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Faminta Pelo Pecado

Direitos Autorais © 2023 Emma S. Grey

Todos os direitos reservados


É estritamente proibido a reprodução e/ou
armazenamento dessa obra, parcial ou completa através de
qualquer meio sem o consentimento por escrito da autora.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares


e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do
autor. Certos locais poderão existir, mas os eventos são
fictícios.

Diagramação: Manu Marinho


Revisão: Ana Laura Ritter Brito
Betagem: Izabelly Psendziuk, Debora Garibaldi
Capa: Bruna Silva
NOTA DA AUTORA
DEDICATÓRIA
PREFÁCIO
PRÓLOGO
ATO I
ATO II
ATO III
AGRADECIMENTOS
Um bando de estrangeiros que havia no meio deles
encheu-se de gula, e até os próprios israelitas tornaram a
queixar-se, e diziam: “Ah, se tivéssemos carne para comer!
Números 11:4
Esse é o terceiro de sete contos em torno da família e
negócios dos De La Cruz, que irão explorar os sete pecados
capitais baseados no catolicismo. Não precisam ser lidos em
ordem, pois são histórias independentes e não sequenciais,
entretanto, se passam no mesmo universo.
Os contos possibilitam que você conheça os De La Cruz
pelo ponto de vista de personagens marcantes, que cruzaram o
caminho da família e deixaram um pouco de si nas paredes da
Catedral.
O conto não tem pretensão de fazer você se apaixonar
pelos personagens. A intenção é que você perceba que existem
pessoas que não conseguem exercer controle sobre suas
próprias ações e se rendem à imoralidade com mais facilidade.
Algumas apenas nascem assim.
Esse em especifico não é uma história bonita.

Aviso: Este conto contém cenas de violência gráficas,


incesto, canibalismo, abuso sexual, abuso infantil e sexo
explícito
Para garotas que tiveram
seus corpos tomados de si,
pegue-os de volta.
Dante Alighieri apresentou os pecados em seus três infernos.
São Tomás de Aquino transformou o conceito em sete círculos, e
Mahatma Gandhi também deu sua versão. Em La Catedral você verá
o porquê homens caem de joelhos sobre seus pecados, venerando e
morrendo por cada um deles.
Luxúria, raiva, soberba, preguiça, inveja, gula e avareza
podem levar a alma humana a seu maior ato de perversão.
Quem ali entrava puro, jamais saía da mesma maneira.
Erguida acima de ruínas de uma antiga igreja, La Catedral, era onde
tudo de ruim, desumano e cruel poderia existir e sair das mãos da
família De La Cruz.

Mas essa história, ainda não é sobre eles.


A cozinha gigante que fica acoplada aos fundos da
Catedral, já havia realizado um pouco de tudo. Ainda que
nenhuma estrela Michelin tenha preparado o suficiente o
renomado chefe francês, Timothée Laurent, para o que seus
patrões haviam mandado ele criar.
Enquanto orientava seus subordinados sobre o tempero
da carne, já pronta para ser assada, percebeu que pessoas com
dinheiro e poder tinham algo em comum: a loucura de quebrar
regras pelo próprio prazer. Laurent sabia como comandar uma
cozinha, cumprindo a exigência da família De La Cruz há
tantos anos que sequer lembrava quando foi a última vez que
não serviu as melhores experiências a eles e seus convidados.
Admirando o que ele e sua equipe haviam feito,
acompanhou com o olhar os três irmãos se sentarem ao redor
da grande mesa de mogno do salão que ficava no último andar
da Catedral, que anos atrás era o local sagrado onde padres,
sacerdotes e bispos faziam suas refeições e discutiam sobre a
Bíblia.
O mais velho, sentou-se à cabeceira. O cabelo escuro
crescido, penteado para trás e com alguns fios brancos
começava a denunciar a idade de Alejandro De La Cruz, que
sorria para a mulher que se sentava à sua direita. Victoria De
La Cruz era o anjo caído que os homens poderiam sonhar, mas
jamais ousariam encostar. O cabelo preto e liso batia na
cintura e a expressão de divertimento pelo que iria acontecer
era vista em seus lábios, somente perdia para a animação que
seu irmão mais novo, sentado à sua frente, expressava.
Conhecido por flertar até com uma faca apontada para
sua garganta, Sebastian também tinha os cabelos grandes, os
fios loiros que caiam sobre seu rosto eram jogados para trás
com uma simples passada de mão.
— E que o jantar comece! — Sebastian ordena, rindo,
enquanto ergue sua taça para o alto. Victoria e Alejandro se
entreolham e esboçam um pequeno sorriso.
E assim, o jantar foi servido.
“Violinos tocando e anjos chorando
Quando as estrelas se alinharem eu estarei lá
Não, eu não me importo com todos eles
Porque tudo que eu quero é ser amada
E tudo que me importa é você”
Tattoo – Loren
O cheiro de álcool me trazia uma sensação familiar e ao
mesmo tempo degradante.
Lembrava-me de quando precisava limpar as feridas nas
costas da minha mãe usando um produto semelhante, e em seguida
derramar o álcool sobre o chão para limpar os excrementos que seu
corpo liberava. Lembrava-me do hálito forte que saía da boca de
papai quando ele entrava no quarto que um dia dividiu com a minha
mãe, e agora, comigo. Mamãe tinha Alzheimer. Ao completar 48
anos de idade, a sua doença se agravou com a descoberta do
diabetes.
Eu me tornei a mulher da casa e da sua cama.
Nasci quando ela tinha trinta e quatro anos, e meu pai, dez
anos mais novo, tinha apenas vinte e quatro e o desejo ter filhos. Ele
vinha de família rica, mas abandonou tudo para viver na miséria
com o amor da sua vida. No meio de infidelidades, socos e fome,
Camila me criou, mas nunca foi uma grande fã da maternidade, e
foram inúmeras as vezes em que disse que eu fui o meio para um
fim.
Fitei por alguns instantes a mulher de meia-idade que se
abaixava para pegar o pano acinzentado pela sujeira do piso do salão
principal e deixava um rastro com cheiro de álcool pairando sobre o
ar. A Catedral, construída com blocos de pedra e uma aparência
maquiavélica, se mantinha em pé com a sujeira que álcool algum
limparia e olhos curiosos só conseguiam ver quando a noite caía.
Ao entrar aqui, me tornei Jezabel. Um novo nome, um rosto
bonito e nenhuma história. O meu passado apenas batia na porta
quando papai me visitava, e infelizmente, com mais frequência do
que eu gostaria.
Andando pelo salão, me distraí ao som do bar sendo
organizado e da louça sendo lavada. Senti uma mão pequena e macia
passear pela minha cintura e, ao virar, vi o rosto que já tinha
gravado na memória apoiar-se em meu ombro.
Sorri, e me enchi de esperança como sempre acontecia quando
a tinha por perto. Há dois anos, desde que coloquei meus olhos em
Dalila que dançava lindamente sobre o palco, ela se tornou o meu
mundo. Era minha primeira noite aqui e foi como se tudo ao nosso
redor estivesse parado no tempo. Só existia a mulher de pele negra e
as luzes vermelhas que passeavam por seu corpo curvilíneo. Ela era
expressiva, alegre e sempre via o melhor lado das coisas, mesmo
vivendo nesse inferno, muito diferente de mim.
Como a maioria das outras garotas, nós havíamos sido
vendidas para a Catedral quando nossa maioridade legal chegou. A
vida que Dalila levava aqui era melhor do que a fome e a violência
de onde vinha.
— Um milhão de pesos por tus [ 1 ] pensamentos. — comentou,
colocando-se à minha frente. A pele negra era banhada pela luz do
ambiente, reluzindo, o cabelo crespo sempre bem arrumado e um
sorriso branco, que moldava seu rosto perfeito, chegava até os olhos
grandes e escuros, dando a impressão de que tocá-la era um pecado.
Eu a via com olhos enfeitiçados, e tinha certeza que não era a única,
quando ela passeava pelo salão.
— Você não teria esse dinheiro nem se sua vida dependesse
disso, cariño [ 2 ] .
Devolveu uma gargalhada gostosa de ouvir.
— Você não precisa ser estraga-prazer sempre, tá?
— O que faz aqui? — Olhei para trás esperando a nossa
carrasca pessoal reclamar que estávamos paradas no meio do salão
sem fazer nada, mesmo sabendo que havíamos feito mais do que
conseguíamos para manter uma falsa ordem naquele lugar.
— Hum… — colocou as mãos atrás das costas e arqueou as
sobrancelhas numa expressão brincalhona. — Ouvi boatos que la
jefa [ 3 ] foi resolver coisas para a família.
— Para Ximena não estar aqui, nos rondando duas horas
antes, alguma coisa importante aconteceu. — Cruzei os braços na
frente do corpo e derrubei a cabeça para o lado, encarando Dalila
que me devolvia o olhar travesso, preparada para aprontar algo. —
Mas não é só isso, certo?
— Algumas garotas estão ocupadas com os figurinos… —
disse enquanto se aproximava. Seus dedos passeavam pelo meu
pescoço de forma lenta. — E os seguranças estão mais preocupados
em conversar com as garotas, então…
Eu não precisava ser muito inteligente para entender que
aquilo era um convite, um que eu jamais recusaria. Acompanhei
Dalila para o quarto que sempre íamos para fugir daquela realidade,
e entrar em um tempo somente nosso. Não era permitido qualquer
tipo de relacionamento entre as pessoas que viviam aqui, uma regra
que sempre violamos.
Fechei a porta assim que entramos, Dalila retirou as roupas
que usava e se deitou na cama espaçosa e bagunçada que deveria
estar arrumada. O sorriso diabólico e faminto foi o bastante para eu
sentir minha boceta pulsar, retirar com urgência a minha roupa e
engatinhar para cima dela.
Minha boca se arrastou por seu corpo, tecendo beijos por seu
pescoço e descendo da barriga até chegar ao clitóris. Passei a língua
pelo ponto pulsante e ouvi um leve arfar de seus lábios. Minha boca
envolveu a carne da sua boceta e meti a língua lambendo e sugando
a excitação que escorria. Dalila segurou minha cabeça com a mão,
pressionando na direção do seu corpo em busca de mais atrito.
Deslizei dois dedos para dentro dela em movimentos lentos,
enquanto minha boca continuava sugando o clitóris e mordiscando
os grandes lábios.
Depois de sua risada, seu gemido era meu som favorito, ainda
mais quando implorava para gozar chamando meu nome. Enfiei mais
um dedo e senti sua boceta esmagando eles. Aumentei o ritmo, com
meus dedos pressionando o lugar certo, ela se desfez em prazer em
minutos.
Lambi a boceta lambuzada de excitação e subi minha boca em
direção a dela. Beijando-a para que sentisse seu próprio gosto. Sem
deixar de mover os dedos dentro dela, agora mais lentamente, Dalila
tinha a respiração entrecortada.
— Você aguenta? — Sussurro contra a sua boca molhada, a
sujando com sua própria excitação. — Você está molhada o
suficiente para aguentar a minha mão inteira dentro de você?
Dalila concordou em um breve aceno, incapaz de falar. Como
sempre, seu olhar era profundo e cheio de desejo. Desci a boca até
os seios empinados que imploravam por atenção, sugando-os com
vontade. Sentei sobre os calcanhares em cima da cama enquanto
observava seu corpo se ondular em prazer e brilhar pelo suor. Suas
mãos massageavam apressadamente os próprios peitos em busca de
alívio.
Encarei sua boceta sugando e se expandindo enquanto
enfiava meus dedos em um vaivém. Minha outra mão acariciava seu
clitóris oferecendo mais prazer, quanto mais ela relaxar, mais fácil
para receber minha mão inteira. Deslizei o quarto dedo, ela grunhiu
na cama e apertou mais seus peitos, a boca entreaberta.
— Olhe pra mim! — ordenei.
Dalila me encarou e era o bastante pra eu cair na perdição dos
seus olhos. Como a porra de uma sereia, ela conseguia me arrastar
para o fundo dela sem que eu pensasse duas vezes. Enfiei o polegar
lentamente, sentindo sua boceta esmagar mais a minha mão enquanto
eu lutava para que ela recebesse tudo dentro dela. O olhar que ela
me dava era de pura luxúria, e eu sabia que entre nós, me era tudo
permitido. Esfregando seu clitóris mais rápido, senti minha mão se
encaixando.
— Dói? — Indago, a voz soa baixa e rouca.
— Eu aguento. — respondeu, a voz por um fio.
— Boa garota.
Minha mão se movia com dificuldade para dentro e fora da
sua boceta, e foi o necessário para seu corpo responder em um
prazer inebriante. Seus gemidos tornaram-se mais intensos e
acompanhei ela se desfazer em um grito agudo.
Sorri, satisfeita.
Retirei a mão de dentro dela, que abriu os olhos me assistindo
lamber cada um dos dedos para sentir seu gosto. Seu sorriso reluziu
algo dentro de mim, e foi naquele momento que entendi que o que
eu sentia por Dalila era quase criminoso de tão intenso e esmagador.
— Minha vez. — comentou e ergue-se, me jogando na cama.
Eu sabia que ela estava dolorida por dentro, com o corpo exausto de
gozar, mas isso não foi um impeditivo. Sua boca desceu por meu
corpo e ela lambeu minha boceta melada.
Sua língua me explorava em um ritmo frenético. A boca saiu,
dando espaço para que eu sentisse dois dedos entrando e se movendo
lentamente, enquanto a outra mão deslizava o dedo à procura de
espaço para entrar no meu cu.
Relaxei sobre seu toque, sentindo seus dedos explorarem meus
pontos de prazer e sua boca sugar a parte interna da minha coxa até
voltar ao meu clítoris dolorido. Não demorou muito para suas
investidas se tornassem violentas e rápidas, deixando minhas partes
levemente doloridas, me fazendo tremer e se desfazer em cada
toque.
Dalila retirou os dedos e beijou minha barriga. Continuei com
os olhos fechados, acalmando minha respiração, senti sua
movimentação para fora da cama em direção ao banheiro para lavar
as mãos. Ela voltou, deitou-se ao meu lado com a cabeça em cima do
meu ombro. Seus dedos gelados subiam e desciam, brincando por
minha barriga.
Neste momento, expondo-se ao risco de sermos pegas e
morrermos, descansei com Dalila junto ao meu corpo. Suadas,
satisfeitas e tentando respirar com mais calma para organizar os
próprios pensamentos e sentimentos. Encarei as paredes rústicas
daquele lugar, achando irônico como o inferno podia ter me
guardado seu anjo mais bonito.

As canções de ninar sempre tinham um gosto amargo na minha


boca, eram lembranças que eu lutava para esquecer. Papai as cantava
sempre que acariciava meu cabelo, com o intuito de me fazer dormir
depois de seus toques sujos. Era o único amor paterno que eu
conhecia, era o seu jeito de dizer que me amava e que cuidava de
mim. Mamãe não conseguia mais ajudá-lo da forma que ele
precisava, então eu estava presente para ele.
Eu sabia o quanto era errado. As meninas da escola nunca
contavam essas histórias quando falavam sobre seus pais, e eu
jamais ousaria ser a primeira.
Meu coração acelerou, as batidas frenéticas e pulsantes
chegavam em meus ouvidos, quando a porta do quarto da Catedral
em que eu o aguardava abriu e fechou, denunciando sua chegada.
Não me movi, continuei sentada na beirada da cama, os olhos fixos
analisavam os pelos finos e loiros da minha coxa. À noite, quando
rezava, perguntava para Deus por qual razão a forma de amor dele
doía tanto a ponto de me rasgar por dentro. E eu não sabia se a
pergunta era direcionada a Deus ou ao papai.
No momento em que ele tocou no meu ombro, me deitou sobre
a cama e, mais uma vez, invadiu meu corpo com investidas
violentas, eu desassociei daquilo que vivia e enxerguei os olhos
brilhantes e profundos de Dalila, lembrei-me de seu sorriso que me
fazia suspirar e da sua risada que era o meu som favorito toda vez
que ouvia. Meu bicho-papão nunca se escondeu no armário ou
embaixo da cama, ele vinha durante o dia e eu não podia pedir
socorro quando meu salvador e meu algoz eram a mesma pessoa.

Abri lentamente os olhos para verificar se papai dormia ao
meu lado, ele sempre o fazia. Encarei o homem que estava deitado
inspirando profundamente e de forma pacífica, ele tinha lábios
finos, uma barba alinhada com fios brancos que imitavam o mesmo
tom do cabelo curto, preto e desgrenhado. Ele era bonito por fora,
mas por dentro, era como um corpo em decomposição: pútrido e
nojento. Assustei-me com o toque baixo do celular e esperei o som
cessar. Papai não se mexeu, continuou dormindo.
Percebi que estava prendendo a respiração, e aos poucos,
liberei o ar lentamente enquanto acompanhava os movimentos que o
corpo de Mathias fazia. O toque voltou a preencher o ambiente e
levantei com cuidado procurando o celular. Vasculhei as roupas no
pé da cama e a tela brilhou, revelando um contato salvo como
“Amor” e a imagem de uma mulher que era desconhecida para mim.
Eu não podia acreditar, eu não queria acreditar.
Peguei o celular com as mãos trêmulas, a boca do estômago
dando um nó e a queimação se expandindo. Ele vem aqui, e tem
alguém. O homem deitado nessa cama segue me abusando e voltando
para sua nova família.
Deslizei a tela para atender e senti meu coração parar por um
segundo.
— Papai? — A voz infantil soou do outro lado, animada e
esperançosa pela resposta. O celular caiu no chão em um baque alto
e eu deslizei lentamente para o mesmo lugar, absorvendo o choque
de saber que ele poderia estar fazendo o mesmo com outra criança,
roubando seus sonhos e sua vida cada vez que entrava em seu
quarto. A realidade, lentamente, se mostrava para mim. Fora destas
paredes ele possui outra vida, outra filha e uma mulher ao seu lado
que não sabe do que ele é capaz.
— O que você está fazendo aí? — O barulho do celular caindo
finalmente o despertou. Ele reconhece o ambiente e entende o que
acabou de acontecer, pulando da cama em direção ao celular, ele
nota a chamada ainda ligada. Seu rosto se transforma em puro ódio.
Não vi o momento em que o seu pé acertou minha costela, mas senti
a dor aguda quando meu corpo foi jogado para o lado com o
impacto. — Que merda você fez, sua cadela?
— Você tem outra vida… tem outra filha, e deve fazer o
mesmo com ela. — murmuro, me arrastando para longe dos seus pés,
mas não o suficiente para ele não conseguir me pegar. Mathias se
posiciona sobre mim, os joelhos encaixados em cada lado do meu
corpo. Suas mãos agarraram meu pescoço, apertando-o.
— Eu jamais tocaria na minha filha, sua putinha. — grunhiu.
O ódio era visível no tom da sua voz e no olhar carregado que me
encarava como se eu fosse uma destruidora de lares, visto que ele
havia arrancado tudo de mim. Arranhei seus braços tentando
afrouxar o aperto do meu pescoço. Uma de suas mãos se fechou e
veio em direção ao meu rosto, acertando meu nariz e boca em um
murro violento. Minha cabeça latejava pela dor, do meu nariz
escorria o sangue que deixava um gosto amargo na boca.
Desejei morrer naquele momento.
— M-me solta, po-por favor… — implorei com a voz
embargada do choro.
— Você foi uma putinha obediente quando a sua mãe faltou na
cama e vai continuar sendo até quando eu quiser. Dar um fim
naquela vagabunda doente foi a melhor coisa que fiz.
Um. Dois. Três.
Senti sua mão se afastar do meu pescoço. E mais uma vez, eu
rezei questionando os motivos de passar por tudo isso. Implorei pela
morte e implorava para que quem me quisesse, viesse e tomasse o
que restou da minha alma. Qual pecado eu havia cometido para ser
castigada desde pequena?
— Me mate, papai. — sussurrei o meu desejo. Eu estava inerte
naquele chão, eu não sentia mais nada além de dor por cada
centímetro do meu corpo.
Mathias se colocou novamente em cima de mim, sua voz
agressiva e olhos transtornados foram a última coisa que vi quando
ele voltou a segurar minha cabeça com as duas mão e enfiar no
chão: — Eu não sou seu pai, cadela.

A primeira coisa que senti quando recobrei a consciência: dor.


As memórias vieram como uma avalanche, doeu mais do que
qualquer murro que Mathias acertou em meu corpo.
Eu não era filha dele, ele sempre me tratou assim pois sabia
que eu não era sua filha.
— Acorda, cariño. — Ouvi a voz familiar que eu tanto
gostava. Era um sussurro sofrido. — Por favor, acorde.
Grunhi abrindo os olhos e reconhecendo o ambiente vazio e
mal iluminado. Estava deitada na minha cama, no quarto apertado
que todas nós ficávamos, não sabia como havia chegado, tinha quase
certeza de que a mulher frente a frente comigo foi bem convincente
para fazer algum homem me carregar até aqui.
— Quanto tempo estou assim? — indaguei, tentando sentir
algo além da dor.
— Umas dez horas. — respondeu. Dalila suspirou
pesadamente e me encarou. Não havia aquele brilho nos seus olhos.
— O que aconteceu naquele quarto?
Fechei os olhos para evitar desabar em choro na sua frente.
— Ximena não está nada contente com o que aconteceu. —
espiei seu rosto. Dalila encarava os próprios dedos, como uma
garota mimada encara as unhas. — Por você não estar fazendo
dinheiro e não por estar toda quebrada.
Deixei escapar um riso baixo mas me arrependi com o latejar
em minha cabeça. A sua tentativa de melhorar o ar do ambiente
sempre fazia eu me render.
— Você é uma vagabunda. — sussurrei gemendo com a dor.
— Você sempre foi boa com elogios, não é?
Dalila me entregou um copo com água e algumas pílulas
brancas que tomei sem pensar muito sobre o que poderia ser.
— Acho que você pode descansar por mais um tempo.
Assenti e me encaixei na pequena cama que era a coisa mais
confortável que meu corpo poderia sentir. Ela apoiou a cabeça no
meu peito e segurou minha mão, senti o cheiro do seu cabelo e seu
toque mandou embora toda a incerteza que eu tinha.
— Eu irei matá-lo. — confidenciei, sem impedir que as
lágrimas caíssem e o salgado delas fizessem os machucados do meu
rosto arder. — Juro por qualquer merda, que eu vou fazer aquele
homem sentir o inferno que ele me causou.
Dalila ergueu o rosto, sua boca a centímetros da minha. Ela
respirou fundo.
— Nós iremos.
O seu olhar mudou para algo que nunca havia visto em seu
belo rosto, o sorriso perverso tomava conta de seus lábios. Senti o
ódio se alastrando pelo meu corpo como uma raiz invadindo o chão
para manter-se de pé.
“Você não pode tirar isso de mim
Não vê que não vou aceitar isso deitada?
E eu posso te ouvir quando fala seu veneno
Palavras ruins não podem me machucar agora, eu não
vou aceitar isso deitada”
Lying Down – Celine Dion
Quatro semanas se passaram. O inchaço do meu rosto
havia sumido, as manchas roxas ainda estavam presentes no
meu corpo, agora amarelo-esverdeadas. Toda vez que eu me
encarava no espelho pronta para me vestir e rebolar em cima
do palco, eu odiava Mathias com todas as minhas forças. Sua
voz sempre voltava como um sermão, as lembranças de que fui
obrigada a ficar embaixo dele desde a minha infância me
causavam arrepios.
Ximena disse que ele não voltaria mais, e somente
entraria aqui se pagasse o dobro. Em suas palavras, os De La
Cruz não gostavam de ter seus brinquedos quebrados pela
metade do preço. Eu sabia que ele voltaria, a sua obsessão
existia desde que eu era uma garotinha. Mathias sempre
voltava, mesmo depois de me machucar e dessa vez não seria
diferente.
Acompanhei o olhar de Dalila passeando sobre o salão
principal. Era uma noite agitada para homens e mulheres que
gostavam de perversidade na cidade de Medellín. Recostada no
bar, esperei, sem ânimo, por minha vez para dançar ou para
algum cliente me convidar para um dos quartos. As luzes
passeavam pelo ambiente, homens em ternos caros tinham
garotas com metade da idade rebolando em seus colos. A luz
vermelha refletindo os pontos principais do lugar brincava
iluminando as garotas que rebolavam nos pole dances.
Meus olhos encontraram os dele e eu estremeci, Mathias
estava ali parado no meio do salão me procurando. Segurei o
braço de Dalila e ela me olhou preocupada.
— Ele está aqui. — sussurrei. Seu rosto se direcionou
para o meio do salão, procurando por ele.
— Fique tranquila, vai dar tudo certo.
Senti ele chegar perto de mim antes mesmo de olhá-lo
novamente. A roupa estava bem alinhada no corpo, com
certeza era cara. O cabelo cortado, a barba com acabamento
bem feito e um olhar sombrio. Ele passeou os olhos pelo meu
corpo e pelo de Dalila, e eu entendi o que aconteceria logo em
seguida.
Ximena chegou atrás dele com o melhor sorriso que
poderia dar, usando o batom vermelho com um vestido da
mesma cor que apertava o seu corpo, deixou o cabelo preto
ondulado cair sobre os seios expostos em um decote generoso.
Se o inferno fosse feito de cobras, Ximena seria a rainha delas.
Não havia um pingo de humanidade dentro daquele corpo
quando o assunto era ser leal aos De La Cruz.
— Garotas, o senhor Vargas pagou uma bela quantia para
ter a diversão das duas essa noite. — sorriu de forma macabra.
Aquela vagabunda sabia que ele era o homem que quase me
matou, contudo, era inegável que o dinheiro compraria até
mesmo a minha liberdade dentro desse lugar. — Garantam uma
noite inesquecível para ele no quarto seis.
Ximena piscou, acariciou as costas do homem e saiu
rebolando entre as pessoas dispersas no salão. Dalila segurou
minha mão e ficou ao meu lado, exibindo o falso sorriso gentil
e animado.
— Daremos a melhor noite ao senhor.
Mathias não respondeu, apenas esperou que andássemos
até o quarto reservado e nos seguiu de prontidão pelo corredor.
Os quadros com pinturas assustadoras expostos nas paredes de
tijolos desgastados me perturbavam sempre que passava por
aquele caminho, era quase um presságio de que aquilo não
terminaria bem. Mathias não era burro, sabia que me recolher
atrás de Dalila significava alguma coisa. E como meu demônio
pessoal, ele fazia o papel com precisão de ferir tudo que eu
tocava.
Passei os olhos por todo o quarto, analisando cada item
disposto naquele lugar. Seguindo o padrão dos outros quartos
aqui da Catedral, o lugar tinha uma cama grande no centro,
com lençóis brancos. A cabeceira era de madeira, onde já fui
amarrada muitas vezes por clientes com esse tipo de fetiche.
Ao lado da cama, mesas de cabeceira que possuíam gavetas
com itens sexuais dentro.
O tapete vermelho redondo ajudava o ambiente a ficar
menos cru, junto dos quadros que seguiam o mesmo estilo de
pintura das obras do corredor. No canto inferior, havia uma
porta que direcionava ao banheiro, a decoração não fugia do
estilo rústico, antigo e quase abandonado que a Catedral
oferecia.
A parede da porta de entrada tinha uma poltrona de cada
lado, e foi em uma delas que Mathias se sentou tirando as
roupas e ficando nu com o pau grosso e ereto batendo na
barriga. Só o medo que ele nos causava já o excitava.
— Quero ver as duas se pegando.
Nos entreolhamos, e, com as mãos tremendo, toquei o
corpo de Dalila. Suas mãos estavam na minha cintura e de
maneira tímida beijei seus lábios. Sua boca não deu tanta
aprovação para que eu enfiasse a língua. O meu desconforto
era refletido no dela.
Senti Mathias me arrancando de perto de Dalila e
jogando-me no chão. Rapidamente levou uma de suas mãos,
grande e forte, para o pescoço dela, a empurrando na cama e
invadindo o espaço dentro da calcinha que ela usava.
— Já que você não sabe comer uma boceta, irei mostrar
como que faz. — grunhiu contra o rosto de Dalila, que se virou
para me encarar. Ela estava enojada, e com ódio. A tentativa
de afastar ele do seu corpo não foi bem sucedida.
Não permitiria que aquele homem machucasse a única
mulher que amo. Reuni forças – que eu não tinha, engoli o
medo que travava o meu corpo quando eu ficava ao seu lado e
me arrastei até o pé da mesa de cabeceira, puxei a gaveta com
cuidado aproveitando que Mathias se entretinha atacando
Dalila.
Ele não reagiu, não sabia de onde vinha a dor, quando
acertei sua cabeça com toda a força que eu tinha. Mathias caiu
ao lado do corpo de Dalila em cima da cama, desesperada ela
se levantou e saiu para longe dele.
Nos entreolhamos mais uma vez, aflitas.
— Tire a lingerie, vamos amarrar os braços e pernas dele
com elas. — disse para Dalila, que agarrou as pernas do
homem desmaiado em cima da cama e, com dificuldade, o
posicionamos no meio dela.
Rapidamente tirou sua calcinha e sutiã e prendeu as
pernas dele em um aperto forte, certificando-se de que estava
preso o suficiente para que ele não soltasse. Repeti o mesmo
com a minha lingerie e amarrei seus braços na estrutura da
cama.
Nuas, encaramos o homem desacordado à nossa frente
esperando ele recobrar a consciência. Abracei Dalila e meu
coração pesou dentro do peito, percebendo que ela tremia
como eu.
Olhei para as roupas do homem jogadas no chão,
pegando o cinto dele, amarrei em volta do seu pescoço.
— Você segura aqui, assim que ele acordar.
Fiquei em cima dele, enquanto Dalila segurava o cinto
de pé ao lado da cabeça de Mathias. Não demorou muito para
ele abrir os olhos e gemer de dor. Seus olhos ficaram
assustados ao constatar o que acontecia, mas logo relaxaram.
— Então vocês curtem essas coisas com cordas? Você
nunca me disse isso, criança.
Soquei seu rosto e mais uma vez ele gemeu de dor.
Minha mão ficou dolorida com o impacto, mas a adrenalina
que atravessava minhas veias me impedia de sentir qualquer
coisa que não raiva.
— Por que você fez isso comigo?
Mathias revirou os olhos. — Já falei que aquela cadela
da sua mãe me deu você.
Arregalei os olhos sem acreditar.
— Não minta, Mathias.
— Ora, o que houve com a voz gostosa me chamando de
papai?
Dalila puxou o cinto e ele tossiu se debatendo em
desespero. — Responda, porra.
— Eu tô respondendo. — gritou. Graças aos De La Cruz,
ninguém ouvia choro de puta sendo estuprada nos quartos.
Muito menos desse homem implorando por ajuda.
Dalila parou de apertar e ele respirou aliviado.
— Por que, Mathias?
— Eu descobri que sua mãe me traía, aquela cadela
chegou grávida de você depois de ficar meses na rua, enquanto
eu chorava por ela em casa. Ela me daria a criança se eu
continuasse sustentando seu vício. — confessou com a voz
num sussurro. — Minha família ainda me dava dinheiro e eu
dava a ela. Quando ela adoeceu, ela me deu você. Ela disse que
eu poderia fazer o que quisesse com você.
— E você…
— Fodi você? É… eu comi você em todos os buracos que
você tem e eu vou continuar enfiando meu pau em você. —
gritou. — Agora me desamarrem, suas cadelas loucas.
Quando criança, toda vez que a porta se fechava quando
ele saia do meu quarto, eu levantava e corria até o banheiro.
Perdi a conta de quantas vezes precisei limpar o sangue que
escorria da minha boceta e do meu cu, perdi a conta das vezes
que esfreguei água quente no meu corpo a ponto de deixar a
pele vermelha em brasa.
Um dia ouvi de uma mãe que buscava sua filha na
escola, em mais um momento onde eu fora esquecida pelos
meus pais, que Deus dava suas batalhas mais difíceis para seus
melhores soldados. Quando sentia a dor atravessando meu
corpo eu lembrava dessas palavras, quando cheguei aqui e me
deitei com um homem estranho que continuou a me quebrar por
dentro, eu lembrei daquelas palavras. O Deus que dava as
batalhas, também me assistia perder todas elas, e agora ele me
assistiria caindo em pecado.
Sentindo o ódio por todo o meu corpo, desci a boca pelo
seu abdome e usei a única arma possível. Mordi sua barriga até
sangrar, ouvindo seus gemidos, mordi seu peito com tanta
força que a carne se partiu e foi possível sentir o gosto
metálico de sangue. Cuspi o pedaço da carne no chão, e
continuei arrancando cada pedaço dele. Seus gritos
desesperados eram a melhor melodia que eu poderia escutar.
Estava cega de ódio, nada me faria parar o que eu já
havia começado. Peguei seu pau mole e ouvi, mais uma vez,
ele implorar para que eu parasse. Sorri examinando seu rosto,
essa foi a minha primeira vez que sorri de verdade para ele.
— Você nunca se importou com meus pedidos para parar,
papai. — lambi seu pau. — Por que eu me importaria com os
seus?
Seus olhos encaravam os meus, aterrorizados e
incrédulos. Enfiei seu pau na minha boca e mordi com
violência. Mathias urrou de dor e se debateu mais uma vez,
começou a tossir e eu entendi que Dalila estava apertando o
cinto em volta do seu pescoço. Com brutalidade, arranquei o
pedaço da cabeça do seu pau e mastiguei o encarando. O
sangue escorreu pela minha boca descendo pelo meu rosto, o
mesmo sangue que escorria pelo seu corpo e manchava os
lençóis brancos.
Engoli o que tinha na boca e voltei pra cima dele,
minhas mãos foram em direção a sua cabeça e gritando, meti
os polegares nos seus olhos, sentindo eles explodirem e se
derramarem nas minhas mãos.
— Encontro você no inferno, papai. — sussurrei.
Olhei para Dalila que me encarava com olhos
transtornados, levei minha mão no pescoço dele apertando e
acenei para Dalila fazer o mesmo. Em minutos, senti a vida
sair de seu corpo quando ele parou de se debater.
Nos afastamos ao constatar sua morte.
Levantei desatando o nós dos pés e Dalila fez o mesmo
com o que amarrava suas mãos. Empurramos o corpo para fora
da cama que caiu em um baque surdo. Conseguia ouvir as
batidas do meu coração no pé do ouvido, minhas mãos tremiam
e eu havia me esquecido como se respirava. O único som do
ambiente era das lufadas ansiosas que tentávamos controlar.
Olhei para o meu corpo que estava coberto de sangue e encarei
o que havia feito.
Dalila sentou-se à minha frente. A pele cintilava uma
mistura de suor e sangue. O sorriso macabro no rosto analisava
cada centímetro do meu corpo, e como se eu esperasse por
aquilo, ela veio ao meu encontro, seus lábios acertaram os
meus em um beijo agressivo com gosto de sangue. Sua mão
subiu em direção ao meu cabelo, puxando os fios e trazendo
meu rosto para mais perto de si, enquanto sua língua explorava
cada centímetro da minha boca.
Empurrei-a na cama, a deitando de costas. Encaixei
minhas pernas no meio das pernas dela, uma ficando embaixo e
a outra por cima do seu corpo, buscando fricção entre nossas
bocetas que já estavam meladas de excitação. Continuei os
movimentos com violência em busca do meu próprio orgasmo
enquanto ela fazia o mesmo embaixo de mim.
Eu precisava do corpo dela no meu, precisava sentir seu
toque e sua boceta mais do que precisava de ar para respirar.
Quando Dalila gritou se perdendo em orgasmo, eu a
acompanhei sentindo uma enorme onda de prazer.
Era cru e animalesco.
Estávamos rendidas na perversidade e loucura daquele
ato.
Caí na cama ao lado dela, limpei o sangue do seu rosto
angelical e a beijei suavemente. Meu algoz estava caído e
morto ao meu lado, e eu sabia que alguma divindade maior iria
me cobrar por isso.
“Em caso de morte, é isso que eu quero
Isso é o que eu quero
Então não fique triste quando eu me for
Há uma coisa que eu espero que você saiba
Eu te amei tanto”
The loneliest - Maneskin
Aos sete anos eu conheci a fome. Recordava claramente
das minhas mãos pequenas abrindo os armários da casa pela
terceira vez em busca de algo para comer. Mamãe e papai não
voltavam para casa há quatro dias. Quando Camila voltou, não
sei se eu poderia chamar aquilo de mãe.
Ela não me reconhecia, e muito menos eu a ela. Os olhos
transtornados e a agitação, buscando por algo que eu não tinha,
me assombravam. Quando ela finalmente caiu em cima da
própria poça de vômito, me tranquei no quarto esperando pelo
papai.
A água me mantinha viva na medida do possível. Não
sabia desde quando estava trancada nos calabouços da
Catedral. Era curioso como um local sagrado ficava cada vez
mais macabro quando se conhecia mais de dentro dele. Me
traziam água e voltavam depois de um longo tempo. Não me
alimentavam, a fome doía, me fazendo desejar a morte.
Sentia-me inútil igual à minha mãe no final da sua vida.
Convivendo com o que meu corpo tinha expelido ao meu redor,
não tinha forças nem para me levantar de onde estava jogada.
Eu sabia que Dalila estava em algum lugar aqui embaixo, mas
não sabia se a sua situação era igual ou pior do que a minha.
Eu estava desesperada por não saber o que iria acontecer.
Senti meu corpo sendo arrastado para fora daquele lugar,
a água gelada atingiu minha pele exposta e fez meus ossos
doerem. O sabão era esfregado de forma violenta para limpar a
sujeira. Desassociei do que estava acontecendo, eu sempre
fazia isso quando as coisas se tornavam difíceis para meu
cérebro aguentar. Em algum momento, a luz amarela doeu em
meus olhos depois de tanto tempo deixada encarando a
escuridão.
O homem forte que me carregava, me colocou em pé e
me arrastou para sentar na cadeira que ficava na cabeceira da
enorme mesa. Encarei minhas mãos trêmulas jogadas no meu
colo, a roupa branca e desgastada que me puseram mal cobria
meu corpo cheio de hematomas da surra que levei quando
descobriram o que eu fiz.
Meu olhar se ergueu e enxerguei três pessoas sentadas na
mesa junto a mim. Ainda estávamos na Catedral, e eu sabia
disso por causa da mesma decoração que se repetia neste salão.
As paredes eram desgastadas e escuras, a mesa rústica com
uma madeira forte e antiga. Senti o ardor do fogo no lado
esquerdo do meu rosto, e olhei para a lareira que crepitava
engolindo as madeiras e me perdi por alguns segundos fitando
as chamas.
— Creio que nossa convidada está morrendo de fome. —
A voz masculina grave me fez virar o rosto rapidamente.
Estreitei os olhos para enxergar melhor os rostos, era a
família De La Cruz sentada ao meu redor. Eu os reconheço
desde que os vi reunidos no salão principal como se nada os
abalasse, e no fim, era verdade, nada abalava aqueles três. A
voz vinha do homem sentado na cabeceira, à minha frente. O
cheiro de comida invadiu meus sentidos em um baque e me dei
conta da mesa posta abaixo do meu nariz. Havia uma variedade
de frutas, carnes, saladas e doces, tudo perfeitamente
organizado sobre a mesa, implorando por ser devorado.
Era um banquete.
Minha barriga roncou alto. Olhei para eles,
constrangida.
— Vamos lá, Dahmer [ 4 ] . — o homem loiro incentivou
apontando para o banquete. A língua passando pelas presas que
possuía em seu belo sorriso. — Alimente sua fome.
Não era preciso um segundo incentivo, eu estava
passando fome há dias e comeria tudo que visse pela frente, e
foi o que fiz. Não sabia quando seria a próxima refeição, e, da
maneira mais desesperada possível, enfiei cada alimento na
boca mal tendo tempo de mastigar para engolir.
O gosto da carne assada foi o melhor que já senti na
minha vida. A carne mal passada tinha o sabor defumado dos
temperos e um leve gosto de sangue do animal morto. Ergui os
olhos e vi os três me encarando atentamente de maneira
curiosa, enxerguei diversão em seus olhares.
É claro que a família De La Cruz estava se divertindo
com a desgraça alheia, o mundo deles foi construído em cima
disso.
— Acho que você precisa se alimentar com todas as
partes que esse animal oferece. — a mulher sorridente
comentou. O contraste dos dentes brancos e dos lábios
vermelhos me hipnotizava. Do escuro surge uma enorme
bandeja prateada fechada, o cozinheiro colocou-a na minha
frente, enquanto outra pessoa ia limpando o resto da comida
para fora da mesa.
Victoria De La Cruz levantou-se, tirou a tampa reluzente
que permitia que eu visse meu reflexo destruído. O que se
revelou ali embaixo quebrou meu coração mais do que
qualquer coisa.
O sorriso não existia. Os olhos que eu tanto amava
admirar estavam vazios. A cabeça morta de Dalila me encarava
de forma macabra. Meus ouvidos doíam pelo grito agudo e
ensurdecedor que saía do fundo da minha garganta.
Quando me dei conta do que haviam servido naquele
jantar, já era tarde demais. Faminta, eu havia comido a carne
da única mulher que já amei.
Esse pecado capital é capaz de transformar uma pessoa
em escrava de seus desejos e impulsos, perdendo a capacidade
de tomar decisões conscientes e responsáveis. Em busca de
satisfação imediata, negligenciando a dimensão moral de suas
ações e das consequências para si e para os outros. Render-se
ao pecado da gula é condenado, principalmente, por revelar
falta de controle sobre os desejos e apetites, colocando o
prazer e a satisfação pessoal acima dos princípios morais e
espirituais.
Esse pecado é visto como um desejo insaciável, uma
busca desenfreada por prazeres materiais que pode gerar a
negligência de outras responsabilidades e o desrespeito ao
corpo, que é considerado um templo sagrado.
Escrever cada conto e sempre um misto de emoções de como
eu curto escrever esse tipo de coisa trágica! Mas não fique triste, em
breve, teremos nossos finais felizes <3 E eu estou louca para ver
seus surtos na minha dm (@queridacretina) ou nas avaliações da
amazon ou skoob! Obrigada por embarcarem na jornada de conhecer
esses personagens com muitos erros e uma lista extensa de crimes rs
Obrigada Ana, minha revisora, seu trabalho é sempre incrível
e impecável nas palavras que saem da minha cabecinha perturbada!
Obrigada as minhas betas, cada surto de voces me faz entender que
estou no caminho certo!
Obrigada Rafael, por me ouvir por horas contar as ideias mais
crimonosas que alguem poderia pensar e ainda me amar como se eu
fosse uma garotinha indefesa.
Até a próxima,
Emma
[1]
Do espanhol: teus
[2]
Do espanhol: querido(a).
Forma de tratar carinhosamente uma pessoa que gostamos.
[3]
Do espanhol: a chefe.
[4]
Jeffrey Lionel Dahmer foi um assassino em série americano. Dahmer assassinou 17
homens e garotos, entre 1978 e 1991, sendo a maioria dos assassinatos ocorridos entre os anos de
1989 e 1991. Seus crimes eram particularmente hediondos, e alguns envolvia canibalismo.

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