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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
SUMÁRIO
Preâmbulo
Organização deste manual
História e Princípios dos Cuidados Paliativos
Dor total e sintomatologia física: articulação dos membros da equipa multidisciplinar entre
si e com outras especialidades
Sintomalogia não física: depressão, ansiedade, dificuldade de adaptação
Medição em cuidados paliativos
Implementação de medidas e intervenções na prática clínica em cuidados paliativos
Papéis do psicólogo em cuidados paliativos
Trabalho do psicólogo com equipa multidisciplinar
Estratégias para manter a prática e conhecimentos actualizados
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
PREÂMBULO
Graças a avanços na medicina e políticas de saúde pública, as pessoas estão a viver mais
tempo do que nunca. Uma das consequências diretas é o aumento de doenças crónicas (sem
cura), incluindo doenças oncológicas e não oncológicas, como demência, doenças neurológicas,
falência de órgão (por exemplo doença renal, hepática, e cardíaca, doença pulmonar obstrutiva
crónica), diabetes e obesidade. Por sua vez, este fenómeno aumenta dramaticamente os desafios
societais da prestação de cuidados de qualidade a todos os que deles necessitam.2-6
6) e por essa razão, os cuidados paliativos são uma questão de saúde pública e parte integral do
sistema de saúde. Todos os Estados membros foram informados de que os governos são
responsáveis por garantir o acesso aos cuidados paliativos a todos aqueles que necessitem e
que é fundamental manter o desenvolvimento e qualidade dos cuidados prestados com o objetivo
de manter a dignidade e fomentar a independência, alívio de sintomas e maximizar o conforto,
considerando sempre as necessidades e valores do doente e sua família.7
Estes conceitos devem ser medidos de forma sistemática e transversal a todos os serviços para
informar o público e decisores para desenvolver políticas nacionais e distribuir recursos, planear
distribuição de serviços e avaliar a qualidade dos cuidados prestados.3,8
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
1. Nations United. World Population Prospects: The 2012 Revision. 2013 [July 2013]; Available from:
http://esa.un.org/unpd/wpp/index.htm.
2. Gomes B., Calanzani N., Curiale V., McCrone P.Higginson I. J. Effectiveness and cost-effectiveness of home
palliative care services for adults with advanced illness and their caregivers. Cochrane Database Syst Rev
2013; 6:CD007760.
3. Murtagh F. E., Bausewein C., Verne J., et al. How many people need palliative care? A study developing and
comparing methods for population-based estimates. Palliat Med 2013.
4. Goodwin D. M., Higginson I. J., Myers K., Douglas H. R.Normand C. E. Effectiveness of palliative day care in
improving pain, symptom control, and quality of life. J Pain Symptom Manage 2003; 25(3):202-12.
5. Higginson I. J., Finlay I. G., Goodwin D. M., et al. Is there evidence that palliative care teams alter end-of- life
experiences of patients and their caregivers? J Pain Symptom Manage 2003; 25(2):150-68.
6. Higginson I. J., McCrone P., Hart S. R., et al. Is short-term palliative care cost-effective in multiple sclerosis? A
randomized phase II trial. J Pain Symptom Manage 2009; 38(6):816-26.
7. Europe Council of. Recommendation Rec (2003) 24 of the Committee of Ministers to member States on the
organisation of palliative care 2003:130.
8. Casarett D. J., Teno J.Higginson I. How should nations measure the quality of end-of-life care for older adults?
Recommendations for an international minimum data set. Journal of the American Geriatrics Society 2006;
54(11):1765-71.
9. Kasl-Godley J.E. King D.A. Quill T.E. Opportunities for psychologists in palliative care: Working with patients
and families across the disease continuum. The American Psychologist, 2014;(4):364–376. doi:
10.1037/a0036735
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Sabia que:
São vários os equívocos relacionados com a definição de cuidados paliativos e a sua relação
com cuidados terminais e em fim de vida. Estes conceitos não são sinónimos. Cuidados
paliativos são abrangentes e podem prestar-se em qualquer momento da trajetória da doença. O
seu objetivo é aliviar o sofrimento físico, psicológico, emocional e espiritual, melhorando a
qualidade de vida através do controlo e gestão de sintomas, oferecendo ao doente e familiares
um suporte compreensivo e interdisciplinar efetivo, independentemente da fase da doença.
Permitem também ajudar o doente e seus familiares nas decisões clínicas mais complicadas e
difíceis, o que permite perceber as preferências e os seus objetivos, especialmente quando os
resultados das intervenções e o prognóstico vão sendo cada vez mais incertos.
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Este manual tem por base literatura científica nacional e internacional com revisão de pares.
Inclui trabalhos recentes, assegurando a evidência científica mais recente na área da psicologia
e cuidados paliativos, assim como, artigos essenciais que fizeram avançar esta disciplina.
Está dividido em 8 módulos distintos. Cada módulo descreve uma temática relevante para a
prática de psicologia no contexto dos cuidados paliativos. Todos os módulos são acompanhados
de documentos de leitura obrigatória, complementar e/ou sugerida.
Pretende-se que este manual seja uma base científica e informativa, assegurando o
conhecimento necessário para o/a psicólogo/a organizar o seu trabalho diário com doentes,
familiares e profissionais de saúde, no contexto dos cuidados paliativos.
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O sétimo módulo dedica-se exclusivamente à prática clínica do/a psicólogo/a no contexto dos
cuidados paliativos. Explora a complexidade e diversidade do potencial doente/cliente (criança,
adolescente, jovem adulto, adulto, idoso, familiar do doente que pode ter qualquer idade, famílias
que pedem consulta em grupo, casais), assim como a dinâmica familiar, a relação terapêutica e
estratégias para lidar com algumas dificuldades que podem surgir.
Finalmente o último módulo aborda estratégias para o/a psicólogo/a se manter atualizado na sua
prática, considerando diferentes estratégias, desde formação periódica a leitura de artigos
científicos e presença em congressos nacionais e internacionais.
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Os primeiros locais dedicados ao cuidado dos moribundos surgiram para gerir cuidados que se
prestavam aos viajantes na Era Medieval. O termo “hospice” tem as suas origens linguísticas do
latim “Hospes”, um termo para referir um viajante que era convidado a descansar, ou seja, um
hóspede. Crê- se que foi durante as cruzadas, no séc. XI que surgiram os primeiros grupos
organizados para cuidar de pessoas com doenças sem cura. Os Knights Hospitaller abriram uma
instituição do tipo hospício no séc. XIV com o objetivo de ser um refúgio para viajantes e também
para cuidar de doentes terminais. À medida que crescia a dependência e o desenvolvimento das
ordens religiosas específicas para prestar cuidados terminais mais o desenvolvimento do
conceito de hospício era visto fundamental para a sobrevivência dessas ordens. Assim, apesar
de o número de hospícios geridos por ordens religiosas ter aumentado durante tempos
medievais, nos 3, 4 séculos seguintes foram desaparecendo visto essas ordens religiosas terem
perdido a sua influência. Nos séculos XVIII e XIX o desenvolvimento dos cuidados paliativos
continuaram com forte ligação a organizações religiosas. No entanto, o ênfase já não era tanto
nos viajantes, mas para a gestão de doentes com um ou dois diagnósticos em comum. A Irish
Religious Sisters of Charity abriu o hospício Our Lady’s Hospice em Dublin, na Irlanda, em 1879
e a maioria dos milhares de doentes que receberam cuidados nessa instituição estavam a
morrer de tuberculose ou de cancro. A Sisters of Charity desenvolveu diversos hospícios
semelhantes noutros países mas foi no St Joseph’s Hospice em Londres nos anos 50 onde uma
mulher a quem é atribuído o movimento moderno dos cuidados paliativos começou o seu
trabalho. Cicely Saunders era enfermeira e assistente social que decidiu desenvolver a sua
carreira aos cuidados dos doentes terminais. Começou por ser voluntária no St Luke’s Home for
the Dying Poor em Inglaterra. A sua experiência levou-a a terminar o curso de medicina em
1957, permitindo-lhe atingir os objetivos que tinha para o desenvolvimento dos cuidados
paliativos. Nas décadas seguintes Cicely Saunders teve um papel fundamental no
desenvolvimento dos princípios dos cuidados paliativos, atualmente seguidos em todo mundo,
incluindo (1) o conceito de dor total que inclui desconforto físico, espiritual e psicológico; (2) a
utilização correta de opióides para alívio da dor; e (3) ter em conta as necessidades dos
familiares e amigos que prestam cuidados aos doentes com doença progressiva e incurável.
Fundou também o primeiro hospice moderno, St Christopher’s, em Londres, em 1967 que ainda
hoje aceita doentes com qualquer diagnóstico, de qualquer estrato social e continua a funcionar
sem quaisquer afiliações religiosas. Definiu as caraterísticas holísticas dos cuidados paliativos,
assim como, defendeu o potencial controlo agressivo de sintomas no fim de vida.
Em 1969 Elisabeth Kubler-Ross publica o livro “On death and Dying” defendendo que os doentes
terminais passam por 5 fases durante a sua trajetória de fim de vida. Kubler-Ross desenvolveu
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O termo “paliativo” tem a sua origem no latim “palliare”, que significa “cobrir com manto”.
Atualmente a definição formal do termo “cuidados paliativos” da Organização Mundial de Saúde é:
“uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes e de suas famílias, que
enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável com prognóstico limitado e/ou doença
grave (que ameaça a vida), e suas famílias, através da prevenção e alívio do sofrimento, com
recurso à identificação precoce, avaliação adequada e tratamento rigoroso dos problemas não
só físicos, como a dor, mas também dos psicossociais e espirituais.” (2002) Este alívio pode
incluir controlar os efeitos de um estado de saúde primário, assim como lidar com efeitos
secundários de tratamentos e comorbilidades. Os cuidados paliativos devem ser oferecidos a
todos os/as que tenham uma doença crónica complexa, potencialmente limitadora do tempo de
vida.
Com base nestes documentos internacionais a Lei Portuguesa define os seguintes princípios
pelos quais os cuidados paliativos se regem:
a) Afirmação da vida e do valor intrínseco de cada pessoa, considerando a morte como
processo natural que não deve ser prolongado através de obstinação terapêutica;
b) Aumento da qualidade de vida do doente e sua família;
c) Prestação individualizada, humanizada, tecnicamente rigorosa, de cuidados paliativos
aos doentes que necessitem deste tipo de cuidados;
d) Multidisciplinaridade e interdisciplinaridade na prestação de cuidados paliativos;
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Equipa Multidisciplinar
Dado que cada pessoa experiencia a doença e sua trajetória de forma individual, a resposta
mais completa para atender às diferentes necessidades físicas, psicológicas, emocionais, sociais
e espirituais, é ter um grupo de indivíduos com diferentes competências e especializações.
Assim, uma equipa multidisciplinar de cuidados paliativos idealmente será constituída por:
doente, familiares e cuidadores informais; médico com competência em cuidados paliativos (em
Portugal os cuidados paliativos ainda não são especialidade médica) e restantes médicos
especialistas que deverão estar a par das decisões que vão sendo tomadas; enfermeiros,
psicólogo/a, assistente social, capelão com contactos de homólogos de outras religiões
disponíveis a colaborar com a equipa, fisioterapeuta, nutricionista, terapeuta ocupacional, todos
com formação em cuidados paliativos. Para uma boa coordenação de cuidados é fundamental
haver comunicação efetiva e clara entre todos, assim como, manter os registos atualizados. As
reuniões de equipa são fundamentais e dependendo do número de doentes e tipo de serviço a
sua periodicidade pode ser diária ou semanal. A equipa tem também a responsabilidade de
organizar reuniões familiares, principalmente quando se aproximam decisões difíceis e o
prognóstico é mais reservado. É importante dar a possibilidade de discussões atempadas para
que as pessoas possam perceber quais as opções e esclarecer dúvidas e tentar aceitar uma
nova realidade que se aproxima, antes de tomar uma decisão informada.
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Este tipo de serviço não tem camas (internamento) e portanto gasta menos recursos. Assenta
igualmente no modelo multidisciplinar e está disponível para qualquer doente com necessidades
paliativas de qualquer serviço hospitalar. O objetivo é dar consultoria não só ao médico
assistente responsável pelo doente, mas a qualquer cuidador hospitalar que esteja em contacto
com o doente e família, quer seja para controlo sintomático e/ou orientação de outras
problemáticas que sejam identificadas. O doente e familiares sentem-se mais ouvidos, pois não é
apenas a doença o principal foco de ação. Facilita a transição de cuidados hospitalares para
cuidados domiciliários e também reduz a utilização dos cuidados intensivos e a probabilidade de
os doentes morrerem nesse serviço.
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Tal como os serviços ambulatórios, também os serviços domiciliários têm vindo a crescer, visto,
irem de encontro às preferências da maioria dos doentes e famílias que preferem ficar em casa e
receber os cuidados a ter que se deslocarem até uma unidade de saúde, pois muitas vezes
estes doentes têm dificuldade de locomoção e o transporte é difícil e o tempo de viagem longo.
Mais uma vez, é possível manter a gestão de sintomas e outras problemáticas, evitando ou pelo
menos reduzindo situações que sem acompanhamento se tornariam em episódios agudas com
necessidades de cuidados de emergência e internamento. Este tipo de serviço aumenta ainda a
satisfação com cuidados recebidos, reduz os custos de saúde e reduz ainda recorrência de
internamentos. Uma das desvantagens é não ter toda a equipa em todas as visitas domiciliárias.
O que dá mais segurança aos doentes e familiares é saber que há sempre ajuda disponível
independentemente do dia e hora em que se encontrem com dúvidas. A linha assistencial de
telefone 24 horas por dia, 7 dias por semana é fundamental, pois permite que doentes e família
se foquem no processo dual de viver a vida e prepararem-se para a morte. (Sarmento V 2017)
Centros de dia
Legislação Portuguesa
O primeiro documento legislado relacionado com cuidados paliativos surge em 2001, Resolução
do Conselho de Ministros nº 129/2001, de 17 de Agosto, ainda que apenas refira doentes
oncológicos: Plano Oncológico Nacional 2001-2005. Em 2002 surge então o documento que
define a criação e desenvolvimento de uma Rede Nacional de Cuidados Continuados. Ao longo
do tempo, e à medida que na arena internacional se vão desenvolvendo os cuidados paliativos e
a evidência científica aumenta, também em Portugal a legislação vai acompanhando as
exigências estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde no que diz respeito aos requisitos
mínimos que cada país deve cumprir. (para uma lista completa da legislação e informação
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adicional, ver documento anexo 1). É em 2012 que é aprovada a lei que consagra os cuidados
paliativos como um direito e regula o acesso dos cidadãos a estes serviços (Ver documento
Anexo 2). Em 2015 sai a portaria relativa a cuidados paliativos pediátricos, no que diz respeito a
definição de condições de instalação e funcionamento, assim como diferentes tipologias ou
valências de prestação destes cuidados (ver documento anexo 1).
Anexo 2: Lei de Bases dos Cuidados Paliativos (LBCP), aprovada pela Lei n.º 52/2012, de
5 de setembro
Lutz S. The history of hospice and palliative care. Curr Probl Cancer 2011; 35: 305–309
Kasl-Godley J.E. King D.A. Quill T.E. Opportunities for psychologists in palliative care:
Working with patients and families across the disease continuum. The American
Psychologist, 2014;(4):364–376. doi: 10.1037/a0036735
Sarmento VP, Gysels M, Higginson IJ, et al Home palliative care works: but how? A meta-
ethnography of the experiences of patients and family caregivers BMJ Supportive &
Palliative Care Published Online First: 23 February 2017. doi: 10.1136/bmjspcare-2016-
001141
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Apesar de o modelo inicial do movimento moderno dos cuidados paliativos se focar em doentes
oncológicos terminais, atualmente, os serviços especializados de cuidados paliativos cada vez
mais, ainda que muito lentamente, atendem doentes não oncológicos, com qualquer tipo de
doença crónica com trajetória clínica avançada. Isto depende principalmente das outras
especialidades referenciarem um doente, e isso só acontece se o especialista reconhecer que o
doente tem necessidades paliativas e potencialmente benificiará de cuidados paliativos. Dado
que o aumento da longevidade traz consigo aumento de cronicidade e comorbilidades, é
fundamental perceber a prevalência das pessoas que precisam de cuidados paliativos, não só
identificando quais os doentes com esse tipo de necessidades, mas também para informar
organização de serviços e diferentes modelos de prestação desses serviços. Existem diferentes
métodos para calcular a prevalência de pessoas que precisam de cuidados paliativos. Um dos
mais completos é o de Murtagh, que identificou que um mínimo de 63% (N=893.956, no período
de 2006-2008 em que o número total de mortes no Inglaterra foi de 1.418.351) de todas as
mortes precisariam/benificiariam de cuidados paliativos. No entanto, não se pode utilizar a causa
de morte como um indicador fidedigno de necessidades paliativas, pois estas necessidades
(sintomas físicos, stress emocional, suporte familiar e social, necessidades práticas e de
informação) não se alinham perfeitamente com o diagnóstico e são definidas por fatores muito
mais complexos. Ainda assim, atualmente o diagnóstico continua a ser o principal fator de
referenciação para equipas especializadas. Adicionalmente, a causa de morte não se alinha
perfeitamente com o diagnóstico: o que fica registado no certificado de óbito muitas vezes não é
a doença crónica que foi avançando e que levou a complicações e por isso, certas doenças
como demência, doença de Parkinson e doença renal são sub registadas.
Ca mama 30.486 20 69 76 82
Ca coloretal 38.789 17 70 79 85
Ca pulmão 83.332 22 75 82 86
Ca outro 205.135 19 77 84 88
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Ca próstata 25.769 18 70 79 84
D cardíaca (falência) - 26 72 77 81
D cardíaca (outra) 173.012 22 52 58 64
D cerebrovascular (AVC) 132.174 26 65 71 76
D renal (falência aguda) - 49 87 88 89
D Renal (crónica) 5220 24 70 77 82
D hepática 20.702 28 74 78 82
D respiratória (crónica) 73.082 31 71 76 80
D respiratória (falência) 62 33 59 66 70
D neurodegenerativa 21.047 17 54 63 71
Demência, Alzheimer, Senilidade 84.462 8 40 48 56
VIH/SIDA 684 14 59 66 73
TOTAL 893.956 22 64 70 75
(Murtagh 2013)
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das diferentes trajetórias da doença, co- morbilidades e declínio funcional de cada indivíduo,
mais do que dos grupos de diagnóstico. Assim, é necessária uma avaliação compreensiva das
necessidades e problemáticas de cada doente, não podendo os profissionais de saúde
cingirem-se exclusivamente ao diagnóstico que o doente apresenta apresenta.
(Moens 2014)
A dor é uma consequência normal de lesão dos tecidos ou de um estímulo intenso que acaba
por produzir lesão dos tecidos. Os nervos periféricos transmitem a informação dos tecidos para a
medula espinhal, cujos neurónios transmitem a informação ao cérebro e simultaneamente fazem
disparar reflexos que retiram a parte do corpo envolvida no estímulo doloroso. A dor tende a
diminuir à medida que os tecidos recuperam. Assim, em pessoas saudáveis, a dor tem um
propósito altamente adaptativo, protetor e de sobrevivência. No entanto, a dor pode ocorrer
como consequência de uma disfunção do sistema nervoso central ou periférico, ou ainda, de
estímulo contínuo e prolongado proveniente de tecidos com lesão. As diferenças entre dor
crónica e dor aguda incluem respostas periféricas do organismo e modificações do sistema
nervoso central, induzidas pela atividade nocicetora crónica aferente.
Um dos maiores receios dos indivíduos que são diagnosticados com doença oncológica é ter dor
e não haver possibilidade de a resolver. A dor em doentes oncológicos varia e está dependente
do mecanismo patofisiológico, que por sua vez depende das características e progressão da
doença e da localização das metástases. Tradicionalmente a dor oncológica tem sido
classificada como nocicetiva-inflamatória (somática e visceral) e neuropática. A primeira ocorre
por ativação direta de nociceptores e a dor é resultado de complicações relacionadas com
infiltração de tecido saudável pelo tumor, ou, lesão de tecido saudável como consequência de
tratamentos. A dor neuropática pode ser uma complicação de lesão do sistema nervoso central
ou do sistema nervoso periférico. Este tipo de dor é pouco tolerado e difícil de controlar. Embora
estes dois “tipos” de dor ocorram através de mecanismos periféricos separados, ambos são
influenciados por alterações na função do sistema nervoso central. Atualmente sabe-se que a
dor oncológica é uma entidade complexa, especialmente no que diz respeito à resposta a
tratamento analgésico, em que inúmeros fatores devem ser levados em consideração.
Em doentes não oncológicos a dor ocorre devido a processos degenerativos crónicos da espinal
medula ou das articulações, assim como, causas metabólicas, infeções e outras causas. Alguns
das síndromes de dor mais comuns e suas causas são:
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Dor no(s) osso(s) devido a metástases (dor domática) de cancros primários como mama
ou próstata
Opióides
In 1986 a OMS desenvolveu um modelo para a introdução faseada de analgésicos para controlo
da dor, conhecida como a escada ou os degraus da OMS para a dor. Este modelo foi introduzido
devido à necessidade premente de controlar a dor de doentes oncológicos em fim de vida que
sofriam desnecessariamente, pois existiam já analgésicos potentes, nomeadamente opióides,
mas os regulamentos vigentes da sua utilização aumentavam o estigma do seu uso, assim como
o medo da sua prescrição e utilização. O princípio deste modelo é que os analgésicos devem ser
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introduzidos gradualmente, começando com os não opióides (mais fracos), progredindo para
analgésicos médios, e finalmente, se necessário, os mais fortes. A decisão de ir progredindo ou
não depende da avaliação do doente, dos efeitos secundários e sobretudo da intensidade da dor
reportada pelo doente. Era expectável que o uso de opióides seria cada vez mais utilizado e em
doses mais elevadas para controlar a dor, à medida que a doença oncológica progredia. O
objetivo era permitir ao doente permanecer tão confortável quanto possível e capaz de interagir à
medida que se aproximava o momento da sua morte.
Os riscos de adição ou vício e de morte antecipada são considerados, mas, o conforto do doente
é fundamental. O modelo da escada de controlo de dor veio revolucionar a analgesia, pois
legitimizou o uso de opióides, vencendo a barreira do preconceito e estigmas regulatórios que
vinham prejudicando os cuidados que tinham como objetivo aliviar a dor, manter a dignidade do
doente e nunca desumanizar a pessoa até ao seu fim.
(Ballantyne 2016)
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A morfina é o opióide forte mais utilizado atualmente sendo recomendado pela OMS como
opióide de primeira linha. Pode ser administrada pelas vias oral, retal, intravenosa,
intramuscular, subcutânea, epidural, intratecal e intracerebroventricular. Apesar de ser
extremamente barata de produzir e distribuir ainda não está disponível em todos os países, e por
isso, não está disponível para todos os que dela benificiariam.
A metadona é um opióide sintético e considerada a grande alternativa ao uso de morfina, sendo
que as suas propriedades farmacológicas são semelhantes, mas o número de vias de
administração é menor. A oxicodona e o fentanil são também opióides bastante utlizados para
controlo da dor, sendo que o último é bastante utilizado pela via transdérmica.
Apesar de serem uma mais-valia no controlo de dor, o que melhora significativamente a
qualidade de vida do doente e família, quando a utilização de opióides se prolonga por muito
tempo, surgem efeitos secundários e complicações que terão de ser geridas pela equipa. Um
dos mais temidos pelo doente e familiares, é a dependência física, que se apresenta como a
síndrome de abstinência e ocorre quando há uma redução abruta da dose ou cessação da toma,
após alguns dias de utilização. Os sintomas incluem vários sinais fisiológicos e psicológicos
como suores, tremores, diarreia, ansiedade, irritabilidade, distúrbios do sono, espasmos
musculares e aumento da dor. Outra consequência do uso prolongado de opióides é a
tolerância, definida como a necessidade do aumento da dose para obter o mesmo efeito
analgésico. A prisão de ventre é outra queixa bastante comum, assim como a desidratação e
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Sintomas gastrointestinais
Caquexia
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Náusea/Vómitos
Estes sintomas são dos que mais diminuem a qualidade de vida dos doentes e familiares e
podem afetar gravemente a capacidade de o doente cumprir com a terapia medicamentosa. A
náusea é uma sensação desagradável de necessidade de vomitar e está associada com sintomas
autonómicos, incluindo palidez, suores frios, taquicardia e diarreia. Pode ocorrer sem outros
sintomas, mas também durante o reflexo ou tentativa de vómito mas sem que nenhum conteúdo
gástrico seja expelido, e, durante emese. Não há ainda consenso sobre se estes eventos são ou
não independentes, apesar de estarem relacionados. A tentativa de vómito é mediada por
nervos somáticos e é caracterizada por movimentos espasmódico do diafragma e musculatura
abdominal com a glote fechada, acompanhada por atividade respiratória forçada que
frequentemente precede emese. A emese ou vómito envolve contração forçada da musculatura
da parede abdominal, contração do antro pilórico e outros eventos físicos. O stress e a
ansiedade resultante da contínua experiência destes sintomas, independentenmente da
frequência, duração e severidade pode escalar com o tempo. A causa destes sintomas e a
resposta de cada pessoa pode variar, pelo que uma avaliação compreensiva de possíveis
causas será o primeiro passo. As principais causas em pessoas com doença avançada são:
Náusea e vómito induzido por quimioterapia: dos sintomas mais temidos pelos doentes
oncológicos. Crê-se que os recetores de serotonina, centrais e periféricos, são
particularmente importantes na patofisiologia da emese aguda, pelo que a prevenção
passa precisamente pela inibição deste grupo de recetores.
Náusea e vómito antecipatório: fenómeno que ocorre algumas horas antes do tratamento
quimioterápico, especialmente quando o doente fala acerca do tratamento ou não
consegue pensar noutra coisa. Pode afetar até um terço dos doentes e crê-se que o
mecanismo psicológico de associação está fortemente relacionado com a experiência
prévia, o número de tratamentos recebidos e a toxicidade sentida.
Perturbações que afetam o SNC: várias doenças neurológicas podem perturbar o
controlo central da mobilidade gástrica.
Falência autonómica: mais comum em doentes com estado funcional pobre e associado
à síndrome caquexia/anorexia. Os mecanismos ainda não são claros, mas parecem ser
multifatoriais, desde, invasão tumoral de tecido nervoso, malnutrição, lesões provocadas
por quimioterapia e radioterapia, efeitos secundários de fármacos, doença preexistente e
comorbilidades.
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Prisão de ventre/Diarreia
Ambos os sintomas são comuns em doentes com necessidades paliativas, ocorrendo em 50%
dos doentes ou mais e podem ser bastante deblilitantes. Podem ocorrer ao mesmo tempo ou
alternar em episódios, mas na maioria dos casos o doente apresenta uma das manifestações.
Durante a trajetória da doença, principalmente de doentes oncológicos e com SIDA, apresetam
episódios de obstipação crónica relacionados com toma de opióides, diminuição da alimentação,
imobilidade ou falha autonómica. Quanto aos episódios de diarreia, são normalmente
provocados por antibióticos e mucosite induzida pela quimioterapia. Os sintomas associados à
obstipação são também frequentes e diminuem a qualidade de vida do doente: flatulência, dor
abdominal, náusea e vómito,infeção urinária, distensão abdominal, anorexia, estado confusional
e delírio.
Ascite
Ascite é uma acumulação de fluido na cavidade peritoneal que se classifica em três graus: leve,
apenas percetível por ultrassom, moderada, percetível à palpação e grave, claramente visível.
Pode ocorrer em doentes oncológicos e não oncológicos e é considerado um indicador de
doença avançada. Os principais sintomas que provoca e que requerem intervenção paliativa
são: aumento da pressão intra-abdominal, desconforto da parede absominal, dispneia, anorexia,
náusea e vómito, refluxo gástrico, mobilidade reduzida, insónia relacionada com o desconforto
geral, dor nas virilhas e região subcostal e edema dos membros inferiores. Apesar de não haver
cura, a gestão desta problemática passa por terapia aintitumoral, terapia diurética, paracentese
(retirada do fluido através da introdução de uma agulha no abdómen) possivelmente a técnica
que mais depressa permite um alívio do desconforto. No entanto, pode ser contra-indicada para
doentes com cirrose hepática, hipotensão e problemas renais e doentes com repetidas
paracenteses que correm o risco de desenvolver hipovolémia (diminuição de volume de plasma
sanguíneo) intravascular, hipoalbuminemia (baixa concentração de albumina), infeção e lesão
visceral e internamentos repetidos para realização do procedimento (apesar de algumas equipas
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Icterícia
Obstrução intestinal
Fadiga
É possivelmente o sintoma mais comum em doentes com doença avançada e tem um grande
impacto nas atividades de vida diárias e no estado funcional, e consequentemente, na vida
social e familiar. É descrito pelos doentes como sensação de cansaço, falta de energia ou
exaustão. É bastante subjetivo e pode ocorrer quer a nível físico, quer a nível mental. Estima-se
que a prevalência deste sintoma em doentes oncológicos esteja entre os 60% e 90%. O tecido
muscular é o principal lesado quer em doentes oncológicos, quer em não oncológicos. Os
tumores podem libertar substâncias capazes de interferir com o metabolismo, assim como podem
induzir a produção de macrófagos e linfócitos que por sua vez produzem citocinas inflamatórias
ativas no tecido mescular e SNC. Ocorre uma atrofia das fibras tipo II que são responsáveis pela
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performance anaeróbica. Doentes com falência cardíaca crónica podem apresentar perturbações
metabólicas graves que levam a um estado catabólico com perda muscular progressiva.
Dispneia
Termo usado para descrever uma experiência subjetiva de desconforto respiratório constituída
por sensações distintas que variam em intensidade. A experiência resulta da interação de fatores
fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais que podem induzir respostas comportamentais e
fisiológicas secundárias. Os doentes oncológicos e não oncológicos descrevem a vivência deste
sintoma como falta de ar, esforço para respirar, peito apertado, exalação incompleta e/ou
sensação de sufoco. A sua presença e severidade não são inferidas por exame físico ou
investigações laboratoriais, mas antes, pela descrição do episódio feita pelo doente. Ocorre
principalmente em doentes com cancro do pulmão, DPOC e doença cardíaca. É dos sintomas
que melhor responde a intervenções não farmacológicas, mas que obviamente devem ser
exploradas. Algumas das intervenções não farmacológicas incluem:
O profissional de saúde manter-se calmo e induzir um estado de calma e não urgente para
tentar travar a ansiedade acumulada que o doente vai sentindo à medida que as suas
tentativas de respirar melhor vão falhando
Reposicionamento do dorso para melhorar a ventilação e perfusão (se estiver a ser
administrada)
Parar para descansar ou usar ajudas mecânicas para reduzir as necessidades
metabólicas
Manter as divisões bem arejadas e respirar calmamente, enquanto dirige uma pequena
ventoinha para a face (estimulação do nervo trigémeo)
Ação educativa de como e quando usar a medicação prescrita (por exemplo
broncodilatadores) antes do exercício físico ou outra atividade que poderia despoletar
dispneia
Em casos muito extremos quando ocorre dispneia refratária a sedação paliativa pode ser a única
forma de intervir para aliviar o sintoma. No entanto não deve ser prescrita sem antes explicar ao
doente e familiares o que é, como funciona, quais as consequências e o que implica.
Confusão/Delírio
A falência cognitiva é bastante comum em doentes com doença avançada. O delírio é um dos
sintomas mais prevalentes e tem múltiplas causas, nomeadamente: tumor cerebral primário,
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Os incidentes com terapias medicamentosas são um risco de saúde pública e esse risco
aumenta ainda mais quando os doentes são polimedicados e se encontram num estado mais
frágil da sua trajetória da doença, e, em pessoas mais idosas. Por exemplo na Noruega, um
terço dos residentes de lares tiveram pelo menos uma experiência de erro de medicação num
ano. No Reino Unido, esse número foi mais elevado, cerca de dois em cada três idosos. Existem
várias razões pelas quais a segurança de terapia medicamentosa é um desafio em pessoas com
doença avançada e idosos. O primeiro problema é que estas pessoas são polimedicadas, ou
seja, a sua terapia medicamentosa inclui 5 ou mais medicamentos ao mesmo tempo. Nesta
população, isso equivale a cerca de 30 a 45% das pessoas. O número de medicamentos pode
aumentar para 10 ou mais em doentes com idade superior a 75 anos. Para além de haver o risco
de interações adversas entre os medicamentos, e sofrimento acrescido devido a efeitos
secundários, por vezes, os doentes estão medicados com terapias que já não precisam,
podendo este número chegar aos 40 %. Além disso, o estado funcional destes doentes tende a
oscilar, devendo a medicação ser revista periodicamente, pois, alguns medicamentos não são
compatíveis com determinados estados cognitivos e capacidade metabólica.
(Vermeulen 2017)
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Dor Total
“Eu acho que a definição mais simples de dor, e provavelmente a melhor, é o que o doente diz
que dói. Eu penso que o doente poderá estar a expressar algo multi-facetado. Pode ter questões
físicas, psicológicas, familiares, sociais e espirituais, todas lesadas todas ligadas como uma
única experiência.
Mas acho que devemos acreditar nas pessoas e uma vez em que se acredita em alguém
podemos começar a compreendê-la, e talvez identificar e desconstruir os diferentes elementos
que compõem aquela dor.”. Cicely Saunders
O conceito de dor total tornou-se um pilar central da prática de cuidados paliativos. Reconhece
que a dor oncológica (e atualmente também a dor não oncológica) é muitas vezes, uma dor
complexa, crónica com múltiplas causas co existentes. O controlo efetivo da dor em doentes com
necessidades paliativas requer uma abordagem multidisciplinar que tenha em conta as
preocupações e medos, para além do tratamento dos aspetos físicos da dor. Como resultado, a
provisão de analgésicos deve ser combinada com a provisão de suporte emocional, social e
espiritual.
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O conceito de qualidade de vida é definido como uma combinação complexa de bem estar físico,
psicológico, social e existencial. Um diagnóstico de, por exemplo, doença oncológica pode
perturbar estas dimensões de várias formas. A dimensão existencial faz parte da experiência
humana, incluindo, mas não limitado a aspetos espirituais e religiosos, que lidam com questões
acerca da existência humana e tudo o que está relacionado com a razão de ser e existir. O
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conceito de distress existencial permanece mais universal e neutral que outros aspetos como o
distress espiritual ou crise religiosa. As pessoas diagnosticadas com uma doença ameaçadora
de vida têm que lidar com perda de significado e empowerment, que pode comprometer a
qualidade de vida. As preocupações do plano existencial tendem a ser universais e podem
constituir a principal fonte de sofrimento. Morte, solidão, liberdade e autonomia, finitude,
dignidade, perdas e mudanças, procura de significado, qualidade das relações e sensação de
perda de controlo são as principais temáticas presentes na literatura.
(Gagnon 2014)
Intervenções
Psicoterapia de apoio é uma intervenção utilizada de forma intermitente ou contínua que visa
ajudar doentes e familiares a lidar com emções negativas, reinforçar a pré-existência de pontos
fortes e promover uma adaptação o mais normal possível à doença. Explora o sentimento de si
próprio, a imagem corporal, mudanças nos papeís sociais, numa relação de respeito e confiança
mútuos. Há inúmeras abordagens que incluem:
Saber como clarificar e discutir informação com alta carga emocional, que pode e
despoleta emoções opressivas e esmagadoras que interferem com a vivência do dia a
dia e por isso necessitam de ser trabalhadas, processadas, ajudando numa gestão
construtiva das mesmas.
Conhecer métodos de promoção de aprendizagem e resolução de problemas e usar
técnicas cognitivas e comportamentais em qualquer fase da doença.
Estar confortável com uma série de atividades terapêuticas, como intervenção na crise,
ser presença de apoio silenciosa para doentes com maior dificuldade de interação e
dificuldade em processar emoções, sentimentos e pensamentos, explorar padrões
dinâmicos de funcionamento mental e ainda conhecer diferentes formas de apoio aos
familiares e cuidadores informais.
Conhecer diferentes recursos para melhor poder orientar o doente e familiares, incluindo,
trabalhar conjuntamerne com a equipa e conhecer o sistema de saúde e
procedimentos/contexto do serviço onde trabalha, permitindo um fluxo recíproco de
informação útil, o que inclui saber discutir temáticas e vulnerabilidades do doente de
forma humana mas que nunca viole a confidencialidade.
Compreender a informação médica e pedir ajuda e explicações para determinadas
temáticas quando não há familiarização de determinadas problemáticas.
Estar sempre atento/a e compreender as próprias respostas emocionais, especialmetne
numa fase mais inicial da carreira, à medida que se desenvolve um auto-conhecimento e
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Apesar de a informação contida neste texto ter sido desenvolvida em investigação com doentes
oncológicos, cada vez mais se vem a mostrar a eficácia em doentes com doença não
oncológica, pelo que, a informação é válida para qualquer doente com necessidades paliativas,
independentemente do diagnóstico, salvo características muito específicas de uma doença.
Apoio Psicológico
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isso causa ansiedade e insegurança quanto ao futuro. Durante períodos mais difíceis com
agravamento da doença e situações agudas, poderá ser necessário uma profunda
adaptação a situações como perda permanente de função de uma parte do corpo
(caminhar, sexualidade, ouvir, ver, falar, comer). São perdas devastadoras que muitas
vezes despoletam um luto. Nestas situações, ouvir, explorar sentimentos e não cometer o
erro de oferecer falso conforto, poderão ser as ferramentas a utilizar em várias sessões.
A impreditabilidade de uma situação aguda pode criar altos níveis de ansiedade e muitas
vezes os doentes afirmam e questionam “Se ao menos eu soubesse o que ia acontecer
agora… Quanto tempo é que eu ainda terei? Se ao menos alguém me pudesse dizer o
que esperar!’. Mas ninguém adivinha o futuro e é impossível dizer o que acontecerá a
seguir, por isso, ajudar o doente a lidar com a incerteza permanece um desafio central,
independentemente da informação médica que recebam. Acontece também os doentes
desenvolverem sentimentos de zanga em relação ao médico que responde
honestamente “não lhe sei dizer o que vai acontecer a seguir”.
Conhecer e compreender a doença: a avaliação inicial que o/a psicólogo/a faz deve
incluir diagnóstico, estadio ou fase da doença, prognóstico, tratamento a decorrer e
efeitos secundários desses tratamentos. Só assim é possível ter uma visão geral que
permite ir de encontro à vivência única e pessoal do doente. Muitas vezes a vivência
subjetiva do doente nada tem a ver com a realidade clínica descrita no processo. Nestes
casos é necessário explorar essa vivência e tirar possíveis dúvidas com o médico e/ou
enfermeiro no que diz respeito às características clínicas do diagnóstico. Só é possível
oferecer apoio psicológico válido quando se conhece a realidade clínica e a experiência
do doente.
Negação: É bastante útil como ferramenta de proteção do self e os doentes tendem a
utilizar o mecanismo de negação principalmente no momento do diagnóstico e
prognóstico. Permite dar tempo e espaço para poder absorver as “más notícias” e
readaptar-se à nova realidade. Permite também o desenvolvimento de dois níveis de
existência: a realista e a desejada. Pode dizer-se que o mecanismo de negação existe
num espectro entre uma reação madura e saúdável que é temporária, e que mais tarde
dá lugar à aceitação, até a uma reação quase psicótica de fuga total da realidade, esta,
patológica. Saber distinguí-las é crucial: (i) negação patológica é destrutiva porque atrasa
consultas, decisões de tratamento, maior tomada de riscos desnecessários e fraca
aderência aos tratamentos, por evitamento (ii) negação afetiva pode ajudar o doente a
focar-se em opções que dão esperança, sem que estas interfiram com o melhor
tratamento indicado. A ambivalência e a ambiguidade surgem muitas vezes a par da
negação.
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Por vezes é frustrante para a equipa lidar com doentes e familiares que têm mudanças
bruscas e inesperadas nas suas linhas de pensamento. Pode acontecer que num dia
estão a discutir opções e a tentar escolher a melhor, e no dia seguinte ignoram-nas todas.
Ou demoram muito tempo até tomarem uma decisão.
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muitas vezes já houve perdas significativas na família que agora o nosso doente
também tem. E isto afeta a forma como o doente vivencia a sua doença.
Memórias difíceis, mesmo que longínquas, poderão ter que ser trabalhadas, pois
o doente vê-se confrontado com sentimentos de décadas atrás e é preciso ajudar
a enfrentar esses medos, sofrimento, dor, lutos, lembrando que o doente já não é
aquela pessoa, mas que tem outras ferramentas emocionais que se vão
adquirindo ao longo da vida. Assim, explorar as associações que o doente tem
com a sua doença será revelador. No entanto, se a informação não é dada de
forma voluntária, o/a psicólogo/a deve elicitar essa informação através de uma
história familiar detalhada, usando um genograma que inclui duas ou três
gerações e poderá perguntar também acerca de amigos significativos do/a
doente.
Significado da doença: Estar doente/ser doente é altamente dependente de aspetos
culturais e familiares. Nalgumas famílias o doente não se queixa e é o mais independente
possível. Qualquer forma de necessidade é suspeita a não ser que o motivo seja
absolutamente óbvio. Para outras famílias, a própria doença carrega uma mensagem
subliminar de carga negativa ou castigo. Pode também acontecer algumas famílias
serem adversas a qualquer problema de saúde e quererem minimizá-la a todo custo ou
terem medo de ajudar. Nesses casos a doença crónica e progressiva pode ser
catastrófica. Por vezes observa-se inversão de papéis em que é o doente que conforta
emocionalmente os familiares que apresentam grande sofrimento. Noutras famílias ainda,
estar doente é ser doente e isso confere um status em que o doente é claramente
favorecido. O doente recebe atenção extra e cuidados redobrados, por vezes em excesso,
o que choca ou interfere com o nível desejado de independência, mas por outro lado
tende a ser bem recebido. Felizmente há muitas famílias em que existe um/a cuidador/a
emocionalmente saudável, carinhoso/a e competente, mas menos em que existe suporte
de outros elementos que evite a sobrecarga do/a cuidador/a principal. Ter noção dos
stresses e do “preço” pago pelos cuidadores primários é fulcral para que o/a psicólogo/a
seja capaz de aliviar a sobrecarga destes indivíduos. Discutir estas questões permite
compreender de forma mais detalhada e ajuda o doente a ganhar insight quanto às suas
experiências. A maioria tem interesse em explorar este tipo de questões e fica aliviado
após discuti-las. À medida que a doença vai progredindo, atividades que outrora eram
possíveis deixam de o ser e os interesses mudam, de forma que esta nova compreensão
de si torna-se ainda mais importante, pois oferece coerência com acontecimentos
presentes e novo significado.
Culpa: um tópico comum. Muitos doentes sentem que estão a ser punidos por
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ações que fizeram no passado que identificam com certeza injustificada. Isto não é
exatamente culpa, mas antes, atribuição à causa. Podem sim, sentir-se culpados
com o que estão a fazer à família, deixando-os sozinhos e desamparados, e
causando dor emocional, pesar e perturbando a vida familiar. Por sua vez, os
familiares poderão contribuir para um agravamento deste sentimento se
verbalizam acusações relacionadas com causalidade, auto-cuidado e falta de
força para lidar com a doença. A culpa é um elemento a ter em consideração
quando se diagnostica depressão. A pessoa com doença crónica e progressiva
que está deprimida poderá não exteriorizar os principais sintomas de depressão ou
ideação suicida e os sintomas que apresenta podem ser confundidos com a
trajetória natural da doença (por exemplo, fadiga, falta de apetite, menos vontade
de realizar tarefas). Os doentes deprimidos apresentam-se com sentimento de
culpa, crença de que não merecem ser tratados, não merecem ser salvos e
perderam o controlo e interesse das suas vidas. Este estado de espírito é
acompanhado pela perda de interesse em coisas que traziam prazer
anteriormente, baixa capacidade afetiva, contacto ocular pobre, negligência
consigo próprio e impermeabilidade a qualquer input externo. Estes doentes
poderão precisar de medicação, assim como doentes que apresentam altos níveis
de ansiedade que possam despoletar e despoletam ataques de pânico ou estados
confusionais.
Medo da morte: quando um doente é diagnosticado com uma doença crónica
progressiva, potencialmente ameaçadora do tempo de vida, a morte é algo que
vem imediatamente à sua mente. Para alguns doentes não é o medo da morte em
si, mas o medo de morrer, que atualmente pode ser controlado e isto é explicado
ao doente se ele/a assim o desejar. No entanto alguns doentes têm terror com a
ideia de estarem mortos, o que é muito mais difícil de explorar. Poderá estar
relacionado com a história pessoal, mas muitas vezes é algo bastante primitivo e
não está necessariamente disponível de forma consciente. Discutir esta temática
várias vezes em momentos distintos, de forma calma e num contexto seguro,
poderá facilitar a sua exploração. Uma revisão da vida com ênfase no significado
daquilo que fazem da sua vida o que ela é, e algumas observações psicodinâmicas
que valorizem e unam a narrativa podem trazer ao doente uma sensação de
sentir-se bem com quem é e com o que conseguiu/atingiu na sua vida, trazendo a
atenção novamente para a vida, mas sem nunca desvalorizar a importância que
tem para o doente discutir a morte.
Espiritualidade e Religião na psicoterapia de apoio: Doentes com crenças
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Família: a não ser que o doente esteja completamente sozinho, lidar com a família não é
uma opção, mas antes uma necessidade. Preocupações relativas aos relacionamentos e
dinâmicas devem ser avaliadas e discutidas. Muitas vezes, o pedido de consulta de
psicologia não tem a ver com a doença em si, mas antes com aquelas preocupações.
Inicialmente um doente pode estar em choque com o diagnóstico e a nova realidade,
focando-se no seu medo e luto antecipatório, não tendo disponibilidade emocional para
processar os mecanismos que se vão desenrolando paralelamente na sua família. Mais
ainda, quando ocorre numa situação de “conspiração do silêncio”. Mas à medida que o
tempo vai passando as atitudes dos familiares vão sendo percecionadas pelo doente e
geram um misto de sentimentos desde gratitude, culpa e preocupação, até desilusão,
ressentimento por falta de compromisso emocional ou ainda profundo sentimento de
amor, compreensão e suporte e segurança. Todos estes sentimentos poderão ter que ser
explorados.
A necessidade da família se envolver
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Perspetiva Histórica
A medição de resultados de intervenções tem uma longa história nos cuidados de saúde,
especialmente usando dados de mortalidade para avaliar os resultados. Um dos exemplos mais
antigos de recolha de dados periódica de mortalidade regista-se em 1532, quando Henry VII
começou a recolher “listas semanais de mortalidade” que enumeravam as mortes causadas por
epidemias da peste negra e outras doenças contagiosas. Em 1754 regista-se um dos primeiros
estudos empíricos para tratamento do escorbuto nos marinheiros ingleses realizado por Lind.
Estudou 12 marinheiros com escorbuto observando putrefação das gengivas, manchas, fraqueza
dos joelhos e condição geral de saúde. Administrou 6 tratamentos diferentes, um para cada par
de marinheiros e observou que em 6 dias, os marinheiros que receberam a intervenção “laranjas
e limões” tinha voltado a um estado de saúde normal. Os outros grupos não apresentaram
grandes diferenças. Ao registar de forma sistemática as intervenções e seus resultados, foi
possível fazer recomendações para modificação da dieta dos marinheiros. No séc XIX Florence
Nightingale desenvolveu um sistema de resultados clínicos durante a guerra em 1854, para
estudar e tentar reduzir o número de mortes. Recolheu dados sobre causa de morte e mostrou a
associação entre condições sanitárias e taxas de mortalidade: os soldados feridos não morriam
apenas devido aos ferimentos sofridos no campo de batalha, mas antes, devido às pobres
condições sanitárias do hospital onde eram tratados. Em 1856, após várias melhorias das
condições dos hospitais a taxa de mortalidade reduziu. No entanto Nightingale (1858) não estava
convencida de que números de mortalidade hospitalar eram suficientes como uma medida de
resultados de intervenções e mantinha a crença de que registar dados de não mortalidade eram
mais apropriado e útil para realmente compreender o efeito das intervenções.
No início do séc XX, Ernest Amory Codman, cirurgião ortopédico americano, desenvolveu a
noção de seguir os doentes na recuperação durante tempo suficiente para observar se o
tratamento (intervenção) tinha tido sucesso, e se não, perguntar porquê. Esta era a “ideia do
resultado final”, um grande avanço na recolha de resultados, para lá da recolha de taxas de
mortalidade. Codman desenvolveu ainda um sistema de cartões em que preenchia os detalhes
de cada caso antes e depois da cirurgia. Um ano após a intervenção olhava o cartão, examinava
o doente e o resultado da cirurgia era avaliado com base na condição do doente. Alguns dos
colegas de Codman fizeram o mesmo noutros hospitais, o que permitiu avaliar o resultado do
tratamento cirúrgico e comparação de cirurgiões individuais e hospitais disponíveis ao público.
Alguns dos seus pares opuseram-se, especialmente os mais séniores, cujo status era medido
pela senioridade e não pelos resultados da sua prática. Há cerca de um século atrás, Codman
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defendia que para se estabelecer uma relação clara entre um ato de cuidado de saúde e o seu
resultado, era necessário registar e recolher dados em grande número de observações ao longo
do tempo. Isso permitiria monitorizar a qualidade, avançar com a ciência e evidência clínica,
estabelecer responsabilidades, distribuir recursos e geri-los eficientemente, definir políticas de
pessoal, promover diferenciação funcional, permitir custear serviços e remunerar prestadores e
estimular competição justa.
Em 1966 Donabedian publica “Evaluating the quality of medical care” que descreve o modelo
estrutura- processo-resultado e conclui que apenas avaliando o resultado da intervenção se
torna possível compreender a eficácia e qualidade do cuidado prestado. Além disso, sublinha que
escolher o resultado correto a medir é fundamental e que medir resultados fáceis de registar e
recolher, que são irrelevantes, não tem qualquer utilidade. Finalmente, defende ainda que ter
diferentes perspetivas (doente, clínico, familiar/cuidador) e ter em atenção o contexto desses
resultados é a melhor maneira de evitar erros na medição de resultados em saúde.
Atualmente, numa era de prática baseada na evidência, a medição sistemática é considerada
não só uma necessidade, mas também um requisito para melhorar a qualidade dos serviços
prestados ao doente.
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que nos permitam perceber se de facto o cuidado que prestamos aos doentes e familiares é de
qualidade elevada, se as intervenções realizadas tiveram o melhor resultado possível, e,
comunicar esses resultados de forma clara e precisa. Só assim podemos avaliar e melhorar
aspetos do serviço prestado, mantendo um nível de qualidade elevado que esta área exige.
Dado que, tal como já foi referido neste manual, os cuidados paliativos são prestados em
diferentes valências, diferentes populações e diferentes regiões no mesmo país e países
diferentes, é necessário definir indicadores de qualidade universais, por forma a serem medidos
e comparados. Pode definir-se um indicador de qualidade na saúde como um aspeto da saúde
quantificável e comparável, ou um evento de cuidados de saúde que é caracterizado como
crítico. Foi já realizado trabalho extenso, quer na Europa, quer nos Estados Unidos, quer ainda na
Austrália, para definir os indicadores de qualidade indispensáveis na área dos cuidados
paliativos. Um desses projetos foi desenvolvido para definir normas de medição da qualidade
dos cuidados prestados especificamente em cuidados paliativos, o Measuring What Matters
(MWM) framework. No final, foi desenvolvida uma lista de dez indicadores de qualidade,
clinicamente relevantes e transversos a todos os serviços: (1) realização de uma avaliação
compreensiva das necessidades paliativas, (2) triagem de sintomas físicos, (3) gestão da dor, (4)
triagem de dispneia e seu tratamento ou gestão, (5) discussão de necessidades
emocionais/psicológicas, (6) discussão de preocupações espirituais e/ou religiosas, (7)
documentação do (futuro) representante legal, (8) documentação de preferências de tratamentos
e (9) cuidados prestados em consonância com preferências documentadas. O décimo indicador é
uma medida da experiência dos cuidados em fim de vida da perspetiva do doente e da perspetiva
da família, mas, não há nenhum questionário indicado para medir esse indicador. Quanto aos
indicadores num dos projetos europeus, eles são (1) documentação de uma visita domiciliária
de luto no espaço de uma semana após a morte, (2) acesso/disponibilidade a uma sala
para reuniões com a família, (3) número reduzido de doentes a receber quimioterapia nas duas
últimas semanas de vida, (4) evidência de controlo da dor, (5) quantificação/registo do nível de
dor, (6) quantificação/registo dos sintomas gastrointestinais, e (7) avaliação da qualidade da
comunicação entre prestadores de cuidados e doente/família.
Apesar de a componente física estar mais representada, como seria de esperar, ambas as listas
de indicadores de qualidade têm presente a componente psicológica. É fundamental então que
o/a psicólogo/a desenvolva uma rotina de registos, que inclua a sua análise e interpretação, para
que possa melhorar continuamente e manter a sua prática clínica com elevada qualidade.
A medição da qualidade dos serviços de cuidados paliativos e em fim de vida é uma prioridade
de nível internacional. O contínuo desenvolvimento de indicadores de qualidade usando dados
administrativos, dados clínicos e dados reportados pelo doente permite que se façam
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comparações num mesmo serviço, assim como, entre serviços, ajudando a avançar as melhores
práticas.
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Ter conhecimento da teoria é fundamental para se fazer um trabalho clínico com qualidade. No
entanto, aplicar a teoria na prática apresenta sempre algumas dificuldades que são de esperar.
No contexto dos cuidados paliativos, dado que o/a psicólogo/a trabalha como parte integrante de
uma equipa e a população que é atendida nos diferentes contextos tem características
específicas (já mencionadas neste manual), a implementação de intervenções e/ou de medidas
é quase sempre acompanhada de desafios, por vezes complexos, que têm de ser abordados e
resolvidos por fases. Por exemplo, a framework de implementação de guidelines na prática
clínica descrita por Moulding e colegas, apresenta 5 passos distintos: avaliação da fase de
preparação do clínico para a mudança, avaliação de barreiras específicas para a utilização das
guidelines, determinação do nível apropriado de intervenção, desenho de estratégias de
disseminação e implementação e sua avaliação. Uma outra framework, ‘Promoting Action on
Research Implementation in Health Services’ (PARIHS), foi desenvolvida para incorporar
resultados de investigação na prática clínica. Os autores sugerem que a implementação do novo
conhecimento é uma função da relação entre a natureza da evidência/conhecimento, o contexto
em que a mudança proposta será implementada e os mecanismos pelos quais a mudança será
facilitada. Os autores defendem que (a) implementar novo conhecimento na prática é uma
questão organizacional e não uma questão individual; (2) é necessário planear cuidadosamente
estratégias de implementação como por exemplo ações breves de formação/educação, auditoria
e gestão das diferentes mudanças que vão ocorrendo e (c) identificar e definir critérios em
equipa para avaliar o impacto da intervenção antes de implementar qualquer mudança. Assim,
há um papel de facilitador/a que deve ser ocupado, pois é necessário que todos estes passos
sejam monitorizados. Pode considerar-se que o papel do facilitador é uma intervenção para
implementar o novo conhecimento na prática clínica.
Implementação
A investigação em implementação emerge como uma forma de lidar com diferentes problemas
na qualidade da implementação de intervenções, básicas ou complexas, a nível do doente,
profissional de saúde, contexto clínico ou sistema de saúde. Pode definir-se como ‘‘estudo
científico de métodos que promovem não só implementação na rotina diária de novas
intervenções de saúde com base empírica, mas também outras práticas com base na evidência
...para melhorar a qualidade (efetividade, fiabilidade, segurança, adequação, equidade,
eficiência) dos cuidados de saúde’’. Assim, torna-se necessário e urgente um investimento em
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Estratégias de implementação
Podem ser definidas como processos de intervenção sistemáticos para adotar e integrar
inovações de saúde com base na evidência na rotina diária de cuidados de saúde. Powell et al.
(2012) fazem uma distinção entre implementação de estratégias “discreta” que abrangem ações
únicas (ex.: workshops educacionais), estratégias ‘‘multifacetadas’’ que combinam duas ou mais
ações “discretas” (ex.: treino mais auditoria e feedback), ou, estratégias de implementação mais
compreensivas que incorporam diversas estratégias numa única intervenção. Estas podem e
têm sido usadas para planear, educar, financiar, restruturar, fazer gestão de qualidade e
contribuir para o contexto de desenvolvimento e alteração de políticas para facilitar a
implementação. Existem várias revisões sistemáticas de estratégias de implementação na saúde
mental que se focam no treino de intervenções com base empírica. Os resultados mais robustos
nesta literatura relacionam-se com o facto de abordagens passivas à implementação (ex.:
workshop de sessão única e distribuição de manuais de tratamento) poderão aumentar o
conhecimento dos prestadores de cuidados e até predispô-los a adotar um tratamento ou
intervenção, mas, fazem pouco no que diz respeito a produzir mudanças significativas de
comportamento de ação (Davis & Davis, 2009). Por outro lado, abordagens de treino efetivo,
muitas vezes envolvem estratégias multifacetadas incluindo até um manual de tratamento, mas
também, workshops intensivos de múltiplos dias, consulta com peritos da área, revisão de
sessões com clientes/doentes, sessões de supervisão, e realização de um ou mais estudos de
caso.
Modelos de implementação
Existem vários modelos de implementação. Serão apresentados dois de forma resumida. Proctor
et al.’s (2009) defendem que esforços de implementação requerem não só uma intervenção com
base na evidência, mas também uma ou várias estratégias de implementação desenhadas
especificamente para integrar aquela intervenção na rotina diária daquele contexto clínico.
Diferenciam entre resultados ou outcomes de implementação tais como, aceitabilidade, custo,
fidelidade, penetração e sustentabilidade; e resultados ou outcomes dos serviços, como
eficiência, segurança e oportunidade/timing; e resultados ou outcomes do doente/cliente, como
por exemplo, redução da carga sintomática e melhoria da qualidade de vida. Para além de
enquadrar os principais elementos de investigação na implementação, este modelo concetual
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identifica estratégias de implementação como sendo componentes chave que podem ser
manipuladas para atingir efeitos diferenciados na implementação, serviço e resultados ou
outcomes clínicos. Apesar de o objetivo final dos esforços de implementação seja melhorar
resultados ou outcomes clínicos, os “resultados ou outcomes intermédios” como a
implementação propriamente dita e os resultados ou outcomes do contexto de saúde também
são importantes, particularmente em relação às estratégias de implementação. Melhorar a
aceitabilidade de intervenções ou a eficiência dos serviços, mesmo sem melhorar os resultados
ou outcomes clínicos, pode ser uma mais-valia em si. A avaliação empírica de estratégias de
implementação pode potencialmente forcar-se apenas nos resultados ou outcomes de
implementação, resultados ou outcomes do serviço clínico, ou resultados ou outcomes clínicos,
embora seja possível uma combinação dos três. O modelo também inclui estratégias de
implementação a diferentes níveis, explicitando vários de níveis de contexto, incluindo sistema
ambiental, organizacional, grupo, supervisão, prestador dos serviços e consumidor ou cliente. O
outro modelo, Consolidated Framework for Implementation Research (CFIR), oferece uma das
visões gerais mais compreensivas de teorias chave e modelos concetuais para informar
investigação e prática de implementação. O CFIR sugere que a implementação é influenciada
por: (1) características da intervenção (suporte de evidência, vantagem relativa, adaptabilidade,
possibilidade de ser testada, e complexidade), (2) contexto externo (necessidades e recursos do
doente, relações organizacionais, pressão de pares, políticas externas e incentivos), (3) contexto
interno (características estruturais, rede de suporte e comunicação, cultura, clima e prontidão
para a implementação), (4) características dos indivíduos envolvidos (conhecimento, auto-
eficácia, nível de mudança, identificação com a organização, etc.), e (5) o processo de
implementação (planeamento, empenho, execução, reflexão, e avaliação). Este modelo apreende
a complexidade de natureza multinível e sugere (implicitamente) que uma implementação bem
sucedida poderá necessitar do uso de várias estratégias que exerçam os seus efeitos em
múltiplos níveis do contexto da implementação. Cada aspeto mutável do contexto de
implementação é potencialmente permeável à aplicação de estratégias de implementação
focadas, desenhadas explicitamente para aquele resolver determinada questão num ou mais
níveis do contexto (ex.: conhecimento a nível do clínico ou auto-eficácia, cultura organizacional e
clima, restrições financeiras, etc.), enquanto que uma estratégia ‘adaptada’’ abordaria um ou
mais níveis para um tratamento específico, organização, ou contexto de tratamento com base na
identificação prospetiva de barreiras à mudança. Examinar a investigação (e esforços de
implementação no mundo real) através da lente do CFIR dá-nos alguma indicação sobre se as
estratégias abordam aspetos importantes da implementação de forma compreensiva ou
abrangente.
Implementar uma mudança na prática clínica é um processo complexo que ocorre em diversos
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Poderá haver vários benefícios, no contexto dos cuidados paliativos, em usar de forma
sistemática medidas de outcomes reportadas pelos doentes, a nível do indivíduo e da
população:
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Estudo de caso
1:Quais têm sido os seus principais problemas ou preocupações durante os últimos 3 dias?
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
7: Tem sido capaz de partilhar com a sua família ou amigos a forma como se tem sentido, tanto
quanto queria?
Na reunião o psicólogo sugere alterações à forma como até então se têm processado os
pedidos/encaminhamento de consulta de psicologia, que até então não tinham como base
critérios definidos, mas antes, recaíam na observação direta e avaliação subjetiva por parte dos
enfermeiros e médicos em relação ao doente e familiares, que se lhes parecesse correto,
reportavam em pessoa ou ao telefone ao psicólogo, que por sua vez ia falar com o doente e
família e explicar o que tinha a oferecer. Assim, pergunta aos enfermeiros se é viável que o/a
enfermeiro/a presente no momento do internamento informe o doente e familiares que a consulta
de psicologia está disponível e que, se o doente pontuar em qualquer um dos itens mencionados
por si, 3 ou 4 (pontuação máxima=pior problema possível), sugerir o encaminhamento e registar
no processo do doente se foi aceite, e se não foi, registar isso mesmo e a razão (se o doente
tiver sido explícito). Também o encaminhamento dos familiares deverá ser registado. A estratégia
de observação direta não seria completamente descartada, já que era o método implementado,
mas, a pontuação nos itens seria um critério definido. Alguns enfermeiros expressam
preocupação, pois, o processo clínico do doente tem os registos perfeitamente encadeados e
não vêm forma de acrescentar essa informação. No entanto, o psicólogo insiste que gostaria de
tentar essa abordagem e disponibiliza-se a discutir os registos com membros da equipa de
enfermagem e da equipa médica para se tentar chegar a um consenso. Pede ainda que o
procedimento proposto seja revisto dali a um ou dois meses para perceber se funciona e que
ajustes são necessários. O psicólogo tem também de considerar como vai fazer e se faz sentido
fazer uma avaliação antes e depois da sua intervenção nos doentes, dado que está bastante
dependente da fase da doença – ex.: doentes admitidos em fase agónica poderão não ter tempo
para intervenção de psicologia, mesmo que de alguma forma expressassem o seu interesse;
doentes que após alta tivessem condições de serem seguidos em consulta externa, teriam
tempo para receber intervenção e fazer uma avaliação longitudinal dessa intervenção). O
psicólogo irá alterar os seus registos para incluir a nova informação. A equipa decide também
agregar os dados individuais do IPOS a nível do serviço fazendo uma caracterização das
necessidades paliativas da população que atende e perceber que necessidades são resolvidas e
que melhorias são necessárias no serviço para melhorar a qualidade dos cuidados prestados.
Fica decidido que este exercício de auditoria irá ser realizado de 6 em 6 meses, mas o timing
poderá ser alterado. Uma das enfermeiras sugere que se utilize a informação da medida nas
cartas enviadas aos médicos de família como forma de sintetizar, mas também quantificar
problemas (que por vezes são de difícil explicação por escrito) para facilitar a comunicação entre
os diferentes profissionais de saúde que seguem o doente em diferentes instituições. A equipa
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decide reunir novamente para discutir preparativos finais e iniciar os novos procedimentos dali a
15 dias. Na reunião seguinte decidem implementar os novos procedimento durante 2 meses.
Entre outras ocorrências, observou-se um aumento do número de pedidos de consulta de
psicologia. Após discussão na equipa, este aumento parece ter como explicação o facto de
serem os doentes a reportar os problemas e os profissionais de saúde perguntarem sobre esses
mesmos problemas, já que, uma vez que estão explicitamente reportados, torna-se mais fáci
discutir e oferecer uma potencial consulta de psicologia. Antes da medida, talvez os doentes não
se referissem a problemas não físicos por receio de desviar a atenção da sintomatologia física
que os tinha levado ao internamento e, talvez os profissionais de saúde não perguntassem tanto
sobre a sintomatologia não física, já que, não tinham critérios definidos para decidir sobre o que
fazer caso o doente verbalizasse, mas não aparentasse essas problemáticas. Apesar de dois
meses não fornecerem muitos dados, observou-se no geral, uma boa resolução de sintomatologia
física, sendo esse o forte da equipa, mas, as necessidades não físicas não mostraram grande
melhoria. Dado o aumento do número de pedidos de consulta de psicologia, será feita uma
reavaliação não só dessas mesmas necessidades, mas também do número de horas de trabalho
do psicólogo, que poderá ser aumentado. A consulta de luto mantém-se semelhante. O aumento
de pedidos de familiares abre a hipótese de se criar consulta de grupo. Será reavaliado.
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O papel do/a psicólogo/a nos cuidados paliativos, decisões em fim de vida e qualidade dos
cuidados
Os/as psicólogos/as podem contribuir para o bem-estar emocional antes da doença ser
diagnosticada (no caso de doenças genéticas), antes da doença ter qualquer impacto físico na
vida do/a doente, após o diagnóstico, durante os tratamentos, ao longo da trajetória da doença à
medida que vai agravando, no processo da morte e luto antecipatório (doente e familiares) e
depois da morte, no acompanhamento do luto aos sobreviventes. Pode dizer-se que exercem a
sua função a três níveis: (1) competências básicas em estabelecer e manter relações de suporte,
(2) competências em selecionar e realizar uma intervenção psicológica específica para um
determinado problema ou disfunção, e (3) competências avançadas para desenvolver e aplicar
um plano terapêutico incluindo intervenções psicológicas especificamente adaptadas para
problemáticas mais complicadas.
Considerando que: nem todos os doentes em cuidados paliativos e em fim de vida e seus
familiares necessitam de apoio psicológico; os profissionais que trabalham em equipas de
cuidados paliativos têm formação básica em comunicação, têm conhecimento básico das
dinâmicas psicológicas e emocionais desta fase de vida e sabem usar empatia e escuta ativa
como ferramentas para ir ao encontro de necessidades emocionais do doente e familiares;
muitos doentes e familiares quando sentem que têm alguém que os ouve conseguem gerir a
ansiedade e medos relacionados com a fase de vida em que se encontram, não precisando de
serviços especializados de psicologia, torna-se confuso definir o papel do/a psicólogo/a, pois o
suporte psicológico não é exclusivo ao profissional de psicologia. Assim, são escassas as
instituições que definem claramente o papel do/a psicólogo/a na equipa de cuidados paliativos.
Além disso, é esperado que ocorram oscilações de humor, picos de ansiedade e outras
problemáticas inerentes ao diagnóstico e vivência com uma doença crónica progressiva e
potencialmente limitadora de vida e sofrimento existencial no fim da vida. É então preciso cuidado
para evitar o erro de ver patologia onde ela não existe.
No Reino Unido, o National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) propõe um modelo
diferenciado de avaliação e intervenção psicológica. O modelo piramidal apresenta quatro níveis
de avaliação psicológica e intervenção para todos os profissionais de cuidados paliativos, com
intervenção especializada de psicologia no topo (ver Figura).
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O trabalho do/a psicólogo/a, que visa melhorar a saúde mental, está já enraizado na área das
doenças crónicas, como por exemplo, doença cardíaca, doença oncológica, SIDA, demência,
dor crónica e obesidade mórbida, anorexia e bulimia. A intervenção psicológica nestas
populações inclui psicoterapia para a depressão e ansiedade, stress e gestão da dor, treino de
relaxamento muscular progressivo e visualização, assim como psicoterapia familiar e de grupo.
Para doentes em fim de vida, muitas vezes hospitalizados durante longos períodos de tempo e
que na maior parte dos casos morrem em ambiente hospitalar, a componente existencial deve ser
avaliada e o doente deve ser acompanhado de forma que o foco dos cuidados não seja exclusivo
à dimensão física. O contributo do/a psicólogo/a é fundamental, pois é difícil imaginar um outro
momento de vida mais emocionalmente intenso do que quando um doente se confronta com a
sua mortalidade, consciencializando-se do seu declínio e sucessivas perdas, e eventual
momento da sua morte.
A American Psychological Association define quatro papéis que o/a psicólogo/a cumpre na área
dos cuidados paliativos e em fim de vida:
Papel clínico – identificação e tratamento de questões psicológicas, emocionais e existenciais
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Papel educativo e formativo – em relação aos doentes e familiares, o/a psicólogo/a educa, de
certo modo, a compreender a perda, o luto e diferenças entre tristeza normal e depressão clínica.
Pode ainda informar acerca de diretivas antecipadas de vontade e testamento vital. Pode
esclarecer outros profissionais de saúde quanto a estratégias de coping e técnicas de
relaxamento, ou ainda, dar formação periódica de determinadas técnicas, como por exemplo,
protocolo de como dar más notícias (ver protocolo SPIKES) e técnicas de escuta ativa (ver
protocolo SAGE & THYME). Colabora na formação de psicólogos estagiários e colegas que
estão a mudar de área de intervenção.
À medida que as pessoas se aproximam do final das suas vidas, doentes e familiares enfrentam
e têm de lidar com decisões e tarefas, algumas bem complexas. Poderão ser de dimensão
prática, psicológica, social, espiritual, legal, existencial ou médica. Por exemplo, uma pessoa em
fim de vida poderá ter que fazer escolhas quanto ao grau de envolvimento da família no que diz
respeito a serem os principais cuidadores ou antes contratar ajuda profissional, terá que decidir
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
quem fará as decisões se/quando já não estiver apto. Poderá ter que decidir quem ficará com a
custódia de menores se o cônjuge não estiver disponível (ou não existir) e querer fazer um
testamento. Mas também têm que decidir onde e como gastar o seu tempo e energia cada vez
mais escassos e essa decisão estará relacionada com decisões quanto ao plano terapêutico. É
comum doentes marcarem uma data de um acontecimento no qual querem estar presentes e
algumas decisões terão essa data em consideração (por exemplo estar presente numa
formatura, num casamento, num nascimento, num batizado ou comunhão). Há também aspetos
culturais e religiosos a respeitar, pois se há doentes que querem refletir no significado da vida,
fazer uma revisão geral daquilo que foi a sua vida e o que significaram para outras pessoas e
necessitam de resolver e encerrar assuntos, há também doentes que querem preparar rituais,
confessar-se para juntar-se ao seu criador ou pedir perdão pelos seus pecados e morrer com a
consciência tranquila. Por outro lado, nalgumas culturas poderá ser inapropriado planear ou até
discutir a morte, pois o doente ou os familiares sentem que ao falar do momento da morte
abertamente, estão a convidá-la a vir buscar o doente mais dpressa. O papel do psicólogo é
então fundamental para compreender o pedido de cada doente, assim como o seu significado e o
contexto desse mesmo pedido. Algumas questões poderão ser resolvidas na consulta, mas
outras passarão por contactar outros profissionais e líderes religiosos que possam responder às
necessidades religiosas do doente e família. O mais importante a ter em conta é estar em
constante comunicação com o resto da equipa, pois a maior parte das escolhas em fim de vida e
até as decisões médicas têm componentes psicológicas e sociais e ramificações complexas,
cujas consequências têm um impacto significativo no sofrimento e na qualidade de vida e da
morte.
A realidade do trabalho diário acarreta dificuldades e há evidência científica que suporta essas
mesmas dificuldades. Fan e colegas reportam num estudo qualitativo de 2015 os principais
desafios internos e externos de psicólogos/as clínicos/as a trabalhar em serviços de cuidados
paliativos.
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
Categorias Ações
Questões relacionadas com a morte: ansiedade de morte, preparação para morrer – por
exemplo ordem para não ressuscitar
Doentes
Relações familiares: comunicação entre o/a doente e familiares, assuntos pendentes
que necessitam de resolução
Trabalho na Promover a aceitação natural dos serviços de cuidados paliativos dando palestras e
comunidade estando presente em reuniões informais de pessoas interessadas em saber mais
2. Definir com clareza o trabalho realizado no dia-a-dia: a) “É difícil explicar o que faço.
Decididamente não é psicoterapia tradicional. E trabalho mesmo sem um gabinete, até
porque eu não estou no gabinete à espera dos doentes, eu estou onde o doente está:
na cama do internamento, na sala do centro de dia, no jardim do centro de
reabilitação”; b) “É difícil dizer se estou a fazer uma avaliação ou se estou a fazer uma
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
intervenção, não há uma divisão clara um ponto de corte entre um e outro. Talvez
esteja a fazê-las ao mesmo tempo. Os doentes não têm muito tempo. Tenho que fazer
várias coisas numa sessão.”
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
Falha na evidência científica: maioria dos estudos que descrevem intervenções de cuidados
paliativos não reportam componentes de intervenção psicológica nem medidas de resultados
Numa recente revisão da literatura, Kozlov e colegas avaliaram 59 artigos que descreviam
intervenções de cuidados paliativos multicomponentes que incluíam componente intervencional
de saúde mental e seus resultados, para melhor compreender o estado atual da psicologia nos
cuidados paliativos. A maioria dos artigos (69.5%) não descreve qualquer detalhe sobre o
formato da componente psicológica prestada como parte da intervenção dos cuidados paliativos.
A maioria dos estudos (54.2%) não especificou que membro da equipa é que era responsável
por prestar a intervenção psicológica. Houve grande variação entre os estudos quanto à medida
de resultados utilizada; foram utilizadas escalas de multi-sintomas em 54.2% dos estudos,
escalas de saúde mental em 25.4%, escalas de qualidade de vida e distress em 16.9%, e
nenhuma escala psicológica foi reportada em 28.8%. Menos de metade dos estudos (42.4%)
documentaram uma mudança no resultado do estado psicológico após a intervenção. Assim, os
autores concluíram que a maioria dos estudos falhou em descrever como é que sintomas
psicológicos eram identificados e tratados, que disciplina da equipa prestava o tratamento e se
os sintomas psicológicos melhoravam como resultado da intervenção. Os autores concluem que
há uma necessidade imensa e urgente de investigação específica e bem desenhada que
determine qual a forma mais eficiente de identificar e intervir nos sintomas psicológicos de
doentes com doença avançada e suas famílias que recebem cuidados paliativos. Há uma falha
no rigor e na especificidade no trabalho que é feito e reportado como prestação de apoio
psicológico neste contexto. Há já evidência robusta sobre diferentes intervenções eficazes nesta
população que aliviam sintomas psicológicos como a depressão e a ansiedade, nomeadamente
terapia cognitiva comportamental modificada, psicoterapia centrada no significado e terapia da
dignidade. Os serviços de cuidados paliativos devem integrar psicoterapias com base na
evidência nas suas intervenções de cuidados paliativos multicomponentes. É verdade que nem
todos os doentes e familiares precisam que apoio psicológico especializado, mas, para aqueles
que sofrem com sintomas psicológicos clinicamente significativos, é essencial que as equipas de
cuidados paliativos saibam identificar doentes e familiares que os apresentam, e oferecer
intervenções psicológicas prestadas por profissionais especializados, psicólogos/as, e não
apenas apoio psicossocial.
Leitura complementar: APA report psychology roles eol, protocolo SPIKES; protocolo SAGE &
THYME
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
Primeiro passo: dar-se a conhecer – clarificar o(s) seu(s) papel (papéis) à equipa
multidisciplinar e outros serviços da instituição
É impossível maximizar a presença do/a psicólogo/a como parte integrante de uma equipa
multidisciplinar e de uma instituição se estas não sabem qual o papel do/a psicólogo/a e, por
consequência, a mais valia que a sua presença tem para os doentes, familiares e profissionais de
saúde. O/A psicólogo/a tem então a responsabilidade de se apresentar à equipa a que pertence e
serviços com os quais colabora para que saibam da sua existência, competências e melhor forma
de o/a contactarem para colaborações. Há várias formas de o fazer, mas talvez o mais eficaz
seja uma combinação de diferentes estratégias: a) ir ao local onde se encontram os outros
profissionais de saúde e apresentar- se em pessoa. Demora apenas alguns minutos e tem maior
impacto do que enviar apenas um email para caixas de correio que talvez não sejam lidas
diariamente. Os profissionais de saúde ficam a saber da existência do serviço de psicologia e
podem, logo no momento, colocar dúvidas; b) elaborar e distribuir um panfleto tamanho A4 ou
A5 que responda às seguintes questões: “Quem é e o que faz um/a psicólogo/a clínico/a?”,
“Porquê ir a uma consulta de psicologia?/Quais os benefícios?”, “Quem pode ir a uma consulta
de psicologia?”, “Como posso referenciar para a consulta de psicologia?”, “Como posso marcar
uma consulta de psicologia?”; c) enviar um email para todos os profissionais de saúde da
instituição com a informação do panfleto resumida to corpo do texto e o panfleto em PDF em
anexo. O contacto deve estar sempre incluído na assinatura do email; d) pedir aos colegas da
equipa multidisciplinar que mencionem a existência do/a psicólogo/a quando falarem com
colegas de outros serviços; e) fazer visitas periódicas aos serviços, especialmente quando há
integração de novos colaboradores.
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
importante marcar uma reunião com todos os membros da equipa. Dependendo do tipo de
serviço, poderá não ser possível falar com todos ao mesmo tempo e será necessário marcar
mais reuniões. O principal objetivo destas reuniões será definir critérios de referenciação para a
consulta de psicologia e esclarecer a existência ou ausência de espaço físico para a consulta,
sendo que, o ideal seria de facto haver, mesmo que partilhado com outras especialidades, com
as quais se definiriam horários de utilização. Estas reuniões devem ser realizadas num espaço
de 20 minutos e não devem exceder nunca os 30 minutos. Isto beneficiará os objetivos da
reunião e não dará espaço a discussões de outros tópicos que não são para ter naquele
momento. É da responsabilidade do/a psicólogo/a ser assertivo e conduzir a reunião para que se
cumpram os objetivos. Poderá também preparar alguns slides para auxílio de definição de
critérios, frizando sempre que não são absolutos, mas sim, uma mais-valia para triar doentes e
ajudar a identificar aqueles que têm necessidades psicológicas e emocionais. Importante
também é clarificar aos colegas que tal como qualquer consulta de especialidade que é proposta
ao doente, este não é obrigado a aceitar e permanecer em seguimento, e que essa informação é
sempre esclarecida quando o/a doente ou familiar vem à primeira consulta (que em muitos casos
será a única). No final da reunião é útil distribuir panfletos de tamanho A6/ de bolso com os
critérios de referenciação definidos, juntamente com o contacto do/a psicólogo/a, para que os
colegas os tenham à mão e consultar sempre que precisem. Os critérios de referenciação devem
ser definidos pelo psicólogo em conjunto com os colegas, tendo em conta a população que
atendem (doentes em fase mais precoce de doença, doentes em fim de vida, crianças,
adolescentes) e tendo sempre em mente que não são absolutos e mudarão ao longo do tempo,
à medida que o serviço evolui. Na tabela abaixo está um exemplo de possíveis critérios de
referenciação e ações a realizar por parte dos profissionais de saúde:
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
Contactar psicólogo/a
para aconselhamento e
possível referenciação
Referenciar para
Acima descritos e:
psiquiatria
Indicação de risco para si próprio ou outros, ou
Contactar e informar
negligência consigo mesmo
psicólogo/a (que deverá
Problemas Problemas significativos com álcool/drogas
ter contacto de
graves/Urgentes Alterações severas do estado mental (psicose,
psiquiatria caso não haja
delírio)
na instituição)
Possíveis influências biológicas no estado
Registar no processo
emocional
clínico do doente
Em relação ao espaço físico, é necessário saber se existe algum gabinete disponível e se sim, é
importante determinar claramente se é para uso exclusivo do/a psicólgo/a, se é partilhado e
definir o horário de partilha com outro(s) colega(s) ou especialidade(s). É importante que fique por
escrito e haja um registo das horas que efetivamente foram usadas no gabinete e por quem.
Registos
Foi já referida a importância de criar e manter registos atualizados e precisos, não só para
consulta e utilização a nível do doente individual (leia-se também casal, família ou grupo), mas
também, para análise dos dados agregados para apreciação da qualidade do serviço prestado,
alterações/melhorias das intervenções que devem ser mantidas ao longo do tempo e à medida
que o serviço evolui.
O serviço poderá ter registos em papel ou formato eletrónico e terá, por isso, campos pré feitos
para preencher. No entanto, estes poderão não ser os mais apropriados e cabe ao/à psicólogo/a
adaptá-los ou criar um registo próprio para a consulta de psicolgia. Deverá ter sempre em conta
que estes registos são confidenciais e não podem ser lidos por ninguém a não ser que o doente
dê autorização para tal. Assim, se o registo for em formato eletrónico, deverá ser usado o campo
privado do utilizador ao qual mais nenhum utilizador tem acesso. No caso dos registos em papel,
estes deverão estar separados do processo clínico do doente. Em ambos os formatos deverá
haver indicação no processo clínico do doente de que foi referenciado para a consulta de
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
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Manual – O Papel dos Psicólogos nos Cuidados Paliativos
com muitos itens. O/A psicólogo/a deve então ser criterioso na sua escolha, tendo também em
atenção que apenas deve usar medidas devidamente adaptadas e validadas para a população
que está a atender. Um exemplo de uma medida de resultados para identificar problemáticas e
avaliar resultado/eficácia da intervenção (ou seja utiliza- se a medida antes e depois da
intervenção e comparam-se as pontuações para ver se há diferenças) é o Inventário de Sintomas
Psicopatológicos (BSI), cuja ficha técnica está disponível em http://rimas.uc.pt/instrumentos/91/
que avalia sintomas psicopatológicos em termos de nove dimensões de sintomatologia e três
Índices Globais (avaliações sumárias de perturbação emocional). Constituída por 53 itens e
possivelmente muito longa para doentes em estado avançado de doença e fim de vida, mas
poderá ser apropriado para doentes em fase mais precoce da doença e familiares. Um exemplo
de uma medida de resultados para identificar problemáticas e avaliar resultado/eficácia da
intervenção é a Escala de Imagem Corporal (BIS) constituída por 10 itens. Ficha técnica
disponível em http://rimas.uc.pt/instrumentos/90/ (para ver o questionário ver artigo Moreira
2010).
Ansiedade e depressão
Comportamentos suicidários
Conflitos familiares
Perda de um filho
Pedido de ajuda do cônjuge para preparar filhos menores para perda de pai/mãe
Luto antecipatório
Luto patológico
Grupos
A escolha da(s) intervenç(ões) depende(m) do/a psicólogo/a, da situação e contexto e do/a
próprio/a doente, assim como do desenvolvimento de nova evidência. Desta forma deixamos um
exemplo de uma intervenção para doentes com luto antecipatório e 4 intervenções para o luto
após a morte, com base em quatro teorias, nomeadamente, psicanalítica,
cognitivocomportamental, gestalt e existencial. Mais uma vez frisamos que o/a psicólogo/a tem
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O luto antecipatório no doente pode ser uma resposta a ameaças de perda de função e tornar-se
dependente de terceiros, perda de identidade, e alterações na definição dos diferentes papéis
que sempre teve, e ainda, ao medo da morte. Lidar com a perspetiva de múltiplas perdas é
então uma das primeiras tarefas mentais do doente diagnosticado com doença avançada e
ameaçadora de vida. O luto antecipatório pode ser descrito como um conjunto de respostas
emocionais intensas, como ansiedade de separação, isolamento existencial, negação, tristeza,
desilusão, zanga, ressentimento, culpa, exaustão e desespero.
Os familiares de pessoas com doença avançada (oncológica e não oncológica), e possivelmente
limitadora do tempo de vida, são expostos a níveis elevados de stress físico, mental e social. Há
vários autores que defendem que a oportunidade para os familiares processarem a ideia de que
o doente vai morrer, e dessa forma experienciar luto antecipatório, é muito importante para
progredir no processo do luto, quer antes, quer depois da morte. O luto antecipatório é definido
como uma resposta normal à antecipação de perda, multidimensional e dinâmica. Parece ser
parte essencial do processo natural de lidar com a perda; no entanto, parece ser necessário
intervir, de uma forma geral, para ajudar os indivíduos na sua experiência de luto antecipatório.
Ocorre em várias fases, nomeadamente, choque quanto à perda que está para vir, negação da
realidade da perda e eventualmente, aceitação. Por outras palavras, o luto antecipatório parece
mudar ao longo do tempo. No entanto, deve ser visto como um processo mental adaptativo à
doença e morte do ente querido, e não apenas uma reação à probabilidade da morte do doente
acontecer ao fim de algum tempo. Antecipar a morte do doente pode tornar os familiares e
cuidadores mais conscientes da mortalidade do doente e da sua própria mortalidade. Muitas
vezes ocorre uma sensação de “estar estático no tempo” e sentir que é impossível planear para
o futuro, o que pode levar a possíveis respostas maladaptativas ao luto. O luto antecipatório
parece ter fraca, mas significativa correlação com o luto após a morte – especificamente, está
associado com alta intensidade de zanga, perda de controlo emocional e respostas atípicas ao
luto. Assim, parece haver alguma controvérsia quanto ao significado do luto antecipatório no
familiar. (Coelho 2017)
O desenvolvimento da Acceptance and Commitment Therapy (ACT) propõe que um fator central
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O desgosto após o luto não é uma desordem psiquiátrica, mas uma reação normal à perda. No
entanto, enquanto a perda e desgosto são fundamentais na vida humana, as consequências do
luto variam de indivíduo para indivíduo. Para pessoas altamente resilientes, o desgosto na sua
fase mais aguda pode estar limitado a algumas semanas, e para a amioria das pessoas vai
passando/resolvendo com o tempo. Para um sub-grupo de indivíduos, no entanto, cerca de 10–
15%, os sintomas de distress após a morte de um ente querido ou amigo chegado, são mais
intensos e persistentes. O luto patológico pode estar associado a prloblemas físicos e mentais
severos, como, insónia, abuso de substâncias, depressão, sistema imune deprimido,
hipertensão, problemas cardíacos, cancro, suicídio, e problemas sociais e profissionais.
Indivíduos com estas problemáticas reportam utilização mais elevada de serviços médicos e
hospitalizações mais frequentes do que pessoas que tiveram as mesmas perdas, mas cujo luto
foi menos intenso ou de menor duração. Estes efeitos podem durar entre 4 a 9 após a morte.
Na tabela apresentam-se fatores de risco para o desenvolvimento de luto patológico. No
contexto dos cuidados paliativos, pessoas enlutadas tiveram normalmente o papel de cuidador
principal, que podem ter consequências emocionais negativas, mas também positivas e com
maior propensão para morbilidade física e psicológica, desvantagem financeira e isolamento
social. A taxa de depressão neste coorte está entre os 12 e 59% e a ansiedade entre 30 e 50%.
Para todos os indivíduos enlutados, o desgosto é experienciado no contexto de todo o seu ser,
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Follow up
Após alta da consulta é importante fazer um follow up de 3 meses, 6 meses e um ano, assim como
entrar em contacto perto do aniversário da morte do ente querido. Este contacto faz com que a
pessoa se sinta acompanhada e sabe que a equipa está sempre pronta ajudar, assim como, o
seu este querido não foi esquecido pela equipa. Estes contactos podem ser feitos
telefonicamente ou por correio.
A morte de uma pessoa significativa na vida de uma criança pode ter um profundo e longo efeito
e resulta numa série de reações que podem durar pouco ou muito tempo. É importante oferecer
algumas linhas de orientação aos pais ou tutores legais antes, durante e depois da perda, e
oferecer assistência e suporte num número de áreas, incluindo:
explorar e confirmar que a criança percebeu o que aconteceu e o que significa “morte”;
ajudar a identificar reações como culpa, medo, preocupação, ou sintomas depressivos ou
outros que sugerem necessidade de intervenção;
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oferecer segurança quanto à sua própria saúde e saúde dos restantes membros da
família;
oferecer suporte a crianças em luto e famílias para minimizar o sofrimento e acelarar a
sua adaptação à nova realidade;
sugerir recomendações quanto à presença de cada criança no funeral.
Por vezes, crianças que estão a passar por uma experiência de perda e luto podem não mostrar
sinais desse sofrimento. Desde tenra idade aprendem que perguntas ou discussões acerca de
morte deixam a grande maioria dos adultos bastante desconfortáveis e aprendem a não falar da
morte em público. Numa morte recente, as crianças podem também ficar relutantes em
preocupar os restantes familiares com o seu sofrimento, pois testemunham o sofrimento dos
familiares que podem começar a lacrimejar e chorar e ficarem visivelmente perturbados. A
criança pode interpretar estas expressões de luto, não como sentimentos esperados pela perda
de uma pessoa significativa, mas antes, por culpa sua, por ter feito perguntas inapropriadas.
Há quatro conceitos que as crianças compreendem, a partir dos 5-7 anos de idade, que pode
ajudá-las a compreender e lidar com a morte, que são importantes de trabalhar: irreversibilidade,
finitude (não- funcionalidade), causalidade, e universalidade (inevitabilidade). No entanto, pode
não ser o suficiente para aceitar e ajustar-se à nova realidade. Esse trabalho passa também
pelos pais que podem ser encorajados a serem pacientes com a criança, principalmente com
perguntas repetitivas que podem durar semanas ou meses. É importante responder à criança e
não mandar calar, pois devido ao egocentrismo e pensamento mágico, característicos do
entendimento de causalidade em idades mais jovens, a criança pode assumir que foi alguma
coisa que fez, que não fez, ou que deveria ter feito para prevenir a morte do ente querido,
desenvolvendo um sentimento de culpa em relação aquela morte. Mesmo crianças mais velhas
e adultos muitas vezes têm um sentimento de culpa quando não há uma explicação lógica ou
objetiva para se sentirem responsáveis por aquela morte. A criança pode assumir
responsabilidade porque ajuda a acreditar nisso mesmo, se no futuro agirem e fizerem aquilo que
acham que não fizeram e que provocou a morte, poderão evitar futuras mortes de entes
queridos, dando-lhes uma (falsa) sensação de controlo. Por exemplo, se a criança assume que o
pai morreu porque foi à festinha do amigo em vez de ter ficado em casa a monitorizar o pai, pode
assegurar-se de que a sua mãe nunca irá morrer desde que fique sempre ao lado dela e nunca
saia de casa. O trabalho a ser feito neste caso seria aceitar que todos temos influência limitada
em relação a eventos trágicos e que a realidade pode deixar-nos com um sentimento de
desamparo. É assustador saber que alguém de quem nós gostamos muito e que gosta de nós
pode morrer em qualquer altura, independentemente do que façamos. Mas assumir a culpa por
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uma morte da qual não se tem qualquer responsabilidade não só não previne perdas futuras,
como contribui para um sofrimento contínuo desgastante que não permite viver a vida de forma
saudável. O sentimento de culpa pode estar relacionado ainda com o facto de ser a criança
sobrevivente, quando morre uma criança da fratria.
Quando uma criança perde alguém próximo, não é apenas a perda da pessoa em si que terá
com que lidar, mas também outras perdas secundárias, como:
alterações no estilo de vida (ex.: alterações no status financeiro da família);
mudança de casa/localização geográfica e consequente mudança de escola e grupo de
pares;
menor interação com amigos e familiares do lado da pessoa que morreu;
perda de memórias;
menor atenção (por ex.: criança poderá não querer participar em atividades porque o pai
ou a mãe já não estão lá para ver e apoiar);
menor disponibilidade por parte do pai sobrevivente (que poderá ter que trabalhar mais
horas para sustentar a família ou por problemáticas emocionais); e
diminuição de sensação de segurança e confiança no mundo.
Na maior parte dos casos, é benéfico para a criança estar presente no funeral ou outros eventos
que honrem a pessoa que morreu. Permite-lhes a oportunidade de chorar pela pessoa falecida
na presença da família e amigos, enquanto recebe o seu suporte. Pais e outros cuidadores por
vezes excluem as crianças de todo e qualquer serviço fúnebre, receando que a experiência
possa ser demasiado difícil, ou porque eles próprios estão também em sofrimento e não sabem
se têm capacidade de estar presentes no sofrimento da criança. No entanto, crianças que são
excluídas muitas vezes sentem-se zangadas e ficam com ressentimentos por não lhes ser dada
a oportunidade de participar num evento significativo que honra a pessoa de quem tanto
gostava, e poderão fantasiar acerca de estarem a fazer algo tão terrível ao corpo do ente
querido, que não pode ser presenciado. Essa fantasia quase sempre será bem pior do que o que
se faz na realidade e por isso, é preferível levar a criança aos serviços fúnebres, se ela assim o
desejar. Poderá ser importante fazer algum trabalho prévio, como por exemplo, explicar se
haverá um caixão aberto, se se irá realizar uma cremação e explicar o que é, ou se há algum
ritual específico da cultura a que a criança pertence. Importante também será explicar como é
que as pessoas se vão comportar (desde choro descontrolado até partilha de memórias e
sorrisos de histórias engraçadas).
(Schonfeld 2016)
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Leitura complementar: BSI; Delalibera 2011; Freitas 2013; Griban 2013; Gomes 2015; Martins
2014, Grassi 2015 criteria psic consultation, Capítulo Oxford Med 2015; Teixeira 2006
Leitura sugerida: Panfleto BA_Consulta de Psic; DSM V
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As bases de dados bibliográficas são excelentes ferramentas para pesquisar e encontrar artigos
científicos com revisão de pares atualizados em variados tópicos dentro de uma área de
interesse. A grande maioria, se não todas, têm motores de busca e funções que auxiliam de
forma pragmática e efetiva diversas buscas, assim como, mantém o histórico das buscas
efetuadas, permitindo voltar a correr uma busca já efetuada no passado. Na área da psicologia
podem categorizar-se em específicas e multi-disciplinares.
Específicas:
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Elton B. Stephens Co), como parte da plataforma EBSCO PUBLISHING que permite o acesso
livre e gratuito de todos os seus membros à base de dados Psychology & Behavioral Sciences
Collection. https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/manual_ebsco_6.pdf
The Cochrane Library permite o acesso a revisões sistemáticas da literatura em várias áreas
da saúde http://www.cochranelibrary.com/help/how-to-use-cochrane-library.html
Existe um grupo específico dedicado aos Cuidados Paliativos: Cochrane Pain, Palliative and
Supportive Care Review Group (PaPaS): http://papas.cochrane.org/about-us
Multi-disciplinares:
Google Scholar: A Google também tem um motor de busca para artigos científicos e cada vez
mais é usado para encontrar artigos relevantes de diferentes áreas.
https://scholar.google.co.uk/
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Existem duas formas de o fazer: a mais abrangente é em Journals Tables of Contents, uma base
de dados que contém as principais editoras e respetivas revistas. Permite selecionar por área,
revista, editora e palavras chave.
http://www.tictocs.ac.uk/
Um alerta muito menos abrangente do que um numa base de dados, mas pode ser importante,
quando a revista é específica de uma área e há interesse num ou mais tópicos dessa área. Cada
revista tem uma página eletrónica, que pertence a determinada editora, e é possível, em quase
todas, pedir o envio do índice completo de cada número que vai saindo. Também é possível criar
alertas por palavras-chave para que, cada vez que saia um artigo que as contenha, seja enviado
um email a avisar desse artigo. Um exemplo: BMC Palliative Care, uma revista de acesso livre:
https://www.biomedcentral.com/login?journalId=12904&action=signup
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Supervisão
É impossível o/a psicólogo/a trabalhar sozinho/a e isolado/a e o melhor contexto para se manter
atualizado, principalmente das suas habilidades internas e forma como se relaciona com as
pessoas que apresentam casos mais difíceis, é na supervisão. Elemento formador, que se inicia
ainda antes do/a psicólogo/a ser reconhecido pela Ordem como profissional autónomo/a, e que
deve manter-se por todo o percurso profissional, oferece uma perspetiva diferente e proporciona
uma melhor compreensão do caso em questão.
Discussão de casos
Apesar de ser possível discutir casos na supervisão, é importante fazê-lo fora da supervisão –
mais focada no/a psicólogo/a – com colegas que também tenham experiência clínica e possam
contribuir com soluções para dificuldades que tenham surgido ou que possam vir a surgir. É
importante manter um grupo de colegas em quem se confia e que tenham disponilibidade para
comparecer periodicamente numa data e hora combinadas, por forma a colaborar e usufruir da
experiência conjunta.
Formação periódica
No Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses pode ler-se na página 15,
referente ao Princípio B “Competência” o seguinte: “A competência será o reconhecimento de
que os/as psicólogos/as devem estar conscientes que têm como obrigação fundamental
funcionar de acordo com as boas práticas baseadas em conhecimentos científicos atualizados,
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por existir um risco acrescido de prejudicar seriamente alguém se prestarem um serviço para o
qual não estão convenientemente qualificados. Coloca-se, pois, uma grande ênfase na formação
e na prática orientada, bem como na constante atualização do/a profissional”. É então claro que
o/a psicólogo/a deve apostar na formação teórica, básica e avançada, em diversas temáticas.
Nos cuidados paliativos, dada a grande abrangência de populações atendidas, questões
complexas que surgem no dia a dia e o trabalho multidisciplinar que caracteriza a prestação
destes cuidados, a formação periódica é fundamental.
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