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REDE NACIONAL DE TANATOLOGIA

CURSO DE FORMAÇÃO EM TANATOLOGIA

APOSTILA DE TEXTOS

CUIDADOS PALIATIVOS E BIOÉTICA


SUMÁRIO

1. CUIDADOS PALIATIVOS: A VISÃO DE PACIENTES ALÉM DE


POSSIBILIDADE TERAPÊUTICAS. ...................................................................... 03
GARDIN A. L; PAULITO S. A. M. Disponível: http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v6n2_luiza.htm

2. A BIOÉTICA E A PSICOLOGIA DA SAÚDE: REFLEXÕES SOBRE QUESTÕES


DE VIDA E MORTE................................................................................................... 19
TORRES, W. da C. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(3), pp. 475-482. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n3/v16n3a06.pdf

3. COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIAS DIFÍCEIS: COMPARTILHANDO DESAFIOS NA


ATENÇÃO Á SAÚDE................................................................................................ 33
Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na
atenção à saúde / Instituto Nacional de Câncer. Coordenação Geral de Gestão Assistencial.
Coordenação de Educação.– Rio de Janeiro: INCA, 2010. Esta obra pode ser acessada, na íntegra, na
Área Temática Controle de Câncer da Biblioteca Virtual em Saúde - BVS/MS
(http://bvsms.saude.gov.br/bvs/controle_cancer) e no Portal do INCA (http://www.inca.gov.br).

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CUIDADOS PALIATIVOS: A VISÃO DE PACIENTES ALÉM DE
POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS
GARDIN A. L; PAULITO S. A. M. Disponível: http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v6n2_luiza.htm

Resumo: O presente artigo é resultado de pesquisa realizada no Hospital Erasto Gaertner, em


Curitiba/PR. Esta instituição é referência no tratamento do câncer e suas equipes são
altamente especializadas. O GISTO (Grupo Interdisciplinar de Suporte Terapêutico
Oncológico) é uma delas e tem por objetivo atender pacientes para os quais não existem mais
possibilidades terapêuticas oncológicas. Foi com a clientela atendida pelo GISTO que
buscamos, por meio das falas dos pacientes, comprovar a importância de uma equipe de
Cuidados Paliativos em uma instituição oncológica.

Palavras Chaves: câncer, cuidado paliativo, qualidade de vida.

SAÚDE PÚBLICA E CÂNCER

Diz a lei 8.080, de 19 de Setembro de 1990, em seu artigo 2º: "A saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício".
Complementa o artigo 3º: "A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes,
entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de
saúde da população expressam a organização social e econômica do País" .
Num país, como o Brasil, onde as condições de vida da população são extremamente
precárias, com necessidades básicas, de higiene, de alimentação, de educação, lazer, e outras,
falar somente em saúde chega a ser contraditório. A saúde reflete a grave situação de pobreza,
miséria, exclusão e seletividade existente no país. Deparamo-nos com sérios problemas na
área da Saúde Pública, como o difícil acesso da população aos serviços especializados, a
escassez de hospitais especializados que atendam pelo Sistema Único de Saúde, o que leva o
cidadão doente a ficar horas em uma fila de espera e, ainda assim, não ter a garantia de
receber um serviço de qualidade.
Algumas doenças consideradas graves podem ser prevenidas e, quando detectadas
precocemente, podem ser curadas, como é o caso do câncer. No entanto, a falta de programas
de prevenção em linguagem clara, que possibilitem que as informações cheguem a todos os
níveis sócio-econômicos, somada à dificuldade de compreensão sobre os fatores de risco e às
precárias condições de sobrevivência da população, contribuem para que os pacientes

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portadores de câncer procurem orientação médica e tratamento com a doença num estágio
muito avançado, o que dificulta sua remissão e traz sérias complicações ao paciente e a seus
familiares, como debilidade física, mental, emocional e social.
O câncer é considerado uma doença complexa que representa hoje a terceira maior causa
de óbitos, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares e para as causadas por fatores
externos. Atualmente existem mais de duzentas doenças agrupadas sob o nome de câncer,
todas resultantes do crescimento desordenado de alguma célula do corpo. Como todo corpo é
formado por células, o câncer pode surgir em qualquer parte dele, em qualquer pessoa,
independente da idade, do sexo, da cor, do país onde vive, ou da condição sócio-econômica.
Por ter causas diversas e desconhecidas, é uma doença que assusta o seu portador e toda
sua rede de relacionamento. Traz em sua história o estigma de uma época na qual não tinha
cura. As associações feitas a ela relacionam-se ao sofrimento, à dor e, principalmente, à
morte. Assim, a própria palavra câncer provoca medo e este medo impede ou retarda que as
pessoas busquem informações concretas. Baseiam-se, dessa forma, em situações vivenciadas
por elas ou por conhecidos. São, geralmente, situações nas quais o tratamento não obteve
sucesso, seja pela agressividade do câncer, seja pela demora no início do tratamento
especializado.
Quando uma pessoa descobre que está com câncer, mesmo que o prognóstico seja
positivo, surge uma expectativa relacionada à morte. O mesmo acontece com a sua rede de
relacionamento, o que leva, muitas vezes, ao desnecessário isolamento social do paciente,
quando as pessoas de seu convívio, por medo de contágio ou por não saberem lidar com a
situação, afastam-se dele, no momento em que todo o apoio é necessário.
A pessoa portadora de um câncer em estágio avançado apresenta vários sintomas,
responsáveis pelo sofrimento e perda da qualidade de vida. Para que estes sintomas sejam
sanados é necessária uma avaliação detalhada dos vários aspectos de sua vida, física, cultural,
emocional, espiritual, social e econômica. Nesse momento é de suma importância que o
paciente seja acompanhado por uma equipe multiprofissional, especializada, que servirá de
suporte para ele e sua família.
Deve receber o máximo de informação possível, tendo a liberdade de se comunicar com
os membros da equipe sempre que necessário. Além disso, deve ser ouvido, entendido e
respeitado. Deve ser levada em consideração toda a angústia vivida por ele, o medo da perda
da família, da perda da força física, do seu papel social e principalmente o medo do
desconhecido, a morte.
Apesar do progresso tecnológico vivido pelo homem na área da saúde e, mais
especificamente, na área oncológica, a falta de medidas curativas para a grande maioria dos
casos de câncer ainda é fato. Para atender essa demanda cada vez maior de pacientes com
câncer em estágio avançado, sem possibilidade de cura terapêutica, torna-se necessário uma
preparação da equipe de saúde para lidar com a probabilidade, às vezes iminente, da morte.
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A medicina tem trabalhado em uma perspectiva de cura e entende a morte, muitas vezes,
como uma falha, como o não cumprimento de seus objetivos. A morte é, no entanto, parte da
condição do ser humano e assim deve ser encarada para que a pessoa, em estágio avançado de
uma doença letal, tenha ao menos acesso ao tratamento paliativo necessário de forma a
alcançar melhor qualidade de vida, mesmo que em seu período final.
Em grande parte dos casos, os paciente chegam às instituições de tratamento
especializado, já com a doença em estágio avançado, quando nada mais pode ser feito para a
sua remissão. Isso não significa que o paciente não deva mais ser assistido pela equipe de
saúde, pelo contrário, nesse momento o doente deve receber um tratamento tão qualificado
quanto aqueles que buscam a remissão da doença. O atendimento destinado passa de curativo
para paliativo e, sempre que possível, tenta eliminar os sintomas apresentados pelos pacientes,
de forma a reduzir e aliviar sofrimentos desnecessários e oferecer maior conforto e segurança
aos familiares.
Sensibilizados pela necessidade de melhorar a qualidade dos atendimentos prestados pela
instituição, em casos nos quais era detectada a impossibilidade de tratamento, profissionais do
Hospital Erasto Gaertner, reuniram-se em 1993 e formaram um grupo denominado GISTO
(Grupo Interdisciplinar de Suporte Terapêutico Oncológico). Este grupo assumiu a
responsabilidade de atender os pacientes "terminais", oferecendo um tratamento paliativo
especializado, por meio do qual não somente os problemas de ordem física passaram a ser
atendidos, como também, fatores de ordem psicológica, espiritual e social do paciente e de
seus familiares.

O GRUPO INTERDISCIPLINAR DE SUPORTE TERAPÊUTICO


ONCOLÓGICO- GISTO

Nascido o GISTO, esta opção de atendimento tornou-se real e passou a ser praticada pelos
profissionais do Hospital Erasto Gaertner. Mas nem sempre foi assim. Anteriormente,
enquanto havia a possibilidade de obter sucesso na remissão da doença, todo tipo de atenção e
tratamento eram dedicados aos pacientes. Infelizmente, no entanto, quando se detectava a
impossibilidade terapêutica, destinava-se a eles apenas atendimentos esporádicos no pronto
atendimento da instituição, usualmente incompatíveis com a condição social do paciente e
com a evolução da doença.
O atendimento atual se dá da seguinte forma: o médico especialista faz o encaminhamento
ao GISTO através de um pedido de consulta, após ter esgotado todas as possibilidades de
tratamento indicadas para o caso, acompanhado de um breve relatório no prontuário
esclarecendo as razões do diagnóstico de FPTA (Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais).
Os familiares são informados sobre o encaminhamento realizado e o atendimento prestado

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pelo GISTO. A seguir, o Grupo avalia cada caso encaminhado e decide a melhor forma de
atendimento a ser oferecida: hospitalar, domiciliar ou ambulatorial.
O atendimento ambulatorial é destinado aos pacientes que apresentam condições clínicas,
sócio-econômicas, familiares, de locomoção e de companhia que lhes permitam comparecer
aos controles periódicos no hospital. As consultas são agendadas previamente conforme a
gravidade e intensidade dos sintomas. Quando ocorre o agravamento da doença e a
impossibilidade de comparecer ao hospital a equipe passa a atendê-lo no domicílio.
O atendimento domiciliar é direcionado aos pacientes que não possuem condições de
deslocamento até o hospital, para que assim possam ficar em suas casas com seus familiares,
recebendo a atenção e os cuidados necessários a partir das orientações e do apoio dos
profissionais. A periodicidade dos atendimentos domiciliares é avaliada de acordo com a
necessidade de cada caso. São realizados somente para pacientes residentes em Curitiba ou
região Metropolitana por, no mínimo, dois membros da equipe a cada visita, objetivando
observar as condições físicas e ambientais do paciente, as condições sócio-econômicas,
orientar e improvisar as adaptações necessárias ao atendimento, fiscalizar as condições
sanitárias do ambiente, esclarecer a importância da higiene, treinar os familiares no cuidado
com o doente e avaliar a necessidade de assistência do paciente por outros membros da
equipe. Após a primeira visita a equipe define as visitas subseqüentes, colocando-se à
disposição para qualquer momento em que as orientações familiares se fizerem necessárias.
O atendimento hospitalar é reservado aos pacientes cujos sintomas são de difícil controle
ou apresentem sérios problemas sociais, psicológicos ou espirituais que demandem
atendimentos diários dos membros da equipe.
Após a solicitação médica ao Grupo para a realização deste tipo de tratamento, o paciente
é atendido pela Assistente Social, que lhe repassa todas as informações referentes ao
funcionamento do Grupo, levanta dados sobre sua condição sócio-econômica e familiar, seus
possíveis cuidadores e as angústias, dúvidas e preocupações tanto do paciente como de seus
familiares.
Em seguida o paciente é encaminhado para uma consulta com a equipe de enfermagem, na
qual são avaliados o quadro clínico atual e a necessidade ou não do atendimento domiciliar,
Neste momento a Assistente Social apresenta para os demais participantes do Grupo os dados
levantados na entrevista social. Com o parecer do Assistente Social e, já atendido pela
enfermagem, o paciente é encaminhado ao médico que faz os encaminhamentos e
procedimentos necessários como exames, internamento, medicamentos, além de reforçar o
funcionamento do Grupo e detectar outras necessidades não verificadas pelos demais
profissionais. Durante esses atendimentos a avaliação do paciente é completada de forma
global pelas áreas de psicologia, nutrição, fisioterapia e voluntárias. Além destas equipes,
quando necessário, o paciente é encaminhado para outros profissionais da instituição ou para
os demais programas existentes. Os casos são sempre discutidos pelo Grupo que, em
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conjunto, decide a melhor forma de atendimento. O Grupo conta ainda com o apoio das
voluntárias da Rede Feminina de Combate ao Câncer e com as doações realizadas pela
comunidade.
Lembramos que o paciente, quando se depara com o limite entre a vida e a morte, não
deixa de ser humano e detém os mesmos direitos que qualquer outra pessoa. Deve ser visto
em sua totalidade respeitando-se suas vontades, suas angústias e seu direito ao acesso à saúde
pública. Mesmo que o seu tempo de vida seja breve, deve ser ouvido, atendido e respeitado.
Qualquer seja o tratamento realizado, o paciente e seus familiares devem ser informados
dos riscos e a terapêutica deve ser com eles discutida, para que eles não percam seu direito de
participar ativamente das decisões que envolvem seu tratamento.
Quando um paciente é encaminhado ao GISTO, para tratamento paliativo, deve ser
informado sobre o Grupo, sobre o diagnóstico e prognóstico, para que possamos atendê-lo da
melhor forma possível.
Partindo deste pressuposto, surgiu nosso interesse nesse trabalho de pesquisa, para
ouvirmos nossos pacientes, verificarmos suas necessidades e comprovarmos a importância, na
visão do paciente, de uma equipe de cuidados paliativos em uma instituição oncológica.
Esta pesquisa teve como objetivos específicos identificar os conhecimentos que os
pacientes têm do GISTO; apreender o significado da doença do ponto de vista dos pacientes
atendidos; analisar os significados do GISTO para seus usuários; contribuir para a ampliação
dos recursos humanos e materiais utilizados pela equipe, visando melhorar os atendimentos
prestados; adaptar as rotinas de atendimento às necessidades dos pacientes e familiares; e
divulgar o trabalho da especialidade junto aos profissionais da área de saúde.
Para atingirmos esses objetivos utilizamos a abordagem qualitativa e o procedimento de
coleta de dados foi realizado por meio de entrevistas em profundidade. O universo foi
constituído por seis pacientes atendidos pelo GISTO: dois atendidos em domicílio, dois em
atendimento ambulatorial e dois internados. Dos entrevistados, três são atendidos pelo GISTO
há dois anos, um há um ano, um há seis anos, e um há duas semanas. Nossa escolha para a
análise dos dados recaiu sobre a técnica de análise temática. Para proteger a identidade e a
privacidade dos entrevistados, eles serão nominados pelas letras A, B, C, D, E e F.

OS PACIENTES E SUAS FALAS

Dos pacientes entrevistados, quatro foram orientados sobre o GISTO, um não se


lembrava das informações recebidas e outro não havia recebido qualquer orientação. Muitas
vezes essa informações devem ser fornecidas gradativamente para que o paciente tenha tempo
para assimilá-las. A equipe deve respeitar o momento que está sendo vivenciado pelo

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paciente. A pergunta sobre como haviam sido encaminhados ao GISTO, obteve as seguintes
respostas:
Ele disse, lá tem o Grupo do GISTO, ele contou das meninas, de todos os enfermeiros,
de todos, falou da assistente social. Olha, são todos gente boa, aquele meninada e tem o Dr.,
ele que está no GISTO, eu vou encaminhar a senhora já e marcou a consulta". (A).
Ela me explicou no dia que ela me passou para o GISTO, ela falou: Olha eu vou te
passar para o GISTO, porque o teu problema não vai se resolver com a quimioterapia, porque
ela falou que eu estava muito fraca, estava abaixo do peso... Ela falou, o GISTO lá vai
explicar para você, e foi como aconteceu". (B)
A radioterapia me explicou o que era o GISTO, mas eu não me lembro o que ele
explicou, mas explicou para mim... Naquela época eu era muito esquecido".(C)
O Dr. R. tratava eu lá em cima e passou para o GISTO. Não falou o que era o GISTO,
nunca me explicou nada, só me mandou para lá".(D)
O GISTO foi explicado que era um instituto que era do câncer. Para cuidar de pessoas
cancerosas, de enfermidade que não tem cura, como o câncer.".(E)
Eu fui encaminhada para o GISTO para acompanhamento da morfina e porque eu era
uma paciente terminal. Foi quando começou o GISTO. Explicaram que eles iam trabalhar
comigo, que iam cuidar da minha dor, que a parte principal lá era cuidar a dor e que iam me
ajudar no tratamento, mas também explicaram que era um tratamento paliativo." . (F)
Os pacientes que utilizam a Saúde Pública encontram dificuldades de acesso ao
tratamento especializado e, muitas vezes, deparam-se com a falta de mão de obra qualificada.
Isso pode contribuir negativamente para o tratamento, uma vez que o paciente pode chegar ao
hospital já com um câncer em estágio avançado e de difícil tratamento.
Na fala da entrevistada "A" percebemos que a paciente ficou um ano sentindo dor de
cabeça. Mesmo procurando auxílio médico devido às fortes dores, só foi encaminhada ao
hospital após sua solicitação de realizar um RX. Antes disso, a paciente era medicada e
atendida como uma paciente com hipertensão arterial. Isso nos mostra que alguns
profissionais ainda se encontram despreparados para diagnosticar um câncer precocemente e
encaminhar os pacientes para a realização de tratamento especializado.
Eu ia no médico para consulta, eles me pediram um eletro do coração, diziam que era
pressão alta, e aquela dor de cabeça, começou brotar uma raiz para fora do ouvido. De tanto
que dava dor, que eu não dormia mais, fiquei um ano sem dormir a noite, amanhecia sentada
com dor, gritando de dor que eu não podia dormir. Eu fui até o posto de saúde e pedi um
exame em algum hospital, Eles pediram um RX e me mandaram para o hospital de Clínica...o
médico falou assim para mim... O problema da senhora é sério, não é carne esponjosa".(A)
O MESMO ACONTECEU COM UM DOS OUTROS ENTREVISTADOS :

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Com medo mesmo eu estava na minha cidade, porque eu ia de um médico para outro, e
para outro, e para outro e todo mundo dizia que não era nada, que qualquer remedinho curava.
Eu só queria que quanto mais antes melhor, porque eu já tava dez meses em tratamento lá, e
não tinha resultado nada. E não podia dar mesmo, né, aqueles comprimidinhos que davam,
não podia dar resultado. Depois um pediatra da cidade me chamou para ir lá e mostrar os
exames... Ele olhou os exames e disse: esse médico, não é especialista dessa parte, ele é do
esôfago. Aí me mandou para o especialista" (C).
Quanto melhor for a comunicação entre equipe de saúde e paciente, melhor será o
entendimento e colaboração do doente. Alguns pacientes seja por dificuldade própria, seja ela
provocada pelo impacto do diagnóstico e do prognóstico, precisam receber informações
gradativamente, respeitando-se o momento que está sendo vivenciado por ele. Cabe aos
membros da equipe perceber a necessidade do paciente e procurar orientá-lo de forma clara,
gradual e em linguagem acessível, incentivando sua participação.
Embora o câncer seja uma doença associada à morte, é de grande importância que o
paciente tenha respeitado o seu direito de tomar conhecimento do diagnóstico e do
prognóstico. Todas as dúvidas levantadas por ele devem ser esclarecidas. Por um lado, para
que as informações sejam aceitas pelo paciente e pelos familiares é necessário que haja uma
relação de confiança entre eles e os profissionais que irão atendê-los, principalmente o
médico. Por outro lado, o medo, a angústia, e a falta de confiança na equipe são provocados
ou agravados pela falta de informação. Clareza nas informações gera confiança e confiança
gera a compreensão e conseqüente aceitação das informações recebidas.
Muitas pessoas têm receio até mesmo de pronunciar a palavra câncer, tamanho é o medo
dos significados nela implicados. Isso foi vivido pela entrevistada "A",
... ele chamou minha irmã, a Z. para..., para..., para falar sobre o..., chamaram para dar a
notícia..., aí eu falei, então vocês dêem a notícia para ela, falaram para minha irmã, aí minha
irmã perguntou, mas esse tumor é o que, é carne esponjosa? Ele disse não é,... contaram o
nome da doença para ela e disseram: nós temos que contar, e temos que operar porque já
brotou para fora e nós temos que operar".(A)
s entrevistados "B" e "C" queixam-se da demora em receber o diagnóstico e da
imprecisão quando a eles relatado:
Meu diagnóstico é Sarcoma Alveolar... não tem mais tratamento, só..., ajuda assim... Ela
explicou que se aplicasse a quimioterapia em mim eu iria morrer... Eu vim cinco vezes na
oncologia e nunca me falaram nada, e ficava assim..., praticamente perdida a consulta".(B).
O meu problema é de esôfago. Para dizer a verdade o meu exame não diz que é câncer,
mas é maligno".(C)

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A entrevistada "D", demonstra não confiar nas informações repassadas pelo seu médico
titular, por acreditar que o câncer pode estar em outros órgãos.
Eu tinha câncer, né. Eu tinha no colo do útero, eles fizeram radioterapia, isso aí há
quantos anos atrás, né. Eu coloquei o radinho, fiquei boa uns tempos, engordei cheguei pesar
50 quilos" (D).
Ela continua
"Ele fazia dilatação, fez biópsia e disse que não tinha câncer na bexiga. A não ser que
agora tenha. Eles não falam nada para mim, pode ser que eles falem para os meus parentes o
dia que eles vierem junto, mas para mim eles não falam nada. Eu pergunto, mas eles dizem
que não tem... Eu desconfio que não é pedra, eu desconfio que é algum tumorzinho, alguma
coisa, penso assim comigo, né. Porque pra mim eles não falam".( D ).
Outros já chegam cientes do diagnóstico.
"Eu já vim com a enfermidade, do Norte do Paraná, daí aqui eu já vim com essa doença,
de câncer. Foi atestado lá já que eu tinha câncer. Eu tenho câncer de próstata.". (E)
"Eu tinha câncer com seis metástases de colo uterino, e já estava com seis lugares a mais
complicados.".(F)
Muitos pacientes desistem do tratamento antes mesmo de receberem alta hospitalar, por
acreditarem que já estão curados ou ainda por se sentirem enfraquecidos e conseqüentemente
num pior estado geral. O que lhes falta é a informação sobre os procedimentos e que suas
reações podem desaparecer com o término do tratamento. Justamente por ser o câncer uma
doença agressiva, o tratamento tem que ser tão agressivo quanto. Esta falta de informação das
pessoas leva a desistência do tratamento, muitas vezes no momento que existe a possibilidade
de cura. No entanto, sem o tratamento, a doença continua evoluindo. Normalmente quando o
paciente não suporta mais os sintomas, ele procura o hospital, numa fase em que nada mais
pode ser feito além do tratamento paliativo. Isso ocorreu com a entrevistada "A".
"Eu fui para o Erasto para fazer as aplicações, 14 porque eu não agüentei fazer mais...,
Só que eu parei porque eu não estava agüentando mais, eu parei porque soltava o meu
intestino, dava vômito. Eu parei porque eu quis. Eu fiquei seis anos sem tratar... Quando eu
voltei, eu voltei me tratar porque eu não tinha remédio... porque eu tava passando mal." (A).
O fato de ser o câncer uma doença que traz a associação com a dor, o sofrimento e a
morte, evitar ou postergar a ciência do diagnóstico é uma maneira de adiar, para muitas
pessoas, o face-a-face com estas associações dolorosas. Outros acreditam que o câncer,
quando tocado ou tratado, tende a piorar. Assim crêem devido a experiências pelas quais
presenciaram a debilidade de alguns pacientes, tomados por reações adversas ao tratamento,
como náuseas, diarréias, vômitos, queda de cabelo, emagrecimento, entre outras. Algumas
pessoas que presenciaram a morte de alguém submetido a um tratamento de câncer,
cristalizaram a idéia de ter sido o tratamento que fez piorar o quadro do paciente.
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Na entrevista, "A", apesar da paciente não falar abertamente sobre a doença, dá a
perceber que associa o câncer à morte, mesmo porque o estigma da morte já se encontra por
demais enraizado a esta doença.
"Nesse dia eu passei medo, porque eu achei que eu não voltava mais. Agora eu não tô
com medo, eu tava com medo esses dois dias que eu fiquei ruim né, mas agora de ontem pra
cá eu tô vendo que eu tô ficando melhor, que nem o remédio tirando a dor, controlando, então
agora eu não tô com medo. Eu penso que eu não vou agüentar, penso que eu morro, mas daí
eu vi que eu agüentei, agora não tô com medo... (risos). Eu agüentei..., eu agüentei".(A)
"A" apresenta esperanças de melhorar, devido às várias vezes em que esteve muito mal
e conseguiu melhorar. Para ela melhorar não é ficar curada e, sim, ficar sem dor. Transparece,
em sua fala, um sentimento de conformismo.
"A doença..., é..., eu penso assim né, me tratei, tô me tratando, espero uma melhora né, e
com a ajuda de vocês eu sei que eu vou melhorar. Porque se eu não tivesse procurado ajuda
ou eu já tinha morrido, ou alguma coisa pior já tinha acontecido. Antes de eu estar internada
eu não tomava os remédios, eu só gritava dia e noite..." (A).
Para a entrevistada "B", descobrir que estava com câncer, foi igualmente uma sentença
de morte:
"No dia em que o médico me falou, olha, o teu tumor é maligno, eu já achei que eu ia
morrer na semana seguinte, no dia seguinte. Eu jamais imaginava que eu ia viver. A primeira
coisa que vem a sua cabeça é morte, pelo menos na minha veio. Eu comecei a pensar nos
meus filhos... Nos primeiros dias eu chorei, nossa, eu me desesperei, daí depois eu já não
aceitava, tinha dias que eu aceitava, tinha dias que eu acordava revoltada. Agora não, agora eu
sei que eu vou ter que aceitar, vou ter que conviver com isso. Eu acho que todo mundo que
tem essa doença, eu acho que deve aceitar e fazer de conta, que não tem... Eu particularmente
tô lidando com isso como se estivesse fazendo um tratamento de gripe, qualquer outro, menos
de câncer".(B).
Essa paciente conseguiu identificar sentimentos de negação, de revolta e de aceitação.
Está tentando aceitar a doença como parte de sua vida. Em alguns momentos percebemos que
a paciente usa a negação da doença como uma forma de enfrentamento. Com relação à morte
a paciente presenciou a de algumas pessoas conhecidas que não estavam com câncer e isso fez
com que refletisse sobre a morte. Para ela, o câncer significou também a perda da força de
trabalho e, conseqüentemente, dificuldades financeiras.
"Depois do diagnóstico, eu não pude mais trabalhar, eu trabalhava por dia, não
trabalhava registrada. Eu trabalhava por dia, e o que faltava, as coisinhas das crianças,
ajudava minha mãe... Eu nunca mais vou conseguir um serviço, registrada nunca... trabalhar
no que eu trabalhava também acho que não vai dar porque é um serviço muito pesado. O que
mais pesou e tá pesado é a situação financeira".(B).

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O câncer é uma doença que acarreta alto custo social, pela perda da força de trabalho, pela
necessidade de adquirir os medicamentos, ou ainda, por algum membro da família obrigar-se
a deixar o trabalho para cuidar do doente, diminuindo com isso a renda familiar. Quando o
paciente exerce uma atividade informal, não consegue o auxílio doença para substituir sua
renda. Sem forças para continuar trabalhando, passa muitas vezes a depender dos familiares,
ou ainda da colaboração de amigos.
Para todos os entrevistados, o câncer representava a morte. No entanto, a história de vida
do paciente, a cultura à qual ele pertence, as experiências vividas por ele com relação à
doença, o tempo de instalação do câncer e a idade do paciente contribuem para a formação de
sua visão sobre o câncer e sobre a morte. Alguns entrevistados temem, principalmente, o
sofrimento nos últimos dias de vida. Outros relatam que pior que saber que possuem uma
doença que não tem cura, é viver o isolamento social provocado pelo preconceito em relação
a ela.
A entrevistada "B", mesmo ciente de que possui uma doença sem possibilidades de cura,
percebe que a morte pode ocorrer com qualquer pessoa, independentemente de ter o câncer
como causa.
"Depois que eu descobri que eu tô com essa doença, morreram três pessoas conhecidas
minha, que estavam sadias. Então eu penso assim... apagou tua vela, chegou a tua hora, eu
penso assim... Eu acho que eu não vou morrer só porque eu tenho isso, porque eu tenho
câncer... porque eu tenho uma doença que não tem cura. O dia que chegar a hora de morrer eu
vou morrer, estando aqui no hospital, estando em casa, posso morrer atropelada, de qualquer
outra coisa. Eu não penso no câncer como a morte. Agora eu to enfrentando, enfrentando
positivamente. Já pensei no câncer como a morte".(B).
Essa paciente relata ainda a dificuldade que enfrenta com relação ao preconceito.
"(..). porque você tá sendo tratada de uma doença que muita gente tem até medo de
chegar perto. Eu sei que tem uma pessoa lá perto de casa, que eles pensam, que se eles irem lá
em casa, sentarem do lado, o filho dela sentar na minha cama, acha que vai pegar infecção,
que vai pegar isso...".(B)
Os entrevistados "C" e "D" falam da forma particular como enfrentam a doença:
"Eu penso assim, a gente já está com a idade meio avançada, tem que cuidar dos restos
dos filhos que tem aí, porque morrer morre igual, tanto faz agora ou depois, né. Eu sempre
rezo para não sofrer nos últimos dias, porque pra morrer não existe remédio. Então a gente só
reza pra não sofrer, porque se viver mais dois anos, ou dez, ou quinze tanto faz, porque idade
eu já tenho bastante.".(C)
"O câncer é uma doença ruim, mas se a pessoa não botar na cabeça, que está com câncer
a pessoa vive. Agora se botar na cabeça que tá com câncer a pessoa não vive. Porque ela entra
em depressão e o que mata nem é o câncer, o que vai matar é a depressão. O câncer é uma

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doença que sendo maligno, não tem cura. Eu sei que não tem. E o que eu tinha era maligno, só
que por fora em outro lugar não saiu até agora. Eu preferia morrer na operação, do que morrer
desses outros tipos. Ficar no fundo de uma cama, pelas mãos dos outros...".(D)
Os entrevistados "C" e "F " dizem de suas angústias:
"Tem dia que eu tô muito nervoso, choro muito. Eu não sei dá uma angústia. Acho que é
por causa da enfermidade que ataca a gente. Porque se é uma enfermidade que ataca e já leva,
e a gente parte desse mundo para outro, tudo bem né. Mas a gente fica sofrendo, não sabe
quando, nem que dia, nem que remédio que cura. O câncer significa uma doença incurável,
uma peste, como diz o povo. Uma peste que cai na pessoa e não sai, né. Algum câncer cura,
opera e sara, mas outros não têm, quanto mais opera pior fica.".(C)
"Lá no fundo do meu coração eu sabia que eu tinha uma doença que ia me matar ou que
vai ainda, né. Mas eu senti que eu tinha que lutar contra ela. Eu acho que eu não acreditava
que eu ia morrer, naquela época. Hoje eu acredito que eu vou morrer. Porque eu vejo que já
são anos e ela vai embora e ela volta, vai e volta, complicações que deixou. Hoje em dia
significa o mesmo que qualquer outra doença. Ter um resfriado, ou ter câncer, ou uma outra
complicação é a mesma coisa. Eu não tenho aquela coisa aí, câncer, ui que medo. Quem me
ajudou a não ter medo foi o GISTO... A encarar o câncer, a não ter medo da palavra câncer.
Hoje eu consigo falar sobre o câncer, normal, é como eu falar de uma dor de barriga. É ruim
porque tem dor, né, porque senão... É muito sofrimento...".(F)
Na fala da entrevistada "F", também observamos queixa em relação ao preconceito.
"Eu acho que uma das coisas mais difíceis pro doente, não é saber que tem câncer, mas é
quando a gente começa a perceber que as pessoas estão deixando ela incapacitada. Tipo
assim, muita bajulação é ruim, porque tem coisa que você quer fazer, você quer cuidar lá do
seu armário. E tem gente que fala não pode isso não pode aquilo, daqui a pouco você está não
podendo nada, não tá vivendo mais. E o trabalho, se o doente com câncer, tivesse a chance de
ter um trabalho, mesmo que para não prejudicar o patrão, ganhasse por hora, ou uma forma
que eles encontrassem. Mas essa pessoa se sentir capaz. Isso ira ajudar tudo, mas 60%, pra
mim seria [ajuda]. Porque seria aquele horário, eu não pensaria na doença. Então seriam horas
pra mim não seriam nem trabalho, seriam lazer, pra mim.". (F)
A família é o primeiro contato social que as pessoas têm a partir do seu nascimento e,
sendo assim, quando uma pessoa descobre que está com câncer, é usualmente na família que
busca o primeiro apoio, a primeira forma de auxílio. O fato do câncer ser uma doença que
causa pânico, que acarreta custos excessivos pela necessidade de aquisição de medicamentos,
que implica em cuidados, é de fundamental importância que a família participe do tratamento
e acompanhe o paciente em suas consultas. A família deve ser igualmente compreendida e
atendida como um paciente que necessita de cuidados e atenção.

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Todos os aspectos da vida de um portador devem ser considerados, pois o câncer é uma
doença que não atinge somente a pessoa, mas também toda a sua rede de relacionamentos. Por
esta razão, o atendimento deve ser feito por uma equipe multidisciplinar, para que a pessoa
possa ser entendida em sua totalidade, em seus aspectos físico, psíquicos, emocionais e
sociais, o que possibilitará uma melhor qualidade de vida para o paciente e para os que o
rodeiam. O paciente deve ser considerado como o principal membro da equipe de tratamento,
pois a atitude dele em relação à doença pode contribuir consideravelmente para o sucesso do
tratamento. O estado de ânimo e de enfrentamento devem ser continuamente observados e
estimulados.
As entrevistadas "A" e "B" contam da reação de seus familiares:
"Minha família ficou muito abatida, eu fiquei triste, fiquei triste porque a família ficou
triste, os filhos não queriam que eu operasse, meus irmãos não queriam, meu marido não
queria, mas daí tinha eu operar né, porque brotou, tinha que fazer uma limpeza..." A família...
o que eles podem atender eles me atendem, eles me cuidam, graças a Deus.". (A)".
"E são os meus filhos, a minha família que tá me dando força pra pensar assim.
Realmente eu acho que pensando assim vai aliviar um pouco pra mim e um pouco pra eles.
Para mim eles tentam passar tranqüilidade, que não adianta ficar assim... Minha família me
ajuda em tudo o que eles podem... eles me ajudam financeiramente e emocionalmente. Graças
a Deus que eu tenho eles, porque se eu não tivesse eles, acho que eu não pensaria como eu tô
pensando ".(B).
Por um outro lado, para a entrevistada "B", o câncer fez com a comunicação com os filhos
melhorasse.
"A comunicação nossa mudou completamente, a gente se comunica mais, antes à gente
era meio afastado, Ah, quer alguma coisa, tó, vai lá e compra. E agora não, agora a gente
conversa..." (B).
O entrevistado "C" e a entrevistada "D" também fazem referência às reações de seus
familiares.
"A família, 90% ficou com medo, ficaram desesperados. Agora estão todos felizes.
Tenho seis filhos. A doença, uma coisa ou outra sempre atrapalha, ninguém aceita."(C).
"A única família que eu tenho é minha irmã. Eu acho que ela pouco se importou, ela
nunca deu atenção, ela acha que eu sou muito forte, que eu resisto, que eu agüento tudo. Ela
acha assim. Tem dia que a gente tá forte, mas tem dia que não...Eu gosto da minha família,
amo eles, todos eles, mas eles são uma família muito desligada, tem a vida deles, são
ocupados. Pensa que eles pensam em levar uma bala? Eu acho que eu vivia melhor sozinha do
que com os parentes. Porque se a gente vive sozinho ninguém manda na gente. Eu já falei pra
eles, que se eu operar, a assistente social vai arranjar uma casa de repouso pra mim. Eu não

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vou ficar com eles. Porque eu não vou pra casa ficar levantando pra pegar as coisa, porque
não tem que faça.".(D)
O entrevistado "E" e a entrevistada "F" relatam:
"Fica a mulher e os filhos, muitos deles ficaram doentes de ver eu aqui nesta situação,
zelando de mim. Que nunca foram criados sem ver doença em casa né. A família, estão todos
abalados, mas estão enfrentando, na dureza mesmo estão enfrentando. Dá banho, tira as fezes,
coloca sonda retal, sonda na bexiga, porque entupiu o canal da bexiga do pênis, entupiu não
sai nada. Quem tá cuidando é a mulher e a filha. Meus filhos cada um faz uma parte, né .
Quando chegam do serviço, ou quando não trabalham à noite, eles vem aqui cuidar de mim. A
filha tá morando aqui junto. É importante, é muito importante a família perto. É o mesmo
importante, quando vem um enfermeiro médico, a psicóloga.".( E)
"Eu tenho apoio do esposo, do meu pai, a minha filha no início me apoiava. Mas ela
achou assim, que eu não morri, então eu não tenho câncer. Porque para eles o câncer, a
palavra é morte. Porque todo mundo acha, que câncer é morrer, e não é. Então para ela..., é
pouco apoio que eu tenho na família. Tenho muito apoio de amigos, de pessoas estranhas.
Mas na família eu tenho apoio, do marido, do pai e da sogra. Não posso contar com o filho
que é pequeno, 9 anos. Mas ele não é apoio mas é a força que eu tenho, é o objetivo que eu
tenho. Com apoio, nossa..., seria mais fácil, eu acho que eu seria feliz. Porque assim eu
procuro ser feliz, melhorar, mas se eu tivesse o apoio deles...Se assim eu já não penso tanto,
que eu tenho câncer, imagine tendo apoio. Eu estaria muito mais, eu iria lutar muito mais. Eu
teria mais..., mais..., mais... porque viver, mais força, mais carinho. Eu mesmo ia poder dar
mais carinho pra quem eu não posso chegar.".(F)
O câncer é uma doença que, pela sua gravidade, debilita a vida física, emocional e social
do doente. Debilita também os familiares, que modificam suas rotinas em função dos
cuidados com o paciente. Isso ocorre principalmente quando um paciente não possui mais
condições terapêuticas, quando o tratamento paliativo é o único indicado. Assim, o paciente
torna-se mais fragilizado e pode apresentar uma grande confusão de sentimentos. Alterna
sentimentos de esperanças, com sentimentos de incertezas com relação ao futuro. Por várias
vezes, percebe que sua morte está próxima e teme a chegada dos últimos dias. Angustia-se
também pelas situações que a doença provoca, como a incapacidade para o trabalho e o
desgaste dos familiares.
Atender um paciente portador de câncer requer uma equipe especializada, que perceba
esse doente como único, respeitando-o e considerando todos os aspectos de sua vida. Um
"doente terminal" requer da equipe, acima de tudo, comprometimento.
A proposta do GISTO é a de controlar os sintomas do paciente, procurando oferecer uma
melhor qualidade de vida a ele e a seus familiares. Muitas vezes, os receios não estão
relacionados à dor física, mas às dificuldades financeiras, ao preconceito e isolamento social,
ao medo da morte, ou às situações de sua vida que ficaram pendentes. Cabe à equipe,
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possibilitar o contato emocional e a expressão destes receios, na medida em que ouve o
doente em suas queixas, treina-o e orienta-o, assim como à sua família, para o enfrentamento
das dificuldades que, porventura, surgirem.
Vejamos, por exemplo, o caso da paciente "A". Após ter sido re-encaminhada ao Hospital
Erasto Gaertner, ela foi atendida pelo GISTO. Todos os profissionais da equipe a atenderam,
informando-a sobre o funcionamento do grupo e principalmente buscando alternativas para
sanar sua principal queixa, a dor. Depois de verificada as situações sócio-econômica, familiar,
psicológica e física, o Grupo passou a atendê-la em domicílio. A paciente agradece várias
vezes por ter sido atendida pelo GISTO e associa ao Grupo a melhora de sua dor.
Sobre o GISTO, a entrevistada "A" emite sua opinião:
"O grupo trouxe de bom e eu acho que ainda ta trazendo...a saúde. Eu to tomando os
remédios, vocês estão me ajudando. Que eu tava sem os remédios, nem sabia, se era esse o
remédio que eu ia tomar. Graças a Deus, vocês me encaminharam, para o grupo. Se não fosse
o grupo, eu tava sem o remédio. Se não fosse o grupo... gritava dia e noite. O grupo trouxe
tudo de bom... A gente não fica precisando, porque sempre vocês estão aqui junto... Aí meu
Deus!... Se eu não tomo esse remédio eu não sei o que seria de mim, Graças a Deus." (A).
Para a entrevistada "B", a forma como ela é atendida pelo grupo, faz com que se sinta
acolhida e importante,
"Eu acho que agora é que eu fui começar meu tratamento... O mais importante que eu
achei no grupo foi o jeito do tratamento... Aqui não, aqui eles chegam... e tratam você como
se você não tivesse nada. Vocês tentam a gente esquecer o que a gente tem. O tratamento
olha... da parte do hospital de radioterapia, de quimioterapia e do GISTO não tem nem como
comparar, nossa... Pelo menos comigo... depois que eu comecei a tratar com a equipe do
GISTO, significou tudo, significou que eu não tô sozinha, que eu venho no hospital, alguém já
esperando pra me atender, sabe, conversar comigo. De bom mesmo, o GISTO trouxe o meu
tratamento, porque antes eu não tomava remédio, não tinha nada pra fazer, não ia adiantar...
foram vocês que me levantaram.". (B)
São palavras do entrevistado "C" e "D":
"O GISTO é uma renovação. O grupo não tem nada de ruim. Melhor é quase
impossível. Do jeito que fomos tratados aqui, eu acho difícil encontrarmos lugar melhor. Bem
atendido, bem, bem, bem. Tanto faz o médico, as enfermeiras ou as voluntárias, tanto faz.
Tudo o que a gente pede a gente é atendido. O atendimento aqui, ele em todos os setores tanto
faz no GISTO, é melhor do que lá nós pagando particular. O atendimento aqui é bem melhor,
tudo, tudo, é bem melhor.". (C)
"(...) durante o tempo que eu tô no GISTO, sempre foi bom, pelo menos para mim... eu
acho que são muito bons, tanto os enfermeiros, como as meninas, o Dr. a Drª, eles tratam
muito bem a gente. O que eles podem fornecer para gente eles fornecem, é um tratamento
muito bom. Para mim o melhor, é que às vezes eu não tenho dinheiro para comprar o remédio,
eles compram, eles se esforçam pela gente. Às vezes chego aqui, tô só com uma fralda, eles já
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se viram, já arrumam... Só peço a Deus que ilumine que cada dia vão mais pra frente, que
cada dia cresçam mais aqui dentro. É isso que eu peço a Deus. São umas pessoas boas, não
tem orgulho, tratam bem todo mundo, como a gente vê...".( D )
São falas dos entrevistados "E" e "F", sobre o GISTO :
"O grupo me trouxe muita coisa, me trouxe bastante coisa de bom. Por exemplo, por
causa do remédio eu acabei com tudo o que eu tinha. No começo, que eu tava no norte eu não
tinha nada. Eu acabei com tudo o que eu tinha, fiquei sem nada, fiquei com essa casinha aqui.
Vendi tudo e gastei em remédio e transporte pra lá e pra cá. O mais importante, o mais
importante mesmo é o remédio, porque eu gasto bem na farmácia. Eu tinha dor demais. Hoje
dói, mas é uma coisa que o remédio controla. Eu acho que para melhorar o GISTO, o
principal era se o governo puder colocar mais médico para atender essa parte. Que é
interessante, né tem pouco médico nessa parte. Para atende o GISTO, tem dois só. Mais
médico, mais enfermeiro. Por exemplo, por que é muito importante que quando a pessoa tem
a família que zela, ir o enfermeiro na casa, a assistência na casa, e cuidar, ver como é que tá e
a família ficar cuidando. Do que levar no hospital e ficar lá dando maior despesa. É mais
importante, é mais feliz. Porque tá junto da família, tá vendo a família... Quando a família é
amorosa compensa ficar na casa. Eu acho assim, a equipe ajuda a família.".(E)
"O mais importante no GISTO, é eles verem que você é um ser humano, que você tem
valor, que você viva um dia ou dez anos, ou mais até, você tem que viver, tem que dar valor a
tua vida, a você. Ter uma qualidade de vida, mesmo que curta ou longa, ter uma qualidade
boa de vida. Mesmo que viva um dia, mas bem vivido. O GISTO acaba sendo aquilo que você
queria, encontrar dentro de sua família, o apoio que você precisa e que tem aqui. Eu quando
soube que o GISTO iria terminar eu fiquei desesperada. Pra mim aqui é tudo. Eu não estaria
lutando, se não estivesse o GISTO. É onde eu vou buscar força pra lutar, é onde eu busco
energia positiva. Pra mim aqui é tudo... O GISTO... te ergue para cima. É difícil chegar no
GISTO, né. Eu acho que todos os doentes deveriam passar pelo GISTO. Mas isso é difícil,
então feliz daquele que consegue...Eu acho que o que poderia melhorar, sei lá..., ou ter mais
médico. O GISTO ser ampliado, ter aumentado o atendimento, para que mais pessoas
pudessem chegar lá. Porque tem pessoas que já precisaram do GISTO e já faleceram, e não
tiveram essa oportunidade que eu tive (F).
Em todas as entrevistas, pudemos perceber a satisfação dos pacientes com o atendimento
realizado pelo GISTO. Todos encontraram no Grupo o que precisavam, alívio para dor, ou
conforto e compreensão. Com essas declarações podemos dizer que o Grupo, apesar das
dificuldades enfrentadas, vem cumprindo os objetivos aos quais se propôs, de melhorar a
qualidade de vida do paciente, amenizando os fatores que o fazem sofrer.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É contraditório falar em qualidade de vida, num país como o Brasil, no qual a situação de
extrema pobreza, além de contribuir para o surgimento de doenças, dificulta o acesso ao precário
sistema de saúde. No entanto, melhorar a qualidade de vida das pessoas doentes é, muitas vezes,
possível na medida em que se modificam algumas atitudes da equipe que com elas se relaciona. São
fundamentais atitudes que levem a melhorar a comunicação entre a equipe e o paciente, a oferecer
conforto no momento necessário e a possibilitar o acesso aos seus direitos.
O paciente, mesmo aquele além de possibilidades terapêuticas, continua um Ser Humano
que merece ser respeitado em sua individualidade e em sua vontade e, principalmente, merece
acesso a um serviço de saúde com qualidade, com profissionais especializados e
comprometidos com a profissão que visam sanar ou diminuir as dificuldades enfrentadas por
pacientes que se deparam com o limite entre a vida e a morte, com toda angústia e medo que
essa situação provoca.
É possível melhorar nosso atendimento reconhecendo que o paciente, mesmo debilitado, é
portador de direitos e deveres, deve opinar, contribuir e participar ativamente do seu processo
de tratamento. Melhorar a qualidade de vida é proporcionar aquilo que o paciente mais
precisa, muitas vezes é somente oferecer informação, carinho, atenção e apoio.

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A BIOÉTICA E A PSICOLOGIA DA SAÚDE:
REFLEXÕES SOBRE QUESTÕES DE VIDA E MORTE

TORRES, W. da C. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(3), pp. 475-482. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n3/v16n3a06.pdf

RESUMO
O presente trabalho focaliza os fatores impulsionadores do surgimento da Bioética,
destacando: a) a revolução científica e tecnológica, e b) a revolução social dos anos 1960.
Descreve o desenvolvimento histórico da Bioética desde sua definição inicial como ciência da
sobrevivência humana até seu estágio atual - o da Bioética Global, e suas fronteiras com os
vários campos do saber. A psicologia da saúde integra esse contexto multidisciplinar
principalmente por sua reflexão sobre temas desafiadores da Bioética, entre os quais são aqui
discutidos aqueles decorrentes da medicina intensiva (eutanásia e distanásia) e aqueles
derivados da medicina substitutiva (transplantes). Questões básicas como definição de morte,
consentimento livre e informado são analisadas como ainda polêmicas e controvertidas.
Conclui-se com as indagações sobre as quimeras da ciência para triunfar sobre a doença e os
problemas da ordem canibal que se espera diminuam na medida em que as terapêuticas
etiológicas e fisiológicas progridam.

Palavras-chave: Bioética; psicologia da saúde; questões desafiadoras.

Nas últimas décadas, as discussões sobre os temas limites vida-morte suscitaram


dilemas que forçaram a ética a renascer com todo vigor (Torres, 1998). Segundo Veatch
(1994), para esta explosão da ética são responsáveis dois movimentos sociais importantes:
1) A revolução tecnológica - que na área biomédica levou a prática médica a uma
ênfase na técnica, no racional, no objetivo, no econômico, no público, etc., e a um quase
abandono dos aspectos psicossociais e emocionais, subjetivos, no trato da doença. No curso
dessa transformação tecnológica, Bernard (1994) ressalta a revolução terapêutica que, ao
mesmo tempo que deu ao homem o poder de triunfar sobre doenças durante muito tempo
fatais, também demonstrou a necessidade de investigação rigorosa sobre novos medicamentos
a fim de se poder avaliar suas vantagens e desvantagens. Para citar apenas um exemplo da
imperiosa necessidade dessa pesquisa, basta lembrar as deformações congênitas dos recém-
nascidos vítimas da talidomida em todo o mundo, ocorridas na década de 1960.
Da mesma forma, ainda segundo Bernard (1994), também a revolução biológica, mais
recente, com o conceito de patologia molecular que, hoje em dia, governa toda a medicina,
dará ao homem o domínio sobre três campos: o da reprodução (que envolve a ética da

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inseminação artificial, fecundação in vitro, etc.), o da hereditariedade (que permite reconhecer
durante a vida intrauterina graves doenças hereditárias, no nascimento a predisposição a
outras, e, ainda modificar, por meio da engenharia genética, o patrimônio genético dos seres
vivos), e, finalmente, o do sistema nervoso pois, graças ao progresso das neurociências,
começa-se a conhecer a física e a química do cérebro do homem. Todo esse avanço
tecnológico que, sem dúvida, traz novas esperanças para a humanidade, acarreta também uma
série de perigos e questionamentos éticos que exigem uma vigilância atenta.
Partindo desse breve retrospecto da revolução científica e tecnológica, hoje se pergunta:
Foi ético colocar o coração de um macaco em uma criança para fins experimentais? Uma tal
tentativa é contrária aos dados da ciência atual, pois ainda não podemos transpor a barreira da
espécie. É portanto imoral ou amoral (Bernard, 1994). Tendo em vista os direitos dos
receptores (no caso o direito dos pais do recém-nascido receptor), é preciso considerar que
este singular enxerto parece ter sido tentado sem que os mesmos tivessem o conhecimento do
caráter não científico, na época, do empreendimento. Será ético utilizar crianças que nascem
com anencefalia como doadoras de órgãos? Os franceses criaram um termo para certas
situações que se aplica a esta: encarniçamento terapêutico. Anteriormente, um bebê
anencefálico tinha uma esperança de vida de horas ou dias. Hoje se pode mantê- lo em estado
vegetativo por longo período. Ou seja, medidas sustentadoras da vida podem ser utilizadas a
fim de que os orgãos não se deteriorem e se tornem úteis para transplantes. Tal prática tem
ocorrido e suscitado dúvidas quanto às suas implicações éticas.
Outras situações poderiam ser ainda mencionadas, como por exemplo, a utilização do
tecido fetal no tratamento de doenças neurológicas. Será este um procedimento ético tendo em
vista a fonte? O projeto genoma pode ser usado de forma negativa? O teste de DNA pode vir
a ter utilidade de forma discriminatória, reduzindo os seres humanos a predisposições
genéticas?
Sem dúvida, o endeusamento tecnológico, a idolatria científica e a euforia tecnológica
podem, a rigor, evidenciar tanto um esforço da medicina para negar a morte e para
transformá-la em algo remoto, removível, abolível como demonstrar também, muitas vezes,
um desrespeito à vida, uma vez que a tecnologia possibilita ambos os comportamentos.
Em resumo, os progressos até aqui assinalados levantaram questões éticas para as quais,
no estado atual do conhecimento, não existe resposta satisfatória.

2) O segundo desenvolvimento responsável pela explosão da ética foi a revolução


social dos anos 1960, que projetou a importância da pessoa leiga no processo decisório,
inclusive na área médica, introduzindo no campo da ética temas que nunca haviam sido
abordados anteriormente. Por exemplo, a regulamentação do aborto em alguns países trouxe
para a discussão o problema de quando a vida começa; já o caso de Karen Quinlan, o
problema de quando a vida termina. O feto é uma pessoa? A partir de quando? A forma como

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respondemos a esta questão é um determinante de nossa atitude frente ao aborto. Callahan
(citado em Pessini & Barchifontaine, 2000), em um clássico estudo sobre o aborto, identifica
três posturas em relação ao status do feto: a genética, segundo a qual se o genótipo está
presente no momento da fertilização, o ser humano em desenvolvimento é humano desde o
momento da concepção;a desenvolvimentista, segundo a qual certo grau de desenvolvimento
é necessário para que o indivíduo seja considerado um ser humano. Assim, a vida começaria a
partir da formação do córtex cerebral ou da constituição física do feto ou, ainda, a partir da
expulsão do útero; a das consequências sociais, para a qual a questão não é quando a vida
começa mas quando a vida humana começa, que tipo de pessoas queremos? A partir desta
questão, define-se os indivíduos consequentemente. Nesta perspectiva, não é a dimensão
biológica ou desenvolvimentista que são importantes, mas o desejo da sociedade em termos
de normas sociais e morais. O ser humano é totalmente biológico e totalmente relacional.
Desde o útero materno, existem trocas entre o feto e a mãe, e, também, entre o feto e o pai.
Durante todo o período de gestação, o ser humano é modelado pelas trocas biológicas e
relacionais, sendo o relacionamento a característica mais marcante da vida humana.
Quanto à segunda questão, quando a vida termina? O caso Karen Quinlan, por sua
importância histórica, é um marco no debate que envolve as questões éticas sobre o tema.
Como se sabe, mas cabe relembrar, aos 21 anos de idade, ingressou na U.T.I. do Hospital de
Nova Jersey em estado de coma devido à ingestão de drogas e álcool, sendo então conectada a
um respirador. Exames neurológicos repetidos mostraram a irreversibilidade do processo. Os
pais manifestaram, então, desejo de que os meios extraordinários fossem interrompidos e o
respirador retirado. O médico não aceitou o pedido, insistindo que era seu dever manter as
medidas sustentadoras da vida. Os pais recorreram à justiça e mais uma vez tiveram seu
pedido negado pelo juiz que alegou que Karen estava viva médica e legalmente. Os pais
apelaram, então, ao Supremo Tribunal do Estado de Nova Jersey. Esta instância revogou a
anterior considerando que a enferma tinha o direito constitucional de recusar tratamento,
nomeando o pai como tutor e eliminando a responsabilidade criminal pela retirada dos meios
artificiais de sustentação. Em resumo, após a remoção do respirador, Karen continuou viva
por 9 anos. Este caso mobilizou o mundo e tornou-se o símbolo do fato de que o debate sobre
as decisões de interromper as medidas sustentadoras da vida iria para o domínio público,
iniciando, assim, o debate leigo sobre a ética da morte e do morrer.
Ainda, em decorrência da revolução social, cabe também destacar que a América dos
anos 1960 tornou-se perspicaz e consciente da discriminação como um problema social.
Assim, por exemplo, na ausência de máquinas de diálise para atender a todos os pacientes,
quais parâmetros devem determinar a escolha? Quem deve estabelecer os critérios? Hoje se
admite que a justiça para selecionar candidatos para tratamento médico não é em si uma
especialidade médica. Uma pessoa leiga, a rigor, poderia fazer tão bem, ou talvez melhor que
os médicos. Portanto, no início dos anos 1960, um problema radicalmente novo surgiu,
dando-se às pessoas leigas, alheias às discussões médicas, o poder de decidir a respeito da
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admissão de um tratamento médico. Da mesma forma, a contestação da guerra do Vietnã,
assim como a luta pela igualdade dos direitos entre brancos e pretos, entre homens e mulheres
provocaram o despertar de uma nova consciência de ser, de um apurado sentido do humano.
Em decorrência desses dois movimentos - a revolução tecnológica e a revolução social - a
ética foi obrigada a abandonar as paredes protetoras da sala de aula, onde os códigos de ética
profissional eram apenas teórica e abstratamente ensinados, para mergulhar nas complexas e
turvas realidades emergentes das situações criadas por estas revoluções.
Estes fatos concorreram, em última instância, para que o poder da religião e a autoridade
canônica acerca do bem, do que é certo, sobre a ação apropriada, fossem suplantadas pelas
afirmações da ciência e por uma moral secular (leiga), que enfatiza o domínio do homem,
levando-o a trazer para si próprio as decisões sobre a vida e a morte e, portanto, estão nas
raízes da Bioética. Esta revolução da ética (secular), embora impedindo o imobilismo e
impulsionando o progresso, deve, não obstante, estar imperiosamente apoiada em princípios,
estes sim intocáveis.
O surgimento da Bioética foi uma exigência das situações decorrentes dos fatos até aqui
analisados e, sobretudo, da revolução científica e tecnológica. Como disciplina, está
completando 30 anos. O termo, um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e
ethike (ética), passou a ser utilizado na década de 1970, quando surgiu nos Estados Unidos; na
Europa, na década de 1980 e nos países em desenvolvimento a partir da década de 1990.
Discute- se seus fundamentos epistemológicos, sua abrangência temática, mas sua maior
preocupação é prover a qualidade de vida, tanto assim que foi inicialmente definida como
ciência da sobrevivência humana (Potter, 1971).
Portanto, a Bioética não surge no contexto da Igreja, embora entre seus pioneiros haja
importantes teólogos como Joseph Fletcher e Ramsey, mas surgiu no meio de pesquisas, nos
laboratórios, com os cientistas se questionando sobre a ética envolvida em determinados
procedimentos científicos. Cumpre lembrar que paralelamente ao livro de Potter (1971),
Henry Brecher (1996, citado em Diniz, 1999) médico anestesista, publicou um artigo no qual
denuncia experimentos envolvendo seres humanos em condições precárias e subumanas, tais
como: internos em hospitais de caridade, adultos e crianças com deficiências mentais, idosos,
pacientes psiquiátricos, etc., mostrando, desta forma, que a imoralidade não era
exclusivamente dos médicos nazistas.
Segundo Pellegrino (1999), do ponto de vista evolutivo, a Bioética já passou por
diferentes estágios. A escola de Wisconsin, onde se originou o conceito, com Potter, entendeu
a Bioética no sentido global, envolvendo biologia, ecologia e meio ambiente. Já a escola de
Georgetown, Instituto Kennedy, viu a Bioética essencialmente como um ramo da filosofia.
Hoje, no estágio da Bioética global, a gama de problemas se ampliou muito e obrigou os
eticistas a considerarem disciplinas para além de suas especificidades, e, assim, estabelecer
fronteiras com diversos campos do conhecimento, tais como direito, medicina, religião,

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filosofia, antropologia, teologia, psicologia, e outras. Portanto, um dos seus aspectos mais
marcantes é o diálogo multidisciplinar em um contexto pluralista em que nos encontramos
como estranhos morais (Engelhardt, 1998).

A PSICOLOGIA DA SAÚDE E OS DESAFIOS DA BIOÉTICA

A psicologia da saúde, desde sempre voltada para as questões éticas ligadas à vida e a
morte, frente aos desafios suscitados por situações concretas, complexas e desnorteadoras
com as quais a Bioética tem que se defrontar, passou a integrar este contexto multidisciplinar.
Vê na Bioética um campo de atuação e reflexão, não só no que diz respeito à interface com as
neurociências, hoje preocupadas com a cura das doenças mentais e, consequentemente,
voltadas para a importância das pesquisas psicosociológicas, mas, também, no que diz
respeito a outros campos igualmente desafiadores, como, por exemplo, as questões
decorrentes da medicina intensiva, entre as quais se destaca a questão da eutanásia versus
distanásia e as questões decorrentes da medicina substitutiva entre as quais se destaca a
questão dos transplantes.
Pois bem, estas questões suscitam muito mais perguntas do que respostas e trazem em
sua base outras questões controvertidas, ainda não resolvidas. Aliás, segundo alguns dos
pensadores da Bioética, assim como o aborto foi o tema do século XX, a eutanásia será a
grande questão do século XXI (PESSINI, 1999).
A rigor, o conceito de eutanásia passa não só por uma transformação de ordem
conceitual, mas também jurídica, transformação que acarreta fundamentalmente o problema
da distinção entre o que é lícito e o que não é, entre o que é liberdade para morrer e o que é o
dever de salvar vidas. Assim, em relação a este tema nos propomos apenas a colocar alguns
tópicos para nossa reflexão.
Uma das questões desafiadoras se refere à definição da morte. Os debates em relação às
definições da morte surgem em grande parte da dificuldade de definir o que seria o fim de
uma vida. Como diz Engelhardt (1998), uma situação é estar interessado no momento em que
a vida humana biológica deixa de existir e outra é estar interessado no momento em que a
pessoa deixa de existir. Quando se fala da morte de um corpo humano, nossa atenção parece
voltada para a vida humana biológica. Já uma definição da morte de todo o corpo a partir da
morte do cérebro sugere uma definição que se concentra na vida de uma pessoa. A questão
fundamental é a seguinte: qual é o tipo de vida em relação a qual a morte deve ser
determinada?
Como se sabe, a ciência se encaminhou para uma definição da morte totalmente
cerebral, e a razão para a centralização no cérebro é a idéia de que estar morto é ser incapaz
de ser uma pessoa e que ser uma pessoa requer um grau de consciência assegurado

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unicamente pelo funcionamento cerebral adequado. Em sua grande maioria, todas as
distinções conceituais da morte de todo o cérebro, exceto uma definição sobre a morte dos
mais elevados centros cerebrais, já existiam no final do século XIX. Os problemas principais
eram, portanto, de ordem operacional e não conceitual (Engelhardt, 1998). No século XX,
surgiram mais informações e também uma necessidade prática do desenvolvimento de testes
sobre a morte seja de todo o cérebro seja do neocortex. Esta necessidade surgiu não só do
desenvolvimento, na década de 1950, das unidades de terapia intensiva e de respiradores
capazes de sustentar os organismos com morte cerebral durante horas e até dias, mas também
do desenvolvimento das técnicas de transplante que forçou uma definição de morte de todo
cérebro. O primeiro passo nesse sentido foi dado pela comissão de Harvard que concluiu que
os indivíduos em coma irreversível poderiam ser declarados mortos (1968). No ano seguinte
(1969), a Sociedade Americana de Encefalografia estabeleceu critérios para as determinações
encefalográficas da morte cerebral, os quais, não obstante, sustentavam apenas a definição de
morte de todo o cérebro. É importante observar, como diz Engelhardt (1998), que a chamada
definição de morte do cérebro como um todo, embora tenha sido largamente aceita e
empregada, não é comprovada mas, pelo contrário, há provas de que todo cérebro na verdade
não está morto e de que alguns tecidos permanecem vivos. Na verdade, o conceito de morte
cerebral é ambíguo.
Uma questão que data da década de 1980 permanece: deve-se considerar todo cérebro
ou apenas as funções nobres? Segundo Engelhardt (1998), nos encaminhamos para definição
de morte dos centros cerebrais mais elevados, do mesmo modo que nos encaminhamos para
definição de morte do cérebro. Este interesse pela reavaliação da definição de morte de todo o
cérebro foi em parte despertado pela preocupação com a coleta de órgãos de bebês
anencefálicos.
Reconhecem-se os centros cerebrais mais elevados como condição para a vida das
pessoas por serem necessários até mesmo para um mínimo de consciência. Mesmo que o
tronco cerebral inferior, o cerebelo, ou algumas partes estejam funcionando, eles não
garantem por si mesmos a existência de uma pessoa porque não lhe dão consciência. De
qualquer modo o debate persiste, pois há os argumentos que defendem a definição de morte
orientada para o cérebro como um todo, e que se baseiam no fato de que uma definição menos
rigorosa favoreceria o mau uso, e há os argumentos que favorecem a definição em termos da
morte das funções nobres.
Cícero Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo, Escola de Medicina, fez uma
manifestação formal (1997) quanto à validade científica e médica dos critérios clínicos
utilizados para o diagnóstico da morte encefálica. Segundo ele, os critérios clínicos utilizados
para o diagnóstico de morte encefálica não são (e nem jamais o foram) fundamentados em
achados científicos e sua proposição inicial bem como as reformulações que se sucederam,

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estão sempre vinculados a erros de raciocínio e a conceitos confusos mal explicados ou mal
formulados. (p. 1)
Ou seja, a morte encefálica é presumida, não pode ser definida com clareza.
Na medida em que não há uma unanimidade em relação à definição de morte, muitos
autores especulam sobre a dificuldade de ser atingido um consenso político. Para alguns, em
uma sociedade pluralista a solução deste problema é encontrada no pluralismo, isto é,
permitindo-se variações de definições baseadas nas preferências individuais e grupais.
Entretanto, permitir variações na definição da morte suscita graves problemas. É o caso, por
exemplo, das variações baseadas no uso esperado do corpo. A sociedade pode aprovar
definições variadas da morte, dependendo, em parte, de se o corpo será utilizado para
transplante, pesquisa, terapia, ou outros objetivos. Críticos dessas variações obviamente
argumentam que uma pessoa não deve ser tratada como morta ou viva em função da
utilização antecipada do corpo.
Não obstante, é justamente por reconhecer a característica moral e social da morte (o
debate sobre como definir a morte é uma discussão sobre o status moral do homem e não uma
discussão sobre como o cérebro funciona), que alguns autores (Veatch, 1994) enfatizam a
necessidade de pluralismo, considerando as perspectivas filosóficas e ou religiosas. Já os que
são contrários argumentam que mesmo em uma sociedade pluralista é necessário forçar uma
definição de morte, ou seja, mesmo uma sociedade pluralista precisa compreender que ela não
pode ser pluralista quando se trata de definir a morte. Portanto, os problemas suscitados pela
definição da morte são mais complexos do que poderiam parecer e, como a escolha das
definições dependem, a rigor, de crenças, e posições científicas e filosóficas, a discussão,
provavelmente, continuará e, fatalmente, tem implicações na questão da eutanasia /distanasia,
bem como na questão dos transplantes.
Uma outra questão implícita na discussão acerca da eutanasia/distanasia, objeto de
reflexão para a psicologia da saúde, é a do livre consentimento informado. Se voltarmos ao
ponto inicial, já comentado, na medida em que a ética secular não pode proporcionar uma
visão canônica do bem ou uma explicação essencial sobre a ação apropriada, o princípio do
consentimento passa a ser fonte essencial da autoridade moral, a qual, não obstante, deve estar
apoiada em princípios intocáveis a fim de evitar a possibilidade de fracassos morais graves.
Em um contexto pluralista secular, o livre consentimento informado, de fato, desempenha um
papel fundamental. Quando não se pode decidir o que precisa ser feito é necessário perguntar
aos indivíduos livres envolvidos o que eles desejam fazer e esperar que cheguem a um acordo
comum.
A morte exige decisões e, portanto, exige visão e planejamento. Essa preocupação com
o planejamento, que já existia na Idade Média, pode e deve ser compreendida em termos
contemporâneos, embora a era moderna tenha se distanciado totalmente das visões
tradicionais da morte. Como se sabe, enquanto o cristão, na época medieval, pedia a Deus que
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o livrasse de uma morte repentina, na sociedade ocidental contemporânea, ao contrário,
muitas pessoas esperam morrer sem advertência, sem dor, enquanto estão adormecidas. Mas
também nós deveríamos temer uma morte imprevista. As próprias tecnologias que podem
salvar a vida e adiar a morte demonstram a necessidade de sermos competentes e responsáveis
em relação à nossa morte.
Do ponto de vista da moral secular, o direito ao livre e informado consentimento em seu
sentido mais fundamental, compreende: 1) o direito de dar consentimento, de participar do
tratamento sem coerção, sem ser enganado e com competência; assim como 2) o de retirar-se
do tratamento. Não obstante, é preciso considerar que o indivíduo tem também o direito de
não querer ser informado, ou seja, o direito de ser informado não envolve a obrigação de ser
informado. A rigor, o princípio do consentimento sustenta o direito moral do indivíduo livre a
uma melhor ou pior escolha acerca de seu próprio modo de vida e de morte.
De fato, se por um lado a Bioética propõe como princípios básicos a justiça, a
autonomia, a beneficência e a não maleficência, fazer o bem, não causar dano, e estes
princípios se tornaram a base da ética profissional na área da saúde, por outro lado, também,
nesta área, o sujeito tem autonomia; é alguém determinado pela liberdade de ação. O respeito
pela pessoa, à sua liberdade e dignidade, é fundamental. Portanto, a decisão deve ser
respeitada, o que não exclui a necessidade de toda informação sobre as implicações, para que
a decisão seja tomada com liberdade, e assim garantida a dignidade da pessoa.
Kant diz: "O que tem preço pode muito bem ser substituído por qualquer outra coisa a
título equivalente; pelo contrário, o que é superior a qualquer preço, o que, por conseguinte,
não admite equivalente, é o que tem dignidade" (citado em Valvasori, p. 139). A
responsabilidade do sujeito acerca dessas questões, entretanto, é frequentemente evitada pela
posição contrária de que devemos insistir ao máximo no tratamento, defendendo- se assim
todos os argumentos que justificam a chamada distanásia.
O termo distanasia é um neologismo de origem grega, em que o prefixo dys significa ato
defeituoso (Pessini, 2001). Refere-se ao prolongamento da morte, à obstinação terapêutica e à
futilidade médica. Deve, portanto, merecer uma discussão profunda a fim de se evitar o
simplismo ético e recair-se no reducionismo de ser a favor ou contra.
Segundo Engelhardt (1998), os argumentos para justificar a distanásia são falsos. A
própria medicina vem hoje evitando tratar de casos sem esperança, em insistir no que se
chama terapêutica fútil ou obstinação terapêutica, termo que se define como o comportamento
médico que consiste em utilizar processos terapêuticos cujo efeito é mais nocivo do que os
efeitos do mal a curar, ou inútil porque a cura é impossível e o benefício esperado menor que
os inconvenientes previsíveis (Debray, citado em Pessini & Barchifontaine, 2000, p. 264).
Quando a terapia médica não consegue mais a restauração da saúde, tratar para curar torna- se
uma futilidade. Daí o imperativo ético de parar o que é inútil, fútil, intensificando-se os
esforços para manter a qualidade de vida. Cuidar é parte do tratamento, e esquecer disto nos
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faz cair na absolutização da vida biológica, na obstinação terapêutica - distanásia (Pessini,
1999). Gafo (1990), na busca de uma precisão conceitual, emprega o termo ortotanásia (orto
=correto) para significar morte em seu tempo certo, isto é, sem abreviar e sem prolongar
desproporcionalmente o processo de morrer.
Esta decisão, não obstante, é extremamente difícil. O que é terapêutica fútil? Como
saber quando chegou o momento de passar das terapias curativas para as paliativas? O que é
prolongar indevidamente a vida? Refere-se àquelas situações ou contigências em que o
paciente foi submetido a todos os tratamentos possíveis e que permitem prever, com certo
grau de certeza, que quaisquer outros recursos se afiguram inúteis. Duelar com a doença
apenas adiaria, se tanto, a morte a custa de sofrimentos. Nestes casos, tanto médicos como
eticistas devem conceituar bem o que são meios terapêuticos habituais, diferentes dos
métodos extremos, decorrentes de exageros da tecnologia, bem como se posicionar em
relação à utilização de drogas capazes de dar alívio revertendo o quadro clínico, embora sejam
incapazes de mudar o prognóstico.
Apenas para considerar alguns exemplos. O que seriam métodos extremos decorrentes
dos exageros da tecnologia? Manter uma pessoa viva, como um sistema orgânico, graças a
algum equipamento a ela ligado, seja, talvez, o mais evidente; submeter um paciente já em
fase terminal a um processo de reanimação; submeter este mesmo paciente a intervenções
terapêuticas - tipo cirurgia, por exemplo, que de nada mais adiantarão a não ser prolongar a
vida por um tempo muito curto.
No paradigma paternalista, a questão é resolvida de forma autoritária pelo médico, que é
a figura principal, enquanto que o paciente tem um papel puramente passivo. Este paradigma
evoluiu para outro que surgiu em decorrência da tensão entre a autonomia do médico e a
autonomia do paciente, ou seja, do conflito entre pacientes que querem dizer não à
intervenções e os profissionais que querem fazer tudo o que for possível, não obstante a
resistência do paciente (Pessini, 2001). Este paradigma focaliza o direito do paciente de estar
livre de intervenções indesejadas e o direito de recusar tratamento. Atualmente um novo
paradigma está emergindo como decorrência de um conflito oposto: um choque entre
pacientes que querem insistir no tratamento e os profissionais de saúde que dizem não às
intervenções médicas que julgam fúteis.
O debate atual, portanto, leva a uma reconsideração sobre o significado e o limite do
conceito de autonomia, envolvendo um conflito entre a medicina altamente tecnológica e os
valores das pessoas envolvidas. Como afirma Pessini (2001), a valorização do fator humano é
imperiosa e pode ser a esperança na resolução do debate sobre futilidade. Para tal, é preciso
que o debate se amplie e considere uma área que ficou praticamente negligenciada - a da ética
do cuidado.
O prolongamento da vida, de fato, nem sempre é o melhor para o indivíduo. As
circunstâncias podem se tornar tão difíceis que justifiquem a decisão de interromper o
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tratamento de maneira a não prolongar a morte. Esta decisão, entretanto, não levará
necessariamente a uma morte mais fácil. Assim, para a pessoa que não tem uma orientação
religiosa, a eutanasia ou o suicídio poderiam parecer decisões mais sensatas.
Em resumo, fora de uma visão moral canônica, ou mesmo de um contexto moral
religioso particular, em que é imoral contribuir de alguma forma para a morte de uma pessoa,
a conclusão a que se chega é que as distinções entre intenção e previsão, eutanásia ativa e
passiva, entre morrer e deixar morrer, assistir o suicídio ou suportar a eutanasia voluntária
deixam de ter um significado moral intrínseco (Engelhardt, 1998). Sem referência a uma
explicação religiosa e ou metafísica da dor e do sofrimento, torna-se difícil explicar porque a
morte consensual seria errada em si mesma, já que na base de tudo está o consentimento das
pessoas.
É importante insistir no fato de que quando a autoridade moral passa a ser derivada da
permissão, do consentimento, tal fato tem sérias implicações, também de natureza
psicológica, que devem ser analisadas. Se por um lado, o homem não pode ser considerado
apenas como uma máquina biológica, pois ele é acima de tudo um ser competente e
responsável - e assim deverá ser visto até o seu fim - por outro lado , não se pode deixar de
considerar que ele é também um ser emocional, psicologicamente motivado, e, portanto, não
se pode desconsiderar as motivações do gesto eutanásico, os aspectos psicodinâmicos,
inclusive as motivações inconscientes.
Quando um paciente pede para morrer, o que ele está realmente pedindo? O pedido pode
referir-se à necessidade de aliviar a dor que, não obstante, pode não ser apenas a dor física,
mas a dor emocional, ou seja, o estresse de estar se confrontando com a própria morte; ou à
dor social, a situação de abandono e de solidão, ou ainda a necessidade de uma pessoa
extremamente controladora que quer manter esse controle em relação a sua morte; o paciente
pode ainda estar preocupado em tornar-se um peso financeiro, etc.
Richman (1993, citado em Leenaars, 1995) argumenta que o suicídio dos pacientes não
se baseia exclusivamente na doença. Portanto, assim, como seria descabido não considerar, no
caso desses doentes, os fatores físicos, também seria descabido não considerar os aspectos
emocionais. Quando se defende o livre consentimento, é preciso ainda considerar- o que
muitas vezes os defensores da liberdade não consideram- que toda ação tem conseqüências e
algumas destas afetam os outros. Assim, por exemplo, no caso do suicídio assistido é preciso
considerar o conflito entre os desejos do paciente e as tradições éticas de uma profissão.
Como o direito de morrer afeta o profissional médico? Um direito é uma expectativa
legitimada pela lei e pelos padrões comumente aceitos. Mas, na verdade, há dois tipos de
direitos: o de reinvidicação e o de liberdade. Se o direito de morrer é um direito de
reivindicação, então no caso de uma pessoa que deseja morrer e não pode fazer isto sozinha,
alguém terá a obrigação de ajudá-la, mas se é um direito de liberdade, ninguém pode impedí-
la, mas, também, não é obrigado a ajudá-la.

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Finalmente, na análise dessas implicações, deve-se também considerar o que os
americanos chamam de sliperry-slope (declive escorregadio). Hurley (1993, citado em
Zucker, 1995) afirma que ao se aceitar alguma forma de eutanásia é bastante provável que
uma cadeia de eventos com más conseqüências venham a ocorrer. Assim sendo, um primeiro
tipo de expectativa (do tipo sliperry-slope) alega que um argumento usado em uma situação
cujas conseqüências sejam aceitáveis, poderá continuar a ser usado em outras situações, em
um esquema de gradação, levando a conseqüências indesejáveis. Por exemplo, permitir que
recém-nascidos com graves defeitos de nascimento morram leva, em um primeiro passo, à
permissão de que recém-nascidos menos gravemente afetados também morram e assim
sucessivamente, podendo-se chegar ao ponto em que apenas crianças sadias sobrevivam. O
que torna forte este argumento é a gradação, lenta, suave, que vai desde grave, moderada, até
normal.
A outra perspectiva do declive escorregadio postula que aceitar um tipo de situação
predispõe psicologicamente as pessoas a aceitarem outros tipos de situações indesejáveis.
Trata-se, neste caso, da transferência de um sentimento que parece apropriado em uma
situação para outra em que não é adequado. Por exemplo, o sentimento de que é aceitável
ajudar na morte de uma pessoa idosa debilitada e terminal pode levar ao sentimento de que é
aceitável ajudar na morte de um velho debilitado e terminal que, não obstante, não solicitou
esta ajuda.
Com relação à segunda questão desafiadora da Bioética, sobre a qual já comentamos,
decorrente da medicina substitutiva, a questão dos transplantes, também traz em sua base essa
e outras questões complexas. A rigor, poderíamos começar dizendo que se deixarmos de lado
a beleza do gesto, a solidariedade envolvidos na doação de órgãos, o fato é que os transplantes
de órgãos implicam na história de dois fracassos: de um lado a medicina não conseguiu salvar
a vida de uma pessoa, curá- la de sua doença, de tal modo que ela necessita de alguém que lhe
doe um órgão para poder sobreviver; de outro lado, alguém sadio, jovem, tem que morrer, em
muitos casos, para que seu(s) órgão(s) sejam doados e outro ser humano consiga viver.
Na verdade, a questão dos transplantes foi, como se viu inicialmente, um impulsionador
para o nascimento da Bioética quando, por assim dizer, suscitou a resposta pública a este
outro dramático avanço médico. Em 1967, o Dr. Barnard transplantou o coração humano de
uma pessoa morta (ou moribundo) para um paciente cardíaco terminal. Apesar do mundo ficar
maravilhado, alguns se questionavam sobre a origem do órgão, se o doador estava
verdadeiramente morto, se o coração foi retirado desrespeitando-se os direitos da pessoa ainda
viva, em fim, sobre todas as questões acima discutidas. Apesar dos transplantes de rins já
serem feitos na época, foram sem dúvida os transplantes de coração que pressionaram essas
questões éticas e discussões sobre a vida e a morte na classe médica e influiram
decisivamente, como dissemos inicialmente, para que o comitê de Harvard, dirigido por
Beecher, propusesse a definição de morte cerebral. Portanto, a questão dos transplantes faz

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parte desse desenvolvimento histórico da Bioética mas acarreta, ainda, uma série de questões
éticas tais como a experimentação no homem, a obstinação terapêutica, a definição de pessoa
e ainda outras questões como lucro versus desinteresse, os problemas envolvidos para os
doadores e os receptores.
Se deixarmos de lado toda a contestação histórica sobre se é lícito violar a vida ou violar
a morte, e se nos detivermos na questão do doador morto que é talvez a que acarreta maiores
dificuldades éticas, uma vez admitida a coleta de órgãos em um morto, duas condições, já
suficientemente discutidas acima, são necessárias: 1) a certeza da morte; 2) o consentimento.
Ambas as questões no nosso país, e em muitos outros, já estão resolvidas por disposições
legislativas, o que não significa que não permaneçam ainda muitas controvérsias e
contestações. Convém aqui lembrar as palavras de Bernard (1994), segundo as quais as leis
devem ser objeto de estudos prévios, longos, aprofundados de consultas a pessoas
competentes, de reflexões, de participação de parlamentares, pois nada mais perigoso do que
uma lei atabalhoada. Acrescentaríamos, ainda, que as leis devem ser precedidas de debate
com a opinião pública. De qualquer forma, o consentimento livre e esclarecido é parte
fundamental, tanto no caso de doador vivo onde se coloca a questão do sacrifício do mesmo,
se deve ser aceito, ou ainda, se pode-se aceitar a recusa (sem esquecer que também o receptor
deve ser largamente informado das implicações do processo), como no caso do doador morto,
cujo consentimento pode ser dado anteriormente, ou pela família.
Neste ponto caberia, ainda, lembrar algumas implicações de ordem psicológica no caso
dos transplantes: assim como pode haver uma rejeição física (hoje bastante controlada),
também pode haver uma rejeição psíquica ou pelo menos deve-se considerar a necessidade de
um período de elaboração sobre o que se está passando, pois há a possibilidade de que ocorra
uma dificuldade da pessoa para integrar um órgão que não é dela. Pode ocorrer, ainda,
temporariamente, um sentimento de perda da integridade; ou, ainda, um sentimento de culpa
em relação ao doador. Afinal você está vivo, as custas de alguém que morreu (no caso do
doador morto) ou pelo menos ficou deficitário.
Este aspecto e outros reforçam a necessidade de um apoio psicológico às pessoas que
vão passar por um transplante. De qualquer forma, é certo que a esperança suscitada pelo
transplante prevalece sobre qualquer outra consideração. É o caso de ressaltar a reflexão de
um transplantado: "Os problemas morais só existem para aqueles que não tiveram transplante
de órgão" (BERNARD, 1994, p. 47).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A medicina moderna, como argumenta Bernard (1994), para triunfar sobre a doença,
constrói quimeras. "O meu coração faz circular nas minhas veias o sangue do meu irmão",

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disse uma transplantada de medula óssea. Sem dúvida, a função mais importante da medula
óssea é a formação dos glóbulos do sangue. O sangue que corre nas artérias e nas veias de M.
(paciente) é realmente o sangue de J. (irmão). A cada batimento, o coração de M. envia aos
seus vasos sanguíneos o sangue de J. Portanto, seus órgãos e seu coração coexistem, no seu
corpo, com a medula e o sangue do irmão. M. tornou- se uma quimera.
Vamos ainda imaginar que fosse possível alguém sobreviver a uma multiplicidade de
transplantes. Será que essa pessoa continuaria sendo a mesma? Quantos órgãos e tecidos
podem ser substituídos e, no entanto, a pessoa continuar sendo a mesma?
Na teoria, só dois métodos poderiam permitir mudar uma pessoa: a engenharia genética,
transformando o patrimônio genético do indivíduo; o transplante do cérebro. O homem é, sem
dúvida, definido por seu cérebro, mas, o fato é que, há alguns anos, o tratamento de certas
doenças nervosas considera o enxerto de algumas centenas de células nervosas vindas de uma
pessoa sã. Segundo Bernard (1994), de algumas centenas poderemos passar a alguns milhares,
de um pequeno campo para um mais amplo. A rigor, os limites dessa eventual extensão não
podem ser fixados no momento.
Um filósofo consagrado evocou em um artigo os perigos da ordem canibal. Sem dúvida
a medicina substitutiva representa uma etapa da história da medicina. Mas, para alguns
autores, a terapêutica dos transplantes e substituição de órgãos e tecidos pouco a pouco
tendem a diminuir com o progresso das terapêuticas etiológicas e fisiológicas. Dessa forma, a
freqüência e a gravidade dos problemas éticos de hoje irá se atenuar. A ordem canibal é,
então, uma ordem temporária (Bernard, 1994). Esperamos que sim.
Quando Deus criou o homem disse: "Crescei e Multiplicai"... Havia algum limite nisto?
Acredito que não. A Bíblia traz um alerta: "Podeis comer de todas as árvores do jardim. Mas,
da árvore da ciência do Bem e do Mal não comereis, porque no dia em que dela comerdes
haveis de morrer" (Gênesis 2:17). A conseqüência para a humanidade por ultrapassar este
limite é conhecida por todos nós. (Barth, 2000, p. 1)
Há um limite para a ciência? Talvez não, do ponto de vista da tecnologia, mas do ponto de
vista da ética, certamente que sim.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barth, W. L. (2000). Bioética: Até onde podemos ir? Boletim ICAPS, 175, 1.
Bernard, J. (1994). Da biologia à ética (R. Castilho & V. A. Albino, Trad.). Campinas: Editorial Psy II. (Original
publicado em 1990)
Coimbra, C. (1997). Morte encefálica. (Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, Trabalho elaborado para
disciplina de Neurologia Experimental. Universidade Federal de São Paulo). Material nãopublicado.
Diniz, D. (1999). Henry Beecher e a gênese da Bioética. O Mundo da Saúde, 23, 332- 335. Engelhardt Jr., H. T.
(1998). Fundamentos da Bioética. São Paulo: Loyola.
Gafo, J. (1990). La eutanasia: El derecho a una muerte humana. Ediciones temas de hoy (pp. 62-63).
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Washington, D. C.: Taylor & Francis. Pellegrino, E. D. (1999). Origem e evolução da Bioética: Uma visão
pessoal. Em L. Pessini & C. P. Barchifontaine (Orgs.), Problemas atuais de Bioética (pp. 40- 41) (5ª ed., revista e
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Pessini, L. (1999). Bioética: Horizonte de esperança para um novo tempo. O Mundo da Saúde, 23, 259-262.
Pessini, L. & Barchifontaine, C. P (2000). Problemas atuais de Bioética (5ª ed. revista e ampliada). São Paulo:
Edições Loyola.
Pessini, L. (2001). Distanásia: Até quando prolongar a vida? (coleção Bioética em perspectiva, 2). São Paulo:
São Camilo Loyola. Potter, V. R. (1971). Bioethics, bridge to the future. New Jersey: Prentice Hall. Ramsey, P.
(Org.) (1995). Encyclopedia of bioethics. New Jersey: Paulist. (Vol.1, 2ª ed.).
Torres, W. da C. (1998). A morte o morrer e a ética. Arquivos Brasileiros de Gerontologia, 2, 23-27.
Valvasori, A. (1997). Testemunhas de Jeová e as transfusões de sangue. Boletim ICAPS, 139, 7.
Veatch, R. M. (1994). Das medidas sustentadoras da vida ao ajudar a morrer. Boletim ICAPS, 113, 8. (Extraído
do Hasting Center Report, 23, 7-8)
Zucker, A. (1995). Rights and the dying. Em H. J. Wass & R. Neimeyer (Orgs.), Dying: Facing the facts (pp.
385-403). Washington, DC: Taylor & Francis.

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COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIAS DIFÍCEIS:
COMPARTILHANDO DESAFIOS NA ATENÇÃO Á SAÚDE
Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à
saúde / Instituto Nacional de Câncer. Coordenação Geral de Gestão Assistencial. Coordenação de Educação.–
Rio de Janeiro: INCA, 2010. Esta obra pode ser acessada, na íntegra, na Área Temática Controle de Câncer da
Biblioteca Virtual em Saúde - BVS/MS (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/controle_cancer) e no Portal do INCA
(http://www.inca.gov.br).

Anexo 1

Como Comunicar Situações Difíceis no Tratamento - Roteiro baseado no


Protocolo SPIKES

1. OBJETIVOS

1.1 Escutar o paciente* com a finalidade de conhecer o seu grau de informação sobre a
doença, suas expectativas e seu preparo para receber a má notícia.

1.2 Transmitir informação médica de maneira inteligível, de acordo com as possibilidades,


necessidades e desejos do paciente.

1.3 Dar suporte ao paciente, utilizando habilidades profissionais para reduzir o impacto
emocional e a sensação de isolamento experimentados por quem recebe a má notícia.

1.4 Desenvolver uma estratégia, sob a forma de um plano de tratamento, com a contribuição e
a colaboração do paciente.

2. ETAPAS E RECOMENDAÇÕES (VALORES)

ETAPA 1 – Como planejar a entrevista

• Rever os dados que fundamentam a má notícia: resultados de exames, tratamentos


anteriores, literatura médica e informações gerais sobre o paciente.
• Avaliar seus próprios sentimentos – positivos e negativos – sobre a transmissão dessa
má notícia para esse paciente.

• Buscar ambiente com privacidade; informar sobre restrições de tempo ou interrupções


que possam ser inevitáveis; desligar o celular ou pedir a um colega para atender.

• Envolver pessoas importantes, se esse for o desejo do paciente.

• Sentar-se e colocar-se disponível para o paciente.

*Considerar, sempre que o documento se referir ao paciente, à extensão para o acompanhante,


familiar ou cuidador, quando necessário ou possível.

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ETAPA 2 – Como avaliar a percepção do paciente: “Antes de contar, pergunte.”

• Procurar saber como o paciente percebe sua situação médica (o que tem, se é sério ou
não); o que já lhe foi dito sobre o seu quadro clínico e o que procurou saber por fontes
leigas ou profissionais, Internet etc.;
• qual a sua compreensão sobre as razões pelas quais foram feitos os exames.

• Perceber se o paciente está comprometido com alguma variante de negação da doença:


pensamento mágico; omissão de detalhes médicos essenciais, mas desfavoráveis sobre
a doença; ou expectativas não
• realistas do tratamento.

• Corrigir desinformações e moldar a má notícia para a compreensão e a capacidade de


absorção do paciente.

ETAPA 3 – Como avaliar o desejo de saber do paciente e obter o seu pedido por
informações

• Procurar saber, desde o início do tratamento, se o paciente deseja informações


detalhadas sobre o diagnóstico, o prognóstico e os pormenores dos tratamentos ou se
quer ir pedindo informações gradativamente.

• Oferecer-se para responder a qualquer pergunta ou para falar com familiares ou


amigos.

• Negociar a transmissão de informação no momento em que se pedem exames: se o


paciente vai querer detalhes sobre os resultados ou apenas um esboço que possibilite a
discussão do plano de tratamento.

ETAPA 4 – Como transmitir a notícia e as informações ao paciente

• Anunciar com delicadeza que más notícias estão por vir; dar tempo ao paciente para se
dispor a escutá-las.

• Evitar termos técnicos, adaptando-se ao vocabulário e ao nível de compreensão do


paciente.

• Evitar a dureza excessiva, amenizando a transmissão de detalhes desnecessários.

• Informar aos poucos, buscando conferir o progresso de sua compreensão.

• Quando o prognóstico é ruim, evitar transmitir desesperança e desistência,


valorizando, ao contrário, os cuidados paliativos, o alívio dos sintomas e o
acompanhamento solidário.

ETAPA 5 – Como validar a expressão de sentimentos e oferecer respostas afetivas às


emoções dos pacientes (e familiares)

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• Favorecer a expressão dos pacientes e familiares sobre o impacto da má noticia, dando
voz a seus sentimentos e emoções para ajudá-los a superar estados de choque e evitar
o descontrole.

• Acolher a legítima expressão de sentimentos de ansiedade, raiva, tristeza ou


inconformismo de pacientes e familiares, dando-lhes algum tempo para se acalmarem
e abrindo-lhes as possibilidades de continuidade do acompanhamento.

• Buscar respostas de reconhecimento e sintonia afetiva, ensaiar perguntas exploratórias


que favoreçam a expressão dos sentimentos e das preocupações em jogo, assim como
afirmativas reasseguradoras da legitimidade dessas expressões para reduzir os
sentimentos de isolamento do paciente e de familiares; expressar solidariedade e
validar seus sentimentos e pensamentos.

ETAPA 6 – Como resumir e traçar estratégias

• Resumir as principais questões abordadas e traçar uma estratégia ou um plano de


tratamento para ajudar os pacientes a sentirem-se menos ansiosos e inseguros.

• Antes de discutir um plano de tratamento, perguntar aos pacientes se eles estão prontos
para essa discussão e se aquele é o momento.

• Compartilhar responsabilidades na tomada de decisão com o paciente (o que pode


também reduzir qualquer sensação de fracasso da parte do médico quando o
tratamento não é bem sucedido).

• Avaliar o não entendimento de pacientes sobre a discussão, prevenindo sua tendência a


superestimarem a eficácia ou não compreenderem o propósito do tratamento.

• Ser honesto sem destruir a esperança ou a vontade de viver dos pacientes.

Anexo 1- A

Comunicação de Más Notícias em Oncologia no Tratamento de Crianças


e Adolescentes - Consenso Spikes Jr.
1 – Escutar o paciente, seus familiares ou cuidadores com a finalidade de conhecer o seu grau
de informação sobre a doença, suas expectativas e preparo para receber a má notícia.

Adendo: estimular a presença constante dos pais, simultaneamente quando possível, para
participarem dos esclarecimentos em conjunto.

2 – Transmitir informação médica de forma inteligível, de acordo com as possibilidades,


necessidades e desejos do paciente.

Adendo: informar ao paciente, criança ou adolescente, respeitando os recursos cognitivos e


emocionais de acordo com seu estágio de desenvolvimento.

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3 – Dar suporte ao paciente e seus familiares, utilizando habilidades profissionais para
reduzir o impacto emocional e a sensação de isolamento experimentados por quem recebe a
má notícia.

Adendo: reforçar a importância da família ser acolhida e fornecer possibilidades de suporte


psicossocial para que esta não se desestruture em função do adoecimento de um de seus
membros.

4 – Desenvolver uma estratégia, sob a forma de um plano de tratamento, com a contribuição e


colaboração do paciente.

Adendo: tentar estabelecer as redes de apoio familiar para revezamento ou substituição


temporária de acompanhamento ao paciente.

ETAPA 1 – Planejando a entrevista

• Rever os dados que fundamentam a má notícia: resultados de exames, tratamentos


anteriores, literatura médica e informações gerais sobre o paciente.

• Avaliar seus próprios sentimentos – positivos e negativos – sobre a transmissão dessa


má notícia, para este paciente e a família.

• Buscar ambiente com privacidade; informar sobre restrições de tempo ou interrupções


que possam ser inevitáveis; desligar o celular ou pedir a um colega para atendê-lo.

• Envolver pessoas importantes, se este for o desejo do paciente.

• Sentar-se e colocar-se disponível para o paciente.

Adendo I: quanto à equipe de saúde

 Identificar os profissionais da equipe com os quais o paciente e seus familiares criam


vínculos e realizar as entrevistas, sempre que possível com dois profissionais da
equipe.

 Verificar se a equipe interdisciplinar está atualizada com a situação do paciente.

 Após a reunião com a família, os profissionais envolvidos devem atualizar toda a


equipe interdisciplinar sobre o pacto realizado com os mesmos.

Adendo II: quanto à família

• Antes de conversar com a criança ou adolescente, identificar os membros do universo


familiar e social do paciente com maior capacidade de liderança e estabilidade para
contribuir no momento da comunicação de más notícias, incluindo a situação de luto.

ETAPA 2 – Avaliando a percepção do paciente: “Antes de contar, pergunte.”

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• Procurar saber como o paciente e a família percebem sua situação médica (o que tem,
se é sério ou não); o que já foi dito sobre o seu quadro clínico e o que procurou saber
por fontes leigas ou profissionais, internet etc.; qual a sua compreensão sobre as razões
pelas quais foram feitos os exames.

• Perceber se o paciente e a família estão comprometidos com alguma variante de


negação da doença: pensamento mágico; omissão de detalhes médicos essenciais, mas
desfavoráveis sobre a doença ou expectativas não realistas do tratamento.

Adendos:

É importante destacar que pensamento mágico e recursos lúdicos podem ser instrumentos
importantes para a comunicação e a elaboração de notícias e situações difíceis para crianças,
adolescentes e familiares. Lembrar que, por vezes, “a fantasia sustenta a vida”.

Corrigir desinformações e moldar a má notícia para a compreensão e capacidade de absorção


do paciente e familiares.

ETAPA 3 – Avaliando o desejo de saber do paciente e obtendo o seu pedido por


informações

• Procurar saber, desde o início do tratamento, se o paciente deseja informações


detalhadas sobre o diagnóstico, prognóstico e pormenores dos tratamentos ou se quer
ir pedindo informações gradativamente.

Adendo: na clínica pediátrica e com adolescentes, a situação deve ser amplamente esclarecida
e alguém da família deve obrigatoriamente ocupar esse “lugar” de responsabilidade. No caso
do paciente não desejar ou não ter condições de ser informado sobre questões de continuidade
do processo e decisões do tratamento, alguém da família deve ser esclarecido sobre a
autonomia da equipe, com o máximo de compartilhamento e o mínimo de conflito possível.

• Oferecer-se para responder a qualquer pergunta ou para falar com familiares ou


amigos.
• Adendo: procurar não mentir, nem tratar a criança ou adolescente “como bobo”.
Negociar com a família esses aspectos.

• Negociar a transmissão de informação no momento em que se pede exames: se o


paciente e família vão querer detalhes sobre os resultados ou apenas um esboço que
possibilite a discussão do plano de tratamento.

ETAPA 4 – Transmitindo a notícia e informações ao paciente

• Anunciar com delicadeza que más notícias estão por vir; dar tempo ao paciente e à
família para se dispor a escutá-las.

Adendo: algumas opções de conduta em relação à comunicação de notícias difíceis no caso de


crianças e adolescentes podem ser utilizadas:

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1) Família falar com o paciente.

2) Profissional de saúde, na presença da família, falar com o paciente.

3) Profissional de saúde, a pedido da família, falar com o paciente.

• Evitar termos técnicos, adaptando-se ao vocabulário e nível de compreensão do


paciente.
• Adendo: considerar as referências culturais e sociais singulares dos pacientes e
familiares. Por vezes, “caroço”, “doença ruim”, “cansaço” dizem mais que câncer,
tumor maligno ou doença respiratória crônica.

• Evitar a dureza excessiva, amenizando a transmissão de detalhes desnecessários.

• Informar aos poucos, buscando conferir o progresso de sua compreensão.

• Quando o prognóstico é ruim, evitar transmitir desesperança e desistência,


valorizando, ao contrário, os cuidados paliativos, o alívio dos sintomas e o
acompanhamento solidário.

Adendo: estar ciente da fase em que a criança ou o adolescente se encontra, seu nível de
compreensão, cognição, personalidade e protagonismo. Sobretudo nessa população,
considerar a importância da comunicação não verbal: o olhar, o gestual e o desenho podem
ser recursos interativos produtores de
alívio.

ETAPA 5 – Validando a expressão de sentimentos e oferecendo respostas afetivas às


emoções dos pacientes e familiares

• Favorecer a expressão dos pacientes e familiares sobre o impacto da má notícia, dando


voz a seus sentimentos e emoções para ajudá-los a superar estados de choque e evitar
o descontrole.

• Acolher a legítima expressão de sentimentos de ansiedade, raiva, tristeza ou


inconformismo dos pacientes e familiares, dando-lhes algum tempo para se acalmarem
e abrindo-lhes as possibilidades de continuidade do acompanhamento.

• Buscar respostas de reconhecimento e sintonia afetiva, ensaiar perguntas exploratórias


que favoreçam a expressão dos sentimentos e preocupações em jogo, assim como
afirmativas reasseguradoras da legitimidade dessas expressões, para reduzir os
sentimentos de isolamento do paciente e familiares, expressar solidariedade e validar
seus sentimentos e pensamentos.

ETAPA 6 – Resumindo e traçando estratégias

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• Resumir as principais questões abordadas e traçar uma estratégia ou um plano de
tratamento para o futuro para ajudar os familiares e pacientes a se sentirem menos
ansiosos e inseguros.

• Antes de discutir um plano de tratamento, perguntar aos familiares e pacientes se eles


estão prontos para essa discussão e se aquele é o momento.

• Compartilhar responsabilidades na tomada de decisão com a família e o paciente de


acordo com o seu grau de entendimento (o que pode também reduzir qualquer
sensação de fracasso da parte do médico quando o tratamento não é bem-sucedido).

• Avaliar o não entendimento dos pacientes sobre a discussão, prevenindo sua tendência
a superestimarem a eficácia ou não compreenderem o propósito do tratamento.

• Ser honesto sem destruir a esperança ou a vontade de viver dos pacientes.

Anexo 2

Relação de Competências de Acordo com o Protocolo Spi kes - Definição de


competências do profissional que precisa comunicar notícias difíceis de acordo
com as etapas do Protocolo SPIKES.

1. Como planejar a entrevista

• Rever os dados que fundamentam a má notícia: resultados de exames, tratamentos


anteriores, literatura médica e informações gerais sobre o paciente.

• Verificar se a equipe multidisciplinar que cuida do paciente está ciente do prognóstico


e dos procedimentos e se tem alguma informação importante a fornecer para facilitar a
conversa com o paciente/família.

• Avaliar seus próprios sentimentos – positivos e negativos – sobre a transmissão dessa


má notícia para esse paciente.

• Preparar um ambiente acolhedor que garanta a melhor privacidade.

• Pensar a melhor forma de utilizar o tempo disponível para comunicação.

• Envolver pessoas importantes, se esse for o desejo do paciente.

• Sentar-se e colocar-se disponível para o paciente.

2. Como avaliar a percepção do paciente

• Favorecer vínculo de confiança que permita ao paciente fazer perguntas, expressar


expectativas e temores.

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• Estabelecer um diálogo inicial deixando-o à vontade, procurando saber como o
paciente se sente e o que conhece do seu estado de saúde atual: procurar saber como o
paciente percebe sua situação médica (o que tem, se é sério ou não); o que já lhe foi
dito sobre o seu quadro clínico e o que procurou saber por fontes leigas ou
profissionais, Internet etc.; qual a sua compreensão sobre as razões pelas quais foram
feitos os exames.

• Estimular o paciente/familiar a fazer perguntas.

• Perceber se o paciente apresenta alguma variante de negação da doença: pensamento


mágico; omissão de detalhes médicos essenciais, mas desfavoráveis sobre a doença;
ou expectativas não realistas do tratamento.

• Considerar o estilo de vida, a personalidade e as experiências pessoais de


enfrentamento de situações difíceis, respeitando valores e crenças do paciente. Não
fazer julgamentos morais.

• Buscar a melhor forma de adequar a má notícia para a compreensão e a capacidade de


absorção do paciente.

3 – Como avaliar o desejo de saber do paciente e obter o seu pedido por informações

• Saber ouvir, observar e ter a sensibilidade para perceber se o paciente está em


condições para receber a notícia ou se ainda é preciso esperar.

• Sempre procurar saber se o paciente deseja informações detalhadas sobre o


diagnóstico, o prognóstico e os pormenores dos tratamentos ou se quer ir pedindo
informações gradativamente.

• Oferecer-se para responder a qualquer pergunta ou para falar com familiares ou


amigos.

• Negociar a transmissão de informação no momento em que se pedem exames: se o


paciente vai querer detalhes sobre os resultados ou apenas um esboço que possibilite a
discussão do plano de tratamento.

4 – Como transmitir a notícia e as informações ao paciente

• Informar com clareza e delicadeza, sendo sincero com as informações prestadas.


• Evitar termos técnicos e usar uma linguagem próxima à capacidade de compreensão
daqueles que recebem a notícia.

• Transmitir a notícia com segurança, evitando detalhes desnecessários.

• Evitar transmitir ansiedade para o paciente, sem que isso signifique frieza.

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5 – Como validar a expressão de sentimentos e oferecer respostas afetivas às emoções do
paciente e de familiares

• Favorecer a expressão dos pacientes e familiares sobre o impacto da má notícia, dando


voz a seus sentimentos.

• Acolher a legítima expressão de sentimentos de ansiedade, raiva, tristeza ou


inconformismo dos pacientes e familiares, dando-lhes algum tempo para se acalmarem
e abrindo-lhes as possibilidades de continuidade de acompanhamento. Buscar uma
proximidade sincera e, ao mesmo tempo, não se envolver emocionalmente em
demasia.

• Oferecer respostas de reconhecimento e sintonia afetiva.

• Suportar o incômodo da situação, tolerando momentos de silêncio e esperando a


recuperação do impacto da notícia.

6 – Como resumir e traçar estratégias com paciente e familiares

• Resumir as principais questões abordadas e traçar uma estratégia ou um plano de


tratamento para ajudar os pacientes a sentirem-se menos ansiosos e inseguros.

• Antes de discutir um plano de tratamento, perguntar aos pacientes se eles estão prontos
para essa discussão e se aquele é o momento.

• Compartilhar responsabilidades na tomada de decisão com o paciente.

• Avaliar o não entendimento dos pacientes sobre a discussão e se colocar disponível


para as orientações.

• Ser honesto sem destruir a esperança ou a vontade de viver dos pacientes.

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