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Cuidados Paliativos: benefícios, barreiras e 

desafios
13 DE OUTUBRO DE 2021 / NAZARÉ JACOBUCCI
“Cuidar é dar lugar dentro de mim ao sofrimento do outro” (Donald
Woods Winnicott)
No segundo sábado de outubro de cada ano comemora-se o Dia
Mundial de Cuidados Paliativos que, neste ano, foi comemorado no dia
09 de outubro. A data é marcada por ações unificadas para comemorar
e apoiar os Cuidados Paliativos em todo o mundo. De acordo com
a Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA), o tema
escolhido para o Dia Mundial de Cuidados Paliativos deste ano foi
“Não deixe ninguém para trás – Equidade no acesso aos Cuidados
Paliativos”, com o objetivo de fazer um apelo para o acesso equitativo
de toda e qualquer pessoa a esta modalidade de cuidado que traz
qualidade de vida, conforto e dignidade. Os cuidados paliativos são
oferecidos em diversos serviços hospitalares ao redor do mundo e tem
como objetivo central amenizar a dor e o sofrimento – sejam eles de
origem física, psicológica, social ou espiritual – do indivíduo com uma
doença sem possibilidade terapêutica de cura e/ou doença crônica. No
entanto, infelizmente ainda temos algumas ideias erroneamente
propagadas sobre esta forma de cuidar.
Gostaria de antemão reafirmar que os cuidados paliativos não são de
forma alguma uma “espécie” de eutanásia, como declarou o senador e
médico Otto Alencar em seu discurso no Senado Federal do Brasil em
22.09.21. Essa fala do senador Otto denota um total desconhecimento
sobre a especialidade multiprofissional denominada cuidados
paliativos e, consequentemente sobre a prática de milhares de
profissionais paliativistas ao redor do mundo. Nesse sentido, quero
com este post ampliar o conhecimento dos meus leitores sobre aos
cuidados paliativos, que são tão necessários em todas as frentes da
sociedade.
De acordo com a definição da OMS (Organização Mundial de Saúde) de
2002, o cuidado paliativo é a assistência prestada a pacientes que
possuem uma doença ameaçadora da vida e sem possibilidades
terapêutica de cura e/ou doença crônica, por meio de prevenção e
alívio do sofrimento, através de avaliação precoce e tratamento
impecável da dor e dos aspectos psíquicos, sociais e espirituais. Um dos
pilares dos cuidados paliativos é respeitar a vida e entender a morte
como um fenômeno natural em processo de doença grave; não
antecipar a morte (o que seria eutanásia) e nem prolongar a vida de
forma indefinida (o que seria distanásia). Considera a vontade e os
valores do paciente e sua família por meio de uma comunicação clara e
constante. Procura não expor o paciente a procedimentos e
intervenções que não tenham um objetivo claro de diminuir sintomas e
aliviar sofrimento. Deve ser prestado por uma equipe multidisciplinar,
que irá trabalhar para promover o conforto e a melhoria na qualidade
de vida de quem está enfermo e de sua família e amigos.
Há uma série de evidências de que para pacientes com doença grave, o
recebimento de cuidados paliativos traz ao paciente inúmeros
benefícios. Vários estudos de programas de cuidados paliativos em
diferentes países e sistemas de saúde mostram que os cuidados
paliativos podem melhorar os resultados dos pacientes, incluindo
controle de sintomas e qualidade de vida, e desfechos para o cuidador,
como redução do estresse e luto complicado. Além disso, a maioria dos
estudos mostram pelo menos a neutralidade de custos, com muitos
mostrando uma redução substancial de custos por transferência do
paciente do ambiente hospitalar para os seus locais preferidos — em
casa ou em hospices.
No entanto, mesmo trazendo benefícios, os serviços de cuidados
paliativos ainda não estão disponíveis para todos os pacientes com
doenças crônicas graves, mesmo em sistemas de alto recurso, como
Reino Unido e Estados Unidos. Quase um terço dos hospitais
americanos com mais de 50 leitos não possuem nenhum serviço de
cuidados paliativos. Mesmo onde há programas integrados de cuidados
paliativos, os encaminhamentos nem sempre estão indo na direção
que maximizaria os benefícios. Infelizmente as organizações de saúde
não estão investindo recursos no desenvolvimento de serviços
integrados de cuidados paliativos. Há algumas razões para este não
encaminhamento: falta de recursos para se referir; ignorância sobre o
que é cuidados paliativos; relutância em referir o paciente para uma
equipe de cuidados paliativos multiprofissional; relutância dos
pacientes e/ou da família a serem encaminhados, e critérios restritivos
de elegibilidade do programa de cuidados paliativos especializados.

Outra questão que representa um grande desafio para os cuidados


paliativos é a equidade nesta modalidade do cuidar. De acordo com a
OMS, 40 milhões de pessoas necessitam desse cuidado a cada ano.
Entretanto, estima-se que globalmente apenas 14% dos pacientes que
necessitam de cuidados paliativos o recebam e 78% de pessoas adultas
que necessitam de cuidados paliativos vivem em países de baixa e
média renda.  Segundo Hawley, em sistemas de saúde de países de
baixa renda, pode haver barreiras administrativas adicionais à
prestação de cuidados paliativos, particularmente em torno do acesso
a opióides. Os opióides são uma ferramenta essencial para fornecer um
tratamento adequado da dor, e todos os países devem garantir o
acesso a mais de um opióides e analgésicos adjuvantes apropriados.
A relutância dos pacientes e seus familiares para serem referenciados
para um serviço de cuidados paliativos também se apresenta como um
outro desafio. Um dos tópicos comuns para essa relutância é a
associação dos cuidados paliativos com a morte. Segundo Hawley, há
um “pensamento mágico” que é a ideia de que evitar falar sobre a
morte permitirá evitar a própria morte ou que discutir a morte pode
trazer “algo ruim”. Também pode haver ansiedade de separação, com
relutância em perder uma relação alicerçada com a equipe médica que
o paciente está familiarizado.
Como podemos observar, os cuidados paliativos possuem enormes
desafios a serem discutidos para que possa se tornar uma modalidade
elegível de cuidado em diversos sistemas de saúde. De acordo com
Hawley, devemos focar nos benefícios da integração precoce dos
cuidados paliativos ao manejo de doenças crônicas, enfatizando o
atendimento de qualidade para pessoas que vivem com doenças
crônicas graves e para usar nossos fundos públicos de maneira mais
responsável e econômica possível. Muitas pessoas com o poder de
causar um impacto positivo não entendem o que é o cuidado paliativo
moderno, e as oportunidades de aliviar o sofrimento de forma digna e
econômica estão sendo perdidas.
E por fim, certamente, estudantes e residentes raramente têm acesso
ao ensino de cuidados paliativos em muitos programas de medicina e
isso dificulta que os futuros médicos entendam o que acontece em um
ambiente especializado de cuidados paliativos. Por isso, é importante
que as equipes de cuidados paliativos interajam com seus colegas em
outras especialidades regularmente, participando de reuniões clínicas,
ensinando e participando do trabalho da comissão de bioética de sua
instituição. Isso pode ser desafiador quando somado às
responsabilidades de profissionais que já estão sobrecarregados com o
trabalho clínico. Mas se faz necessário.
Mas se quisermos fazer uma mudança substancial na forma como a
assistência à saúde aos pacientes com doenças graves e crônicas é
prestada, então, o momento é esse. É o momento para
implementarmos e integrarmos os serviços de cuidados paliativos ao
sistema de saúde, seja público ou privado, para que nossos pacientes
vivam com dignidade física, mental e espiritual até o fim. Na verdade,
seria irresponsável não mudar!

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