Os cuidados paliativos constituem uma área relativamente recente e em
desenvolvimento da medicina, sendo dotada de mitos e preconceitos, inclusive entre os profissionais que atuam na área da saúde. No século V já era usado o termo hospice, significando abrigo para acolher e cuidar de viajantes e posteriormente, no período medieval, doentes peregrinos. Com o passar dos anos a prática de cuidar de pessoas com doenças graves, principalmente os pobres, foi ampliada por instituições de caridade de origem religiosa. A evolução tecnológica na medicina possibilita que diagnósticos precoces e novas terapias sejam cada vez mais oferecidos aos pacientes. Consequentemente, os indivíduos vivem mais tempo mesmo quando são portadores de doenças crônicas e incuráveis. A mortalidade relacionada com as doenças crônico-degenerativas caiu expressivamente, desacelerando a evolução natural até a morte, cada vez mais tardia. Esse processo de cronificação fez surgir um novo cenário em que muitas pessoas convivem com uma doença que evolui progressivamente, mas cujos cursos podem variar amplamente de dias a anos. É preciso conhecer o doente e sua doença no que se refere aos mecanismos fisiopatológicos, tratamentos e estágios clínicos para saber identificar, de maneira responsável e precisa, o momento em que os tratamentos modificadores de doença se tornam fúteis e podem causar mais malefícios que benefícios. DEFINIÇÃO E PRINCÍPIOS: Recentemente, em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) revisou a definição de cuidados paliativos, que consiste em: Assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares, diante de uma doença ou agravo que ameace a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais desde o diagnóstico da doença ao final da vida e estendendo-se ao período de luto. O que chama atenção nessa definição é a abordagem direcionada à qualidade de vida do doente e de seus familiares, diferentemente da prática tradicional de focar o tratamento na doença em si, além da atenção aos sintomas físicos e não físicos, entendendo o indivíduo como um ser único com necessidades próprias decorrentes de sua história de vida. Essa nova visão, centrada no ser humano inserido em seu contexto de vida, com destaque ao respeito às suas escolhas e vontades, não exclui o tratamento voltado para a doença, o qual tem seu espaço já estabelecido. Por outro lado, amplia a terapêutica, na medida em que torna tão importante quanto tratar a enfermidade em si promover o alívio do sofrimento mediante o manejo imperativo dos sintomas apresentados pelo indivíduo. Com relação aos sintomas físicos, a OMS enfatiza a dor como o sintoma mais encontrado na prática clínica e muitas vezes desprezado e subtratado pelos profissionais de saúde. A definição aborda ainda os sintomas de natureza psicossocial e espiritual, não menos importantes, e que contribuem para a percepção do “sintoma total”. AVALIAÇÃO DOS SINTOMAS E ABORDAGEM AO PACIENTE EM CUIDADOS PALIATIVOS A busca pelos sintomas deve ser prioridade no cenário dos cuidados paliativos, devendo ser realizada rotineiramente e de maneira ativa, uma vez que muitos pacientes não verbalizam seus sofrimentos ou não conseguem se comunicar. Qualquer sintoma apresentado pelo doente deve ser acolhido e valorizado. Após diagnóstico e avaliação, convém tratar com urgência e por meio de medidas farmacológicas, não farmacológicas e abordagem multidisciplinar em concordância com o princípio da “dor total”. Após a instituição do tratamento inicial, deve-se monitorar continuamente e sempre reavaliar o paciente, propondo novas abordagens de maneira individualizada. Vários instrumentos auxiliam a avaliação da dor, como a escala visual analógica (EVA), que gradua numericamente a dor do paciente. A escolha da escala a ser utilizada irá depender do grau de instrução e entendimento do doente, devendo o método ser explicado e ensinado previamente à aplicação. A escala proposta deve ser a mesma utilizada nas reavaliações posteriores. Outro questionário muito utilizado em cuidados paliativos e que engloba vários sintomas, além da dor, consiste na escala de avaliação de sintomas de Edmonton (ESAS ‒ Canadá, 2006), que apresenta nove itens, cada qual com escore de pontuação que varia de zero a 10. A pontuação deve ser dada de acordo com a intensidade do sintoma, definida pelo próprio paciente ou, caso não consiga se comunicar, pelo cuidador QUANDO E COMO INDICAR CUIDADOS PALIATIVOS Segundo a definição da OMS, deve-se sempre pensar em cuidados paliativos naqueles casos de portadores de doenças que ameaçam a continuidade da vida. Convém pensar na abordagem paliativa diante de uma paciente com câncer de mama com metástase cerebral, em pleno curso de deterioração clínica e dor excruciante, refratária a todos os tratamentos oncológicos disponíveis. Contudo, o início do manejo paliativo somente nesse momento é perda de tempo e de oportunidades preciosas para amenizar o sofrimento, ajudar no processo de morte e discutir com a paciente e sua família como, onde e na companhia de quem ela gostaria de vivenciar esse pouco tempo de vida que lhe resta, estando em plena consciência da inevitabilidade de sua morte. A paliação não se restringe apenas aos pacientes oncológicos nem à fase terminal de vida, como era encarado pela prática médica tradicional. Termos importantes Eutanásia: abreviação da vida diante de uma doença incurável a pedido do próprio paciente Distanasia: Lança meios de métodos invasivos e não invasivos para o prolongamento da doença independente se existe qualidade de vida ou não.
Ortotanásia: se entende como boa morte sem abreviação ou prolongamento da
morte apenas administrando os sintomas advindos da doença