Um som da pura alegria quando tinha havido tão pouca em sua vida.
Apesar de uma vez organizar bailes tinha sido um trabalho tedioso que, com frequência, diminuía
sua autoestima porque seu marido sempre encontrava defeito em uma coisa ou outra, agora
desfrutava do trabalho imensamente porque seu baile cumpria ao propósito de retribuir ao homem
que, literalmente, a tinha resgatado das portas da morte.
Olhando para as escadas, sentiu que seu coração dava um pequeno salto quando viu William
Graves descendo. Com seu loiro cabelo frisando sobre sua cabeça como um halo, recordava a um
anjo. Seu anjo. Ele não só se encarregou de suas feridas, mas sim tinha dado um refúgio depois da
última tremenda surra que seu marido deu antes de morrer acidentalmente.
Era por William Graves que ela oferecia esse evento a cada ano. Pretendia usar os recursos para
abrir um hospital em sua honra como forma de retribuir tudo o que tinha feito por ela.
Finalmente, deteve-se junto a ela, tomou sua mão enluvada, e depositou um beijo sobre seu
dorso.
— Sua Graça, está adorável esta noite:
— Dr. Graves, surpreende-me que pudesse unir-se a nós.
Desejava não soar como se estivesse sem fôlego, como se ela fosse a que acabava de descer a
escada e de forma bastante apressada. Não sabia porque sempre a fazia ficar sem fôlego, de uma
maneira agradável que implicava antecipação e não pavor. Considerando as agressões que tinha
suportado nas mãos de seu marido, estava na verdade surpresa por não temer a todos os homens.
Mas havia algo em William Graves que fazia com que se sentisse tranquila. Talvez fosse a
diabrura que dançava no azul de seus olhos ou a maneira com que sorria malandramente como se
fosse muito apto a guardar os segredos de uma dama, especialmente se ele fosse a causa desses
segredos. O seu rosto era o de Adônis, e apesar das roupas de gala o revestirem de elegância e uma
aparência de civilidade, ela conhecia o poder que ocultava sob o tecido. Ele a tinha carregado com
facilidade faz três anos. Embora virtualmente desmaiada nesse momento, estava muito consciente de
estar aconchegada no refúgio de seus fortes braços. Sua voz tinha acalmado, mas com insistentes
ordens, a forçando a não sucumbir ante as garras da morte. Ela suspeitava que a maioria de seus
pacientes se curavam por sua firme insistência de que não fizessem o contrário.
Ele estudou o entorno com a atenção de alguém a quem nada passa desapercebido.
— Tem uma boa assistência. Não estou seguro que tivesse sentido minha falta.
Esfregando a ponta do nariz, ela disse, — Sim teria sentido, eu asseguro. E tem razão sobre a
assistência desta noite. As doações deste ano nos darão os recursos para que o trabalho no hospital
comece a sério.
Seu olhar azul voltou a pousar nela.
— Um hospital será muito bem-vindo. Você é muito generosa por dedicar seu tempo e devoção.
— Asseguro que não é um sacrifício. Talvez se você tiver algumas horas livres nesses dias,
poderíamos discutir alguns detalhes. Quero me assegurar de que tudo satisfaz as suas necessidades.
— Confio no seu julgamento.
Ele nunca saberia o muito que significavam essas palavras para ela. Seu marido tinha procurado
controlar cada aspecto de sua vida, nunca tinha acreditado em seu julgamento. No final, ela tinha
começado a duvidar também.
— Mesmo assim, valorizo sua opinião.
— Sua Graça, o hospital não deveria ter nada a ver comigo.
Tudo era sobre ele. — Por favor, — pediu, sabendo que a seguir ele diria que não tinha feito
nada extraordinário ao cuidar dela. Gostava muito dele, mas ele mantinha uma distância respeitosa e
sempre era muito formal. Sabia que tinha crescido nas ruas e que era amigo do Conde de
Claybourne. Dessa forma o tinha conhecido já que o conde também tinha estado presente nessa
noite terrível.
— Dá um propósito a minha vida. Vou construir o hospital com ou sem sua ajuda, mas ao fazê-
lo sozinha, posso arruinar as coisas.
Ele sorriu, uma suave elevação dos lábios. — Duvido que você arruinasse as coisas, mas suponho
que poderia oferecer alguns detalhes sobre as necessidades de um hospital. Colocarei um espaço em
minha agenda para analisar seus planos.
— Apreciaria muito.
— Agora, poderia colocar um espaço em sua agenda de anfitriã para dançar comigo?
A alegria a alagou. Era o primeiro baile no qual não usava seu traje de luto. Usando um vestido
azul pálido, sentia-se jovem outra vez, não pressionada pelas más decisões de sua juventude.
— De fato, posso. Meu cartão de baile está completamente disponível. As viúvas não são tão
procuradas como as jovens solteiras.
— Pessoalmente, prefiro a uma dama com um pouco de experiência na vida frente às muito
inocentes. — Os acordes de uma valsa começaram. — Essa dança serve?
Ela não podia conter seu prazer. — Com certeza.
Enquanto a guiava ao salão de baile, ela experimentou um momento de decepção. Estaria se
sentindo muito mais proprietária de si mesma se estivesse usando o colar de safiras que tinha
pertencido a sua mãe. Teria combinado perfeitamente com o traje e servido de distração para que
não se notasse seu nariz disforme que estava ligeiramente inclinado para um lado – um presente de
despedida de Avendale. Mas quando tinha ido mais cedo ao cofre retirar as safiras, não estavam ali.
Não sabia como poderiam ter roubado o colar com um cofre tão seguro e com uma única chave.
Tratou de recordar quando tinha sido a última vez que o tinha usado, e se o tinha posto em outro
lugar, mas sempre tinha muito cuidado com as joias, mais por seu valor sentimental que por seu
valor monetário.
Mas seus pensamentos sobre o colar abandonaram sua mente quando William Graves a tomou
em seus braços e deslizou sobre o reluzente piso de mármore. Sua parte favorita da noite sempre era
esta única dança com ele. Só a convidaria uma vez. Sem importar se ninguém mais a acompanhasse
ao salão de baile. Depois desses minutos, ele não se intrometeria em sua noite outra vez – como se
ela considerasse o tempo passado a seu lado como uma intrusão.
Enquanto sustentava o olhar, perguntou-se se a via como era agora ou como tinha sido. Não
desejava ser vaidosa, mas parecia que mesmo assim era. Uma cicatriz branca dividia uma
sobrancelha. Tinha uma pequena cicatriz em uma bochecha. Sob seu traje se ocultavam várias mais.
William conhecia sua existência porque tinha sido quem as tinha suturado, quem tinha posto gelo
sobre as áreas que tinham estado inchadas e com hematomas. Ele era quem tinha dado caldo
quando ela quase não podia mover a mandíbula.
Tinha sido uma mulher casada que, em poucos dias, tinha começado a sentir afeto por um
homem que não era seu marido. Logo Avendale faleceu, e cresceu seu remorso por seus sentimentos
para com William. Era totalmente inapropriado de sua parte pensar nele como algo mais que seu
médico. E William, bendito fosse, nunca tinha se aproveitado da situação, nunca tinha dado
indicação de vê-la como algo mais que uma paciente.
Mas agora ela quase acreditava ver um desejo ardente em seus olhos. Não falavam entre eles.
Pareciam não necessitar das palavras. Mas ela estava plenamente consciente de sua mão sustentando
apertadamente a sua, sua outra mão pressionando a base de suas costas, suas pernas roçando sua
saia. Ele era alto, de ombros largos, mas ela não se sentia ameaçada por seu físico. Em vez disso,
sentia-se a salvo, protegida.
Talvez fosse resultado dos dias passados sob seus cuidados. Tinha escondido ela e seu filho em
sua casa. Sua amiga, Frannie, que depois se converteria na Duquesa de Greystone, encarregou-se do
cuidado de Whit, enquanto William tinha dedicado seu tempo a assegurar-se que Winnie se
recuperaria da terrível experiência. Precisou mais que cura física, e ele se encarregou magistralmente
de suas necessidades emocionais.
Muitas noites despertou de um pesadelo para encontrá-lo sentado junto a sua cama vigiando-a.
Ele encheu as horas de sua recuperação lendo Shakespeare e Dickens, jogando xadrez, carregando-a
até o jardim para que pudesse desfrutar de seu filho enquanto jogava bola com Frannie. Parecia
saber o que necessitava sem que ela sequer dissesse. Era tão atento, e embora dissesse a si mesma
que era só porque estava encarregando de sua recuperação, em um pequeno canto de seu coração
não podia evitar acreditar que ele desfrutasse de seu tempo com ela, que desse boas-vindas às
desculpas para estar em sua companhia um tempo mais longo. Algumas vezes falavam de nada em
particular até altas horas da noite, até que ela deslizasse em um sono tranquilo. Sempre parecia
dormir melhor quando levava sua voz para seus sonhos.
Agora a música migrou para o silêncio, e muito lentamente seus movimentos se detiveram. Ele
parecia a ponto de dizer algo, pedir outra dança talvez. Ou ao menos, ela esperava que essas fossem
as palavras que ele pronunciasse. Não importava se o respeitável era compartilhar somente duas
danças. Ela dançaria todas com ele se somente pedisse.
Em seu lugar, ofereceu um pequeno sorriso e começou a levá-la por volta para a escada onde ela
poderia saudar qualquer convidado que chegasse tarde. Uma vez que chegaram a seu destino, tomou
novamente sua mão e a beijou.
— Obrigado pela dança, — ela disse. — Foi um prazer.
Seus olhos se obscureceram. — Não, Duquesa, como sempre o prazer foi meu.
Com essas palavras de despedida, afastou-se, perdendo-se no grupo de convidados. Ela não
duvidava que tinha ido procurar seus amigos que estavam aqui. Outros que tinham crescido nas ruas
junto a ele apoiavam os esforços de Winnie, mais em benefício do bom doutor que no dela, estava
segura. Ele parecia inspirar lealdade nas pessoas. Mas talvez isso não fosse tão incomum
considerando sua habilidade para deter os avanços da morte.
Mesmo assim com frequência desejava havê-lo conhecido em circunstâncias diferentes, havê-lo
conhecido antes de ter se convertido em uma esposa.

De pé em uma esquina escura do terraço, William Graves bebeu o uísque que tinha furtado da
biblioteca. Ele preferia o ardor dos licores fortes ao do champanhe. Eram mais de acordo com a
escuridão que residia em seu interior.
Dançar com Winnifred Buckland, Duquesa de Avendale, era seu momento favorito do ano.
Mesmo que a atividade fosse uma tortura pura.
Três anos atrás, fizera o necessário para salvá-la, embora nem tudo fosse exatamente legal. Não é
que alguma vez tivesse sofrido remorsos por esquivar a lei. Mas não estava seguro de que ela
aceitaria seus delitos. De fato, estava bastante certo que o desprezaria por seu papel no falecimento
de seu marido, e por isso ele guardava distância entre eles quando preferiria se aproximar.
Ou ao menos explorar a possibilidade disso. Sentia-se atraído por ela de uma forma que nunca o
tinha atraído outra mulher. Possuía uma vulnerabilidade que ele acreditava que escondia sua força, e
adoraria ajudá-la a descobrir esse segredo sobre si mesma, mas temia que ao fazê-lo descobrisse os
dele.
Segredos que poderiam não só destruir a ela, mas também a cada alma daqueles que importavam.
Assim durante dois anos, tinha vindo a este condenado baile. Dançava uma vez com ela. Inalava
sua fragrância de jasmim, sentia o calor de sua pele filtrando-se através de suas roupas e de suas
luvas para mesclar-se com o calor das mãos dele. Olhava seus melancólicos olhos marrons, e, pedia a
Deus, ter o poder de faze-la rir. Estudava seu arqueado nariz, o qual, apesar de sua causa, achava
encantador, e se perguntava se ela estaria consciente de quantas vezes esfregava a ponta do nariz,
quantas vezes parecia tentar escondê-la. Ele conhecia a cicatriz de sua sobrancelha, a da bochecha, e
uma quase desvanecida que tinha no queixo da qual, provavelmente, ela tinha conhecimento. Não
via como defeitos, porque eram sinais de sobrevivência, mas desprezava as razões pelas quais as
tinha.
Mesmo assim, pensava com frequência em como se sentiria ao passar seus lábios sobre elas, e se
perguntava se no processo poderia sanar as feridas internas com tanto êxito como tinha curado as
externas.
Tinha desejo de poder tirar os grampos de seu cabelo mogno. Duvidava que ela soubesse que
durante alguns de seus momentos de delírio, ele o tinha escovado para evitar que enchesse de nós ao
ponto que teriam tido de cortar. Caía até a cintura e era lindo. Tão lindo como ela. Poderia olhar
seus olhos por horas, mas ele já a tinha olhado o suficiente por uma noite. Uma dança. Uns poucos
momentos. Não se atrevia a torturar-se mais ou fazer algo mais. Sua habilidade para resistir a ela
pendia de um débil fio.
Bebeu o conteúdo de seu copo antes de pô-lo de lado no corrimão. Hora de ir, de encontrar
outra mulher que o distraia de seus desejos. Embora, infelizmente, desde que a conheceu, todas as
mulheres tinham empalidecido em comparação, deixando-o com o desejo. Com frequência
trabalhava até sentir-se completamente exausto para que ela não entrasse em seus sonhos, porque
nunca usava roupa nele, e sua frustração por suas ações passadas crescia. Mas inclusive sabendo o
preço que tinha pago, voltaria a fazê-lo sem duvidar. Faria qualquer coisa para protegê-la.
Girando sobre os sapatos, deteve-se ao ver a duquesa descendo os degraus que levavam ao
jardim.
Não deveria segui-la. Ela poderia ter um encontro, mas ele parecia incapaz de evitar que suas
pernas fizessem a curta caminhada que os separava. — Duquesa?
Detendo-se, encarou-o. Sob a pálida luz que arrojavam os abajures a gás que cercavam o
caminho, ele pôde ver seu ligeiro sorriso. Gentil, cálida, cordial. Ela era a pessoa mais amável que
tinha conhecido. Em sua juventude tinha desejado um toque amável, uma carícia doce que pudesse
acalmar suas feridas. Imaginava que ela seria bálsamo para sua alma machucada.
— Desejaria que me chamasse Winnie, — disse ela brandamente.
— Você é uma duquesa; eu um plebeu.
— Um plebeu que trabalha como um dos muitos médicos da rainha. Eu diria que isso o faz
especial, Dr. Graves.
Ignorando seu argumento – não necessitava de nada que criasse uma sensação de intimidade
entre eles que poderia debilitar sua resolução de manter-se afastado dela – disse, — Deveria estar
aqui sozinha?
— É meu jardim. Como viúva, não necessito acompanhante. Olhou sobre seu ombro para o
salão.
— Há tanta gente ali, o que é bom para a causa, mas estava começando a sentir como se estivesse
sufocando. Só necessitava de um pouco de ar fresco, assim pensei em dar um rápido passeio pelo
jardim. Gostaria de me acompanhar?
Ele sabia a resposta correta, a resposta segura. Em seu lugar disso se escutou dizendo, — Eu
gostaria muito.
Logo fez algo igualmente estúpido: ofereceu o braço. Ela pôs sua pequena mão sobre ele, e,
embora usasse camisa e jaqueta, podia sentir a pressão de cada dedo através do tecido até que pôde
jurar que ela estava marcando sua pele com fogo. A cabeça dela estava seis polegadas abaixo de seu
ombro. Era tão pequenina, que o punha ainda mais furioso quando pensava na besta de seu marido
dando murros, antes de derrubá-la e forçá-la. Ele tinha recebido o que merecia, e William não tinha
remorsos a respeito. Se isso acrescentasse peso a sua própria consciência que assim fosse. Não seria
a primeira vez.
Uma fria brisa soprava nessa linda noite de verão, mantendo a raia a névoa. Alguns casais
passeavam. Os sussurros dos que se afastaram do caminho se mesclavam aos sons dos insetos. A
escuridão criava uma intimidade que fazia fácil acreditar que os segredos seriam guardados.
— Por que Vitória necessita de tantos médicos? — perguntou a duquesa.
‘Porque sofre de hipocondria’. Não que fosse compartilhar essa informação. Não falava dos assuntos
daqueles a quem atendia. — Ela é a rainha e quer assegurar-se de permanecer saudável para seus
súditos. Algumas vezes ajuda ter mais de uma opinião sobre um assunto. A medicina não é uma
ciência exata, e ainda temos muito que aprender.
— Entretanto deve ser fascinante, ver tudo o que você vê.
— Fascinante, dilacerador. Prefiro os dias nos que meus pacientes se recuperam, aos dias em que
não o fazem.
— Estranho, mas nunca pensei que você perdesse pacientes. Suponho que estive tão perto da
morte quando conseguiu me recuperar que acreditei que podia fazer milagres.
— Dificilmente. Sou só um homem, não um trabalhador milagroso.
Entraram mais no jardim, longe das luzes, mas os olhos dele se adaptaram e podia ver claramente
para onde iam. Não parecia haver outros casais perto. Deveriam retornar. Mas ele nem sempre fazia
o que deveria.
— Sabe muito sobre o funcionamento do cérebro? — perguntou ela.
— Consegui retirar um tumor ou dois, com bastante êxito. Está sofrendo dores de cabeça? —
Não gostava da ideia de que ela sofresse mais. Já tinha experimentado dor suficiente nas mãos de seu
marido, suficiente para uma vida inteira, mas também sabia que as pessoas nem sempre tinham a
vida despreocupada que realmente mereciam.
— Não, de maneira nenhuma. O pior são esquecimentos. É tolo realmente. Tenho um colar de
safiras que planejava usar com este traje, mas fui tira-lo do cofre em meu dormitório e não estava.
— Roubado, então.
— Essa é a questão. Não sei. O cofre estava bem fechado. Quem roubaria? Os criados estão
comigo há anos. Por que, de repente, começariam a roubar? Embora, para ser honesta, foram mais
de um incidente. Outras coisas aconteceram que têm feito com que me preocupe.
— Como quais?
— Parece que vivo perdendo coisas. Não sei por que estou tão esquecida ultimamente.
Ele deixou de caminhar, pôs as mãos sobre seus ombros, e a girou para que o olhasse
diretamente. Tirou as luvas quando deixou o salão em busca de uma bebida mais forte. Tomou toda
sua força interior não deslizar suas mãos em um prazeroso percurso sobre sua sedosa pele nua, não
tirar suas luvas, não brincar com seu cabelo, não se aproveitar deste momento em que o estava
olhando com tanta sinceridade. Forçando-se para trocar seus pensamentos errantes pelo assunto
presente, desejou ter mais luz, ter seus instrumentos com ele para poder examinar mais de perto seus
olhos. Por havê-la atendido antes, estava bastante familiarizado com suas profundidades marrons, o
círculo mais escuro ao redor da íris, as pequenas franjas douradas que capturavam a luz. — Recebeu
um golpe bastante forte na cabeça faz três anos. O que está experimentando pode ser resultado de
uma lesão que eu não tenha diagnosticado apropriadamente.
— Mas por que agora?
— Quando começaram?
Ela agitou a cabeça, e ele desejou que seus movimentos soltassem seus grampos, até que seu
cabelo escapasse de suas presilhas e pudesse passar seus dedos entre ele. Por que sempre era tão
difícil para ele ser o médico impessoal que o tinham ensinado a ser? Supunha-se que deveria olhá-la
como um objeto a ser analisado, não como uma mulher para ser explorada.
— Faz dois, três meses, — disse ela, completamente ignorante de estar causando tantos estragos
nele. — Logo quando retornei a Londres para a Temporada. O dano de meu cérebro demoraria
tanto para se manifestar?
Ele não acreditava, mas como havia dito, a comunidade médica ainda estava aprendendo coisas
sobre a condição humana. — Sofreu algum outro golpe na cabeça recentemente? Algum acidente?
Caiu?
— Não, nada. Sinto muito. Ela riu ligeiramente, um tinido de sinos que fez que as vísceras dele se
contraíssem ante a lembrança da primeira vez que tinha ouvido esse som. Ela estava vendo seu filho
brincar com Frannie no jardim de William, e seu deleite tinha dado o primeiro ar de esperança de
que realmente se recuperaria, que ele tinha conseguido descobrir cada ferida que necessitava atenção.
Mas agora tinha que perguntar-se se tinha deixado passar algo, algo vital que poderia atormentá-la
pelo resto de seus dias. — Não quis te causar preocupação excessiva. Supõe-se que esta noite é para
a diversão.
Mas ele estava preocupado. As pessoas podiam parecer perfeitamente bem, mas algo escuro e
sinistro poderia estar espreitando, esperando para arrebatar a vida. Em sua juventude, familiarizou-se
muito com o escuro e sinistro, e seus medos tinham conduzido ao desastre. Sem importar quantas
vidas salvasse, não poderia compensar a vida que se perdeu devido a sua debilidade. — Quero que
venha a meu consultório amanhã para um exame.
— Realmente acredita que é necessário?
— Não saberei até que a examine. E enviarei uma mensagem ao Inspetor Swindler da Scotland
Yard. Não sou perito em cofres. Não eram de minha competência quando vivia nas ruas, mas ele
poderá examinar o seu para determinar se alguém o tem aberto sem uma chave.
— Esqueci que você foi um ladrão. Só tinha ouvido fragmentos de rumores sobre seu passado.
Foi horrível?
— Não todo o tempo. Embalou seu rosto entre suas mãos. Um engano. Sua pele era tão suave,
como a seda mais fina. Em sua garganta, podia sentir seu pulso contra os dedos. — Quero que me
prometa que virá me ver amanhã.
— Sim, está bem. Continua sendo no mesmo lugar onde me levou anos atrás?
Ele não pôde evitar. Deslizou os polegares sobre suas bochechas. — Sim. Posso enviar uma
carruagem para que a pegue.
— Não, recordo onde é. Posso encontrá-lo. A que horas?
Delineando seus lábios, ele escutou sua suave inalação. — À hora que convenha.
Ela simplesmente assentiu, seu olhar fixo sobre ele. Considerando o que ele sabia sobre seu
passado, estava surpreso porque ela não tivesse corrido para casa gritando.
— Não quero que tenha medo, Winnie. Se amaldiçoou pela facilidade com que seu nome
envolvia sua língua.
— Não o sinto quando estou com você.
Deveria, pensou ele. Deus o ajudasse, mas deveria. Qualquer reserva de controle que ele tivesse
se dissipou.
Com uma crua maldição ecoando entre os dois, ele baixou sua boca para a dela. Seus lábios eram
macios e suaves como sempre os tinha imaginado, abrindo-se ligeiramente, vacilantes, convidando-o
a tomar maiores liberdades. E ele era o suficientemente canalha para aceitar o convite.
Ela gemeu quando ele deslizou sua língua no interior de sua doce boca. Ela tinha sabor de
champanhe e ele se perguntou se estava tão receptiva porque tinha bebido muito. Logo suas
perguntas se converteram em assombro quando a língua dela explorou sua boca com igual ardor. As
vantagens de estar com uma viúva. Não era inocente. Deus, ele sabia que estava longe disso. Ela
agarrou as lapelas de sua jaqueta. Envolvendo-a em seus braços, aproximou-a mais, até que seus
corpos estiveram pressionados. Podia sentir suas curvas. Amaldiçoou às roupas que os separavam.
Suas unhas acariciaram sua cabeça logo antes de seus dedos deslizarem por seu queixo.
Suspirando, ela entrelaçou os braços ao redor de seu pescoço, aproximando-se ainda mais dele.
Por três anos, tinha sonhado com este momento, fantasiado, imaginado, mas nunca se atreveu a
acreditar que alguma vez se faria realidade. Ele não queria ceder, não queria parar. Aprofundou mais,
liberando a voracidade que tinha controlado – por ela, somente por ela.
Merecia a alguém melhor que ele, alguém que não mentisse, alguém que não tivesse segredos, que
pudesse sentar-se a seu lado junto ao fogo sem temer ser sincero. Mas com ela, sempre teria que
vigiar suas palavras, sempre tomar cuidado do que revelaria. Havia dito que não o temia, mas sabia
que, se ela soubesse exatamente o que ele era capaz de fazer, estaria aterrorizada. Não confiaria nele.
Duvidava que gostasse dele; com toda segurança não o amaria.
Inclusive beijá-la tinha a possibilidade de levá-los ao desastre – e não só a vida dele seria
arruinada. Deveria afastar-se agora. E o faria.
Depois de um momento mais.
Um momento mais de suspiros e gemidos. Um momento mais de seu exuberante corpo contra o
seu. Um momento mais de seus braços abraçando-o apertadamente como se nunca quisesse deixá-lo
partir.
Ele queria soltar seus laços. Queria carregá-la nos braços e levá-la ao quarto. Queria fazer todas as
coisas que não deveria. Mas as satisfações vinham com um preço, e não podia pedir a ela que o
pagasse.
Com um grunhido de frustração, ele retrocedeu. Respirando agitadamente, ela o olhou com
expectativa. Melhor decepciona-la agora que arriscar-se a destruí-la. Estar muito tempo ao seu lado
não seria bom para nenhum dos dois.
— Boa noite, Duquesa. Girando abruptamente sobre os calcanhares, caminhou para a porta
traseira que o levaria aos estábulos. Por um momento, tinha experimentado o céu, e sabia sem
dúvida que passaria o resto da noite adoecendo nas profundezas do inferno.
Capítulo Dois

Enquanto Winnie caminhava para o salão de baile, perguntava-se se alguém notaria que seus
olhos estavam um pouco mais brilhantes, seus lábios um pouco inflamados, sua pele ligeiramente
ruborizada. Sem ver em um espelho, sabia que tudo isso era certo porque sentia como se tivesse
mudado nesse momento, e tivesse se transformado em alguém com alegria em seus passos, uma
leveza em sua alma que nunca havia sentido antes.
Avendale a tinha beijado, mas sem ternura ou gentileza. Inclusive quando a paixão começou a
tomar o controle, e William aprofundou o beijo, não foi sobre posse ou domínio, a não ser sobre
dar, receber, desfrutar – completa e absolutamente. Embora, inicialmente, houvesse se sentido
esmagada por sua fome, e tivesse experimentado uns segundos de pânico, sua tenacidade e seu
honesto desejo a tinham seduzido para reagir igual, sabendo que não queria machucá-la. Ele fazia
que seu coração acelerasse, sua pele esquentasse, seus nervos formigassem, seus dedos curvassem.
Por uns intensos momentos tinha mostrado o prazer de receber os cuidados de um homem.
Ele a tinha beijado esta noite e o veria amanhã. Mal podia esperar. Não importava que tenha ido
embora abruptamente, ou que não tivesse usado um termo carinhoso para se despedir. O importante
é que ela sabia que ele a desejava. O que importava é que isso não a assustava.
— Winnie?
Deteve-se rapidamente quando sua melhor amiga em todo mundo, a Condessa de Claybourne, se
aproximou. — Olá, Catherine.
Catherine tinha dado um rápido abraço e beijo na bochecha quando chegou mais cedo junto ao
Conde de Claybourne. Agora simplesmente estudava Winnie como se estivesse vendo-a pela
primeira vez. — Parece feliz.
— Sim. — Realmente queria poder dizer o porquê, mas ainda era muito cedo e tão maravilhoso
que decidiu guardar um pouco mais, para simplesmente desfrutar da maravilha e do vivo prazer. —
Tenho razões para está-lo. O baile foi um êxito.
— Recorda quanto tinha que me esforçar para convencer você de que poderia oferecer uma festa
imponente? — Winnie assentiu, ante o aviso de como se preocupava com os bailes que tinha
organizado quando Avendale estava vivo.
— Mas já não temo decepcionar ninguém. William Graves é muito agradecido. Ele e eu nos
reuniremos no final da semana e discutiremos os projetos para o hospital. — Não viu razão para
mencionar que o veria amanhã. Não queria preocupar sua amiga, e com toda probabilidade nada
estaria errado. Talvez só fossem as distrações de estar organizando esse evento. Sim, isso era, estava
certa disso. Começou a planejá-lo logo que chegou a Londres. Queria que tudo fosse perfeito.
Estava focada, e por isso sua mente não pode perceber mais nada mais.
— Isso é maravilhoso, — Catherine disse sobre o hospital. — Alegra-me que tenha este projeto
para ocupar seu tempo.
— Na realidade desfruto em me encontrar com os arquitetos e construtores. William Graves
permitiu que eu o projete como quero. Percorri outros hospitais, falei com o pessoal para entender
melhor o que necessitam. Acredito que o Dr. Graves estará feliz com meus esforços.
— Estou segura que estará. Eu estou bastante impressionada. — Estirando-se para tocar uma
pétala de um lírio que estava em um vaso azul, Catherine disse,
— Falando em Graves, vi você dançar com ele faz um momento.
— Fala como se fosse algo demais, quando sabe que ele sempre dança comigo. Uma dança.
Somente uma dança. Suponho que é sua maneira de me agradecer.
— Ele gosta de você.
— Como notou, ele é muito amável.
Catherine deu um sorriso preocupado. — Só se cuide, doce. Seu trabalho tem prioridade e
sempre terá. Está dedicado aos seus pacientes.
Uma hora antes, meia hora antes, Winnie teria simplesmente assentido, mas William Graves a
tinha beijado. — Não espero nada dele. Bem, talvez só um pouco.
Nesse momento, o Conde de Claybourne apareceu para reclamar uma dança a sua esposa. Winnie
nunca tinha esperado que Catherine se casasse com o Conde Diabo, mas não podia negar que sua
amiga era incrivelmente feliz, e que o homem obviamente a adorava.
O resto da noite, ela falou com uma pessoa e outra, assegurando que a comida e o champanhe
estivessem disponíveis, agradecendo às pessoas que apoiavam o evento, para garantir a construção
de um hospital de primeira qualidade. Quando passou da meia-noite e todos se foram, estava exausta
por seu papel como anfitriã. Realmente teve que arrastar-se pelas escadas. Mas ainda não podia ir
para cama.
Caminhou afastando-se de seu dormitório, três portas mais à frente. No interior, encontrou seu
filho de sete anos deitado sobre a cama, roncando ligeiramente. A porta para o quarto da governanta
estava fechada porque já era grande o suficiente para dormir sem vigilância. Um abajur em sua mesa
de noite iluminava parcialmente o quarto. Ele nunca dormia na escuridão.
Aproximou-se tão sutilmente como foi possível, brandamente retirou o cabelo castanho de sua
testa. Com a morte de seu pai, converteu-se no Duque de Avendale, mas ela não conseguia chamá-lo
por seu título legítimo, talvez porque ainda recordava muito o seu marido. Para ela, seu filho era
Whit, o nome que tornou seu quando ostentava o título de Conde de Whitson. Também acreditava
que Whit era mais apropriado para um menino. Suspeitava que não passaria muito tempo antes que
quisesse ser chamado pelo nome que tinha pertencido ao seu pai. Mas até então, ela faria as coisas a
sua maneira.
Só podia estar agradecida porque seu pai nunca tivesse posto a mão em cima dele, e porque Whit
era muito pequeno para entender o que acontecia em seu lar. Embora estivesse segura de que iria
para o inferno, não sentiria culpa por alegrar-se ante a morte de seu marido. Sabia que isso a fazia
uma má pessoa, mas nem de perto tão má como tinha sido Avendale.
Inclinando-se, depositou um rápido beijo sobre a fronte de Whit. — Doces sonhos, amor.
Endureceu quando uma fragrância a atingiu. Cominho. Era um aroma que associava a seu
marido, a dor, a humilhação. Seu coração acelerou, e girou para olhar para as sombras. Não viu nada
mais que escuridão velada.
Estava sendo ridícula. Avendale estava morto, mas ultimamente, seu aroma tinha começado a
surgir nos cantos, em pequenos bolsos, apanhando-a despreparada de vez em quando. Tinha
proibido aos criados que tivessem sementes de cominho na residência, inclusive para tempero.
Alguém deveria ter desobedecido. Teria que cuidar do assunto com o mordomo pela manhã.
Não queria recordações de seu marido, nada que trouxesse lembranças de sua miserável
existência enquanto tinha estado sob seu poder.
Com um último olhar a Whit, silenciosamente saiu do quarto, fechando a porta com cuidado
atrás dela. Seu coração finalmente estava retornando ao seu ritmo normal. Talvez fosse hora de
encontrar outra residência em Londres. Esta tinha muitas lembranças. Para onde olhasse, havia
lembranças de Avendale. Não tinha sentido que tivesse começado a cheirá-lo, quando havia falecido
faz três anos, mas talvez seu hábito de mastigar constantemente sementes de cominho tinha causado
que a fragrância permeasse tudo. Já que a casa esteve fechada no inverno, era provável que a essência
ficasse impregnada e agora, ao abrir a casa, estava sendo liberada. Mas, por que não a tinha notado
antes? Não poderia explicar, não queria pensar mais nisso.
Depois de entrar em seu quarto, chamou sua donzela. Pareceu não levar muito tempo para que
Sarah a arrumasse para deitar. Depois que se foi, Winnie estudou seu reflexo no espelho da
penteadeira. De certo ângulo, era quase impossível ver que seu nariz tinha sido fraturado.
Estremeceu ante a lembrança da dor, o sangue, o rangido da cartilagem afundando ante o punho.
Sua ofensa tinha sido permitir que o Conde Diabo viesse a sua festa. Seu marido ficou furioso.
Há muito tempo, imagens dessa horrenda noite não ocupavam sua mente. Esperava não
despertar banhada em suor frio com os gritos ecoando ao redor. Pensar nessa noite com frequência
causava pesadelos, mesmo que anos tivessem passado. Era como se estivesse entrelaçada com o
tecido de sua alma.
Levantando-se da cadeira, deu um último olhar ao seu reflexo antes de ir para cama. Enquanto se
metia entre os lençóis, teve uma fugaz visão de William Graves esperando-a ali, dele tomando-a em
seus braços, beijando-a com a mesma paixão que tinha mostrado no jardim. Embora ela tivesse
todas as razões para temer à intimidade que seguiria, encontrou-se antecipando-a. Entendia que nem
todos os homens eram tão brutais como Avendale. Desejava resplandecer com a mesma felicidade
que Catherine.
Não se preocupou em alcançar o abajur, para apagar a chama. Seu filho não era o único que não
queria dormir na escuridão.
Girando para o lado, deslizou uma mão sob o travesseiro e congelou quando seus dedos tocaram
algo duro e frio.
Não, não podia ser. Não era possível.
Endireitando-se, jogou para um lado o travesseiro e ofegou ante a visão do colar de safiras
piscando sob seus olhos.

Sentado em frente a lareira de seu pequeno salão privado, William bebeu lentamente seu uísque.
Sabia que o sono não chegaria facilmente essa noite, não depois de haver sentido o gosto. Ainda
podia saborear Winnie em sua língua, ainda podia sentir seu corpo pressionado contra o seu. O
Diabo o levasse, mas era um parvo por desejar algo que nunca possuiria.
Geralmente visitava seus pacientes, exceto aqueles que via no hospital. Winnifred Buckland tinha
sido à primeira que tinha atendido em sua residência. Tinha sido algo estranho, tê-la em sua própria
casa. Não parecia tão vazia, tão oca.
Enquanto ela tinha estado ali, ele tinha ansiado retornar para casa depois de atender cada
paciente. Sua primeira tarefa era examiná-la – sem importar a hora. Algumas vezes observava
enquanto ela dormia um sono inquieto que nem sequer o láudano podia controlar. Sustentava sua
mão, que não era áspera ou calosa, e a animara a lutar. Quando começou a recuperar-se, tinha
passado horas falando com ela. Dia a dia, tinha visto como se fortalecia não só de corpo, mas sim de
espírito. Captou nuances da dama que tinha sido antes de se casar, e esteve intrigado pela certeza de
que sua atitude começava a se mostrar. Foi então que ela começou a discutir seus planos de construir
um hospital como forma de retribuir sua bondade. Ele adorou a maneira como seus olhos brilharam
quando falou dos aspectos que planejava incluir. Sua emoção era contagiosa, assim, pela primeira vez
em sua vida, perguntou-se se já teria se castigado o suficiente, se finalmente merecia o amor.
Suas meditações foram interrompidas por um golpe em sua porta. Não pensou nada especial
sobre isso porque estava acostumado a ter visitas altas horas da noite. Com pressa, deixou de lado
seu copo, levantou-se, e caminhou para a porta. Abrindo-a, olhou sua visitante. — Winnie?
— Preciso falar imediatamente com você.
Um casaco estava envolto sobre seus ombros. Seu cabelo trançado. Se não fosse pela agitação em
seus traços, ele poderia haver-se distraído pela ideia de separar suas mechas. — Sim, claro, entre.
Enquanto caminhava pela soleira, ele viu sua carruagem na rua. A névoa começava a estender-se.
Tudo parecia calmo, mas considerando a hora não tinha esperado nada diferente.
Fechando a porta, levou-a para o salão. — Por favor, sente-se.
Ela sentou perto do fogo. Ajoelhando-se frente a ela, tomou suas mãos. Podia sentir os pequenos
tremores nelas. — Meu Deus, está gelada.
— Não sabia a quem mais recorrer. Levantou seus olhos cheios de lágrimas para ele. — Acredito
que estou ficando louca.
— Por que pensaria isso?
Liberando suas mãos, ela pegou sua bolsa, tirando algo, logo lentamente abriu seus dedos para
mostrar um colar de safiras. — Encontrei-o sob meu travesseiro.
— Irá me contar tudo, mas primeiro temos que fazer com que pare de tremer.
Endireitando-se, foi para a mesa e serviu uísque em um copo. Desejou ter algo mais elegante para
ela, mas já que raramente tinha visitas que não tivessem pressa, não se preocupou em ter variedade
de licores à mão. O uísque era perfeito para suas necessidades e quando a pessoa estava aborrecida e
necessitava algo mais além de suas palavras, o uísque geralmente servia.
A convidou a vir a sua casa para um exame porque tinha uma sala de exames aqui, e pensou que
ela estaria mais cômoda falando longe da residência dela. Lá ela tinha lembranças muito ruins.
Entregou o copo. Com um assentimento de agradecimento, aceitou seu oferecimento e bebeu.
Suspeitava que estivesse muito alterada para notar que o fogo passava por sua garganta, mas tinha
esperança que a esquentasse.
Pegando a cadeira a sua frente, estudou-a por um momento. Estava pálida, muito pálida, embora
pudesse ver um rastro de cor que voltava para suas bochechas. Agora entendia por que seu cabelo
estava trançado. Tendo encontrado o artigo sob seu travesseiro, sem dúvida já teria se retirado para a
noite. Lutou por não se distrair com imagens dela na cama.
— Agora me conte sobre o colar, — perguntou.
— Contei no jardim, que não estava no cofre. E enquanto me acomodava na cama, deslizei
minha mão sob o travesseiro. O descobri ali. Por que alguém o poria ali?
Inclinando-se para frente, com os cotovelos sobre as coxas, começou a analisar as coisas. Não era
tão bom decifrando as motivações nos assuntos como Swindler. Era melhor determinando a causa
de febres, enfermidades e feridas. — Talvez alguém o tirou do cofre, escutou-a entrar, e o deslizou
sob o travesseiro para recuperá-lo mais tarde.
— Um servente? Por que me roubariam agora?
— Dívidas de jogo, talvez. Talvez tiveram um dia de folga complicado.
— Temo que eu tenha feito isso. Esfregou sua testa. — Como disse no jardim, experimentei
alguns ataques de esquecimento. Ultimamente, perdi coisas com frequência. Tenho um livro em
minha mesa de noite, uso uma fita para marcá-lo. Algumas vezes quando abro o livro, está em uma
página que já tinha lido ou a muitas páginas de onde parei da última vez. Meu perfume, mantenho-o
em minha penteadeira. Mas uma vez o encontrei na borda da janela.
— Facilmente explicável. Uma faxineira não tomou cuidado quando limpou.
Ela negou vigorosamente com a cabeça. — Algumas vezes, quando acordo de noite, sinto o
cheiro do meu marido. Tinha a mania de comer incessantemente sementes de cominho. Sempre
cheirava a elas. Proibi os criados que tenham cominho na casa. Mas o aroma sempre está em lugares
diferentes. Também durmo com um abajur aceso, mas algumas vezes acordo em meio a completa
escuridão, com a chama apagada, o aroma de cominho mais vívido como se tivesse tido um
visitante.
Envolveu seus braços tão apertados contra o copo que ele pôde ver que seus nódulos
empalideciam. Não era algo passível. Ele saltou da cadeira, ajoelhou-se ao seu lado, pegou o copo, e
uma vez mais entrelaçou suas mãos com as dela. — As fragrâncias permanecem, particularmente na
roupa. Tenho um lenço que pertencia ao meu pai. Ainda posso sentir seu aroma.
— Considerei isso, mas Dr. Graves…
— Por favor me chame Bill.
— Isso é muito. Prefiro William.
— William então. Ele o preferia também, mas seus amigos sempre o tinham chamado Bill e nas
ruas era um nome mais forte, um que falava de confiança. Acariciou seus nódulos com seus
polegares. — Estou seguro que há uma explicação para tudo.
— Sim, exato. Como disse, estou ficando louca.
— Duvido, seriamente.
— Então talvez um fantasma está me atormentando, porque poderia jurar que o vi. Cada
músculo e fibra de seu ser ficaram em alerta.
— Onde?
— Uma vez no extremo do jardim. No crepúsculo. Era difícil ver claramente, porque começavam
a aparecer as sombras. Ele estava ali e logo já não. Outra vez no parque. Embora não esteja
completamente segura porque estava muito longe, a semelhança a essa distância era extraordinária.
Para falar a verdade, não foi tanto vê-lo como a sensação de que estava me observando. Sempre
pude sentir quando Avendale me observava, porque o fazia com tanta intensidade como se esperasse
que eu cometeria um engano ou que me comportaria mal, e ele quisesse ser capaz de atacar
imediatamente para me corrigir.
Ele levantou sua mão até sua bochecha e lentamente acariciou sua pele suave.
— Minha mãe era uma mulher cruel que me golpeava religiosamente. Quando morreu, durante
anos, pareceu-me vê-la nas ruas. Ainda acredito vê-la de vez em quando, especialmente naquelas
noites quando estou exausto e minha guarda está baixa. Quando somos traumatizados por aqueles a
quem amamos, com frequência é difícil acreditar que realmente se foram. Mas seu marido morreu.
Não pode te ferir, Winnie.
Ela assentiu. — Sei, e não poderia haver dito palavras mais verdadeiras. Algumas vezes é
tremendamente difícil acreditar que realmente se foi, o que me traz outra vez à possibilidade de estar
ficando louca. Porque sinto sua presença quando sei que não deveria.
— Winnie, precisar esquecer a ideia de estar enlouquecendo. Sobreviveu a uma terrível
experiência que para a maioria das pessoas seria difícil senão impossível de superar. Os vestígios
disso, não o fantasma de seu marido, estão te atormentando. Mas sobreviverá. Precisa se assegurar
que descansa o suficiente e que tem coisas das quais ocupar sua mente e seu tempo para que não se
perca no passado.
Quando ela sorriu, a culpa saltou em seu interior. — Como o hospital, — disse
— Sim. Nos reuniremos para discutir sobre ele daqui a alguns dias. Mas agora é tarde e deve ter
um muito necessitado descanso.
Ela pôs sua mão na bochecha dele. — Muito obrigado. Sempre me faz sentir melhor.
Sustentando sua mão, ele girou sua cabeça ligeiramente e depositou um beijo em sua palma. —
Um prazer. Acompanharei você até em casa.
— Não é necessário. Já o incomodei muito.
— Nunca me incomoda.
Apagou o fogo e pegou sua jaqueta antes de acompanhá-la à carruagem. Depois de ajudá-la a
subir, sentou-se ao seu lado, pôs um braço sobre seus ombros, e a atraiu para ele. Tudo em seu
interior gritava que isso não era apropriado. Mas esta hora da noite era para coisas inapropriadas.
Depositou um beijo sobre sua cabeça, aproveitando a alegria de tê-la perto.
— Sinto-me tão tola, — disse ela depois de um momento. — Não sei por que reagi como fiz.
Estou segura que há uma explicação lógica para tudo.
— Não é tola. Algumas vezes só precisamos falar com alguém do que está nos incomodando.
Podemos aumentá-lo fora das proporções se formos nossos únicos conselheiros.
— Sempre é tão amável.
Não, não sempre. Suspeitava que seu marido o descreveria como um demônio.
A carruagem se deteve. Ajudou-a a descer. — Eu gostaria de examinar sua residência só para me
assegurar de que não há monstros nos cantos.
— Sinto-me como uma menina.
— Não o é. Frequentemente, necessitamos garantias. Ela deu um doce sorriso. — Está bem
então.
Abriu a porta. Quando entraram, ele esteve um pouco aliviado porque ela tinha fechado com
chave a porta antes de sair. Mas valeria a pena trocar as fechaduras. O mencionaria depois. Não
queria alarmá-la mais do que já estava.
Deixando-a no vestíbulo, caminhou rapidamente pelas salas que, de maneira nenhuma, pareciam
com ela.
Embora já não estivesse ali, a presença de seu marido dominava nos escuros e sólidos móveis,
escuras paredes e grossos cortinados. Passou um momento extra num pequeno quarto que, sem
dúvida, não só servia a ela como sala, mas sim como refúgio. Uma delicada escrivaninha estava
contra uma parede, frágeis figuras de animais adornavam pequenas mesas. O tecido que cobria as
cadeiras e o sofá era amarelo pálido e verde, como se ela lutasse por trazer luz a sua vida. Sobre a
lareira, uma pintura de uma menina com uma cesta de flores. Os olhos eram inocentes, mas ele os
teria reconhecido em qualquer lugar. Pertenciam a Winnie.
Mas não encontrou nada suspeito entre as sombras de nenhuma das habitações.
Deu um tranquilizador assentimento quando se encontrou com ela no vestíbulo. — Tudo parece
estar em ordem, — disse ele.
Escoltou-a para as escadas. Enquanto ela esperava fora de seu dormitório, ele examinou o quarto,
tomando nota dos mínimos detalhes: as flores azuis do papel de parede, os lençóis enrugados, a
cópia de Oliver Twist na mesa de noite. Sua exótica fragrância jasmim permeava o ambiente. Uma
pintura com marco dourado de um menino recolhendo flores. Atrás dele, estava certo de encontrar
o cofre onde ela acreditava que suas joias mais preciosas estariam seguras.
Retrocedeu para o corredor. — Tudo parece estar em ordem. Só vou examinar os outros quartos.
Ele fez rapidamente o trabalho, tomando cuidado de não despertar seu filho. Sendo menino,
trabalhando para o Feagan, aprendeu como entrar nas casas e examinar o interior rapidamente para
encontrar tesouros. Algumas habilidades nunca se esquecem.
Quando retornou ao seu lado, ela ruborizou. — Não há fantasmas?
— Nenhum que tenha detectado.
— Verdade seja dita, não esperava que encontrasse algo. Tudo é tão estranho, certo?
— Estou seguro de que há uma explicação. Resolveremos facilmente. Enquanto isso, tente
dormir e me envie uma mensagem se necessitar de mim, para o que seja.
— Realmente aprecio sua amabilidade e ajuda. Darei instruções ao chofer para que retorne a sua
residência.
— Obrigado. Embalando seu rosto com uma mão, ele se inclinou e a beijou, somente um sabor
fugaz que o apoiaria no que teria que fazer depois. — Doces sonhos, Winnie.
Deixando-a ali, desceu as escadas apressadamente antes que uma má decisão o controlasse e se
encontrasse acompanhando-a até a cama, assegurando-se de ajudar a enrugar um pouco mais os
lençóis. Odiava deixá-la, mas sabia que nada bom sairia de ficar.
No exterior, chamou o chofer, — Continue. Eu caminharei.
Esperou até que a carruagem desaparecesse na garagem. Logo passeou rapidamente pelos jardins.
Nada mal. Ninguém escondido nas sombras. Tratou de consolar-se por isso.
Mas acabou não tendo consolo.
Uma hora depois estava ante a lareira da biblioteca do Conde de Claybourne. Claybourne e sua
esposa estavam aconchegados juntos em um sofá. Frannie Darling, a Duquesa de Greystone, estava
sentada em uma cadeira perto de Jack Dodger. James Swindler se sentou no exterior do círculo.
— São três e meia da manhã. Que demônios está acontecendo? — perguntou Claybourne.
— Podemos ter um problema, — disse Graves.
— Que diabos seria?
— O Duque de Avendale. Temo que pode ter se levantado de entre os mortos.
Capítulo Três

O silêncio recebeu seu pronunciamento, o que não o surpreendeu absolutamente. Todos tinham
feito parte da ‘morte’ de Avendale. Graves tinha fornecido os restos calcinados de um cadáver,
identificando-o como o duque só porque usava os anéis ducais.
— Está completamente seguro de que foi enviado a uma colônia penitenciária na Nova Zelândia?
— perguntou Graves.
— Eu mesmo o vi sendo enviado ao navio prisão, — disse Claybourne. Foi ele quem capturou
Avendale, rompendo sua mandíbula para que não pudesse falar, e entregando-o às mãos de
Swindler. — Catherine estava comigo. Pode testemunhar.
Ao seu lado, sua esposa parecia que ia ficar doente. Tinha comunicado a sua querida amiga que
seu marido tinha perecido em um incêndio no Heatherwood. — Ficamos até que o navio zarpou.
— É possível que ele tenha encontrado uma maneira de escapar e retornar aqui? — perguntou
Graves.
— Tudo é possível, — disse Swindler. Ao trabalhar para a Scotland Yard, tinha acesso a cárceres
e prisões. Tinha encontrado um moço de quatorze anos sentenciado a ser transportado às colônias e
o tinha substituído por Avendale.
— Sua sentença era viver toda vida no outro lado do mundo, — indicou Frannie. Sendo menina,
tinha estado fascinada pelas letras e os números, copiando-os continuamente até que pôde criar
qualquer estilo, o que a fazia uma excelente falsificadora. Ela tinha alterado os documentos para que
a descrição da pessoa fosse mais próxima de Avendale. — Como conseguiria retornar?
— É um maldito duque, — Jack recordou. Tinha dado trabalho e segurança ao menino que
tinham liberado. — Uma vez que se curou o suficiente para falar coerentemente, pôde oferecer uma
fortuna a quem estivesse disposto a ajudá-lo. Como não estive aqui quando todos vocês estiveram
de acordo em fazer este plano, não posso testemunhar de quão bem pensado pode ter sido.
— Foi muito bem pensado, — disse Claybourne. Retornou sua atenção ao William. — Todas
estas conjecturas parecem inúteis. Por que crê que retornou?
— Porquê Winnie…— se deteve e esclareceu sua garganta. — A Duquesa de Avendale acredita
que o viu.
Catherine ofegou, pondo uma mão sobre sua boca. — Não, não pode ser. Desta vez a matará.
De repente, Graves se preocupou de havê-los alarmado um pouco prematuramente. Parecia
improvável que o homem pudesse escapar e conseguisse retornar. — Ela não está segura. Viu-o a
distância, pensou que era um fantasma. Mas há outras coisas. Objetos que são deixados em outro
lugar. Seu aroma flutuando na casa. Coisas que ela não pode explicar.
— Não me contou nada disso.
— Teme que está enlouquecendo.
— Talvez esteja, — disse Jack. — Se ele conseguiu retornar, acredito que partiria a sua residência
e anunciaria seu maldito retorno.
— Não, — disse Catherine suavemente. — Acredito que ele trataria de procurar sua vingança ao
torná-la louca. Ao menos por um tempo. Teve três anos para pensar na retribuição. É do tipo de
homem que desfruta arrancando as asas das moscas e não as esmagando.
Claybourne pôs uma mão sobre a sua. — Quer dizer à duquesa o que fizemos?
Lentamente, Catherine negou com a cabeça. — Nunca me perdoaria. Por mais horrível que ele
fosse, ela chorou quando contei que tinha morrido. E outra, se conta para alguém ou há alguma
consequência, estaremos arruinados, possivelmente iremos para prisão. Não, juramos faz três anos
que levaríamos a carga e que guardaríamos o segredo. Devemos manter esse voto. Mas como a
protegemos sem dizer por que necessita de amparo?
— Estamos nos adiantando aqui, — disse Swindler. — Primeiro, devemos descobrir se ele está
aqui. Eu gostaria de examinar sua casa.
— Comecei algo, — disse Graves. Explicou sobre as safiras e o cofre. — Não se surpreenderá
quando te levar para examinar o cofre.
— Necessitamos mais que isso, — disse Claybourne. — Necessitamos que passe mais tempo
com ela.
— Jack tem guardas, pode enviar algum para que vigie a residência, — disse Graves.
— A parte exterior, sim. Mas já que parece que Avendale está espreitando no interior,
necessitamos alguém que possa vigiar e, se precisar, protegê-la. Já que o resto de nós está casado,
temo que cabe a você.
Não era precisamente o que Graves queria ouvir. Como tinha comprovado em seu passeio pelo
jardim, seu desejo tinha amarras frágeis. Seu marido se aproveitou atrozmente dela. Mais que tudo
não desejava ficar no mesmo time, mas tudo pelo que tinha trabalhado tão duramente estava em
risco.
— Deveríamos nos preocupar de que machuque o menino? — perguntou Frannie.
— Ao seu herdeiro? — perguntou Catherine. — Não é provável. Teve outras duas esposas antes
de Winnie e nenhuma deu filhos, assim suspeito que não arriscará o Whit. Nunca o machucou antes.
Seu alvo favorito parece ser as mulheres.
— O que aconteceu a suas outras esposas? — Perguntou Swindler.
Graves não estava surpreso porque ele tivesse indagado sobre esse aspecto particular das palavras
de Catherine. O homem era um demônio para a justiça.
— Morreram, — disse Catherine. — Uma caiu pelas escadas, a outra teve um golpe fatal na
cabeça quando caiu da cama.
— Onde estava a cama? — perguntou Swindler. — No teto?
Catherine deu um leve sorriso. — Entende agora a profundidade de nossos temores. Se ele
estiver aqui, tratará de nos destruir à sua maneira – sem importar quanto tempo leve ou o que
requeira.
Embora Graves fosse um homem dedicado a salvar vidas, não podia evitar acreditar que teria
sido melhor para todos, se Claybourne simplesmente tivesse assassinado Avendale quando teve
oportunidade.
Agora muita gente podia sofrer. Winnie mais que todos.
Winnie pensou que deveria estar aterrorizada pelo homem enorme que estava de pé em sua
entrada, mas havia certa gentileza em seu sorriso que era tranquilizadora. Também ajudava que
William estivesse ao seu lado. Ela sabia quem era o Inspetor James Swindler. Tinha uma grande
reputação por resolver crimes, mas nunca tinham sido formalmente apresentados como neste
momento.
— Bill diz que você tem alguns problemas por coisas que desaparecem de seu cofre. Eu gostaria
de examiná-lo.
— Sim, é óbvio. Está em meu dormitório.
Ele levantou um dedo. — Quando chegarmos ali, não me diga onde está. Me permita a diversão
de averiguá-lo por mim mesmo.
Enquanto subiam as escadas, Swindler a seguiu e William caminhou ao lado dela. — Ele é muito
bom no que faz, — disse William.
— Isso escutei, embora, encontro um pouco estranha sua noção do que constitui ‘diversão’.
William riu baixo. — Adora resolver um bom mistério, inclusive se não for pouco mais que
examinar um cofre.
— Bom, espero que resolva nosso mistério rapidamente. Não pude relaxar o suficiente para
dormir depois de retornar de casa ontem à noite.
Guiou-os para o dormitório. William ficou ao seu lado enquanto Swindler entrava no quarto,
dava um rápido olhar, e caminhava direito para uma pintura, tirava o marco, revelando o cofre.
— Como soube? — perguntou ela, enquanto ele apoiava a pintura contra a parede. — Há outras
pinturas ao redor.
— Sim, mas foram postas com a intenção de complementar a decoração do dormitório. Esta foi
localizada para esconder algo, assim que se vê ligeiramente desconjurada. Quem tem a chave? —
perguntou enquanto retirava uma pequena bolsa do bolso do casaco. Abrindo-o, retirou um par de
compridos e finos instrumentos.
— Somente eu.
— Nenhum dos criados? Ninguém mais?
— Não.
— Alguma vez alguém teve uma chave?
— Só meu marido.
Ele e William trocaram um olhar.
— Mas está morto, — sentiu-se obrigada a acrescentar.
— Sabe você onde está essa chave?
Ela esfregou sua testa, onde uma dor começava a alojar-se. — Não, não sei. Revisei seus
pertences, mas não recordo de tê-lo visto.
— Então alguém pode havê-la pego, — respondeu ele distraidamente enquanto trabalhava com
os instrumentos na fechadura. Ela ouviu um estalo e a porta abriu com um rangido. Ele a abriu mais.
— Um sistema de fechamento bastante simples. Qualquer pode tê-lo aberto.
— E voltado a fechar? — perguntou William
— Isso pode ter sido um pouco complicado. Nos encarregaremos de substituir isto por algo que
proteja melhor seus valores.
— Suponho que há um pouco de consolo em saber que qualquer um poderia ter fugido com ele,
— disse. — Mas por que não o fizeram?
Swindler encolheu os ombros. — Isso não o posso responder, Sua Graça. Bill diz que você não
suspeita dos criados, assim é muito possível que alguém tenha conseguido entrar sem que ninguém o
visse. Também precisaremos trocar todas as fechaduras das portas.
— Sim, está bem. Teve provas de outros incidentes como este?
— Alguns parecidos, sim. Mas não se preocupe, a Scotland Yard está se encarregando.
Swindler se foi, mas William ficou sugerindo a Winnie que mostrasse os planos para o hospital
que tinha mencionado antes. Ela o levou ao seu escritório. Era muito menor que o de Avendale, os
móveis mais delicados. Tinha vista para os jardins. Com as cortinas retiradas, a luz do sol derramava
em seu interior. Nunca tinha se sentido cômoda na biblioteca de Avendale. Ali tudo era escuro, os
móveis fortes e intimidadores.
— Depois do êxito do baile do ano passado, tomei a liberdade de contratar um arquiteto. Foi até
o escritório, recolheu um cilindro, e começou a abri-lo sobre a escrivaninha. — Sei que pode ter sido
um pouco prematuro…
— Está bem, Duquesa. Está dando os recursos. Pode dirigir a construção do hospital como
desejar.
Ele parou atrás dela, olhando sobre seu ombro. Bom Deus, era tão maravilhosamente alto que
provavelmente estava olhando sobre sua cabeça. Ela pôs um peso de mármore em um canto do
pergaminho. Inclinando-se, ele alcançou um tinteiro. Ela estava tremendamente consciente da
pressão de seu peito contra suas costas, a curva de seu corpo contra o dela. Muito lentamente, como
se tivessem todo o tempo do mundo, ele pôs o frasco de vidro no canto oposto do cilindro. Logo
pôs sua mão no outro canto para evitar que enrolasse.
— Isso deve ser tudo o que necessitamos, — disse brandamente, e ela sentiu o calor de seu
fôlego contra sua têmpora.
Ela podia pensar em muitas coisas mais que necessitaria: um toque, um beijo, uma carícia.
Esfregando a ponta do nariz, lutou por concentrar-se nos traços que se estendiam ante ela. — Não
estou segura de todos os detalhes, mas tem salas de cirurgia e uma área separada para isolar a quem
tenha algo contagioso.
— Eu gosto da ideia. O que pensa de ter uma ala separada para as crianças? Parece que deveriam
ter uma área própria.
Ela sentiu uma pequena borbulha de alegria em seu peito. Avendale nunca tinha perguntado sua
opinião sobre nada. Sempre dizia como deveriam ser as coisas. Gostava especialmente que William
estivesse pensando nos pequenos. — É uma ideia esplêndida. Acredito que deveria ser aqui, —
indicou com um dedo a um extremo do edifício. Ele pegou sua mão.
— Não posso pensar em um lugar melhor.
Sua voz saiu de sua garganta, mas não para falar o que tinha vontade. Ela queria se abrir, dizer
tudo. — E jardins. Lindos jardins onde as pessoas possam passear enquanto se recuperam. Lembrei
dos passeios a que me levava, insistindo que era o que eu necessitava para recuperar minha força. —
Duvidando em dizer as palavras seguintes, engoliu com força. Avendale teria rido ante tal tolice, mas
William não era Avendale. Mesmo assim, se risse, ela se sentiria tremendamente ferida. Mas tinha
que arriscar-se. Tinha tentado se moldado no que Avendale queria e tinha falhado miseravelmente.
Necessitava de alguém que a aceitasse como era. — Convertera-se em minha parte favorita do dia.
Meigamente, ele passou sua mão sob seu queixo e girou seu rosto até que foi capaz de olhá-la nos
olhos.
— Também eram minha parte favorita do dia.
Ela não sabia muito bem o que dizer ante tal confissão. Depois da noite anterior, atreveu-se a
esperar que ela significasse algo especial para ele, mas eram tão diferentes em status e propósitos.
Considerou sugerir que fossem passear agora, mas não queria se mover de onde estava. Tão perto.
Ele cheirava a sândalo. Seu queixo e bochechas eram suaves. Teria se barbeado antes de visitá-la. Seu
cabelo frisava grosseiramente sobre sua cabeça, e ela se perguntou se alguma vez teria tentado
controlá-lo, logo decidiu que não. Não seria ele sem esse toque selvagem.
Com o polegar, acariciou seu lábio inferior. Seus olhos azuis obscureceram. Ela pôde ver como
trabalhavam os músculos de sua garganta quando engoliu. Inclinando-se, baixou a boca na sua. Ela
se elevou na ponta dos pés para encontrá-lo, convidando-o a tomar posse, saquear, a fazer o que
quisesse. Ela se perdeu nas sensações que geravam sua boca movendo-se sobre a dela, vagamente
consciente de que a fez girar para que estivessem frente a frente. Enquanto ela deslizava suas mãos
sobre seus ombros, os braços dele a rodearam, atraindo-a mais perto. Era um homem de dedos
ágeis, hábeis mãos que aliviavam feridas e afastavam a morte. Essas mãos a tinham curado, e agora
os seus lábios estavam sanando ainda mais.
De repente, mudando o ângulo de sua boca, ele aprofundou o beijo, sua boca explorando com
ânsia, tentando para que se arriscasse em sua própria viagem de descobrimento. Ele tinha sabor de
hortelã. Ela podia imaginá-lo guardando os doces em seu bolso e assim os ter a mão para aliviar os
medos dos meninos. Roubando um para ele de vez em quando.
Pôs as mãos ao redor de sua cintura e, sem separar sua boca da dele, subiu-a na escrivaninha. O
pergaminho rangeu debaixo dela. Sabia que deveria estar preocupada em arruinar os planos do
hospital, mas parecia incapaz de preocupar-se com algo mais além das maravilhosas sensações que
ele criava.
Avendale nunca a tinha beijado com um entusiasmo parecido, com tal resolução. Sentia como se
William estivesse determinado a devorá-la, e que essa seria uma das experiências mais admiráveis de
sua vida.
Subindo as saias acima dos joelhos, ele se acomodou entre suas coxas. Muito lentamente,
reclinou-a sobre as costas até que esteve recostada como uma libertina sobre a escrivaninha! Nunca
soube que tal atividade pudesse ocorrer em um lugar diferente da cama. Era malicioso, excitante,
intrigante. Certamente ele não queria fazer algo mais que só beijá-la, não que ela fosse se opor a que
fizessem algo mais.
Tinha passado muito tempo sem carícias, sem ser desejada, sem que suas paixões se agitassem.
Sentia-se ao mesmo tempo aterrorizada e emocionada enquanto o prazer se curvava em seu interior.
Enquanto ele movia lentamente sua boca por seu pescoço, começou a soltar os botões, dando
acesso a sua pele. Mordiscou sua clavícula, fazendo círculos com a língua no terreno baixo de sua
garganta. Ela passou os dedos entre seu dourado cabelo, deleitando-se com os suaves cachos que se
enredavam entre eles.
Mais botões se soltaram. Ela suspirou quando ele passou sua boca e língua sobre a turgidez de
seus peitos. O calor alagou seu interior. Envolveu suas pernas em seus quadris, fazendo uma pausa
da pressão que exercia contra ela. Ele gemeu baixo, mais um grunhido que outra coisa, enquanto
depositava um beijo no vale entre seus seios.
Deus a ajudasse, mas queria sentir seu toque sobre todo seu corpo.
Tirando o corpete, começou a soltar as cintas de sua camisa. Ao longe, em algum lugar muito,
muito longínquo, ela acreditou escutar que uma porta se abria.
— A Cond…— Seu mordomo disse e se interrompeu.
— Winnie? — A voz de Catherine a jogou contra a realidade.
Mortificada, Winnie soube que o calor que sentia agora não tinha nada que ver com a paixão.
William tranquilamente levantou sua cabeça.
— Nos desculpe, mas ela necessitará um momento.
Um momento? Bom Deus, ia necessitar a vida inteira para recuperar-se da humilhação de ser
apanhada deitada sobre uma escrivaninha com um homem que não era seu marido enquanto este
lambia sua pele. Foi vagamente consciente da palmadinha da porta ao fechar-se.
Muito lentamente, muito cuidadosamente, como se ela fosse um delicado cristal que poderia
romper facilmente, William pôs suas mãos sob suas costas e a ajudou a sentar-se. Logo envolvendo-
a em seus braços, sustentou-a perto, e ela enterrou o rosto em seu peito.
Como podia seu coração pulsar tão metodicamente quando o dela estava saltando, quase saindo
de suas costelas?
— Não fez nada errado, — disse William. — Embora poderia ordenar ao mordomo que bata
antes de entrar.
Ela assentiu nervosamente. — Quero morrer.
— Winnie, não é culpada de nada. A culpa é minha por ser incapaz de resistir aos seus encantos.
Pôs um dedo sob seu queixo e levantou sua cabeça para olhar seus olhos. — Me convide para jantar.
— Jantar?
— Sim, você sabe. Essa comida que se consome a noite, umas poucas horas antes de dormir.
— Não está envergonhado porque nos tenham apanhado?
— Capturaram-me em piores delitos, e aqui não há castigo além do final abrupto de algo que
estava desfrutando imensamente. Deu um sorriso malicioso.
— Prometo que me comportarei se isso facilita para você.
Por mal que fosse, não estava certa de querer que ele se comportasse. Em todo caso, assentiu. —
Sim, por favor me acompanhe para jantar.
— Estarei aqui às sete e meia. Inclinando-se, tomou sua boca acaloradamente, mas fugazmente,
antes de dar uma piscada e um sorriso sedutor. — Agora se abotoe.
Quando saiu do escritório, ela desceu da escrivaninha e começou a fazer o que ele tinha sugerido.

Catherine Langdon, Condessa de Claybourne, caminhava no corredor frente à porta do escritório


de Winnie. O anúncio de sua chegada por parte do mordomo tinha sido só uma formalidade na qual
ele tinha insistido. Sabia que a duquesa sempre estava em casa para ela, como também sabia o
mordomo, assim meramente o tinha seguido ao escritório. Não deveria ter se surpreendido pelo que
viu. William Graves podia ser um respeitado médico, mas também era um homem, um homem cuja
amizade com seu marido tinha sido forjada em sua juventude. Ela conhecia a criação que tinham
tido e seu desgosto ante as convenções. Mas Winnie sempre tinha sido terrivelmente decorosa.
Mas também Catherine o tinha sido uma vez. Os canalhas tendiam a conseguir seus intentos.
A porta do escritório se abriu. Graves a fechou atrás dele, e a cumprimentou.
— Condessa. Logo, com longos passos, caminhou afastando-se pelo corredor como se isso fosse
suficiente.
Ela correu atrás dele. — Que demônios está fazendo aqui? — espetou Catherine.
Ele girou, e ela se surpreendeu ante a ira que ardia em seus olhos azuis. — Se tiver que perguntar
então Claybourne não é o homem que eu acreditava.
Obviamente não apreciava ter sido interrompido, mas a verdade era que não deveria haver nada
que interromper. — Sei muito bem o que estava fazendo. Estava perguntando por que o estava
fazendo.
— Estava fazendo o que me ordenaram, me assegurando que a dama queira me manter perto.
Ela avançou para ele.
— Não pode jogar com seus sentimentos.
— Não pode ter as duas coisas, Condessa. Ou diz por que precisa ter algum tipo de vigilância ou
eu dou uma razão para me manter perto.
— E quando já não exista a razão?
— Lutaremos com isso depois. Prometo que não será pior que a corda do carrasco.
Girando sobre os calcanhares, caminhou para a porta. Ela queria chamá-lo, queria exigir mais,
que não machucasse Winnie. Mas a única forma de assegurar-se disso era fazer o que ele tinha
sugerido: contar a verdade a Winnie.
Sua amiga a desprezaria. Inclusive poderia decidir que Avendale era bem-vindo em sua casa.
Então tudo teria sido por nada. Estaria outra vez a mercê da besta. E aqueles que tinham estado
envolvidos na falsa morte poderiam ser conduzidos a prisão ou, como Graves tinha insinuado, a
corda do carrasco.
Catherine tinha se esforçado muito para proteger Winnie de Avendale para ver que tudo se
desfazia agora. Tudo o que podia fazer era esperar que estivessem equivocados com relação ao
homem.
Sentada ante uma pequena mesa no terraço com Catherine, Winnie ordenou ao mordomo que
servissem chá e bolachas. Tinha ajeitado cada fita, assegurado cada botão, e ainda assim, sentia-se
ligeiramente desarrumada. De vez em quando mechas de cabelo voavam em frente ao seu rosto com
a suave brisa. Sem importar quantas vezes os colocasse em seu coque, voltavam a se liberar,
recordando a loucura que a tinha consumido no escritório.
Podia saborear a hortelã em seus lábios, cheirar o sândalo em sua pele. Seu chá permanecia sem
tocar, esfriando, porque não queria perder o sabor de William.
Só podia estar agradecida porque não tinha sido Whit quem encontrou com eles, mas tinha tido a
precaução de enviá-lo para um passeio pelo zoológico com sua governanta essa manhã. Não queria
que ele estivesse perto quando chegasse o inspetor. A última coisa que desejava era que seu filho se
assustasse ou que tivesse dúvidas sobre a prudência de sua mãe.
— Win, sei que não é meu assunto…
— Se for comentar o que viu, então estou de acordo em que não é seu assunto.
Winnie não estava segura de ter visto antes que os olhos de Catherine se ampliassem tanto pela
surpresa, mas na realidade tampouco defendeu a si mesma antes. Entretanto, os dias de acovardar-se
ficaram para trás. Não tinha nada a temer. Exceto um possível ladrão ou um ataque de
esquecimentos.
— Ele é um plebeu, — disse Catherine.
— Já estive com um aristocrata, muito obrigado. E isso não foi tão feliz.
— Só não quero que saia machucada, — disse Catherine.
Esticando-se, Winnie apertou a mão de sua amiga. — Sei que quer o melhor para mim. Mas ele
sempre foi amável comigo.
— Só não interprete mal sua amabilidade. Devido a seu passado é vulnerável.
Negando com a cabeça, olhou para os jardins. — Costumava ter medo de tudo. Acreditava que
minha opinião não importasse. Pensei que não valia nada. Temia organizar bailes ou jantares, porque
sempre decepcionava Avendale. Agora posso fazer tantas coisas porque não tenho ninguém a quem
decepcionar. William desfrutou do baile. Gosta de meus projetos para o hospital. Não me julga,
Catherine. Me aceita como sou.
— Não sabia que vocês se conheciam tão bem.
Deu um sorriso reservado. — Enquanto estava me curando, ele sempre esteve ali. Uma vez
escovou meu cabelo. Eu tinha febre e acredito que pensou que não era consciente do meu entorno,
mas eu temia que se ele percebesse que eu não estava inconsciente, se deteria. Um homem
escovando meu cabelo. Pode ser que tenha começado a me apaixonar por ele nesse momento.
— Só tome cuidado, doce. Como Claybourne, Jack e Jim, ele é um canalha de coração.
— E ainda não ouvi uma única queixa por parte de suas esposas.
Capítulo Quatro

Chegando um pouco antes das sete e meia, Graves caminhou pelos jardins para assegurar-se de
que não havia ninguém espreitando. A ameaça de chuva estava no ar. Suspeitava que cairia antes de
terminar o jantar.
Depois de um lacaio abrir a porta, esperou no vestíbulo enquanto o mordomo informava a Sua
Graça de sua presença. Quando viu Winnie descer as escadas em um traje lilás que revelava seus
ombros nus, soube que vir esta noite tinha sido um engano. Deveria ter ficado sentado nas escadas
externas e vigiado, porque agora tudo o que queria era levá-la pelas escadas para seu dormitório.
Conhecendo a realidade da situação, ele não poderia realmente oferecer casamento, sabendo que
faria dela uma bígama. Mas isso não impedia que ele a desejasse. Seu cabelo estava trançado e
recolhido em um padrão elaborado, mas seus dedos eram hábeis o suficientemente para ter os
grampos espalhados pelo chão e seu cabelo caindo em volta dela em dois segundos. Os fechos na
parte de trás de seu vestido poderiam levar quatro, seu espartilho seis. Afastou esses cálculos tão
tentadores de sua mente pois eles não serviram para nada além de aumentar sua frustração.
Ela estava sob seu cuidado, e ele tinha um código moral rigoroso quando se tratava de suas
atividades profissionais, mas seu desejo viu a fraude pelo que era e se recusava a cooperar. Não era
uma paciente, não estava doente. Era alguém que o intrigava.
Quando ela se aproximou, seu cheiro de jasmim encheu suas narinas e ele queria procurar todos
os pequenos pontos onde ela aplicava a fragrância.
— Você gostaria de beber um Brandy antes do jantar? — ela perguntou.
O que queria era uma garrafa inteira de uísque, ou talvez uma dose de láudano, para controlar
seus errantes pensamentos. Com um sorriso treinado, o qual sabia que o fazia parecer inofensivo,
negou com a cabeça. — É embriagadora o suficiente.
Ela riu alegre e docemente. — Tolices! Juro que não tinha ideia de que fosse tão coquete.
Ele não pôde evitar sorrir sinceramente. Desfrutava de sua companhia; do momento em que
tinha começado a recuperar suas forças já o encantava com histórias de sua juventude. Filha mimada
da aristocracia, que se casou com um homem que proporcionou lições cruéis que destruíram sua
ingenuidade, mas não seu espírito. — Só contigo.
— Isso me parece um pouco difícil de acreditar. Suspeito que todas as damas de companhia de
Vitória tropeçam entre si para chamar sua atenção.
— Suas suspeitas não têm fundamento. Temo que minhas habilidades para a paquera estão um
pouco oxidadas. Não tive muito tempo para as damas desde que comecei a atender Vitória. As
mulheres para quem tinha tempo eram de uma classe que não se necessita mais que moedas.
Ela pôs sua mão sobre o cotovelo dele. — Jantamos então?
— Estou esfomeado. Esteve a ponto de dizer que tinha fome… dela. Sua verdadeira sedução
viria depois do jantar porque queria assegurar-se de que ficaria a noite toda tão perto dela como
fosse possível. Embora sentisse remorso e culpa pelo papel que iria desempenhar, aliviava-os ao
recordar que estava fazendo isso para protegê-la.
Jack tinha enviado um par de homens para que vigiassem a casa, e Swindler tinha arrumado para
que vários policiais adicionais patrulhassem as ruas, mas Graves sentia a necessidade de tomar suas
próprias precauções para assegurar-se de que, se seu maldito marido aparecesse, ele estivesse
suficientemente perto para enfrenta-lo, preferivelmente sem que ela soubesse.
Tinha que agradecer ao avô de Claybourne por suas maneiras à mesa. Quando o velho cavalheiro
tinha descoberto que seu neto era um menino dos cortiços, não só o tinha acolhido, mas também os
seus amigos. Foi então que Graves conheceu as comodidades de uma cama limpa, um banho, roupas
que caiam bem. Nunca deu por certa nenhuma dessas comodidades.
Acomodou Winnie em sua cadeira e logo se sentou na oposta. Estava grato por estarem na sala
de jantar menor e que a mesa era menor, com seis lugares apenas. A sala de jantar familiar.
Enquanto o vinho e o primeiro prato foram servidos: uma sopa que era mais caldo que
substância, apesar de não poder se queixar do sabor.
— Temi que não sobrevivesse ao seu encontro com Catherine, — disse ele, lutando por manter
um tom neutro sem revelar sua curiosidade sobre o que tinha acontecido depois de sua partida.
Catherine poderia havê-la advertido para que não se envolvesse com ele, o que significaria que teria
que se esforçar para seduzi-la.
— Ela me avisou para ficar longe de você...
— Não me surpreende. Vê-me como um homem de bem, mas asseguro que sou mais um canalha
que um santo. Me converti em médico porque tinha muito que reparar.
— Como o que?
— Nada que uma dama precise ouvir, especialmente durante o jantar.
Ao vê-la levantar a colher até seus lábios, ele invejou o maldito talher. Quando retornou a sopa,
olhou-o, e o estudou por um momento. Ele se perguntou se ela era capaz de ver sob a superfície, a
parte dele que não compartilhava com ninguém.
— Sei que cresceu nas ruas, — disse ela. — Como foi?
Enquanto tinha estado se recuperando, não tinha perguntado sobre sua juventude. Desejava que
não estivesse perguntando agora. — Sujo. Duro. Mas dentro da guarita de Feagan havia uma
sensação de camaradagem.
— Quem é Feagan?
— O homem que nos reuniu, ensinou-nos a roubar sem sermos apanhados.
— O que aconteceu a seus pais?
Ele tomou um gole de vinho. — Minha mãe era lavadeira. O que mais lembro dela é de como
eram ásperas e toscas suas mãos. A grossura que se sentia contra sua pele quando estava furiosa e as
usava como objeto para descarregar sua ira. Era como ser esbofeteado com lixa de papel. Meu pai
ganhava a vida cavando túmulos em vários cemitérios e fossas comuns. E de noite, retornava para
roubar as tumbas. Quando fui grande o suficiente para sustentar uma pá, começou a me levar com
ele.
A sopa foi retirada e um prato de cordeiro foi servido, mas ela não notou. — Não ficava
assustado de ir aos cemitérios a noite?
— O que teria a temer?
— Os espíritos dos mortos. Não acredita que eles permanecem lá?
Como ela tinha mencionado fantasmas antes, ele não riu.
— Para nos atormentar?
— Sim, isso.
Refletindo sobre sua resposta, comeu um bocado do saboroso cordeiro. Ela estava tão séria.
Quem era ele para dissuadi-la de suas crenças? — Admitirei que experimentei fenômenos difíceis de
explicar: um resplendor na névoa, um ulular quando não havia vento. E em ocasiões, os pelos da
nuca me arrepiavam. Algumas vezes sentia que me observavam, mas assumia que eram outros
ladrões de tumbas que estavam decepcionados porque pegamos antes os tesouros.
Ela olhou ao seu redor e ele soube que ela queria dizer algo mais, talvez inclusive mencionar as
estranhas ocorrências que tinha tido ultimamente, mas duvidava porque não queria parecer parva
frente aos criados, inclusive porque era suposto que não deveriam estar ouvindo.
— Então na realidade nunca viu um espírito vagando entre as tumbas? — Antes de poder
responder, ela abriu os olhos desmesuradamente. — Por isso assumiu o sobrenome Graves1?
Ele não pôde evitar sorrir. Ela parecia ter resolvido um problema difícil.
— Quando Feagan pegava uma criança, ele sempre fazia com que ele ou ela mudasse seu nome.
Para a maioria de nós não há registro de nosso nascimento, nenhum registro de nossa existência. Ao
contrário, com a aristocracia onde os nascimentos e mortes são registrados firmemente, nos cortiços
os nomes são alterados por um capricho ou quando alguém é pego cometendo um crime.
— Nunca me ocorreu que alguém podia trocar o nome tão facilmente.
— Suspeito que inclusive alguns de seus criados não estão vivendo sob o nome com o que
nasceram. Ele notou como um dos lacaios mudava ligeiramente de postura. Teria que verificar o
homem. Provavelmente não seria mal que Swindler investigasse a todos. Provavelmente descobriria
que fora um deles e não Avendale quem tivesse estado rondando por ali.
— Então por que Graves? — Perguntou novamente quando serviram outro prato.
— Uma homenagem ao meu pai, ao seu trabalho. Ele era um homem grande, calado como um
túmulo, o que parecia apropriado tendo em conta sua ocupação. Nunca se queixava, nunca dizia
uma palavra azeda. ‘Muitas tarefas desagradáveis devem ser feitas’, disse uma vez. ‘Assim é melhor faze-las para
poder passar às mais agradáveis’.
— Como morreu?
— Não sei se morreu. Simplesmente desapareceu uma noite. Depois de ter vendido os restos de
minha mãe para um hospital. Quando uma expressão horrorizada cruzou seu rosto, ele baixou seu
vinho, e pediu mais. Desta vez serviram tinto.
— Isso é terrível, — disse ela, negando-se a receber o prato seguinte.
— Arruinei seu apetite. Talvez devêssemos discutir o clima. Predigo que choverá esta noite.
— Não quero falar sobre a chuva. Estava ali? Viu o que ele fez com sua mãe?
Ele bebeu um grande gole de vinho, desejando que fosse algo um pouco mais forte. Levava anos
sem pensar em sua infância. — Estava com ele. Não vi nada errado em sua decisão. Necessitávamos
de moedas, mas mais que isso, Winnie, aqueles que estavam treinando para ser doutores precisavam
poder estudar em algo diferente aos livros. Minha mamãe foi bastante desagradável em vida, mas na
morte, acredito, que se converteu em um instrumento de ensino que permitiu a outros salvar vidas.
— Suponho que essa é uma forma de ver o tema.
— É a única forma de fazê-lo.
— Estamos morbidamente fascinados com a morte. Lutou com ela toda sua vida de uma maneira
ou outra. Não a teme?
Ele negou lentamente com a cabeça. — Não.
— Teme algo?
“Que você descubra a verdade.” Não é como se fosse admitir isso.
— Que chova antes de que possa te levar para passear pelo jardim.
Ela riu com um doce som tilintante que recordava pequenos sinos de cristal repicando na manhã
de Natal. — Estou falando a sério.
— Eu também. Empurrando sua cadeira para trás, ele parou, caminhou para ela, e puxou sua
cadeira. Inclinando-se, disse com sedutora voz, — Vamos, Winnie. Está escuro. Coisas encantadoras
acontecem na escuridão.
Com um brilho em seus olhos, ela o olhou e sussurrou, — Mas ainda não comemos a sobremesa.
— Tenho o coração preparado para provar algo mais doce do que qualquer coisa que possa ser
preparada na cozinha. Levantando-se, ela pôs sua mão sobre seu antebraço. — Um passeio pelo
jardim soa exatamente como algo parecido a isso.
Infelizmente, quando saíram ao terraço coberto, descobriram que uma suave chuva estava caindo,
tão brandamente que criava pouco mais que um zumbido em vez de um duro tamborilar de gotas.
— Saímos muito tarde, — disse ela.
— Nunca é muito tarde. Ele caminhou até a beira do terraço, pouco antes de ser tocado pelas
gotas que caíam. — A chuva me parece tranquilizadora.
Ele sentiu seu tremor. Parando a suas costas, envolveu-a com os braços e a atraiu para ele.
— Eu a temia quando era menina, — disse ela suavemente. — Quando os relâmpagos rasgavam
o céu em dois e os trovões ressoavam tão forte que sacudiam a terra, os criados corriam pela casa
virando os espelhos. Era a ordem de minha mãe. Contava que quando era criança um relâmpago
ziguezagueou através da casa de seus pais, usando os espelhos para se impulsionar. Acredita que é
possível?
— Acredito que tudo é possível. Inclinando a cabeça, ele a beijou na nuca, onde o jasmim atrás
de sua orelha superava ao aroma da chuva. Ele se perguntou onde mais teria aplicado a fragrância.
Esfregou seu nariz ali. — Seus pais ainda vivem?
— Não, somos somente Whit e eu. Ele acreditou que era uma grande aventura termos passado
um tempo em sua residência.
— É um bom menino. Deveríamos levá-lo ao parque uma tarde. Passou seus lábios de um
ombro ao outro, desfrutando de seu suspiro.
— Hoje foi ao jardim zoológico. Está desenhando todos os animais que viu. Sua voz soava débil,
longínqua como se estivesse flutuando no esquecimento.
— Eu gostaria de vê-los.
— Mostrarei quando ele terminar.
Ele mordiscou sua orelha antes de fazê-la girar. Levantando sua mão, ela se esfregou a ponta do
nariz. Ele a segurou no pulso. — Não, — disse com delicadeza.
— Não cubra o nariz.
— É feio.
— Nada, absolutamente nada em você é feio.
Ela soltou uma risada autoconsciente. — Às vezes me esqueço que você já viu tudo de mim.
— Eu olhei para você como um médico, o que significa uma fria e impessoal observação.
Quando eu olhar para você como um homem, será como te ver pela primeira vez.
Dela escapou um pequeno som como se não tivesse ocorrido antes que, com certeza, aconteceria
o que ele tinha dado a entender. Ele às vezes se esquecia que ela era primeiro uma dama, e em
segundo lugar, uma mulher. Que não estava acostumada a viajar pelo caminho que ele queria
percorrer.
Mas, em todo caso, atraiu-a mais para perto e tomou sua boca, enquanto a chuva esfriava e
perfumava o ar. A língua dela se encontrou com a sua, suas mãos enredaram em seu cabelo, os
suspiros dela mesclados com os gemidos dele. Doce, gloriosamente doce. Ele poderia…
— Desculpe-me, Sua Graça.
Ela saltou para trás como se o mordomo tivesse dado uma chicotada. — Sim, Thatcher, o que
acontece?
— Uma mensagem da Rainha para o Dr. Graves.
Graves estendeu sua mão, e Thatcher a bandeja de prata. Pegou a carta que tinha o brasão real,
abriu, e caminhou para a soleira onde havia luz suficiente para ler as palavras.
— O que acontece? — perguntou Winnie, indo parar se ao seu lado.
— Convoca-me. Com um suspiro compungido, disse, — Devo ir.
— Claro que deve.
Ele embalou seu rosto. — Obrigado pelo jantar. Não posso recordar a última vez que desfrutei
tanto de uma noite.
— Se não for muito tarde quando terminar, talvez possa retornar para que desfrute de um porto
de sobremesa. De outra maneira me sentirei como uma anfitriã terrível.
Ele sorriu. — Não podemos permitir isso. Mas não tenho ideia de quanto demorarei.
Ela olhou para trás sobre seu ombro. — Thatcher, dê ao doutor uma chave da residência antes de
que ele vá.
— Winnie…, — começou Graves. Estariam abrindo uma porta que muito provavelmente não
fechariam.
Ela assentiu, quase nervosamente. — Quero que tenha uma chave. Se estiver dormindo, pode me
despertar e o convidarei para um porto.
Se ele a despertasse, não seria pelo maldito porto, mas não iria a confessar isso com o mordomo
parado ao seu lado. Inclinando-se, beijou-a brandamente. — Retornarei quando puder. Deveria te
advertir que poderiam ser dias.
— Estarei esperando.
“Não o faça”, ele quase disse. Nada bom sairia disso.

Com a chama do abajur baixo, Winnie se recostou na cama, escutando a chuva golpear contra o
cristal. Caía com mais força agora, e pensou em William entrando apressado da carruagem para sua
porta, seu cabelo úmido quando chegasse até ela.
Era mais tarde que meia-noite. Tinha esperado tanto quanto pode, mas agora estava cansada, tão
cansada. Tinha caprichado ao se preparar para a cama. Sua camisola era de cetim. Revelava pouco. A
bata estava aos pés da cama, para podê-la pegar rapidamente quando William chegasse. Sua donzela
tinha escovado seu cabelo cem vezes antes de o trançar. Aplicou uns ligeiros toques de perfume
atrás das orelhas, porque ele parecia desfrutar quando beijava seu pescoço.
Quase não podia acreditar que tivesse dado uma chave de sua casa, que estivesse considerando
recebê-lo em sua cama. Mas amava a maneira que a fazia sentir: preciosa, apreciada. Não tinham
falado de amor ou de um futuro, mas isso não importava. Ela somente necessitava de algo que
apagasse suas lembranças da última vez que um homem a tinha tomado nesta cama. Fechou os
olhos com força. Não, não nesta cama. Tinha se desfeito da cama, comprando uma nova para
substituí-la. Uma em que só ela tinha dormido. Bem, isso não era completamente certo. Seus lábios
se curvaram. Whit a tinha acompanhado uma ou duas vezes quando tinha pesadelos. Mas agora
estava maior, e começava a demonstrar que preferia não ser mimado por sua mãe.
Suas pálpebras cada vez estavam mais pesadas. William retornaria quando pudesse, e ela estava
antecipando isso como não tinha feito em muito tempo. Ele abriria a porta, deslizaria sob as
cobertas, a tomaria entre seus braços…
A seda deslizou por seu corpo como se as mãos dele estivessem acariciando-a, O tecido não era
barreira para sentir o calor de seu toque. Ele acariciou seu pescoço. — Retornei logo que pude.
Ela não queria palavras, não as necessitava. Tudo o que queria eram as maravilhosas sensações
que ele parecia criar com tão pouco esforço. Ela estava flutuando em uma nuvem de prazer, suas
mãos e boca levando-a a lugares aos que nunca tinha ido. O calor a abrasava, no interior e no
exterior. Queria tocá-lo, sentir sua pele, mas parecia incapaz de alcançar algo. Ele parecia ser feito de
sombras, envolvendo-a…
Ela inalou sua essência a sândalo, mas seus pulmões congelaram, seu nariz se irritou. Não era
sândalo. Era cominho. Enjoativo. Sufocante.
As mãos dele se fecharam ao redor de sua garganta. Não podia respirar. Estava pressionando-a
para baixo, levando-a às profundidades do inferno. Ela lutou, chutou, exclamou um grito silencioso
que de alguma forma era mais apavorante. Ia morrer! Ele ia a…
Winnie despertou com uma sacudida, respirando trabalhosamente, seu corpo tremendo.
Acomodou-se contra a cabeceira. A maior parte do quarto se achava na escuridão das sombras que
dançavam nos cantos e sobre o teto. O abajur já não estava aceso, mas havia fogo na lareira. Não
recordava que o fogo tivesse estado aceso quando tinha ido dormir.
O quarto estava gelado e úmido. As janelas estavam abertas, as cortinas da cama corridas, e as das
janelas flutuavam na brisa enquanto a chuva golpeava contra o chão. William tinha retornado e as
tinha aberto? Então onde estava?
E por que a essência de cominho era mais forte agora? Estava tremendo, sua camisola de seda
grudada em sua úmida pele. Tinha que se recompor. Tomar leite morno, isso ajudaria.
Esticou a mão para acender novamente o abajur e congelou.
Ali, no canto da mesa de noite estavam dois anéis – os anéis ducais – que tinham pertencido ao
seu marido. Ela os tinha deixado na caixa forte na propriedade familiar, para entregar ao Whit
quando fosse maior e se ajustassem aos seus dedos.
Assim, como demônios acabaram aqui?
Capítulo Cinco

Com a chuva batendo no seu chapéu e casaco, Graves parou fora da casa de Winnie. Eram
quatro e meia da manhã. Sem dúvida estaria dormindo. Se abrisse a porta, e entrasse na residência,
em seu quarto, tudo mudaria.
Não haveria volta atrás.
Por mais que a desejasse, não queria tê-la nessas circunstâncias. Não tinha esperado que seus
avanços dessem resultado tão rapidamente. Embora seus sentimentos para ela fossem sinceros, suas
razões para persegui-la nesse momento não eram.
Deveria dar meia volta e ir para casa. Mas era o único que podia permanecer perto dela e protegê-
la. Estar perto certamente não seria um sofrimento, ao menos até que ela já não se contentasse com
o pouco que ele poderia oferecer.
Não fazer mal. Essa era o lema de sua profissão, mas no caso dela, ele não o tinha acatado, e essa
era a razão para estar aqui na maldita chuva brigando contra si mesmo. Não precisava despertá-la. Só
se sentar em uma cadeira e observar.
Esse parecia ser o caminho a seguir. Atormentar a si mesmo ao estar tão perto dela que poderia
tocá-la, mas abster-se. Isso definitivamente o classificaria para a santidade.
Subiu os degraus, deslizou a chave na fechadura, entrou, e trancou a porta detrás dele. No
vestíbulo, tudo estava silencioso. Um abajur estava aceso sobre a mesa. Tinha passado muitas noites
nas quais abajures ficavam acesos durante a noite para ele enquanto fazia vigília, lutando para afastar
a morte. Só em sua casa, chorava a perda de cada paciente enquanto analisava cada passo do
tratamento, tratando de entender por que alguns funcionavam e outros não. Sempre havia mais a
aprender, muito mais para aprender.
Se ele não subisse aquelas grandes e arrebatadoras escadas, se estivessem corretos sobre o perigo,
se algo acontecesse com ela, ele analisaria essa noite até que os ‘se’ o deixassem louco.
Deixando seu chapéu e casaco úmidos em um cabide no vestíbulo, pegou o abajur e começou a
subir as escadas. Tratou de controlar a antecipação que crescia a cada passo. Só ia vê-la dormir, nada
mais. Mas certamente isso seria um prazer.
Três anos antes, tinham-no despertado no meio da noite para vir aqui. Fora de sua porta, deteve-
se quando as lembranças o assaltaram: seu rosto maltratado, seu corpo terrivelmente golpeado.
Nunca tinha visto ninguém coberto com tantos hematomas, e isso que tinha atendido a
sobreviventes de um acidente ferroviário. Pôs sua palma contra a porta. Ao contrário de Claybourne
e Jack, nunca tinha gostado da violência, mas essa noite, tinha pensado que, se seu marido entrasse
no quarto, muito bem poderia matá-lo. Que um homem de boa vontade pudesse infringir tanto
dano a outro ser humano, a uma mulher, a sua esposa Graves não era inocente ou ingênuo, mas
algumas vezes não entendia a mente dos homens.
Silenciosamente abriu a porta. Um débil fogo lutava por ganhar das sombras do quarto. Seu
coração sacudiu quando viu a cama enrugada, mas vazia. Rapidamente caminhou pelo dormitório. A
chuva entrava pelas janelas abertas, formando um atoleiro no chão. Logo a viu encolhida em um
canto, tremendo incontrolavelmente. Correu e se agachou ao seu lado. — Winnie, querida?
Ela levantou o olhar para ele, aturdida.
Cuidadosamente ele embalou seu rosto com as mãos. — Teve um pesadelo?
Nervosa, ela negou com a cabeça e levantou uma mão trêmula, apontando com um dedo. —
Não… sei… como chegaram ali.
Girando, ele olhou a cama para onde ela indicava. — O que precisamente?
— Sobre a mesa.
Ele caminhou para a mesa de noite. Sentiu um nó no estômago quando recolheu os dois anéis.
Conhecia-os bem. Tinha-os posto nos dedos de um desconhecido. Para si mesmo, amaldiçoou
cruamente, mas no exterior não mostrou alarme ou agitação. Meio que esperava que o descarado
ainda estivesse na residência. Se cruzasse seu caminho, Graves estaria cavando uma tumba antes de
que terminasse a noite.
Mas quando girou para Winnie, soube que não podia deixá-la, não nesse estado. Nem tampouco
podia dizer a verdade. Nesse momento quão único importava era ela. Depois de guardar os anéis no
bolso de suas calças, voltou a seu lado. — Vai ficar tudo bem.
Levantou-a em seus braços, ele a levou até a cama, gentilmente colocou-a e puxou as cobertas
sobre ela. — Você gostaria que fechasse as janelas?
Ela assentiu, e ele foi até lá e fechou os vidros. Tomou um momento para olhar através deles.
“Está aí fora, bastardo?”
Com rapidez, fechou as cortinas. Consciente de seu olhar seguindo-o, foi até o banheiro, pegou
algumas toalhas, e retornou para estender sobre o piso sob a janela para que absorvessem a água.
Ao aproximar-se da cama, tirou a jaqueta, o colete e o lenço, lançando-os a uma cadeira próxima.
Depois de tirar os sapatos, sentou-se na beira da cama. — Winnie, parece em choque. Precisa se
esquentar. Vou deslizar sob as cobertas e te abraçar. Isso é tudo, só te abraçar. Está bem?
Com os olhos amplos e redondos, assentiu. — Estou enlouquecendo.
— Não, carinho, há uma explicação para tudo isso, — ele murmurou enquanto se metia sob os
lençóis e a atraía para seu lado, esfregando suas mãos energicamente sobre suas costas, esforçando-
se para gerar calor suficiente para que parasse de tremer. Seus dentes batiam sem controle. Ele temia
que teria que despertar os criados para que preparassem um banho quente. Embora suspeitasse que
ela não iria querer que os criados a vissem assim. — Pode me dizer o que aconteceu?
Aconchegando-se contra ele, enterrou seu nariz em seu ombro. — Estava sonhando, e de repente
comecei a sentir um grande peso me pressionando e estava me sufocando. Pude cheirar o Avendale
como se estivesse no quarto. Não recordo ter aberto as janelas ou acendido o fogo. Ou dos anéis.
Como chegaram aqui? Estavam trancados no cofre da propriedade familiar. Estarei fazendo estas
coisas dormindo?
Ao menos tinha parado de tremer, e isso ele agradecia. Suas mãos começaram uma suave carícia.
— Suponho que é possível. Uma vez tive um paciente que podia despertar na metade da noite e
encontrar-se nos estábulos sem nenhuma lembrança de como tinha chegado ali.
Ela inclinou sua cabeça para trás e o olhou.
— É verdade?
Deu um sorriso de alívio.
— Sim. Também estava completamente nu. Aparentemente, tirava toda a roupa antes de começar
sua excursão.
Ela fez um som que foi quase uma risada. — Pôde curá-lo?
— Não, não pude determinar a causa. Não era física, e há muito que não conheço sobre a mente.
— Pertenço a Bedlam2, certo?
— Não, definitivamente não, — disse ele com convicção.
Ela apoiou o rosto outra vez contra seu peito. — Tudo está bem com a rainha?
— Sim. Comeu algo que a indispôs.
— É afortunada de ter você.
Ele a beijou na cabeça. — Dorme agora. Manterei afastados os monstros e os pesadelos.
— Sim, está bem.
Estava muito consciente dela relaxando ao seu lado, sua respiração acalmando.
— Nunca tinha dormido com um homem em minha cama, — disse ela com suave voz, como se
temesse incomodá-lo. — Na realidade eu gosto. Avendale sempre ia assim que terminava.
Naturalmente. O homem não apreciava o que havia possuído. — Eu não o faria.
— Suspeitava. — Ele acreditou sentir o rubor de sua pele. — Sempre é tão amável.
Suas palavras foram como uma chicotada em seu coração. Se fosse amável contaria tudo agora
mesmo e terminaria com sua tortura, só que havia outros envolvidos, aqueles com quem tinha
crescido, aqueles que tinham salvado seu pescoço em mais de uma ocasião. Especialmente
Claybourne, se não fosse por ele, Graves, sem dúvida, estaria ainda nas ruas ou pior, morto. — Trate
de dormir.
Sentia seu corpo pressionado contra o dele. Uma de suas pernas estava entrelaçada com as suas e
ele se esforçava por não pensar que essa perna estava nua o que significava que sua camisola subira.
Quão alto, não poderia saber. Ao seu lado, a mão dela tremeu e se estendeu. Sua respiração ficou
mais e mais relaxada.
Ele manteve seus braços ao redor dela, sustentando-a perto, esperando que sua presença afastasse
seus medos.

Winnie despertou para encontrar William apoiado nos cotovelos, olhando-a. Fazia tempo que o
fogo se apagou. Com as cortinas fechadas, não entrava luz do sol na habitação. A única luz provinha
do tênue brilho do abajur que ele havia trazido na noite anterior.
Ainda não estava pronta para falar, para interromper seu estudo, especialmente tendo em conta
que queria olhá-lo também. Embora seu cabelo fosse loiro, ele tinha os mais longos e escuros cílios
que ela já tinha visto. Diferente do dela, seu nariz era reto e perfeito, estreito, aristocrático. Seu
queixo era afiado, com uma pequena depressão na metade. Suas maçãs do rosto eram altas,
perfiladas. A barba era mais escura do que tinha esperado. Teve a louca ideia de que gostaria muito
de barbeá-lo, sentir e ouvir o roce da navalha sobre sua pele.
Pensava em fazer coisas com ele que nunca tinha pensado em fazer com Avendale. William a
atraía de maneiras distintas. Havia se importado com Avendale, tinha acreditado que o amava
quando aceitou sua proposta de casamento, mas agora não podia deixar de se perguntar se, talvez,
era muito jovem na época para realmente reconhecer o amor, se, talvez, simplesmente tinha estado
apaixonada pela ideia do amor, ou do casamento. Ou talvez Avendale tenha conseguido eliminar
qualquer de seus afetos para ele até que não ficaram rastros de seus sentimentos originais, e por isso
já não podia recordar exatamente o que havia sentido.
— Dormiu? — Perguntou para William.
— Prometi que a vigiaria, — disse ele com um pequeno sorriso e voz áspera que mexeu com seu
interior. Insinuava um encontro secreto. — Além disso, não preciso dormir muito, e raras vezes
passa uma noite inteira sem que ninguém golpeie a minha porta.
— Não posso evitar sentir que me converti em um incômodo.
— Não. Não estaria aqui se não quisesse. Pôs seu dedo sob seu queixo e acariciou sua bochecha
com o polegar. — Está um pouco mais tranquila?
— Um pouco. Estou envergonhada pelo espetáculo que fiz ontem à noite.
— Não tem nada do que se envergonhar. Um pesadelo pode ser alarmante o suficiente sem as
coisas estranhas que está experimentando.
— Só que não entendo o que está acontecendo.
— Acredito que alguém está tentando te enlouquecer.
— Mas quem e com que propósito?
Enfocando sua atenção na trança sobre seu ombro, ele passou seus dedos entre os fios soltos do
final, parecendo hipnotizado por seus movimentos. — Isso não sei, mas me pergunto se não será
mais inteligente que você e seu filho se mudem para a minha casa. A olhou solenemente. — Só por
uns dias.
Ela se havia sentido bem recebida em sua casa, tão cômoda. Foi ali onde se deu conta do horror
no que se converteu sua vida. Enquanto recuperava suas forças, permitiu que escolhesse o menu das
refeições. Nunca tinham parecido mal suas escolhas. Nunca criticou que ela passasse as manhãs
lendo ou escrevendo cartas. Pela primeira vez em sua vida, as horas do dia eram suas para passar
como quisesse. Tinha olhado a vida sem medo.
— Sinceramente aprecio sua oferta, mas não me afastarão de meu próprio lar. Não acredito que
Whit esteja em perigo. Sua governanta não me reportou nada estranho. Tudo o que acontece parece
dirigido a mim. Talvez tenha um criado descontente. Falarei com Thatcher, para que os vigie mais de
perto.
— Admiro sua resolução, — acariciou a curva de sua bochecha. — Mas não acredito que tenha
se recuperado completamente do percalço de ontem à noite. Tenho um ritual matutino que nem
sempre faço, mas acredito que é justo o que necessita para eliminar as sombras de seus olhos.
Ele estava olhando-a intensamente, como se quisesse memorizar cada linha e curva de seus
traços, cada golpe e cicatriz. Essa intensidade fazia com que muitas ideias formassem redemoinhos
em sua cabeça, ideias que uma dama respeitável não deveria ter. Rituais matutinos que incluíram
beijos, carícias, mãos sobre suas coxas, seu estômago, seus peitos. Não estava segura de estar pronta
para isso, mas se escutou perguntar, — Que tipo de ritual?
— Remar.
Ela piscou pela surpresa. Assim era como chamavam as classes baixas? Supunha que podia
entender, mas não completamente. Pode até ser que ele tivesse feito parte da escória da sociedade,
mas tinha se levantado para uma respeitada e, ao menos em sua mente, exaltada posição. Certamente
já não usaria referências tão cruas. Lambeu os lábios. — O que envolve isso exatamente?
— Um bote, remos, o Tâmisa.
— OH, se refere a realmente remar?
Com um sorriso, deslizou seu dedo pela ponte do nariz dela. — A que pensou que me referia?
Ela não ia se envergonhar admitindo a verdade. — Exatamente o que disse.
Estava intrigada. — Realmente vai remar pela manhã?
— Sempre que posso antes do café da manhã.
Olhando o relógio, ela se deu conta que era muito mais cedo do que tinha acreditado. — Ainda
deve estar escuro.
— Não estará quando chegarmos ali. Vem comigo. Acredito que concordará que é uma maneira
refrescante de começar o dia.
Ela pensou que fazer algo com ele seria uma maneira perfeita de começar o dia. — Sim, está bem.
Capítulo Seis

Com a capa firmemente colocada ao seu redor, Winnie sentou-se no barco a remos e observou
com fascínio enquanto William remava em um ritmo constante que fazia o barco se deslizar
suavemente sobre a água. Tinha olhado Whit antes de sair, e ele estava dormindo profundamente.
De acordo com as ordens de Winnie no dia anterior, a governanta tinha deixado a porta aberta de
seu quarto para poder ouvir se alguma coisa estivesse mal com Whit. Não é que algo parecia estar. A
fragrância de cominho desapareceu, e ela estava se perguntando se esteve ali ou não.
Afastando as preocupações de sua mente, concentrou-se em desfrutar de seu passeio. Farrapos de
névoa junto à borda começavam a desaparecer enquanto o céu passava de negro a cinza. O aroma
da chuva da noite anterior permanecia no ar.
Uma vez que ela se acomodou no bote, William tirou a jaqueta e enrolou suas mangas, pegou os
remos, e partiu. Não era um remar ocioso. Seus antebraços revelavam os músculos tensionados, e
agora entendia a largura de seus ombros, a firmeza de seu peito.
— O que te levou a escolher isto como esporte? — perguntou.
— Um dos conselheiros de Vitória começa seu dia de uma maneira parecida, e mencionou isso.
Descobri que uma hora de atividade extenuante aclara minha mente de suas teias de aranha. Às
vezes, quando me deparo com um problema ou dilema médico, acho que a solução virá para mim
quando eu estiver aqui. Perco-me no esforço e isso esclarece minha mente.
Parou de remar, e ficaram em um ponto morto. Ela assimilou o silêncio e a solidão, solidão
absoluta como nunca tinha experimentado.
Deslizando de seu banco, sentou-se apoiando as costas contra a madeira e estendeu uma mão
para ela. — Vem aqui, se apoie em mim. Só se mova com cuidado para não virarmos.
O barco balançou enquanto ela lentamente se abaixava e se virou para que estivesse aninhada
entre suas pernas, suas costas pressionadas em seu peito. Ele deslizou seus braços ao redor dela,
segurando-a perto, e o calor de seu corpo percorreu as camadas de suas roupas para criar um
maravilhoso e radiante aquecimento.
— Olhe o céu, — disse em voz baixa perto de seu ouvido.
Recostando-se contra ele, e inclinando a cabeça ligeiramente para trás, estava muito consciente do
roçar de suas bochechas. Sobre as árvores da margem, o céu tinha um tom laranja e rosa profundo
com azul rodeando-o. As nuvens pareciam luminescentes.
— Não acredito ter visto antes um amanhecer, — sussurrou ela com reverência.
— Conforme entendo a maioria das damas ficam na cama até tarde.
— Parece ser nosso hábito. OH, é lindo, não é? Magnífico.
Olharam em silêncio por vários minutos. Ela desfrutou de sua proximidade, de seu abraço.
Nunca a tinham abraçado somente pelo prazer de abraçá-la. Havia consolo nisso, aliviando a solidão
sem palavras. Era tão pacífico. Ficou feliz por William ter parado. Sua alma necessitava desses
momentos.
— Me enche de admiração, — disse ela. — É uma ótima maneira de começar o dia. Sempre
gostou do amanhecer?
— Quando estava por minha conta, antes de cruzar o caminho de Feagan, era um moleque.
Embora só os tenha visto de longe, sabia que o termo se aplicava aos meninos que escavavam nas
bordas lamacentas do Tâmisa procurando artigos, que a água houvesse trazido, para vendê-los.
Parecia uma existência triste. Mas em sua voz não ouviu nada que buscasse simpatia. Falava de seu
passado como se estivesse realmente em seu passado, como se já não influenciasse sua vida, e ela se
perguntou como teria alcançado isso. Suspeitava que Avendale e seu tratamento sempre teriam
controle sobre sua vida.
— Saía quando ainda estava escuro, — continuou ele, — esperando ganhar dos outros meninos a
coleção de prêmios do dia. O céu começava a iluminar-se, a névoa se dissiparia, e o sol começaria a
fazer notar sua presença. Eu olharia então ao céu e pensaria ‘Como pode haver tanta beleza ali acima,
quando tudo aqui embaixo é tão cinzento?’ Me dava esperanças de encontrar algo melhor algum dia.
— O fez.
— Não tenho direito de me queixar quando lido com doentes, e me lembro constantemente que
tenho muito pelo que estar agradecido. Acariciou seu pescoço.
— Mas algumas vezes, encontro-me desejando algo mais.
Girando-a ligeiramente, tomou sua boca, sua língua inundando-se profundamente, sua mão
embalando sua cabeça, seu braço abraçando-a enquanto a recostava. Até sabendo que ele a escorava
a salvo, que não a deixaria cair, ela se agarrou a sua camisa, empunhando o tecido com seus dedos.
Ao longe, sabia que o dia começava para muitos, escutava o estalo contínuo das rodas das
carruagens, os gritos de quem negociava nas ruas, e mesmo assim, não podia pensar em que alguém
os veria em tão precária posição. Deveria se importar que ele a beijasse tão descaradamente aqui
onde todo mundo poderia vê-los, mas nenhum conhecido estaria perto. As damas e a maioria dos
cavalheiros ainda estariam na cama. Perdiam o amanhecer, a paz e a quietude da manhã que
começava.
Perdiam a paixão que acontecia tão rápida e ferozmente entre ela e William.
Ela se perguntou se ele a trouxe aqui porque ele sabia onde as coisas poderiam acabar se ele a
beijasse em seu quarto, na cama dela. Nada mais que um beijo podia acontecer em um pequeno bote
balançando-se sobre as águas do Tâmisa, nada aconteceria ao ar livre onde olhos curiosos poderiam
ver sua conduta imprópria.
Inclusive com a capa abrigando-a, tinha tido frio, mas agora estava ardendo com uma febre que
se desencadeava somente por ele, por seu toque, sua proximidade. Seu beijo parecia abranger mais
que seus lábios. Sentia-o em todo seu trêmulo corpo. Calor encantador e paixão chamejante. A boca
dele devorava com ânsia a sua, mas ela não desejava que parasse. Estava voltando para a vida, suas
terminações nervosas regozijando-se com as sensações que ele despertava com tanta facilidade.
Descansando sua palma contra sua mandíbula, deleitou-se com sua barba. Ele não tinha tido
tempo para arrumar-se antes de trazê-la aqui, e isso acrescentava um elemento mais de inadequação
ao que estavam fazendo. Ela, que se esforçou tanto para fazer tudo o que era apropriado, de repente
foi levada por um fluxo de perversidade.
Retirando sua boca, ele mergulhou na curva de seu pescoço, e ela pensou que certamente deixaria
uma marca que todos veriam. Dificilmente poderia se importar.
— Winnie, — disse com voz rouca, sua respiração tão áspera e agitada quanto a dela.
O que mais ele poderia ter dito foi perdido, já que a suave bofetada de remos na água fazia com
que os dois recuassem. Com uma rápida saudação um homem os ultrapassou. Ninguém que ela
conhecesse, assim era improvável que sua reputação fosse destruída.
Com cuidado, William a ajudou a se endireitar. Em seus olhos, ela viu o desejo ardente. Era uma
sensação embriagadora dar-se conta que a desejava muito. Mais assombroso ainda era reconhecer
que o desejava desesperadamente, que não temia o que pudesse acontecer entre eles, ao contrário
esperava com ânsia.
Subitamente, sem aviso, os cabelos de sua nuca começaram a arrepiar, e teve a sensação
esmagadora de ser observada, de alguém discernindo a direção de seus pensamentos. Girando a
cabeça, rastreou a margem.
— O que aconteceu? — Perguntou ele.
Um estremecimento a percorreu. — Alguém observa.
Ele olhou para as árvores e os arbustos que delineavam a margem da água. — O homem que
acaba de nos passar, talvez.
— Não, parece algo mais sinistro.
— Winnie, não há ninguém perto.
Está se escondendo, ela queria dizer. Quer nos fazer mal, mas soaria realmente louca. Não podia
ver ninguém, e quem iria quer feri-la? Avendale era o único que alguma vez tinha querido fazê-lo.
Todos outros a tratavam amavelmente. Soltou uma risada coibida. — Sinto muito, estou arruinando
nossa linda manhã.
— Não precisa se desculpar, e não está arruinando nada. Ele a estudou com preocupação o que a
fez sentir estúpida por alarmá-lo. Não tinha nenhuma razão para sentir-se ameaçada e apesar disso,
se sentia assim. Era quase como se o olhar de Avendale estivesse perfurando um buraco em suas
costas. Ele tinha um olhar tão intenso que ela fora capaz de senti-lo nos mais lotados bailes, sem
importar em que lugar do salão estivesse.
— Acredito que talvez as lembranças de ontem à noite persistam, — disse ele, pegando mechas
de seu cabelo que o vento tinha soltado de sua trança e pondo-os atrás de sua orelha. Como um ato
tão simples podia parecer tão íntimo, fazendo com que se sentisse bem de tantas maneiras? Todos
seus medos se dissiparam tão delicadamente como a névoa.
— Sim, tem razão. Acredito que ainda estou assustada pela noite passada.
— Quer remar de volta? — perguntou.
— Não acredito que tenha a força.
— Estou relativamente seguro de que é mais forte do que acredita. Sentarei atrás de você e te
guiarei até que consiga. Levantando, com cuidado de não mover muito o barco, ele se sentou no
banco e a ajudou a se acomodar, para que estivesse sentada entre suas coxas. Quando ela pegou os
remos, ele pôs suas mãos sobre as dela. — Não pode errar aqui.
Sua fé nela fez que se formasse um nó em seu peito. Uma vez esteve acostumada a não fazer
nada bem. Era muito liberador saber que William não ansiava uma oportunidade para humilhá-la.
— Quando estiver preparada, — disse ele, e ela acreditou que nunca tinha estado mais preparada
para algo.
Quando moveu os remos, estava muito consciente de sua força guiando-a. Sentiu os músculos de
seu poderoso peito esticando e relaxando contra suas costas, os fibrosos músculos de seus braços
aumentando e ondulando com seus movimentos. Moviam-se em conjunto, para frente e para trás,
trabalhando juntos para deslizar sobre a água. Ela pensou que tudo o que ele fazia a seu lado era um
reflexo de sua força, seu companheirismo. Imaginou quão afortunada seria sua esposa.
— Por que nunca se casou?, — perguntou ela.
— Temo que preciso de uma mulher muito especial para que se adapte à vida que posso oferecer,
que deixe sua cama a qualquer hora, que chegue para jantar quando a comida esteja fria, ou que
tenha que interromper a refeição quando ela está a ponto de me contar como foi em seu dia. Meu
horário raramente é regido pelo relógio.
— Isso soa como algo que diria em eventos sociais quando luta com mães que tentam impor suas
filhas.
Sua risada baixa fez cócegas em sua alma. — Tem razão.
Embora considerou fazer mais perguntas, decidiu deixar passar o tema. Suas razões obviamente
eram pessoais ou as teria compartilhado sem que ela tivesse que obrigá-lo a responder. Se ela
pudesse descrever sua relação, faria usando as palavras — completamente honesta. Nunca tinha
mentido, nunca a tinha enganado. Podia ser ela mesma sem o medo de ser julgada, e ela o aceitava
como ele era. Era bastante liberador, ter tanta confiança em alguém.
OH, certamente confiava em Catherine, mas sua confiança em William era mais completa, mais
firme. Era uma rocha sobre a qual poderiam construir algo mais profundo. Dava confiança em si
mesma, a qual nunca tinha tido. Permitia que ela confiasse em si mesma.
Seus músculos começaram a arder com o incansável remar, mas estava satisfeita por isso. Logo se
deu conta que as mãos dele já não estavam guiando-a, a não ser meramente descansando sobre as
suas, que seguia movendo-se com ela, mas que seus músculos não estavam atando pelo esforço.
— Estou fazendo sozinha, certo? — perguntou.
— Perguntava-me quando se daria conta.
— Faz-me acreditar que posso fazer o que for, que realmente não tenho nada que temer.
— Pode fazer o que for, — disse ele suavemente. — Realmente acredito nisso.
Estavam se aproximando de seu destino, o pequeno cais onde os botes eram guardados e
alugados. — Eu nos guiarei, — disse ele. — Pode ser um pouco complicado.
Por muito que ela não quisesse, aceitou a sabedoria de suas palavras. Ainda era uma novata, mas
se sentia invencível. Quando ele pegou os remos, ela cruzou suas mãos sobre o colo.
— Preciso enfrentar meus demônios, — disse ela sucintamente. — Acredito que todas estas
estranhas ocorrências que estiveram acontecendo estão relacionadas com Avendale.
Ele ficou quieto, os remos fora da água, as gotas caindo no Tâmisa. — Por que pensa isso?
— Porque nunca o deixei ir realmente. Permiti que mantivesse o controle sobre mim. Se não
estiver enlouquecendo, então algo tem que estar movendo os objetos, causando todas as
inexplicáveis coisas que estão acontecendo. Acredito que seu espírito está me atormentando.
Inclusive aqui, acredito que posso atribuir a estranha sensação de ser observada.
— Acredita que ele te visita como o fantasma de Marley3?
Ela não o culpava por seu ceticismo. Aos seus ouvidos soava ridículo, mas não podia pensar em
outra explicação. Passando ao outro banco, encarou-o. — Tenho uma tia anciã que jura que se
comunicou com o espírito de seu marido falecido. A médium que ajudou, acredito que seu nome era
Sra. Ponsby, foi capaz de servir como intermediária para que minha tia pudesse perguntar ao seu
marido onde tinha escondido as joias. Antes de morrer, ele enlouqueceu, e escondeu muitas coisas.
Acreditava que todos queriam roubar. Enfim, por intermédio da Sra. Ponsby, disse em que parte do
jardim encontrariam as joias. Estavam exatamente nesse lugar. Acredito que a Sra. Ponsby poderia
me ajudar a falar com Avendale. Quero que saiba que eu não continuarei com essa tolice. Ele deve
seguir em frente.
— Winnie, temo que será um desperdício do seu dinheiro.
— É meu dinheiro para desperdiçá-lo. Mas depois da experiência de minha tia, confio na
habilidade da médium para falar com os mortos. Não sei porque não tinha pensado nisso antes. É
como me disse antes, estar aqui libera a mente a todo tipo de possibilidades. Se posso fazer ver que
já não sou a mulher que era, que não pode me pressionar, que não me assusto tão facilmente, talvez
me deixe em paz. Esse é o ponto de tudo. Ele se alegra com minha covardia. Sei que reagi bastante
mal ontem à noite, mas foi porque acreditava que estava enlouquecendo. Se for Avendale, então
preciso falar com ele.
— Não acredito que consiga nada. Com um último empurrão dos remos, deslizou o bote junto
ao cais.
— Acredito que vale a pena tentar. Se não quiser estar ali…
— Estarei ali.

— Ela planeja fazer com que uma médium se conecte com o espírito de Avendale, — disse
Graves ao grupo reunido na biblioteca de Claybourne. Claybourne, Catherine, Frannie, Swindler e
Jack. Era início da tarde. Não gostava de falar dos planos de Winnie a suas costas, mas devia a essas
pessoas, embora estava começando a sentir como se estivesse entregando sua alma.
Não queria ter deixado Winnie, mas precisava ver alguns pacientes, a primeira era a rainha, não
podia chegar tarde a essa entrevista. Vitória parecia ter se recuperado de sua enfermidade. Ele
desejou que encarregar-se da situação de Winnie fosse igualmente fácil.
— A convencerei de que não é boa ideia, — disse Catherine.
— Deixem-na fazê-lo, — disse Jack. — O que tem de mal? A médium levantará um pouco a
mesa com os joelhos, fará tremer sua cadeira, cantarolará um encantamento, e logo fingirá estar
possuída por um espírito. A duquesa acreditará que falou com seu falecido marido, e não se
questionará se está morto ou não.
— Tem razão, — disse Frannie. — Isso só servirá para fortalecer nosso ardil. Graves não estava
convencido. — E se esta médium não contatar seu marido?
— Ela o fará, — disse Swindler. — Todas são charlatãs. Prendi várias. Assisti às sessões para
reunir informação e provar que não estão contatando aos mortos como dizem, a não ser enganando
às pessoas por dinheiro. Embora me oponha aos seus métodos, estou de acordo em que neste caso
nos convirão.
Graves não se sentia cômodo com isso. — O que fizemos a três anos foi necessário. O que
estamos fazendo agora, protegendo a nós mesmos, não faz que me sinta bem.
— Acredita que se sentirá melhor quando estiver balançando no ar? — Perguntou Jack. — Ele é
um condenado duque. Você um plebeu.
— Ele é o médico da rainha, — indicou Claybourne.
— Sabendo como ela e Alberto estão esforçando-se por melhorar o comportamento de seus
súditos, — disse Jack, — Acredita que vai estar disposta a ignorar o fato?
O silêncio recebeu seu anúncio já que todos conheciam os altos padrões morais de Vitória. Em
sua corte, era conhecida por despedir os criados pelas mais ínfimas infrações.
— Talvez queiramos considerar outra possibilidade, — disse Swindler, seu olhar fixo penetrante
em Graves. — Que a duquesa seja quem está instigando a fraude.
— Por que demônios faria isso? — perguntou Graves.
— Para atrair sua atenção. Viu evidência de que está acontecendo o que ela diz? Sempre te conta
as coisas depois do fato.
Embora acreditasse que isso era altamente improvável, ele não podia descartar completamente a
questão. Ela tinha mencionado o desaparecimento do colar, logo aparecido em sua porta com ele.
Ela sabia que ele retornaria a sua residência na noite anterior. Pôde ter disposto os anéis, e logo
sentar-se em um canto e esperar sua chegada. Mas pensou em seus atormentados olhos, seus
estremecimentos, seus tremores. — Não tenho dúvidas que ela esteja me dizendo a verdade.
— Estou de acordo com a opinião do Bill, — disse Catherine. — Winnie não tem um osso
revolucionário em todo seu corpo. Vou visita-la esta tarde. Certamente me convidará para sessão
espírita, e Claybourne e eu poderemos estar por perto para reforçar a noção de que Avendale está
morto.
— Eu também estarei lá esta noite, — disse Graves.
— Bem, então, não vejo o que possa sair errado, — disse Jack.

Winnie escolheu a biblioteca do duque para a sessão. Ele passou uma boa parte da vida lá,
supervisionando a gestão de suas propriedades. Apesar do seu tamanho, que contava com quatro
grandes áreas de reunião, esta sala parecia ter absorvido seu aroma forte. O mobiliário escuro e
pesado lembrava muito o homem atrevido e ousado que tinha sido.
— Por que alguém exigiria uma mesa tão grande? — perguntou a William, enquanto os criados
reorganizavam uma das áreas de reunião a pedido da Sra. Ponsby, que era bastante conhecida por
sua habilidade de se comunicar com os mortos.
— O fazia sentir importante, — respondeu William a sua pergunta.
— Eu odeio as gárgulas, — disse ela. As horríveis criaturas de pedra estavam sentadas de cada
lado da grade da lareira.
— Tirou-as de uma igreja derrubada, ou isso disse. Mesmo assim, parece um sacrilégio. Para ser
honesta, não há nada neste lugar que me agrade, exceto os livros. Suponho que posso redecorar —.
Onde não havia prateleiras, havia pinturas de batalhas e pessoas que deitavam sobre sangue. Sempre
davam calafrios, o qual era outra razão pela qual ela acreditava que esta sala combinava com ele.
Parecia celebrar a morte e o sofrimento.
— Você tem certeza disso, Winnie? — Perguntou Catherine. No final da tarde, ela parou para um
chá, Winnie aproveitou a oportunidade para convidá-la e Claybourne para se juntar a ela naquela
noite para a sessão.
— Sim, tenho certeza. Ele fez minha vida bastante miserável enquanto estava vivo. Não
permitirei que o faça estando morto. Apertou o braço de William. — Como você não tinha medo
dos mortos quando era um garoto, não vejo nenhuma razão para que eu tenha sendo uma mulher
adulta.
— Só não tenho certeza que vá falar com ele tão claramente como imagina, — disse William. —
Chamar os mortos não foi provado ser cientificamente possível.
— Você já teve um paciente com quem você estava certo que iria morrer, com base no seu
conhecimento sobre o corpo humano e os remédios, mas ele se recuperou de sua doença ou feridas?
— Sim. Você.
Ela se surpreendeu por sua resposta embora soubesse que não deveria fazê-lo. Naquela noite
terrível, ela teve certeza de que iria morrer, mas ela simplesmente não havia conseguido sucumbir e
deixar Whit. — Há algumas coisas que simplesmente não se pode explicar, — ela disse
brandamente. — A Sra. Ponsby diz que é mais provável que funcione se todos acreditarem em seu
trabalho. Olhou ao redor. — Se algum de vocês não puder acreditar, então não se sinta obrigado a
ficar. Sei que provavelmente isto soe completamente louco, mas tenho que tentar. Avendale era uma
força poderosa. Acredito que seu espírito lutaria contra se deixar ir para o além.
— Eu tenho certeza que você está certo, — disse Catherine.
— Sua Graça?
Winnie virou para olhar à Sra. Ponsby. Seu cabelo era negro exceto por umas mechas brancas que
começavam em seu bico de viúva e estavam presos em um coque. Usava um modesto vestido negro
com botões até a garganta com mangas justas que eram abotoadas em seus pulsos. Não poderia
esconder nada ali. Não havia trazido nenhum instrumento para seu ofício – nenhuma caixa para
desaparecer enquanto se comunicava com os mortos, nenhum assistente, nenhuma bola de cristal ou
tabuleiro Ouija. Gostou que não usasse armadilhas.
— Sim, Sra. Ponsby?
— Estamos quase preparados. Só necessitamos de algo pessoal de seu marido.
— OH. Seus anéis seriam perfeitos, mas um servente deve tê-los guardado.
Verei se consigo encontrá-los.
— Eu os tenho, — disse William, tirando-os de seu bolso. — Eu sabia que eles estavam te
incomodando, então eu decidi afastá-los —. Os entregou a médium.
— Servirá muito bem. Por favor me acompanhem à mesa.
Fizeram como solicitou. Winnie se sentou a sua esquerda, com William ao seu lado, enquanto
Catherine se sentou à direita da médium. A Sra. Ponsby pôs os anéis sobre a mesa com o brasão
ducal olhando para ela. A Sra. Ponsby sinalizou para um servo que andou pela sala, escurecendo os
abajures e apagando as chamas nas lâmpadas até que toda a luz viesse de uma vela solitária sobre a
mesa. Logo todos os criados saíram silenciosamente.
— Devemos dar as mãos para formar um círculo de serenidade no qual o espírito se sentirá livre
para entrar, — disse. — Não importa o que aconteça, não devem romper a conexão.
Uniram as mãos e Winnie sentiu seu pulso pulsando acelerado.
— Avendale, — cantou com uma voz que subiu e caiu como um vento soprando pelas folhas. —
Avendale, sabemos que é um espírito infeliz, resistente a passar ao além, que está tentando fazer
conhecida sua presença. Estamos aqui por você. Através de mim, pode falar com os que estão nesta
sala. — Apertando a mão de Winnie, fechou os olhos e deixou cair a cabeça para trás. — Sou sua
intermediária. Venha para mim.
Winnie esperou. Ela sabia o que deveria acontecer a seguir. De acordo a sua tia, haveria um
golpe, uma corrente fria em sua nuca, e os cabelos arrepiariam.
— Avendale, — cantou novamente a Sra. Ponsby. — Não seja tímido. Estamos esperando-o.
Não deve sentir-se agitado por suas circunstâncias atuais. Nos ajudaremos você a encontrar a paz.
Esperaram. A Sra. Ponsby cantou mais. Esperaram. Mais cantos, alguns gemidos, um suspiro. A
Sra. Ponsby finalmente abriu os olhos e olhou para Winnie.
— Sinto muito, Sua Graça, mas não sinto que seu espírito esteja perto.
Winnie não teria estado mais decepcionada se a Sra. Ponsby tivesse dito que logo ela iria se
encontrar com seu marido no mundo dos espíritos. — Não pode tentar outra vez? É muito
característico dele ser obstinado.
A Sra. Ponsby parecia sombria. — Há um vazio onde se supõe que deveria estar. Não posso
explicar, mas não posso contatá-lo. Ele não está aqui.
— Mas como pode ser? — Perguntou Winnie.
A Sra. Ponsby pôs as mãos sobre a mesa e olhou para Winnie com olhos amáveis. — A única
explicação é que ele não esteja morto.

Graves observou enquanto todo o sangue desaparecia do rosto de Winnie. Embora somente uma
vela iluminasse, nas sombras ela se via cruamente pálida. Ele não sabia que jogo estava jogando a
médium. Parecia tão séria, tão honesta. Não tinha sentido.
— Isso é totalmente ridículo, — ladrou.
— Bastante, — disse Claybourne severamente. — Ele morreu em um incêndio em minha
propriedade ancestral. Não há dúvida.
— Mas eu devo duvidar, — pronunciou serenamente a Sra. Ponsby, — já que não sinto o
espírito no além.
Ocorreu a Graves que talvez Avendale tenha pago à mulher, pago para que fizesse esta pequena
atuação e assim intranquilizar ainda mais Winnie. Era uma fraude. Todos os exorcistas de espíritos
eram fraudes. Tinha que se assegurar de que Winnie não começasse a duvidar da morte de seu
marido. Tinha que desacreditar de algum jeito à mulher.
— Está dizendo que sempre consegue contatar com os espíritos? — Perguntou Catherine,
infundindo em sua voz uma saudável dose de cepticismo.
— De fato o faço. Este fracasso é o primeiro para mim e estou tão desconcertada como a
duquesa. Não posso pensar em outra explicação.
— Talvez os espíritos estejam fracos esta noite, — sugeriu Graves.
— Isso é improvável. No entanto, estou mais do que disposta a tentar entrar em contato com
outra pessoa na tentativa de provar que não sou uma fraude, pois posso sentir do seu
comportamento que você acredita que não sou honesta. Asseguro que procuro mais a paz tanto para
com vivos quanto para os mortos. Como médico, Dr. Graves, estou certa que viu muito sobre a
morte. Há alguém que tenha perdido com quem gostaria de falar?
Por um batimento cardíaco, um batimento cardíaco solitário, ele acreditava que poderia fazer o
que dizia. Ele pensou em seu pai, de como ele queria saber o que tinha acontecido com ele, por que
ele havia deixado Graves todas aquelas noites atrás. Pelo que sabia, o homem ainda estava vivo.
Não, ele precisava de alguém que estava muito morto. — Minha mãe.
— Você tem um objeto que pertenceu a ela?
Pegou uma corrente de estanho, e lentamente a tirou pela cabeça. Pôs a corrente e a cruz com
videiras entretecidas sobre a mão estendida da Sra. Ponsby.
— Sua mãe era uma mulher religiosa, — refletiu ela.
— Muito. Ela passou a maior parte do tempo lutando para tirar o diabo de mim.
— Aqueles com fortes convicções religiosas são os mais fáceis de alcançar. Seu nome?
Não pensava nisso a anos. — Flora Littleton.
Ele não tinha certeza do que o rosto dele mostrava, mas sentiu Winnie apertar sua mão onde
estava sentado na mesa. Por um momento tinha esquecido que outros estavam ali. Foram os
malditos olhos da Sra. Ponsby. Um marrom, outro azul. Atraíam uma pessoa e a mantinham
cativada.
— Está bem então, — disse ela com melódica voz. — Deveremos unir novamente as mãos e
tentar contatar Flora.
— Está certo de que quer fazer isso? — perguntou Claybourne.
Graves sustentou o olhar da Sra. Ponsby. — Sim, mas não me convencerei de que realmente
tenha feito contato a não ser que minha mãe diga algo que somente eu sei. De outra forma, serão
truques baratos de salão e retornará à duquesa cada centavo que pagou por esta noite de
entretenimento.
— Temos um trato, — respondeu ela, e ele sentiu como se lutasse com a própria amante do
diabo.
Depois de darem as mãos, a médium deixou cair a cabeça para trás, fechou os olhos, e começou a
cantar.
— Flora Littleton, venha a nós. Seu filho deseja falar. Ele quer se reconectar com você. Ele quer
você aqui.
Sua voz se diluiu em um zumbido musical. Ele quase podia sentir uma energia no ar, os pelos de
seus braços se arrepiaram. A Sra. Ponsby guardou silêncio, logo caiu sobre a mesa como uma boneca
de trapo. Ele teve intenção de tocá-la, mas Winnie agarrou sua mão.
— Não devemos romper o círculo, — sussurrou .
Tomando uma profunda respiração, a Sra. Ponsby endireitou suas costas até que esteve reta. Suas
pupilas estavam completamente dilatadas. Algo estava mal. Ele se libertou do alcance de Winnie,
empurrou sua cadeira para trás…
— Sua mãe não acredita que você queira falar com ela, — disse calmamente a Sra. Ponsby, —
mas quer que saiba que o perdoa por tê-la assassinado.
Capítulo Sete

Dentro da biblioteca, Graves se serviu uísque, e o tomou de um só gole. A atuação da médium


não tinha sentido para ele. Poderia ser que realmente fosse capaz de falar com os mortos? Se fosse
uma charlatã, por que não tinha fingido contatar Avendale? Sua reputação, o pagamento que poderia
exigir, dependiam de seu êxito em alcançar os espíritos.
E como demônios tinha sabido que ele tinha sido responsável pela morte de sua mãe?
Bebendo outro uísque, sentiu outra greta de ira rasgando seu interior. Depois da Sra. Ponsby
revelar a suposta mensagem de sua mãe, ele tinha se levantado da cadeira com pressa, tombando-a
no processo. Não estava seguro do que tinha planejado fazer ou dizer. Só sabia que tinha
necessitado jogar algo, afastar-se da sala, para escapar dos demônios de seu passado.
Mas Winnie estremeceu e assustou-se, maldita fosse.
— Não te machucaria, — disse ele agora, odiando a forma como sua voz tremia pelas emoções.
Sentia como se tivesse quatro anos, e estivesse sendo golpeado outra vez por sua mãe.
— Sei, — disse Winnie brandamente. — Minha reação foi por costume. Sei que isso te
transtornou. Sinto muito.
— Sem importar quão furioso esteja, jamais usaria meus punhos em você —. Ele se defendeu
uma vez e sua mãe tinha morrido como resultado. Ele evitava a confrontos a todo custo.
— Sim, eu também sei disso, — disse ela suavemente.
Após sua reação, a médium se desculpou, dizendo que estava atrasada para outro compromisso.
Brilhava com satisfação enquanto saia da sala sem pronunciar qualquer outra palavra. Catherine e
Claybourne também foram embora pouco depois. E Graves tinha ido diretamente para os licores.
Tomou outro longo gole. Não tinha sido capaz de proteger a si mesmo quando era um menino, mas
estava malditamente seguro de que queria proteger Winnie.
— Talvez possamos ir a outra sala, — sugeriu ela.
— O uísque está aqui e eu estou precisando de uísque. Você gostaria de um conhaque?
Ela olhou ao redor. — Eu não gosto desta sala. Sinto como se ele estivesse aqui, como se
estivesse nos observando.
— Não está. Os espíritos não voltam para nos perseguir —. Ou pelo menos era o que ele
acreditava antes desta noite. Pegando seu copo, caminhou até a lareira, pressionando sua testa contra
o suporte, observando o fogo. Todos estes anos, tinha conseguido manter controladas suas
lembranças. Tinha trabalhado obsessivamente salvando vidas para não ter que se concentrar na
única que tinha tirado.
Pela extremidade do olho, viu que Winnie estudava a mesa onde a vela continuava ardendo, as
sombras dançando sobre os anéis e a corrente de estanho. Embora agora estivessem acesos os
abajures, a vela parecia fornecer mais luz. Ela jogou os ombros para trás, reunindo a coragem que ele
não duvidava que ela tinha. Aproximou-se da mesa, pegou os anéis, e caminhou para a escrivaninha.
Abriu uma caixa de charutos e os deixou cair no interior.
— Longe dos olhos, longe do coração? — perguntou ele.
— Algo assim.
Ela voltou para a mesa e pegou o colar. Enquanto se aproximava dele, esteve agradecido por não
ver dúvidas em seus passos, nem cautela em seus olhos. Parando diante dele, sorriu suave mente
para ele enquanto punha a corrente ao redor do seu pescoço. Inclinando a cabeça, ele desfrutou da
sensação de seus dedos deslizando sobre seu cabelo enquanto fazia descer a corrente para que
descansasse sobre seu pescoço. Ela deu um tapinha na corrente que agora pairava sobre o peito. —
Acredito que é muito doce que use a cruz de sua mãe.
— Doçura não tem nada a ver com isso. É para não esquecer quão rápido e facilmente chega a
morte.
Seu pai a tinha entregue. ‘Para que você se recorde’, havia dito, e estava muito consciente do que era o
que seu pai queria que recordasse. Por causa dele, sua mãe estava morta.
Usando somente a ponta de seu dedo, ela tocou outra vez o estanho, e ele imaginou as pontas de
seus dedos acariciando seu peito, atrasando-se aqui e lá.
— Logo que a Sra. Ponsby insinuou que tinha assassinado a sua mãe, soube a estupidez de
acreditar que alguém possa contatar os mortos. Levantou seu olhar para ele. — Sei que não tem
nada que ver com a morte de sua mãe.
Só ele tinha tudo a ver com isso, mas não podia dizer a ela. Ele não queria ver o mesmo medo em
seus olhos que tinha visto em seu pai.
— Como ela soube que essas palavras mexeriam com algo em você? — ela perguntou.
Ela era tão tremendamente confiante, ao estar tão perto dele, tocando-o, olhando-o nos olhos.
Ele queria tudo isso: sua confiança, suas carícias, seus profundos olhos marrons repletos de
adoração. Por ele, um pecador que tinha passado a maior parte de sua vida esforçando-se para
desfazer seus pecados. ‘Perverso’, sua mãe havia dito, ‘menino perverso’, e ele nunca tinha podido
entender o que tinha feito que fosse tão repulsivo. Tinha que ser algo em seu interior, algo que só ela
podia ver.
— Porque a Sra. Ponsby é muito hábil para ler às pessoas. Perdi a conta do número de vezes que
ouvi que um pai diz sobre seu filho, ‘ele será minha morte’. Contei que minha mãe me batia. Foi meu
engano. Dei algo com o que trabalhar. Ela soube que, mesmo que eu não tivesse nada que ver com a
morte de minha mãe, sentiria um pouco de culpa porque desejei que morresse milhares de vezes.
— Como sabe que ela manipula as coisas dessa maneira?
— Porque cresci sob o cuidado de um professor ladrão que era muito bom em extorquir às
pessoas. Ele batia na porta de alguém, e, em questão de minutos, ele saberia o tipo de história que
deveria tecer para separar um homem de suas moedas. Ler às pessoas é uma habilidade que se pode
desenvolver.
— É capaz de ler às pessoas?
— É útil quando tenho que dar más notícias, se posso avaliar qual é a melhor forma de dizê-las.
— Pode ler a mim? — perguntou ela.
Ele tentou não ler, não queria saber o que estava pensando exatamente, como se sentia. — Sei
que tem medo.
— Não de você. Nunca tive medo de você. Sei que é um bom homem.
Só que não era. Seu passado era um labirinto de maldades. Sua redenção dependia dela, se
pudesse protegê-la de seu marido, protege-la dele mesmo.
Mas ela estava dificultando tudo enquanto se aproximava, até que o corpo dela se nivelou com o
seu. Ela bem poderia ter posto uma marca ardente sobre sua pele. Ele estava muito consciente de
cada uma de suas exuberantes curvas.
Ele estava familiarizado com o corpo humano, tinha examinado centenas deles, tinha examinado
a ela, mas nunca tinha querido explorar o corpo de alguém com a paciência e profundidade com as
que queria percorrer o dela. Queria conhecer até seus mínimos detalhes, deslizar sua língua sobre as
menores fendas. Queria perder-se nela até esquecer seu passado, até que o dela não pudesse criar um
abismo entre os dois. Queria o que não podia ter, o que não deveria tomar.
Mas no momento necessitava a trégua que oferecia, o bálsamo de sua inocência, o consolo de sua
confiança.
Embalando seu rosto, plantou sua boca sobre a dele. O triunfo o percorreu quando ela se
afundou nele, um convite que já não poderia ignorar. Ele teria remorsos amanhã. Não duvidava que
ela também teria, mas esta noite ambos estavam feridos e em carne viva, cambaleando pela decepção
e o desespero. Pelo inesperado giro dos eventos.
Levantou-a em braços. — Não aqui, — disse ele, — Não aqui onde permanecem os fantasmas
de nossos passados.

Caminhando com resolução, William carregou Winnie pela casa. Ela deveria ter contestado.
Qualquer mulher decente o teria feito, mas ela desejava muito o que ele estava oferecendo, e queria
dar consolo em troca. Tinha pensado que esta noite lutaria com seu passado, e parecia que era ele
quem tinha tido que enfrentar o seu.
Ela estava feliz por ter tido a chance de vê-lo com raiva – enfurecido, mas bem. Sabia com toda
segurança que ele nunca bateria nela, nunca iria feri-la. Podia confiar nele com seu corpo – e ao fazê-
lo, com seu coração e alma. Ele a protegeria, os manteria a salvo.
Era tarde, e todos os criados estavam deitados. Estava grata por isso, embora não estivesse segura
de que teria se importado. Enquanto o beijava sob o queixo, deu-se conta de que desejava
desesperadamente estar com ele.
Ele abriu a porta do dormitório, entrou, e logo a fechou com um empurrão do pé. Deitando-a na
cama, deitou-se ao seu lado, apoiado em um cotovelo. Enquanto um de seus dedos viajava sobre sua
garganta e se detinha no primeiro botão, ela ficou sem fôlego.
Os olhos dele obscureceram, e sua respiração ficou cada vez mais superficial.
— Será como ver você pela primeira vez.
Ele tinha visto suas feridas, mas não as cicatrizes que tinham deixado. Poderia compartilhá-las
com ele? Poderia compartilhá-las com alguém? Envergonhavam-na, mas…
— As cicatrizes não me parecem desagradáveis, — disse ele como se estivesse lendo seus
pensamentos. Inclinando-se a beijou na sobrancelha. — A razão atrás delas talvez o seja, mas são
uma insígnia de sobrevivência. A beijou sobre a pequena cicatriz que tinha na bochecha. — Mas tem
cicatrizes em sua alma, e não sei como curá-las. Com sua língua roçou sob seu queixo.
Tinha uma cicatriz ali? Parecia que ele a conhecia melhor que ela mesma, mas poderia ser porque
ela tinha evitado examinar qualquer lembrança daquela noite.
— Tem cicatrizes? — perguntou ela.
— Várias, de minha infância, assim já desvaneceram. Provavelmente nem sequer as notaria, mas
eu posso vê-las, sentir, saber que estão aí. Observamo-nos mais estreitamente do que os outros
fazem. Acreditamos que as pessoas notam as imperfeições porque nos olham fixamente, quando de
fato não representam nada para eles.
Com pouco mais que um fugaz golpe do pulso, ele soltou o primeiro botão.
“Detenha-o”, uma vozinha gritou, mas uma mais forte disse que não fosse tola e que aceitasse seus
avanços. Recordava quão docemente tinha curado suas feridas, quão meigamente tinha trocado suas
bandagens e aplicado unguentos.
Agora embalava seu rosto, inclinando-se sobre ela, para capturar sua boca em um profundo beijo
ardente que desfez todas suas inibições. Em seu interior, agitava um anseio tal que não podia negar.
Ela desejava sua boca, suas mãos, seu corpo, cada parte dele tocando-a, tornando-se parte de seu ser.
Nunca havia se sentido assim antes, nunca tinha se atrevido a querer algo tão desesperadamente.
Foi vagamente consciente dos outros botões sendo abertos. Afastando-se ligeiramente, tirou
lentamente seu corpete, seus olhos fixos na pele que estava revelando. Ela pôde ver a apreciação que
banhava seus traços, e se sentiu apreciada, bela, aceita.
Em apenas segundos, ele a tinha liberado de seu traje. Ela o observava admirada enquanto ele
rapidamente descartava sua própria roupa. Não viu cicatrizes, mas na verdade seu corpo inteiro era
perturbadoramente maravilhoso. Duros músculos, estômago plano, quadris estreitos.
Reunindo-se com ela, tomou sua boca abatendo-se sobre seu corpo, depositando um beijo
curador sobre cada cicatriz, aquelas sobre as costelas, sua clavícula, sua coxa. Ele lambeu, beijou,
murmurou palavras doces. Logo a beijou completamente. Cada polegada, cada canto e curva, cada
parte escondida.
Quando retornou para sua boca, ela estava acalorada pela necessidade, queimando com o desejo.
Enterrou suas mãos em seu cabelo, desfrutando sentir os suaves cachos entre seus dedos,
envolvendo-se neles. Girou seu corpo para o dele, roçando a planta do pé contra sua panturrilha.
Movia-se ao seu ritmo, ondulando para um lado e outro, esforçando-se por tocá-lo como ele a
tocava. Nenhum dos dois era autossuficiente.
Pela primeira vez na vida sentiu-se como parceira, igual no amor. Nada que fizesse poderia
decepcioná-lo. Nada que fizesse estaria errado. Ela explodiu com a alegria de seu coração. A
exultação a alagou quando ele grunhiu profundamente, e sentiu a reverberação contra seu peito. Ela
tinha causado essa reação, e se sentia vitoriosa. Ele embalou seu seio. Seus olhos se fecharam, longas
pestanas escuras descansando sobre suas bochechas. Baixou sua cabeça e rodeou o mamilo com sua
língua, tentando-a.
O primeiro ligeiro puxão quase a fez cair da cama. Não causou dor, só doces sensações em seu
interior. Ele entregou suas atenções ao outro peito, ao vale entre, ao estômago e mais abaixo.
Cada lugar que ele tocava clamava por libertação, ela clamava por liberação.
Logo ele se levantou sobre ela, e a olhou. Sustentou seu olhar enquanto entrava nela, retirando-se
ligeiramente, empurrando com mais determinação, uma e outra vez até que ele estivesse aninhado
profundamente dentro dela.
Ele balançou contra seu corpo. Ela encontrou cada impulso, o prazer aumentando, se contorceu
debaixo dele e gritando para libertação. Chegou com uma corrente gloriosa que fez ela tremer,
enquanto ele gemia asperamente e se empurrava uma última vez contra ela.
Exausta e satisfeita, continuou debaixo dele, roçando com dedos letárgicos suas úmidas costas,
consciente que seus braços tremiam pelo esforço de sustentar seu peso afastado dela, uma
consideração que a comoveu profundamente. Ele a beijou na testa antes de girar para um lado.
Atraiu-a para seu lado, acariciando seu braço como se odiasse perder o contato. Enquanto sua
respiração relaxava, ele a beijou sua cabeça. — Não vou sair esta noite, então dorme tão
profundamente quanto você quiser.
Inalando o aroma a sândalo e ao almíscar de ter feito amor, ela fechou os olhos.

Winnie decidiu que realmente desfrutava fazer amor pela manhã. Era uma forma gloriosa de
despertar. Logo, desfrutaram do café da manhã na cama antes de satisfazer-se uma vez mais. Não
podia recordar se alguma vez tinha sido tão feliz.
Também descobriu que gostava de ser vestida por um homem, inclusive se seu cabelo só tivesse
uma singela trança. Sentada frente a sua penteadeira, observou William enquanto colocava os
sapatos. Nunca tinha observado um homem vestir-se antes. Gostava destas novas experiências.
— Suponho que deve ir agora, — disse ela.
Ele caminhou para ela e a fez se levantar. — Tomarei o dia livre, para não fazer nada mais que
estar contigo.
— E seus pacientes?
— Ninguém está às portas da morte. Minha caseira sabe onde estou. Se um hospital me
necessitar, enviarão uma mensagem em casa e ela fará chegar a mim. Embalou a sua bochecha. —
Quero estar contigo.
— Prometi ao Whit que o levaria ao Museu de Madame Tussaud.
— Os acompanharei.
Ela não pôde negar o prazer que sua oferta gerou, embora uma parte secreta tinha que admitir
que preferiria ficar na cama com ele. Nunca em sua vida havia se sentido tão apreciada, tão cuidada.
Assim era como supunha que tinha que ser entre um homem e uma mulher. Se Avendale não tivesse
morrido, ela nunca teria sabido.
Mas também reconhecia que havia mais que só o trato de William para ela. A fazia sentir mais
forte, a fazia acreditar que merecia ser bem tratada. Uma pequena parte, muito pequena parte dela
desejava ter podido confrontar Avendale e mostrar que já não era a garota covarde com quem se
casou.
— Compartilhemos a notícia com Whit.
Mas antes que deixasse o quarto, William a pegou outra vez em seus braços e a beijou como se
não tivesse passado a maior parte da noite fazendo justamente isso. Ela envolveu seus braços em seu
pescoço, sabendo que nunca se cansaria disto. Embora não tivessem trocado promessas, entendia
agora que ela não precisava do casamento para ser feliz. Era suficiente somente estar com ele.
Quando ele se afastou e abriu a porta, ela soube que um sorriso reservado se desenhava em seus
lábios e esperou que Whit não pudesse interpretar seu significado.
Enquanto caminhavam pelo corredor, William disse, — Não esperava que fosse admiradora de
Madame Tussaud.
— Devo admitir que acredito que eu poderia ter enlouquecido ao fazer criações de cera de
pessoas mortas, mas encontro fascinante ver às pessoas como eram. Embora sim evito a câmara de
torturas. Conhecia o suficiente sobre o horripilante salão para saber que não desejava ver os
instrumentos de tortura ou vê-los demonstrados sobre os figurinos de cera, mesmo que eles não
sentissem a dor.
— Conforme entendo — disse William, — às damas não é permitido o ingresso a essa sala
devido a sua natureza delicada.
— Alguma vez esteve ali?
— Não, vi bastante sofrimento em minha vida para querer vê-lo em cera.
— Como o suporta, todo a tristeza que viu?
— Me enfocando em coisas mais felizes, como os momentos que passei contigo.
Dizia coisas tão adoráveis. Quase se sentia tentada a renunciar à viagem com Whit para passar
todo o dia em seu dormitório com William, mas também desejava que ele passasse tempo com seu
filho. Ela sabia que se levaram muito bem enquanto viveram na residência de William durante sua
recuperação, mas pensava que seria uma boa ideia religá-los porque suspeitava que começariam a
passar muito mais tempo junto a William.
Entrou na creche, embora parecia estranho continuar se referindo assim ao cômodo já que Whit
já tinha sete anos. Logo mudaria a creche pela sala de aulas, mas ainda seria seu por um tempo mais.
Whit estava sentando ante uma pequena mesa, esfregando freneticamente um lápis sobre um
papel. Várias folhas estavam pulverizadas sobre a mesa. Sua governanta estava em uma cadeira
próxima lendo. Rapidamente se levantou, mas Whit continuou.
Winnie se ajoelhou a seu lado. — Bom dia, querido.
— Havia muitos animais. Estou tentando desenhá-los, antes de esquecer como se parecem.
— Está fazendo um trabalho maravilhoso. Talvez você gostaria de mostrar ao Dr. Graves. Está
nos visitando. Lembra dele, certo?
Whit o olhou, seu cabelo escuro caía sobre sua testa, seus olhos escuros –os olhos de seu pai –
focaram em William. — Cuidou de minha mamãe quando estava ferida.
Ela desejava que ele não recordasse esse particular aspecto de seu tempo com o William. Whit só
tinha quatro anos na época. Esperava que ele já tivesse esquecido o pior.
— Carregou-me sobre seus ombros no parque, — continuou Whit.
William se agachou ao seu lado. — Sim, o fiz. Eu gostaria de levá-los, você e a sua mãe, outra vez
ao parque, mas entendo que já têm uma viagem especial planejada para hoje.
— Tenho que terminar isso primeiro.
— Você gostou de passear pelo jardim zoológico? — perguntou William.
Whit assentiu, seu cabelo saltando contra sua testa. Indicou um dos papéis.
— Esse é o leão. Ele rugiu.
— É um desenho muito bom. William disse, pegando-o e segurando-o para que Winnie pudesse
vê-lo claramente. A juba era quase maior que o próprio leão. De um lado havia uma árvore. Perto
havia algo que parecia ser um obelisco: alto e escuro, sem mais características. Com uma rápida
olhada sobre os outros desenhos, ela viu que isso aparecia em vários deles. Não sabia porque parecia
estranho, mas o fazia. Em um dos desenhos parecia ter braços.
— O que é isto, amor? — perguntou .
Whit franziu a pequena sombrancelha enquanto estudava o que ela indicava, antes de olhar para
ela. — É o homem sombra.
Tudo em seu interior congelou quando ele retornou aos seus desenhos como se não houvesse
dito algo monumental.
— Que homem sombra? — Ela odiou o ligeiro tremor em sua voz. Estava muito consciente que
embora William não se movesse, parecia alerta, quase sem respirar.
Whit levantou o ombro magro. — Vi-o por aí. Algumas vezes no parque. No jardim.
— Nosso jardim? — Perguntou Winnie. Whit assentiu.
Ela olhou a governanta. — Você o viu?
— Não, Sua Graça. O jovem duque o mencionou, é óbvio, mas tem uma imaginação tão ativa
que imaginei que o homem sombra era um amigo imaginário.
Sim, provavelmente fosse, pensou Winnie. Só uma fantasia…
— Esteve em meu quarto ontem à noite, — disse distraidamente Whit, sua atenção focada no
desenho. — Despertei e estava entre as sombras. Não podia vê-lo muito bem, mas disse que estava
me cuidando e que não tivesse medo. Este é o elefante.
Mostrou o papel, e ela pegou com dedos trêmulas. Ontem à noite, bom Deus, ontem à noite
enquanto ela gemia de prazer, ele tinha estado em sua casa, no quarto de seu filho. — É uma criatura
muito interessante com essa tromba tão larga. E então seu homem sombra, disse algo mais?
Ele negou com a cabeça. — Mas estava usando meus anéis.
— Seus anéis?
Ele assentiu. — Os que disse que poderia usar quando eu for um homem.
Tinha mostrado os anéis ducais para Whit várias vezes porque ele desfrutava olhá-los. — Não
disse que eram meus, — disse Whit. — Porque ele é muito grande.
Inclinando-se, ela o beijou na testa. — Ele não te machucará, querido. Mami não se está sentindo
bem, assim não sairemos hoje. Só continue desenhando.
Suas pernas tremiam tanto que mal puderam sustentá-la enquanto saía do cômodo. O que estava
considerando era impossível, e mesmo assim, era o único que tinha sentido.
— Winnie, está bem? — perguntou William.
— Dificilmente. Com William seguindo-a, desceu com pressa as escadas e correu para a
biblioteca, foi à caixa de charutos onde tinha posto os anéis depois da sessão espírita, e levantou a
tampa. Não estavam lá. Depois de fechá-la com força, caminhou para a porta. — Preciso falar com a
Catherine. Ou meu marido conseguiu se manifestar como um fantasma ou nunca esteve morto para
começar.
Capítulo Oito

— Me conte precisamente o que aconteceu em Heatherwood, — exigiu Winnie.


William sabia que ele poderia ter evitado a viagem até a residência Claybourne, mas não era sua
mentira para contá-la. Estavam na biblioteca de Claybourne, uma sala grande o suficiente para que,
com a porta fechada, a conversa não passasse para os corredores e pudesse ser ouvida pelos criados.
Nesse momento, todos estavam de pé, Claybourne frente a escrivaninha, seus quadris apoiados nela,
Catherine perto de seu marido. Winnie parou ante eles, suas mãos ao lado do corpo convertidas em
punhos. Ao menos tinham parado de tremer. Ele queria estar ao seu lado, sustentando-a perto, mas
ela parecia determinada a enfrentar isso sozinha, assim só esperou, com os braços cruzados. Esta era
sua batalha.
— Por que não nos sentamos? — perguntou Catherine. — Pedirei o chá.
— Não quero chá, — disse Winnie. — Quero saber sobre o fogo em Heatherwood. Realmente
viu Avendale morrer no meio dele?
Catherine olhou Claybourne antes de retornar sua atenção para Winnie. — Winnie, deve entender
que tinha muito medo por ti.
— O que fez? — perguntou, sua voz mesclada com agitação.
— Sente-se, — pediu Catherine.
— Não acredito que o faça. Tenho a impressão de que o que está por me dizer é melhor escutar
de pé.
“Bom para você”, pensou William, admirando seu caráter. Seu marido quase o tinha destroçado.
Esperava que se aferrasse a isso quando soubesse a verdade.
Catherine esclareceu garganta. — A noite em que ele golpeou cada polegada da sua existência,
antes de que abandonássemos sua casa, insinuamos para alguns criados que íamos te levar para
Heatherwood. Ao invés disso, claro, deixamos você com Bill. Logo Claybourne e eu seguimos
sozinhos para Heatherwood.
— Avendale chegou algumas noites depois exigindo que entregássemos você. Quando soube que
não estava ali, ficou furioso, e atacou Claybourne. Em meio a luta um abajur aceso destroçou contra
o chão, a querosene e as chamas acendendo o tapete e as cortinas. Claybourne o superou e
nocauteou Avendale. No momento em que o fez, o fogo estava descontrolado. Embora não me
orgulho disso, estive grata porque ele não tinha meios de escapar do fogo.
— Assim ele morreu, deixaram-no morrer. Catherine hesitou. — Winnie…
— Pelo amor de Deus diga a verdade, — espetou William. — Porque se não o fizer eu o farei.
Franzindo o cenho profundamente, Winnie o olhou, e não afastar seu olhar foi o mais difícil que
ele já fez.
— Claybourne o tirou de lá, — Catherine disse com rapidez, atraindo outra vez a atenção de
Winnie.
— Assim não morreu?
Com tristeza, Catherine negou com a cabeça.
Winnie retrocedeu um par de passos. — Mas vi o corpo.
— Viu um corpo, vestido com a roupa de Avendale, usando seus anéis. Organizamos para que
Avendale fosse transportado a Nova Zelândia como um criminoso, sob outro nome. Só podemos
deduzir que conseguiu escapar ou convenceu a alguém para que o libertasse.
— Só podem deduzir? Vocês acreditam que está aqui, destroçando minha prudência, e não
pensaram que eu devia saber?
Catherine assentiu com relutância. — Acreditamos que podíamos resolver sem que soubesse.
Você pensava que era viúva…
Winnie cambaleou como se tivesse recebido um golpe. Horrorizada, olhou para William e ele
soube que ela estava pensando na noite anterior, em seus votos de casamento, em como os tinha
quebrado sem saber. — Não sou viúva. Meu filho não é o duque.
— Ninguém precisa saber disso, — disse Catherine. — Nós o encontraremos. Vamos arrumar as
coisas.
— Acredito que vocês já fizeram o suficiente —. Ela lentamente girou para olhar de frente a
William. — Roubou tumbas em sua juventude, assim assumo que providenciou o corpo. Onde o
pegou?
— Em uma fossa comum.
— Um pobre está enterrado na cripta familiar do meu marido? Embora não se orgulhasse, ele
assentiu.
— Todo o tempo soube que ele estava vivo. Ontem à noite…. — As lágrimas alagaram seus
olhos. — Sabia que não era viúva. Sabia que não era… livre.
Ele não tinha respostas para sua acusação. Tinha sabido, maldito fosse, e tinha posto seus
próprios desejos de possuí-la sobre todo o resto.
Ela avançou para ele. — Pensei que estava enlouquecendo. As coisas desapareciam e
reapareciam. Sons na noite. Seu aroma flutuando na casa, agora sei que acontecia por sua presença.
Ele esteve no quarto do meu filho. Esteve em meu quarto. Sabia tudo isto e me deixou duvidar da
minha prudência.
— Não pode culpá-lo, — disse Catherine. — Quando decidimos fazer isto, fizemos um voto de
silêncio.
O olhar de Winnie nunca deixou o dele. — Um voto mais importante que eu. — Então ela riu,
com um som sem alegria. — Seus recentes cuidados, todos, foram parte de uma estratégia elaborada
para ocultar o que tinham feito, para se assegurar que não descobrisse a verdade?
Era mais fácil mentir que dizer a verdade porque neste ponto, em todo caso, não acreditaria. —
Queria estar certo de estar ali para te proteger se ele aparecesse.
— Deixou que eu sofresse. Não confiou que eu não os trairia.
— Winnie, chorou quando contei que tinha morrido, — disse Catherine.
— É óbvio que chorei. Com profundo alívio porque ninguém voltaria a me machucar outra vez
—. Girou outra vez para o William. — Embora nisso me enganei. Como ia saber que a dor dos
ossos quebrados empalidece em comparação com a dor de um coração quebrado?
— Winnie, minha intenção nunca foi te ferir.
Ela soltou uma risada cáustica. — Sabia que Avendale dizia essas mesmas palavras depois de me
golpear?
Ela não poderia dizer nada que tivesse podido feri-lo mais profundamente.
Olhando rapidamente aos outros, ela disse, — Por favor, rogo a todos, não me ajudem mais. Me
encarregarei do assunto sozinha.
Com o queixo levantado, saiu da sala, saiu de sua vida. Ele a deixou ir porque sabia que ele
mesmo tinha assassinado o amor que ela pudesse ter por ele.
Foi vagamente consciente do toque de Catherine em seu braço. — O que ela disse, não foi justo.
— Foi completamente justo.

Avendale estava vivo!


Winnie deixou que o pensamento a alagasse enquanto se sentava na odiosa biblioteca. Ele estava
vivo. Ela não era livre. Não era livre para amar William. Nem sequer era livre para beijá-lo!
Por que Avendale não tinha entrado na casa e anunciado sua volta?
Porque ele queria brincar com ela, o bastardo. Sem dúvida a culpava pelo que tinha sofrido. Por
muito que desejasse que Catherine não tivesse tomado medidas tão drásticas para mantê-la a salvo,
também admitia que se sentia comovida pela devoção de sua amiga. Obviamente furiosa,
decepcionada porque tinham acreditado que não poderiam confiar nela, mas também comovida.
Há três anos, tinha sido muito tímida para se defender, não tinha tido confiança em suas
habilidades. Em ocasiões tinha pensado que talvez merecesse os brutais castigos. Mas agora entendia
que Avendale não tinha direito de agredi-la com seus punhos, nem tinha direito a tratá-la mal. Que
ele pensasse que podia voltar e começar a atormentá-la outra vez era algo que não toleraria.
Considerou empacotar suas coisas e levar Whit para algum lugar onde ambos estariam a salvo,
mas não gostava da forma que estaria evitando a confrontação que, sem dúvida, aconteceria muito
em breve. Assim fez com que a governanta o levasse para uma prima por uns dias. Deu a noite livre
aos criados. Com as portas da biblioteca abertas para o terraço, observou cair a tarde, enquanto
sentia que era observada.
Cedo ou tarde ele a confrontaria, estava segura. Ele poderia recuperar seu lugar na Sociedade.
Mas não poderia recuperar seu lugar em sua vida. Mesmo criando um enorme escândalo, ela se
divorciaria. Ou mais precisamente, exigiria que ele se divorciasse dela por adultério. Admitiria ter
dormido com William Graves. Seu mordomo atestaria que ele tinha uma chave e que podia ir e vir
ao seu desejo. Suspeitava que William confessaria também. Depois de tudo, ele devia isso a ela.
Mas fosse como fosse, ela não ia ficar casada.
Durante a ausência de Avendale, tinha mudado. Encarregou de dirigir a casa aqui em Londres e
as propriedades do campo. Tinha organizado os meios para arrecadar dinheiro para um hospital.
Tinha falado com arquitetos, construtores e um médico para descobrir tudo o que necessitava. Eles
tinham falado com ela, oferecendo conselhos, aceitando suas sugestões em troca. Já não se sentia
pequena ou insignificante. Estava segura de poder dirigir seus próprios problemas. Tinha feito isso
muito bem durante estes três anos.
Graças a William Graves, que tinha mostrado como deveriam ser as coisas entre um homem e
uma mulher. Inclusive antes de seu recente interesse, quando ela esteve se recuperando, e tinha
sugerido a ideia de um hospital, ele tinha aceito e nunca tinha questionado sua habilidade de levá-lo
adiante. Tinham-na tratado com respeito e valor.
Ela não podia voltar para quando se encolhia cada vez que seu marido falava, a acovardar-se
quando estava perto, sempre esperando um golpe.
Mesmo enquanto pensava que as coisas poderiam melhorar se tivesse seus amigos em torno dela,
precisava cuidar desse assunto sozinha. Eles já tinham colocado suas vidas e reputações em risco.
Sua raiva deles estava se dissipando, deixando-a sobrecarregada pela compreensão de que tinham
arriscado muito por ela.
Quando a batalha era sua para lutar.

Graves sabia que não deveria estar atrás das sebes que delineavam os jardins traseiros de Winnie,
que ela o desprezava e que não o queria perto, mas não podia se obrigar a permanecer afastado, não
quando existia a possibilidade de que ela fosse ferida, de que seu marido estivesse espreitando entre
as sombras.
O que os tinha feito pensar, a qualquer um deles, que seu plano era uma solução permanente para
o problema de Winnie? E, por que todos tinham decidido sem perguntar a ela? Por que ele se
envolveu?
Porque ao examinar seu ensanguentando, maltratado e golpeado corpo, ele tinha acreditado,
realmente acreditado, que ninguém deveria maltratá-la assim. Ela tinha parecido tão pequena,
delicada e frágil que nunca ocorreu que poderia ser capaz de cuidar de si mesma. A culpa era dele
por não ter visto há três anos que o único que ela precisava era desenvolver sua confiança para
defender-se. Ela tinha estado tão decidida essa manhã em afastá-los, em tomar o controle por si só.
Mas fazê-lo por si só, cuidar do assunto, significava enfrentar seu marido, e ele não podia permitir
que o enfrentasse sozinha. Sem importar quão forte acreditasse ser, não era forte o suficiente para
isso.
Ele tinha visto os criados saírem cedo, assumiu que seu filho tinha sido levado para outro lugar.
Nenhuma luz escapava das janelas exceto da biblioteca. Ela estava se preparando para se encontrar
com a besta em sua própria guarida. Ele se perguntou se Avendale responderia ao convite.
Certamente já saberia que estava ciente de sua volta.
Graves escutou um sussurro apagado a sua esquerda. Levantando o pau que tinha pego
emprestado de Jim, cuidadosamente avançou e olhou…
A dor disparou na parte traseira de seu crânio. Logo nada.

— Olá, duquesa.
Winnie não recordava ter cochilado na cadeira frente ao fogo, mas a suave voz nefasta gerou um
temor que a estremeceu. Lutando por controlar o medo, abriu os olhos.
Um grande brutamontes estava agachado diante dela. Avendale.
Só que não era ele. Este homem tinha uma horrível cicatriz da bochecha até o queixo. Estava sem
barbear, seu cabelo era uma desordem indomável. Sua roupa não cabia, mas sim parecia algo que
tivesse roubado de um mendigo. Usava um ordinário casaco negro. Seus braços mais robustos, suas
mãos mais ásperas.
— Avendale, — respondeu, agradecida porque sua voz soava estável. — Muito bom ver-te.
— Acredito que estava me esperando, mas em todo caso consegui surpreender o seu amante.
— Meu amante? Não sei do que está falando.
Ele girou ligeiramente e ela pôde ver William jogado sobre o tapete, suas mãos atadas nas costas,
os olhos fechados, sangue formando um atoleiro atrás de sua cabeça. — Meu Deus, o que fez?
Começou a se levantar, para ver quão ferido estava, mas Avendale a empurrou outra vez para
cadeira com uma mão, e avançou para se elevar sobre ela como Lúcifer subindo do inferno.
— Deitava-se com ele antes de eu ir embora?
— Nunca fui infiel.
— Como chama o que fez ontem à noite? Estive fora do seu quarto escutando seus gritos. Quase
entro para assassiná-lo naquele instante, para assassiná-los, aos dois. Eu teria estado em meu inteiro
direito.
— Acreditei que estava morto. Não sabia o que te tinha acontecido, não até hoje.
— Espera que acredite nisso?
— Realmente não me importa se o faz ou não. Por que esteve espreitando de maneira tão pouco
masculina? — A mandíbula dele esticou e ela pôde ver o rubor de vergonha em sua pele. Se havia
algo que o irritasse mais que ver questionada sua masculinidade, ela não conhecia. Bom, talvez ser
enviado ao outro lado do mundo a bordo de um navio prisão fosse bem mais irritante. — Por que
não anunciou sua volta, por que jogar este estúpido jogo?
— Para que ninguém me questionasse por enviar a minha devota esposa para um asilo de loucos.
Minha esposa que perde coisas e logo as encontra, que acredita em espíritos. Apoiou nos braços da
cadeira e se inclinou até que ficou a uma polegada de seu nariz. — Desfrutei ao ver seu pânico,
embora deva confessar que não se quebrou tão rapidamente como pensei que o faria.
— Observou a sessão espírita de ontem à noite, certo? E depois. Assim é como soube onde
encontrar os anéis.
Ele sorriu. — Quase respondi as perguntas da dama, mas era melhor não deixar os outros
saberem que eu estava por aqui… não ainda, em todo caso.
— Por que fazer isso?
— Para castigar Catherine e você. Talvez ela enlouqueça pela culpa, pensando em você tendo que
viver o resto de sua vida acompanhada de gente verdadeiramente louca.
— Se quer se desfazer de mim, só se divorcie.
— E onde está a diversão?
— Então por que não me matar como fez com suas outras esposas?
Um canto de sua boca se retorceu sinistramente. — Não pode provar que as matei.
— Mas o fez, certo? Ninguém vai acreditar em uma louca, assim, por que não me dizer isso.
Talvez saber que estive casada com um assassino será suficiente para perder a cabeça.
Ele fez um som que pareceu metade grunhido, metade risada. — Acredito que adquiriu algumas
guelras enquanto estive fora. Isso seria uma pena porque significaria que seu desaparecimento terá
que ser permanente.
Incomodou-a que ele pensasse que poderia vencê-la tão facilmente. Mas talvez se tivesse sido
mais forte antes, ele a tivesse assassinado. — Então as matou.
— Claro que o fiz. Eram estéreis. Eu precisava de um herdeiro. O divórcio é custoso, consome
tempo e é escandaloso. Agora tenho um herdeiro, não necessito esposa, especialmente uma em
quem não posso confiar. Depois do que suportei, merece sofrer. Sabe como são os navios prisão?
Infestaram-me as pulgas e os piolhos. Pulgas e piolhos pelo amor de Deus. E um rato me mordeu
antes de que rompesse seu pequeno pescoço.
Seus olhos estavam desmesuradamente abertos e cintilavam. Ela se perguntou se talvez a terrível
experiência o tinha enlouquecido. Talvez fosse ele quem pertencesse ao asilo.
— Obrigaram-me a trabalhar até que minhas mãos sangrassem e minhas costas doessem. Riram
quando os informei que era um duque. Açoitaram-me. Passara quase dois anos antes que eu pudesse
escapar. E enquanto isso planejei minha vingança. Quando te ouvi com ele ontem à noite, é que me
dei conta que ele também teria que ser castigado.
— Talvez queira refazer seus planos. Ele trabalha para a rainha.
— Parecerá que teve um encontro com malfeitores que o golpearam e o deixaram ferido
gravemente nas cavalariças.
Ela reprimiu o medo. Não permitiria que ferisse William. — Não.
— Não pode me deter. Você sempre foi um passarinho assustado com as asas cortadas. Quando
terminar com ele, irei passar a noite me relacionando com minha esposa antes de enviá-la para
Bedlam.
Sentiu náusea ao pensar nele tocando-a, apagando as carícias do homem que amava. Ela amava
William, apesar do que ele tinha escondido dela, ela o amava. Não foi ele quem insistiu com
Catherine para que dissesse a verdade? Ele soube que ela era forte o suficiente para lidar com isso.
Sabia tudo sobre ela, no interior e o exterior, e a aceitava como ela era.
— Vá para o inferno, — ela disse e deu um empurrão no seu peito. A grande montanha que era
seu marido quase não se moveu. Apenas riu, riu como fazia quando batia nela antes, quando ela
gritava. Tinha aprendido a não gritar.
Um rosnado ecoou ao seu redor. Winnie quase não teve tempo de registrar a visão de William
atacando antes de derrubar Avendale. Ambos os homens caíram no chão. Ainda amarrado, William
lutava para ficar de pé. Avendale não tinha nada que atrapalhasse seu avanço. Saltando de pé, ele
pegou William pela frente da camisa, levantou-o levemente e bateu o punho no rosto dele.
Ela escutou o rangido do osso destroçado, um som que já tinha ecoado em seus ouvidos quando
seus próprios ossos enfrentaram o peso desses punhos. Saltando da cadeira, pegou o atiçador e
golpeou Avendale nas costas. Ele girou. Ela pôs toda sua força, seu peso, sua necessidade de detê-lo
no seguinte impulso, golpeando-o na cabeça, fazendo-o perder o equilíbrio. Ele aterrissou de costas
na borda de pedra da lareira, sua cabeça em um ângulo estranho, encostada à sua gárgula.
Respirando agitadamente, ela ficou de pé, com as pernas separadas, com o atiçador preparado
para golpeá-lo outra vez. Mas ele não se moveu. Só ficou ali olhando-a como se estivesse surpreso
porque se defendeu.
— Me desamarre.
Ela olhou para William enquanto ele se esforçava para se sentar, o sangue emanando de seu nariz.
— OH, sim, claro —. Enquanto se ajoelhava ao seu lado e tentava soltar as cordas, continuava
lançando olhadas para Avendale. — Como ele te apanhou?
— Eu estava no jardim, vigiando, mas fui parvo o suficiente para cair em sua armadilha. Está
ferida?
— Não, não realmente. Ele parecia mais interessado em falar que em me matar.
William soltou um bufo que poderia ter sido uma risada. Quando seus braços estiveram livres,
embalou seu rosto. — Foi extraordinariamente valente.
— Nunca o enfrentei antes, nunca. Não podia voltar a viver assim. Não. Mas acredito que o feri
muito.
— Eu o examinarei.
Ela viu William se mover até Avendale. — Tome cuidado, — advertiu .
— Ele não me machucará. Pressionou um ouvido contra o peito de Avendale, logo com cuidado
levantou sua cabeça. Ela viu o sangue que gotejava sobre a pedra.
— Parece que recebeu um bom golpe. Deveria trazer alguns panos para conter o sangramento,
— disse ela.
William voltou para ela, apoiou as mãos sobre seus ombros, e encontrou seu olhar. — Winnie, ele
está morto.

Winnie se sentou em uma cadeira em um canto. Depois de cobrir Avendale com um lençol,
William tinha enviado uma mensagem ao Inspetor Swindler. Ela o observou enquanto ele primeiro
analisou a porta, logo entrava na biblioteca e levantava o lençol para examinar Avendale.
— Obviamente alguém da rua, — disse.
— É o Duque de Avendale, — corrigiu ela.
Ele a olhou, olhou William e logo Avendale. — Vejo um homem de rua, um ladrão que sem
dúvida nenhuma irrompeu em sua residência para roubar. Meu relatório indicará que a porta foi
forçada por alguém experiente.
Ela estava a ponto de protestar outra vez, quando entendeu por que William tinha chamado
Swindler. — É obvio. Você fez parte do grupo que viveu com o avô do Conde Claybourne.
William avançou para ela. — Winnie, sei que me despreza, mas nada bom sairá de revelar a
verdade agora. Swindler pode fazer que pareça como um roubo.
— Diz isso para proteger a si mesmo?
— Não, para te proteger do escândalo. Toda sua vida junto a ele se converterá em material para
intrigas. Sim, alguns de nós sem dúvida sofreremos pelo que fizemos, mas também tem que
considerar o impacto que isto terá em seu filho.
Nunca tinha falado mal de Avendale para seu filho, nunca tinha querido que Whit soubesse quão
brutal era seu pai. Ele sofreria se soubesse a verdade.
— Mas o matei.
— Não realmente. Golpeou-o. Ele caiu. O golpe na cabeça foi o que o matou, mas sobre isso
não tinha controle. Foi um acidente.
— E isso será o que dirá meu relatório, — disse Swindler. — Com todo o respeito, Sua Graça,
ninguém questionará meus achados.
— Pode viver com isso?
— Posso viver com tudo que faça justiça. Em minha profissão, vejo muita gente machucada ou
assassinada e os culpados nem sempre são capturados. Assim faço justiça como posso. Seu marido a
tratou terrivelmente, quase a assassinou, provavelmente teria acabado com Bill essa noite. Ele era um
homem que não sentia remorsos ou culpas. Não lamento seu falecimento. Conforme entendo, suas
esposas anteriores enfrentaram desafortunados acidentes. Justiça poética, diria eu, que morrera de
um golpe na cabeça.
— Isso é certo? Ao me convencer de não dizer nada não está tentando proteger-se a si mesmo?
Imagino que você tenha desempenhado algum papel em seu encarceramento. Você teria acesso às
prisões como ninguém mais teria.
— Todos conhecíamos os riscos, Winnie, — disse William. — Todos estávamos preparados para
viver com as consequências se descobrissem o que fizemos. Faz o que acha que deve fazer.
Ela pensou em quão valentes tinham sido todos ao se arriscar tanto quando só Catherine a
conhecia realmente. O que representava para eles, além de alguém a quem a lei não protegeria?
Mesmo assim tinham feito o que podiam para protegê-la.
Respirou profundamente, um longo suspiro. — Está usando os anéis de meu marido. Não estou
certa de quando os roubou, mas pertencem ao meu filho, são parte de sua herança.
Swindler assentiu. — Acrescentarei isso no meu relatório. Levarei o corpo ao necrotério agora se
não tiver objeções.
— Quero que o enterre na cripta da família, — informou ela. — Não têm que retirar o outro
homem, mas Avendale deveria descansar com seus ancestrais.
— Me encarregarei disso, — disse William.
Ela não se surpreendeu por seu oferecimento. Ele tinha cuidado dela por mais tempo do que ela
tinha sabido, e também tinha habilidades para se encarregar da tarefa por si mesmo. — Deveríamos
examinar suas feridas, — disse ela.
— Estou bem.
— Não parece bem daqui, — disse Swindler. — Eu terminarei. Vá e deixe que a dama cuide de
você.
Parecia que William ia objetar, assim que ela disse brandamente, — Por favor. Não poderia ter
estado mais aliviada quando ele concordou.
Depois de levá-lo até o dormitório, sentou-o ante a penteadeira. Umedeceu um pano na bacia,
logo se ajoelhou na frente dele para brandamente enxaguar o sangue que tinha ficado depois que ele
limpou com seu lenço. Ele fez uma careta, e ela aliviou seu toque.
— Sinto se doer, — disse .
— Viverei. Sinto não ter dito o que suspeitava quando me contou pela primeira vez sobre as
estranhas coisas que aconteciam. Esperava estar errado.
Deu um leve sorriso. — Preferiria que estivesse louca?
Ele negou com a cabeça. — Não, esperava que houvesse outra explicação.
— Alivia-me que tudo tenha acabado, que realmente tenha falecido, e, apesar de tudo, estou
triste.
— Acredito que isso é de se esperar.
— Se não o tivesse golpeado tão forte…— Ele embalou seu rosto entre suas mãos. — Winnie,
não se engane. Ele ia me matar. Preso como estava, duvido que tivesse podido detê-lo. Apesar de
seus planos de internar você, suspeito que também teria te assassinado. Escutei uma parte de sua
conversa. Ele virtualmente confessou as mortes de suas outras esposas. Fez justiça não só por você,
mas também por elas.
— Acredita que a culpa diminuirá com o tempo?
— Sei que sim, mas nunca irá totalmente. Ele fugiu do seu olhar, com expressão distante, e ela
não pôde evitar acreditar que ele estava lembrando do passado. Com que frequência ela tinha feito o
mesmo? Viu-o engolir saliva. Quando voltou a olhá-la, seus olhos eram atormentados. — A Sra.
Ponsby tinha razão. Fui responsável pela morte de minha mãe. Estava me batendo um dia, junto às
escadas, fora da vista de todo mundo. Eu estava abaixado, tratando evitar os golpes, e a empurrei,
tratei de chutá-la. Não tenho muito claro como aconteceu, mas nossas pernas se enroscaram, ela
perdeu o equilíbrio, e caiu pelo corrimão para se estatelar na rua. Quebrou o pescoço.
Ela apertou suas mãos. — OH, Deus, meu amor, não pode se culpar pelo que aconteceu.
— Não acredito que tenha entendido completamente até que vi você golpear Avendale. Não
queria matá-lo, Winnie, da mesma forma que eu não queria matar a minha mãe. Passei boa parte de
minha vida tentando corrigir algo que não era minha culpa. Você também é inocente na tragédia
dessa noite.
— Sim, mas…— De algum jeito sua situação parecia diferente, mas era realmente?
— Acredito que foi por isso que meu pai me abandonou nessa noite, — continuou William. —
Quando olhei para o corpo de minha mãe, vi meu pai de pé ali, me observando. Acredito que teve
medo que eu fosse ser igual a ela, um selvagem. Por isso seguiu adiante.
Como pôde abandoná-lo seu pai? Como pôde acreditar que William seria como sua mãe? Nunca
tinha cruzado a mente de Winnie que Whit cresceria para se converter em alguém diferente de um
homem honrado e bom.
— Embora nunca o tenha conhecido, eu não gosto de muito do seu pai, — disse ela. — Que
tenha abandonado um menino para que se defendesse sozinho.
— Mas suas ações levaram a que minha vida desse um giro que me trouxe aqui. Te amo, Winnie.
Há três anos, mas ocultei meus sentimentos, porque não acreditava que aprovaria o que tínhamos
feito e que me desprezaria por meu papel nisso. Mas assim que te beijei no jardim tudo pareceu
perder importância.
E não tinha importância. Eles tinham tentado protegê-la porque não tinha sido forte o suficiente
para fazê-lo por si só. Mas naquela noite e em todos os dias que se seguiram, ela mudou. Ela nunca
mais acreditaria que ela merecia algo além do melhor. E não duvidava que o homem frente a ela era
o melhor dos melhores. Deu um pequeno sorriso.
— Bem, agora realmente sou viúva. Ele sorriu. — Sim, realmente é.
Capítulo Nove

Seis meses depois.


Winnie acreditava que um casamento era uma maneira bonita de começar o ano, e por isso esteve
bastante emocionada quando finalmente chegou a primeira semana de Janeiro e pôde olhar seu
reflexo no espelho. Tinha vendido sua casa em Londres – muitos fantasmas – e se mudou para uma
casa modesta que William tinha comprado. Essa tarde, ele oficialmente se mudaria com ela e com o
Whit, embora muitas noites antes ele, sendo canalha como era, escapuliu para dentro e se colocou
em sua cama ou se sentou com ela frente a lareira para falar até as primeiras horas da manhã. Ela
entesourava cada momento que passava em sua companhia.
William tinha sido bastante atento durante os últimos meses enquanto ela travava de reconciliar-
se com o que tinha acontecido. A morte de Avendale com frequência a atormentava. Algumas vezes
despertava banhada em suor, certa de que ele se levantaria de entre os mortos para reclamar, mas
William sempre estava ali para consolá-la e assegurar que não era assim. Ele tinha morrido,
realmente morrido dessa vez, e nunca voltaria a machucá-la.
Ela chegou a aceitar que Catherine tenha procurado protegê-la a melhor forma possível. Winnie
sentiu alguma culpa por colocar a sua amiga em uma posição na qual esteve disposta a vender sua
alma para evitar que Winnie sofresse nas mãos de seu marido. Tudo o que podia recordar desses
longos anos era sentir-se inútil, sem saber a quem recorrer.
Mas de algum jeito, enquanto Avendale tinha estado longe, ela tinha mudado, se encarregando de
seu próprio destino. Embora não tivesse querido assassiná-lo, tinha querido enfrenta-lo e mostrar
que ele já não podia controlá-la com seus punhos. Sua volta tinha dado a oportunidade de redimir a
si mesma, de pô-lo em seu lugar, demonstrar que agora era uma mulher a quem devia apreciar.
Mas todos esses pensamentos eram para outro dia. Hoje, estava se casando.
— Está encantadora, — disse Catherine, parando a suas costas para pôr o véu em seu lugar.
— Sinto-me encantadora, de dentro para fora.
Um golpe soou na porta. Catherine abriu, e Winnie escutou ao Conde de Claybourne dizer, —
Está começando a nevar. Será melhor que partamos para a igreja.
Catherine girou para ela. — Está preparada, Winnie?
Deu um último olhar ao seu reflexo. Viu uma mulher um pouco mais alta, sem medos, segura,
sem se importar com o caminho que esperasse. Uma mulher que era amada. — Mais que pronta.

Já que a maioria da aristocracia ainda estava no campo, somente umas poucas pessoas assistiram à
cerimônia. Graves não se incomodou já que estavam os que importavam: Swindler e sua esposa,
Emma; Jack Dodger e Lady Olivia; Frannie e o Duque de Greystone. O Conde de Claybourne
estava a seu lado enquanto Catherine estava ao lado de Winnie.
Depois de que os pronunciaram marido e mulher, desfrutaram do café da manhã com seus
amigos, logo retornaram para sua residência onde observaram Whit pular na neve. Mas agora era
tarde, a casa silenciosa, e ela era dele.
De pé atrás dela ante a penteadeira, escovou seu cabelo, adorando a forma em que brilhava como
mogno. Pensou que nunca se cansaria disso, ou de ver seu reflexo no espelho. Não fazia mal que ela
não estivesse vestindo roupa nenhuma. E tampouco ele. Parecia inútil fazer o esforço de colocar
roupa quando seria retirada logo que fosse possível. Ele se deleitava olhando seu corpo, e estava
grato porque ela não parecia se importar em dar uma olhada ou duas no dele de vez em quando.
Depois da centésima escovada, deslizou a cascata de seu cabelo sobre o ombro, e inclinando-se
depositou um beijo em sua nuca. — Te amo.
Os olhos dela cintilaram, brilhantes. Girando sobre o banco, sorriu. — Também te amo.
Elegantemente, levantou-se, deslizando seu corpo contra o dele até que seus braços o rodearam
pelo pescoço e seus lábios brincaram com os dele. Deslizando suas mãos abaixo dos quadris,
levantou-a e ela envolveu suas pernas em sua cintura. Ele suspeitava que continuaria remando pelos
próximos cem anos para poder manter seus braços fortes o suficiente para carregá-la aonde quisesse
levá-la. Sustentando-a perto, caminhou até a cama e desabou nela, levando-a com ele.
Ela gritou e riu. Ele amava escutar sua risada, e ultimamente parecia rir mais frequentemente.
Estava livre da luta, das preocupações. Ela iluminava seus dias, aliviava suas cargas, trazia alegria a
suas noites. Como tinha podido imaginar-se passando a vida sem ela para compartilhar esses
momentos?
Ele tinha estado consumido por curar, sem se dar conta que uma parte dele também precisava
curar-se. Não precisava salvar o mundo para corrigir os pecados de sua juventude. Só precisava
salvar uma parte. Só tinha necessitado salvar a ela.
Mas no final, ela o tinha salvado.
Com o relatório de Swindler, ninguém teve suspeitas sobre o ladrão que tinha irrompido na
residência e depois havia falecido. Ninguém suspeitava que Winnie fizesse algo errado. De fato,
tinha sido proclamada como heroína por não ter se acovardado ante o intruso. Embora ela se
ruborizasse e minimizasse os louvores, ele não podia negar que ela se converteu em uma mulher que
sabia que era merecedora de muito mais do que seu marido tinha dado. Três anos e meio antes, seu
marido quase a tinha assassinado, mas havia se levantando de suas cinzas para converter-se em uma
mulher mais forte, segura, uma que entendia seu próprio valor. Ele não podia estar mais agradecido
porque ela não necessitasse que ele a resgatasse, embora isso não significava que não estaria sempre
perto cuidando dela.
Ele levou suas mãos e boca sobre seu conhecido corpo, desfrutando de cada polegada. Havia
consolo nessa familiaridade, saber que qualquer mudança aconteceria por causas naturais com o
passar dos anos. Ninguém voltaria a machucá-la. Ninguém voltaria a machucá-lo. Ele nunca a
abandonaria. Ela nunca o abandonaria.
Ambos se apoiavam. Ambos eram sobreviventes.
Ambos chegaram juntos em uma conflagração de desejo e ardente necessidade. Sempre seria
assim entre eles. Sempre a necessidade, sempre o desejo, sempre a paixão, sempre o amor.
Entregavam por igual, recebiam por igual, eram companheiros em todas as coisas.
Enquanto permaneciam abraçados, entorpecidos e satisfeitos, ambos sabiam que finalmente,
tinham encontrado no outro o consolo de um lar.
Epílogo

Do Diário de Sir William Graves.


Minha mãe fez mais por mim em sua morte do que alguma vez fez estando viva. Eu estava fascinado porque a
morte a levou tão rapidamente e sem sangue. Também abrigava a ideia de que se tivesse sabido o que fazer, poderia tê-
la salvo.
Então fiquei fascinado com o funcionamento do corpo humano. Queria entender tudo sobre ele. Mas, ainda mais,
queria me assegurar de que ninguém morreria desnecessariamente, e por isso me converti em médico. Essa vocação, com
o tempo, me levou a Winnie.
Tive muito prazer ao vê-la florescer através dos anos. Quando contei que Jack Dodger estava construindo um
hospital por uma dívida que tinha comigo, ela decidiu usar os fundos que ela havia reunido para um hospital para
construir, em vez disso, um santuário, um lugar para acolher mulheres que se encontrassem vivendo com medo, como
ela tinha estado uma vez. E ela trabalhou sem descanso para que as leis mudassem e assim as mulheres não fossem
tratadas como propriedades. Manteve-se firme em sua defesa dos direitos da mulher. Eu, criminoso em minha infância,
nunca esperei me casar com uma mulher que poderia ir algum dia para prisão por defender firmemente suas convicções
de que as mulheres deveriam ter os mesmos direitos que os homens.
Estava tão orgulhoso de ter tal revolucionária ao meu lado!
Benzeu-me com três filhos e duas filhas. Todos inteligentes, de vontade forte, e determinados a abrir caminho no
mundo, e ao fazê-lo, deram-nos grande alegria.
Whit finalmente se tornou conhecido pelo título de seu pai e, enquanto a maioria da aristocracia o chamava de
Avendale, para sua mãe, ele permaneceu Whit. Para seu eterno alívio, ele foi um homem muitíssimo melhor que
aquele que o tinha gerado.
Nem eu nem Winnie assistimos a outra sessão espírita, mas algumas vezes nas altas horas da noite falávamos
sobre essa noite, e as revelações da Sra. Ponsby. Em ocasiões, eu gosto de pensar que ela possuía um verdadeiro talento
para comunicar-se com os mortos, que realmente tinha contatado minha mãe, e que ela tinha me perdoado. Mas o
perdão é um presente dos amáveis, e minha mãe não tinha amabilidade em seu interior. Assim duvido da veracidade
de suas palavras. Não é que necessite do perdão de minha mãe, porque tenho Winnie e ela perdoa todos meus pecados.
Sabendo que a morte sempre revela seus segredos, às vezes penso que deveria queimar esse diário, mas meu segredo é
relativamente inofensivo. Disse a Catherine que me apanhou em uma posição comprometedora com Winnie porque
estava tentando seduzi-la para me manter perto e poder proteger melhor nossos segredos. Mas a verdade era que não
podia resistir a Winnie mais do que poderia ter deixado de respirar.
O que, claramente, fez a mim, o último de nosso grupo de canalhas, cair de joelhos por causa do amor de uma
mulher.
1
Graves = Sepultura

2
Bedlam = Hospício
3
Personagem de ‘Um Conto de Natal’ de Dickens. Sócio do Scrooge, visita-o 7 anos depois de sua morte.

Você também pode gostar