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Mestrado Integrado em Medicina

Ano letivo 2023/24

Tronco Opcional 4º e 5º ano – Cuidados Paliativos

A Importância do Médico no Apoio Psicológico e Emocional

Docente: Dr.º Paulo Reis Pina

Discentes: Ana Margarida Fernandes, nº 38781 | Carolina Sousa, nº 38783 | Duarte Malheiro,
nº 35560 | Inês Oliveira, nº38787 | Luana Pantaleão, nº 38792 | Joana Godinho, nº34666 |
Margarida Quintal, nº38794 | Matilde Oliveira, nº 38800 |
Os Cuidados Paliativos são uma abordagem de cuidados centrados na pessoa, de modo a
promover uma melhor qualidade de vida aos doentes e às suas famílias numa fase em que já nada se
pode fazer pela doença, mas que sim, pode-se e deve-se fazer pelo doente. Nesse sentido, o que irei
abordar na minha reflexão será a importância da formação médica adequada para que os profissionais
de saúde consigam enfrentar desafios únicos, dilemas éticos e a elevada pressão vivida nestas
unidades paliativas, mas acima de tudo da empatia, compaixão e entrega total que têm de aprender a
ter pelos doentes, no sentido de conseguirem estabelecer uma boa relação com eles e
consequentemente terem impacto nas suas vidas.

“Ao cuidar de ti no momento final da tua vida, quero que sintas que me importo pelo facto de
tu seres tu” (Cicely Saunders), o principal papel do profissional de saúde é o de lembrar ao paciente
que ele importa, que ele merece ser valorizado e respeitado, merece ser ouvido, e merece ter uma
morte digna. Desse modo, são necessárias competências básicas em qualquer especialidade da
medicina para aceitar a morte como uma etapa natural. Nos cuidados paliativos é necessário
competências para dar más notícias, ao doente e à sua família, é preciso saber dar liberdade para a
pessoa reagir, é preciso haver momentos de silêncio, é preciso priorizar o sentimento da pessoa, e é
preciso acima de tudo mostrar disponibilidade e um lugar de conforto para oferecer o suporte
necessário ao doente para que este se sinta uma pessoa digna e para que consigamos influenciar
positivamente a vida dele num momento em que tudo está desorganizado e frágil. Vamos-lhe oferecer
todos os meios necessários para diminuir a sua dor, para controlar sintomas e para melhorar a sua
qualidade de vida.

Durante estas aulas dois aspetos marcaram-me para o futuro: a diferença entre a empatia e a
sintonia, o profissional de saúde tem de ser empático, ir ao lugar mais obscuro para estar ao lado da
pessoa, mas também tem de estar em sintonia e conseguir aceitar aquilo que a pessoa sente e a
maneira como ela lida com isso, ajudando-a ao ritmo dela a continuar a sua caminhada; outro aspeto
que me marcou foi uma frase do Dr.º João Lobo Antunes “Embora se inventem cada vez mais modos
de tratar não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão” , porque
nenhum médico consegue ajudar um doente sem empatia e compaixão, especialmente nestas unidades.
É preciso estabelecer uma relação de compromisso e confiança, em momentos altamente emotivos,
aliviando a dor e o sofrimento com estas armas que só os seres humanos conseguem ter. É preciso
humanização. Assim, volto onde comecei, num momento em que já não há mais doença por tratar,
vamos tratar o doente, oferecendo certeza na insegurança, empatia na tristeza, silêncio na confusão,
sinceridade na comunicação, comunicação essa que tem de ser eficaz, sincera e específica para cada
doente, e apoio tanto ao doente como à sua família.

Termino a referir “Curar às vezes, aliviar muito frequentemente e confortar sempre” (Oliver
Holme) – temos de desmistificar o conceito de curar sempre e começar a confortar sempre.

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Os cuidados paliativos são uma das faces da medicina holística, uma medicina em que o foco
é a pessoa no seu todo, numa fase em que o investimento deve ser a própria pessoa e o seu conforto e
não a cura da sua doença. Todos nós desejamos um fim de vida pacífico, no melhor conforto possível
e com o menor sofrimento, algo que, enquanto profissionais de saúde temos a capacidade de
providenciar, de forma que o doente tenha um fim de vida digno.

É inegável o impacto positivo que os cuidados paliativos têm nos doentes, permitindo uma
melhor qualidade de vida através de uma abordagem que se baseia no controlo sintomático e alívio do
sofrimento, quer este seja físico, psicológico, espiritual ou emocional.

Decidi fazer a minha reflexão com base nesta obra de Robert


Pope (“New Steps”). Nesta é clara a confiança que este doente deposita
nas profissionais que o acompanham, e que o fazem com respeito,
delicadeza e afeto. Realça a importância de uma relação robusta na
conquista de objetivos terapêuticos. Interpreto-a como uma metáfora que
mostra que estas profissionais são não só o apoio físico, mas também
emocional e psicológico deste doente, e que o ajudam numa caminhada
difícil, mas que é facilitada pela sua presença.

Algo que mais me chamou à atenção nestas aulas é o facto de


que a relação médico-doente é sem dúvida um dos pontos fulcrais para garantir o sucesso terapêutico
em qualquer área da medicina, sendo, em especial, importante neste período de maior fragilidade e
vulnerabilidade. É uma relação que deve ser construída com alicerces numa boa comunicação, em que
ambas as partes se compreendem e se respeitam mutuamente, mas também na atitude, no cuidado e
em especial no interesse que o profissional deve demonstrar não só pelo doente, mas também pela sua
família. Só assim este será capaz de confiar naqueles que cuidam de si, e de encarar cada vez melhor
este que é um processo natural e fisiológico da vida, e que de modo algum precisa de ser vivido em
sofrimento. E como uma relação exige esforço das duas partes, é necessário que o médico tenha
competências sociais e emocionais, como diz Abel Salazar “Um médico que só sabe de medicina, nem
de medicina sabe”.

“Ao cuidar de ti no momento final da tua vida, quero que sintas que me importo pelo facto de
tu seres tu, que me importo até o último momento da tua vida e, faremos tudo que estiver ao nosso
alcance, não só para ajudar-te a morrer em paz, mas também para que vivas até o dia da tua morte.”.
Concluo com esta, que é uma frase de Cicely Sauders que retrata a importância de mostrarmos ao
doente que o estamos a tratar como pessoa e não como doença, que não desistimos e que nos importa
o seu conforto, a sua dignidade e a sua paz, sendo o nosso objetivo que viva com qualidade de vida até
ao seu último momento.

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De uma forma generalizada, os Cuidados Paliativos ainda são tidos como sinónimo de
cuidados de fim de vida. Contudo, eles são parte integrante dos cuidados médicos pois pretendem
aliviar o sofrimento decorrente de problemas de saúde. Os Cuidados Paliativos aplicam-se a doenças
ameaçadoras de vida e devem ser oferecidos numa fase precoce do curso da doença, em integração
com outros cuidados. Destinam-se também a estádios de doença em que a cura seja improvável, mas
não impossível.

O “Modelo em laço” (Hawley P, 2014), abordado nas aulas desta disciplina, é uma ferramenta
visual que descreve a complementaridade da gestão da doença e dos Cuidados Paliativos. O triângulo
representativo dos Cuidados Paliativos inclui a morte e a sobrevivência como outcomes possíveis da
doença, o que sugere que a associação imediata entre Cuidados Paliativos e luto poderá não ser a mais
correta. De notar que a integração entre a gestão da doença e os Cuidados Paliativos é um processo
dinâmico e o foco do tratamento altera-se ao longo do tempo, conforme as prioridades do doente.

Há vários pilares que suportam a prestação de Cuidados Paliativos de qualidade. Por um lado,
é crucial que o médico seja treinado para controlar eficazmente os sintomas em contexto de doença
grave, para que seja capaz de proporcionar alívio e qualidade de vida ao doente.

Por outro lado, tal como foi dito por Abel Salazar, “O médico que só sabe de medicina, nem
de medicina sabe”. Além das competências técnicas, um médico deve possuir competências humanas
e manter uma atitude empática, validando o sofrimento do doente, para melhor entender as suas
preocupações e incertezas. É fundamental que o médico seja capaz de cuidar além de curar, ou seja,
tem de haver atuação a nível físico, não descurando o apoio psicológico, emocional e social por parte
do médico e de toda a equipa.

Em Cuidados Paliativos, o médico mantém uma atitude atenta para perceber as prioridades do
seu doente e depois intervir de forma dirigida a elas. Para tal, é essencial uma abordagem holística,
que vê o doente como uma pessoa complexa, muito além da sua doença. Neste processo, o médico
promove a autonomia do doente e a tomada de decisão é sempre em conjunto. Além disso, o médico
oferece uma continuidade de cuidados, mostrando-se disponível e dedicando tempo a cada doente.
Presta ainda um importante apoio à família e cuidadores, tendo em mente a dificuldade que advém de
acompanhar um doente que sofre de doença grave.

Concluindo, em Cuidados Paliativos, é essencial que o médico cultive uma relação cuidador-
paciente marcada por compaixão, respeito e presença afetuosa. Numa abordagem global, o médico faz
uma gestão da doença com controlo eficaz dos sintomas, oferece medidas de suporte ao doente e à
família e mantém uma atitude atenta e esperançosa. Esta combinação é a chave para oferecer a
máxima qualidade de vida ao doente em Cuidados Paliativos.

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Os cuidados paliativos têm como principal objetivo melhorar a qualidade de vida dos
pacientes que enfrentam patologias graves, sem cura ou num estado avançado. Nesta minha reflexão
vou focar-me na relação médico-doente, incidindo mais na vertente do “ser médico”. Ilustrarei 4
competências básicas, associadas ao suporte emocional e psicológico, que o médico tem de adquirir
para que permitam cumprir o objetivo supramencionado.

Compreensão geral e aprofundada das condições do paciente e da evolução da sua doença.


Esta competência vai demonstrar sensibilidade às necessidades do doente e preocupação para com
essas e para com a sua família/cuidador. Diretamente relacionado com a compreensão temos a
empatia.

Outro foco é a comunicação. “Na teia cada vez mais emaranhada de especialistas e sistemas
especializados, um médico tem a obrigação acrescentada de servir de guia e confidente informado”
(“A Mão Que Nos Opera”, de Atul Gawande). Uma das principais barreiras na prestação de cuidados
paliativos é criar um ambiente confortável e seguro para quem recebe os tratamentos. Um médico que
tenha uma comunicação aberta e honesta, ou seja, que explique, de forma compreensível e adequada,
os planos de tratamento e prognósticos, é um médico que deixa o doente à vontade para expressar as
suas emoções, medos e preocupações.

Associado ao medo e preocupação vêm as tomadas de decisões difíceis, como as escolhas de


tratamento. Aqui entra o apoio do médico nesse aspecto, atuando como conselheiro e fornecendo
informações detalhadas que ajudem a orientar o paciente a tomar a decisão, alinhando-a com as
suas preferências e valores.

Gostaria de finalizar com esta frase, “Espera-se que os médicos sejam mais resistentes, mais
constantes, capazes de resistir melhor à pressão do que a maioria das pessoas”. Esta frase retirada do
livro “A Mão Que Nos Opera”, de Atul Gawande, ilustra aquilo que se espera de um médico, para ser
considerado bom, precisa de ser mais resistente para não ceder à pressão e errar. Esta especialidade
por toda a sua envolvente possui uma carga emocional dura que leva a todos os envolvidos, desde o
próprio paciente, médico e aos cuidadores, um desgaste físico, psicológico e emocional. Com isto
quero dizer que, embora a maior parte dos médicos possua as competências acima mencionadas, a
exaustão é um problema real que interfere muito na relação médico-doente e consequentemente no
principal objetivo desta especialidade, melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Portanto, além das 5 competências ilustradas, o médico de cuidados paliativos deve priorizar a
sua saúde física e mental, de modo a dar ao paciente os melhores cuidados possíveis nessa fase de
vida.

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Os cuidados paliativos visam melhorar a qualidade de vida de doentes com patologias graves,
prolongadas e incuráveis, e seus familiares. Um dos objetivos é aliviar o sofrimento físico,
psicológico, social e espiritual de todos os envolvidos. A dor dos familiares é uma parte importante do
processo dos cuidados paliativos. Estes são frequentemente os principais cuidadores do doente e,
portanto, estão expostos ao seu sofrimento. Além disso, também vivenciam a sua própria dor, que
pode ser causada pela perda de um ente querido, pela mudança na dinâmica familiar e pelo medo do
futuro. Para a minha reflexão, escolhi a música "Melodia da Saudade", de Fernando Daniel, que
retrata a dor da perda de um ente querido. Neste caso o eu lírico, expressa saudade e amor pela pessoa
que partiu. Assim, esta música pode ser interpretada como uma metáfora para a dor dos familiares e a
importância da mesma nos Cuidados Paliativos.

“Eu, por mais que eu tente entender / A falta que fazes aqui / Nunca vou conseguir”. Os
primeiros versos são uma expressão da dor e da angústia do eu lírico. Revela a sensação de vazio e a
busca por entender a perda que são experiências comuns para os familiares que enfrentam a morte de
um ente querido.

“E é nos meus dias maus, quando já não sei quem sou / Tento gritar ao céu para que me
possas ouvir / E é nos meus dias bons, que gostava de te falar / Para veres onde eu estou / Onde eu
consegui chegar”. O eu lírico reflete o desejo de compartilhar a vida, o seu sucesso e insucesso com
quem não está mais presente. Pode ser interpretado como os sentimentos de luto, perda e saudade que
os familiares vivenciam.

“É verdade, morro de saudade / De te ter aqui / É verdade, morro de saudade / Mas eu sei que
estás aí”. O refrão enfatiza a saudade intensa e o reconhecimento de que a pessoa amada está olhando
e cuidando de quem ficou para trás. Isso pode trazer conforto aos familiares, pois sugere que o vínculo
e o amor ainda sobrevivem de alguma forma.

A música "Melodia da Saudade" revela que a dor dos familiares é uma dor real e que merece
ser reconhecida e acolhida. Os cuidados paliativos devem oferecer apoio aos familiares para que eles
possam lidar com sua dor e sofrimento. Algumas formas dos cuidados paliativos auxiliarem os
familiares passam pelo apoio emocional e prático. Deve haver profissionais destacados para ouvir as
suas preocupações e para tarefas como cuidar do doente, lidar com as finanças ou cuidar da casa,
aliviando o peso sobre os familiares. A sociedade ainda não se encontra familiarizada com os cuidados
paliativos e é importante uma melhor divulgação e orientação para quem necessita. O processo de luto
pode ser patológico e os familiares devem ser apoiados no ponto de vista da saúde mental mesmo após
a morte. A arte como a música pode ajudar a superar a dor deste processo, expressando um sofrimento
que é e será transversal a todos nós.

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Na maioria das áreas em medicina, os profissionais de saúde centram-se principalmente no
doente e na cura da sua patologia. Em cuidados paliativos, para além de todo o cuidado que é dado ao
doente, é também fundamental envolver os familiares e/ou cuidadores no processo de
acompanhamento de uma pessoa com doença incurável ou de prognóstico reservado e serem também
estes alvos de intervenção médica quando necessária e/ou requisitada. Estes profissionais têm um
conjunto de competências que lhes permite dar o melhor suporte possível às famílias que
acompanham um doente que diariamente se confronta com a iminência da morte.

O ponto de cuidados onde esta necessidade de suporte dos familiares é mais evidente é sem
dúvida nas semanas anteriores e posteriores à morte do doente. Havendo esta necessidade por parte
das famílias foi feito um estudo, “Support received by family members, before, at and after na ill
person’s death” (O’Sullivan et al, 2021), com o intuito de perceber qual a perceção que estas tinham
sobre o suporte que lhes era ou não dado durante este período de maior dificuldade.

Segundo as conclusões do estudo, os profissionais que expressavam empatia e respeito no


acompanhamento do doente e da família foram importantes na perceção familiar que existiu de facto
um suporte nessa fase complicada das suas vidas. Para além disso, as famílias apreciaram mais os
profissionais que falaram abertamente sobre as condições clínicas dos doentes e que alertaram para a
iminência da sua morte. Infelizmente, este não é o sentimento generalizado das famílias, pois nem
todos os profissionais têm estas ferramentas comunicacionais e, como tal, não são capazes de oferecer
um suporte decente a quem atravessa um processo de luto. Para tentar resolver esta lacuna dos
profissionais, os autores do estudo aconselham que seja dada a devida importância à formação e treino
em cuidados paliativos, nomeadamente na sua vertente comunicativa em situações de final de vida.

De um ponto de vista mais pessoal e tendo em conta os estágios hospitalares que já tive ao
longo do curso, penso que é de realçar a importância dos cuidados paliativos na formação de qualquer
profissional de saúde. Ter formação numa determinada área não quer, no entanto, dizer, que o
profissional tenha, necessariamente, vocação para a mesma, mas terá de ter no mínimo a sensibilidade
necessária para lidar com situações que são bastante comuns na vida clínica tais como o
acompanhamento de doentes terminais ou das suas famílias.

Aquilo que se observa muitas vezes em contexto de fim da vida é a chamada obstinação
terapêutica. Ao invés de se tentar prolongar a vida aquilo que deveria ser feito era dar o máximo de
conforto aos doentes e, quando possível, envolver as suas famílias para que estas se possam despedir
dignamente do seu familiar. Muitos profissionais dizem que tal não é possível por questões logísticas
ou por falta de tempo e existem aqueles que assumem dificuldades em lidar com esta problemática.
Talvez uma forma de tentarmos melhorar os nossos cuidados seria fazer uma introspeção. E se fosse
um familiar meu, como gostaria que fosse tratado?

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Nos Cuidados Paliativos, os profissionais de saúde cuidam de várias pessoas cujas expectativas de
vida futuras foram abaladas. Perante a ameaça à sua integridade, o paciente encontra-se num estado de
grande vulnerabilidade. Como abordado nas aulas, a família e amigos mais próximos partilham este
sentimento com o paciente. Na minha opinião, ninguém quer ser relembrado da sua vulnerabilidade e
da dos seus. “O sofrimento não é um sintoma, nem é um diagnóstico, mas uma experiência humana
muito complexa”, Dr.º António Barbosa (2003). Portanto, como discutido nas aulas, é fundamental
que um dos pilares da intervenção dos Cuidados Paliativos seja o apoio à família, a minimização do
seu sofrimento, o investimento no seu conforto. É primariamente importante desmistificar a morte e o
conceito social de que os cuidados paliativos são sinónimo de fracasso. O choque emocional e a dor
que acompanham o desenvolvimento de uma doença terminal tornam muito difícil a escuta e
processamento das informações transmitidas pelos profissionais de saúde. Como tal, perante esta
barreira de comunicação, os profissionais podem acabar por evitar falar da morte. A incerteza
prognóstica, assim como a não adaptação da informação aos vários níveis de literacia dos
interlocutores, dificultam a comunicação, podendo colmatar em dilemas éticos, nomeadamente
aquando da decisão conjunta de tratamentos. É crucial que o profissional garanta que as suas
mensagens são recebidas e compreendidas conforme pretendido. Nos cuidados paliativos, o diálogo é
uma forma de criar confiança, fornecendo informações relevantes, contextualizando as ações médicas,
permitindo assim alcançar o entendimento comum da situação.“O sofrimento só é intolerável quando
ninguém cuida.”, Dr.ª Cicely Saunders. Na minha perspetiva, e focando agora exclusivamente na
comunicação médico-familiares, os familiares procuram sobretudo uma validação dos seus
sentimentos e do seu papel como cuidadores, através da empatia, respeito e compaixão por parte do
profissional. Acredito que um maior envolvimento dos familiares na prestação de cuidados acarrete
maior ansiedade e tensão emocional para os mesmos, que se sentem por um lado confortados por
estarem a ser úteis ao ente querido, mas por outro lado sentem-se desestabilizados. Podem acabar por
procurar desvalorizar os seus próprios sentimentos em prol do bem-estar do paciente (na sua ótica, não
o querem afligir mais com a sua preocupação), ou em prol dos profissionais de saúde (podem sentir-se
um fardo para os mesmos, no sentido em que estão a sobrecarregá-los com as suas próprias emoções,
“quem interessa é o paciente”). Ora, tal raciocínio leva à relutância dos familiares em considerar as
suas próprias necessidades e em procurar ajuda. Na minha opinião, cabe ao profissional de saúde criar
a confiança necessária para incentivar os familiares a partilharem as suas experiências e dúvidas,
permitindo-lhes refletir e compreender melhor as suas preocupações emocionais. Após a morte do
paciente, o relacionamento médico-família não deve ser encerrado abruptamente. O diálogo contínuo
durante o luto contribui para a minimização do sofrimento dos familiares, e até do próprio
profissional. Em suma, a comunicação confiável, a interação autêntica e a manutenção de um vínculo
emocional são cruciais para um saudável relacionamento médico-familiares-paciente: a meu ver, há

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uma melhoria na prestação de cuidados de saúde por parte dos profissionais, e permite aos familiares e
pacientes que se sintam compreendidos como indivíduos, minimizando assim o seu sofrimento.

A OMS define como Cuidados Paliativos os cuidados de saúde que pretendem melhorar a
qualidade de vida dos doentes que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou
grave e com prognóstico limitado, bem como das suas famílias. Estes procuram prevenir e aliviar o
sofrimento através da identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, como
a dor, mas também dos psicossociais e espirituais.

Para que estes cuidados sejam prestados com sucesso, é importante rever o papel do médico
na relação com a família do doente, que se reveste de especial importância no domínio do apoio
emocional e psicológico. O impacto do diagnóstico de uma doença incurável ultrapassa o doente
afetando também a sua família e, por este motivo, a família deve ser integrada no plano de cuidados.

O acompanhar da deterioração física e psicológica, bem como do sofrimento do doente, por


parte da família é um processo altamente traumático. A aceitação da inevitabilidade e aproximação da
morte de um familiar é uma grande fonte de sofrimento. O médico deve estabelecer não só uma
relação médico/doente baseada em confiança e empatia, mas também uma relação com a família, para
que, através desta, os familiares possam partilhar preocupações, expectativas, medos e para que seja
facilitada a abordagem de problemas emergentes.

O médico deve promover estratégias que ajudem na preparação para a morte, na partilha de
sentimentos e ainda estimular a comunicação e coesão da unidade familiar, a fim de ajudar as famílias
a manter a sua dignidade, paz de espírito, conforto e esperança.

As principais necessidades de intervenção médica junto destas famílias prendem-se com a


prestação de informação sobre a doença; a formação em relação à execução de tarefas relacionadas à
prestação de cuidados ao doente; o suporte social, ao promover contacto com outros cuidadores ou
incentivando às relações com outros elementos do seu círculo pessoal; a saúde pessoal, incentivando à
realização de avaliações médicas regulares e suporte emocional. É ainda importante relembrar que
este suporte não deve acabar com a morte do doente, devendo continuar com o apoio no luto aos
familiares.

Deste modo, sendo esta uma das experiências mais difíceis para um sistema familiar, torna-se
de extrema importância que o acompanhamento médico ao nível dos cuidados paliativos abranja não
só o doente, mas também a sua família, uma vez que, a falta de uma abordagem profissional das
necessidades e dificuldades das famílias pode ter um impacto altamente negativo no sistema familiar,
comprometendo quer o funcionamento e adaptação à fase terminal da doença, quer a qualidade de
vida do doente, ou ainda o processo de luto pós-morte por parte dos familiares.

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