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1 Cuidados paliativos:
um panorama
Fernanda Pimentel Coelho
Leonardo Bohner Hoffmann
Catherine Moreira Conrado
Priscila Caccer Tomazelli
Compreende-se como doença grave e ameaçadora à vida qualquer doença aguda ou crônica, ou
diversas condições de saúde que estão relacionadas a um alto grau de mortalidade, com prejuízos
à qualidade de vida e funcionalidade da pessoa, decorrentes de sintomas ou tratamentos,
acarretando dependência de cuidados e possível sobrecarga do cuidador responsável2.
Para uma adequada prática de cuidados paliativos são necessários conhecimento e compreensão
dos seguintes princípios norteadores3:
• não se pretende apressar nem adiar a morte, ou seja, afirma-se a vida e reconhece-se a
morte como um processo natural;
• há o fornecimento de apoio ao paciente em seu próprio luto, bem como apoio à sua família
e cuidadores;
Desse modo, manter o foco da atenção em saúde no cuidar, inclui reconhecer e responder às
necessidades do paciente e de seus familiares por meio de uma visão ampla e transdisciplinar.
Cuidados Paliativos
Figura 1 - Modelo integrado de cuidados curativos e paliativos para doenças crônicas progressivas. Fonte: adaptado
de World Health Organization (2007)5.
Assim, entende-se que todo e qualquer paciente que possua doença crônica e/ou ameaçadora à
vida poderá beneficiar-se dos CP, seja ele criança, adulto ou idoso.
Outro importante benefício relatado em trabalhos que avaliam o tratamento paliativo é o efeito
desse tipo de abordagem para os familiares. Conversar sobre os cuidados de fim de vida e a
percepção positiva dos familiares sobre a assistência nessa fase mostrou-se um fator protetor
com relação ao desenvolvimento de depressão e luto complicado8,9. Transtornos de saúde
mental têm um impacto importante na vida das pessoas e na sociedade. Neste contexto, uma
boa assistência paliativa pode reduzir potencialmente esse impacto em familiares enlutados.
Em estudos sobre a demanda mundial de CP, reconhece-se que 80% do total estimado de pessoas
com doenças ameaçadoras à vida têm acesso limitado até mesmo a intervenções básicas de CP,
como controle de dor10.
Apesar de diversos estudos demonstrarem que a maioria das pessoas ao redor do mundo
preferiria falecer em casa, grande parte falece em hospitais (considerando variações regionais).
Nesse contexto, há indícios na literatura de uso excessivo de medidas agressivas no fim de vida e
de um uso aquém do ideal de cuidados paliativos nessa fase11.
Desse modo, percebe-se que há espaço para desenvolver-se esse tipo de abordagem com
potencial de trazer benefícios tanto para os pacientes como para o sistema de saúde, melhorando
a alocação de recursos e oferecendo uma assistência alinhada com as preferências de cuidados
e demandas do paciente.
Compreende-se, então, que não há tempo ou limite prognóstico para a prestação dos CP.
É amplamente defendido que estes devem ser prestados de acordo com a necessidade do
A
Hospice pode ser compreendido como uma unidade de cuidados especializada na assistência interdisciplinar para o
melhor controle de sintomas e alívio do sofrimento para pacientes com doenças avançadas ou em fase final de vida.
paciente e de seus familiares, não somente nos últimos dias de vida do paciente, mas a partir
do diagnóstico, permeando o tratamento curativo, cuidados de fim de vida e culminando nos
cuidados aos familiares após o óbito. Todo e qualquer indivíduo doente merece ser assistido com
qualidade, de acordo com suas necessidades, sendo amparado e tratado em seu sofrimento, bem
como no de seus familiares. A qualidade de vida e a dignidade humana estão sempre no foco dos
profissionais que atuam em CP5.
É fundamental que seja feita uma definição adequada e a delimitação do que se propõe com os
CP, a fim de que a integração na continuidade do cuidado aconteça com os recursos necessários
para a realização desta prática, diminuindo assim as desigualdades de acesso à abordagem12.
A resolução define que os cuidados paliativos devem estar disponíveis em todo ponto da rede:
na atenção básica, domiciliar, ambulatorial, hospitalar, urgência e emergência. A partir dessa
publicação será possível definir diretrizes de cuidado e aprimorar a oferta do cuidado.
PONTOS DE DESTAQUE
• Os CP visam oferecer cuidados adequados e dignos aos pacientes com doenças
ameaçadoras à vida, sejam elas com ou sem possibilidade curativa. Visam melhorar
a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e suas famílias, prevenindo
e aliviando o sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação correta e
tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais ou espirituais.
• Não há momento específico ou limite prognóstico para oferecer CP, estes devem
ser prestados de acordo com a necessidade do paciente e de seus familiares.
Referências bibliográficas
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17];20(2):86-91. Available from: https://www.sicp.it/wp-content/uploads/2018/12/6_
EJPC203Gamondi_part2_0.PDF
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the access abyss in palliative care and pain relief—an imperative of universal health
coverage: the Lancet Commission report. Lancet [Internet]. 2018 [cited 2023 Mar 17];
391(10128):1391–454. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29032993/
11. Brownlee S, Chalkidou K, Doust J, Elshaug AG, Glasziou P, Heath I, et al. Evidence for
overuse of medical services around the world. Lancet [Internet]. 2017 [cited 2023 Mar
17];390(10090):156-68. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28077234/
12. Radbruch L, Lima L, Knaul F, Wenk R, Ali Z, Bhatnaghar S, et al. Redefining palliative care -
A new consensus - based definition. J. Pain Symptom Manag [Internet]. 2020 [cited 2023
Mar 17];60(4):754-64. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32387576/
2 Cuidados paliativos no
Brasil e no mundo
Fábio Holanda Lacerda
Lara Cruvinel Barbosa
Reafirma-se aqui que CP também se aplicam aos familiares de pacientes com doença ameaçadora
à vida, sendo estes também responsáveis pelo aumento da necessidade de oferta de CP até
20601.
Estima-se que mais de 56 milhões de pessoas ao redor do mundo têm necessidade de cuidados
paliativos. Destes, mais de 25 milhões encontram-se próximos da fase final de vida. A maioria é
de paciente acima dos 50 anos e a maior parte dos pacientes reside em países de renda média/
baixa. Dentre os adultos que necessitam de CP, 76% reside nestas regiões, já os pacientes
pediátricos, somam mais de 97%1.
Nos gráficos 1 e 2 vemos a distribuição dessa demanda de CP conforme a faixa etária e a patologia
de base, e é importante notarmos que pacientes acima de 70 anos representam 40% de toda
a demanda, mas uma porção significativa é de pacientes mais jovens. Dentre as comorbidades
destes pacientes, notamos a prevalência de doenças neoplásicas (28,2%)1.
Contudo, ainda mais importante é percebermos uma demanda elevada de pacientes com
síndrome demencial, doença cerebrovascular e até mesmo pacientes vítimas de acidentes
(causas externas) com demanda por CP. Esta é uma demonstração da reafirmação de que CP
não se aplicam somente a pacientes com doença neoplásica ou com doenças crônicas. Cuidado
paliativo é para todos os pacientes e familiares que passam por uma doença ameaçadora a vida,
seja ela qual for.
7%
Demanda de cuidados
paliativos por faixa etária
no mundo
50-69 anos
27,1%
>70 anos
Gráfico 1 - Percentual de pacientes por faixa etária com demanda de cuidados paliativos no mundo. Fonte: adaptado
de Worldwide Palliative Care Alliance et al. (2020)1.
Pulmonares
(5%)
Causas externas
Cardiológicas
Câncer (28,2%) Cerebrovascular (14,1%) (6,4%)
(2,6%)
Gráfico 2 - Principais doenças na população adulta do mundo com demanda de cuidados paliativos. Fonte: adaptado
de Worldwide Palliative Care Alliance et al. (2020)1.
Estes pacientes com demandas por cuidados paliativos têm uma necessidade elevada de
controle de sintomas físicos. A Organização Mundial de Saúde realiza um cálculo dessa demanda
multiplicando o número de pacientes com determinado sintoma e a duração média deste sintoma
em dias. Os pacientes com mais de 20 anos que faleceram no levantamento de 2017 somaram
mais de 3 milhões de dias com estes sintomas1. O gráfico 3 mostra o percentual de cada sintoma
neste levantamento. Percebe-se, desta forma, que realizar cuidado paliativo de maneira adequada
vai muito além de cuidar somente de dor.
Ansiedade
Dor leve (14,4%) Depressão (9,6%) (8,2%)
Gráfico 3 - Porcentagem de dias de sintomas em pacientes maiores de 20 anos falecidos em 2017. Fonte: adaptado
de Worldwide Palliative Care Alliance et al. (2020)1.
Dentre os pacientes pediátricos, que somaram quase 4 milhões em 2017, as principais doenças
com demanda para CP foram HIV (29,6%), parto prematuro ou com trauma (17,7%), má
formações congênitas (16,2%) e causas externas (16%)1.
Neste cenário econômico, os cuidados paliativos se desenvolveram inicialmente com uma relação
com o controle de sintoma álgico. Na década de 80 surgiam serviços de tratamento de dor e CP
em países como Brasil e Colômbia. Desde então, multiplicou-se o número de serviços em CP2.
No levantamento da ALCP de 2020 foram identificadas 1562 equipes de cuidados paliativos, levando
a um total de 2,6 equipes para cada milhão de habitantes. Tratam-se de países com recursos, cultura
e política bastante heterogêneos, logo vemos também uma disparidade no quantitativo destas
equipes. No Uruguai foram contabilizadas cerca de 24 equipes para cada milhão de habitantes, já
em países como Peru vemos que há menos de uma equipe (0,58) para cada milhão de habitantes2.
O que chama a atenção no relatório da ALCP é uma quantidade reduzida de equipes de CP pediátrico
em toda AL. Ao total foram identificadas 123 equipes, correspondendo a 0,8 equipes para cada
milhão de habitantes menores de 15 anos2.
90
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Gráfico 4 - Número de serviços em atividades no Brasil por ano. Fonte: adaptado de Academia Nacional de Cuidados
Paliativos (2020)3.
A distribuição destes serviços é dada de forma desigual pelas regiões do Brasil. São 106 no
sudeste, 33 do sul, 26 no nordeste, 20 no centro-oeste e 7 na região norte, como mostra a
figura 1. Somente o estado de São Paulo possui 66 serviços, correspondendo a 35% de todos os
serviços do Brasil3.
3,7%
13,7%
10,4%
55%
17,2%
Figura 1 - Distribuição em percentual dos serviços de cuidados paliativos no Brasil. Fonte: adaptado de Academia Na-
cional de Cuidados Paliativos (2020)3.
Com relação à composição da equipe vemos que há uma defasagem referente à equipe
multidisciplinar. Acerca disso, 21 serviços (11%) não possuem médico exclusivo para equipe de
CP. É ainda mais preocupante identificar que faltam enfermeiros em 54 serviços (28%) e que em
63 (33%) não possuem psicólogos com dedicação exclusiva3.
Com relação às modalidades de atendimento destes serviços, a grande maioria é feita como
interconsultas (82,7%), cerca de 60% possuem atendimento ambulatorial e uma minoria
domiciliar (34%). Atendimentos pediátricos são realizados por apenas 40% dos serviços de
cuidados paliativos nacionais3.
Este relatório da ANCP traz o resultado de um mapeamento mundial da oferta de CP, onde vemos
que o Brasil passou da categoria 3a, onde a oferta de CP é realizada de maneira isolada, para
3b, onde identificamos uma oferta mais generalizada, com uma fonte de financiamento mais
estabelecida e melhor oferta de opioides. Contudo, ainda vemos serviços (40%) onde não há
protocolo estabelecido de controle da dor3.
2.4 Conclusão
Por meio desses três relatórios podemos visualizar os cenários mundial e nacional quando
falamos em cuidados paliativos. Desde a década de 80, vimos importantes conquistas nesta
área, mas ainda precisamos melhorar as desigualdades de oferta e nos atentar para a crescente
demanda nos próximos anos.
PONTOS DE DESTAQUE
• Crescente aumento de demandas em cuidados paliativos nos próximos anos.
• Maioria dos pacientes com necessidade de CP estão acima dos 50 anos e em países
de renda média/baixa.
Referências bibliográficas
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[Internet]. London: WPCH e WHO; 2020 [cited 2023 Mar 117];120 p. Available from:
https://cdn.who.int/media/docs/default-source/integrated-health-services-(ihs)/csy/
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handle/10171/60351
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[Internet]. Santos AF, Ferreira EA, Guirro UB. São Paulo: ANCP; 2020 [cited 2023 Mar 17].
Available from: https://api-wordpress.paliativo.org.br/wp-content/uploads/2020/05/
ATLAS_2019_final_compressed.pdf