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volume 2

Cuidados Paliativos:
da Clínica à Bioética
volume 2

Cuidados Paliativos:
da Clínica à Bioética

organizadores

Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo


Elio Barbosa Raimondi Belfiore
José Helio Zen Júnior
Vanessa Souza Santana

editora executiva
Concília Ortona

São Paulo, 2023


CUIDADOS PALIATIVOS: DA CLÍNICA À BIOÉTICA - VOLUME 2
Publicação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
Rua Frei Caneca, 1282 – São Paulo – SP – CEP: 01301-910
Tel: (11) 4349-9900 – www.cremesp.org.br

Presidente do Cremesp
Irene Abramovich

Diretor do Departamento de Comunicação


Wagmar Barbosa de Souza

ORGANIZAÇÃO
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Elio Barbosa Raimondi Belfiore
José Helio Zen Júnior
Vanessa Souza Santana

EDIÇÃO EXECUTIVA
Concília Ortona

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


Jade Longo

APOIO BIBLIOGRÁFICO
Câmara Brasileira do Livro

REVISÃO
Tikinet

FICHA CATALOGRÁFICA

Cuidados paliativos : da clínica à bioética : volume 2 / organizadores Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo...[et al.] ; editora executiva
Concilia Ortona. -- São Paulo : Cremesp, 2023. Vários autores. Outros organizadores: Elio Barbosa Raimondi Belfiore, José Helio Zen
Junior, Vanessa Souza Santana.

ISBN 978-65-88267-03-5

1. Bioética 2. Cuidados de saúde 3. Cuidados paliativos 4. Pacientes - Cuidados 5. Pessoal da área médica e pacientes 6. Tratamento palia-
tivo I. Vattimo, Edoardo Filippo de Queiroz. II. Belfiore, Elio Barbosa Raimondi. III. Zen Junior, José Helio. IV. Santana, Vanessa Souza.
V. Ortona, Concilia.

23-141431 CDD-616.029
Prefácio
Angelo Vattimo
Diretor 1o secretário do Cremesp

É com muito orgulho que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
(Cremesp) publica a obra Cuidados Paliativos: da Clínica à Bioética, fruto de um trabalho
incessante de mais de três anos dos autores. E é com igual orgulho, em minha gestão
como primeiro-secretário da Casa, que escrevo o prefácio deste livro, que traz uma abor-
dagem inovadora à literatura sobre o tema. A obra faz jus, portanto, à vocação institu-
cional do Cremesp como centro difusor da Bioética no Brasil. Traz também uma visão
moderna e científica de uma área da Medicina que se faz tão necessária nos dias de hoje.
Com um crescente número de pessoas vivendo com doenças que ameaçam a vida,
em um contexto demográfico de envelhecimento da população, os cuidados paliativos
deixaram de ser vistos como uma forma de assistência exclusiva a pacientes em seus
momentos finais. Ao contrário, são indicados já no diagnóstico da doença que ameaça a
vida, podendo também ser oferecidos em conjunto com tratamentos modificadores do
curso da enfermidade. Seus objetivos são o alívio dos sintomas e a promoção do conforto
e da qualidade de vida do paciente.
A prática clínica nos cuidados paliativos também evoluiu, com a incorporação de pro-
tocolos baseados em evidências e com modelos assistenciais pautados por boas práticas
de gestão em saúde, temas que também são aqui destacados. O emprego de condutas e
procedimentos pautados na Ciência é condição sine qua non para a prática da boa Medi-
cina, fazendo-se mister que isso se torne uma realidade também em cuidados paliativos.
Em paralelo, é fundamental que as equipes de saúde também associem a tal rigor técni-
co abordagens humanas e centradas no paciente. Para isso, é preciso envidar esforços
para que todo o sofrimento da pessoa doente, incluindo as esferas social, psíquica e
espiritual, seja abarcado pelo cuidado.
Entre os pacientes que necessitam de cuidados paliativos, a maioria se encontra em
situações de extrema fragilidade e angústia. O mesmo ocorre com seus familiares e cui-
dadores, que, nesse contexto, vivenciam diversas dúvidas, medos e dificuldades. Essas de-
licadas situações exigem de médicos e demais profissionais atenção à comunicação, que
deve ser empática, compassiva e individualizada, pois, se deficiente, coloca em risco os
outros aspectos do cuidado, levando ao desgaste da relação médico-paciente e a piores
desfechos clínicos. Aqui, auxiliam técnicas específicas, aliadas a valores e conhecimentos
humanísticos do médico, temas que também recebem grande atenção nesta obra.

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Um contexto de tamanha complexidade torna necessário que o médico atue com uma
equipe multiprofissional capacitada, também pautada por esses valores. Áreas como en-
fermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, serviço social, psicologia e nutrição, além de
apoio religioso, são a essência de cuidados paliativos de excelência junto ao atendido,
seus familiares e amigos, até, se for o caso, no período após a morte do doente. Isso por-
que, embora o luto seja uma resposta normal frente à perda, um suporte adequado que se
inicia antes mesmo do óbito reflete-se em desfechos mais saudáveis.
Em momentos de fim de vida, importantes dilemas morais podem emergir. A bioéti-
ca é a área que associa conceitos derivados das ciências humanas àqueles advindos das
ciências biológicas, para esboçar possíveis respostas e argumentos aos dilemas. Ignorar
esse tipo de reflexão é fechar os olhos a questões capazes de gerar impacto direto no aten-
dimento clínico e influenciar desfechos importantes, como a qualidade do processo de
morte, de forma a promover a denominada ortotanásia sem, no entanto, abreviar a vida.
O conhecimento da boa prática dos cuidados paliativos também envolve as ciências ju-
rídicas, uma vez que aspectos legais permeiam as mais diversas situações vivenciadas por
profissionais e por pacientes e seus familiares, caso das diretivas antecipadas de vontade
e de outros mecanismos de preservação da autonomia do paciente.
Todos esses conceitos demonstram como o profissional que lida com cuidados paliativos
deve ser versátil e multifacetado, dominando conhecimentos e habilidades das mais diver-
sas áreas, com o objetivo maior de oferecer os melhores cuidados a seus pacientes. Só assim
será possível que o conforto e a dignidade prevaleçam nesses momentos tão vulneráveis da
vida de nossos pacientes, e, consequentemente, de seus familiares e cuidadores.

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Apresentação
Irene Abramovich
Presidente do Cremesp

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apresenta o


livro Cuidados Paliativos: da Clínica à Bioética, voltado a todos os colegas médicos. Em
especial àqueles que atendem pacientes não mais inseridos no âmbito curativo, mas
que, tanto quanto os demais, têm direito às terapias e condutas mais eficazes em um
momento tão frágil e especial de suas existências.
Aliás, partindo-se das particularidades desses assistidos e suas demandas específicas –
ao lado de seus familiares e amigos, essenciais no contexto – e, ainda, do imprescindível
caráter multidisciplinar do campo, o livro acabou se transformando, ao longo dos anos,
em um verdadeiro compêndio, com extensão e detalhamento sem precedentes nesta
Casa. Ele inclui temas que vão dos princípios gerais às discussões de casos em bioética e
implicações jurídicas, passando por aspectos, procedimentos e situações clínicas.
Por motivos diversos abrangendo desde prioridades em Saúde na esfera das políticas
públicas a dificuldades institucionais capazes de levar a carências variadas nos serviços,
em nosso país, a fase final da vida – pela qual passa boa parte dos pacientes elegíveis aos
cuidados paliativos – ainda é enfrentada de maneira insegura e, por vezes, assustadora
pelos envolvidos. Estimativas apontam que, no Brasil, ainda morre-se mal, o que é ina-
ceitável em um lugar onde se dispõem de tantas mentes brilhantes e tecnologia de ponta.
Soma-se a tais adversidades o despreparo não intencional (pois se deve à formação
deficitária em muitas escolas médicas) de colegas e demais membros das equipes sani-
tárias quanto à abordagem e comunicação de notícias difíceis.
Ainda que façam parte do dia a dia deste campo de atuação, os obstáculos para se trans-
mitirem, de forma tranquila e compassiva, informações sobre tratamento e demais estra-
tégias de cuidados configuram-se em uma importante fragilidade na relação médico-pa-
ciente-familiar nessa fase, bem como a ausência de carga horária suficiente em bioética,
essencial para entregarmos médicos humanos e sensíveis, não apenas técnicos.
Entendo, portanto, que a obra Cuidados Paliativos: da Clínica à Bioética chega em boa
hora, como robusta ferramenta de consulta aos abnegados médicos que já enfrentam os
desafios de trabalhar em uma área com tantas exigências intelectual, técnica e em ha-
bilidades de comunicação. E também àqueles que ainda buscam sua vocação no amplo
mundo da Medicina e que podem passar a ver, em cuidados paliativos, a possibilidade de
profunda satisfação pessoal e profissional.
A todos, desejo que desfrutem desta publicação, da melhor maneira possível.

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iv
Introdução
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Elio Barbosa Raimondi Belfiore
José Helio Zen Jr.
Vanessa Souza Santana

Quando propusemos a ideia de organizar a obra Cuidados Paliativos: da Clínica à Bioética,


já tínhamos em mente que seria um projeto desafiador. Isso porque precisaríamos inte-
grar conhecimentos técnicos de uma área tão importante da Medicina e conceitos bioéticos
complexos, aplicados a situações clínicas extremamente delicadas. Porém, não imaginá-
vamos as proporções (e a complexidade) que o projeto atingiria, envolvendo mais de 60
autores, que dedicaram suas expertises e três anos de seu tempo em nome de informações de
qualidade, e baseadas em robusta literatura científica. É então com grande satisfação que
ora introduzimos esta obra em nome de todos.
O livro aborda tanto os aspectos clínicos do tema, guiados pelos conceitos mais modernos
e baseados em evidências, quanto o âmbito bioético, que permeia o cotidiano dos cuidados
paliativos. O enfoque é aplicar diversas concepções consideradas, por vezes, complexas, a
situações práticas com as quais o profissional frequentemente se depara. É, portanto, uma
publicação densa, mas que subsidia o leitor com conhecimentos técnicos e humanísticos,
possibilitando que desempenhe suas funções clínicas seguindo as melhores práticas, ao
mesmo tempo em que desenvolve uma visão crítica sobre os dilemas de seu cotidiano.
A primeira seção aborda os princípios gerais dos cuidados paliativos, suas indicações
e métodos de determinação do prognóstico, muito importantes, uma vez que o campo,
infelizmente, ainda se cerca de mitos e preconceitos, combatidos com a correta educa-
ção. Nesse sentido, a perspectiva de cuidados paliativos precoces é constante na obra,
deixando claro que a indicação desse cuidado não significa o abandono de tratamentos
direcionados à modificação do curso da doença.
A segunda seção versa sobre o tratamento dos sintomas mais prevalentes nos pacientes
em cuidados paliativos. Para isso, agrega definições clínicas trazidas pela recente literatura
sobre o tema, com enfoque baseado em evidências, possibilitando o exercício dos cuida-
dos paliativos segundo as melhores práticas clínicas. Já a terceira seção fornece ao leitor
subsídio para a realização de procedimentos que perfazem a prática integral dos cuidados
paliativos, sendo muitas vezes fundamentais para atingir o objetivo de alívio dos sintomas
e melhora da qualidade de vida. A quarta seção, por sua vez, foca situações clínicas especí-
ficas, como quadros demenciais, insuficiências de órgãos e sistemas e doenças infecciosas,
em especial, HIV/AIDS. Aqui se incluem ainda tópicos em cuidados paliativos pediátricos

v
e perinatais, que, por suas características particulares, necessitam de especial destaque,
haja vista o grande desconhecimento ainda prevalente no meio médico.
A quinta seção vai ao encontro do conceito de Dor Total, cunhado em 1967 pela pio-
neira dos cuidados paliativos, a britânica Cicely Saunders. Assim, a dor de um câncer,
por exemplo, não é causada apenas pela compressão do tumor sobre um nervo ou pela
liberação de citocinas inflamatórias que provocam irritação tecidual. O sofrimento do
paciente também advém de questões emocionais, sociais e espirituais.
Ademais, também são apresentadas técnicas fundamentais de comunicação, que é uma
das habilidades mais importantes de todo médico. Isso porque, perante fragilidade, medo
e angústia, emergem importantes obstáculos à comunicação que, muitas vezes, acabam
por truncá-la. Habilidades especiais, portanto, são necessárias para navegar nesse mar
revolto encontrado na prática clínica diária do paliativista, evitando ruídos e desenten-
dimentos que podem comprometer a relação médico-paciente. Por fim, a quinta seção
também discorre sobre educação em cuidados paliativos e sobre o luto, temas primordiais
para as práticas desses profissionais.
A sexta seção traz uma perspectiva inovadora em bioética, que reforça a importância do
Cremesp como centro difusor dessa área do conhecimento no Brasil. Inicialmente, a obra
delineia as principais teorias morais que fundamentam o raciocínio bioético moderno, co-
nhecimento básico que pode ser aplicado nos mais diversos casos da prática clínica. Neles,
dilemas como paternalismo médico, eutanásia e tomada de decisão em fim de vida são abor-
dados segundo a bioética descritiva, ou seja, os diferentes argumentos sobre cada tópico
são apresentados, incluindo visões contrárias e favoráveis, assim como questionamentos. A
intenção é fornecer ao leitor uma visão ampla e instigá-lo a tirar suas próprias conclusões.
Para isso, também são citados casos emblemáticos da bioética, incluindo alguns ocor-
ridos em outros países, discutidos à luz da cultura e da realidade do Brasil e, ainda, na
ótica da relação médico-paciente, essencial para o desempenho ético da medicina. Os
mesmos temas são apresentados do ponto de vista legal, segundo a legislação brasileira,
e da deontologia médica aplicável às situações de fim de vida, ilustrada com discussão de
sindicância ético-profissional em cuidados paliativos, que ocorreu no Cremesp. Por fim,
é trazido o fenômeno da judicialização da saúde, ressaltando as controvérsias que vêm se
acumulando nos tribunais brasileiros acerca de tratamentos médicos, algo que adquire
dimensões ainda maiores em situações de fim de vida.
Esse conteúdo, que se propõe abrangente, denso, rico e inovador, faz da obra Cuidados
Paliativos: da Clínica à Bioética um marco da literatura médica em cuidados paliativos no
Brasil. Acima de tudo, o Cremesp busca a disseminação do conhecimento, resultando no
fortalecimento da boa Medicina e na consolidação das melhores práticas clínicas na área.
Como resultado, espera-se que nossos pacientes tenham acesso cada vez mais amplo aos
cuidados paliativos de excelência, e encontrem alento para o alívio de seu sofrimento, diante
de situações tão árduas, quanto o diagnóstico de uma doença ameaçadora à vida.

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Organizadores
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Médico graduado e com residência médica em Psiquiatria pela Faculdade de Medi-
cina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Conselheiro do Conselho Regional de Me-
dicina do Estado de São Paulo (Cremesp) na gestão 2018-2023 e diretor da Assessoria de
Comunicação do Cremesp de outubro de 2018 a julho de 2021.

Elio Barbosa Raimondi Belfiore


Médico graduado e com residência médica em Anestesiologista pela Universidade Es-
tadual de Campinas (Unicamp), Título Superior em Anestesia pela Sociedade Brasileira
Anestesiologia (SBA), clinical fellowship em simulação e educação em Anestesiologia pela
Universidade de Toronto, fellowship em Point-of-Care Ultrasound (POCUS) em Anestesia
pela Universidade de Toronto, certificado em POCUS pela American Society of Anesthe-
siology, mestrado em Translational Research Program (c) pela Universidade de Toronto.

José Helio Zen Jr


Médico graduado e com residência médica em Anestesiologista pela Unicamp. Espe-
cialista em Medicina da Dor. Coordenador responsável pelo Centro de Treinamento e
Terapêutica da Dor – NSF / Grupo São Paulo credenciado junto à SBA / Associação Médi-
ca Brasileira (AMB). Mestre em Ciências Médicas pela Faculdade de ciências médicas da
Unicamp (FCM-Unicamp).

Vanessa Souza Santana


Médica graduada e com residência médica em clínica médica pela Faculdade de Ciên-
cias Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).

Editora Executiva
Concilia Ortona
Jornalista da área da Saúde há mais de 30 anos. Especialista em Bioética pelo Instituto
Oscar Freire – Universidade de São Paulo (IOF/USP). Mestre em Saúde Pública, com ênfase
em Bioética, pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP).

vii
Autores
Alana Valle Botelho Castelani
Médica sanitarista com especialização em Administração em Saúde e Mestrado em
Saúde Coletiva pela Unicamp. Atua na assistência e gestão da atenção primária, gestão
hospitalar e na vigilância epidemiológica.

Aluisio Marçal de Barros Serodio


Médico, especialista em Bioética pelo IOF/USP, professor adjunto do Setor de Bioética,
Departamento de Cirurgia, da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de
Medicina (Unifesp-EPM), e delegado do Cremesp.

Ana Paula de Souza Vieira Santos


Médica anestesiologista, com área de atuação em Dor, na SBA/AMB. Mestrado e Dou-
torado pela FCMSCSP, pós-graduação em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium Lati-
noamerica – Buenos Aires/AR. Pós-Graduação em Psiquiatria pela FCMSCSP.

Amir Zeide Charruf


Cirurgião do Aparelho Digestivo do Grupo do Estômago do Hospital das Clínicas da
FMUSP (HC-FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp – Octávio
Frias de Oliveira). Membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e da Asso-
ciação Brasileira de Câncer Gástrico.

Augusto Bragança Reis Rosa


Médico neurologista pelo Hospital Universitário (HU), da Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF).

Beatriz Mendes Awni


Médica residente de Oncologia Clínica do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo.

Bernardo Assumpção de Monaco


Médico com residência médica em Neurocirurgia pela FMUSP. Neurocirurgião fun-
cional na Clínica de Dor e Funcional. Clinical fellow em neurocirurgia no Jackson Memo-
rial Hospital/University of Miami, Flórida, Estados Unidos - 2022/2023. Membro da direto-
ria da Sociedade Brasileira de Neuromodulação (SBNM), gestões 2020-21 e 2022-23.

Carolina Atallah Pontes da Silva


Médica dermatologista pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).

viii
Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Academia Americana de
Dermatologia (AAD). Membro do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo.

Caroline Silveira
Enfermeira com especialização em Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso
e Cuidados Paliativos pelo HC-FMUSP. Especialista em enfermagem em Cuidados Palia-
tivos pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn). Mestrado em atenção primária
à saúde pela Escola de Enfermagem da USP (EE-USP). Pós-graduanda em Estomatera-
pia pelo Centro Universitário São Camilo. Proprietária e Responsável Técnica na Aflorar
Saúde. Professora convidada em cursos de pós-graduação lato sensu e organizadora de
cursos livres nas áreas de saúde do idoso, cuidados paliativos, estomaterapia, cuidados
com feridas e atenção domiciliar.

Cristina Bueno Terzi Coelho


Médica intensivista com título de especialista na área de atuação em Cuidados Pa-
liativos. Mestrado e Doutorado em Ciências Médicas pela FCM-Unicamp. Fellowship em
Cuidados Paliativos na Universidade da Carolina do Norte. Atualmente é médica vice-co-
ordenadora do serviço de cuidados paliativos do HC-Unicamp e coordenadora da pós-
-graduação em cuidados paliativos do Instituto TERZIUS.

Daniel Dei Santi


Médico graduado pela FCM-Unicamp, residência em Clinica Medica pela FCM-Uni-
camp. Especialista em cardiologia pelo Insituto do Coração (InCor). Títulos de especialista
em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Terapia Intensiva pela As-
sociação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e área de atuação de Medicina Paliativa
pela Associação Médica Brasileira (AMB). Doutorando em Cardiologia pelo InCor na área
de Cuidados Paliativos. Médico assistente do Núcleo de Cuidados Paliativos do HC-FMUSP.

Diego de Araujo Toloi


Médico graduado e com residência médica em Clínica Médica e Cancerologia pela FMUSP.
Especialista em cuidados paliativos pelo Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa (IEP).

Eduardo Hiroshi Tikazawa


Médico assistente do HC-FMUSP. Professor voluntário do Departamento de Saúde
Coletiva – FCM-Unicamp. Médico da Prefeitura de Vinhedo. Médico do Hospital Nipo-
-Brasileiro. MBA de Gestão em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP); Mestrado
profissional em Saúde Coletiva em andamento pela FCM-Unicamp; Residência Médica
em Medicina Preventiva e Social pela FCM-Unicamp; Graduação em Medicina pela Fa-
culdade de Medicina de Marília / FAMEMA.

ix
Eduardo Joaquim Lopes Alho
Médico formado pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), neurocirurgião pela
FMUSP. Doutorado em Estudos Anatômicos Tridimensionais do Diencéfalo Humano pela
Universidade de Würzburg, na Alemanha, e pós-doutorado em Correlação de Imagens de
Alta Resolução do Encéfalo com Ressonância Magnética de Alta Resolução pela FMUSP.

Eliane Haider
Técnica de enfermagem e médica formada Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
(FCM-Unicamp). Residência de Clínica Médica no SUS Estadual (Hospital Vila Alpina, SP/
SP) e de Cuidados Paliativos no HC/FMUSP. Foi preceptora do Núcleo de Cuidados Paliati-
vos do IC-HC/FMUSP e assistente do Hospice do HC/FMUSP. Atualmente é coordenadora
da equipe de Cuidados Paliativos do Complexo de Saúde de São Bernardo do Campo.

Erica Maria Boteon Zamboni


Médica graduada e com residência médica em Clínica Médica e em Geriatria FMUSP.
Médica geriatra da equipe de retaguarda do Hospital Sírio-Libanes. Médica colaboradora
da Unidade de Cardiogeriatria do InCor. Médica geriatria e clínica geral do Centro de
Saúde Escola Geraldo de Paula Souza.

Erica Maria Zeni


Médica graduada e com residência em clínica médica pela FMC-Unicamp. Pós-gradua-
da em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium Latinoamerica, Buenos Aires, Argentina.

Fabiana Tomie Becker Chino dos Santos


Enfermeira. Mestre em Ensino em Ciências da Saúde pela Unifesp-EPM, especialista
em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium/Oxford Palliative Care Center, coordenadora
do comitê de enfermagem da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) 2018/2020.

Felippe da Silva Afonso


Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de
Fora (FD-UFJF). Mestrando em Direito e Inovação pela FD-UFJF. Pesquisador na área do
Direito Processual Civil e advogado.

Fernanda Cunha Capareli


Médica. Residência Clínica Médica na Irmandade Santa Casa de São Paulo (ISCMSP);
Residência Oncologia Clínica no Hospital Sírio-Libanês; Membro Titular do Centro de
Oncologia do Sírio-Libanês.

x
Flavio César de Sá (in memoriam)
Médico graduado, com especialização em Saúde Pública e doutorado em Saúde Cole-
tiva pela Unicamp. Pós-doutorado na área de Bioética Clínica na Universidade Cornell,
em Nova York, Estados Unidos. Coordenou a área de ética e saúde e exerceu a chefia do
departamento de Saúde Coletiva da Unicamp de julho de 2016 a março de 2019. Foi mem-
bro da diretoria do Hospital Estadual Sumaré da Unicamp de 2000 a 2013 e coordenou
o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) da Unicamp. Foi referência
brasileira em Bioética e ética médica, atuando principalmente em temas como termina-
lidade, cuidados no final de vida, saúde pública e educação médica.

Geovanne Pedro Mauro


Médico assistente do serviço de radioterapia do Instituto de Radiologia InRad FMUSP.
Doutorado pela FMUSP.

Henrique Ribeiro
Médico graduado pela FCMSCSP. Residência médica em Psiquiatria pela FMUSP. Mé-
dico psiquiatra do Núcleo Técnico-Científico de Cuidados Paliativos do HC-FMUSP e do
Hospital Sírio-Libânes de São Paulo.

Ivete Zoboli
Médica especialista em Dor e Cuidados Paliativos pelo Instituto Israelita de Ensino
e Pesquisa Albert Einstein (IIEPAE). Especialização em Curso Introdutório e Avanzado
de Orientacíon en Cuidados Paliativos y Psico-Sócio-Oncologia. Universidad del Salvador
(USAL), Argentina. Título de atuação em dor pela AMB. Médica da Unidade de Dor e
Cuidados Paliativos do Instituto da Criança (ICr) do HC-FMUSP.

Janete Maria da Silva


Fisioterapeuta. Mestre em Ciências da Reabilitação, especialista em Fisioterapia em Ge-
rontologia pela Associação Brasileira de Fisioterapia e Gerontologia, do Conselho Federal de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Abrafige/Coffito), especialista em Fisioterapia em Tera-
pia Intensiva Adulto pela Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisio-
terapia em Terapia Intensiva (Assobrafir/Coffito). Área de atuação em Cuidados Paliativos
e Assistência Domiciliar. Docente do Instituto Paliar e do Centro Universitário São Camilo.

João Luiz Chicchi Thome


Médico oncologista clínico pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Médico paliativista pelo
HC-FMUSP. Médico assistente de cuidados paliativos do Instituto do Câncer do Estado

xi
de São Paulo (Icesp – Octávio Frias de Oliveira). Coordenador da equipe de Cuidados
Paliativos do Hospital 9 de Julho.

José Carlos dos Santos Junqueira


Médico especialista na área de atuação de Cuidados Paliativos, com título pela AMB
e mestrado pela FCM-Unicamp. Títulos de especialista em Terapia Intensiva e em Ge-
riatria pela AMB. Mestre em Clínica Médica pela FCM-Unicamp. Professor do curso de
pós-graduação lato sensu em cuidados paliativos em terapia intensiva AMIB. Membro do
Comitê de Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos da AMIB e fundador e atual co-
ordenador do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de Clínicas da FCM-Unicamp.

Júlia Drummond de Camargo


Enfermeira especialista em Cuidados Paliativos pela Casa do Cuidar e certificada pela
ANCP. Especialista em oncologia pelo Programa de Residência Multiprofissional em On-
cologia do Hospital Sírio Libanês. Especialista em Gestão em Enfermagem pela Universi-
dade Anhembi-Morumbi. Docente da pós-graduação em Cuidados Paliativos do Hospital
Sírio Libanês. Mestre em Ciências da Saúde pelo Hospital Sírio Libanês, com linha de
pesquisa em cuidados paliativos e bioética.

Juliana Takiguti Toma


Médica formada pela Unifesp-EPM, com Residência Médica em Dermatologia pela
Unifesp-EPM e conselheira da atual gestão do Cremesp.

Karina Salvadori
Médica graduada pela FCMSCSP, com residência em Clínica Médica pela Unifesp-EPM
e em Geriatria pela FMUSP. Título de especialista em geriatria pela Sociedade Brasileira
de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Letícia Andrade
Assistente social, doutora em Serviço Social (PUC-SP), com pós-doutorado na mesma
área. Especialista em Gerontologia (SBGG). Coordenadora da Comissão de Treinamento
e Ensino em Serviço Social e Assistente Social Chefe (Divisão de Serviço Social do HC-F-
MUSP). Experiência de mais de 20 anos em cuidados paliativos.

Ligia Marçola
Médica e pediatra pela FCM-Unicamp, neonatologista pela FMUSP e Paliativista pelo
Instituto Pallium Latinoamerica. Pesquisadora voluntária da Unidade de Dor e Cuidados
Paliativos do Instituto da Criança do HC-FMUSP.

xii
Lucas Freire de Andrade
Médico Cardiologista e Arritmologista pelo InCor-FMUSP. Ex-consultor indústria de
healthcare da McKinsey&Company. Sócio Fundador e Diretor Executivo da Clínica Flo-
rence (Hospital de Transição).

Luiza Pinto Simões


Médica formada pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos em 2008, com residên-
cia médica em Clínica Médica e Nefrologia pela Faculdade de Medicina do ABC. Título
de especialista pela Sociedade Brasileira de Nefrologia em 2013. Pós-graduada em Cuida-
dos Paliativos pelo Hospital Sírio Libanês em 2014.

Luiz Eduardo Castelo Branco


Médico formado pela FMUSP com residência médica em neurocirurgia pelo HC-F-
MUSP. Mestrado em Saúde Pública pela Harvard University. Research fellow em neuro-
modulação no Neuromodulation Center, Spaulding Rehabilitation Hospital, Harvard
Medical School – 2018-2022.

Mariana Ducatti
Psicóloga graduada pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Mestre e doutora
em Ciências, com ênfase em psicobiologia, pela USP. Atualmente é psicóloga no Hos-
pital de Amor (Hospital do Câncer de Barretos) e Coordenadora e Docente do Curso de
Psicologia da Faculdade Barretos.

Marcelo Gomes Cordeiro Valadares


Médico Neurocirurgião Funcional no Hospital Albert Einstein. Médico chefe da área
de Neurocirurgia Funcional da disciplina de Neurocirurgia da FCM-Unicamp. Mestre em
Neurologia, Médico e Neurocirurgiao pela FCM-Unicamp Unicamp

Marcello Moro Queiroz


Médico clínico geral pelo Hospital Santa Marcelina e oncologista clínico pelo Hospital
Sírio-Libanês.

Marina Raimondi Belfiore


Médica formada pela Unicamp, realizou residência de Pediatria e Neonatologia pela
FMUSP e Departmental Fellowship em neonatologia no Sickkids Hospital da Universidade
de Toronto.

Michelle Uchida Miwa


Médica com residência em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ).

xiii
Mestre em Psicologia e Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Fa-
merp). Doutoranda em Ciências da Saúde pelo Hospital de Amor – Fundação Pio XII. Atu-
almente é médica assistente do departamento de Cuidados Paliativos do Hospital de Amor.

Milene Derzete da Cunha


Escritora, psicóloga e jornalista. Especialista em Neurociência e Comportamento e em
Terapias Cognitivas e Comportamentais. É facilitadora do Programa SMART (Stress Mana-
gement and Resiliency Training) no Brasil. É aluna especial do programa de pós-gradua-
ção em Neurociência na Universidade Federal de Santa Catarina.

Mônica Martins Trovo


Enfermeira, paliativista. Mestre e Doutora em Ciências da saúde pela EE-USP. Docente
em cursos de graduação e pós-graduação, pesquisadora e palestrante sobre Comunica-
ção em Cuidados Paliativos.

Natan Chehter
Médico pela FMUSP. Residência em Clínica médica e em Geriatria pelo HC-FMUSP.
Titulado pela SBGG.

Pedro Luís Furlam


Médico formado pela FMUSP. Residente em Cirurgia Geral no HC-FMUSP.

Rafaela Candida Silva Freire de Carvalho


Médica com residência em Cuidados Paliativos pela FMUSP e título de especialista
pela AMB. Residência médica em Geriatria pelo Hospital do Servidos Público Municipal
de São Paulo (HSPM-SP), com título de especialista pela SBGG. Pós-graduação em On-
cogeriatria pelo Hospital Sírio-Libanês. Atualmente é médica geriatra e paliativista do
Grupo Oncoclínicas – Salvador/BA.

Renata Matsuura Endo


Médica formada pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).

Rita Tiziana Verardo Polastrini


Enfermeira pediátrica. Especialista em administração hospitalar pela FSP-USP. Diplo-
mada em cuidados paliativos pela Universidade del Salvador, Buenos Aires, Argentina,
com chancela pela Universidade de Oxford, Reino Unido. Certificado de Capacitador
pelo EPEC Latino pelo Boston Children's Hospital e Dana Faber Cancer Institute. Mem-
bro do Comitê de pediatria da ANCP. Membro da Rede Brasileira de Cuidados Paliativos
Pediátricos (RBCP Pediátricos). Enfermeira da unidade de Dor e Cuidados Paliativos do

xiv
ICr – HC-FMUSP. Coordenadora administrativa da unidade de pediatria integrativa do
Departamento de Pediatria da FMUSP.

Rodrigo Alves dos Santos


Médico especialista em Medicina Intensiva pela AMIB, com área de atuação em Medi-
cina Paliativa pela AMB. Presidente da ANCP – Estadual São Paulo (ANCP-SP) de 2022 a
2023. Membro do Comitê de Medicina Intensiva da ANCP. Membro do Comitê de Cuida-
dos Paliativos e Terminalidade da Vida da AMIB.

Rodrigo Ramella Munhoz


Médico oncologista titular do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. Diretor
do programa de Residência Médica em Oncologia Clínica do Hospital Sírio-Libanês. Pre-
sidente-fundador do Grupo Brasileiro de Sarcomas. Ex-clinical fellow do Memorial Sloan
Kettering Cancer Center. Membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC),
American Society of Clinical Oncology e European Society for Medical Oncology.

Samanta Gaertner Mariani


Medica formada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), residencia médica em
Clínica Médica no Hospital Santa Marcelina e complementação especializada em Cui-
dados Paliativos pelo HC-FMUSP. Atualmente é assistente no Icesp – Octávio Frias de
Oliveira, na área de cuidados paliativos.

Sheilla de Oliveira Faria


Nutricionista. Doutora e mestre em Ciências pela FMUSP, com doutorado sanduíche
na Universidade de Toronto/Canada. Especialista em Nutrição e Saúde pela Universidade
Federal de Viçosa-MG e nutricionista pela Universidade Federal de Alfenas-MG.

Sílvia Maria de Macedo Barbosa


Médica pediatra. Doutora em Ciências da Saúde- FMUSP. Chefe da Unidade de Dor e
Cuidados Paliativos do Instituto da Criança HCFMUSP. Presidente da Comissão de Bio-
ética e Cuidados Paliativos do Hospital Médico Universitário – São Bernardo do Campo.
Presidente do Departamento de Cuidados Paliativos e Medicina da Dor da Sociedade de
Pediatria de São Paulo (SPSP) e secretária do departamento de Cuidados Paliativos e Me-
dicina da dor da SBP

Stephanie Toscano Kasabkojian


Médica graduada pela FMUSP. Residência médica em psiquiatria pelo Instituto de Psi-
quiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP).

xv
Tatiane Coelho Pinto
Médica pela FMUSP. Residência em Clínica Médica pelo HC-FMUSP. Formação Avan-
çada em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium Latinoamérica. Médica Assistente da
Equipe de Cuidados Paliativos do Icesp – Octávio Frias de Oliveira. Médica Coordenado-
ra da equipe de Cuidados Paliativos no Hospital Nipo-Brasileiro.

Thaís Ferreira de Araújo


Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campi-
nas), especialista em Direito Médico e hospitalar pela Escola Paulista de Direito (EPD).
Professora Convidada do departamento de Saúde Coletiva da FCM-Unicamp, onde lecio-
na nas disciplinas de Ética Médica e Bioética para os alunos da graduação em Medicina.
Membro do Grupo de Apoio em Bioética, Ética Médica e Terminalidade (GABETE) Co-
vid-19, do HC-Unicamp.

Thiago Costa Ribeiro


Médico Cirurgião do Aparelho Digestivo e Coloprocologista pelo HC-FMUSP. Médico as-
sistente da disciplina de cirurgia do aparelho digestivo do Icesp - Octávio Frias de Oliveira.

Vanessa Souza Santos Truda


Médica pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Residência Médica em infecto-
logia pela Unifesp-EPM. Mestranda em infecções fúngicas em pacientes vivendo com
HIV/AIDS pela Unifesp-EPM.

Yuri Cardoso Rodrigues Beckedorff Bittencourt


Médico pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EMC/UNIRIO), resi-
dência médica em Clínica Médica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM)
e em Oncologia Clínica pelo Hospital Sírio-Libanês.

Agradecimentos especiais: Dr. Joseph Savio Jayaraj e Dra Leah Rochel Steinberg por
sua colaboração com o tema espiritualidade e religião.

xvi
Índice
VOLUME 1

SEÇÃO I - PRINCÍPIOS GERAIS DOS CUIDADOS PALIATIVOS


Capítulo 1 – Introdução aos Cuidados Paliativos: História e Princípios 03
Capítulo 2 – Indicações de Cuidados Paliativos 15
Capítulo 3 – Integralidade em Cuidados Paliativos nos Sistemas de Saúde 27
Capítulo 4 – Estimativa do Prognóstico e Objetivos do Cuidado 35
Capítulo 5 – Modelos Assistenciais em Cuidados Paliativos 59
Capítulo 6 – Abordagem Multidisciplinar em Cuidados Paliativos 73

SEÇÃO II - ASPECTOS CLÍNICOS GERAIS DOS CUIDADOS PALIATIVOS - CONTROLE


DE SINTOMAS
Capítulo 7 – Sintomas Dermatológicos 89
Capítulo 8 – Dor 127
Capítulo 9 – Síndrome Caquexia-Anorexia e Fadiga 167
Capítulo 10 – Sintomas Respiratórios 181
Capítulo 11 – Sintomas Gastrintestinais 201
Capítulo 12 – Ansiedade e Depressão 225
Capítulo 13 – Delirium 277

SEÇÃO III - PROCEDIMENTOS EM CUIDADOS PALIATIVOS


Capítulo 14 – Sedação Paliativa 301
Capítulo 15 – Cuidados com Feridas e Conforto do Paciente 315
Capítulo 16 – Hipodermóclise 337
Capítulo 17 – Extubação Paliativa 351
Capítulo 18 – Cirurgia Paliativa 379
Capítulo 19 – Radioterapia 391

SEÇÃO IV - SITUAÇÕES CLÍNICAS ESPECÍFICAS EM CUIDADOS PALIATIVOS


Capítulo 20 – HIV/AIDS 405
Capítulo 21 – Cardiologia 417

xvii
Capítulo 22 – Oncologia 433
Capítulo 23 – Neurocirurgia 443
Capítulo 24 – Cuidados Paliativos Pediátricos 453
Capítulo 25 – Cuidados Paliativos Perinatais 473
Capítulo 26 – Doença Renal Crônica e Injúria Renal Aguda 487
Capítulo 27 – Geriatria e Quadros Demenciais 509

VOLUME 2

SEÇÃO V – ENSINO, COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E ASPECTOS PSICOLÓGICOS


CULTURAIS, ESPIRITUAIS E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM CUIDADOS PALIATIVOS
Capítulo 28 – Espiritualidade e Religiosidade 533
Capítulo 29 – Luto 563
Capítulo 30 – Comunicação de Notícias Difíceis 599
Capítulo 31 – Desafios na Comunicação e Situações de Difícil Condução 621
Capítulo 32 – Abordagem à Família 641
Capítulo 33 – Saúde Mental dos Profissionais de Cuidados Paliativos e dos
Cuidadores 665
Capítulo 34 – Educação em Cuidados Paliativos 683
Capítulo 35 – Serviço Social 711

SEÇÃO VI – BIOÉTICA, ÉTICA MÉDICA E ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS EM


CUIDADOS PALIATIVOS E SITUAÇÕES DE FIM DE VIDA
Capítulo 36 – Bioética e Teorias Morais: Base Teórica para Reflexões Críticas
em Situações de Fim de Vida 729
Capítulo 37 – Dilemas Bioéticos em Situações de Fim de Vida: Paternalismo
versus Autonomia 749
Capítulo 38 – Dilemas Bioéticos em Fim de Vida: Eutanásia e Suicídio
Assistido por Médico 773
Capítulo 39 – Deontologia Médica e Aspectos Legais das Situações de Fim de Vida 825
Capítulo 40 – Relação Médico-Paciente e Dilemas Bioéticos em Fim de Vida 863
Capítulo 41 – Diagnóstico da Morte Encefálica 879
Capítulo 42 – Judicialização da Saúde em Situações de Fim de Vida 891
Capítulo 43 – Discussão de Caso e Sindicância Ético-Profissional: Ética
Médica e Cuidados Paliativos 917

xviii
Seção V

Ensino, Comunicação,
Aspectos Psicológicos,
Culturais, Espirituais e
de Assistência Social
em Cuidados Paliativos
Capítulo 28
Espiritualidade e Religiosidade
Elio Barbosa Raimondi Belfiore
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Pedro Luis Furlam

Com o avanço da tecnologia, muitos pacientes cujas mortes são inevitáveis passaram a
ter sua vida prolongada por meios artificiais pelo máximo de tempo possível. Nesses casos,
a morte deixa de ser vista como um fato esperado e passa a ser considerada algo que se deve
tentar evitar e postergar ao máximo. Nesse contexto, no Brasil, a maioria das mortes de
idosos (66,7%) ocorre no ambiente hospitalar, contra 21,4% no domicílio1. Contudo, os pro-
fissionais da saúde, apesar de terem se tornado os novos sentinelas do morrer, muitas vezes
deixam de ter um olhar mais atento às necessidades espirituais do fim da vida do paciente2.
Com o relativo crescimento das discussões sobre medicina paliativa, ocorreu a am-
pliação da prática de diálogos abertos com o paciente em fim de vida e estudos sobre
suas preferências. Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados
Unidos (CDC) sugerem que há uma série de fatores que influenciam no processo de
morte, como as crenças culturais, preferências individuais, acesso à saúde, idade, su-
porte social e etnia3. Deixar de atentar-se a qualquer um desses componentes pode
resultar em falha no cuidado integral do atendimento4,5.
Os aspectos espirituais são um componente importante desse cenário, pois afetam a
forma como o paciente lida com sua doença e influenciam sua qualidade de vida6. Pa-
cientes em fim de vida frequentemente se deparam com sofrimento existencial e espiri-
tual, que muitas vezes recebe pouca atenção por parte da equipe assistencial. Tal sofri-
mento decorre, por exemplo, da necessidade do paciente de ressignificar seus valores e
o próprio sentido que dá à sua vida, uma vez que é obrigado a enfrentar a perspectiva de
seu fim7. Devido ao risco de que esse processo seja acompanhado por sofrimento, o cui-
dado espiritual é um componente essencial dos cuidados paliativos. Assim, neste capí-
tulo, serão abordados os aspectos espirituais, religiosos e culturais da fase final da vida.

Conceitos e definições

Inicialmente, é necessário delinear alguns critérios e definições necessários


para a melhor compreensão dos temas que serão abordados neste capítulo:

533
• Religião: embora muitas vezes seja usado como sinônimo de espiritualidade,
o termo tem significado diferente. Religião se refere principalmente aos sistemas
e instituições sociais aos quais aderem os indivíduos com crenças, tradições e ri-
tuais compartilhados (ou que por eles são organizados) visando conectar-se com o
divino8,9. Ou seja, a religiosidade pressupõe obediência a um conjunto institucio-
nalizado e compartilhado de práticas, crenças e tradições, assim como um senti-
mento de pertencimento a tal sistema. Assim, embora a religião possa ser uma
forma de expressar a espiritualidade, sua definição é mais restrita.

• Espiritualidade: trata-se de um conceito mais amplo, cuja abrangência é difí-


cil de definir, mas que pode ser entendido como a busca pelo sentido e propósito
na vida. A espiritualidade pode envolver crenças preestabelecidas – por exem-
plo, em um sistema religioso – ou não8. Assim, é possível que um indivíduo seja
provido de grande espiritualidade, mas não seja religioso. Em linhas gerais, a
vivência espiritual envolve sentimentos de conexão com outros, com o meio ao
redor, com um plano sagrado e transcendental, e consigo mesmo9.

Espiritualidade e religiosidade nas situações de fim de vida


A doença que acomete o paciente em fim de vida não causa apenas danos biológicos,
mas o afeta como um todo, incluindo seus domínios psicológico, interpessoal e espiritu-
al, que são inter-relacionados. Isso se traduz em diversas experiências vivenciadas por
pacientes nessa fase, tais como medo, raiva, desconforto físico, perda de independên-
cia, mudanças na autoimagem e nos papéis sociais e familiares desempenhados, bem
como em relacionamentos. A angústia espiritual também pode ser parte importante
desse sofrimento no final da vida, além de poder impactar negativamente a forma como
o indivíduo lida com esses outros problemas10. Assim, o suprimento das necessidades
espirituais do paciente também deve ser considerado pelos profissionais de saúde em
seu plano de cuidado11. Para isso, toda a equipe de saúde envolvida no cuidado deve es-
tar capacitada para abordar aspectos espirituais e, idealmente, o sistema de saúde deve
estar preparado para oferecer esse tipo de suporte12, incluindo a disponibilização de es-
pecialistas em cuidado espiritual, como os capelães13.

534
Pesquisas vêm demonstrando o impacto que o diagnóstico de uma doença ameaçado-
ra à vida tem sobre a religiosidade e a espiritualidade do enfermo. O estudo Coping with
Cancer evidenciou isso ao entrevistar 230 pacientes com câncer avançado com expecta-
tiva de menos de um ano de vida, tendo como objetivo avaliar a importância da religião
e do atendimento com serviço religioso. Desses pacientes, 68% relataram que a religião
era muito importante, 20% disseram que era de alguma forma importante e os outros
12% responderam que não achavam importante. Além disso, o estudo observou que as
atividades religiosas e/ou espirituais diárias privadas, como oração e meditação, aumen-
taram de 47% antes do diagnóstico para 61% após o diagnóstico12.
Outro fato que demonstra a importância dos aspectos espirituais e religiosos nos cuida-
dos de fim da vida é a sua influência sobre a tomada de decisão do paciente. Por exemplo,
muitos pacientes relatam que utilizam a religiosidade como forma de lidar com seus pro-
blemas de saúde, ajudando-os a enfrentar as adversidades impostas por sua condição11.
Diante da influência desses aspectos no fim da vida, podem emergir dilemas bioéticos
importantes, envolvendo, por exemplo, recusa e futilidade terapêuticas, que podem afe-
tar o desfecho final do paciente. Um estudo demonstrou que, entre pacientes com câncer
avançado, o uso da religiosidade como mecanismo de enfrentamento da doença se asso-
ciou positivamente ao recebimento (ou desejo por receber) de suporte intensivo à vida nos
momentos que antecederam a morte12-14. Embora os mecanismos dessa associação não es-
tejam claros e isso não necessariamente se traduza em maior futilidade terapêutica nesses
pacientes, alguns autores sugerem que pacientes mais religiosos podem se submeter a tra-
tamentos mais agressivos, movidos por sua crença de que deus poderia curá-los através do
tratamento proposto14. Já em uma amostra de pacientes de enfermaria geral em Chicago,
Estados Unidos, maiores níveis de religiosidade e/ou espiritualidade se associaram a maior
uso de procuração de cuidados de saúde, ou seja, a designação de uma pessoa específica
para tomar decisões clínicas pelo paciente quando este estiver incapacitado para tal15.
Independente de possíveis conclusões, ainda pouco definidas, sobre como a espirituali-
dade e a religiosidade afetam as decisões em fim de vida e o desfecho do paciente, chama
atenção o papel do suporte espiritual nesse cenário. Entre os pacientes com câncer avança-
do que receberam suporte espiritual, um estudo identificou que há uma chance três vezes
maior de receberem cuidados paliativos em hospice ao final da vida13. Evidencia-se ainda a
diferença entre religiosidade e espiritualidade: mesmo pacientes com grande religiosidade
podem apresentar sofrimento espiritual, o que pode explicar a maior tendência à escolha
por tratamentos agressivos e potencialmente fúteis. Nessa linha, o suporte espiritual a pa-
cientes com esse perfil se associou a um aumento ainda maior na chance de recebimento

535
de cuidados em hospice ao fim da vida, chegando a cinco vezes mais quando comparado à
ausência desse suporte. Independentemente da religiosidade, contudo, o suporte espiritu-
al se associou a uma melhor qualidade de vida nos momentos finais do paciente13.
Apesar de muitos estudos envolvendo espiritualidade e fim de vida avaliarem a popula-
ção de pacientes oncológicos, as necessidades espirituais não se limitam aos que sofrem de
câncer, e nem mesmo aos pacientes em estágio terminal. Estudos mostram que a maioria
dos pacientes internados em enfermarias médico-cirúrgicas, no geral, apresenta deman-
das religiosas e espirituais. Entre idosos internados, 90% utilizam a religião como forma
de lidar com seus problemas de saúde, sendo que, para a metade deles, esse é o principal
instrumento para tal11. As necessidades espirituais desses pacientes envolvem não ape-
nas seus sentimentos de esperança, pertencimento e amor, mas também seus valores e
percepções relacionados ao sentido da vida e à fé. Mesmo fora do contexto dos cuidados
paliativos, quando os pacientes têm suas necessidades espirituais abordadas e se sentem
amparados pelo suporte espiritual, confiam mais em seus médicos, fortalecendo a rela-
ção médico-paciente16. Ademais, pacientes com maior bem-estar espiritual apresentam
menos sintomas depressivos e ansiosos17 e têm menos desejo de abreviar a vida18. Assim,
é fundamental que a equipe de saúde permita que o paciente termine suas “tarefas” espiri-
tuais para que possa, por fim, atingir a paz espiritual e ter uma boa morte11.

Angústia espiritual
Como exposto, a espiritualidade pode ajudar a fornecer recursos para enfrentar as
adversidades impostas pela condição de fim de vida. Contudo, alguns pacientes apre-
sentam situações de sofrimento que envolvem questões espirituais. Por exemplo, assim
como um paciente pode ser capaz de enxergar um novo sentido em sua vida diante de
um diagnóstico de uma doença grave, outro paciente pode se sentir abandonado por
deus, sentimento que pode lhe causar extremo sofrimento. Essa última situação foi
identificada como “angústia espiritual”, cuja definição é: “um estado em que o indivíduo
está em risco de vivenciar uma perturbação em seu sistema de crenças ou valores que
conferem força, esperança e sentido à vida”19.
Não é incomum observar a associação entre a experiência de ameaça de morte e
a angústia espiritual. Porém, assim como a dor, a angústia espiritual também se ca-
racteriza como um evento difícil de ser descrito ou quantificado. Em uma tentativa
de mensurar a angústia espiritual, Anandarajah e Hight desenvolveram a ferramenta
HOPE, que será descrita adiante. Para isso, consideraram que a angústia espiritual se
dá quando a pessoa fica “desabilitada de achar fontes de significados, esperança, amor,

536
paz, conforto, força e conexão na vida ou quando ocorre conflito entre suas crenças e
o que está acontecendo em sua vida”20.
A angústia espiritual pode se manifestar como um espectro que inclui desde quadros
mais leves a quadros com sintomas depressivos e ansiosos, além de crises espirituais6.
Sua manifestação também é extremamente variável por conta de sua natureza subjeti-
va. Assim, pode se apresentar associada a sentimentos de raiva, luto, vergonha, culpa,
abandono, desesperança e baixa autoestima21. Também pode se manifestar por meio
do arrependimento por escolhas pregressas, necessidade de perdoar ou ser perdoado
e busca por reconciliação22. A doença ainda pode pôr em xeque o sistema de crenças
do paciente, gerando questionamentos que podem comprometer o sentido que vê na
vida, resultando em angústia espiritual. Esse choque pode exacerbar o isolamento so-
cial, afastando-o de seus familiares e/ou da comunidade religiosa à qual antes pertencia
e que poderiam ser fonte de conforto nessa fase23.
Consequências negativas podem ocorrer diante da angústia espiritual. Estudos a asso-
ciaram a desfechos adversos na saúde como um todo, como maior incidência de dor e fa-
diga. A angústia espiritual também se associou a piora na qualidade de vida e aumento da
mortalidade24. O oposto da angústia espiritual ocorre quando esse domínio fornece ao pa-
ciente a capacidade de encontrar um sentido em sua vida no contexto da enfermidade. O
paciente conta, então, com uma força que lhe dá ferramentas para lidar com a adversida-
de, como a habilidade de perdoar e ser perdoado25, o envolvimento com sua comunidade e
a capacidade de aproveitar a vida26. Manifestações da espiritualidade, tais como meditação
e rituais religiosos – como orações e cultos – podem ajudar a desenvolver a força espiritual.

Diferenças entre angústia espiritual e quadros depressivos


É importante salientar que, pela sua natureza subjetiva, a angústia espiritual pode
se confundir com quadros psiquiátricos, como os transtornos depressivos6. Portanto, é
fundamental que o médico e os demais profissionais de saúde busquem formas de com-
preender da melhor maneira possível a natureza do sofrimento vivenciado pelo pacien-
te. Para isso, é necessário abordá-lo utilizando perguntas abertas e tendo uma postura
acolhedora. Uma vez compreendida a natureza do sofrimento, é possível guiar a aborda-
gem para mitigar aquilo que é prevalecente. Por exemplo, caso o componente espiritual
seja mais intenso, o paciente provavelmente se beneficiará mais de suporte espiritual
especializado do que de suporte psicológico somente. Embora a diferenciação entre as
duas condições seja difícil, o Quadro 1 apresenta alguns elementos de comparação que
ajudam a distinguir o sofrimento espiritual de quadros depressivos.

537
QUADRO 1. COMPARAÇÃO ENTRE MANIFESTAÇÕES FREQUENTES (E NÃO MUTUAMENTE EXCLUDENTES)
OBSERVADAS NA ANGÚSTIA ESPIRITUAL E NO TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR

Angústia espiritual Transtorno depressivo maior

Angústia espiritual envolvendo a morte que se aproxima: Pensamentos recorrentes de morte (não somente
percepção de que a morte é inevitável e desejo de medo de morrer), ideação suicida recorrente sem
continuar vivendo. Sentimentos são de ansiedade com um plano específico, tentativa de suicídio ou plano
o processo de morte, preocupações em se separar de específico para cometer suicídio.
entes queridos e com o que virá após a morte.

Angústia espiritual com o sentido da vida: dificuldade


Acentuada diminuição do interesse ou prazer
em encontrar um sentido diante da morte e perda de
em todas ou quase todas as atividades na
propósito. O paciente questiona o significado de sua
maior parte do dia, quase todos os dias.
doença, seu sofrimento ou sua fé.

Angústia espiritual com as escolhas e liberdade:


Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva
fardo decisório decorrente das consequências que as
ou inapropriada (que podem ser delirantes)
escolhas próximas da morte podem ter. Sentimentos
quase todos os dias (não meramente
de arrependimento com escolhas passadas e
autorrecriminação ou culpa por estar doente).
conflitos não resolvidos consigo ou com outros.

Angústia espiritual com o isolamento: o paciente


se afasta da comunidade (igreja, família) e tem Sintomas neurovegetativos (insônia/hipersonia,
sentimentos de abandono por ela e por deus. agitação/lentificação, anorexia/hiperfagia).
Sente-se desconectado.

ADAPTADO DE: GRECH A ET AL., PALLIAT MED 201727; E AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 201428.

Como característica principal, os quadros depressivos apresentam impacto negativo


pervasivo no humor do paciente, que manifesta humor deprimido na maior parte do
dia, quase todos os dias28. Em comparação, a angústia espiritual se manifesta mais pelo
conteúdo da vivência subjetiva do paciente do que meramente na polaridade de seu hu-
mor, embora ambos os elementos possam estar presentes simultaneamente. Ademais,
os quadros depressivos apresentam sintomas neurovegetativos mais objetivos, como
insônia/hipersonia, agitação/lentificação psicomotora, dificuldade de concentração, fa-
diga, anorexia/hiperfagia e/ou perda/ganho de peso. O Quadro 2 ilustra um caso cujas
particularidades permitem diferenciar a angústia espiritual de um quadro depressivo.

538
QUADRO 2. CASO CLÍNICO DE ANGÚSTIA ESPIRITUAL

O caso da paciente C. M., 42 anos, com diagnóstico de câncer de mama com metástase cerebral e
prognóstico estimado de seis meses de vida, em cuidados paliativos exclusivos, ilustra bem o fato de
que um paciente pode estar emocionalmente saudável, mas apresentar grande sofrimento espiritual.
Muitas vezes, o sofrimento espiritual é inteiramente interpretado como psicológico ou diagnosticado
como depressão ou ansiedade. Contudo, essa não é a resposta completa para o sofrimento quando
se ignora o componente espiritual.
C. M. foi diagnosticada com depressão e adequadamente tratada para esse diagnóstico. Porém,
não apresentava outros sintomas típicos de depressão, como os neurovegetativos, abulia ou ideação
suicida. Tampouco apresentou melhora significativa de humor ou dos sintomas ansiosos. C.M.
possuía três filhos ainda crianças (3, 9 e 10 anos) e, após uma avaliação espiritual em que pôde
verbalizar suas angústias, ela revelou que sentia que sua vida não tinha propósito. C.M. sentia que
nada mais tinha a fazer até seu momento de partir. Diante disso, indagava-se quanto àquilo que se
tornou sua maior preocupação: “meu filho de 2 anos não vai se lembrar de mim”.
Esta era a real fonte de seu estado de sofrimento. A equipe então resolveu aprofundar-se na
questão e discutir formas de suprir essa necessidade espiritual de C. M. Foi debatido o que poderia
ser feito para fazer com que seus filhos, especialmente o mais novo, se lembrassem dela. A equipe
propôs então que C. M escrevesse suas memórias ou um documento em que articulasse seus
valores, aquilo que considerasse importante para ela e o que esperava de seus filhos para o futuro.
C. M. escreveu palavras para seus filhos que incluíam tópicos como suas esperanças e sonhos para
eles. Além disso, um dos membros da equipe a filmou dizendo suas palavras direcionadas a seus filhos,
de forma que o vídeo se tornasse um legado que pudesse ser assistido por eles conforme crescessem.
Essas atividades abordando as preocupações de C. M. sobre o significado de sua vida resultaram
em evidente melhora de seu sofrimento. A paciente passou a tolerar melhor as consultas e suas
passagens pelo hospital e pôde viver seus últimos meses de forma mais serena ao lado de sua família.
Preocupações de cunho espiritual, como as de C. M., são frequentemente ignoradas na prática
diária da medicina. É comum que pacientes tenham questionamentos como “eu realmente
acredito em Deus, eu acreditei Nele por toda a minha vida, mas eu realmente me pergunto se Ele
está aqui por mim agora”. São pensamentos assim, associados a um sentimento de abandono por
Deus, que podem representar intenso sofrimento espiritual para o paciente. Tal sofrimento, no
entanto, pode, mas não necessariamente, se associar à depressão ou à ansiedade. É importante,
portanto, estar presente de forma compassiva ao lado do paciente e ouvi-lo melhor para entender
seu sofrimento de forma integral.
Não há solução mágica para o sofrimento espiritual, tampouco uma intervenção farmacológica. O
profissional não pode responder a um questionamento dessa ordem feito pelo paciente com frases
padronizadas como “oh, claro, Deus está lá por você. Não se preocupe mais com isso”. Na realidade,
nem mesmo há resposta para um questionamento assim. Porém, é possível estar presente, ouvir e
apoiar o paciente. Ou, então, contar com o auxílio de um profissional especializado, como um capelão
hospitalar. Essa simples atitude já pode representar muito para o paciente.

ADAPTADO DE: PUCHALSKI C, J PALLIAT MED 200029.

539
Um mesmo paciente pode apresentar tanto sofrimento espiritual quanto psicológi-
co, além da dor física causada pela doença, no mesmo momento. Por conta disso, foi
cunhado o conceito de “dor total” pela pioneira dos cuidados paliativos, Cicely Saunders,
em 1964. O termo reúne as aflições social, psicológica, física e espiritual que podem
ser vivenciadas simultaneamente pelo mesmo paciente30. Esse conceito pode explicar
dores de difícil manejo em alguns pacientes em comparação com outros, como visto
em um estudo que demonstrou menores níveis de dor e menor necessidade de morfina
nos pacientes com câncer avançado que receberam melhor suporte espiritual31. Assim,
levanta-se a possibilidade de que a angústia espiritual superajuntada à dor física pode
promover a sensação de elevação dos níveis álgicos31. Na Figura 1, o conceito de dor total
é esquematicamente representado, em conjunto com seus componentes.

FIGURA 1. DOR TOTAL E SEUS COMPONENTES

física

espiritual DOR TOTAL social

psicológica

ADAPTADO DE: SAUNDERS NURSING MIRROR 196430.

A morte na perspectiva das diferentes religiões


Não apenas a espiritualidade, mas também a religiosidade, para muitos pacientes, de-
sempenha um importante papel nas doenças ameaçadoras da vida. Como a religião se
refere a um sistema de crenças e tradições compartilhado por um grupo de pessoas vol-
tado ao contato com o divino, há uma grande interface com a terminalidade da vida. Por
exemplo, em muitas religiões, como as abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo),
a passagem da vida para a morte integra grande parte das discussões doutrinárias. Assim,
cada religião apresenta particularidades envolvendo os conceitos relacionados à morte,
embora também existam questões que são universais para todos os pacientes. A seguir,
são detalhadas as visões da morte em algumas das principais religiões.

Cristianismo
O cristianismo, apesar de ter inúmeras vertentes dogmáticas, possui um entendimento
único sobre a morte física: a passagem para uma vida eterna para os eleitos, que se unem a

540
Cristo. Assim, a morte representa a separação do corpo, que é mortal, da alma, que é imortal.
É fundamental destacar o entendimento cristão em relação ao sofrimento e à dor, uma vez
que, para eles, Jesus Cristo representa um modelo de resignação ao sofrimento, oferecendo
sua penitência como sacrifício para a salvação da humanidade. Assim, para os cristãos, o
sofrimento pode ser encarado como um teste de fé, que os aproxima de seu Salvador32.
No caso dos católicos, no período imediatamente anterior à morte, é comum a aplicação
da Extrema Unção, que é o sacramento fornecido como sinal da presença de Deus na vida
desse indivíduo e da remissão de seus pecados33. Após a morte, os cristãos velam o corpo
durante o velório e os rituais podem variar conforme a denominação cristã.
Pela ortodoxia cristã, são absolutamente proibidas a eutanásia ou condutas médicas
que visam a interrupção da vida para o abreviar o sofrimento do paciente. Contudo, o
catolicismo reconhece os cuidados paliativos, a importância do alívio do sofrimento do
paciente e a possibilidade de renúncia a métodos extraordinários ou desproporcionais
para prolongar a vida. Algumas diferenças, contudo, existem entre as denominações
cristãs quanto à limitação e/ou descontinuação de hidratação e nutrição. Detalhes sobre
esse tópico são abordados no Capítulo 38.
Segundo a Doutrina do Duplo Efeito, muito influente no catolicismo, é justificável
prescrever fármacos com o intuito primário de aliviar a dor e o sofrimento do paciente,
mesmo que exista o risco associado de abreviar sua vida, o que seria um efeito secun-
dário. No entanto, não é permitido prescrever os mesmos fármacos tendo como intuito
primário abreviar a vida – ou seja, para a prática da eutanásia34. Detalhes desse conceito
são abordados nos Capítulos 36 e 38.

Judaísmo
Para as principais vertentes do judaísmo, a morte representa a separação do corpo
e da alma em duas entidades. A alma é eterna e indestrutível, enquanto a vida terrena
precede a vida eterna, sendo a morte o caminho para essa nova fase de eternidade. No
judaísmo, mesmo após a morte, o indivíduo continua recebendo o amor e as aspirações
de seus pares vivos. Faz parte da crença judaica a ideia de que, no futuro, com a chegada
do Messias, as almas serão restabelecidas em corpos ressuscitados para aproveitar as
conquistas da vida pregressa de méritos e virtudes.
O judaísmo possui diversas vertentes que contrastam quanto à forma de lidar com
a morte, mas é comum a visão de que ela é algo que Deus deu aos homens juntamente
com a vida, como parte da Criação, não sendo, portanto, necessariamente ruim. Ainda,
o próprio fato de os seres humanos serem mortais aumentaria a capacidade da huma-

541
nidade de servir a Deus. Isso porque a realidade da morte propicia aos seres humanos
a oportunidade de ser grato por suas próprias vidas. O fato de que o tempo pode acabar
a qualquer momento também motiva a humanidade a viver bem a vida, todos os dias35.
Vertentes ditas ortodoxas seguem a lei judaica – a Halachá – que acreditam vir de
Deus, como regras imutáveis contidas na Torá e no Talmud. Um certo grau de interpre-
tação é possível, o que se dá geralmente por decisões rabínicas denominadas Responsa.
Tais decisões, que poderiam ser comparadas aos precedentes do mundo jurídico, permi-
tem encontrar respostas para problemas que não são mencionados nas escrituras. Isso
é extremamente relevante para a medicina, pois muitas das situações atualmente vivi-
das nesse contexto não existiam quando a Torá ou o Talmud foram escritos. O judaísmo
reformista, por sua vez, é a vertente mais liberal da religião e favorece a autonomia e a
adaptação à realidade contemporânea. Embora também possam contar com interpreta-
ções rabínicas, os judeus reformistas não seguem a Halachá de forma rígida e permitem
a influência de outras fontes teóricas para determinar a moralidade de atos36.
O enterro e o luto apresentam rituais específicos. O falecido deve ser sepultado assim
que possível – geralmente em até 24 horas –, exceto no Shabat e no Yom Kipur. Isso porque
uma demora maior representaria um desrespeito ao falecido, que deve ser honrado se-
gundo o conceito de kevod hamet37. A doação de órgãos, a cremação e a mutilação do corpo
não são permitidas entre as vertentes mais ortodoxas, devido à crença de que o falecido
ressuscitará nesse corpo quando o Messias retornar. Antes do funeral, o corpo é lavado em
um ritual denominado tahará e, em seguida, é vestido com uma mortalha branca de linho
denominada tachrichim, sobre a qual se coloca o xale de oração (talit), no caso de homens38.
A cerimônia é simples e não há flores expostas, não é tocada música, o caixão é sim-
ples e o corpo não é exposto. A família mais próxima realiza um ritual denominado
keriá, que consiste em realizar um rasgo na própria roupa para representar o rasgo que
a morte causa no coração do enlutado ( judeus não ortodoxos geralmente usam um laço
de tecido preto que representa o fragmento rasgado, em vez de rasgar suas próprias rou-
pas). Os filhos homens – ou o parente mais próximo do sexo masculino, quando o faleci-
do não tiver filhos – recitam uma versão especial da oração Kadish, um hino de louvor a
Deus. Por ser tradicionalmente recitado nos enterros e nos serviços comemorativos dos
finados, ele é popularmente considerado como uma oração pelos mortos. Após o sepul-
tamento, inicia-se o shivá (sete, em hebraico), que consiste em um período de sete dias
em que os enlutados ficam reclusos em casa, se abstendo de atividades profissionais e de
lazer. Nesse período, recebem visitas em casa e realizam orações37,38.
Em relação aos cuidados paliativos, é importante conhecer o grau de adesão do paciente

542
à doutrina religiosa judaica, uma vez que os indivíduos podem ter visões distintas quanto
ao tratamento a ser realizado. Algumas comunidades e famílias ortodoxas podem se sentir
desconfortáveis com a ideia de que poderiam estar “desistindo” do paciente ao optar por
cuidados paliativos exclusivos, o que poderia representar falta de fé em Deus, segundo
alguns. Contudo, muitos rabinos consideram a ideia de que é possível manter a fé e a es-
perança de que Deus promoverá a cura do paciente e, ao mesmo tempo, agir tendo em
mente que a morte pode ser inevitável. Nesse sentido, o ideal seria fazer o melhor para o
momento, entendendo a situação de forma realística, enquanto se mantém a esperança de
haver mudança para melhor. Caso contrário, isso poderia causar mais dor e sofrimento ao
paciente, o que contraria o que o judaísmo propõe35.
Assim, judeus reformistas e muitos rabinos importantes não endossam automatica-
mente a continuação de tratamentos que buscam prolongar a vida a qualquer custo, a
menos que o paciente solicite. Já os cuidados paliativos são vistos como benéficos por
eles, pois reduzem o sofrimento do paciente. Algumas vertentes inclusive propõem que,
mais do que maximizar o tempo na vida terrena, os judeus devem buscar aproveitar ao
máximo suas vidas servindo a Deus, cumprindo os mandamentos e crescendo religiosa
e espiritualmente. Segundo essa lógica, os cuidados paliativos, muitas vezes, podem ser
mais propícios ao cumprimento dessas tarefas, ao aumentar a qualidade de vida do pa-
ciente, se comparados a tratamentos que podem até mesmo prolongar o tempo de vida,
mas à custa de efeitos colaterais intensos que levam à redução de sua qualidade. Por
exemplo, a abordagem paliativa pode deixar o paciente com mais força para fazer boas
ações, enquanto uma abordagem mais agressiva pode significar que toda a sua energia é
dedicada apenas para passar pelo tratamento35.
O judaísmo também tem visões diversas sobre a definição de morte e sobre a continuida-
de de suporte artificial da vida. Os judeus reformistas aceitam o conceito de morte encefá-
lica, assim como alguns ortodoxos, porém muitos destes acreditam que a morte, segundo a
Halachá, só ocorre quando a respiração cessa. Isso gera um dilema especialmente impor-
tante envolvendo a ventilação mecânica, pois muitos dos ortodoxos não aceitam que o equi-
pamento seja desligado, pois isso poderia resultar na morte do paciente. Judeus reformistas,
por sua vez, permitem que a decisão seja compartilhada entre a família e o médico, pois
acreditam que, “quando o tratamento deixa de ser eficaz, ele deixa de ser um tratamento”36.

Islamismo
O paciente muçulmano em processo de morte pode receber diversos visitantes, pois a
religião prega que se deve visitar o indivíduo que esteja morrendo, mesmo que o vínculo

543
seja mais distante, uma vez que tal ato é considerado uma forma de demonstrar compai-
xão. O paciente, por sua vez, é encorajado a recitar versos do Alcorão e a redeclarar sua
fé. A religião também reprova o prolongamento artificial da vida, a menos que resulte
em adequada qualidade de vida para o paciente39.
Os muçulmanos preferem morrer em suas próprias casas. Eles acreditam no dia do juí-
zo final e, como no cristianismo, creem que a morte é algo inerente à vida, representando
não um fim, mas uma passagem para a vida eterna, em que o indivíduo será punido ou
recompensado de acordo com seus atos durante a vida terrena. Assim, ao se aproximar da
morte, é importante pedir perdão a outras pessoas por quaisquer atos ou erros contra elas,
antes de pedir perdão a Deus pelos pecados cometidos39.
O islã também prega alguns rituais imediatamente posteriores à morte. Idealmente, o
rosto do falecido deve ser virado em direção a Meca, enquanto os braços e pernas devem
ser esticados e a boca e olhos, fechados. Todas as roupas e adornos devem ser retirados
por uma pessoa do mesmo sexo e o corpo deve ser lavado e coberto com um lençol branco
antes do sepultamento. Para os muçulmanos, o corpo é considerado inviolável e, por isso,
exames post-mortem também não devem ser realizados. Nessa mesma lógica, os transplan-
tes são proibidos por certos teólogos e em certos países islâmicos, embora outros sejam
mais liberais quanto a esse tema, pois reconhecem o benefício do procedimento para a
sociedade, permitindo-o em determinadas condições39. A cremação, assim como no juda-
ísmo, é proibida. Em correntes mais ortodoxas, as mulheres não comparecem ao enterro.
Como a morte é vista como algo natural, inerente à vida, não há rituais de luto, embora se
realizem orações pela alma do falecido.
A prática da eutanásia é condenada pelo islamismo, segundo as interpretações do Alco-
rão, que não reconhece o direito de uma pessoa morrer por sua própria vontade. Segundo
a doutrina islâmica, a vida é uma dádiva divina que não pode ser interrompida por nenhu-
ma forma de intervenção ativa ou passiva. Contudo, há dois casos que eventualmente são
admitidos no islamismo. O primeiro é similar à lógica da doutrina do duplo efeito descrita
anteriormente, quando se administram analgésicos com o intuito primário de aliviar a
dor, mesmo que haja risco secundário de resultar em morte. A segunda situação é a limi-
tação e descontinuação de tratamentos considerados terapeuticamente fúteis, permitindo
que a morte siga seu curso natural40.

Hinduísmo
Hinduísmo é o termo dado a um grupo de religiões originárias da Índia que possui im-
portantes variações regionais e culturais naquele país36. Em geral, os hindus entendem

544
que o verdadeiro ser não é o corpo que morre, mas sim o atman, que é imutável. Segundo
essa crença, o mundo em que vivemos é apenas ilusório, sendo a “realidade última” de-
nominada brahman. Assim, o hindu acredita que existe um constante ciclo entre morte
e nascimento, determinando diferentes “vidas” (encarnações) para o mesmo atman. Por
consequência, a vida futura será determinada pelas atitudes e por aprendizados da vida an-
terior, o karma41. O objetivo final é obter a “libertação permanente”, denominada moksha,
desse ciclo de mortes e renascimentos e experimentar a unidade com o brahman. Objetivos
temporários nesse percurso incluem viver uma vida bem-aventurada para reencarnar em
uma situação melhor, o que pode aumentar a chance de atingir a libertação permanente.
Assim, segundo a perspectiva hindu, nesses sucessivos ciclos de nascimentos mortes,
o karma é o princípio cósmico que determina consequências éticas de acordo com a ava-
liação moral para todas as atitudes em vida. Dessa forma, o hindu que realmente com-
preende os ensinamentos de sua religião não costuma temer a morte, uma vez que isso
representaria a não aceitação do karma e da própria dinâmica de encarnação e morte41.
Apesar disso, o evento da morte em si tem uma grande importância no hinduísmo. Isso
porque a forma como ocorre determina se a morte é boa ou ruim, em termos religiosos.
Uma boa morte – necessária para uma boa reencarnação e para o moksha – ocorre quan-
do o indivíduo está devidamente preparado para morrer e os rituais adequados são re-
alizados. Em contrapartida, uma morte ruim pode ter consequências permanentes nas
vidas subsequentes, como a possibilidade de renascer em uma situação pior ou perma-
necer vagando, incapaz de reencarnar, mas sem ser libertado. Além disso, uma morte
ruim pode ter consequências infelizes para a família – por exemplo, má sorte, pesadelos
e infertilidade. Morte súbita, morte com excesso de fluidos corporais ou morte acompa-
nhada de rituais mal executados são exemplos de mortes ruins36.
A importância do evento da morte também se reflete nas decisões de fim de vida para
os hindus, incluindo a limitação e a descontinuação de tratamentos. Assim, muitas famí-
lias evitam o suporte de vida artificial ou decidem interrompê-lo assim que sua futilida-
de se torna evidente. Ademais, a suspensão da nutrição e hidratação artificiais às vezes é
suportada, uma vez que reduz a quantidade de fluidos corporais durante a morte, o que
configura uma morte boa36.

Budismo
Os budistas, assim como os hindus, acreditam no fluxo incessante de mortes e renas-
cimentos através dos mundos, denominado samsara. A vida mundana é permeada por
sofrimento, principalmente envolvendo ansiedade, descontentamento e medo, o que se

545
denomina dukkha, que ocorre em grande parte porque não conseguimos nos desapegar de
nosso passado. A doutrina budista prega, então, um caminho que leva à libertação desse
sofrimento, ou seja, um estado em que o dukkha cessa e o samsara se encerra, que se de-
nomina nirvana (análogo ao moksha no hinduísmo). Assim, a morte é entendida como um
processo natural, que será sucedido pela reencarnação, sendo apenas um momento de
transição nesse ciclo de renascimentos pelo qual o indivíduo passa até atingir o nirvana42.
Uma das principais correntes do budismo no Leste Asiático (China, Japão e Coreia) é
denominada budismo da Terra Pura, ou budismo amidista, devido a Amida (ou Amita-
bha, em sânscrito), seu Buda principal. A corrente prega que o objetivo da vida é renas-
cer em um paraíso chamado Terra Pura, juntando-se ao Buda Amida. Para isso, rituais
específicos devem ser realizados para auxiliar o falecido a chegar com segurança à Terra
Pura. Ademais, na China, existe grande influência de princípios do confucionismo que
incluem obrigações dos filhos para com seus pais idosos e que estão próximos à morte.
Entre essas obrigações filiais está o dever de proteger os pais da ansiedade de um prog-
nóstico ruim, omitindo informações e usando todos os meios necessários para prolon-
gar sua vida o máximo possível36. Muitas vezes, contudo, isso pode gerar conflito com os
médicos, pois a omissão de informações do paciente, em princípio, viola sua autonomia.
No budismo, a morte se caracteriza pela ausência de vitalidade, calor e consciência.
Na China, o budismo sofreu influência sincrética de outras correntes espirituais tradi-
cionais daquele país, como o taoísmo. Segundo essa filosofia, a morte ocorre quando a
força vital – denominada chi ou qi – deixa o corpo. Como o chi é algo abstrato e que não
está localizado em nenhum órgão do corpo, é difícil entendê-lo como compatível com
critérios neurológicos de morte. Da mesma forma, a morte encefálica também encontra
obstáculos na espiritualidade tradicional japonesa, o xintoísmo, embora sua definição
tenha se tornado o padrão legal, em 1997, no Japão36,42.
Em relação aos cuidados de fim de vida, os budistas acreditam que interromper o
corpo antes de se configurar a morte real interfere no renascimento ou na liberação do
samsara. Nesses casos, a pessoa recém-falecida, seus ancestrais que já estão na Terra
Pura e sua família podem sofrer consequências negativas. Assim, em geral, eles são con-
trários à prática de eutanásia e preferem não iniciar meios artificiais de suporte à vida,
assim como medidas agressivas e/ou desnecessárias. Algumas correntes de pensamento
recomendam não iniciar o suporte artificial no final da vida, pois o desconforto associa-
do poderia impedir a tranquilidade durante o processo de morrer, que é essencial para
uma boa morte, segundo o budismo. Já em relação à prática da ortotanásia, os budistas
aceitam interromper o tratamento caso se conclua que o processo de morte já se concre-

546
tizou e a família sinta que suas obrigações para com o indivíduo já foram cumpridas36,42.

Espiritismo
O espiritismo, também denominado kardecismo, é uma doutrina espiritualista e re-
encarnacionista que surgiu na França, em grande parte pelos trabalhos de Allan Kar-
dec, em meados do século XIX. A doutrina busca explicar o ciclo pelo qual um espírito
reencarna em um novo corpo e, assim, retorna ao plano material após a morte do anti-
go corpo em que habitava. Nesse processo, após a morte, o espírito retorna ao mundo
espiritual, do qual havia se ausentado por um período momentâneo durante a última
encarnação. De lá, o espírito poderá sair novamente para mais uma reencarnação, em
um processo necessário para sua purificação e sua busca pela perfeição. Assim, a morte
representa uma transição entre esses dois mundos, em um processo infinito de reencar-
nações, deixando de lado seu caráter mórbido e finito. A vida verdadeira, por sua vez, é
eterna e ocorre no mundo espiritual43.
Os rituais espíritas incluem uma cerimônia de velório dedicada ao espírito em que se
realizam preces em um clima positivo que busca favorecer a transição do espírito para o
mundo espiritual. Para isso, pode incluir música, mas não são utilizadas velas e tampou-
co é adotada a prática do luto ou realizada qualquer cerimônia após o enterro43.

Religiões afro-brasileiras
As religiões afro-brasileiras consideram que a morte faz parte do ciclo espiritual do
indivíduo. No candomblé, a religião dos orixás – os deuses supremos –, morrer repre-
senta uma transição para outra dimensão em que estão espíritos como os orixás e guias,
denominada órun. Assim, quando idosos morrem, o evento é bem-visto, pois representa
a concretização dessa transição para órun, completando um ciclo vital que tem início,
meio e fim. No entanto, a morte de jovens não tem a mesma conotação e é vista como
tragédia, sendo uma forma de punição por uma ofensa contra os orixás ou por um des-
cumprimento das obrigações com a comunidade43.
O axexê é um ritual fúnebre do candomblé que dura sete dias e tem como objetivo
preparar a passagem do falecido para órun e reequilibrar as relações daquilo e daque-
les que foram deixados no plano material, denominado àiyé. Os rituais são importantes
para garantir que não reste nada no plano material que acabe por impedir a transição
do falecido para órun. Assim, praticantes de maior posição social e religiosa na comuni-
dade possuem mais vínculos com o plano material e necessitarão de maiores esforços
para serem liberados43. Nessa linha, quando, por exemplo, um babalorixá – o sacerdote

547
do candomblé – falece, o terreiro permanece um ano sem atividades litúrgicas. Também
é importante ressaltar que os praticantes do candomblé não podem ser cremados, pois
seus corpos devem retornar à Terra para completar o ciclo da vida.
A umbanda é uma religião de matriz africana essencialmente brasileira, pois apresenta
fortes elementos de sincretismo religioso com o catolicismo, religiões indígenas e espiri-
tismo. Assim, incorpora a visão católica de que a vida após a morte será condizente com
os atos praticados no plano terreno. Porém, também sofre influência kardecista ao existir
a possibilidade de continuidade da vida pela reencarnação. Os rituais umbandistas come-
çam com a purificação do corpo realizada por um sacerdote, um ajudante e um familiar,
seguida por uma cerimônia de velório, que deve ser marcada não por tristeza, mas por
alegria, uma vez que se considera que o falecido está retornando para o plano eterno43.

Papel do médico prestador de cuidados paliativos no cuidado espiritual


O médico paliativista tem a responsabilidade de discutir com o paciente, seus familiares
e a equipe os valores apresentados por eles ao lidarem com decisões difíceis envolvendo
a fase terminal da vida. Da mesma forma, os aspectos espirituais devem ser abordados
no contexto da relação médico-paciente, que inclui atos simples, mas muitas vezes negli-
genciados no ambiente hospitalar, como estar disponível e presente para compartilhar,
acolher e ouvir as angústias do paciente, tendo empatia e fornecendo apoio emocional. Tal
postura é denominada por alguns autores como “presença compassiva”44.
A relação médico-paciente pautada pela presença compassiva e atenta à espirituali-
dade deve ser centrada no paciente, e não no médico. Da mesma forma que a imposição
dos valores do médico quanto a aspectos do tratamento resulta em uma relação médi-
co-paciente paternalista (para mais detalhes, ver Capítulo 37), a análoga imposição dos
valores espirituais configura proselitismo. Não considerar a diversidade de crença (in-
cluindo sua ausência) dos pacientes e adotar uma postura proselitista, além de ser uma
atitude antiética, compromete a relação médico-paciente e a confiança na medicina.
Contudo, tal como é com os conceitos de autonomia do médico e de objeção de cons-
ciência, o profissional não é obrigado a compartilhar práticas religiosas de seus pacien-
tes. Por exemplo, um paciente em fim de vida pode solicitar ao médico que participe de
uma oração em seu quarto com demais familiares. Em situações como essa, o médico
pode aderir à prática, caso seja compatível com seus valores espirituais e religiosos, ou,
caso contrário, pode declinar o convite, preferencialmente de forma respeitosa e educada.
Uma forma de manter a empatia, preservar a relação médico-paciente e mostrar-se “com-
passivamente presente” é testemunhar a prática e convocar outro membro da equipe, que

548
dela compartilhe, ou o serviço de capelania hospitalar, caso disponível, para participar do
ato. Muitas vezes, apenas estar presente já é suficiente para dar conforto espiritual, ao pas-
so que, dessa forma, o profissional pode evitar uma situação que lhe seja desconfortável.
Além de exercer uma “presença compassiva”, também é papel do médico, assim como
de toda a equipe envolvida em cuidados paliativos, identificar as situações de angústia
espiritual e traçar estratégias para abordá-las. Assim, todos os profissionais envolvidos
devem ser treinados para abordar os aspectos espirituais do cuidado, inserindo-os nas
suas avaliações do paciente durante seu seguimento longitudinal45. Da mesma forma
que o sofrimento espiritual deve ser identificado, os fatores espirituais que conferem
resiliência ao paciente também devem ser46, para que assim sejam reforçados e incenti-
vados, sem, contudo, oferecer falsos reasseguramentos.
Outro objetivo importante da atuação do médico no aspecto espiritual do cuidado é
identificar as crenças e valores do paciente – especialmente os que podem influenciar
decisões de fim de vida – e adequar a eles o seu plano de cuidado. Assim, o médico deve
propor medidas pautadas no que for identificado como espiritualmente importante para
o paciente. Por exemplo, uma paciente com câncer de mama terminal pode revelar que,
para ela, é importante viajar para uma localidade distante, em que reside sua filha, com
quem brigou e não se comunica há anos, para buscar uma reconciliação antes de sua
morte. Nesse caso, o médico deve validar a preocupação da paciente e seu sentido espi-
ritual para ela, propondo um plano de cuidado que se adeque a seu desejo, assim como
aos aspectos médicos, como seu diagnóstico, prognóstico e segurança. Detalhes dos mo-
delos de relação médico-paciente, em termos gerais, são descritos no Capítulo 40.
Em aspectos práticos, um modelo de implementação de cuidados espirituais foi cria-
do pela National Consensus Conference (NCC) visando incorporá-los à medicina palia-
tiva. Esse modelo integra cuidados centrados na dignidade e compaixão aos fatores psi-
cossociais e biológicos do paciente. Assim, estabelece como dever de todos os médicos
atender a todas as dimensões do sofrimento de um paciente e de sua família, o que
pressupõe abordar as necessidades espirituais do paciente, respeitando suas crenças e
lutas44,47. Da mesma forma, diretrizes que norteiam a prática dos cuidados paliativos,
publicadas pelo National Consensus Project for Quality Palliative Care, identificaram o
aspecto espiritual e religioso como um dos oito domínios fundamentais para a prestação
de cuidados paliativos de qualidade. Assim, a atenção espiritual deve ser fornecida em
qualquer ambiente em que o atendimento ao paciente for realizado48.
Muitas diretrizes apoiam, ainda, que a equipe interdisciplinar paliativa deve incluir, tam-
bém, profissionais com treinamento especializado em cuidados espirituais, com habilida-

549
des de acesso a respostas a problemas dessa ordem. Pacientes em que sejam identificados
sinais de angústia espiritual devem ser encaminhados para esse profissional6,44. Nos Estados
Unidos, por exemplo, um profissional especializado, o capelão, realiza a avaliação clínica e
o tratamento do sofrimento espiritual dos pacientes que apresentam quadros de angústia
espiritual ou outras necessidades maiores. Naquele país, tais profissionais são treinados e
certificados especialmente para esse tipo de função, que não se restringe a uma religião
específica. Em contrapartida, necessidades espirituais mais básicas são abordadas pela pró-
pria equipe clínica, de forma mais generalista49,50. No Brasil, a área da capelania hospitalar,
como serviço profissionalizado, ainda é incipiente e mais vinculada a iniciativas religiosas se
comparada aos Estados Unidos, embora iniciativas tenham surgido para consolidar a área51.

A avaliação espiritual
Pelos motivos expostos, avaliar os aspectos espirituais do paciente em cuidados pa-
liativos é fundamental para desenvolver o melhor plano de cuidado. Essa avaliação deve
começar com uma triagem logo que o paciente dá entrada no serviço. Uma avaliação
mais pormenorizada pode se seguir, atentando-se aos casos mais suspeitos para angús-
tia espiritual identificados pela triagem52.
Muitos pacientes podem ter dificuldade em revelar de forma espontânea esse tipo de
sofrimento, diferentemente de quadros de dor física, por exemplo. Pela natureza subje-
tiva do sofrimento espiritual, alguns pacientes podem ter dificuldade de descrevê-lo53.
Outros, ainda, podem ter vergonha ou constrangimento, por medo de julgamentos, por
considerarem o assunto como de foro íntimo ou por pensarem que as equipes de saúde
não têm a função ou interesse em abordar esse tipo de queixas.
Da parte dos médicos, por sua vez, muitos se sentem desconfortáveis em discutir so-
bre espiritualidade com seus pacientes. Muitas são as possíveis barreiras, como o con-
ceito de que esses assuntos são privativos e que tentar abordá-los seria intrusivo. Outros
acreditam não ser seu papel lidar com esse tipo de questão – ou que outros profissionais
lidariam melhor com o assunto. Alguns podem se sentir desconfortáveis por não terem
crenças, práticas espirituais ou religiosas próprias. Ou então, caso tenham, suas crenças
podem diferir das do paciente, possivelmente levando ao desconforto de atender a essas
necessidades em seus pacientes. Outra importante barreira identificada por estudos foi
a falta de treinamento dessa habilidade, reconhecida por muitos médicos54.
Apesar das possíveis dificuldades, porém, é fundamental que o médico e os demais
membros da equipe assistencial estimulem e convidem o paciente a compartilhar suas
demandas, valores e crenças de natureza espiritual. Essa abordagem também possibilita

550
fortalecer a relação médico-paciente e assumir uma “presença compassiva”16. Ouvir o
paciente quanto a esses aspectos favorece a identificação de possíveis recursos de resi-
liência no domínio espiritual, de valores que afetem a tomada de decisões e de conflitos
que possam ter efeito negativo sobre a saúde do paciente46.
A avaliação espiritual pormenorizada também permite realizar um diagnóstico diferen-
cial entre sofrimento espiritual e sofrimento psicológico/transtornos psiquiátricos, como
quadros depressivos29. A partir disso, é possível adaptar o plano de cuidados, por exemplo,
incluindo o referenciamento, no primeiro caso, a um recurso de apoio espiritual, e, no
segundo caso, à equipe de psiquiatria. Ademais, essa compreensão mais aprofundada do
paciente, incluindo a avaliação de seus valores e espiritualidade, permite entender suas
decisões em fim de vida, que apresentam forte influência desses aspectos29,55. Uma vez
entendidas suas razões, é menos difícil para o médico lidar com possíveis dilemas fre-
quentes nesse contexto. Por exemplo, a vontade de abreviar a vida pode representar um
valor e uma crença do paciente, mas também pode compor a apresentação de um quadro
depressivo em outro. A diferença entre ambas as situações tem implicações bioéticas im-
portantes, como o conceito de autonomia em cada uma delas, o qual será refletido pela
conduta médica. Tais aspectos são discutidos em maiores detalhes nos Capítulos 37 e 38.
Algumas ferramentas validadas foram desenvolvidas para auxiliar a traçar a história
espiritual do paciente. São exemplos: a ferramenta HOPE20, reproduzida no Quadro 3,
que abrange as necessidades espirituais dos doentes; e a FICA, demonstrada no Quadro 4,
criada por Puchalski et al.26, que faz o papel de guia para incorporação de perguntas aber-
tas sobre espiritualidade. Há ainda o mnemônico SPIRIT, reproduzido no Quadro 5, que
também auxilia na obtenção da história espiritual do paciente, guiando o avaliador no
processo56. Outro mecanismo é a MMRS (do inglês “multidimensional measures of religiou-
sness and spirituality”), idealizada pelo Fetzer Institute e pelo National Institute on Aging,
que identifica 12 domínios de espiritualidade/religiosidade, com seções específicas para
domínios como perdão e experiências espirituais diárias57.
No entanto, é imprescindível saber que o cuidado espiritual não deve se limitar ape-
nas ao uso dessas ferramentas. De fato, elas representam importantes instrumentos que
viabilizam a operacionalização da avaliação de um aspecto complexo do sofrimento do
paciente. Porém, o cuidado espiritual deve envolver também a escuta ativa do paciente e o
desenvolvimento de uma presença compassiva, como já descrito anteriormente.
Os quadros a seguir foram adaptados e traduzidos livremente de seus originais em
inglês e ilustram algumas das principais ferramentas utilizadas para avaliar a espiritua-
lidade de pacientes no contexto dos cuidados paliativos.

551
QUADRO 3. HOPE – INSTRUMENTO PARA AVALIAÇÃO ESPIRITUAL
Componente Perguntas

Há esperança, força, Identificar as fontes de esperança e conforto do paciente, a


H conforto, significado, paz, quem ele se apega nos momentos difíceis e o que permite que
amor e conexão? continue seguindo adiante.

Investigar se o paciente pertence a alguma religião organizada


O Papel da religião organizada e/ou a alguma comunidade religiosa. Se sim, avaliar se isso o
ajuda e de que forma.

Investigar se o paciente mantém alguma crença ou práticas


espirituais (ex.: oração, meditação, leituras) que sejam
P Espiritualidade e
independentes de sua religião organizada; investigar se o
prática pessoal
paciente crê em deus e sua relação com ele; e quais aspectos da
espiritualidade são mais úteis.

E Efeitos dos cuidados médicos e Investigar se há alguma restrição para o tratamento gerada pelas
decisões de término da vida crenças do paciente e se ele sente falta de algum recurso espiritual.

ADAPTADO E TRADUZIDO DE: ANANDARAJAH G ET AL., AM FAM PHYSICIAN 200120. TRADUÇÃO LIVRE.

QUADRO 4. FICA – INSTRUMENTO PARA AVALIAÇÃO ESPIRITUAL


Componente Perguntas

Quais são suas crenças espirituais ou religiosas? Você se considera


F Fé e crenças espiritualista ou religioso? Em que coisas você acredita que dão
sentido à sua vida?

A espiritualidade é importante em sua vida? Como isso afeta


a maneira como você vê seus problemas? Como sua religião/
espiritualidade influenciou seu comportamento e humor durante essa
I Importância e influência
doença? Que papel sua religião/espiritualidade pode desempenhar na
resolução de seus problemas?

Você faz parte de uma comunidade espiritual ou religiosa? Isso dá


C Comunidade suporte a você? Se sim, como? Existe uma pessoa ou grupo de pessoas
que você realmente ama ou que é realmente importante para você?

Como você gostaria que eu resolvesse esses problemas em seu


A Alvo tratamento?

ADAPTADO E TRADUZIDO DE: BORNEMAN T ET AL., J PAIN SYMPTOM MANAGE 201026. TRADUÇÃO LIVRE.

552
QUADRO 5. SPIRIT – INSTRUMENTO PARA AVALIAÇÃO ESPIRITUAL
Componente Perguntas

Sistema de • Você tem uma afiliação religiosa? Você pode descrever isso?
S crenças • Você tem uma vida espiritual que é importante para você?
espirituais • Qual é o sentido mais claro da sua vida neste momento?

• Descreva as crenças e práticas de sua religião que você pessoalmente aceita.


• Descreva as crenças e práticas que você não aceita ou que não segue.
Espiritualidade
P • De que maneira sua espiritualidade/religião é significativa para você?
pessoal
• Como sua espiritualidade é importante para você na vida cotidiana?

• Você pertence a algum grupo ou comunidade religiosa ou espiritual?


Integração • Como você participa deste grupo/comunidade? Qual é o seu papel?
com uma • Que importância esse grupo tem para você?
I comunidade • De que maneira esse grupo é uma fonte de apoio para você?
espiritual • Que tipo de apoio e ajuda esse grupo oferece para você lidar
com problemas de saúde?

• Quais as práticas específicas que você realiza na sua vida religiosa e espiritual (por
exemplo, oração, meditação, cultos, missas, etc.)?
Práticas • Que atividades, estilo de vida ou práticas sua religião incentiva, desencoraja ou proíbe?
R
ritualizadas • Que significado essas práticas e restrições têm para você? Até que ponto você tem
e restrições seguido essas diretrizes?

• Existem elementos específicos de assistência médica que sua religião desencoraja ou


proíba? Até que ponto você tem seguido essas diretrizes?
• Que aspectos de sua religião/espiritualidade você gostaria que eu tivesse em mente
Implicações enquanto cuido de você?
I • Que conhecimento ou entendimento fortaleceria nossa relação como médico e paciente?
para cuidados
médicos • Existem barreiras ao nosso relacionamento baseadas em questões espirituais ou
religiosas?
• Você gostaria de discutir as implicações religiosas ou espirituais dos cuidados de saúde?

• Existem aspectos particulares dos cuidados médicos aos quais você deseja renunciar ou
que quer limitar por causa de sua religião/espiritualidade?
• Existem práticas ou rituais religiosos ou espirituais que você gostaria de ter disponíveis no
Planejamento hospital ou em casa?
T • Existem práticas religiosas ou espirituais que você deseja planejar para o momento da
de eventos do
terminal morte ou após ela?
• De quais fontes você obtém forças para lidar com a doença?
• Pelo que, em sua vida, você ainda sente gratidão mesmo doente?
• Quando você está com medo ou com dor, como encontra conforto?
• Ao planejarmos seus cuidados médicos no final da vida, de que maneira sua religião ou
espiritualidade influenciarão suas decisões?

ADAPTADO E TRADUZIDO DE: MAUGANS TA, ARCH FAM MED 199656. TRADUÇÃO LIVRE.
553
Intervenções específicas
Muitas das necessidades espirituais apresentadas pelos pacientes podem carecer de
intervenções específicas que estejam ao alcance do médico ou de outros membros da
equipe de saúde. Muitas vezes, diante disso, esses profissionais podem se sentir impo-
tentes e, como forma de aliviar o sentimento negativo decorrente disso, podem justificar
a si mesmos que não é sua atribuição interferir nesse campo. Contudo, apesar da difi-
culdade, muitas vezes existente, de se implementar uma intervenção específica para o
sofrimento espiritual do paciente, o simples ato de ouvir e estar presente de forma com-
passiva pode ser uma intervenção em si. Estudos demonstram que tal suporte espiritual
se associou à melhora da qualidade de vida e, em grau mais moderado, a decisões com
maior enfoque na qualidade de vida em sua fase final58.
Casos mais simples de angústia espiritual podem evoluir favoravelmente com a sim-
ples possibilidade de o paciente ter como e com quem compartilhar esse sofrimento.
Casos mais complexos, contudo, podem requerer cuidados espirituais mais especializa-
dos, como o de capelania, os quais, infelizmente, ainda são pouco disponíveis no Brasil51.
Intervenções mais práticas e específicas também podem ser úteis. Algumas delas en-
volvem atividades como arte, musicoterapia, ioga e mindfulness, que permitem ao pa-
ciente se expressar e buscar maior paz espiritual59. A despeito de não serem difundidas
e disponíveis no Brasil, as seguintes intervenções específicas foram avaliadas por meio
de estudos experimentais, apresentando resultados interessantes:

• Psicoterapia focada no significado da vida: em um estudo piloto randomizado con-


trolado, foram observadas melhorias modestas na qualidade de vida e no bem-estar
espiritual do grupo de pacientes submetidos à intervenção60. Trata-se de técnica que
envolve oito sessões de psicoterapia voltada à espiritualidade;

• Outlook de Steinhauser: demonstrou melhorias na preparação para a morte e no bem-


-estar social em amostra de 221 participantes de um estudo controlado randomizado
de três braços. Trata-se de uma intervenção focada sequencialmente em três áreas:
narração da história de vida, perdão e herança e legado. A intervenção é realizada em
um total de três sessões61;

• Terapia da dignidade de Chochinov: resultou em melhorias significativas na qualidade


de vida e no bem-estar espiritual do paciente quando comparada aos cuidados paliativos
padrão e aos cuidados centrados no paciente. Contudo, o objetivo principal do estudo,

554
que era a diminuição dos níveis de sofrimento, não foi atingido. A intervenção consiste
em uma única sessão voltada à construção da dignidade (independência e controle),
incluindo elementos espirituais, psicossociais e existenciais. Seu conteúdo é gravado,
resultando em um documento que os entes queridos podem guardar para o futuro62.

Uma categoria final de intervenções espirituais oferecidas no ambiente médico são


aquelas com base na mente e no corpo, como redução do estresse baseada na atenção
plena (Mindfulness-Based Stress Reduction ou MBSR, na sigla em inglês) e massagem. No
entanto, existem dados mistos sobre os benefícios dessas intervenções63,64. Mais evidên-
cias estão disponíveis sobre o impacto das intervenções mente-corpo para os cuidado-
res, indicando potenciais benefícios à sua qualidade de vida65.

Considerações finais
Os aspectos espirituais têm grande importância para o cuidado adequado de pacien-
tes em fim de vida. Devem, portanto, ser avaliados pelo médico e demais membros da
equipe ao longo de todo o seguimento do paciente. Essa abordagem deve ser feita de
forma empática e centrada no paciente, evitando-se julgamentos e imposição de crenças
sobre ele. Assim, o médico deve manter seu aspecto técnico, mas também permitir que o
paciente se sinta confortável para compartilhar seus valores, questionamentos e confli-
tos espirituais, uma vez que estes são fundamentais para a compreensão de seu quadro
como um todo. A partir desse entendimento profundo, o médico deve se pautar também
pelos aspectos espirituais ao propor o plano de cuidado mais adequado para o paciente,
que respeite e honre seus valores e crenças. O médico também deve, ao mesmo tempo,
auxiliar o paciente a compreender os aspectos médicos de sua condição para que possa
buscar conciliá-los aos demais domínios. Essa abordagem ajuda a lidar com eventuais
dilemas e fortalece a confiança da relação médico-paciente.

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561
562
Capítulo 29
Luto
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo

Durante o curso de uma doença ameaçadora da vida, muitas perdas são vivenciadas, tanto
pelos próprios pacientes quanto por seus familiares. A resposta normal a essas perdas é o luto.
Assim, essa vivência não ocorre apenas com o óbito, mas, sim, com todas as perdas ocorridas
dentro do continuum representado pelo curso da doença. Tais perdas podem variar de um indi-
víduo para outro, a depender de aspectos subjetivos que determinam o que é caro para o pacien-
te. São perdas que podem variar desde a capacidade de sentir o sabor de um alimento que re-
lembra a infância até a capacidade de se alimentar sozinho, por exemplo. Diante desse cenário,
todos os profissionais que lidam com pacientes em cuidados paliativos devem estar cientes de
que irão se deparar com indivíduos enlutados no dia a dia de sua prática, e não apenas diante da
morte de seus pacientes. É preciso, portanto, conhecer essa resposta à doença e ter sensibilida-
de e empatia para identificar as perdas pelas quais o paciente e seus familiares estão passando.
O conhecimento sobre o tema é fundamental para esse profissional porque será seu papel
fornecer apoio ao paciente e a seus familiares durante esse processo dinâmico e longitudinal.
Também é fundamental que o profissional consiga diferenciar o que é uma resposta normal
de uma resposta desadaptativa, uma vez que esta última pode ser fonte de grande sofrimento
e ter impacto negativo na qualidade de vida. Esse trabalho é multidisciplinar e complexo,
devendo abordar diferentes aspectos, como os espirituais, sociais, psicológicos e biológicos.
Adotar intervenções necessárias de forma adequada e tempestiva também permite prevenir
situações disfuncionais e patológicas, especialmente nos indivíduos com maior risco.
Neste capítulo, portanto, serão discutidos os diferentes conceitos e modelos propostos
para descrever e explicar a resposta de luto normal. Serão expostos também os critérios diag-
nósticos e fatores de risco para o luto patológico, de forma a munir o profissional de cuidados
paliativos dos conhecimentos necessários para a correta identificação desses casos.

Conceitos e definições
O luto é um fenômeno complexo, que envolve conceitos também complexos
e com termos que muitas vezes se confundem. São conceitos que envolvem as-

563
pectos sociais, culturais, espirituais, religiosos e psicológicos, utilizados para
descrever uma vivência extremamente subjetiva e individual. Portanto, é fun-
damental que o profissional de cuidados paliativos domine tais conceitos para
poder entender a experiência do luto nos pacientes e em seus familiares. Os
principais a serem explorados neste capítulo são:

• Perda: mesmo em outras situações que não a de doença, os seres humanos vi-
venciam diversas perdas ao longo de suas vidas: o término de um relacionamento
afetivo, o distanciamento de amigos, a perda de um emprego, entre outras. Pode-
-se considerar, portanto, a perda como um fenômeno inerente à vida. No caso de
pacientes em cuidados paliativos, embora a morte possa ser considerada a “perda
final”, até se chegar ao desfecho do óbito, muitas outras perdas como essas são vi-
vidas. A esse tipo de evento dá-se o nome de “perda não finita”, definida como uma
perda duradoura que geralmente é impulsionada por um evento ou episódio nega-
tivo da vida que mantém presença física ou psicológica em um indivíduo de forma
contínua1. A definição é, portanto, ampla, e é difícil determinar o que produz esse
tipo de sensação. Os primeiros estudiosos do luto, como Freud, propuseram que,
além da morte de um ente querido, outras perdas envolvendo alguma abstração,
como o país, a liberdade ou um ideal, também poderiam gerar resposta de luto2.
Quinodoz, por sua vez, acrescentou perdas como a diminuição das capacidades
físicas, das faculdades mentais, do emprego, da moradia e do bem-estar geral3.
No entanto, é impossível determinar de forma genérica o que pode representar
uma perda para um paciente. Isso porque não apenas elementos simbólicos e sub-
jetivos estão envolvidos, mas também fatores físicos, financeiros, sociais, cultu-
rais e religiosos influenciam a relação do paciente com aquilo que foi perdido1,4,5.
Ademais, a perda não finita pode não ser evidente inicialmente, sendo percebida
somente ao longo do tempo, quando fica claro que sua ocorrência impede que
as expectativas originais de desenvolvimento sejam atingidas pelo indivíduo, que
passa a vivenciar uma sensação de incerteza, desamparo e impotência contínua,
necessitando de repetidas respostas de adaptação à nova realidade1.

• Luto: na língua inglesa, utilizada por boa parte da literatura sobre luto e ci-
ências da saúde, diferentes termos são usados para descrever a reação de um

564
indivíduo diante de uma perda. O termo bereavement, em geral, é utilizado para
descrever o estado de perda diante da morte. Contudo, como exposto, as perdas
vão muito além disso, e, para descrever a resposta – não apenas emocional, mas
também física, comportamental, psicológica, social e espiritual – associada às
perdas em geral, em língua inglesa, é utilizado o termo grief. Já o termo mour-
ning se refere ao processo de adaptação, incluindo rituais culturais e sociais que
o acompanham. Tal processo envolve repostas adaptativas intrapsíquicas e in-
terpsíquicas –envolvendo dois ou mais indivíduos, por exemplo, em uma família
– que resultam da necessidade de aprender a viver diante da perda. Em portu-
guês, contudo, não existem traduções específicas para esses diferentes termos;
portanto, utiliza-se o termo “luto” de forma genérica para todas essas situações.
No entanto, isso pode gerar certa confusão, sendo necessário salientar que o luto,
em português, é abrangente, não se restringindo, como é comumente imaginado,
a situações de morte ou a rituais culturais (como vestir roupas pretas). Diversos
desfechos são possíveis como resposta de luto, tais como recuperar o equilíbrio,
desenvolver um “novo normal”, reencontrar sentido na vida e restabelecer a fun-
cionalidade em uma vida saudável. Contudo, alguns termos utilizados para des-
crever esse processo – como “recuperação” e “resolução” – não são adequados,
pois pressupõem um objetivo, um desfecho fixo com o qual o enlutado deve se
comprometer. Pelo contrário, o luto não é um processo linear, constante e previ-
sível, não existindo uma resposta “típica” que se aplique a todos. Embora existam
modelos para descrevê-lo, nem todos os indivíduos apresentam uma resposta de
luto que segue exatamente o que tais modelos descrevem, pois essa resposta é
algo tão individual quanto é a vida de cada um6.

• Perdas e luto não autorizados e/ou não reconhecidos: conforme exposto, é im-
possível definir o que representa uma perda para um indivíduo, pois fatores psi-
cológicos, sociais, culturais e espirituais estão envolvidos. Quando a perda que
desencadeia uma resposta de luto não é reconhecida pela sociedade, não pode ser
publicamente lamentada e socialmente apoiada, configura-se a situação de luto não
autorizado ou não reconhecido. Relacionamentos que não são socialmente reco-
nhecidos são exemplos desse tipo de luto e podem incluir – a depender do contexto
social – a perda de um cônjuge do mesmo sexo, de um amante em um relaciona-

565
mento extraconjugal, de um feto abortado, de um ex-cônjuge, de um filho biológico
que foi adotado por outros pais. O segundo tipo de luto não reconhecido envolve
perdas não reconhecidas, principalmente porque não envolvem a morte biológica,
como a perda da cognição em pacientes com demência que, apesar de estarem ain-
da biologicamente vivos, já não mais mantêm suas faculdades mentais. O familiar,
portanto, sofre uma perda desse indivíduo da forma como era conhecido, passando
a percebê-lo como “psicossocialmente morto”6,7. Já outras perdas, como a de partes
do corpo, podem ser minimizadas com falas como “fique feliz por você ainda es-
tar vivo!”6. Uma terceira forma de luto não reconhecido envolve enlutados que não
são reconhecidos como tais. São exemplos: crianças pequenas, pessoas com déficits
cognitivos e/ou deficiências intelectuais e pacientes psiquiátricos. Nesses casos, os
indivíduos podem ser privados do contato com a realidade por familiares, por serem
considerados vulneráveis demais para lidar com a situação. Embora a intenção seja
boa nesses cenários, a tentativa condescendente de poupar esses indivíduos do so-
frimento pela perda os priva de sua resposta de luto – como se fossem incapazes de
desenvolvê-la – e, assim, de exercer sua autonomia6,8. Ainda, alguns tipos de morte
são estigmatizados pela sociedade, principalmente devido à complexidade que os
circunda – como o suicídio – ou por conta do grande preconceito associado, como
a morte por consequências da AIDS6. Nessas situações, o enlutado tende a se sentir
estigmatizado pela sociedade, apresentando sentimentos de culpa e vergonha, se
retraindo socialmente e sendo impedido de abertamente expressar seu luto8.

• Luto antecipatório: trata-se de um conceito introduzido inicialmente por Lin-


demann, em 1944, para descrever as experiências vivenciadas antes de uma perda
significativa, mas a ela associadas. É, por exemplo, a vivência de luto que um pa-
ciente diagnosticado com uma doença neurodegenerativa, como a esclerose lateral
amiotrófica (ELA), pode ter diante da perspectiva de perda de seus movimentos
e, eventualmente, de sua morte, ambos eventos que ocorrerão com a progressão
da doença. Assim, para que se caracterize esse tipo de luto, é necessário que o pa-
ciente tenha o conhecimento de que a morte se aproxima e de que seu luto é uma
reação à perda que ainda não ocorreu. Essa resposta também pode incluir, além de
reações emocionais, a adaptação, o planejamento e a reorganização psicossocial,
que são desencadeadas em resposta à consciência da perda iminente. Tal processo

566
pode envolver tanto o paciente, mudando-o dinamicamente conforme a perda se
aproxima, quanto seus familiares. Por se tratar de um processo dinâmico e longi-
tudinal, que se estende desde o momento em que o indivíduo toma conhecimento
de que a morte se aproxima até o momento em que ela realmente ocorre, o luto
antecipatório envolve, com o decorrer da evolução da doença, perdas não apenas
futuras, mas também passadas e presentes. Por exemplo, o paciente com ELA pode
vivenciar a perda da capacidade de aproveitar uma corrida no parque, atividade
de que tanto gostava no passado, ou seja, antes do início da doença. Também pode
vivenciar a perda no presente de, com a evolução da doença, não mais conseguir
se levantar da cama. E, por fim, sofrer com a expectativa de perdas futuras, como
saber que a doença, com sua progressão, o tornará dependente de um respirador e,
em seguida, culminará em sua morte. Cada uma dessas diferentes perdas pode re-
sultar em uma reação e respostas de luto diferentes, o que reforça a complexidade
e a natureza dinâmica do luto antecipatório6.

• Resiliência: trata-se da capacidade de manter níveis relativamente estáveis e


saudáveis de funcionalidade física e psicológica diante da perda e do trauma6.
Isso contrasta com modelos teóricos do luto que pressupõem que toda resposta
normal à perda passa necessariamente por dor e sofrimento. Como consequên-
cia, ao contrariar tal pressuposto, a ausência de tal resposta seria um indício de
psicopatologia – uma forma de negação ou repressão do luto – ou então de falta
de apego ao falecido. Contudo, pesquisas apontam números consideráveis de en-
lutados que perderam seus cônjuges e não apresentam sofrimento ou depressão
significativa após a perda, nem mesmo disforia leve9. Esse achado levou muitos
autores a questionarem se, de fato, esse tipo de resposta seria algo patológico,
visto sua prevalência maior do que se imaginava. Passou-se, então, a propor o
conceito de resiliência para explicar esse tipo de resposta, que deixou de ser vista
como uma forma disfuncional ou patológica de “luto ausente”, além de tampouco
apresentar o risco de ser seguida por um “luto retardado”. Ao contrário, os indiví-
duos que apresentam essa resposta possuem traços de personalidade que promo-
vem maior resiliência inerente à perda, levando a uma rápida adaptação diante
da nova realidade, marcada por emoções positivas. Assim, é possível entender
que o luto não deve necessariamente ser atordoante para muitas pessoas6.

567
• Luto complicado ou prolongado: trata-se de uma resposta de luto anormal, ca-
racterizada por morbidade psicológica, social e física. Em linhas gerais, o sofri-
mento do enlutado é tão extremo que leva à incapacidade do indivíduo de atuar
em diversos domínios da vida, como o social e o ocupacional, por um período
longo o suficiente6. Diversos critérios foram propostos ao longo do tempo para
identificar a minoria de indivíduos que evolui com esse tipo de resposta de luto.
A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-
5) da Associação Psiquiátrica Americana (APA) introduziu o construto diagnóstico
experimental de transtorno do luto complexo persistente na seção “Condições
para estudos posteriores”. Estudos estimaram uma prevalência desse construto
experimental entre 2,4 a 4,8% dos enlutados, com maior frequência na população
do sexo feminino10. No entanto, o DSM-5 inicialmente relutou em considerar essa
complicação do luto como uma categoria diagnóstica independente devido à po-
lêmica quanto ao risco de medicalizar e estigmatizar um sentimento humano que
pode ser uma resposta normal de afeto e amor. Porém, estudos posteriores, apre-
sentados em um comitê de revisão do DSM-5, em 2019, levaram a APA a propor
a inclusão do diagnóstico, agora renomeado como transtorno do luto prolongado
(TLP), entre os transtornos psiquiátricos reconhecidos11. Antes da publicação de
uma nova edição revista do DSM, a APA abriu um período para comentários pú-
blicos entre abril e maio de 2020. Depois de revisar dados de pesquisas e avaliar
os comentários, a entidade divulgou os critérios propostos para o diagnóstico do
TLP e, em 7 de novembro de 2020, a Assembleia Geral da APA aprovou a inclusão
do transtorno no DSM-5-TR, a versão revista do DSM-5, publicada em março de
202211,12. Neste capítulo, usaremos os termos “luto complicado” para descrever
respostas de luto desadaptativas no geral, enquanto o termo “luto prolongado”
será usado como referência ao construto diagnóstico do TLP.

Perdas nas doenças crônicas


Perdas são inerentes às doenças crônicas, uma vez que a maioria delas resulta em
mudanças importantes na vida dos pacientes e daqueles ao seu redor. Tais perdas podem
envolver desde atos que, para a maior parte das pessoas, podem parecer corriqueiros
– como abotoar uma camisa em um paciente com doença de Parkinson – até incapaci-

568
dades extremas, como não conseguir mais reconhecer um filho devido a um quadro de-
mencial. Como exposto, a vivência da perda sofre influência dos mais variados fatores,
incluindo questões socioculturais e políticas de um determinado local e momento. Por
exemplo, a morte de um paciente com câncer em um centro de excelência em um país
desenvolvido pode desencadear uma resposta de luto muito diferente da observada em
um país em guerra, onde os recursos são escassos. Embora a morte seja um destino ine-
xorável de todos os seres humanos e haja elementos em comum na vivência de enlutados
pertencentes a diferentes culturas e cenários, a maneira como cada um vivencia a morte
é extremamente individual. Assim, é fundamental identificar e considerar as influências
culturais, espirituais e sociais sobre cada resposta de luto de forma individual13.
Um paciente com doença crônica pode sofrer perdas nos mais variados domínios de sua
vida, incluindo a sua segurança financeira sua e de família; seu sono; seus relacionamentos
(ou como eram antes da doença); a coesão e a harmonia familiar; seus planos para o futuro;
e suas expectativas para seus filhos, netos, entre outros. Por exemplo, um paciente diagnos-
ticado com glioblastoma multiforme em estágio avançado com 45 anos terá perdas que irão
muito além de sua morte. Esse paciente, de quem a família depende em grande parte para
prover sua renda, não mais poderá custear os estudos de seus filhos como antes planejava.
São perdas que vão além do material, pois perde-se o futuro como havia sido planejado.
Nessa linha, além de domínios da vida, as perdas também podem incluir conceitos
abstratos, como a liberdade e a independência (por exemplo, pacientes acamados ou
mesmo alguém que dependerá de auxílios financeiros externos para sobreviver por não
mais conseguir trabalhar); a dignidade (como um paciente que necessita de auxílio para
sua higiene pessoal); e o controle sobre a própria vida (por exemplo, um paciente com
uma doença que pode piorar a qualquer momento). O paciente pode perder papéis que
antes desempenhava, como no caso de um empreendedor responsável por gerir uma
empresa com milhares de funcionários, mas que agora se encontra incapaz de desempe-
nhar suas funções por conta de um quadro demencial. Em termos mais abstratos, essas
perdas podem tirar do indivíduo o senso de valor e de significado da vida quando afetam
justamente aquilo que era o sustentáculo da existência da pessoa, de sua visão de mundo
e de seu norte existencial.
Uma situação com características especiais é a observada nos quadros demenciais e em
outras doenças que afetam a cognição. Nesses casos, as perdas podem ter caráter ambí-
guo. Enquanto o paciente ainda está presente, vivo e muitas vezes até mesmo fisicamente
saudável, ele ao mesmo tempo “não está lá”. Perde-se o paciente como ele era, com seus
traços únicos de personalidade, sua capacidade de interagir com o mundo e até mesmo

569
de reconhecer seus entes queridos. Caso apresente momentos curtos de lucidez, a perda
se torna ainda mais ambígua, pois o familiar pode achar difícil não pensar que, existindo
tais momentos, o paciente poderia ser capaz de manter sua cognição preservada por todo
o tempo. Quando a lucidez acaba e o paciente “deixa de estar presente”, o familiar sente,
então, enorme frustração e decepção. Esse luto, justamente pelo fato de o paciente ainda
estar fisicamente presente, como exposto, pode não ser reconhecido pela sociedade, o
que pode agravar ainda mais o sofrimento do familiar, culminando inclusive em situações
patológicas de estresse do cuidador, tópico abordado em maiores detalhes no Capítulo 33.

Dinâmicas familiares diante da perda nas doenças crônicas


A relação do paciente e de seus familiares com a perda, como exposto, é extremamente
complexa. Assim, mesmo perdas consideradas “desejadas”, como o divórcio em um casa-
mento abusivo, podem gerar resposta de luto. Isso ocorre porque, nesse exemplo, embora
a pessoa deseje o término do casamento por questões psicológicas e afetivas, a perda da es-
trutura social – ou da instituição representada pelo casamento – pode alterar o modo como
se vive a vida e se percebe o presente e o futuro4. Assim como o casamento, para muitos, a
estrutura familiar tem papel integrante e fundamental na forma como construímos nossa
visão de mundo sob o aspecto social.
Contudo, diferentes dinâmicas interpessoais dentro da mesma família podem in-
fluenciar esse fenômeno. Assim, o luto de cada membro da família terá características
próprias, influenciadas pela relação do familiar com a pessoa que faleceu. Como resul-
tado, alguns familiares podem ver a perda como devastadora; outros podem conside-
rá-la perturbadora; mas outros, em contrapartida, podem considerá-la um alívio14. Em
particular, quando se perde um familiar que foi tão importante na definição do sujeito e
do seu mundo, o luto pode assumir características especiais e resultar em sensações no
enlutado de desorganização, confusão, incerteza sobre si mesmo, incerteza sobre o que
fazer com o que aconteceu, falta de confiança e perda de significado na vida4.
Em linhas gerais, na maior parte das vezes, a doença obriga cuidadores e familiares a se
ajustarem à nova realidade, incluindo as novas necessidades do seu ente querido que pas-
sa a necessitar de cuidados especiais15. Alguns pacientes, antes provedores e dos quais os
demais familiares eram dependentes, se veem, durante o curso da doença, dependentes
de seus entes queridos. Essa inversão de papéis, com perdas de antigas funções e a necessi-
dade de adquirir novas atribuições, pode causar grande turbulência na dinâmica familiar.
Em alguns casos, mesmo mudanças menos drásticas aos olhos da maioria, como a perda
de alguém com quem se compartilhavam tarefas corriqueiras, ou simplesmente a perda

570
de alguém com quem conversar, podem gerar grande impacto em uma família.
Do ponto de vista do familiar, as novas demandas associadas ao cuidar podem resultar
em restrições à autonomia pessoal e supressão das necessidades pessoais. Como resulta-
do, o familiar precisa abrir mão de seus próprios planos – como uma família que precisa
usar suas economias, que estavam reservadas para a compra de uma casa própria, para
custear um tratamento dispendioso.
Essas implicações profundas na dinâmica familiar podem gerar atritos e impactar ne-
gativamente a comunicação com a equipe de cuidados paliativos, tópico discutido em
detalhes no Capítulo 32 deste livro. É fundamental, portanto, que os médicos das varia-
das especialidades, incluindo a atenção primária, assim como outros profissionais da
saúde, entendam essas dinâmicas para ter sensibilidade e habilidades técnicas que os
tornem capazes de identificá-las. Assim, é possível não apenas evitar interferências na
relação com os familiares, como também exercer o papel fundamental que todos esses
profissionais têm no manejo do luto, o que inclui fornecer suporte diariamente e identi-
ficar situações de risco para respostas disfuncionais e patológicas.

Luto antecipatório nas doenças crônicas


Justamente por terem curso clínico arrastado, evoluindo ao longo de grandes perío-
dos de tempo, as doenças crônicas frequentemente se associam ao luto antecipatório.
Ao longo de sua evolução, são várias as perdas sofridas, que podem gerar sofrimento
antecipado que acompanha o decorrer da doença desde o momento de seu diagnóstico.
Isso resulta em uma vivência extremamente perturbadora, caracterizada por um inten-
so sentimento de ambivalência. Isso porque enquanto o paciente e seus familiares vi-
venciam, no presente, uma realidade ainda sem a perda, convivem com o sentimento
constante de estresse diante da consciência de que ela é inevitável, sendo apenas uma
questão de tempo até que ocorra.
Esse sentimento pode gerar um sofrimento adicional em relação àquele que decorre
da morte, pois o ente querido ainda está fisicamente presente e muitas vezes necessita
de cuidados cada vez maiores, exigindo-se da família cada vez mais esforços de adapta-
ção a essas novas necessidades e a esse novo contexto. Para manter sua funcionalidade
e suprir essas novas demandas, muitas vezes os familiares se veem obrigados a inibir
suas expressões de luto. Como resultado, surgem diferenças importantes em relação
ao luto que sucede a perda, pois o luto antecipatório tende a se associar à intensifica-
ção do vínculo com o ente querido, já que este se torna mais dependente com o passar
do tempo. Assim, a preocupação com a pessoa aumenta progressivamente, ao passo

571
que, no luto que sucede a perda, o sofrimento tende a diminuir conforme se vai apren-
dendo a viver sem a presença do ente querido16.
As demandas crescentes que a doença gera sobre o cuidador podem resultar em um estres-
se cada vez maior, dando origem a pensamentos e desejos de que “tudo acabe logo”. Como
resultado, o cuidador pode ter sentimentos de culpa ou vergonha por ter esse tipo de pen-
samento. Contudo, é necessário entender que esse tipo de reação é normal em um contexto
como esse15. O profissional de cuidados paliativos deve, portanto, atentar-se para evitar jul-
gamentos, de forma a validar os sentimentos do cuidador e apoiá-lo ao longo desse processo.
Outra situação que pode ocorrer é uma atitude generalizada de esquiva, muitas vezes
influenciada pelo contexto sociocultural, em que se evita falar e pensar sobre a morte,
mesmo que se tenha conhecimento de que ela é um evento inexorável ao fim da evolução
da doença. Essa também pode ser uma tentativa de se blindar do sofrimento emocional,
de forma a buscar seguir adiante enquanto se enfrentam os novos desafios impostos pela
doença. O cuidador deve suprimir sua dor para manter a capacidade de cuidar, muitas ve-
zes se protegendo com uma atitude positiva de fachada, mas que, na verdade, se caracteri-
za pela alienação e negação de um desfecho que é inevitável: a morte de seu ente querido17.
O luto é, assim, inibido e deixa de ser reconhecido18.
Por conta disso, muitos cuidadores relatam que o período de evolução da doença até o
óbito é um tempo de espera durante o qual apenas sobrevivem, abrindo mão de atividades
pelas quais anteriormente se interessavam e privando-se de contatos sociais. O mundo
pode passar a ser monótono, a vida passa a ser limitada e o futuro se torna nebuloso17.
O período que antecede a morte não deve necessariamente ser marcado por respostas
disfuncionais e inibição das respostas de luto. Ao contrário, pode servir de oportunidade
para respostas adaptativas e desenvolvimento da resiliência, pois permite que tanto o
paciente como seus familiares se preparem emocionalmente para o desfecho inevitável.
Surge a oportunidade de esclarecer questões não resolvidas, readequar planos de vida,
completar tarefas e adaptar-se ao novo futuro. É o caso, por exemplo, de um pacien-
te diagnosticado com câncer avançado que terá tempo para realizar um planejamento
sucessório mais adequado ao novo cenário. Com isso, o indivíduo conseguirá evitar en-
traves legais que poderiam resultar no bloqueio de seu patrimônio para os familiares,
privando-os de, por exemplo, financiar seus estudos ou outros projetos. Perdas abruptas,
por outro lado, dificultam esse tipo de adaptação.
A Escala de Luto Antecipatório (Anticipatory Grief Scale), com 13 itens (AGS-13)19, avalia
as reações comportamentais e emocionais do luto em cuidadores e familiares em cuida-
dos paliativos, podendo ser uma ferramenta de pesquisa útil para o luto antecipatório.

572
Seu uso clínico ainda é limitado, pois não foi validada em português, sendo necessários
mais estudos com a ferramenta.

Modelos de enfrentamento ao luto


Como exposto, embora a morte seja parte da condição natural da vida humana, não
existe apenas uma forma de responder a ela. Ao contrário, a forma como enfrentamos o
luto é uma expressão de nossa individualidade. Apesar disso, ao longo da história, foram
propostos modelos teóricos para explicar as reações emocionais e comportamentais
diante da perda. Os principais modelos serão discutidos a seguir.

Teoria psicanalítica freudiana


Sigmund Freud foi um dos primeiros a estudar o luto e propor modelos teóricos para
explicá-lo em uma de suas principais obras, Luto e Melancolia2,6. Nela, descreveu o luto
como reação à perda de um objeto (que pode ser uma pessoa ou um conceito abstrato)
ao qual o indivíduo direcionou grande investimento de “energia psíquica”, conhecida na
teoria freudiana pelo termo “libido”2. Esse processo de investimento de libido em um ob-
jeto foi denominado por Freud como “catexia objetal”, que pode atingir níveis extremos,
por exemplo, quando o indivíduo desiste até mesmo de sua própria personalidade em
favor do objeto ao qual está dirigindo sua libido20.
Após a perda, Freud propôs que o indivíduo deve realizar o que chamou de “trabalho de
luto”, que consiste no esforço de deixar de direcionar a libido ao objeto perdido, reconhecen-
do que ele já não mais faz parte da realidade. Esse trabalho é normal, saudável, mas pode en-
contrar resistência e oposição por parte do “ego”, resultando em dor psíquica. Essa oposição à
exigência com a qual agora o ego se depara, ou seja, de retirar a libido do objeto perdido, pode
ser tão intensa a ponto de distorcer a percepção da realidade, levando o ego a uma busca in-
cansável pelo objeto perdido na tentativa de recriá-lo e de salvá-lo. Predomina a ambivalência
entre a realidade da perda e essa resistência em desapegar do que foi perdido. Isso ocorreria
porque, segundo Freud, o ego resiste o abandono de posições prazerosas já experimentadas,
ou seja, se opõe a retirar a libido de um objeto ao qual dedicou grande investimento psíquico2.
No entanto, apesar da resistência e das dificuldades inerentes ao processo, a ausência do
objeto se faz presente no dia a dia da realidade do indivíduo, se impondo ao ego, que, exaus-
to, desiste dessa busca incansável pelo objeto perdido. O trabalho de luto normal resulta no
respeito à realidade, quando o ego finalmente aceita a ausência do objeto perdido, ainda que
isso leve tempo e consuma grande energia psíquica. A libido passa, então, a ser direcionada
a outros objetos. Inicialmente, contudo, isso também não é aceito pelo ego, nele produzindo

573
sentimentos de ambivalência e de culpa. Porém, quando o trabalho de luto se conclui, o ego
se vê novamente livre para novos investimentos, agora sem culpa ou inibições2.
Segundo Freud, o trabalho de luto também é uma busca por autoconhecimento, pois,
dada a subjetividade inerente à perda, apesar de se saber o que ou quem foi perdido – o
objeto –, raramente o significado dessa perda é evidente logo de início. É no trabalho de
luto, portanto, que o ego significará e ressignificará o vínculo com o objeto perdido. Após
concluído o trabalho de luto, as experiências vividas na realidade externa com o objeto
perdido são internalizadas, passando a compor a realidade psíquica interna do indivíduo2.
Freud também descreveu a situação em que esse processo se desvia da normalidade,
gerando grande sofrimento à pessoa. Chamou esse cenário de “melancolia”, que hoje se
entende por depressão clínica6.

Teoria do Apego e estágios do luto segundo Bowlby


Baseando-se em parte no trabalho do psiquiatra britânico Colin Murray Parkes21, o
também psiquiatra e psicólogo britânico John Bowlby desenvolveu a Teoria do Apego
ao rever conceitos psicanalíticos e estudar o desenvolvimento de laços afetivos – ou o
apego – entre bebês e seus genitores para explicar a relação entre seres humanos. Para
Bowlby, o vínculo entre a criança e a figura materna ou do cuidador era instintivo, sendo
necessário, portanto, diferenciá-lo dos comportamentos que são aprendidos22. O luto, da
mesma forma, seria uma resposta instintiva, adaptativa e valiosa para a sobrevivência6.
Tanto Bowlby quanto Parkes eram teóricos que enxergavam o luto dividido em está-
gios, que progridem linearmente até que o enlutado atinja a resolução. Para descrever a
resposta de luto, Bowlby propôs quatro estágios gerais observados em quadros normais,
com respostas não complicadas6. São eles23:

• Entorpecimento: trata-se de uma reação imediata à perda, na qual o indivíduo apre-


senta uma resposta inicial de torpor e negação. O enlutado fica confuso e “não sabe”
o que sentir, parecendo não sentir nada. Pode ter rápida duração ou se prolongar por
dias;

• Anseio e busca: o indivíduo apresenta grande inquietação e aflição em uma busca


intensa para recuperar o ente perdido. Ele chora e chama pela pessoa perdida, em um
desejo persistente e obsessivo pela pessoa que morreu. Pode durar até mesmo meses
ou anos, apesar de se atenuar com o tempo;

574
• Desorganização e desespero: estágio de intensa dor no qual se começa a assimilar a
realidade da perda, pois fica mais claro o vazio deixado por ela. O enlutado pode se
retrair e se isolar socialmente, absorto em suas memórias do falecido. Podem sur-
gir sintomas como desmotivação, apatia, humor deprimido, insônia e perda de peso,
bem como o sentimento de perda de sentido da vida;

• Reorganização e reelaboração: nessa fase, o enlutado termina de assimilar a perda, a


reconhece e começa a se adaptar à nova realidade. Em média, ocorre dois anos após a
perda, embora haja grande variabilidade. Retomando a teoria psicanalítica, nesta fase
o enlutado está pronto para investir em outros objetos. Surgem, assim, novos víncu-
los, novos papéis, novos projetos e uma nova realidade na vida do enlutado.

Para Bowlby, o luto complicado se origina de desvios da normalidade envolvendo o mo-


mento de início, a intensidade e/ou a duração de cada estágio. Ou seja, os sentimentos de
desespero, raiva, saudade, ansiedade e entorpecimento, além do protesto pela perda, da
busca incessante pelo falecido e do desejo de juntar-se a ele, não são patológicos por si só,
mas partem do processo de assimilar a perda na realidade psíquica interna do indivíduo.
Porém, o luto normal pressupõe a aceitação da perda com o tempo. Caso isso não ocorra,
o processo se desviou da normalidade, caracterizando-se como luto complicado6.
Críticos ao modelo de estágios argumentam que, nele, o enlutado é visto como um agen-
te passivo no processo de luto. Também apontam que são limitadas as evidências empíri-
cas que apoiam a existência de tais estágios e que os primeiros estudos nos quais o modelo
se baseou, como os de Parkes, apresentam vieses importantes. Entre eles está o domínio
de viúvas jovens, brancas e de classe média na amostra estudada. Além disso, o modelo
seria muito rígido, o que iria contra a diversidade e individualidade das reações de luto23.

Modelo do Processo Dual de Luto, de Stroebe e Schut


O Modelo do Processo Dual de Luto foi publicado por Stroebe e Schut em 1999 e tem
como princípio central o conceito de oscilação, que é parte do luto saudável. Trata-se de
um processo dinâmico de alternância estressante entre dois estados: um orientado para
a perda e outro orientado para a restauração. Assim, o modelo se diferencia dos demais
ao não propor estágios fixos e bem delimitados para a resposta de luto, mas um curso
fluido e alternante. Os dois polos são assim definidos6,24:

• Orientação para a perda: ocorre a intrusão do luto na vida do enlutado e um intenso

575
trabalho de luto, marcado por resistência à restauração na forma de negação ou evita-
ção da perda. Há uma busca dolorosa pela pessoa perdida, mas também ocorre uma
quebra de vínculos ou laços com o falecido;

• Orientação para a restauração: o enlutado busca seguir em frente com uma vida saudá-
vel, aceitando as mudanças que nela ocorreram e buscando novos planos e interesses,
adaptando-se à nova realidade. Assim, o enlutado passa a negar, evitar ou afastar o luto.

Tanto os processos orientados para a perda quanto os orientados para a restauração


envolvem o enfrentamento da perda. A diferença entre os dois está no significado ou no
foco que se dá a esse enfrentamento6. A Figura 1 é uma representação esquemática do
Modelo do Processo Dual de Luto conforme proposto por Stroebe e Schut.

FIGURA 1. REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DO MODELO DO PROCESSO DUAL DE LUTO CONFORME


PROPOSTO POR STROEBE E SCHUT

Experiências da vida cotidiana

Orientadas à perda Orientadas à restauração

- Trabalho de luto; - Atentar-se às mudanças na vida;


- Intrusões do luto; - Fazer novas coisas;
- Quebra de vínculos e laços; - Distrações do luto;
- Negação e evitação de mudanças - Negação/evitação do luto;
associadas à restauração. - Novos papéis, identidades e
relacionamentos.

ADAPTADO E TRADUZIDO DE: STROEBE ET AL., DEATH STUD 199924.

É importante salientar que o termo restauração, como proposto pelo Modelo do Pro-
cesso Dual de Luto, não se refere a uma busca por restaurar o mundo como era antes da
perda. Ao contrário, faz referência aos esforços de adaptação à nova realidade. Assim, o
que se restaura é a capacidade de viver de forma saudável e funcional no presente e no
futuro6. Isso não significa esquecer o passado, pois pressupõe o entendimento de que o
passado e a pessoa perdida, embora não existam mais, continuam a ter importância no
planejamento do futuro. O modelo também entende que a ênfase no enfrentamento do
luto pode diferir entre grupos culturais, indivíduos e momentos no tempo.

576
Estágios do luto segundo Elisabeth Kübler-Ross
A psiquiatra norte-americana Elisabeth Kübler-Ross propôs um modelo de luto com
cinco estágios, publicado em seu famoso livro Sobre a Morte e o Morrer (On Death and
Dying), de 1969. Seu trabalho originalmente se baseou na observação de pacientes ter-
minais que se aproximavam da morte, ou seja, vivenciavam um luto antecipatório. No
entanto, o modelo é também aplicado com frequência ao luto que ocorre após a perda23.
O trabalho de Kübler-Ross é importante por trazer um olhar mais humanístico ao pro-
cesso da morte, chamando a atenção para a necessidade de se reforçarem os vínculos
com o paciente. Kübler-Ross jogou, portanto, os holofotes da opinião pública sobre os
pacientes terminais, antes muitas vezes negligenciados. Ela argumentou que muitos de-
les ainda têm “negócios inacabados” que desejam e precisam resolver. Portanto, devem
ser ouvidos para que tais tarefas e necessidades sejam corretamente identificadas, de
forma a ser possível prestar um cuidado eficaz no fim da vida.
Os cinco estágios não são fixos, podendo ser vividos fora da ordem descrita ou até
mesmo simultaneamente. David Kessler, seu coautor em trabalhos anteriores, deu se-
guimento ao trabalho de Kübler-Ross após sua morte e acrescentou um sexto estágio do
luto26. Os seis estágios são os seguintes25,26:

• Choque e negação: trata-se de uma reação inicial de incredulidade, em que o paciente


fica “adormecido”. A negação da situação é uma forma de o paciente se proteger da-
quilo com o que não consegue lidar. Conforme a realidade da ameaça à vida se impõe,
o paciente busca uma maneira de seguir em frente e, inconscientemente, inicia o pro-
cesso de aceitação. Conforme ele progride, a negação vai desaparecendo, mas os sen-
timentos que estavam sendo evitados começam a emergir. Alguns pacientes podem,
contudo, nunca progredir para além desse estágio. Como resultado, podem buscar
outras opiniões médicas, exames, procedimentos, entre outras fontes de reassegura-
mento, para sustentar sua negação. O paciente também pode tentar racionalizar sua
condição ou focar em detalhes da rotina como forma de evitar o sofrimento;

• Raiva: neste estágio, emergem sentimentos de frustração e de raiva. O paciente fica


irritado com sua condição e questiona “por que eu?”. É um estágio delicado na relação
com familiares, cuidadores e com a equipe de saúde, pois essa raiva pode ser deslo-
cada para eles. A raiva também pode ser deslocada para o próprio paciente, que ques-
tiona se fez algo errado na vida e se culpa por isso. Além disso, pode gerar conflitos
espirituais importantes se for deslocada para Deus, por exemplo, quando o paciente

577
pergunta: “por que Deus me abandonou?”. A raiva é acompanhada de dor, o que gera
grande sofrimento ao paciente. Pessoas próximas, que poderiam prover conforto e
cuidados, podem se afastar por terem sido alvo da irritabilidade, que geralmente re-
pele as pessoas. Isso gera ainda mais dor ao enlutado;

• Barganha: o paciente pode recorrer à fé em uma tentativa de se redimir de seus ar-


rependimentos e dos erros que acredita ter cometido. Passa a repensar como seria se
tivesse tomado outras decisões. Pode recorrer a promessas, penitências, sacrifícios e
doações em troca do milagre da cura. Também pode tentar barganhar com médicos e
amigos pela cura;

• Depressão: o paciente passa a apresentar sinais e sintomas que são associados à de-
pressão, como humor constrito, diminuição da psicomotricidade, alterações do sono,
sentimentos de desesperança e, em alguns casos, ideação suicida;

• Aceitação: o paciente finalmente aceita que a morte é algo inevitável e um destino


universal;

• Ressignificação: sexto estágio adicionado a posteriori, no qual o paciente busca res-


significar sua vida, agora no contexto do término que se aproxima, tentando encon-
trar um sentido.

Apesar de muito populares, a Teoria dos Estágios de Kübler-Ross é alvo de muitas crí-
ticas, como o fato de a psiquiatra nunca ter documentado seu material e nunca ter es-
clarecido como coletou seus dados ou quantos pacientes vivenciaram cada reação como
foi descrito. Além disso, apesar de Kübler-Ross tentar reforçar que os estágios não são
lineares, seu livro deixa a impressão de que eles devem ser seguidos linearmente, o que
pode ignorar a individualidade da resposta de luto. Também não fica claro se os pacien-
tes devem se enquadrar nesses estágios, o que incluiria necessariamente evoluir para a
aceitação, ou se devem realmente abandonar a negação, pois muitas vezes ela permite
que o paciente mantenha a esperança e se envolva mais com seu cuidado27.

Tarefas de luto
William Worden identificou quatro categorias de reações emocionais que são comuns
no luto agudo: sentimentos, sensações físicas, cognições e comportamentos. Todas são

578
consideradas normais, a menos que continuem por um longo período de tempo ou se-
jam muito intensas. Um indivíduo pode ter uma das reações, várias ou todas. Elas podem
ser muito fortes por algum tempo e depois diminuir, ou podem não ser tão fortes, mas
durar muito tempo28.
Worden também propôs um modelo baseado em “tarefas” de luto, em que o indivíduo
deve trabalhar, de forma proativa, para elaborar seu processo de luto, retomando o con-
trole sobre a própria vida. Segundo o pesquisador, o processo de luto é fluido, ou seja,
o enlutado pode trabalhar simultaneamente em várias tarefas, que também podem ser
revisitadas e retrabalhadas ao longo do tempo. As quatro tarefas que devem ser comple-
tadas para que o luto seja elaborado são as seguintes6,28:

• Aceitar a realidade da perda: envolve superar a negação ao reconhecer e aceitar a


realidade da perda;

• Elaborar a dor: sentir dor é reconhecido como algo normal, a menos que seja incapa-
citante. Ela deve ser validada e reconhecida;

• Adaptar-se ao ambiente sem o ente perdido: o enlutado deve buscar entender o signi-
ficado da relação em sua vida, os papéis desempenhados por cada um, ajustando-se ao
fato de que o falecido não mais os cumprirá. Pode ser necessário que o enlutado desen-
volva novas habilidades para assumir esses papéis antes desempenhados pelo falecido;

• Encontrar uma conexão com o indivíduo enquanto se continua com a vida: envolve res-
significar a relação com o falecido para que permaneça algo prazeroso, mas agora no
contexto de uma nova realidade após a morte. Isso necessita que a identidade pessoal
do enlutado seja revista, de forma a evitar uma sobrecarga pelo passado que se foi e a
aumentar a qualidade de vida no futuro, que prevê abertura a novos relacionamentos.

O processo de luto dos “Seis Rs”


A psicóloga norte-americana Therese Rando propôs o modelo dos “seis Rs” para a
resposta de luto saudável. Eles são6:

• Reconhecer a perda: entender e admitir a perda;

• Reagir à separação: vivenciar a dor da perda, sentindo e expressando as reações emo-

579
cionais a ela e a perdas secundárias;

• Relembrar e reviver sentimentos, o ente perdido e o relacionamento com ele de for-


ma realística;

• Renunciar: abrir mão de antigos vínculos com o falecido e da realidade anterior;

• Reajustar-se à nova realidade, sem esquecer do passado, estabelecendo uma nova


relação com o falecido e adotando novas formas de estar no mundo, além de uma
nova identidade;

• Reinvestir: procurar novos interesses, planos e realidades.

Os “seis Rs”, segundo Rando, seguem um ao outro e estão relacionados entre si, mas
também podem ocorrer simultaneamente. A sequência em que ocorrem também pode
variar, e os enlutados podem iniciar um processo e depois voltar para o anterior e vice-
-versa, em movimento não linear e oscilante6.

Controvérsias envolvendo os modelos teóricos de luto e novas abordagens: fluidez,


resiliência, vínculo contínuo, busca por significado e aspectos sociais
Os modelos teóricos da resposta de luto descritos até aqui vêm sendo repensados re-
centemente, à luz de críticas a seus conceitos e novos estudos sobre o tema. Estudos longi-
tudinais de longo prazo falharam em demonstrar que a resposta adaptativa de luto segue
estágios29. Novas teorias, como o Modelo do Processo Dual de Luto, de Stroebe e Schut,
romperam com esse conceito, propondo, ao contrário, um modelo em que a resposta de
luto é mais fluida e cíclica, na qual o vínculo com o falecido é frequentemente revisto6.
Além disso, estudos também demonstram que a negação e a raiva não são tão fre-
quentes como sugerido pelos modelos teóricos, que parecem subestimar a capacidade
de resiliência dos seres humanos. De fato, em muitos estudos, a aceitação da morte se
mostrou a resposta mais comum do luto adaptativo, já estando presente logo no início
em muitos casos, enquanto a dor e a depressão foram preditoras de sofrimento de lon-
go prazo29. Esses achados corroboram a teoria sobre resiliência, que defende que a au-
sência de sofrimento não indica patologia e é, inclusive, predominante nos enlutados6.
Ademais, estudos também mostram que a maioria deles tende a se adaptar após alguns
meses, com ou sem aconselhamento. Aparentemente, porém, quando a morte se deve

580
a causas violentas (acidentes, suicídio e homicídio), a negação predomina inicialmente,
enquanto a raiva e a depressão persistem por longos períodos6,29.
Outro grande alvo de críticas desses modelos é o fato de que boa parte deles se baseia
no conceito de “descatexia”, ou seja, o contrário da catexia objetal, que envolve o “de-
sinvestimento da energia psíquica” do objeto perdido. A manutenção de algum tipo de
vínculo continuado com o falecido, por sua vez, é considerada por alguns teóricos como
algo negligenciado ou desvalorizado na maioria dos modelos teóricos de luto. Assim,
atualmente, alguns trabalhos propõem o fortalecimento do vínculo com o falecido, o
que seria algo mais saudável e comum em diversas culturas humanas. Esse vínculo con-
tínuo poderia ser uma representação interna ou uma conexão contínua e de caracterís-
ticas dinâmicas com o ente perdido, de forma que o falecido permaneça exercendo uma
presença na vida do enlutado que, embora transformada ou alterada, é perene. Para
isso, é necessário negociar e renegociar o significado da perda ao longo do tempo. Em
linhas gerais, portanto, não é mais unanimidade a crença de que o luto saudável envolve
a renúncia a esse vínculo afetivo, embora ainda não haja consenso sobre quais de suas
características definiriam se o processo é normal ou patológico6,29.
Outros teóricos vêm colocando ênfase na busca por um sentido durante o processo
de luto. Estudos mostram que encontrar um significado diante da perda prevê maior
bem-estar e resiliência a longo prazo, o que pode ser especialmente crítico nos casos de
morte violenta. Uma busca dolorosa, incapaz de encontrar sentido, pode, em contrapar-
tida, causar grande sofrimento6.
A busca por sentido pode ter dois componentes. O primeiro é a busca por um significa-
do propriamente dito, ou seja, a capacidade de entender a perda e/ou encontrar alguma
explicação para ela, que pode ser filosófica ou espiritual. Já o segundo envolve a busca
por benefícios, ou seja, algum lado “bom” da perda, sejam consequências positivas sociais
ou pessoais. Exemplos de benefícios incluem novas prioridades de vida e conexão mais
próxima com outras pessoas. Aparentemente, a busca por um significado parece ser mais
importante para melhores desfechos do luto do que a busca por benefícios6.
O papel do meio social também é outro aspecto que é alvo de debate. A maioria dos
modelos de luto coloca a responsabilidade por um luto “de sucesso” quase inteiramente
sobre o enlutado, sem considerar o meio social que o circunda. No entanto, maior foco
vem sendo dado ao papel dos processos familiares e da influência cultural sobre o luto,
conferindo-lhe um elemento de natureza transacional. Assim, segundo essa visão, o sig-
nificado da perda para um indivíduo seria indissociável dos significados familiares, co-
munitários e sociais atribuídos a ela. Além da nova realidade intrapsíquica e individual,

581
agora sem a presença do ente querido, o enlutado deve se adaptar também a uma nova
realidade de relações interpessoais que surge. Esse processo depende da relação com
outras pessoas, que envolve elementos como a aprovação, o apoio, a desaprovação e o
afastamento do enlutado, conforme as características de seu luto29.
Destarte, depreende-se que, embora úteis, muitos dos modelos teóricos do luto até
então dominantes apresentam lacunas que limitam a compreensão da resposta à perda.
Em especial, conceitos como resiliência, vínculos contínuos, busca por um sentido e o
papel do meio social não são adequadamente abordados por muitos dos modelos vigen-
tes. A estrutura baseada em estágios também é limitante e “engessada”, dificultando uma
compreensão individual do luto, e, por conta disso, vem dando lugar a novas teorias que
propõem um processo mais dinâmico e fluido. Acima de tudo, deve-se buscar um enten-
dimento do luto que considere sua heterogeneidade, o que também é importante para
guiar a intervenção nos casos que não evoluem como o esperado29.

Luto complicado ou prolongado


O luto é uma resposta normal à perda, mas, em alguns casos, pode evoluir para um
estado de disfuncionalidade, com grande sofrimento ao enlutado e prejuízo a sua quali-
dade de vida. O conceito diagnóstico mais recente é o do TLP, proposto pelo DSM-5-TR12
e publicado pela APA em 2022, como já conceituado neste capítulo.
Em seu site oficial, a APA ressaltou as peculiaridades do momento em que o TLP foi
reconhecido como um transtorno específico, marcado pelas mais de 675 mil mortes de-
correntes da covid-19 à época registradas nos Estados Unidos, que, segundo a entidade,
podem ter tornado o TLP mais prevalente30.

Fatores de risco para o luto complicado ou prolongado


Já na década de 1970, Parkes identificou fatores de risco para respostas de luto disfun-
cionais em pesquisas longitudinais com viúvas inglesas. Os fatores de risco identificados
foram: status socioeconômico mais desfavorável, pouco tempo para se preparar para a
morte do cônjuge, saudade intensa e prolongada do marido morto e a coexistência de
outros estressores, incluindo dificuldades conjugais31. Como exposto, no entanto, os es-
tudos de Parkes com viúvas inglesas são criticados pelo risco de vieses, como o fato de a
amostra ser composta predominantemente por viúvas jovens, brancas e de classe média.
O luto não autorizado ou não reconhecido é outro fator de risco também descrito para
respostas desadaptativas. Isso porque a própria natureza desse tipo de luto cria proble-
mas adicionais, ao mesmo tempo em que priva o enlutado de fontes de apoio. A for-

582
ma de expressar o luto também é afetada, incluindo reações emocionais intensificadas
(por exemplo, raiva, culpa ou impotência), relacionamentos ambivalentes e problemas
causados por perdas secundárias (como aquelas envolvendo questões legais e financei-
ras). Ademais, o enlutado pode ter direitos tolhidos, acabando por ser privado de fatores
que, em situações normais, facilitariam o luto (como a possibilidade de planejar ritu-
ais fúnebres e deles participar). Nessas situações, a obtenção de apoio social também
é dificultada, já que ao enlutado não é permitido, por exemplo, faltar ao trabalho, falar
sobre a perda, receber expressões de conforto ou encontrar consolo em alguma tradição
religiosa6. Isso fica evidente, por exemplo, nas grandes catástrofes, acidentes naturais e
pandemias, pois o enlutado, além de sofrer perdas primárias (a morte do ente querido
em si), também pode sofrer perdas secundárias, como emprego, casa e documentos. É
o caso da pandemia da covid-19, em que muitos enlutados foram privados de rituais de
passagem e de apoio social por conta de medidas sanitárias protetivas impostas devido
ao risco de contaminação, como o isolamento social e a proibição de enterros.
Fatores de risco descritos para o TLP pelo DSM-5-TR incluem mortes com as seguintes
características: súbitas e/ou violentas (suicídio ou assassinato, por exemplo); que não
representem a ordem natural (por exemplo, a morte de um filho); que envolvem um
cônjuge/parceiro; e que se associa a estressores de ordem financeira. Enlutados que
apresentavam grande dependência do ente querido falecido também apresentam maior
risco, assim como crianças que são privadas do cuidador e de apoio12.

Quadro clínico do transtorno do luto prolongado


Segundo o DSM-5-TR, o TLP é marcado por um sentimento de saudades intensas do
falecido e/ou preocupação envolvendo pensamentos sobre o falecido ou, em crianças e
adolescentes, as circunstâncias em torno da morte. Essas reações de luto ocorrem na
maior parte do dia, quase todos os dias, durante ao menos o último mês. O indivíduo ex-
perimenta sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social,
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida.
Ademais, devem estar presentes ao menos três dos seguintes sintomas: perturbação
da identidade (por exemplo, sentir como se parte de si tivesse morrido); sensação intensa
de incredulidade quanto à morte; evitação de lembranças de que a pessoa faleceu (em
crianças e adolescentes, pode ser caracterizada por esforços para evitar tais lembranças);
dor emocional intensa (por exemplo, raiva, amargura e tristeza) relacionada à morte; difi-
culdade de seguir em frente após a morte do ente querido (por exemplo, problemas para
se relacionar com amigos, seguir seus próprios interesses e planejar o futuro); anestesia

583
emocional (ou seja, ausência ou redução acentuada na intensidade da emoção, sentir-se
atordoado) como resultado da morte; e solidão intensa (ou seja, sentir-se sozinho ou dis-
tante dos outros) como resultado da morte. Ainda, tal quadro de luto deve exceder, em
intensidade e duração, as normas sociais, culturais e religiosas que seriam esperadas para
a cultura e contexto do paciente. Por fim, os sintomas não podem ser melhor explicados
pelo transtorno depressivo maior ou outro transtorno psiquiátrico12,30.
O diagnóstico do TLP exige que o quadro se prolongue por mais de 12 meses após a mor-
te da pessoa querida, período que contrasta com o exigido pela CID-11, conforme será dis-
cutido a seguir neste capítulo. Dados mostram, no entanto, que pacientes que preenchem
os critérios para o TLP antes de preencher o critério temporal, ou seja, mais precocemen-
te, apresentam mais risco de progressão para TLP ao se completar o período de tempo
necessário para o diagnóstico. Outros fatores de risco serão discutidos adiante32. O Quadro
1 elenca os critérios diagnósticos do TLP, conforme propostos pelo DSM-5-TR.

QUADRO 1. TRANSTORNO DO LUTO PROLONGADO, SEGUNDO O DSM-5-TR

A. Morte, há ao menos 12 meses, de uma pessoa que era próxima ao enlutado (para crianças e adolescentes, ao
menos seis meses antes).

B. Desde a morte, houve resposta de luto caracterizada por um ou ambos dos seguintes achados, em grau
clinicamente significativo, quase todos os dias ou mais frequentemente, durante ao menos o último mês:
1. Saudade/anseio intenso pela pessoa falecida;
2. Preocupação com pensamentos ou lembranças envolvendo a pessoa falecida (em crianças e adolescentes, a
preocupação pode se concentrar nas circunstâncias da morte).

C. Como resultado da morte, ao menos três dos oito sintomas a seguir foram experimentados em grau clinicamente
significativo, na maioria dos dias ou mais frequentemente, durante ao menos o último mês:
1. Perturbação da identidade (por exemplo, sentir como se parte de si tivesse morrido);
2. Sensação intensa de incredulidade quanto à morte;
3. Evitação de lembranças de que a pessoa faleceu (em crianças e adolescentes, pode ser caracterizada por
esforços para evitar tais lembranças);
4. Dor emocional intensa (por exemplo, raiva, amargura e tristeza) relacionada à morte;
5. Dificuldade de reintegração à vida após a morte da pessoa querida (por exemplo, problemas para se relacionar
com amigos, seguir seus próprios interesses e planejar o futuro);
6. Anestesia emocional (ou seja, ausência ou redução acentuada na intensidade da emoção, sentir-se atordoado)
como resultado da morte;
7. Sentir que a vida não tem sentido como resultado da morte;
8. Solidão intensa (ou seja, sentir-se sozinho ou distante dos outros) como resultado da morte.

D. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou


em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

E. A duração e a intensidade da reação de luto claramente excede as normas sociais, culturais ou religiosas esperadas

584
para a cultura e o contexto do indivíduo.

F. Os sintomas não são melhor explicados por transtorno depressivo maior, transtorno de estresse pós-traumático
ou outro transtorno mental, ou não são atribuíveis aos efeitos fisiológicos de uma substância (medicamentos, álcool
etc.) ou outra condição médica.

ADAPTADO E TRADUZIDO DE (SEM TRADUÇÃO OFICIAL PARA O PORTUGUÊS ATÉ O MOMENTO): AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION.
DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS, FIFTH EDITION, TEXT REVISION. WASHINGTON, DC: AMERICAN PSY-
CHIATRIC ASSOCIATION; 202212. TRADUÇÃO LIVRE.

Outros sintomas que não estão incluídos nos critérios diagnósticos também podem
estar presentes no TLP. Sintomas somáticos, por exemplo, são comuns e podem levar
ao aumento do uso dos serviços de saúde. Esses sintomas podem emular aqueles ex-
perimentados pelo falecido durante a doença que levou ao óbito, tais como perda de
apetite e fadiga. Outros sintomas que podem ocorrer são: diminuição do autocuidado,
podendo colocar em risco a própria saúde; sentimentos de culpa pela morte (culpar a
si e a outros); sentimentos excessivos de raiva; inquietação; diminuição da quantidade
e da qualidade do sono. Alucinações auditivas (por exemplo, ouvir a voz do falecido),
visuais (como ver o falecido em seus lugares favoritos) e/ou sensações táteis (por exem-
plo, sentir o toque do falecido) podem ocorrer no luto normal em diferentes culturas,
mas podem ser mais frequentes no TLP. Geralmente ocorrem quando o indivíduo está
adormecendo (alucinações que são denominadas hipnagógicas). Assim, a presença de
alucinações em pacientes enlutados não necessariamente configura um quadro de psi-
cose, especialmente se apresentarem essas características12.
Nas crianças, algumas características do luto podem chamar atenção. Nessa faixa
etária, certos comportamentos e brincadeiras podem ser a forma de manifestar o luto,
incluindo regressões no desenvolvimento, ansiedade ou contrariedade em situações de
separação (especialmente em crianças menores) ou de união. Deve-se atentar para os
casos em que a perda envolve o cuidador, situação na qual a reposta de enlutamento da
criança pode ser mais difícil. Crianças pequenas tendem a manifestar sintomas somáti-
cos e neurovegetativos, como alterações de apetite, de sono e em níveis de energia. Em
crianças, os critérios para TLP também podem ser preenchidos por preocupações exces-
sivas envolvendo as circunstâncias da morte da pessoa querida, como focar em aspectos
perturbadores da deterioração física observada ao longo do curso da doença que levou
ao óbito. É importante ressaltar que, segundo o DSM-5-TR, diferentemente dos casos em
adultos, o TLP já pode ser diagnosticado se os sintomas persistirem por mais do que seis
meses em crianças maiores de 1 ano12.

585
Luto patológico segundo a 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças da Organi-
zação Mundial de Saúde
A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em
sua décima primeira edição (CID-11), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
como inovação em relação à edição anterior (CID-10), também propõe o reconhecimento
do diagnóstico de luto prolongado, cujos critérios diagnósticos podem ser vistos no Quadro
2. Para configurar o TLP, os sintomas precisam persistir além de seis meses após a morte e
devem causar desequilíbrio funcional ao enlutado33. Ao contrário do DSM-5-TR12 e da CID-
10, a CID-11 usa uma abordagem tipológica, o que implica descrições diagnósticas simples,
sem exigência estrita do número de sintomas necessários para atingir o limiar diagnóstico34.
Os critérios da CID-11 são importantes, pois têm (ou terão) implicações práticas, como
codificação de despesas e reembolsos médicos, assim como uso no âmbito jurídico.

QUADRO 2. CRITÉRIOS PROPOSTOS PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL, NA CID-11 PARA O DIAGNÓSTICO DE


TRANSTORNO DO LUTO PROLONGADO

A. Pelo menos um dos seguintes:


• Anseio persistente e generalizado pelo falecido(a);
• Preocupação persistente e generalizada sobre o(a) falecido(a).

B. Acompanhado de intensa dor emocional, manifestada como:


• Exemplos de dor emocional intensa: sentimento de tristeza, culpa, raiva e negação;
• Dificuldade de aceitar a morte;
• Sentimento de que perdeu uma parte de si;
• Incapacidade de experimentar humor positivo;
• “Anestesia” emocional;
• Dificuldade de se envolver com atividades sociais ou de outro tipo.

C. O quadro causa prejuízo funcional significativo nas áreas pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou
outras áreas importantes de funcionamento do indivíduo. O tempo do prejuízo funcional persiste por um período
anormalmente longo (mais de seis meses) após a perda, claramente excedendo as normas sociais, culturais ou
religiosas esperadas para a cultura e o contexto do indivíduo.

ADAPTADO DE E TRADUZIDO DE: WORLD HEALTH ORGANIZATION. ICD-11: BETA DRAFT WEBSITE [INTERNET]. 11a ED. GENEBRA, SUÍÇA: ORGANI-
ZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE; 2018 [CITADO EM 24/10/2022]. DISPONÍVEL EM: HTTPS://ICD.WHO.INT/BROWSE11/L-M/EN33. TRADUÇÃO LIVRE.

Diagnóstico diferencial do transtorno do luto prolongado


Em primeiro lugar, o TLP deve ser diferenciado do luto normal. Uma característica im-
portante que reforça a presença de um transtorno em enlutados é o prejuízo funcional
decorrente do quadro, como queda de desempenho no trabalho, além de aumento do uso
de tabaco e álcool. Esses prejuízos também são incompatíveis com o que é esperado para

586
a cultura e religião do indivíduo. A importância desse achado clínico é ressaltada não so-
mente pelo DSM-5, mas também pela CID-11. Outro fator objetivo que distingue os dois
quadros é a duração, que deve ser maior do que 12 meses, segundo o DSM-5-TR (ou seis
meses em crianças), ou seis meses, segundo a CID-1112,32.
Em muitos casos, tanto o luto normal quanto o TLP podem ser confundidos com
transtornos depressivos, como o transtorno depressivo maior e o transtorno depressivo
persistente (antiga distimia). Isso ocorre porque os quadros compartilham sentimentos
de tristeza, choro e, possivelmente, pensamentos suicidas. Porém, importantes diferen-
ças existem entre o luto normal, o TLP e os transtornos depressivos, como demonstra o
Quadro 3. Em especial, no luto, preserva-se a capacidade de ter experiências positivas
e está ausente a anedonia. Ademais, no luto, os sentimentos de vazio e perda são mais
preponderantes do que um humor global e persistentemente deprimido, como obser-
vado nos transtornos depressivos. Nestes, ainda, a tristeza não se associa a um tipo es-
pecífico de pensamento ou preocupação, enquanto, nos enlutados, o humor deprimido,
que também pode estar presente, geralmente se associa a pensamentos que têm foco na
perda. Por fim, no luto, a tristeza também ocorre em “ondas”, que podem se associar a
lembranças do ente perdido12.

QUADRO 3. PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE O LUTO NORMAL OU TRANSTORNO DO LUTO PROLONGADO


E O TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR

Características esperadas no luto normal Características que sugerem um


ou transtorno do luto prolongado transtorno depressivo associado

Sentimento predominante de vazio e perda. Sentimento predominante de humor deprimido.

Disforia/humor deprimido são persistentes e


Disforia/tristeza são intermitentes, piorando com
acompanhados de preocupações e ruminações com
a lembrança da pessoa querida perdida (“ondas” de
conteúdo autodepreciativo e de culpa, além de pensamentos
dores do luto) e diminuindo com o tempo.
com conteúdo negativo sobre o futuro (desesperança).

Pode estar preservada a capacidade de ter Prejuízo à capacidade de experimentar felicidade ou


experiências positivas. prazer (capacidade hedônica prejudicada ou anedonia).

O pensamento associado ao luto geralmente tem


As ruminações depressivas envolvem autocríticas e
como conteúdo preocupação com pensamentos e
conteúdo pessimista, sem um tema específico ou restrito.
lembranças do falecido.

Autoestima geralmente preservada, mas, quando


presente, a autodepreciação costuma envolver Baixa autoestima e sentimento de inutilidade estão
percepções de falhas em relação ao falecido, por exemplo, presentes com frequência.
não ter feito tudo o que podia para evitar sua morte.

587
Características esperadas no luto normal Característica que sugerem um
ou transtorno do luto prolongado transtorno depressivo associado

Pensamentos sobre juntar-se à pessoa falecida. Conteúdo dos pensamentos suicida é abandonar a vida.

ADAPTADO E TRADUZIDO DE: (SEM TRADUÇÃO OFICIAL PARA O PORTUGUÊS ATÉ O MOMENTO): AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION.
DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS, FIFTH EDITION, TEXT REVISION. WASHINGTON, DC: AMERICAN PSY-
CHIATRIC ASSOCIATION; 202212. TRADUÇÃO LIVRE.

Outros possíveis diagnósticos diferenciais também incluem o transtorno de adaptação


e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Estudos de análise fatorial realizados
com o construto diagnóstico experimental do transtorno do luto complexo persistente,
como proposto inicialmente pelo DSM-5, o diferenciaram não apenas dos quadros de-
pressivos, mas também desses outros diagnósticos, o que colaborou para que o TLP fosse
posteriormente incorporado ao DSM-5-TR35-40.
Dados mais recentes, já com o diagnóstico de TLP, demonstraram que esse novo diag-
nóstico se diferenciou do TEPT, embora ambos os transtornos tenham relação entre si41.
Isso porque enlutados podem desenvolver tanto TEPT quanto TLP após uma perda decor-
rente de morte traumática. Contudo, enquanto os pensamentos e vivências intrusivos no
TEPT giram em torno do evento traumático (circunstâncias da morte), as memórias intru-
sivas no TLP têm como foco diversos aspectos do relacionamento com o falecido, incluin-
do os positivos, gerando sofrimento pela separação. Ainda, tanto o TLP quanto o TEPT
podem envolver a evitação de lembranças dos eventos que provocam sofrimento. Porém,
enquanto o foco da evitação no TEPT são estímulos internos e externos que lembram a
experiência traumática (por exemplo, andar de carro quando a morte foi causada por um
acidente automobilístico), no TLP, o foco é a evitação de estímulos que fazem lembrar que
o falecido já não está mais presente. Por fim, as sensações de reexperimentação de memó-
rias no TEPT são descritas como flashbacks vivenciados no presente, enquanto no TLP as
memórias envolvem saudosismo em relação ao passado vivenciado com o falecido12.
Como exposto, pacientes com luto normal e TLP podem apresentar algumas alterações da
sensopercepção, incluindo, em alguns casos, alucinações. Pacientes com quadro de psicose
associado, por sua vez, geralmente apresentam psicopatologia mais florida, incluindo outros
sintomas psicóticos, como delírios, desorganização do pensamento e/ou sintomas negativos12.
O TLP também não deve ser confundido com o transtorno de ansiedade de separação,
que é caracterizado por ansiedade associada à separação de figuras de apego atuais, en-
quanto o TLP envolve sofrimento pela separação de um indivíduo falecido12.

588
Por fim, é importante diferenciar o sofrimento associado ao luto da dor espiritual, que pode
ter muitas características em comum com o luto. Alguns elementos da angústia espiritual,
contudo, são mais específicos, como: revolta e questionamentos envolvendo a fé; sentimentos
de abandono por parte da comunidade religiosa e por Deus; sofrimento com o fardo decisó-
rio decorrente das consequências que as escolhas próximas da morte podem ter; sentimentos
de arrependimento com escolhas passadas e conflitos não resolvidos consigo ou com outros.
Nesses casos, as intervenções devem ter uma abordagem mais voltada ao aspecto espiritual,
envolvendo, por exemplo, um capelão ou um líder espiritual (padre, pastor, rabino etc.).
É importante ressaltar que é possível que o mesmo paciente apresente TLP associado a
outras condições comórbidas, como transtornos depressivos, ansiosos e angústia espiritual.

Avaliação do luto complicado ou prolongado


Identificar corretamente os enlutados que apresentam ou têm risco de apresentar res-
postas de luto disfuncionais pode ser um desafio no dia a dia do clínico. Para auxiliar nes-
sa tarefa, foram desenvolvidos instrumentos de rastreamento do quadro. O mais utilizado
para esse fim é o Texas Revised Inventory of Grief (TRIG), desenvolvido por Faschingbauer, em
198242, traduzido e validado para o português por Alves et al., em 201643. Sugere-se um ponto
de corte de 104 pontos nesse instrumento para identificar indivíduos com luto complicado.
O Inventory of Complicated Grief (ICG), publicado por Prigerson et al., em 199536, é outro
instrumento desenvolvido para auxiliar na identificação de pacientes com luto compli-
cado. Consiste em 19 itens e tem como ponto de corte o escore de 25 ou mais pontos para
predizer desfechos negativos para a saúde do enlutado. Um estudo que aplicou o ICG em
782 indivíduos enlutados obteve seis grupos de sintomas após análise fatorial: saudade e
preocupação com o falecido; raiva e amargura; choque e descrença; distanciamento dos
outros; alucinações sobre falecido e mudanças de comportamento, incluindo evitação e
busca de proximidade. A presença de pelo menos um sintoma de três grupos diferentes
resultou em sensibilidade de 94,8% e especificidade de 98,1%44.

Apoio ao luto normal e tratamento do transtorno do luto prolongado


Embora o luto seja um processo doloroso, a adaptação a ele geralmente ocorre de
forma natural, sendo que a maioria dos enlutados não necessita de tratamento e ficará
bem ao recorrer a seus próprios recursos. No entanto, isso não significa que não há nada
que possa ser feito em benefício do enlutado, mesmo quando seu luto não for compli-
cado e/ou prolongado. Os enlutados se beneficiam, em especial, do apoio e amor de
pessoas queridas, sejam familiares, amigos, líderes espirituais ou qualquer outra pessoa

589
ou recurso que ofereça suporte e os acompanhe no processo de luto. Assim, o processo
de luto necessita tanto de uma busca por recursos internos de autoajuda quanto de um
apoio ofertado por recursos externos, ou seja, que envolve a ajuda de outros6.
Esse apoio ao luto não começa apenas com a morte, devendo ser incluído no plano
desde o início da oferta de cuidados paliativos, considerando o luto antecipatório que
ocorre já antes da morte. O mesmo se aplica ao período após a morte, quando os familia-
res e amigos devem receber apoio.
Logo após a morte, o enlutado deve receber apoio para realizar tarefas relativas ao fu-
neral, que são importantes também do ponto de vista cultural, pois garantem a disposição
culturalmente apropriada do corpo6. A impossibilidade de realizar tais tarefas pode ocorrer
no luto não reconhecido ou não autorizado, que, conforme discutido anteriormente, se as-
socia a piores desfechos. Ademais, o funeral ajuda a tornar mais visível a realidade da morte
e auxilia na reintegração social e na busca pelo sentido após a morte do ente querido6.
Algumas técnicas gerais podem ser empregadas por todos os profissionais de cuida-
dos paliativos na abordagem de indivíduos enlutados, independentemente das caracte-
rísticas do luto. Técnicas de psicoterapia, por sua vez, são mais especializadas e são indi-
cadas somente quando há o diagnóstico de um transtorno envolvendo o luto, ou seja, em
uma minoria dos indivíduos6. Em especial, o profissional deve desenvolver uma escuta
empática do enlutado. O Quadro 4 elenca o que o profissional deve e o que não deve fazer
na abordagem do indivíduo enlutado.

QUADRO 4. ATITUDES QUE O PROFISSIONAL DEVE E NÃO DEVE TER NA ABORDAGEM DO INDIVÍDUO ENLUTADO
O que o profissional deve fazer O que o profissional não deve fazer

• Pausar o que está fazendo e oferecer atenção plena


para a escuta do enlutado, convidando-o a expressar • Continuar digitando ou escrevendo no prontuário, sem
seus sentimentos com frases como “conte-me mais estabelecer contato visual com o enlutado.
sobre como está sendo”.

• Perguntar o nome do falecido. Isso demonstra


• Dizer “pelo menos”, por exemplo: “pelo menos ele viveu
interesse na pessoa, evitando que a conversa adote
bastante”. Isso pode deslegitimar o luto.
um caráter “burocrático”.

• Perguntar sobre a relação do enlutado com o


• Utilizar frases com “deveria ter…”, por exemplo: “você
falecido e sobre como está sendo o luto. Isso também
deveria ter prestado mais atenção nos sinais iniciais da
faz com que o profissional demonstre interesse e que
doença”. Isso aumenta a culpa do enlutado e o julga.
sua abordagem seja mais empática.

• Realizar uma abordagem humana ao não julgar e • Perguntar “por que”, como: “por que você não
não deslegitimar sentimentos, além de demonstrar aproveitou mais quando tinha ele por perto?”. Isso
interesse genuíno e atitude empática. também aumenta a culpa do enlutado e o julga.

590
O que o profissional deve fazer O que o profissional não deve fazer

• Fornecer psicoeducação sobre luto, esclarecendo


ao enlutado o que é uma resposta de luto normal
quando alguém que amamos morre (mas sem • Dizer que “o tempo cura todas as feridas”.
deslegitimá-la). Explicar quando essa resposta pode Isso também deslegitima o luto.
ser disfuncional e que, nesses casos, é necessária
ajuda profissional.

• Identificar e validar emoções do enlutado, por • Dizer que “entende totalmente”. Isso pode ser visto
exemplo: “vejo que você está sentindo muito remorso”. como falso e “forçado”. O profissional pode ter empatia,
Isso faz com que o profissional deixe claro que está mas só o enlutado consegue entender totalmente
entendendo o que o enlutado está tentando transmitir seu próprio luto, pois se trata de uma experiência
e, mais do que tudo, está de fato ouvindo. extremamente individual.

• Normalizar alguns sentimentos com os quais os


enlutados podem se preocupar. Por exemplo, no caso
de indivíduos que se questionam se é normal manter
conversas com o falecido, o profissional pode dizer
“é muito comum que pessoas continuem conversas • Tentar “consertar a situação”, dizendo, por exemplo:
com um cônjuge falecido. Também é comum que essa “você não precisa se sentir culpado, pois fez tudo que
pessoa se questione se está enlouquecendo quando estava ao seu alcance”. Isso também deslegitima os
essas conversas ocorrem.” Muitas vezes é necessário sentimentos do enlutado.
perguntar ativamente, pois o enlutado pode não
relatar espontaneamente. Nesses casos, é preciso
citar essa situação hipotética e questionar: “você se
identifica com alguma situação como essa?”.

Em linhas gerais, portanto, é fundamental que os enlutados se sintam escutados. Para


isso, o profissional deve ter uma aceitação incondicional e evitar julgamentos a todo cus-
to. Deve demonstrar interesse genuíno no enlutado, no falecido e na relação entre eles,
com vontade de compartilhar a dor. O foco da abordagem deve ser estimular atitudes e
comportamentos que promovam a adaptação6. No seguimento longitudinal, o profissio-
nal deve monitorar sinais de sofrimento e de prejuízo à funcionalidade, perguntando,
por exemplo, a frequência das ondas de tristeza, sua duração, intensidade e se compro-
metem o desempenho das atividades do enlutado.

Tratamento do transtorno do luto prolongado


É fundamental que o TLP seja identificado e tratado, uma vez que é uma condição
potencialmente debilitante e persistente, porém tratável45. Uma técnica de psicoterapia
desenvolvida especificamente para o TLP foi descrita, a Terapia do Transtorno do Luto
Prolongado (TTLP), cujo objetivo é identificar e resolver as complicações do luto e faci-
litar a adaptação à perda. Em linhas gerais, a técnica envolve promover a restauração

591
do enlutado (ou seja, restaurar sua funcionalidade e suas perspectivas e planos para o
futuro) e elaborar a perda (ou seja, fazer com que o enlutado a vivencie de forma mais
saudável, sem associá-la a sofrimento e sentimentos intensos de raiva, culpa ou ansieda-
de). Os componentes abordados na TTLP estão elencados no Quadro 5.

QUADRO 5. COMPONENTES ABORDADOS NA TERAPIA DO TRANSTORNO DE LUTO PROLONGADO

Componente Descrição

• Discussões sobre a natureza da perda e do luto e a adaptação a ele;


Estabelecer os fundamentos • Descrever as complicações do luto e seus efeitos;
• Descrever o tratamento e o racional por trás dele.

• Automonitoramento, auto-observação e reflexão;


• Reavaliar crenças e pensamentos problemáticos;
Promover a autorregulação • Estender a compaixão para si mesmo;
• “Dosar” a dor emocional ao confrontá-la e deixá-la de lado.

• Desenvolver estratégias para estabelecer conexões significativas com outros;


Construir conexões
• Compartilhar a dor e permitir que outros ajudem.

• Explorar ambições por metas pessoais e atividades que gerem esperança


e anseios;
Estabelecer metas e aspirações • Gerar entusiasmo e outras emoções positivas associadas à vida que
continua;
• Criar um senso de propósito e possibilidades de felicidade futura.

• Desenvolver estratégias para confrontar ou vivenciar de novo situações que


Revisitar o mundo passaram a ser evitadas com o luto.

• Narrar novamente a história da morte e refletir sobre ela, com o objetivo de


Contar histórias criar uma versão aceitável;
• Praticar a habilidade de confrontar a dor e deixá-la de lado.

• Relembrar memórias positivas envolvendo o falecido e permitir


Utilizar a memória reminiscências de memórias negativas;
• Descrever uma conversa imaginária com o falecido.

ADAPTADO DE: SHEAR, N ENGL J MED 201545.

Evidências apontam para a eficácia da TTLP no tratamento do TLP. Dois ensaios clíni-
cos randomizados que compararam a técnica com a terapia interpessoal46,47, que é me-
nos estruturada, dedica menos tempo para discutir a morte e para lidar com a esquiva
associada a lembranças da perda, não evoca memórias ou conversas imaginárias com a
pessoa falecida e tampouco realiza um monitoramento do luto. Esses estudos reporta-

592
ram taxas de respostas de 51% e 71% da TTLP contra 28% e 32% da terapia interpessoal,
resultados estatisticamente significativos46,47.
Outro ensaio clínico randomizado multicêntrico realizado nos Estados Unidos compa-
rou, durante 12 semanas, quatro grupos: TTLP associada a citalopram, TTLP associada a
placebo, citalopram apenas e placebo apenas. Os resultados apontaram a superioridade
da TTLP associada a placebo em relação ao uso de placebo apenas. A TTLP associada a
citalopram também foi melhor do que o tratamento apenas com citalopram. Porém, a
TTLP associada a citalopram não foi melhor do que quando associada a placebo. O estudo,
portanto, apontou para a eficácia da TTLP, com redução importante dos sintomas do TLP e
da ideação suicida em pacientes graves, independente do uso concomitante de antidepres-
sivo. Ademais, o citalopram não teve efeito relevante no tratamento e não potencializou
os efeitos da psicoterapia. O estudo também apontou a eficácia da TTLP em pacientes que
apresentavam luto decorrente tanto de mortes violentas quanto de não violentas48.
Também se pode concluir, a partir dos estudos publicados, que, de todos os trata-
mentos avaliados para o TLP, aparentam ter mais eficácia as intervenções que incluem
estratégias para reduzir a evitação de pensamentos sobre a morte e a esquiva envol-
vendo atividades e lugares que relembram a perda quando comparadas às técnicas que
não incluem esses componentes. Intervenções que têm como base a técnica de ativação
comportamental, que envolve estimular o paciente a se engajar em atividades prazero-
sas, também apresentaram alguma eficácia em estudos menores. Essa técnica, porém,
ao estimular o engajamento dos pacientes em atividades, mesmo que elas relembrem a
perda, também promove o enfrentamento da esquiva, o que pode explicar a resposta ob-
servada45. Dessa forma, o componente de enfrentamento da esquiva parece ser central
no tratamento do TLP, sendo muito enfatizado na TTLP.
Diante desses resultados, portanto, a TTLP é considerada o tratamento de primeira linha
para o TLP45, devendo ser priorizada em relação a outros tipos de terapias e a antidepressivos.
Cabe a ressalva, porém, de que, apesar de aparentemente não terem benefício direto no trata-
mento do TLP, os antidepressivos devem ser prescritos quando há depressão comórbida. Da
mesma forma, outros aspectos relacionados ao luto, como as perdas secundárias no âmbito
social, quando presentes, devem ser adequadamente abordados pela equipe. É o caso de per-
das financeiras decorrentes da morte (por exemplo, em uma família em que a pessoa falecida
era o provedor). Nesses casos, é importante envolver o profissional de assistência social.

Considerações finais
O luto é um fenômeno descrito e estudado há séculos por diferentes correntes de

593
pensamento, algumas das quais buscaram criar modelos teóricos que o explicassem. Os
modelos mais difundidos e que prevaleceram por muito tempo se basearam nos concei-
tos psicanalíticos da necessidade de “desinvestimento” em relação ao ente querido que
faleceu. Esses modelos também se basearam na divisão do processo de luto em estágios
específicos. Teorias mais modernas, por sua vez, vêm se distanciando desse contexto e
buscam descrever o luto como um processo de adaptação à nova realidade e de ressigni-
ficação da relação com o falecido. Assim, atualmente, não mais se propõe que o vínculo
com o ente querido perdido seja interrompido (ou que haja um “desinvestimento” nele),
mas que ele perdure, embora com novas características diante da realidade da perda. Da
mesma forma, o luto, antes dividido em estágios, atualmente é melhor explicado como
um processo dinâmico cujo foco oscila entre a perda e a restauração.
O processo de luto é individual e influenciado por características próprias do enlutado,
e aspectos sociais, culturais e espirituais. Não existe uma resposta padronizada ou típica,
portanto. Em geral, a maioria dos enlutados evolui para uma adaptação à perda, embora
alguns possam evoluir para o que atualmente se descreve como TLP. Certos fatores de risco
foram identificados para essa evolução desfavorável, como uma perda por morte violenta.
A maioria dos enlutados não necessita de intervenções especializadas, mas o profis-
sional de cuidados paliativos pode ajudar no processo de luto ao utilizar técnicas que
promovam uma escuta empática. Acima de tudo, o enlutado deve se sentir ouvido e seu
luto deve ser validado, por meio de um diálogo aberto, franco e sincero sobre a morte e
o morrer. Na minoria dos pacientes que evolui para o TLP, intervenções especializadas
como a TTLP encontram evidências na literatura que corroboram sua indicação como
tratamento de primeira linha para essa condição. Assim, é fundamental que o profissio-
nal identifique corretamente esses pacientes, de forma a propor um tratamento adequa-
do e tempestivo e evitar o sofrimento que é associado ao TLP.

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598
Capítulo 30
Comunicação de Notícias Difíceis
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Elio Barbosa Raimondi Belfiore

Fundamental para os cuidados paliativos, comunicar notícias difíceis é uma situação


com a qual a maioria dos médicos um dia irá se deparar. Para o paciente ou seus familia-
res, receber, por exemplo, o diagnóstico de uma doença terminal, pode ser um evento ex-
traordinariamente estressante. Por isso, uma comunicação eficaz e centrada no paciente é
essencial durante todo o cuidado, pois leva a uma maior confiança no médico e mais satis-
fação do paciente, além de desfechos de saúde melhores, como maior adesão ao tratamen-
to e melhor controle da dor1-4. Uma estratégia comunicativa proativa também resulta na
diminuição dos sintomas ansiosos, depressivos e relacionados ao transtorno do estresse
pós-traumático em familiares, após a morte do paciente5,6. Por estimularem a exposição
de seus desejos e a expressão de suas emoções, encontros com pacientes e familiares mais
longos e mais frequentes também permitem aliviar sentimentos de culpa e favorecer o
entendimento dos objetivos do tratamento e de metas realistas de cuidado5.
Algumas estratégias de comunicação foram criadas para atingir esses objetivos, uti-
lizando estruturas e habilidades em comum. Muitas dessas habilidades são as mesmas
necessárias em outros contextos da prática clínica, apesar de particularidades inerentes
ao conteúdo de uma notícia difícil. A comunicação eficaz de qualquer informação mé-
dica pressupõe que o paciente a entenda, acredite nela, a memorize e a siga (no caso de
orientações). Nessa linha, recomenda-se que as notícias difíceis sejam comunicadas de
maneira empática, pessoalmente, utilizando linguagem simples, garantindo a privacida-
de do paciente, em um encontro com tempo adequado. O médico deve permitir pergun-
tas; ser otimista, mas sem deixar de ser honesto e sem oferecer falsos reasseguramen-
tos; saber reconhecer as reações e emoções do paciente e ser empático. O paciente deve
poder contar com a presença de familiares e/ou pessoas próximas para confortá-lo7,8.
A estratégia de comunicação que garanta esses elementos promoverá a confiança do
paciente por seu médico e fortalecerá a relação entre ambos1. Criar esses relacionamen-
tos, em que os pacientes se sintam ouvidos, reconhecidos e compreendidos, podendo
revelar seus medos, preocupações e preferências sobre sua saúde, é reparador por si só.

599
Para isso, é possível desenvolver e cultivar as habilidades de comunicação necessárias
para criar uma relação médico-paciente de qualidade10,11. Neste capítulo, serão discuti-
das estratégias e técnicas que auxiliam a comunicação de qualidade quando é necessário
informar pacientes e familiares de notícias difíceis.

Conceitos e definições

• Notícia difícil: a expressão “má notícia” pode ser definida como “qualquer in-
formação que possa alterar drasticamente a visão de um paciente sobre seu futu-
ro”12 ou que “resulte em um déficit cognitivo, comportamental ou emocional na
pessoa que a recebe, que persiste por algum tempo após o recebimento da notí-
cia”7. Contudo, o que é considerado ruim depende de fatores subjetivos e próprios
do paciente e nem sempre o que o médico imagina ser uma má notícia é visto da
mesma forma pelo paciente ou por seus familiares7,8. Por exemplo, enquanto a
notícia do achado de uma úlcera benigna pode ter um impacto negativo em um
paciente que realizou uma endoscopia de rotina e terá que modificar sua dieta, o
mesmo achado pode ter um impacto extremamente positivo em um paciente que
realizou o mesmo exame após um quadro de hematêmese e se preocupava com
um possível diagnóstico de câncer de estômago. Da mesma forma, notícias que
podem ser consideradas mais triviais, como o diagnóstico de hipertensão arte-
rial sistêmica, podem ser recebidas de forma neutra por muitos pacientes, mas
também podem gerar grande impacto em pacientes que, por exemplo, tenham
um ente querido que faleceu por um acidente vascular hemorrágico de etiolo-
gia hipertensiva. Assim, fatores como o contexto clínico, valores e experiências
pregressas podem definir se uma notícia é ruim ou não, a depender do paciente.
Muitos deles, portanto, preferem que não seja o médico a definir se uma notícia é
ruim ou não mas que isso seja explorado junto com o paciente13. Por esse motivo,
alguns autores preferem outros termos, como “notícia séria” ou “notícia difícil”,
em vez de “má notícia” ou “notícia ruim”10. Nesta obra, utilizaremos o termo “no-
tícia difícil”, pois julgamos ser um termo mais apropriado na língua portuguesa.

Percepções e preferências de pacientes e médicos quanto à comunicação de notícias difíceis


Nas últimas décadas, conceitos como o consentimento informado e a decisão médica
compartilhada passaram a predominar na prática médica, substituindo o paternalismo,

600
antes muito comum. Com essa mudança de paradigma, descrita em maiores detalhes
no Capítulo 37, o médico passou a ter o dever de informar ao paciente detalhes de seu
quadro. A prática paternalista, antes comum, de omitir informações, “para o bem do
paciente”, passou a ser eticamente inapropriada.
No passado, o paternalismo se justificava em suposições de que os pacientes não ti-
nham desejo de saber sobre informações negativas sobre sua saúde. Possíveis razões
para omitir essas informações seriam: causar desespero e sofrimento emocional ao pa-
ciente e seus familiares; submetê-lo ao estigma por ter uma doença terminal e correr
um risco aumentado de suicídio. Contudo, pesquisas mais recentes apontam que até
87% dos pacientes querem saber todos os detalhes de sua saúde, principalmente infor-
mações relativas ao prognóstico e chances de cura14.
De fato, existem diferenças culturais quanto a essas percepções e desejos dos pacien-
tes. Em culturas orientais, um número maior de pacientes prefere não ser informado e
as decisões médicas tendem a ser tomadas em família, em vez de individualmente por
quem sofre da doença15. Contudo, o médico não deve pressupor que essa seja a preferên-
cia do paciente. Assim, a primeira etapa ao comunicar uma notícia difícil é perguntar ao
paciente sobre a quantidade de informação que deseja saber, assim como suas preferên-
cias quanto à maneira de ser comunicado e a pessoa que transmitirá a notícia.
Em algumas situações, o médico pode se deparar com familiares que requisitam que o
paciente não seja informado de uma notícia difícil. Nesse cenário, deve-se primeiramente
avaliar as motivações por trás da demanda, oferecendo um contraponto a elas. Em muitas
vezes, fatores culturais predominam e a família acredita que essa é uma forma de proteger
o paciente e evitar que perca a esperança16. Caso o impasse continue, o médico deve sem-
pre perguntar ao paciente que possui capacidade para consentir qual é sua preferência e
respeitá-la. É recomendável explicar à família que essa é a preferência do paciente e, mes-
mo que não corresponda à dos familiares, deve ser respeitada pelo médico17.
Apesar da mudança de paradigma na prática médica, muitos médicos ainda não se
veem dispostos a contar notícias difíceis18. Possíveis barreiras incluem o medo de falhar
ou de ser inadequado, medo das próprias emoções do profissional, medo de perder o
controle da situação e a sensação de falta de conhecimento para responder eventuais
perguntas de pacientes e/ou familiares19.
Assim como na Ásia, atitudes paternalistas são mais arraigadas em países da América
do Sul, como o Brasil, embora o Código de Ética Médica brasileiro tenha passado a valo-
rizar mais a autonomia do paciente a partir da década de 2010, se comparado ao Código
de 198820. Nessa linha, o artigo 34 do Código de Ética Médica brasileiro atual veda ao

601
médico “deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os obje-
tivos do tratamento”. No entanto, o mesmo artigo faz a seguinte ressalva: “salvo quando a
comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação
a seu representante legal”21. O artigo, porém, não define o que poderia ser considerado
dano e, apesar de ser um fato que a maioria dos pacientes reage negativamente a notícias
difíceis22-25, não é correto o médico presumir que isso obrigatoriamente resulte em um
dano ao paciente ou, então, que este deseja ser privado dessas informações. Assim, o
princípio da autonomia deve ser aplicado na comunicação de notícias difíceis também
por médicos brasileiros, que devem seguir os desejos do paciente que tem capacidade
de consentir quanto à quantidade de informação sobre sua saúde que deseja receber.
Pressupor que o desejo do paciente é não receber a informação é incorreto, mesmo por-
que, até mesmo em culturas em que o paternalismo predomina, muitos pacientes ainda
assim desejam saber sobre a totalidade da informação15.
Portanto, idealmente, o médico e seu paciente devem ter uma relação de transpa-
rência e respeito mútuo, em que objetivos comuns sejam definidos por meio da deli-
beração conjunta, conceito explorado em maiores detalhes no Capítulo 40. Ao explorar
as preferências do paciente, o médico pode definir com mais precisão aquilo que deve
comunicar. Infelizmente, no entanto, muitos pacientes julgam que a comunicação de
notícias difíceis por seus médicos deixa a desejar26,27. A seguir, são elencadas estratégias
que podem aprimorar essa comunicação.

Reações dos pacientes frente a notícias difíceis e seu impacto sobre eles
A reação a uma notícia difícil apresenta grande variabilidade entre os pacientes. Fa-
tores como a expectativa prévia, experiências de vida e aspectos da personalidade do
paciente têm uma influência importante na forma de reagir9. De fato, a maioria dos
pacientes reage com sentimentos negativos, como horror, descrença, choque, raiva e
tristeza22-25. A forma de elaborar esses sentimentos foi descrita por meio de modelos teó-
ricos do luto, abordados em maiores detalhes no Capítulo 29 e cuja compreensão é fun-
damental para aprimorar a qualidade da comunicação de notícias difíceis.
Conforme exposto, a suposição de que a comunicação de notícias difíceis não é algo
desejado pelo paciente, por lhe causar dano, era utilizada como justificativa para a
omissão, antes prevalente, de informações ruins. Porém, uma relação médico-paciente
adequada pressupõe incentivar a elaboração desses sentimentos negativos e o desen-
volvimento de respostas adaptativas saudáveis. Para isso, também são fundamentais os
cuidados espirituais e o apoio de familiares e pessoas queridas28. O resultado almejado é

602
justamente o contrário: maior satisfação e menos ansiedade para o paciente, levando a
melhores desfechos clínicos. Omitir a informação, ao contrário, privaria o paciente do
processo de elaboração do luto e, ao presumir e ignorar seus desejos, o resultado seria
impedi-lo de tomar as decisões que julga serem melhores para a sua vida, segundo suas
necessidades individuais e valores pessoais. Além disso, a omissão dessas informações
viola a autonomia do paciente e pode minar a confiança na profissão médica como um
todo, já que a relação médico-paciente se baseia na confiança29.
Ademais, mais do que contar ou não, a forma de comunicar a informação parece in-
fluenciar a reação emocional1,30. Pesquisas demonstram que essa reação é muito pior em
pacientes que recebem esse tipo de informação de forma inadequada, que não obtêm
explicações sobre conceitos médicos, que são apressados a tomar decisões importantes
e que não têm seus sentimentos considerados24. A visão desses pacientes quanto à equi-
pe de saúde também é influenciada pela forma como as notícias difíceis são comunica-
das, assim como sua perspectiva de futuro1. Assim, a grande preocupação dos médicos
não deveria ser omitir informações ruins sobre a saúde de seus pacientes, mas, sim,
buscar aprimorar as técnicas usadas para comunicá-las.
O médico deve ter, acima de tudo, sensibilidade, cuidado e empatia ao comunicar
notícias difíceis. Para isso, o primeiro passo é determinar quanto o paciente deseja sa-
ber, o que promove sua autonomia e o faz estar no controle do processo de comunica-
ção da notícia. Em seguida, com base no desejo do paciente, o médico deve explicar as
informações sobre sua saúde de forma clara, bem como fornecer apoio e um plano de
cuidado30. Além disso, o médico deve explorar os sentimentos do paciente, o que está
associado a diminuição de sintomas ansiosos e aumento de sua satisfação e aderência ao
tratamento31. Para isso, o médico deve perguntar ao paciente, por exemplo, sobre suas
percepções quanto à sua condição e ao impacto da doença em sua vida diária, às quais
deve reagir de forma empática.
Outro fator importante para a reação do paciente é sua expectativa prévia quanto à
informação sobre sua saúde que será comunicada. Dessa forma, uma quebra de expec-
tativa pode levar a uma reação mais intensa, para um mesmo conteúdo de uma notícia
difícil, por mais negativo que seja, em comparação a situações em que aquela notícia já
era esperada. Por exemplo, uma paciente previamente hígida, que procura um pronto-
-socorro com dor nas costas após fazer exercícios físicos, reagiria com choque ao diag-
nóstico de um câncer de mama com metástase vertebral como causa de sua dor. Essa
mesma notícia terá um impacto diferente no paciente que tinha uma expectativa dife-
rente e já contemplava essa hipótese, como uma paciente com dor nas costas, que já es-

603
tava em tratamento para câncer de mama, em que é diagnosticada a recidiva da doença
na forma de metástase vertebral. Por isso, os protocolos desenvolvidos para auxiliar na
comunicação de notícias difíceis incluem etapas que envolvem avaliar as expectativas
prévias do paciente antes de comunicar o conteúdo negativo8.

O papel da empatia na comunicação de notícias difíceis e sua influência no impacto


sobre pacientes
A empatia é um componente crucial da experiência emocional humana e da intera-
ção social. É a capacidade do ser humano de compartilhar os estados afetivos daqueles
com quem se relaciona, o que permite prever e entender seus sentimentos, motiva-
ções e ações32. A empatia também é observada em outras espécies, como em ratos,
que exibem uma resposta pró-social ao agir de maneira deliberada para acabar com
o sofrimento de outro espécime submetido a um estressor psicológico não doloroso.
Em um experimento, o rato manifesta esse comportamento, baseado na empatia, ao
se esforçar para aprender a abrir a cela do outro animal preso, na tentativa de tirá-lo
de uma situação de sofrimento. Ainda, quando ratos livres tinham acesso a chips de
chocolate, na maioria das vezes, muitos deles não comiam sua totalidade, deixando
alguns para os ratos enjaulados que libertavam33.
A maioria dos seres humanos apresenta comportamentos análogos ao ver outros indi-
víduos em situação desfavorável, como quando a morte se aproxima. Porém, o uso da lin-
guagem na comunicação da resposta empática a torna consideravelmente mais complexa.
Não obstante, estudos recentes em neurociência social aumentaram o conhecimento sobre
as bases cerebrais da empatia em seres humanos. Por exemplo, a preocupação empática
se associa a maiores atividades em determinadas regiões cerebrais, como a ínsula anterior,
o córtex cingulado anterior dorsal e o córtex cingulado medial anterior, em indivíduos ex-
postos a imagem de pessoas sofrendo dor ou submetidas a outros estressores não álgicos,
como exclusão social, repulsa e ansiedade32. Tais respostas empáticas cerebrais não são fi-
xas e podem ser moduladas pelo indivíduo ao avaliar o contexto, como a percepção sobre a
honestidade do outro ou sua associação a um grupo32,34. Por sua vez, o fenômeno psicopato-
lógico denominado alexitimia, caracterizado por dificuldades na identificação e descrição
de sentimentos, pode comprometer a manifestação de uma resposta empática32.
Quando incorporada à comunicação, a empatia melhora a relação entre a equipe mé-
dica, paciente e seus familiares nas doenças ameaçadoras da vida. Um maior nível de
empatia por parte do médico também se associa a desfechos clínicos melhores em seus
pacientes35,36. Uma interação interpessoal empática e compassiva entre médico e pacien-

604
te influencia positivamente o entendimento deste último sobre questões relativas a sua
saúde37, as decisões tomadas quanto a seu tratamento38, sua capacidade de ajustamento
a sua nova realidade e seu bem-estar psicológico39. Assim, atentar à empatia e buscar
aprimorá-la é algo fundamental para um bom cuidado ao paciente.

O impacto das notícias difíceis no médico


A prática médica expõe o profissional repetidamente a estímulos adversos vivenciados
por outros. Essa exposição pode se associar a grande sofrimento profissional, incluindo
quadros como o de burnout, detalhado no Capítulo 3340-42. Diante disso, aventa-se a hipóte-
se de que os médicos podem desenvolver uma resposta cerebral involuntária de autopro-
teção. Evidências desse mecanismo de regulação emocional foram observadas em estudos
eletroencefalográficos que avaliaram, pela análise de potenciais evocados, a resposta de
médicos e controles, quando expostos a imagens que remetiam ou não à dor. Os achados
mostraram que os controles apresentavam respostas diferentes diante de estímulos que
remetiam à dor em relação aos que não remetiam. Essa capacidade de apresentar respos-
tas diferentes a cada um desses estímulos não foi observada em médicos, o que indica que
os profissionais avaliados modularam sua resposta cerebral, de forma a atenuá-la dian-
te da percepção de dor em terceiros. Tal mecanismo regulatório pode ser uma forma de
adaptação à constante exposição a estímulos correlatos na prática médica42.
Diante desse cenário, é importante que o médico busque cultivar e preservar sua capaci-
dade empática. Evidências mostram que uma comunicação centrada no paciente aumenta
a sua satisfação, o que se associa a menores taxas de burnout37. Níveis menores de empatia
em médicos também se associaram a maiores taxas de burnout43. Assim, o médico precisa
estar ciente de suas características individuais que afetam sua capacidade empática, além
de barreiras a ela. Da parte do médico, características como compaixão e facilidade com
interações interpessoais naturalmente favorecem a incorporação da empatia à prática clí-
nica. Uma motivação para se conectar com o paciente e também o próprio treinamento do
médico promovem o uso da empatia. Ademais, a forma como o médico entende a empatia
também influencia seu uso na prática clínica. Por exemplo, um médico pode limitar as co-
nexões empáticas com seus pacientes quando enxerga a empatia apenas como a sensação
de compaixão e cuidado. Ao contrário, médicos que vêem a empatia como a capacidade de
entender a perspectiva do paciente tendem a não achar necessário se distanciar emocio-
nalmente. Por fim, a flexibilidade na avaliação e tratamento dos pacientes, baseada em fa-
tores individuais e situacionais, é valorizada por médicos empáticos, permitindo a adoção
de condutas individualizadas para cada paciente segundo tais fatores44.

605
Possuir características individuais que favorecem a empatia, contudo, pode não ser
suficiente. Em muitos casos, barreiras à empatia surgem na prática clínica, podendo ser
internas ou externas. Barreiras internas, por exemplo, podem envolver limites profissio-
nais e distanciamento emocional impostos pelo médico por medo de se tornar envolvido
demais com o caso. Já outros médicos podem se enxergar como figuras de autoridade,
o que faz com que não ouçam o paciente. Há ainda os que temem críticas e erros no
julgamento clínico, evitando ouvir o paciente e demonstrar empatia. Médicos doentes,
exaustos e desmotivados também sofrem com esse tipo de barreira à resposta empática.
As barreiras externas, por sua vez, envolvem questões do sistema de saúde, como buro-
cracia excessiva, questões de honorários e de tempo disponível para a comunicação com
o paciente, além de rigidez excessiva a protocolos e checklists. Situações de grande estres-
se também dificultam a resposta empática, uma vez que a atenção do médico tende a se
voltar a necessidades mais imediatas44.
Uma vez existentes as condições e minimizadas as barreiras, é possível pôr em prática
a resposta empática na interação com pacientes. O nível inicial de empatia envolve ati-
tudes como se atentar ao conforto do paciente, ter limites mais flexíveis de tempo para
a interação com ele, sentar-se ao invés de permanecer em pé, praticar a escuta ativa e
realizar perguntas abertas. São comportamentos e habilidades básicas que podem ser
ensinadas e incorporadas de rotina à prática clínica, mesmo quando o médico não apre-
senta uma empatia genuína. Nesse caso, o foco ainda é apenas tratar a doença44.
Níveis mais iniciais de empatia podem ajudar na satisfação do paciente, mas ge-
ralmente são insuficientes, em especial nos casos em que a demanda emocional é
maior. Nesses casos, o médico pode ser visto como robotizado e até mesmo dissimu-
lado por alguns pacientes caso limite sua empatia a esses comportamentos. A empa-
tia genuína, ao contrário, envolve, além dessas habilidades, uma conexão compassi-
va com o paciente. Para que tal conexão se estabeleça, é fundamental que o médico
não restrinja a visão sobre o paciente somente à sua doença como, por exemplo,
apenas a um “caso de linfoma” ou a um “candidato a transplante cardíaco”. Deve-
-se enxergá-lo como um indivíduo e se preocupar em entender sua perspectiva da
situação. Para isso, também deve se atentar a fatores não médicos influenciando o
cuidado. O médico passa, então, a ver o paciente como uma pessoa, como um todo.
Por exemplo, passa a enxergar sua perspectiva na ótica de um pai ou mãe de alguém,
uma pessoa com uma profissão, alguém com gostos e uma história própria. Por fim,
nesse estágio, o médico é capaz de comunicar o próprio entendimento da situação,
utilizando reflexões precisas sobre as manifestações do paciente44.

606
Da mesma forma como a empatia precisa ser cultivada diante de um cenário de cons-
tante exposição ao sofrimento de terceiros, também é fundamental promover o autocui-
dado do profissional envolvido em cuidados paliativos. O próprio ato de comunicar uma
notícia difícil, por si só, se associa a estresse, pensamentos de fracasso e dificuldade
para lidar com sentimentos como pena e culpa, que podem perdurar para muito além
do fim da interação com o paciente45,46. Uma estratégia para atenuar o estresse é realizar
os chamados “grupos Balint”, reuniões periódicas da equipe com um facilitador, que
buscam aumentar a habilidade do profissional da saúde em reconhecer suas próprias
emoções durante a interação com o paciente e refletir sobre elas, de forma a aprimorar
a relação médico-paciente. Nos grupos, os participantes descrevem espontaneamente os
encontros com o paciente, que são discutidos pelo grupo com um foco na narrativa e nas
emoções que dela surgem47. Algumas evidências mostram que a realização de grupos
Balint pode minimizar o burnout, em especial dois de seus componentes: exaustão emo-
cional e despersonalização. Também pode diminuir os níveis de alexitimia e melhorar a
percepção de suporte social, embora não tenha impactado a percepção quanto ao nível
de estresse, tampouco melhorado a falta de sentimento de realização profissional48.

O papel do treinamento de habilidades de comunicação e de protocolos para a comu-


nicação de notícias difíceis
Como exposto, a forma de comunicar uma notícia difícil pode ter um impacto nega-
tivo tão grande quanto o conteúdo em si. Da parte do profissional, a tarefa se associa a
grandes níveis de estresse e a um importante fardo de responsabilidade. Como resulta-
do, pode surgir relutância em realizar essa tarefa, o que foi denominado efeito “MUM”
(“MUM” effect)49. O efeito MUM é particularmente forte quando o destinatário da notícia
difícil já está se sentindo angustiado50. Assim, para muitos clínicos, um treinamento adi-
cional na divulgação de informações desfavoráveis ao paciente pode ser útil para au-
mentar sua confiança nessa tarefa e superar barreiras.
Isso suscita questionar quanto à possibilidade de se aprimorarem as habilidades de co-
municação através de estratégias de treinamento. De fato, estudos vêm demonstrando que é
possível aprimorá-las em médicos, por meio de programas de treinamento que promovem
o desenvolvimento de habilidades, tais como atentar-se às emoções do paciente, promover
que este explore suas percepções, solicitar permissão para dar a notícia e desenvolver em-
patia10,11,51-56. Contudo, os dados quanto ao impacto em desfechos clínicos desses programas
de treinamento ainda são inconsistentes55,56, apesar das evidências citadas anteriormente
neste capítulo que apontam a associação de uma boa comunicação a melhores desfechos.

607
Outra forma de treinar habilidades de comunicação de notícias difíceis por médicos
tem sido o uso de técnicas de simulação realística. Para isso, foram desenvolvidos mo-
delos que emulam uma variedade de cenários com diferentes respostas culturais e reli-
giosas a notícias difíceis, ou mesmo situações potencialmente delicadas e conflituosas,
a fim de preparar os médicos para essas situações. Para isso, são utilizados ambientes
preparados e atores treinados para reproduzir a sensação da vivência da prática clínica.
No entanto, ainda há grande heterogeneidade nas formas em que esse tipo de simulação
tem sido usada, enquanto os benefícios das diferentes abordagens e quando e como elas
devem ser utilizadas ainda não estão claros57. Não obstante, a simulação com scripts,
autorreflexão, briefing, debriefing e feedback ponto a ponto pode ser uma ferramenta edu-
cacional útil para preparar o médico para a prática clínica real. Esse modelo de apren-
dizado pode ajudar estudantes de medicina no internato a desenvolver as habilidades
necessárias para entregar de maneira eficaz e empática as notícias difíceis aos pacientes
e familiares quando adentrarem a prática médica58.
Como resultado do treino de habilidades de comunicação, incluindo cenários simu-
lados, os médicos podem se sentir mais confortáveis e seguros em dar notícias difíceis,
além de apresentarem menor exaustão emocional, diminuindo assim o risco de sofre-
rem com o estresse associado à tarefa59.

Estratégias de comunicação de uma notícia difícil: SPIKES e outros protocolos


Apesar de ser uma tarefa de difícil padronização, dadas as particularidades de cada
paciente e de cada contexto, tem-se buscado aprimorar a comunicação de notícias di-
fíceis. Para isso, foram criadas diversas diretrizes ou modelos que servem como uma
estrutura para esse tipo de comunicação. A maioria segue uma abordagem em comum,
composta por etapas semelhantes, a saber:

• Preparação para a divulgação (acertar o cenário, descobrir o quanto o paciente sabe


e deseja saber);
• Divulgação (usando linguagem clara e direta, entregue com empatia e verificando a
compreensão); e
• Acompanhamento (responder às emoções, responder perguntas, identificar os pró-
ximos passos, fechar a entrevista).

Esse tipo de estrutura se baseia no conceito “pergunta-fala-pergunta” (“ask-tell-ask”,


em inglês), que consiste em perguntar aos pacientes sobre sua compreensão atual de

608
um problema (“pergunta”), elaborar uma explicação (“fala”) que seja direcionada ao
seu nível de conhecimento e preferências de informação e, finalmente, perguntar no-
vamente ao paciente o que entendeu a respeito do que foi comunicado (“pergunta”).
Um exemplo de implementação da última etapa é pedir ao paciente que repita os pon-
tos-chave do que foi comunicado. Essa técnica pode ser usada repetidamente durante
toda a comunicação com pacientes e familiares, o que também evita que ela se torne
um monólogo, ao promover continuamente a participação ativa do interlocutor e ga-
rantir a compreensão das informações60. Ademais, a técnica abre espaço para identifi-
car medos, preferências, experiências prévias e atitudes do paciente frente à notícia.
Contudo, cabe a ressalva de que a compreensão deve ser avaliada com uma pergunta
aberta, para evitar uma resposta que se limite a “sim” ou “não”, como nos casos em que
se pergunta, por exemplo: “entendeu?”61.
A estrutura de encontros em que são comunicadas notícias difíceis deve incluir um
fechamento antes do encerramento. Nele, deve-se permitir que o paciente expresse pre-
ocupações e faça perguntas para, então, se traçar uma estratégia para lidar com o sofri-
mento, alinhada a seus valores e desejos8.
Segundo esses princípios, foram criados vários guidelines que auxiliam o médico a
desenvolver uma forma estruturada de transmitir uma notícia difícil. O modelo mais
usado e citado na literatura é o SPIKES, desenvolvido por Walter Baile et al.9 e que é apli-
cável a uma ampla variedade de cenários clínicos. A partir dele, surgiram vários outros
protocolos para a comunicação de notícias difíceis, como o ABCDE62 e o BREAKS63, além
de guidelines específicos para casos pediátricos64.
O Quadro 1 detalha todas as etapas do protocolo SPIKES. Nem toda situação de comu-
nicação de uma notícia difícil exige todas as etapas do SPIKES, todavia, sua sequência,
conforme descrito no Quadro 1, deve ser respeitada.
A American Society of Clinical Oncology também faz outras importantes recomendações
adicionais, que constam em seu guideline de 201765:
• Antes do encontro, revisar o prontuário médico e estabelecer os objetivos da conversa,
antecipando necessidades e respostas do paciente e familiares. Essas informações devem
estar facilmente acessíveis quando do encontro;
• A informação provida deve ser tempestiva, segundo o contexto e as necessidades do
paciente, e orientada para suas preocupações e preferências;
• Todas as discussões importantes devem ser documentadas em detalhes no prontuário.

609
QUADRO 1. PROTOCOLO SPIKES PARA A COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIAS DIFÍCEIS

• Providenciar privacidade: o ambiente deve ser tranquilo, silencioso e privativo. Uma sala de
entrevista é ideal. Tenha lenços à mão caso seja necessário.

• Envolver outras pessoas significativas: a maioria dos pacientes quer ter mais alguém com eles,
mas essa deve ser uma escolha sua, que deve ser perguntada previamente. Quando houver muitos
Etapa 1: familiares, peça ao paciente que escolha um ou dois representantes da família.

• Sentar-se: sentar relaxa o paciente e também é um sinal de que você não se apressará. Se você
S
examinou recentemente o paciente, permita que ele se vista antes da discussão.

(do inglês Setting • Conectar-se com o paciente: manter o contato visual pode ser desconfortável, mas é uma maneira
up: preparar a importante de estabelecer relacionamento. Tocar o paciente no braço ou segurar a mão (se o paciente
entrevista) estiver confortável com isso) é outra maneira de conseguir isso.

• Gerenciar restrições de tempo e interrupções: deve ser reservado tempo suficiente para
garantir um encontro sem interrupções. Informe o paciente sobre quaisquer restrições de tempo
existentes ou interrupções esperadas. Interrupções desnecessárias devem ser evitadas, por
exemplo, silenciando o celular.

Etapa 2:
• Seguir o axioma "antes que você fale, pergunte": antes de discutir as informações clínicas,
devem ser feitas perguntas abertas sobre o que o paciente sabe de sua situação atual – por
P
exemplo, o que acha ser e se a considera grave ou não. Por exemplo, "O que você sabe sobre
sua situação médica até agora?" ou "Qual é a sua compreensão do motivo de termos feito a
(do inglês ressonância magnética?". As respostas do paciente podem guiar o restante do encontro, de
Patient’s forma a lidar com as quebras de expectativa, preencher lacunas de conhecimento e corrigir
Perception: as informações erradas. Essa abordagem também permite prever possíveis perguntas que o
paciente e/ou seus familiares podem fazer e antecipar respostas para elas. Ademais, a avaliação
assimiliar a
da percepção prévia do paciente permite identificar variações de negação da doença, como
percepção do pensamentos ilusórios, omissão de detalhes médicos essenciais desfavoráveis da doença e
paciente) expectativas irreais de tratamento.

Etapa 3: • Perguntar ao paciente o quanto de informação ele deseja: estudos vêm mostrando que os
pacientes têm desejo por saber detalhes, mesmo que negativos, sobre sua saúde, ao contrário das
I suposições do passado, quando era comum omitir notícias difíceis. Contudo, de fato há variações
individuais e culturais quanto à preferência por quanto se deseja saber. Cabe ao médico respeitar
a autonomia e não pressupor, mas perguntar ativamente ao paciente qual o nível de detalhes
(do inglês
que ele deseja, antes de comunicar a notícia. Exemplos de possíveis perguntas são: “Como você
Patient’s gostaria que eu desse as informações sobre os resultados do teste? Gostaria que eu lhe desse
Invitation: todas as informações ou esboçasse os resultados e passasse mais tempo discutindo o plano de
avaliar o desejo tratamento?”. Se o paciente não quiser saber detalhes, é importante avaliar suas razões e aceitá-
las, oferecendo outras alternativas, especialmente se essa informação for necessária para, por
por informação
exemplo, tomar decisões. Nesses casos, deve-se avaliar a preferência do paciente quanto a outras
do paciente)
opções, como delegar a um familiar ter o conhecimento e tomar decisões por ele.

610
• Preparar o paciente: alertar que uma notícia difícil deve ser comunicada, antes de informá-la. Isso
pode atenuar o choque da informação e facilitar o seu processamento. Exemplos de frases que podem
ser usadas incluem: "Infelizmente, tenho notícias difíceis para contar" ou "Lamento dizer que..."
Etapa 4:
• Utilizar linguagem simples e direta: deve-se respeitar o nível de compreensão e vocabulário do
K paciente, evitando palavras técnicas e jargões. Também deve ser evitado, contudo, o excesso de
franqueza.
(do inglês
• Realizar pausas periódicas: as informações devem ser fornecidas paulatinamente, permitindo
Knowledge to
que o paciente as assimile. As pausas devem respeitar as reações do paciente. O entendimento
the Patient: do paciente deve ser verificado periodicamente, de forma a também determinar a necessidade de
fornecer as pausas e repetições.
informações
• Preservar a esperança sem dar falsos reasseguramentos: é importante ser honesto com o
ao paciente)
paciente e não fomentar expectativas irrealistas. Contudo, devem ser evitadas frases como "não
há mais nada que possamos fazer por você", ou outras que eliminem totalmente a esperança.
No contexto da paliação, também não é correto afirmar que não há mais o que se fazer, pois há
sempre objetivos terapêuticos importantes, como bom controle da dor e alívio dos sintomas.
Quando há incerteza, podem ser usadas expressões que alternem esperança com preocupação.

• Antecipar reações emotivas: reações emotivas são esperadas nesse contexto e o médico deve
estar preparado quando ocorrerem.

• Observar atentamente as emoções do paciente: é fundamental que o médico reconheça as


emoções do paciente que podem ser comunicadas de forma não verbal (lágrimas, um olhar de
Etapa 5: tristeza, silêncio ou expressão de choque, por exemplo) ou verbal. Na comunicação verbal, as
emoções podem se manifestar por meio de perguntas. Por exemplo, o medo pode se manifestar
em perguntas como “eu vou morrer?”, ou a raiva, em perguntas como “por que isso foi acontecer
E comigo?”. As emoções, após reconhecidas, devem ser nomeadas, validadas e respeitadas. O médico
deve manifestar que as reconhece e as entende e deve oferecer apoio. Podem ser usadas respostas
(do inglês empáticas como: "Eu também gostaria que as notícias fossem melhores".
Empathic
• Fomentar a confiança no médico e a colaboração do paciente: durante o encontro, os
Responses:
comportamentos e as reações do médico devem transmitir confiança.
utilizar
empatia para • Questionar sobre emoções ativamente: muitos pacientes não conseguem expressar suas
lidar com as emoções abertamente. Por exemplo, um paciente pode parecer triste, mas ficar em silêncio. Nesse
emoções do caso, o médico deve perguntar abertamente ao paciente o que está pensando ou sentindo. Também
deve verificar se pode prosseguir com a informação.
paciente)

• Identificar o motivo da emoção: quando o paciente expressa uma emoção, o médico deve buscar
entender o contexto associado e as razões por trás desse sentimento (geralmente, mas nem
sempre, é relacionado à notícia difícil).

• Fornecer tempo ao paciente para que expresse seus sentimentos: o paciente não deve ser
“inundado” por informação, sem ter tempo de assimilar o que está sendo comunicado. Assim, o médico
deve dar tempo para o paciente expressar sua emoção, antes de continuar com o restante da notícia.

611
• Apresentar opções de tratamento aos pacientes quando disponíveis: não é apenas um dever
ético e legal, mas também estabelece a percepção de que o médico considera os desejos do paciente
importantes. Devem ser abordados os prós e os contras de cada opção apresentada.

Etapa 6: • Discutir os próximos passos: para além das opções de tratamento, o médico deve fornecer uma
perspectiva de futuro ao paciente. Isso aumenta a previsibilidade e diminui a visão do futuro como
assustadora, pois a maioria dos pacientes quer saber o que vem depois de receber uma notícia ruim.
Quando o entendimento do futuro é mais claro, os pacientes são menos suscetíveis a ansiedade
S e incertezas. Esses passos podem consistir de exames, uma próxima consulta ou qualquer outra
conduta. Não significam obrigatoriamente uma necessidade de traçar logo em seguida um plano
(do inglês terapêutico ou discutir sobre decisões clínicas difíceis.
Strategy and
• Compartilhar a responsabilidade pela tomada de decisão com o paciente: além de um dever
Summary:
ético, ajuda a atenuar o sentimento de falha por parte do médico quando o tratamento não for bem-
estratégia e sucedido.
síntese)
• Verificar a compreensão do paciente sobre a informação e sobre o plano terapêutico: para evitar
a superestimação da eficácia do tratamento ou uma interpretação equivocada de sua finalidade, o
médico deve se certificar de que o paciente compreendeu o que foi comunicado de forma correta. Os
objetivos do cuidado devem ser bem explorados e ficar explícitos e transparentes.

ADAPTADO DE: BAILE ET AL., THE ONCOLOGIST 20008.

Considerações finais
A relação médico-paciente é aprimorada por vários atributos do clínico, incluindo o res-
peito à dignidade e autodeterminação do paciente, curiosidade clínica, atenção às prefe-
rências de tomada de decisão e questões culturais, responsabilidade, educação continuada
e profissionalismo. Para o desenvolvimento de muitos desses atributos, é fundamental o
cultivo de habilidades de comunicação, muitas das quais podem ser treinadas e aprendidas.
Uma comunicação eficaz com o paciente envolve elementos cognitivos, afetivos, com-
portamentais e sociais. Estratégias cognitivas podem ser empregadas para ampliar a
compreensão dos pacientes sobre suas condições e permitir decisões médicas informa-
das. Contudo, a comunicação do médico não pode se limitar a monólogos excessiva-
mente longos, carregados de detalhes técnicos e conceitos difíceis que podem não ser
assimilados por pacientes e familiares.
No cenário de cuidados paliativos, boa parte da comunicação pode envolver notícias difí-
ceis. Por sua vez, os receptores da informação – pacientes e seus familiares – se encontram
em um estado de fragilidade, marcado também por emoções negativas como medo, tristeza
e ansiedade. Uma abordagem meramente informativa não atenua (e pode inclusive acentu-

612
ar) essa sobrecarrega emocional. Assim, é fundamental empregar estratégias afetivas ao co-
municar notícias difíceis. Em especial, o médico deve reconhecer as emoções de pacientes
e familiares, e responder com empatia e apoio.

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619
Capítulo 31
Desafios na Comunicação e
Situações de Difícil Condução
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Elio Barbosa Raimondi Belfiore

Os termos “desafiador” e “difícil” referem-se a interações específicas entre profissionais


de saúde e pacientes e/ou familiares que podem variar de conversas frustrantes a compor-
tamentos disruptivos que podem ameaçar a vida. Tais situações podem comprometer o cui-
dado com os pacientes que nelas se envolvem. Na medicina em geral, essas situações são
frequentes, com estudos que apontam que até 15% dos encontros com pacientes são clas-
sificados como “difíceis” pelos médicos1. Nos cuidados paliativos, isso pode ser ainda mais
frequente, pois muitos dos fatores associados a esse tipo de situação, como pior funciona-
lidade do paciente e maior gravidade dos sintomas2, são comuns nessa área da medicina.
Além desses, outros fatores individuais dos pacientes contribuem para essas situações,
os quais serão abordados em detalhes neste capítulo2. Fatores adicionais, diretamente de-
correntes de sua condição clínica, também podem contribuir para a ocorrência de situ-
ações de difícil condução, por exemplo, presença de transtornos somáticos funcionais2.
Contudo, as causas são multifatoriais. Características do médico também podem agravar
uma situação de difícil condução, como falta de experiência, habilidades de comunica-
ção insuficientes e incapacidade de demonstrar empatia2,3. A esses fatores se somam li-
mitações do sistema de saúde, como redução no tempo disponível para o médico dedicar
atenção a seus pacientes, que podem gerar insatisfação no paciente. Este, por sua vez, in-
satisfeito, se torna cada vez mais exigente, comprometendo ainda mais a relação médico-
-paciente4. Em contrapartida, da parte do médico, limitações do sistema, como excessiva
burocracia, falta de controle sobre o cuidado oferecido e pressões de tempo levam a maior
frustração com os pacientes5, minando a relação do profissional com seus atendidos.
A abordagem dessas situações pelo médico deve seguir princípios gerais, que são deta-
lhados a seguir. Contudo, a depender da situação, as particularidades de cada contexto tam-
bém devem ser consideradas para guiar a forma como o médico lida com o cenário desa-
fiador. Questões familiares também devem ser apreciadas e são abordadas no Capítulo 32.

621
Conceitos e definições

• Paciente difícil: o que faz um paciente ser considerado “difícil” varia entre
os médicos, devido à sua natureza subjetiva. Em geral, não é a complexidade
do problema médico que torna o paciente difícil. Ao contrário, muitos médicos
apontam as seguintes características como frequentes nos pacientes que eles
consideram particularmente difíceis: aqueles que demandam muito; os que são
violentos, rudes e agressivos; além daqueles que buscam ganhos secundários6.
Contudo, enquanto esses pacientes são considerados difíceis por uns, outros
médicos podem considerar a interação com eles como algo desafiador e uma
oportunidade para refinar suas habilidades clínicas e de comunicação. Geral-
mente, porém, o termo se associa à frustração na relação médico-paciente.

• Situações desafiadoras: variam desde conversas ruins, em que predominam


emoções como frustração, raiva, medo, desespero e humilhação, até comporta-
mentos agressivos, como ameaças, acessos de raiva, destruição de propriedade
e agressão física.

Fatores do paciente associados a dificuldades na interação com o médico


Pacientes considerados difíceis ou “frustrantes” tendem a ter um histórico de alta uti-
lização de serviços de saúde, muitas vezes com frustrações acumuladas em seu passado
médico2,4. Em geral, possuem um grande número de sintomas físicos, uma funcionalida-
de pior e maior gravidade de sintomas2. Em muitos casos, tais pacientes também podem
ser portadores de transtornos psiquiátricos ou, então, traços de personalidade e sintomas
subclínicos associados à psicopatologia, que levam a problemas de relacionamento inter-
pessoais. Muitos desses pacientes, ademais, apresentam sintomas somáticos na sintoma-
tologia de seus quadros, o que não exclui possuírem também causas orgânicas para seus
sintomas físicos. Nesses casos, as múltiplas tentativas do médico, sem sucesso, em buscar
um diagnóstico clínico para esses sintomas pode ser significativamente frustrante. Ainda,
muitos desses pacientes podem não ter crítica sobre sua condição, o que dificulta a abor-
dagem por parte do médico, mesmo quando é possível identificar a psicopatologia4.
Em 1978, Groves publicou no New England Journal of Medicine um artigo em que pro-

622
punha uma classificação dos pacientes considerados difíceis, de acordo com suas carac-
terísticas e comportamentos7. Embora a prática médica tenha mudado significativamen-
te desde então, alguns desses conceitos ainda podem ser aproveitados, especialmente
para entender melhor alguns gatilhos e fatores que podem explicar o comportamento
do paciente, de modo a identificá-los corretamente e planejar uma intervenção mais
direcionada. O Quadro 1 elenca os quatro tipos de pacientes propostos por Groves, suas
características e sugestões específicas de abordagem3,7.

QUADRO 1. TIPOS DE PACIENTES DESAFIADORES, SUAS CARACTERÍSTICAS E ABORDAGENS SUGERIDAS

Tipo de paciente e Características do


Abordagem
suas características encontro clínico

• Manter uma postura profissional;


• O paciente geralmente faz com
Dependente e que o médico simpatize com ele • Estabelecer limites precocemente e mantê-
emocionalmente e o elogia, fazendo com que o los de forma consistente;
apegado: inseguro, profissional se sinta especial;
desesperado por • Envolver o paciente na tomada de decisão;
reasseguramento, • Conforme a relação se desenvolve,
preocupado com o o paciente se torna carente, pede ou • Deixar claro para o paciente que ele não
abandono demanda um tempo individual cada será abandonado;
vez maior do médico, que pode se
sentir ressentido. • Deixar marcados retornos regulares de
forma antecipada.

• O médico deve tentar controlar seus


julgamentos e identificar seus próprios
sentimentos (contratransferência);

Demandante que • O paciente é agressivo e • Reconhecer que o comportamento hostil do


acredita ter mais intimidador, já estabelecendo uma paciente pode ser a forma que ele encontrou
direitos: geralmente relação negativa com o médico; para manter sua integridade e dignidade em
irritado, não quer um momento de uma doença devastadora;
passar pelos • O paciente vê o médico e o
processos necessários sistema de saúde como barreiras a • Se uma emoção específica se torna
para a avaliação suas necessidades; evidente, ela deve ser abordada com o
adequada ou para o paciente e o médico não deve reagir de forma
tratamento, podendo • O médico pode sentir raiva, dúvida defensiva quando o paciente manifesta suas
estar reagindo ao ou frustração. preocupações;
medo e à perda
• Reforçar com o paciente que ele tem direito
a um cuidado médico de excelência, mas que
sua raiva não pode ser direcionada àqueles
que tentam ajudá-lo.

623
Tipo de paciente e Características do
Abordagem
suas características encontro clínico

• O paciente envolve o médico por


meio de manipulação inconsciente;

• Reconhecer que o paciente deseja


• O paciente retorna para buscar
Manipulador que permanecer conectado com o médico e não
cuidado oralmente em ciclos de
rejeita o cuidado: necessariamente melhorar;
busca por ajuda e rejeição ao
deseja atenção,
tratamento, não melhorando
foi rejeitado • O paciente deve ser engajado no cuidado
a despeito do aconselhamento
anteriormente e ao compartilhar com ele as frustrações sobre
adequado;
tem dificuldade desfechos ruins;
em confiar nos
• O paciente acredita que a sua
outros. Geralmente • Trabalhar com o paciente para estabelecer
saúde não melhorará;
tem um quadro limites quanto às expectativas;
depressivo ainda não
• O médico pode se sentir
diagnosticado. • Focar no alívio dos sintomas.
preocupado em ignorar uma
condição grave.

• Reconhecer que a completa resolução dos


problemas é limitada;
Negacionista • Os problemas de saúde e/ou
sintomas persistem mesmo após • Estabelecer expectativas realistas;
autodestrutivo: se
sente desesperançoso aconselhamento e tratamento
adequados; • Identificar causas de não aderência, como
sobre mudar a
problemas financeiros, falta de tempo,
situação, incapaz de
• O paciente continua com hábitos dificuldade no acesso aos cuidados de saúde
se ajudar, teme falhar,
autodestrutivos; ou ao tratamento adequado;
pode ter depressão
e/ou ansiedade não
• O médico pode se sentir incapaz e • Celebrar cada pequeno sucesso com o
diagnosticadas ou
responsável pela falta de progresso. paciente;
tratadas.

• Oferecer e/ou providenciar apoio psicológico


e/ou psiquiátrico.

ADAPTADO DE: LORENZETTI ET AL., AM FAM PHYSICIAN 20133; E GROVES, N ENGL J MED 19787.

Fatores do médico associados a dificuldades na interação com o paciente


O excesso de trabalho do médico pode estar relacionado ao maior número de pacien-
tes considerados difíceis. Os médicos que têm maior necessidade de certeza diagnóstica
são mais propensos a considerar os pacientes difíceis nos casos em que estes apresen-
tem diagnósticos múltiplos ou vagos, retornem de forma repetida apresentando má res-

624
posta ao tratamento, queixem-se persistentemente de sintomas somáticos ou não sigam
repetidamente os planos de tratamento4. Ademais, médicos com postura pior quanto às
questões psicossociais2 e os menos experientes2,4 também apresentam maior número de
interações com pacientes consideradas difíceis. O Quadro 2 elenca os fatores associados
a uma maior frequência desse tipo de situação.

QUADRO 2. FATORES DO MÉDICO ASSOCIADOS A MAIOR FREQUÊNCIA DE INTERAÇÕES COM PACIENTES


CONSIDERADA DIFÍCEIS

Condições psicológicas, psiquiátricas


Percepções e estados emocionais Habilidades e conhecimento
e outros problemas de saúde

• Insegurança;
• Treinamento inadequado
• Esgotamento e exaustão por • Burnout; em questões psicossociais na
excesso de trabalho; medicina;
• Ansiedade;
• Intolerância à incerteza • Conhecimento limitado sobre a
diagnóstica; • Depressão; condição de saúde do paciente;

• Vieses negativos quanto a certas • Privação de sono; • Falta de habilidades de empatia;


condições de saúde;
• Outras questões de saúde • Frusta-se facilmente;
• Percepção de pressão de tempo; do médico.
• Habilidades de comunicação
• Estresse por questões deficientes.
situacionais.

ADAPTADO DE: LORENZETTI ET AL., AM FAM PHYSICIAN 20133.

Princípios gerais da abordagem ao paciente difícil e às situações desafiadoras


Alguns princípios são comuns à abordagem a diferentes situações que podem consti-
tuir interações difíceis com pacientes. São eles:

• Utilizar técnicas de comunicação adequadas (como as descritas no Capítulo 30), sen-


do sempre transparente, claro, direto, objetivo e específico. Uma boa comunicação
se faz ainda mais relevante quando for necessário comunicar notícias difíceis. Nesse
cenário, pode ser usado um protocolo específico, como o SPIKES8. Ademais, sempre
certificar-se de evitar uma comunicação truncada, em que mal-entendidos possam
aflorar. Para isso, pode-se eleger um membro da equipe como porta-voz, centralizan-
do a comunicação. Para evitar mal-entendidos, também é importance checar o enten-

625
dimento do paciente, perguntando se este compreendeu o que foi comunicado antes
de passar para o próximo tópico8;

• Estabelecer limites bem definidos sobre o que é inaceitável da parte do paciente, como
xingamentos, uso de palavras de baixo calão, insultos pessoais, injúria racial, entre ou-
tros comportamentos, elencados no Quadro 3. O médico deve ser específico, ao invés de
vago, ao determinar qual comportamento é inadequado;

• Sempre ter uma postura profissional, demonstrando comportamentos como: ser


pontual, sentar-se para falar com o atendido e solicitar permissão para discutir tópi-
cos sensíveis8,9;

• Evitar quebras de expectativa, deixando expresso de antemão que há limitações na


habilidade do médico em prever a resposta ao tratamento e desfechos clínicos;

• Fornecer informações sobre o plano de cuidado e alinhar as expectativas do paciente


a ele, de forma a evitar expectativas irreais8;

• Promover discussões interdisciplinares periódicas, para certificar-se que todos os


membros da equipe envolvidos no cuidado estão alinhados. Caso ocorram incidentes,
é possível organizar debriefings com a equipe para discutir o ocorrido;

• Evitar o emprego de adjetivos e nomes pejorativos para se referir ao paciente, in-


cluindo a documentação em prontuário, que deve ser feita de forma técnica e objetiva,
não “levando o desentendimento para dentro” do prontuário;

• Buscar uniformizar o cuidado do paciente de forma longitudinal, evitando-se quebra


nos cuidados, incluindo mudança frequente de profissionais;

• Atentar-se à contratransferência, ou seja, reações conscientes e inconscientes por


parte do médico diante da interação com o paciente, que podem ser desencadeadas
pelo comportamento deste. Para isso, o foco do problema deve estar na relação mé-
dico-paciente em si, ao invés de ser levada para o pessoal. É importante não fazer
presunções sobre o paciente e buscar entender as causas por trás do mal-entendido.
A partir daí, o médico deve identificar o que pode ser mudado na situação e o que está

626
além de seu controle. Na maior parte das vezes, uma mudança no comportamento do
paciente foge ao controle do médico, pois só poderá vir do próprio atendido. Contudo,
o médico pode controlar a sua reação a ele9,10;

• Envolver equipe de psicologia e psiquiatria caso esteja presente um transtorno psi-


quiátrico, aspectos psicológicos complexos e/ou transtorno por uso de substâncias.

Uma técnica interessante para a abordagem do paciente difícil é o acrônimo CALMER


(do inglês): ser um Catalisador da mudança; Alterar pensamentos para mudar sentimen-
tos; ouvir (Listen, em inglês) para somente então fazer um diagnóstico; fazer (Make, em
inglês) um acordo; Educação e seguimento; ir atrás de ajuda (Reach out, em inglês) e
discutir sentimentos11.

• Ser um catalisador da mudança: o médico deve identificar em qual estágio de prepa-


ração para a mudança o paciente está (pré-contemplação, contemplação, preparação,
ação, manutenção e recaída). A partir daí, deve dar recomendações específicas para o
paciente progredir em direção à mudança;

• Alterar pensamentos para mudar sentimentos: envolve princípios da terapia com-


portamental (alterar pensamentos) e da psicodinâmica (identificar contratransfe-
rência). O médico deve identificar os sentimentos vivenciados em resposta ao pa-
ciente (contratransferência) antes, durante e/ou após a interação. Em seguida, deve
se perguntar como esses sentimentos estão influenciando a interação médico-pa-
ciente e o plano terapêutico. O médico não deve enxergar comportamento do pa-
ciente como algo pessoal. Ao contrário, deve enxergá-lo como algo próprio do aten-
dido, que se manifesta em muitas outras interações de sua vida e não apenas diante
do médico. Possíveis motivações para esse comportamento devem ser investigadas
e, por fim, o médico deve buscar identificar o que pode fazer para se sentir menos
impactado pela situação (mudar sentimentos);

• Ouvir para somente então fazer um diagnóstico: por conta da interação difícil, o
médico pode não identificar corretamente o que o paciente está tentando comunicar,
seja de forma verbal ou não verbal. As duas etapas anteriores dão mais recursos ao
médico para que ouça e entenda o paciente em maior profundidade, evitando erros de
diagnóstico e melhorando a relação médico-paciente;

627
• Fazer um acordo: nesta etapa, o médico deve fazer um acordo com o paciente para
que continue na relação médico-paciente, em um compromisso no qual ambos tra-
balharão juntos. Isso evitará que o paciente ache que será abandonado e perca sua
confiança na relação, aumentando a percepção de controle de ambas as partes, uma
vez que os dois lados verbalizam um acordo consciente e voluntário;

• Educação e seguimento: nesta etapa, o médico deve discutir com o paciente como o
plano do cuidado será implementado, da forma mais específica possível. Nessa fase,
o médico deve tentar encontrar algum espaço pra flexibilização, de forma a adequar
as metas propostas ao estágio de preparação para a mudança em que o paciente está,
conforme identificado na primeira etapa;

• Ir atrás de ajuda e discutir sentimentos: muitos médicos se fecham em si mesmos


e evitam discutir seus sentimentos e buscar ajuda quando estão sofrendo (mais de-
talhes sobre o tema são discutidos no Capítulo 33). Porém, mesmo o mais habilidoso
dos médicos poderá sentir o impacto da interação com um paciente difícil. Assim, é
importante que o profissional se pergunte como se sente diante dos comportamentos
do paciente difícil. A seguir, o médico deve pensar como se protegerá e cuidará de si
nas próximas interações em que tais sentimentos vierem à tona. Discutir esses senti-
mentos e a experiência vivenciada com um colega de confiança ou um amigo pode ser
útil, ao prover suporte social. O médico não deve se sentir sozinho nessas situações.

QUADRO 3. ALGUNS DOS COMPORTAMENTOS CONSIDERADOS INACEITÁVEIS NA INTERAÇÃO ENTRE


MÉDICO E PACIENTE

• Atos de agressão física, incluindo tentativas;


• Uso ou posse de armas de fogo, armas brancas ou outras armas;
• Danos intencionais à propriedade do instituto ou à propriedade de outros pacientes, familiares ou
funcionários;
• Ações que criem medo razoável em outra pessoa;
• Percepção razoável de intenção de prejudicar uma pessoa ou danificar propriedade;
• Comportamentos verbais e escritos que podem se manifestar por meio de encontros pessoais,
comunicação escrita (e-mail, blogs na internet, redes sociais) e que uma pessoa razoável veria
como degradante, depreciativo, assediador ou intimidador (exemplos: ameaças, xingamentos, uso
de palavras de baixo calão, insultos pessoais, injúria racial, entre outros);
• Gritos repetidos ou grosseria (por exemplo, desligar o telefone, insultar);

628
• Comportamento intrusivo persistente concedido a um membro da equipe (por exemplo,
telefonemas desnecessários, presentes, convites para encontros), mesmo após o profissional ter
solicitado que o indivíduo cesse tal comportamento;
• Pedir emprestado, desviar ou furtar medicações, incluindo falsificação e fraude de prescrições;
• Venda de medicamentos receitados.

ADAPTADO DE: MARSHALL ET AL., AM J GASTROENTEROL 19951O.

Situações desafiadoras específicas


Pacientes com transtornos de personalidade
Os transtornos de personalidade são definidos como padrões difusos e desadaptativos de
experiência interna e de comportamento do indivíduo, causando sofrimento e prejuízos a
ele. Esses padrões são duradouros e podem se iniciar já na infância ou fim da adolescên-
cia, embora o transtorno seja diagnosticado somente na vida adulta12. Assim, não é pos-
sível realizar o diagnóstico de um transtorno de personalidade somente após uma única
interação com o paciente, sem avaliar sua história de forma longitudinal. Ademais, alguns
indivíduos podem não ter um transtorno de personalidade manifesto, porém, podem ser
portadores de alguns traços de personalidade desadaptativos, que se exacerbam em situa-
ções de estresse intenso, como pode ocorrer no contexto de uma grave doença. Acima de
tudo, é importante não rotular o paciente com um diagnóstico feito somente com base em
uma percepção subjetiva negativa (ou seja, decorrente da contratransferência) quanto ao
paciente (por exemplo, por “não gostar” dele). Como exposto, permitir que a contratrans-
ferência interfira no processo diagnóstico pode levar ao erro, ao não permitir que se ouça a
real mensagem que o paciente está tentando comunicar10.
As manifestações mais comuns dos transtornos de personalidade podem afetar direta-
mente as relações interpessoais e, portanto, a relação médico-paciente, potencialmente
prejudicando o cuidado. Pacientes com transtornos de personalidade podem ser exces-
sivamente dependentes, exigentes, manipuladores ou teimosos, ou podem recusar tra-
tamento de forma autodestrutiva4. Dados mostram que a prevalência de transtornos de
personalidade é maior nos pacientes considerados difíceis do que em pacientes-contro-
le13. No entanto, não se deve presumir que todo paciente difícil ou que todo conflito que
ocorre entre médicos e pacientes se deve a transtornos de personalidade. Para a correta
identificação dos casos é importante, portanto, conhecer a psicopatologia desses trans-
tornos. Algumas dessas manifestações são: irritabilidade constante, podendo evoluir para
hostilidade, agressividade e ameaças (por exemplo, físicas e de processos); desconfiança;

629
dependência excessiva; habilidades de comunicação ruins; demandas excessivas para cui-
dados imediatos ou medicamentos específicos; baixa adesão terapêutica, rejeição ou recu-
sa do tratamento recomendado; polarização de opiniões sobre as pessoas como “boas” ou
“ruins” (fenômeno denominado splitting); intimidação ou desvalorização dos prestadores
de cuidados; expectativas irreais ou inadequadas sobre tratamento ou cuidados; pedido de
intervenções desnecessárias; e constante busca por reasseguramento.
Além da recorrência de comportamentos como esses, a hipótese de um transtorno de per-
sonalidade deve ser suscitada nos casos de pacientes com círculo social prejudicado (maior
parte da família e dos amigos se afastou)14, história de trauma e/ou abuso15 e que foram
presos no passado16. Os médicos envolvidos no cuidado a esse paciente, por sua vez, podem
reagir com sentimentos como raiva, frustração, tédio e com uma percepção negativa quanto
ao paciente. Essa reação, denominada contra-transferência segundo as teorias psicodinâmi-
cas, deve ser observada pelo médico por meio da autorreflexão. A partir dessa identificação,
o médico deve desenvolver uma crítica sobre sua contratransferência, de forma a identificar
comportamentos que dela se originem e que possam comprometer seu julgamento clínico e
o cuidado do paciente. Uma forma de elaborar as sensações suscitadas por um paciente com
transtorno de personalidade é discutir a experiência da interação com ele com membros da
equipe e outros colegas, incluindo em atividades como grupos Balint11,17. Assim, embora não
seja possível eliminar totalmente a contra-transferência, é possível administrá-la, de forma
a evitar consequências negativas para a relação médico-paciente.
Independente do transtorno específico, algumas estratégias de abordagem podem ajudar
no manejo de pacientes com traços de personalidade desadaptativos e associados a reações
negativas em profissionais de saúde. Além de conseguir reconhecer e elaborar a reação
emocional que o paciente provoca no médico, outras estratégias interessantes incluem:

• Prevenir erros de comunicação entre a equipe, buscando consistência na informa-


ção e alinhamento quanto aos objetivos do tratamento e limites para o comportamen-
to do paciente, medida que pode ser promovida em reuniões regulares de equipe;

• Coordenar precocemente o cuidado com a equipe de interconsulta e apoio psicoló-


gico e psiquiátrico17;

• Realizar encontros com o paciente na presença de mais de um membro da equipe,


de forma a evitar possíveis manipulações;

630
• Ajustar as expectativas quanto ao cuidado, uma vez que esses pacientes podem pre-
cisar de mais tempo e recursos despendidos pela equipe;

• Obter feedback dos colegas sobre suas habilidades de comunicação, de modo a verifi-
car em que ponta da relação pode estar o problema;

• Deixar claro aos pacientes que suas consultas devem ser priorizadas e, durante elas,
devem se concentrar em suas preocupações mais importantes;

• Demonstrar ao paciente que seu sofrimento é reconhecido e nunca invalidá-lo ou


minimizá-lo;

• Focar em aspectos específicos da história ou apresentação do paciente que provocam


empatia, uma vez que a dificuldade imposta por esses pacientes pode comprometer
o estabelecimento de uma relação empática, necessária para um bom cuidado a ele;

• Conhecer princípios básicos da terapia comportamental dialética, que são úteis no


manejo de alguns transtornos de personalidade18;

• Registro cuidadoso da interação com o paciente e, se necessário, envolver a equipe


de suporte legal e ético da instituição17.

Casos graves e incidentes importantes devem ser levados ao conhecimento da dire-


ção da entidade assistencial e/ou da comissão de ética local, especialmente quando o
comportamento do paciente e/ou a resposta de um ou mais profissionais levar a desvios
significativos das práticas recomendadas de cuidados ou ao desrespeito dos limites pre-
viamente acordados.

Pacientes com transtornos por uso de substâncias


Os transtornos por uso de substâncias estão associados a uma ampla gama de com-
portamentos, que podem variar de demandas recorrentes por substâncias controladas
a comportamentos que colocam em risco a vida do paciente e sua situação legal. Ape-
sar de não ser tão frequente no Brasil como é nos Estados Unidos, o abuso de opioides
pode ser um problema nos cuidados paliativos, pois prejudica a adesão ao tratamento19,
dificulta o manejo farmacológico da dor, piora o sofrimento do paciente e pode causar

631
problemas familiares. Além disso, impõe ao médico paliativista um desafio adicional:
diferenciar um quadro de piora e maior dificuldade de controle da dor de uma situação
de abuso (problema abordado em detalhes no Capítulo 8).
Aos desafios sobre o uso de opioides em cuidados paliativos soma-se o fato de que as
ferramentas para rastreio e avaliação de quadros suspeitos de abuso não foram validadas
em pacientes nesse contexto, como a Screener and Opioid Assessment for Patients with Pain
(SOAPP)20,21 e a Opioid Risk Tool (ORT)22. A essa dificuldade também se somam mitos e falta
de conhecimento de muitos médicos sobre o uso de opioides para o tratamento da dor23.
Algumas estratégias específicas, contudo, podem auxiliar no combate ao abuso e
prescrição inadequada de medicamentos:

• Designar apenas um prescritor para fármacos de alto risco de abuso e dependência,


como opioides e benzodiazepínicos, já no início do tratamento;

• Avaliar ativamente fatores de risco para abuso e dependência de opioides e outros


fármacos de risco, como histórico de transtorno por uso de substância prévio;

• Estabelecer com o paciente e seus familiares as metas e expectativas sobre o con-


trole da dor e do manejo de outros sintomas baseado em uma escala predefinida (es-
cala visual de dor – ENV – de 0 a 10, por exemplo), evitando demandas adicionais por
medicamentos justificadas por expectativas irreais de tratamento (por exemplo, uma
demanda irreal por eliminar completamente a dor);

• Fornecer expectativas e limites claros antes de prescrever uma medicação, com es-
quemas bem especificados e delimitados para a otimização de doses não preconizadas
pela prescrição (por exemplo, doses de resgate);

• Identificar as prováveis consequências se os pacientes não cumprirem o que foi


acordado com o prescritor;

• Marcar consultas ambulatoriais frequentes e prescrever fármacos de risco em inter-


valos de uma a duas semanas no máximo;

• Maximizar a indicação de tratamentos não farmacológicos e medicamentos que não


causem dependência;

632
• Revisar as prescrições feitas e o prontuário com frequência, em busca de possíveis
inconsistências;

• Consultar especialistas em transtornos por uso de substâncias, caso haja intercor-


rências graves e persistentes.

Caso seja observado um comportamento suspeito para abuso e/ou dependência du-
rante o tratamento, deve-se fazer um seguimento atento, incluindo encaminhamento
para psiquiatra e, possivelmente, terapia cognitivo comportamental. O uso de exames
toxicológicos de rastreio, contudo, não é indicado. O Quadro 4 elenca alguns comporta-
mentos que devem levantar suspeitas de transtorno por uso de substância.

QUADRO 4. COMPORTAMENTOS QUE DEVEM LEVANTAR SUSPEITA DE TRANSTORNO POR USO DE SUBSTÂNCIA
EM PACIENTES EM CUIDADOS PALIATIVOS

• Pedir emprestado ou furtar medicações;


• Aumentar a dose utilizada, por conta própria, apesar de avisos para não o fazer;
• Falsificar e fraudar de prescrições;
• Vender de medicamentos receitados;
• Resistir à troca de opioide ou descontinuá-lo, apesar de efeitos colaterais;
• Apresentar piora do funcionamento social não explicado pela doença ou por fatores sociais a ela
associados;
• Usar concomitantemente de álcool e/ou drogas ilícitas;
• Receber prescrições de diversos médicos, sem informar a cada um deles.

ADAPTADO DE: PASSIK ET AL., ONCOLOGY 199824.

Pacientes com ideação suicida


Esta pode ser uma das situações mais desafiadoras na prática médica, uma vez que
muitos profissionais não são capacitados para lidar com esse tipo de problema. Os com-
portamentos suicidas se manifestam em um espectro que varia desde apenas pensa-
mentos de morte até planos estruturados com alta intenção. O suicídio em pacientes
com doenças graves tem alta prevalência e pode assumir a forma, nessa população, de
pedidos de morte assistida ou adiantada para o médico25. Dados apontam que pacientes
com câncer, por exemplo, apresentam risco relativo de suicídio de 1,35 (para mulheres)
e 1,55 (para homens) em relação à população geral, sendo que o maior risco ocorre logo
nos primeiros meses após o diagnóstico26. Nessa linha, dados observacionais da Holanda
apontam que até 47% dos pacientes que solicitam e 17% que concluem a eutanásia ativa

633
ou o suicídio assistido por médico apresentam sintomas depressivos27. Detalhes envol-
vendo eutanásia e suicídio assistido, assim como sua relação com quadros depressivos,
são explorados no Capítulo 38.
Para abordar essa situação desafiadora, o médico deve estar sempre atento aos co-
mentários do paciente que apontem algum tipo de ideação suicida. Para isso, deve
entender que essa é uma possibilidade real nesses pacientes, não devendo minimizar
comentários que, muitas vezes, podem ocorrer de forma encoberta. Assim, deve-se per-
guntar explicitamente sobre pensamentos suicidas vigentes e acesso a instrumentos le-
tais. Caso se revelem fatores de risco, como um plano específico muito letal, intenção
muito forte com planejamento, psicose ou fácil acesso a armas de fogo e outros métodos
letais, deve ser realizado encaminhamento urgente a um psiquiatra ou pronto-socorro,
para verificar a necessidade de internação. Situações de baixa continência familiar, em
que se torna menos provável de conseguir impedir um comportamento suicida por parte
do paciente, também indicam cuidado especializado.
É frequente pacientes com doenças graves e em fim de vida considerarem ser um
fardo para seus familiares. Dados apontam que até 65% dos pacientes no contexto dos
cuidados paliativos têm sentimentos negativos associados à sensação de se considera-
rem um fardo para os familiares. Ademais, tais sentimentos influenciam suas decisões
de fim de vida28. Assim, o médico deve explorar as razões que podem estar associadas
à ideação suicida, investigando se essas possíveis preocupações estão presentes. Deve,
nesses casos, tranquilizar o paciente com relação ao gerenciamento eficaz dos sinto-
mas e ao compromisso da equipe de saúde com suas preferências e valores. Outras
condutas importantes nessas situações também incluem avaliação e cuidado especia-
lizado em relação aos aspectos espirituais do paciente, avaliação por assistente social
para averiguar possíveis problemas familiares e socioeconômicos e encaminhamento
para psiquiatra e/ou psicoterapia. O médico também deve se disponibilizar para ouvir
as demandas do paciente, desenvolvendo uma presença compassiva, uma vez que há
evidências de menor risco de ideação suicida quando há uma melhor relação médico-
-paciente, como observado em adultos jovens com câncer29.

Pacientes com comportamentos violentos


Estudos realizados com médicos em Israel, Índia, Turquia e China apontam diversas
causas para a violência contra médicos. Entre elas, estão expectativas não atendidas de
pacientes e familiares, desejos por determinadas prescrições não atendidos, deficiên-
cias estruturais do serviço (por exemplo, falta de pessoal), percepção ruim de sua qua-

634
lidade, longos tempos de espera, entre outros. A comunicação deficiente entre médicos
e pacientes e seus familiares foi um fator muito prevalente nos vários países pesquisa-
dos30-33. Dessa forma, é fundamental cultivar habilidades de comunicação para que o
risco de desentendimentos seja minimizado, tópico abordado no Capítulo 30.
Além dessas situações, a própria condição clínica do paciente pode se associar a uma
alteração de seu estado mental, produzindo comportamentos agressivos. Alguns exem-
plos incluem: quadros demenciais, delirium, intoxicação por substâncias, transtornos
psiquiátricos descompensados e doenças mentais orgânicas34. Essa situação é denomi-
nada síndrome da agitação aguda. Para identificá-la, o médico deve se atentar a altera-
ções do comportamento que podem ser inicialmente sutis, como agitação psicomotora,
sinais de psicose, aumento do tom de voz e ameaças.
Abordagens gerais para quadros de agressividade incluem: garantir pessoal adequado
para auxiliar no controle do paciente, caso a situação se agrave; realizar o encontro em um
ambiente seguro, mantendo uma distância adequada e uma rota de fuga facilitada; manter
a firmeza no contato com o paciente e/ou familiares, mas sem perder o respeito por ele,
assim como a calma e a clareza nas respostas; não tolerar ameaças ou abuso verbal, pois po-
dem escalar para agressividade mais intensa; deixar bem claro quais comportamentos são
considerados inaceitáveis logo de início; solicitar avaliação de psiquiatra para os pacientes
que fazem ameaças ou que demonstram comportamentos problemáticos recorrentes e/ou
crescentes (como sinais de agitação psicomotora, psicose, comportamento desorganiza-
do); e implementar na instituição um “código de resposta comportamental”, que envolva
equipe treinada e especializada para o manejo de quadros de agitação psicomotora, com
protocolos de manejo e de segurança específicos, segundo normas amplamente aceitas.
Abordagens farmacológicas e outras medidas comuns na prática psiquiátrica podem ser
necessárias, mas fogem do escopo deste capítulo.

Recusa de cuidados
Como os pacientes em cuidados paliativos estão gravemente doentes e recebem medi-
camentos que afetam o sistema nervoso central, a primeira prioridade é determinar se
o paciente tem capacidade de tomada de decisão. Se esta estiver preservada, no Brasil,
nos casos em que não há risco de vida, o paciente está legalmente autorizado a recusar
atendimento médico, assim como o profissional está legal e eticamente protegido. De-
talhes sobre os aspectos bioéticos, de deontologia médica e legais dessa situação são
abordados nos Capítulos 37 e 39, enquanto formas de abordá-la no contexto da relação
médico-paciente são detalhadas no Capítulo 40.

635
Os pacientes que não têm capacidade de tomada de decisão devem ser tratados de for-
ma a restaurar sua capacidade para consentir, sempre que possível. Nesses casos, a deci-
são pode ficar a cargo de um terceiro, geralmente um familiar, de acordo com preceitos
éticos e legais detalhados no Capítulo 39. Nos casos de fim de vida, em que se decide por
limitar o tratamento (ortotanásia), dá-se preferência por medidas que têm como intuito
primário diminuir a dor e aumentar o conforto.

Considerações finais
Cuidar de pacientes com doenças graves já é, por si só, uma tarefa estressante, tanto
para profissionais de saúde, quanto para cuidadores. O convívio diário com o sofrimento
e os desafios impostos pela condição de saúde, que vão desde angústias espirituais até
problemas financeiros, contribuem para que aflorem emoções intensas, muitas vezes,
negativas. Assim, o dia a dia de todos os agentes nesse cenário pode ser marcado por
sentimentos como raiva, tristeza, ansiedade e medo. Muitos desses sentimentos podem
interferir nas interações entre pacientes, familiares e os profissionais de cuidados palia-
tivos, criando conflitos e situações desafiadoras de comunicação.
Ao cenário causado pela doença se somam fatores prévios, que podem contribuir para
esses conflitos e situações desafiadoras. Aspectos da personalidade de pacientes e fami-
liares podem interferir na comunicação, enquanto transtornos por uso de substância
podem comprometer o cuidado. Por outro lado, fatores do próprio médico também po-
dem influenciar a interação. Ademais, a equipe deve ser treinada para lidar com com-
portamentos violentos que podem se associar a esses quadros ou à própria condição
clínica do paciente, devendo a instituição fornecer estrutura adequada e protocolos para
o manejo dessas situações. Ainda, muitos quadros de doenças graves também podem se
associar a um maior risco de suicídio. Todos esses fatores requerem que o paliativista
tenha conhecimentos de psiquiatria e boas habilidades de comunicação, para poder su-
perar esses desafios de seu dia a dia.
Por fim, situações de conflito podem ocorrer quando o paciente recusa seguir reco-
mendações médicas e tratamentos propostos. Esses casos requerem, além de boas ha-
bilidades de comunicação, conhecimentos de bioética e de aspectos legais do cuidado.
Neste capítulo, buscamos fornecer conceitos importantes, necessários para que o leitor
tenha maior segurança em sua abordagem a esses cenários.

636
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639
Capítulo 32
Abordagem à Família
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Elio Barbosa Raimondi Belfiore
Mariana Ducatti

Os familiares de pacientes com doenças graves vivenciam um enorme sofrimento,


decorrentes da incerteza, da sensação de perda de controle, do fardo decisório relativo
ao tratamento e da possibilidade de perda do ente querido doente, entre outros fatores.
Pesquisas mostram que um terço dos familiares de pacientes internados em unidades de
terapia intensiva (UTI) apresentam sintomas que os colocam em risco para desenvolver
transtorno do estresse pós-traumático (TEPT)1,2. Muitos também apresentam sintomas
ansiosos e depressivos3. Quando a comunicação com a equipe de saúde é vista como
ruim por esses familiares, o risco de TEPT aumenta ainda mais1,3.
Assim, uma boa comunicação é fundamental para uma assistência médica de exce-
lência não apenas ao paciente, mas também aos familiares. As famílias de pacientes
com doenças graves necessitam de uma equipe de saúde que se comunique de maneira
honesta, que se faça compreender e que os apoie em um momento tão delicado como
o que vivem. A grande maioria dos familiares também demanda acesso a informações
detalhadas, incluindo dados prognósticos, o que é abordado em maiores detalhes no
Capítulo 4. Principalmente, as famílias precisam ser tratadas com empatia.
No entanto, dados também apontam que, especialmente no campo das UTI, local em
que uma boa parte das mortes ocorre atualmente, é grande a insatisfação de familiares
quanto aos aspectos de comunicação da equipe de saúde4,5. Pontos demandados por fa-
miliares para melhorar sua satisfação com a assistência em fim de vida incluem: melhor
comunicação e maior acesso ao tempo disponibilizado pelos médicos à família6.
Uma das soluções possíveis para aprimorar a comunicação entre equipe e familiares
é realizar encontros periódicos entre os dois grupos7. Dados também demonstram que
uma melhor comunicação facilita a tomada de decisões por parte da família, aumenta
sua confiança na equipe e promove sua satisfação6,8. Também promove o bem-estar ge-
ral dos familiares e evita desfechos psicológicos negativos9. Algumas técnicas podem ser
empregadas pela equipe para facilitar a comunicação de notícias difíceis aos familiares,

641
conforme abordado no Capítulo 30. Contudo, aqui será dado enfoque às particularidades
que caracterizam a interação com a família.

Conceitos e definições

• Família: existem diversas definições sociológicas, religiosas, culturais, his-


tóricas e legais, que variam entre diferentes sociedades. Não é escopo deste ca-
pítulo versar sobre esses aspectos, mas apresentar uma definição que guie as
ações de comunicação no contexto dos cuidados paliativos que permitam uma
prática médica de excelência. Aspectos e definições legais são importantes, es-
pecialmente quanto à tomada de decisões, mas serão abordados em detalhes no
Capítulo 30. Assim, para os fins deste capítulo, entende-se como “o grupo com-
posto por quaisquer pessoas importantes para a vida do paciente e que possam
participar de discussões envolvendo seu cuidado”.

Características de uma boa comunicação com familiares de pacientes com doenças graves
Uma boa comunicação, como visto, promove a satisfação de familiares e diversos des-
fechos positivos. Mas quais características estão associadas a uma comunicação de qua-
lidade? Pesquisas apontam que equipes que se comunicam bem apresentam: bom nível
de empatia com os familiares10; membros com papéis conhecidos e bem definidos no
cuidado do paciente11; consistência nas informações repassadas12; e tempo disponível
para interagir com as famílias e acessibilidade para ouvir as demandas6,11. A satisfação
dos familiares com a comunicação também é maior quando os médicos que seguem o
paciente longitudinalmente (por exemplo, o médico de família) são envolvidos na dis-
cussão e quando percebem que existe uma continuidade no cuidado11,13. Outras quali-
dades que tornam virtuosa a comunicação incluem: fornecer mais tempo para ouvir o
paciente e familiares nos encontros14,15; encorajar perguntas13; prover suporte emocio-
nal e conforto12,13,15; respeitar valores do paciente e familiares13; fornecer informação
completa (se assim for a vontade do paciente)16; apoiar o tomador de decisão em sua
tarefa16,17; discutir aspectos espirituais do cuidado15,17,18; permitir a expressão da vontade
do paciente e o respeito a ela; se mostrar preocupado e zeloso com o cuidado do pacien-
te; e permitir que a família tenha a sensação de que mantém o controle13,19.

642
Nos cuidados paliativos, deve haver a preocupação especial em reassegurar a família
de que fornecer conforto não significa abandonar o paciente. Quanto ao aspecto tem-
poral, promover a interação precoce e frequente, especialmente no contexto hospita-
lar e de UTI, permite reconhecer problemas logo em seu início e realizar intervenções
de comunicação para corrigir conceitos errados20. Esse tipo de abordagem se associou
a menor uso de leitos de terapia intensiva em pacientes que faleceram, sem concomi-
tante aumento da mortalidade, o que permite concluir que a comunicação intensiva
leva a um menor uso de tais recursos quando não apresentam benefício ao paciente7.
Uma interação mais frequente também é importante, pois a maioria dos familiares
não consegue assimilar toda a informação em apenas um encontro, especialmente no
caso de notícias difíceis e quando decisões importantes são necessárias21. Assim, reco-
menda-se uma abordagem de comunicação proativa, em que o contato com a família
seja buscado constantemente, ao contrário de uma abordagem reativa, em que as inte-
rações com os familiares são motivadas por fatores clínicos apenas20,22.
Uma boa comunicação com familiares também pressupõe que eles entendam e sejam
capazes de assimilar corretamente aquilo que foi comunicado, o que infelizmente não
ocorre em grande parte dos casos. Muitos familiares não percebem que seu conheci-
mento a respeito da saúde do paciente é baixo23, enquanto muitos médicos também não
percebem essa baixa compreensão da família, pois raramente perguntam se o familiar
compreendeu o que foi explicado24. Ademais, muitas vezes, o familiar legalmente res-
ponsável pela tomada de decisão não se sente confiante para desempenhar esse papel, o
que é agravado por uma comunicação ruim com o médico8. Isso é preocupante, pois es-
tudos mostram que os objetivos do tratamento e os valores do paciente, em muitos casos,
não são abordados pelo profissional25. Como resultado, há um prejuízo na deliberação
sobre as opções de cuidado, o que faz com que a relação médico-paciente se distancie do
modelo deliberativo, o qual é discutido em detalhes no Capítulo 40.
Mais do que apenas na satisfação, uma comunicação atenciosa às demandas da famí-
lia pode ter um impacto positivo no seu bem-estar psíquico, assim como no do paciente.
Quando aumenta o envolvimento dos familiares na tomada de decisão, seus sentimentos
de impotência e incerteza diminuem, enquanto cresce a sensação de controle13,19. Inter-
venções envolvendo encontros programados entre equipe e familiares também podem
minimizar o risco de que estes últimos apresentem sintomas depressivos, ansiedade e
TEPT9,26,27, o que é frequente nesses casos1-3. Assim, ter um período de tempo reservado
para um encontro representa a oportunidade para que os familiares expressem seus
sentimentos e preocupações sobre o paciente e sobre o efeito da doença na família.

643
A percepção de uma melhor comunicação com o médico e os outros membros da equipe
promove uma maior confiança nas decisões tomadas pelo familiar8. Uma comunicação
ruim também se associa a conflitos entre familiares e médicos17,20, o que reforça ainda mais
a importância dessa habilidade para a relação entre ambos. Ademais, ao permitir o proces-
so de decisão compartilhada, a boa comunicação ajuda os familiares a receberem conforto
e entenderem o que está sendo feito pelo paciente, além de fazê-los se sentirem úteis no
cuidado, com a garantia de que os valores do paciente e seu conforto estão sendo priori-
zados28. É importante frisar, porém, que uma boa comunicação não pode se limitar a en-
contros isolados, mas deve ser uma característica que permeia todo o cuidado ao paciente.

O encontro familiar
Encontros podem ser agendados entre familiares e a equipe para atingir os seguintes
objetivos importantes para o cuidado do paciente: conhecer os familiares, informar no-
tícias relativas ao quadro, responder questões e incluir, se for o caso, o indivíduo legal-
mente responsável por isso no processo de decisão compartilhada. Muitos desses obje-
tivos podem ser atingidos utilizando-se técnicas e habilidades que podem ser treinadas.

O momento para realizar o encontro


Deve ser precoce, assim que possível, após se iniciarem os cuidados ao paciente. No
âmbito da UTI, recomenda-se que seja realizado até 72 horas após a admissão do pa-
ciente7,29. Encontros precoces estão associados a uma maior satisfação dos familiares,
diminuição do tempo de internação e aumento do consenso na tomada de decisão7,20,29.
Também se recomenda adotar uma postura proativa quanto à realização de encontros
familiares, organizando esses momentos dedicados à comunicação de forma regular e
consistente, ao invés de organizá-los somente quando é necessário tomar alguma deci-
são difícil20,30. Algumas situações, contudo, tornam mais imperativa a necessidade de
encontros, tais como: necessidade de tomada de decisão; mudanças importantes do qua-
dro do paciente; situações de conflito entre pacientes e familiares, entre o paciente e
membros da equipe, entre familiares e membros da equipe e/ou entre os próprios fami-
liares; ou, então, em qualquer momento em que se julgar que um encontro será útil para
aprimorar o cuidado ao paciente ou quando for solicitado por familiares.

Participantes de um encontro familiar


Em primeiro lugar, deve-se valorizar e respeitar o desejo do paciente. Assim, se ele,
em algum momento, expressou desejo que alguém não participe do encontro ou que não

644
saiba de parte ou da totalidade das informações relativas à sua saúde, esse desejo deve ser
respeitado, incluindo após a perda de sua capacidade para consentir, caso isso ocorra.
Caso não haja óbice por parte do paciente, todos os familiares pertinentes podem
ser convidados, bem como quaisquer outras pessoas que sejam requisitadas por ele. A
presença de múltiplos familiares no mesmo encontro evita uma troca de informação
fragmentada e inconsistente com a família, permitindo que todos recebam e processem
a mesma informação. No caso de pacientes que não têm capacidade para consentir, o
encontro deve incluir o representante que terá o papel de tomada de decisão.
Da parte da equipe, recomenda-se que todos os envolvidos no cuidado participem do
encontro, incluindo também, por exemplo, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos,
capelães, entre outros profissionais. Cabe ao médico fornecer informações de diagnós-
tico e prognóstico. Contudo, é fundamental que todos os profissionais estejam em sinto-
nia e alinhados, de forma a produzir um discurso em uníssono12,31.
Em relação aos participantes, ainda, é importante verificar a existência de possíveis
conflitos de interesse, o que diminui imparcialidade nas decisões. Caso isso ocorra,
deve-se discutir o caso com a equipe de assistência social, psicologia e jurídica da ins-
tituição. Porém, em linhas gerais, quanto mais abrangente for o encontro, menor o
campo para desentendimentos, como o caso detalhado no Capítulo 43.

Antes do encontro
É fundamental que, antes do encontro com a família, a equipe inteira se reúna, com
o objetivo de alinhar a fala e evitar informações desencontradas e mal-entendidos.
Pesquisas demonstram que uma comunicação conflituosa e inconsistente diminui a
satisfação da família e compromete a tomada de decisão3,31. Assim, o consenso deve
ser buscado entre a equipe. No caso da existência de divergências insanáveis, a equipe
deve explorar, entre si, os diferentes pontos de vista para expô-los à família, durante
o encontro agendado, de forma harmoniosa e previamente combinada, para evitar
desentendimentos perante os familiares32.
As reuniões de equipe antes do encontro com os familiares devem discutir fatos mé-
dicos relevantes, como o diagnóstico, prognóstico e o plano de cuidado. Os membros
da equipe também podem discutir elementos que puderam observar no contato com os
familiares, como os mecanismos de enfrentamento, estilos de comunicação, aspectos
emocionais, aspectos sociais, dinâmicas familiares e reações a notícias difíceis de cada
um deles. Essa troca de informações pode auxiliar os membros da equipe a planejar o
encontro de acordo com o que já se conhece da família, uma vez que a dinâmica familiar

645
e os aspectos emocionais de cada familiar influenciam no cuidado com o paciente.
Da parte do médico e demais integrantes da equipe, essa reunião prévia também é
uma oportunidade para avaliar e discutir as emoções e vieses em relação ao paciente e
sua família. Isso pode ajudar a reconhecer e evitar fatores que afetam a comunicação,
o encontro e a tomada de decisão. Exemplos de possíveis vieses na tomada de decisão
são discutidos no Capítulo 4.

Técnicas de comunicação para um encontro familiar bem-sucedido


Inicialmente, todos os membros da equipe devem se apresentar, detalhando seu car-
go, papel e envolvimento no cuidado do paciente. Isso é particularmente importante,
pois a satisfação da família se associa a um maior conhecimento dos papéis de cada um
dos membros da equipe3. A seguir, devem-se especificar os objetivos do encontro e veri-
ficar as demandas dos familiares. As recomendações para o encontro familiar também
seguem o protocolo SPIKES33, descrito no Capítulo 30. Em linhas gerais, incluem garantir
um ambiente confortável, privativo e disponibilizar lenços de papel. Antes de comunicar
algo, recomenda-se verificar o que os familiares já sabem antes, seu estado emocional e
nível de instrução, de forma a planejar como lidar com possíveis quebras de expectativa,
conceitos errados que possuam e outras dificuldades que forem identificadas.
A comunicação da informação em si também deve seguir o protocolo SPIKES. Inicial-
mente, deve-se perguntar aos familiares qual nível de detalhamento gostariam de obter,
respeitando o desejo do paciente quanto a isso, sobre informações potencialmente deli-
cadas, como diagnóstico e prognóstico33. Pesquisas apontam que as famílias geralmente
querem ter conhecimento sobre esses aspectos34, o que também pode melhorar a satisfa-
ção com a tomada de decisão16. Quanto à informação propriamente dita, deve ser comuni-
cada com linguagem simples, direta, clara e sem utilizar jargões, de forma a garantir seu
entendimento por parte dos familiares. Para isso, é fundamental que todos os membros
da equipe tenham revisto o prontuário e saibam as informações que serão discutidas em
detalhes. Contudo, deve-se evitar o detalhismo técnico excessivo, pois pode comprometer
o enfoque no quadro geral, desviando a atenção para detalhes menos relevantes.
Como já abordado nos Capítulos 4 e 30, as informações sobre o prognóstico devem ser
transparentes quanto à possibilidade de incerteza, o que não é algo inesperado pelos fa-
miliares35. O médico deve ser honesto, não deixando de oferecer esperança ao familiar,
mas sem fornecer falsos reasseguramentos. A incerteza prognóstica deve ser abordada
oferecendo-se uma gama de possíveis desfechos36 e avisando, previamente, da possibi-
lidade de mudanças, de forma a evitar surpresas que podem originar eventuais mal-en-

646
tendidos. Nos casos em que não for possível fornecer estimativas à família, é importante
ser honesto quanto a isso e tentar estimar quando será possível saber mais.
Outro ponto fundamental da técnica de comunicação em um encontro com fami-
liares envolve a resposta a suas reações ao que é comunicado. Em primeiro lugar, é
importante dar tempo para se manifestarem, valorizar suas falas, reconhecer suas
emoções por meio de frases reflexivas, ouvir atenciosamente, buscar compreender
o paciente como um todo com perguntas abertas, e estimular perguntas. Abordagens
para operacionalizar esses componentes da comunicação foram desenvolvidas, como
a estratégia VALUE (acrônimo correspondente ao inglês para cada um desses compo-
nentes), proposto para o ambiente de UTI, mas também útil para outros ambientes37.
Também, é importante permitir que essas reações se expressem ao não interromper o
encontro e garantir o tempo necessário. Por fim, para fortalecer o vínculo e promover
a continuidade e consistência da comunicação, recomenda-se designar sempre o mes-
mo médico para desempenhar a interação principal com a família11.
Ainda, quanto às reações dos familiares, é importante, conforme exposto, manter sua
esperança, mas deve-se estar ciente a possíveis situações que podem comprometer o en-
tendimento do que foi comunicado. Por exemplo, é possível que um familiar reaja com
enfoque excessivo em algum detalhe positivo, de forma a enviesar seu entendimento do
quadro. Ou, então, pode ter um “instinto de que o caso de seu familiar doente será dife-
rente dos demais, evoluindo positivamente, ao contrário do previsto”. Muitos familiares
também podem trazer informações de outras fontes, que julgam ser corretas, com viés
mais positivo. Dados mostram que a maioria dos casos de divergência entre as estima-
tivas prognósticas de médicos e as expectativas de familiares é produzida tanto por difi-
culdades no entendimento por parte dos familiares, quanto por crenças discrepantes38.
Muitas dessas reações, que podem representar uma forma de negação, são esperadas
no processo de luto, que é detalhado no Capítulo 29. Assim, é importante que o médico
esteja ciente de sua possibilidade, antecipe-as e saiba reagir adequadamente a elas.
Ao reconhecer uma expectativa irreal, é fundamental que o médico não a invalide. É
importante dizer que reconhece essa realidade como desejável, mas que, infelizmente,
a informação que necessita comunicar é outra. Uma frase interessante, por exemplo, se-
ria: “Adoraria dizer que é possível eliminar completamente as células tumorais do corpo,
mas infelizmente o câncer já está disseminado neste momento”. Nesses casos, quando
não há perspectiva curativa, o próximo passo é, então, focar nos valores manifestos pelo
paciente e ajustar os objetivos do tratamento a eles. Exemplos de objetivos do cuidado
seriam, por exemplo: o enfoque em conforto, buscar boa qualidade de vida para permi-

647
tir concretizar algum projeto, ver o nascimento de um neto, entre outros. Também, ao se
realizar esse tipo de discussão, deve-se evitar o enfoque excessivo nos detalhes técnicos
e priorizar a discussão com os familiares sobre a função do tratamento, recomendando
as opções mais fiéis aos desejos e valores do paciente. Em linhas gerais, é preciso dar
tempo, condições e espaço para que o familiar processe seu luto, sem julgamentos.
Ao longo do encontro, a informação deve ser transmitida de forma pausada, que
permita sua assimilação por parte dos familiares. Mostrar exames de imagem e forne-
cer panfletos ou outros materiais educativos pode ajudar na compreensão de concei-
tos médicos34. Por fim, múltiplos encontros curtos podem ser preferíveis a apenas um
encontro longo, pois isso pode permitir dividir os tópicos a serem discutidos em cada
momento, de forma a evitar que seja transmitida informação em demasia de uma úni-
ca vez, permitindo aos familiares terem tempo para processá-la nos intervalos.

Atenção às dinâmicas familiares


Uma oportunidade interessante oferecida pelos encontros familiares é entender a
dinâmica de grupo da família, ao se observar a interação entre membros de um grupo
de pessoas relacionadas entre si. Nesse contexto, deve-se levar em conta que as famí-
lias são sistemas únicos, com regras e hierarquias próprias, cujo entendimento ajuda-
rá na implementação de uma comunicação de qualidade pela equipe.
Uma oportunidade de avaliar esses aspectos, contudo, já pode existir antes do encon-
tro com a família propriamente dito. A reunião de equipe prévia pode ser o momento
para já se antecipar em alguma dessas questões, por meio da discussão entre membros
da equipe, em especial com assistentes sociais, daquilo que já puderam observar durante
o contato com a família. Durante o encontro, por sua vez, é possível observar diretamen-
te a interação entre os familiares e o papel de cada um na estrutura da família. Podem
ser observados aspectos hierárquicos e relacionais, como quem toma as decisões, quais
são as ordens de fala e quem senta próximo a quem. Também é possível notar como a
comunicação ocorre entre os membros da família; se há respeito nessa interação; se o
assunto discutido é pertinente; se há espaço para a exposição ordenada de ideias; ou se
as interrupções são frequentes e se há algum membro que se expressa mais ou que se
expressa menos. Ainda, é possível observar se há empatia entre os familiares.
Se forem identificadas dinâmicas conflituosas na família, não se recomenda tentar
corrigi-las. Muitas dessas dinâmicas não surgiram naquele momento, apesar de po-
derem ser exacerbadas devido à situação de estresse que os familiares estão vivendo.
Dessa forma, seria muito difícil e intrusivo tentar alterá-las. Ademais, o encontro fa-

648
miliar também não tem o objetivo de exercer a função de terapia familiar, embora seja
possível realizar um encaminhamento para esse tipo de serviço. Caso sejam identifi-
cadas situações conflituosas, deve-se tentar manter o controle e a ordem do encontro
e buscar desviar o foco desses conflitos, alertando que tal dinâmica não é benéfica ao
paciente. Se ocorrerem situações mais graves, deve-se traçar um limite e reforçar a
inadequação dos comportamentos em relação ao cuidado que o paciente necessita. Se
houver disputas familiares, o médico deve permanecer neutro, mas atento aos confli-
tos, uma vez que seu entendimento pode auxiliar na compreensão do quadro geral.

Discussão de questões de fim de vida com as famílias


Idealmente, as questões de fim de vida devem ser introduzidas precocemente. Isso
permite à família se preparar para possíveis situações difíceis, incluindo a morte, mas
sem perder a esperança34,39. Ao mesmo tempo, evita-se que os familiares sejam pegos
de surpresa com desfechos indesejados e se vejam diante da necessidade de tomada de
decisões sob pressão. Assim, esse tipo de discussão deve ser ativamente promovido, sem
se restringir somente a situações que o motivem20,21,30. Contudo, a maioria dos pacientes
relata que não tem esse tipo de discussão com seus médicos. Diversas barreiras foram
apontadas para isso: incerteza quanto ao prognóstico, receio de causar sofrimento, dúvi-
das quanto à prontidão do paciente para ter esse tipo de discussão, além de sentimento
de não estar preparado para conduzir esse tipo de conversa39.
Apesar das barreiras, a discussão precoce é fundamental, principalmente para pre-
servar a autonomia do paciente e evitar que todo o fardo emocional pela tomada de
decisão recaia sobre a família. Isso porque, na maior parte das vezes em que as questões
de fim de vida precisam ser discutidas, especialmente no ambiente da UTI, o paciente
não mais possui capacidade para consentir. É o caso, por exemplo, de pacientes incons-
cientes ou em delirium. Quando esse tipo de discussão é conduzido precocemente, os
valores e desejos do paciente podem ser conhecidos de forma precoce e registradas em
diretivas antecipadas de vontade39. Uma vez perdida a capacidade para consentir, esses
valores, uma vez conhecidos, podem ser honrados conforme o que foi determinado pelo
paciente, preservando-se sua autonomia e evitando-se a necessidade de decisão substi-
tuta. Essa abordagem precoce diminui o tempo na UTI, dá maior confiança ao tomador
de decisão e diminui o nível de conflito associado a esse papel7,20,29,40.
Um aspecto importante nessas discussões é atentar-se aos impactos do fardo de estar
em um papel decisório desse tipo. Muitos familiares podem sofrer com o conflito impos-
to por terem que tomar decisões tão delicadas quanto as de fim de vida. Podem surgir

649
sentimentos como culpa, além de desentendimentos entre eles e a equipe e/ou entre a
própria família. Esse conflito é amplificado pelo fato de que, como exposto, os valores do
paciente muitas vezes não são discutidos, o que dificulta a tomada de decisão pelo fami-
liar. Exemplos de situações de insegurança incluem casos em que familiares manifestam
preocupações como “não posso deixar minha mãe morrer”, diante de opções como reali-
zar a extubação paliativa de um paciente. Nesses casos, o médico deve estar atento ao fato
de que o familiar se vê em uma situação de extrema pressão, e deve buscar aliviar o fardo
decisório que pesa sobre ele41. Muitos profissionais, no entanto, não reconhecem o sofri-
mento emocional e se limitam a informar a parte médica apenas, deixando todo o fardo
decisório sobre o familiar. Uma possível alternativa de resposta a situações como essa,
por exemplo, seria o médico inicialmente validar o sentimento do familiar e reconhecer
que se trata de uma decisão extremamente difícil. Em seguida, é possível dizer: “nin-
guém nunca pediria para você tomar uma decisão como essa” e explicar que o objetivo da
discussão é decidir por uma conduta que corresponderia àquilo que o próprio paciente
decidiria, ao invés de uma decisão entre a vida ou a morte. Por exemplo, uma opção seria
perguntar ao familiar “o que sua mãe acharia, caso pudesse manifestar sua opinião?”.
São os valores do paciente, portanto, que devem guiar a discussão sobre decisões de
fim de vida, de forma que o familiar possa compreender que sua decisão não corresponde
ao que ele prefere, mas sim às preferências do paciente, tirando de si o fardo decisório.
Contudo, é frequente que muitos familiares nunca tenham tido esse tipo de discussão an-
teriormente, mesmo porque, como exposto, é raro que o tema seja introduzido mais pre-
cocemente. Dados mostram que são justamente esses os familiares que apresentam menos
confiança no desempenho de suas funções de tomador de decisão8. Da mesma forma, pes-
quisas com familiares identificaram que discussões prévias com pacientes sobre preferên-
cias quanto ao tratamento no fim de vida foram úteis para minimizar o fardo da tomada de
decisão39. Uma comunicação eficiente com o médico se associou a uma melhora dessa con-
fiança8. Para isso, é fundamental que o médico detalhe os objetivos do cuidado, explicando
que, quando o principal objetivo for promover conforto, o sofrimento do paciente será
aliviado e a família terá apoio nessa situação. Assim, o familiar não deve ter o sentimento
de que seu ente querido doente foi abandonado, uma vez que isso tem impacto extrema-
mente negativo sobre a família. Discutir decisões de fim de vida de forma proativa, aberta e
precoce, portanto, traz benefícios tanto para o paciente quanto para seus familiares e evita
conflitos e outras consequências negativas emocionais para todas as partes envolvidas.
Além das discussões iniciais e regulares sobre os cuidados de fim de vida, recomen-
da-se que esse tópico sempre seja discutido quando ocorrerem eventos críticos, como

650
diagnóstico, alterações na condição do paciente, existência de expectativas irrealistas,
transição para cuidados paliativos exclusivos, desfechos desfavoráveis do tratamento,
entre outras39. Tópicos a serem abordados nessas discussões vão além de decisões clí-
nicas propriamente ditas. Incluem, também, aspectos sobre a qualidade de vida pré-
-mórbida, sobrevida, probabilidade de retornar à qualidade de vida pré-mórbida e dor
e sofrimento com cada opção de tratamento. Detalhes sobre a discussão de objetivos do
tratamento são abordados no Capítulo 4. Ademais, essa também é uma oportunidade
para discutir os aspectos espirituais do paciente e de seus familiares e buscar atender às
necessidades que os envolvem, conforme abordado no Capítulo 28. Dados mostram que
discutir esses aspectos também aumenta a satisfação com a comunicação15,17,18.
Durante as discussões de questões de vida, também é especialmente importante
atentar às dinâmicas familiares e verificar o grau de consenso nas decisões. É funda-
mental permitir que todas as opiniões sejam ditas nos encontros e que os familiares
conversem entre si de forma privada. Isso permite evitar potenciais mal-entendidos,
como o descrito no Capítulo 43.
Infelizmente, essa abordagem aqui descrita, envolvendo a busca pela decisão compar-
tilhada e por um plano de cuidado mais alinhado aos valores do paciente, ainda é pouco
adotada. O Quadro 1 sumariza as estratégias acima recomendadas para discutir questões
de fim de vida com familiares.

QUADRO 1. ESTRATÉGIAS RECOMENDADAS PARA DISCUTIR QUESTÕES DE FIM DE VIDA COM FAMILIARES

• Questionar o familiar sobre quais seriam as opiniões e valores do paciente diante de sua situação
atual, caso pudesse manifestá-los;
• Tirar do familiar o fardo de decidir, explicando que a decisão, na verdade, corresponde ao que o
paciente decidiria, caso pudesse;
• Indagar sobre os aspectos espirituais envolvidos e, caso haja, buscar formas de atender às
necessidades observadas;
• Reconhecer sempre que o familiar está sob pressão e estresse, não invalidando suas emoções,
mas reconhecendo-as;
• Oferecer apoio e reagir de forma empática, reforçando positivamente os comportamentos
saudáveis (por exemplo, com frases como “você está se saindo muito bem em um momento tão
delicado como este”);
• Sempre reforçar que todas as decisões devem respeitar os desejos e valores do paciente;
• Estar disponível para as demandas dos familiares e se mostrar interessado nelas;
• Em casos que envolvam limitar tratamento ou descontinuar suporte à vida, por exemplo, explicar
que não se trata de uma decisão de vida ou morte, mas, sim, sobre qual tipo de morte ocorrerá.

ADAPTADO DE BRIGHTON ET AL., POSTGRAD MED J 201639 E SCHENKER ET AL., J GEN INTERN MED 201241.

651
Estratégias para lidar com emoções em encontros de familiares
Os familiares de pacientes gravemente doentes podem reagir de diversas formas, in-
cluindo reações fisiológicas, como síncope, descarga adrenérgica (reação de luta e fuga e
sensação de morte iminente), manifestações parassimpáticas (como se calar e ficar retraí-
do), além de emoções como tristeza, raiva, sentimentos de culpa, medo e ansiedade42. To-
das elas podem ser reações normais. Portanto, o médico deve ouvir o familiar, reconhecer
suas emoções e validá-las, apoiando-o e mostrando-se presente e, ao mesmo tempo, capaz
de manter o controle da situação, inclusive diante de emoções mais intensas. A reação do
médico, assim como de toda a equipe de saúde, deve ser, portanto, empática, validando
a emoção e deixando explícito que a compreende e que a respeita. Por fim, também deve
explorá-la melhor, buscando elucidar as crenças e fatores a ela associados.
Alguns profissionais podem pensar que responder de forma empática, ao invés de
ignorar ou tentar suprimir as reações emocionais de familiares, resultaria em maiores
demandas de tempo em um encontro familiar. Contudo, dados demonstram que encon-
tros entre paciente e médicos que reagem com empatia a expressões de emoção tendem
a durar menos43. Assim, pode-se inferir que abordar de forma apropriada essas reações,
tanto de pacientes quanto de familiares, otimiza o tempo do encontro e evita maior com-
prometimento do tempo com eventuais mal-entendidos e conflitos. Ademais, esse tipo
de abordagem também pode facilitar a obtenção de informações clínicas44, pois as emo-
ções podem ser o ponto de partida para entender melhor os valores e as necessidades do
paciente e dos familiares. Isso diminui a ansiedade da família e, como resultado geral,
fortalece a relação com ela e aumenta sua satisfação10.
Em alguns casos, os familiares podem reagir com uma sensação de impotência, aliada
à negação, e pedir para que o médico “faça tudo o que for possível”. Nesses casos, deve-se
entender o que o familiar quer dizer com isso, ou seja, explorar sua consciência prognósti-
ca (para detalhes, ver Capítulo 4), seus objetivos de tratamento, valores e outros fatores que
podem estar motivando esse pedido. Após esclarecer esses pontos, deve-se tentar oferecer
uma opção viável do ponto de vista médico que mais se aproxime ao que ele elencar45.
Em outros casos, por sua vez, os familiares podem ter dificuldades em assimilar as re-
comendações da equipe e manifestar que “esperam um milagre”. Nesses casos, em que
também se associam aspectos espirituais e religiosos, deve-se validar a crença dos fami-
liares, evitando deslegitimá-la, confrontá-la ou julgá-la. Porém, é importante explorá-la e
buscar entender o que representaria um milagre, segundo a visão da família, e o que mais
espera acontecer. Também é importante tentar identificar a emoção por trás da crença,
por exemplo, medo, ansiedade e incerteza. Outro recurso importante pode ser contar com

652
auxílio espiritual, como o de um capelão46. Em muitos casos, é preciso dar tempo à família
para elaborar a situação, estando presente e acessível enquanto isso ocorre.

Situações de conflito entre familiares e equipe


Conflitos infelizmente são muito comuns entre familiares de pacientes com doenças
graves e a equipe de saúde no fim da vida, atingindo até um terço dos casos no contexto
de UTI. A maior parte desses conflitos envolve decisões de fim de vida47. Contribuem
para esse fenômeno a grande carga emocional e o estresse associados ao cuidado de
um paciente gravemente enfermo. Poucas vezes, porém, ambas as partes reconhecem
que um conflito, de fato, ocorreu48. Grande parte desses conflitos envolve problemas de
comunicação4 e também podem ocorrer entre os membros da própria equipe49. Como
resultado de uma comunicação ruim, pode surgir uma sensação de desconfiança da fa-
mília, que pode levar ao conflito e comprometer o cuidado ao paciente, além de aumen-
tar o fardo psicológico e o estresse da equipe50. Um exemplo de um conflito como esse é
o ilustrado no Capítulo 43 deste livro, que resultou em uma sindicância ético-profissional
que poderia ter sido evitada com uma melhor comunicação.
Infelizmente, é comum a abordagem que consiste em tentar convencer que familiares
estão errados por não terem competência para lidar com o assunto. Isso apenas alimenta
a discórdia, pois os familiares não se sentem compreendidos e ouvidos, ficando com a
impressão de que estão isolados e abandonados. Podem também se sentir pressionados a
desistir do tratamento do parente, por não assimilarem conceitos de cuidados paliativos, o
que gera frustração e mais desconfiança. Da parte da equipe, esses conflitos podem inter-
ferir na prestação dos cuidados e ser uma fonte de frustração e estresse para os profissio-
nais, tópico abordado no Capítulo 33.
Embora as famílias sejam extremamente heterogêneas, cada uma com sua própria dinâ-
mica, há estratégias gerais para lidar com conflitos com familiares. Em primeiro lugar, deve-
-se tentar entender as possíveis razões ou causas do conflito, para poder abordá-las. Possíveis
causas incluem: desconfiança quanto à assistência médica e o sistema de saúde; falhas de co-
municação, como informações desencontradas; questões psicológicas dos familiares, como
negação, sentimentos de culpa e estresse; diferenças culturais e religiosas em relação à equi-
pe, como acreditar em milagres; e outros fatores como conflitos de interesse e ganhos secun-
dários51. É preciso que o médico valide e não julgue o problema identificado, respondendo
conforme o caso. O Quadro 2 elenca as principais causas e possíveis respostas para elas.
Como abordagem geral a conflitos com familiares, no entanto, recomenda-se reco-
nhecer os sentimentos de raiva, tristeza e frustração dos familiares, de forma a não os

653
invalidar, para, então, oferecer um contraponto52. Nos casos de limitação ou desconti-
nuação de suporte à vida, devem ser explorados possíveis sentimentos de remorso e
culpa, de modo a tirar o fardo do paciente, como já exposto41. Também é importante ex-
plorar como era o relacionamento do paciente com seus familiares que estão sofrendo,
de modo a permitir que expressem suas emoções e seu luto, muitas vezes encobertos,
mas que precisam ser discutidos para serem elaborados. Neste processo também é im-
portante contar com o apoio do psicólogo e do assistente social, que permitem auxiliar
a família em aspectos que podem ser fonte adicional de estresse53.
Em alguns casos, porém, a razão do conflito envolve uma questão legal, muitas vezes
mal-entendida – tanto por parte da família, quanto da equipe – e será necessário dis-
cutir o caso com a equipe legal da instituição51. Em outros, ainda, crenças religiosas da
família podem entrar em conflito com práticas da equipe e da instituição. Nesses casos,
é preciso buscar entender a crença, validá-la e verificar se corresponde aos valores e
preferências do paciente46,51.

QUADRO 2. PRINCIPAIS CAUSAS DE CONFLITOS ENTRE FAMILIARES E EQUIPE DE CUIDADOS PALIATIVOS E


POSSÍVEIS RESPOSTAS PARA ELAS

Tipos de conflito Causa Possíveis respostas

Informações desconcertadas • Reunir família com equipe novamente e


fornecidas pela equipe rediscutir a informação em conjunto.

• Informar utilizando linguagem simples,


direta e sem jargões;
Falhas de
• Limitar notícias a pequenas
comunicação
Mal-entendido, baixa quantidades de informação de cada vez,
compreensão do que foi para permitir sua assimilação;
comunicado • Verificar entendimento
constantemente;
• Utilizar materiais explicativos visuais/
escritos, se possível.

• Reconhecer a emoção e validá-la;


Causas Comprometimento da • Fornecer informação novamente;
emocionais e racionalidade devido ao • Mostrar-se disponível e acessível;
psicológicas estresse • Responder com empatia e apoio.

654
Tipos de conflito Causa Possíveis respostas

• Reconhecer e explorar a emoção do


Negação
familiar, buscando auxiliá-lo a elaborar o luto.

• Reconhecer e explorar a emoção do


familiar, buscando auxiliá-lo a elaborar o luto;
• Buscar compreender qual o desejo e
Culpa a crença do paciente e tentar oferecer
contraponto.

• Reconhecer e não julgar ou confrontar;


• Negociar plano de cuidado, sendo
Desconfiança transparente e acessível quanto a
informações.

Causas • Confirmar os fatos e confrontar


emocionais e versões com a equipe;
psicológicas Ganho secundário • Discussão em equipe e interconsulta
psiquiátrica e psicológica.

Desrespeito aos desejos e • Consulta com comissão de ética


valores do paciente e equipe legal da instituição.

Valorizar mais questões


• Explorar razões por trás da crença
individuais do paciente
do familiar, validá-la e não julgar;
(por exemplo, boa saúde
• Oferecer contraponto com opinião
no passado) do que
médica.
opinião do médico

• Oferecer segunda opinião;


• Oferecer suporte psicológico a fim de
compreender as variáveis que mantêm
Conflito persistente Desconfiança
os conflitos e oferecer possibilidade
de desenvolvimento de resolução de
problemas.

ADAPTADO DE: HUTCHISON ET AL., CRIT CARE MED 201750 E GOOLD ET AL., JAMA 200051.

655
Situações de conflito entre familiares
Em diversos casos, o conflito não se dá entre a família e a equipe, mas entre os pró-
prios familiares, situação que pode ser danosa ao paciente e prolongar seu processo de
morte54. Também em tais situações, o primeiro passo é identificar as motivações associa-
das ao conflito. Possíveis motivações incluem: percepção de que um ou mais familiares
estão ajudando pouco em comparação aos demais55; múltiplos familiares envolvidos na
tomada de decisão, sendo difícil atingir um consenso55,56; falta de engajamento da fa-
mília durante a maior parte do cuidado, com membros que “saem da toca” e passam a
se envolver somente próximo à morte, quando a tomada de decisão se faz necessária55;
opiniões divergentes de familiares sobre quais seriam os valores do paciente (como no
emblemático e extremo caso de Terri Schiavo, discutido no Capítulo 38)55,56; recrudesci-
mento de conflitos familiares anteriores e não relacionados à doença do paciente57; en-
volvimento recente de um familiar até há pouco tempo distante do cuidado do paciente,
que pode estar em outro estágio de elaboração do luto (por exemplo, em negação) e ter
menos conhecimento sobre a condição do paciente55; e diferenças culturais e da dinâmi-
ca familiar, como relações hierárquicas entre irmãos de diferentes idades57.
A primeira etapa ao abordar essas situações é determinar se o paciente ainda tem al-
guma capacidade para consentir e, caso tenha, explorar suas preferências quanto ao seu
cuidado. Outra medida fundamental é diferenciar os conflitos decorrentes do cuidado de
outros problemas familiares, incluindo problemas antigos, os quais devem ser postos de
lado nas discussões57. A abordagem específica para essas situações vai depender das ca-
racterísticas da família observadas durante o encontro, em especial, a forma de decisão na
família (individualmente por um membro de maior hierarquia ou coletiva e consensual-
mente) e as formas como cada membro lida com diferenças de opinião dos demais.

Familiar tomador de decisões com capacidade questionável


A capacidade de tomada de decisão de um familiar também pode ser questionável,
devido a diversos motivos, como sua própria situação cognitiva, presença de alguma
doença ou, até mesmo, conflitos de interesse. Em alguns casos, por sua vez, o familiar
pode tomar decisões com base em seus próprios valores e preferências pessoais, e não
aquelas do paciente. Nesses casos, deve-se descartar que o familiar não compreendeu
corretamente seu papel na tomada de decisão ou, então, que possui expectativas irreais
decorrentes, por exemplo, de dificuldade para elaborar o luto, no caso de demandas por
tratamento agressivo e fútil. Nesses casos, o familiar também pode ter ganhos secun-

656
dários inconscientes, como esquivar-se de um medo e evitar entrar em contato com o
sofrimento. Para fins de ilustração, tome-se o caso de uma esposa que deseja prolongar
a vida do marido a qualquer custo pois tem medo de ter que assumir a responsabilidade
pela família de forma integral após sua morte. Nesse caso, o ganho secundário, que se
sobrepõe ao desejo do paciente, não é necessariamente percebido pelo familiar, pois
pode ser inconsciente51. Caso isso seja observado, deve-se buscar explorar, entender e
reconhecer os sentimentos do familiar, de forma a identificar as razões por trás de sua
postura. Feito isso, deve-se educar o tomador de decisão sobre seu papel, incluindo as-
pectos bioéticos e legais, de forma a orientá-lo sobre a importância de honrar os desejos
do paciente, que deve vir acima de motivações individuais do familiar. Em alguns desses
casos, pode ser necessário apoio psicológico e/ou psiquiátrico.
Em certas situações, o familiar pode tomar uma decisão motivado por conflito de
interesse e, deliberadamente, decidir por uma conduta que não seja a melhor para o
paciente. É o caso, por exemplo, de um filho que decide prolongar a vida do pai de for-
ma artificial, mesmo quando a medida é terapeuticamente fútil, com o único intuito de
continuar recebendo os benefícios previdenciários do pai. Nesses casos, é fundamental
evitar presunções e rumores. A suspeita deve ser bem fundamentada e ter evidências
que a apoiem51. Recomenda-se consultar a equipe legal e a comissão de ética médica da
instituição nesses casos. Também é possível solicitar um parecer-consulta ao Conselho
Regional de Medicina local para verificar a solução mais apropriada.

Fechamento do encontro
É importante que o encontro com a família tenha uma conclusão, em que se faça um
fechamento do que foi discutido. Assim como proposto pelo protocolo SPIKES33, deve-se
fazer um sumário do que foi discutido, verificar o entendimento e elencar os pontos em
que se obteve o consenso, bem como aqueles em que ainda restam divergências. Ideal-
mente, deve-se eleger um familiar para o papel de porta-voz da família, com o qual serão
realizados os contatos mais breves e diretos, no dia-a-dia, entre os próximos encontros.
Finaliza-se, então, indagando se há mais perguntas não respondidas e fornecendo uma
indicação de quais serão os próximos planos e quando será o próximo encontro. Caso
não esteja planejado nenhum encontro posterior, deve-se explicar o motivo, de forma a
não provocar a sensação de abandono nos familiares. Caso o encontro tenha sido muito
intenso, por exemplo, com conflitos e/ou questões éticas envolvidas, realizar um debrie-
fing com equipe pode ser útil para atenuar o impacto emocional; reconhecer e lidar com
emoções negativas, de forma a elaborá-las e evitar que impactem no contato futuro com

657
a família e enviesem o cuidado; e compartilhar experiências com os demais membros da
equipe e aprender com o caso58.

Considerações finais
Os familiares de pacientes com doenças graves se veem na difícil e estressante situa-
ção de serem cuidadores e terem que tomar decisões difíceis, enquanto testemunham o
sofrimento de um ente querido. Muitas vezes, assumem essa posição repentinamente,
de forma inesperada e sem preparo prévio. A esse cenário se somam problemas psicos-
sociais associados ao quadro, além de possíveis questões financeiras. Diante de tamanho
impacto psicológico, conflitos podem surgir devido a falhas de comunicação e distorção
da informação, em especial, envolvendo diagnóstico, prognóstico e objetivos do trata-
mento. Como resultado, o cuidado pode ser prejudicado e se afastar dos valores do pa-
ciente, aumentando ainda mais o estresse da família e dos profissionais envolvidos, bem
como o sofrimento do próprio paciente.
A melhor abordagem para reduzir o risco de conflitos familiares como esses envolve
um cuidado grande da equipe com a qualidade da comunicação com a família. Uma
abordagem útil pode ser a promoção, logo após o contato inicial da equipe com a famí-
lia, de encontros periódicos entre ambas as partes, em que se possa desenvolver uma
comunicação clara, objetiva e transparente. Nesses encontros, os objetivos principais
devem incluir, além de discutir informações médicas, conhecer os familiares e elencar
os valores e preferências do paciente. Isso permitirá, também, reconhecer o contex-
to sociocultural da família e as relações interpessoais entre seus membros, o que pode
ajudar na comunicação. Os encontros, contudo, não devem ser motivados apenas pela
necessidade de tomada de decisões difíceis, assim como não devem ser utilizados como
forma de pressionar a família para realizá-las.
A mudança de paradigma, observada nas últimas décadas, que afastou a prática mé-
dica do modelo paternalista de tomada de decisão, representou um grande avanço bio-
ético. Contudo, com uma maior necessidade de participação e envolvimento do pacien-
te e de seus familiares na tomada de decisão, um sentimento de pressão pode surgir,
especialmente em decisões como limitar e descontinuar tratamentos. Como forma de
atenuar esse fardo decisório que pode pairar sobre a família, o médico deve utilizar os
encontros com seus membros para educá-los sobre seu papel na tomada de decisão, que
não deve ser o de optar entre deixar o paciente viver ou morrer, mas buscar refletir de
forma mais precisa as preferências do próprio paciente.

658
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664
Capítulo 33
Saúde Mental dos Profissionais
de Cuidados Paliativos e dos
Cuidadores
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo

Tão importante quanto cuidar daquele que está doente é cuidar daquele que cuida.
O ato de cuidar representa um movimento em direção a algo ou a alguém que é motivo
de interesse ou preocupação. É também uma ação moral que objetiva aliviar, satisfazer,
ajudar, confortar e apoiar quem necessita ser cuidado1.
Àquele que cuida denominamos “cuidador”. O cuidado requer do cuidador respon-
sabilidade, solidariedade, identificação e compreensão do outro, segundo suas possibi-
lidades. Ao cuidador cabe oferecer apoio e ajuda, fornecer informações, trocar ideias,
conversar, além de se responsabilizar e se comprometer com a manutenção de um clima
harmônico de cuidado. O cuidado só ocorrerá, de fato, se a pessoa cuidada se sentir
bem, reconhecida e aceita como é, conseguindo se expressar de forma autêntica, apesar
de suas limitações. Esse cuidado envolve o cuidar de si mesmo (autocuidado), o cuidar
dos outros e o cuidar da pessoa que cuida1.
Nesse contexto, podemos identificar como cuidadores não apenas os profissionais de
saúde como um todo, mas também aqueles que, por necessidade ou de forma solidária
e voluntária, se colocam no papel de “cuidadores”. Assim, o Ministério da Saúde define
cuidador como “a pessoa, da família ou da comunidade, que presta cuidados a outra
pessoa de qualquer idade, que esteja necessitando de cuidados por estar acamada, com
limitações físicas ou mentais, com ou sem remuneração”2.
Nos casos de pessoas que se veem diante da necessidade de cuidar de um ente querido,
tal decisão é, no entanto, permeada por conflitos, sejam internos (aquele que irá assumir
esse papel dentro da família) ou externos (provenientes das discussões e dos desenten-
dimentos familiares). Tais conflitos internos se associam à sobrecarga de exigências no
cuidado do doente e se somam às dúvidas inerentes à complexidade da situação. Novos
problemas emergem, como alterações de papéis familiares, arranjos a serem realizados

665
no domicílio, interrupção da vida profissional e possível abandono da própria família,
muitas vezes somados à convivência com outras doenças e problemas já existentes. Por
vezes, a dedicação exclusiva ao cuidado do doente leva o cuidador a adiar ou abandonar
planos e ainda exige dele um intenso esforço de adaptação a essa nova realidade.
O cuidado a familiares muitas vezes envolve assistência do cuidador ao paciente na reali-
zação de suas atividades básicas e/ou instrumentais de vida diária (ABVD e/ou AIVD). Con-
tudo, também abrange auxílio na assistência médica, como marcar consultas e administrar
medicamentos. Também pode incluir a realização de procedimentos médicos mais com-
plexos, como troca de sondas e curativos. Muitos dos cuidadores, no entanto, não possuem
treinamento para essas atividades, para as quais recebem suporte inadequado do sistema de
saúde. Este, entre outros fatores, faz com que se sintam abandonados na função de cuidador.
Estudos sobre a qualidade de vida daquele que cuida mostram sentimentos ambíguos,
tais como cansaço, estresse e insatisfação por deixar de lado seu cuidado pessoal, para-
lelamente ao sentimento de realização, dignidade e gratidão3,4. Cerca de 51% dos fami-
liares que cuidam de entes queridos apresentam percepção média ou grave do impacto
negativo dessa atividade sobre suas vidas. Em média, a exercem por 20,5 horas por se-
mana, mas mais de 20% a exercem por mais de 40 horas por semana, o que representa
grande impacto econômico5. Com o aumento da população idosa e de doentes crônicos,
tal problema vem se tornando cada vez mais relevante.
Nesse contexto, elegemos alguns tópicos e conceitos que julgamos essenciais na compre-
ensão dessa complexa relação entre o cuidador e a pessoa cuidada.

Conceitos e definições

• Empatia: tem origem no termo grego “empatheia” (palavra formada com o prefixo
“en-” e o sufixo “-pathos”, emoção, sentimento). Trata-se da capacidade psicológica de
sentir o que sentiria uma outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivencia-
da por ela. Uma forma de tentar compreender sentimentos e emoções vivenciados
por outro indivíduo é se fazer perguntas como: O que é sentir uma dor contínua nas
costas? Como me sentiria se soubesse que meu pai tem uma semana de vida? Como
receberia o diagnóstico de que sou portador de câncer de pâncreas? Expressões de
empatia e afeto na relação com o paciente trazem a certeza de que ele é parte impor-
tante e reconhecida, provoca sensação de atenção e consolo, além de paz interior6.

666
• Compaixão: a palavra tem origem latina e significa compadecer, “sofrer com”.
Na medicina, em termos gerais, a compaixão consiste em dois elementos: uma
grande consciência sobre o sofrimento de outro indivíduo (ou desejo em apro-
fundá-la) e um desejo de aliviar tal sofrimento. Apesar de haver definições mais
detalhadas, que incluem outros componentes, o elemento central da compai-
xão na medicina envolve a motivação para aliviar o sofrimento alheio7. Assim,
embora envolva uma resposta empática, a compaixão também necessita desse
elemento adicional de proatividade.

• Fadiga por compaixão: trata-se de um estado de sofrimento físico ou psicológico


em cuidadores que ocorre como consequência de um processo contínuo e cumula-
tivo de relação exigente com indivíduos que necessitam de cuidado, que geralmente
estão traumatizados ou sofrendo8. Entre médicos que trabalham com doenças gra-
ves, se associa à sensação de falta de amparo perante o sofrimento de seus pacientes,
ao qual são expostos de forma contínua em sua rotina de trabalho diária. Já estresse
traumático secundário é outro termo utilizado muitas vezes de forma equivalente, o
que gera certa confusão. Contudo, autores pontuam que, no estresse traumático se-
cundário, o quadro resulta de um envolvimento profundo com um evento específico
extremamente traumático, tendo início mais abrupto. O burnout (BO), por sua vez,
é outra condição em que se vê a fadiga por compaixão em profissionais da saúde,
mas com início mais gradual9. Definições homogêneas, contudo, não existem, e há
grande confusão entre os diferentes termos8.

• Burnout (BO): é uma síndrome psicológica caracterizada pelo comprometimen-


to emocional e comportamental resultante da exposição a altos níveis de estresse
ocupacional. Embora haja confusão entre os termos, o BO se difere da fadiga por
compaixão por se associar mais ao estresse crônico decorrente do ambiente de tra-
balho – que envolve elementos como carga horária, sensação de recompensa e au-
tonomia – em vez de depender somente das relações interpessoais com o indivíduo
que necessita de cuidado10. Embora não haja um diagnóstico padronizado na versão
atual do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicado pela
American Psychiatric Association (APA), o BO foi incluído na 11ª Revisão da Clas-
sificação Internacional de Doenças (CID-11) como um fenômeno ocupacional. No

667
entanto, a CID-11 não o classifica como uma condição médica, mas sim como um
dos “fatores que influenciam o estado de saúde ou contato com serviços de saúde”
(código QD85). Ou seja, o BO está entre as razões pelas quais as pessoas entram em
contato com os serviços de saúde, mas que não são classificadas como doenças ou
condições de saúde. Na CID-11, o BO é definido como “uma síndrome conceituada
como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado
com sucesso. É caracterizada por três dimensões: 1) sentimentos de esgotamento
ou exaustão; 2) distanciamento emocional do trabalho, ou sentimentos de negati-
vismo ou cinismo relacionados a ele; 3) eficiência profissional reduzida”. A CID-11
ressalta que o BO se refere especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e
não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida11. Alguns
psiquiatras, no entanto, consideram o BO como um subtipo de transtorno de ajus-
tamento. As manifestações psicopatológicas do BO são detalhadas no Quadro 112.

QUADRO 1. MANIFESTAÇÕES PSICOPATOLÓGICAS DO BURNOUT

- Sentimento de desesperança, solidão, tristeza, raiva,


impaciência, irritabilidade e tensão em um contexto de baixa
energia, fraqueza e preocupação excessiva.
Exaustão emocional
- Pode se associar a sintomas somáticos, como cefaleia, náuseas,
dores lombares ou cervicais, além de distúrbios do sono.

- Postura de alienação, que resulta em atitude distante e insensível


Distanciamento afetivo
em relação aos outros e ao próprio trabalho. O indivíduo está
(ou despersonalização)
desmotivado e se afasta emocionalmente do trabalho.

Falta de sensação - Inclui sentimentos de inadequação e incompetência, associados


à perda da autoconfiança, e sentimentos de que o que é realizado
de realização pessoal
no trabalho não tem valor ou que muito pouco é alcançado.

ADAPTADO DE: TRIGO ET AL., MEDICINA (B AIRES) 201012.

• Estresse do cuidador: apesar de a necessidade de prover cuidados a um fami-


liar querido poder fortalecer os laços de união familiares, existe o risco de que

668
tal necessidade exerça aspectos negativos sobre o cuidador. Assim, pode surgir
o fenômeno denominado estresse do cuidador, incluído na CID-11 com o código
QF27. Contudo, não se trata de uma condição médica segundo a classificação,
mas, assim como o BO, de um dos “fatores que influenciam o estado de saúde
ou contato com serviços de saúde”. Existem, porém, desde a década de 1980,
definições teóricas que descrevem o estresse do cuidador como a percepção, por
aquele que cuida, dos efeitos adversos que o cuidado por ele provido exerce so-
bre seus funcionamentos emocional, social, financeiro, físico e espiritual13. Tal
definição reflete o impacto do fenômeno sobre a vida do cuidador, afetada em
diversos domínios. Ademais, ao quadro podem se somar outros fatores adversos,
como isolamento social e problemas financeiros5.

Fatores de risco para BO e estresse do cuidador


BO em profissionais da saúde
O BO não pode ser atribuído a um fator isolado, mas sim a uma combinação de ca-
racterísticas individuais, sociais, laborais e organizacionais bem definidas, que, quando
associadas, culminam na condição12.
Os profissionais de saúde, em geral, são afetados emocionalmente por dilemas de fim
de vida, incluindo situações como a necessidade de tomada ética de decisões, o contato
contínuo com o sofrimento de seus pacientes, a prescrição de cuidados médicos despro-
porcionais ou fúteis, a falta de comunicação entre a equipe e a alta demanda por parte
dos familiares e pacientes10. Os fatores de risco para o desenvolvimento de quadros de
BO, associados a esse cenário, são elencados no Quadro 212.

Estresse do cuidador em familiares


Os sentimentos de sobrecarga nos familiares que exercem o papel de cuidador são
análogos aos vivenciados pelos profissionais da saúde no contexto ocupacional. Nesses
casos, no entanto, são acrescidos também fatores como sentimentos de autocobrança e
culpa por se achar insuficiente. Pesquisa sobre atributos do estresse do cuidador fami-
liar identificou alterações de natureza física (dores no corpo, modificações no peso cor-
poral, alterações de funcionamento intestinal e distúrbios cardiovasculares) e no esta-
do emocional (depressão, ansiedade, baixa autoestima, ressentimento e irritabilidade).
Ademais, os autores destacaram o comprometimento relacionado aos mecanismos de

669
QUADRO 2. FATORES DE RISCO ASSOCIADOS AO DESENVOLVIMENTO DE QUADROS DE BURNOUT EM
PROFISSIONAIS DA SAÚDE

INDIVIDUAIS LABORAIS

- Mulheres apresentam - Sobrecarga, ultrapassando capacidade de


maior componente de exaustão desempenho (insuficiência técnica, de tempo ou
emocional, enquanto os homens, de de infraestrutura)
despersonalização - Baixa participação nas decisões sobre
- Escolaridade maior mudanças organizacionais e baixo nível de
- Solteiros, viúvos ou divorciados controle das atividades
- Indivíduos competitivos, esforçados, - Discrepância entre expectativas
com dificuldade de tolerar frustração e profissionais e aspectos reais do trabalho
excessiva necessidade de controle das - Sentimento de injustiça e iniquidade nas
situações relações laborais
- Indivíduos empáticos, sensíveis e com - Trabalho em turnos ou noturno (pior quando
alto grau de envolvimento é necessário alternar frequentemente entre
- Grande expectativa e idealismo em turno diurno e noturno)
relação à profissão - Suporte organizacional precário ou conflito
- Indivíduos perfeccionistas entre colegas (sentimentos de desamparo e de
- Indivíduos pessimistas não poder contar com ninguém)
- Indivíduos passivos e evitativos - Responsabilidade sobre a vida alheia e
- Pessoas com locus de controle relação muito próxima com o indivíduo cuidado
externo (termo que define a sensação de - Conflitos de papel (embate entre informações
que são fatores externos que controlam e expectativas sobre o desempenho do trabalho) e
a vida do indivíduo, tais como a sorte, ambiguidade de papel (normas, direito, métodos e
destino ou o papel de outras pessoas) objetivos pouco delimitados ou claros)

SOCIAIS ORGANIZACIONAIS

- Excesso de burocracia
- Falta de suporte social e familiar
- Normas institucionais rígidas
- Manutenção do prestígio social
- Mudanças organizacionais frequentes
em oposição à redução salarial de
- Falta de autonomia profissional
determinada profissão (busca por
- Estagnação profissional
mais empregos e maior sobrecarga de
- Risco do ambiente físico
trabalho)
- Falta de confiança, respeito e consideração
- Valores e normas culturais
entre os membros de uma equipe
- Comunicação ineficiente
- Riscos físicos do ambiente de trabalho (ex.:
insegurança, higiene ruim)
- Acúmulo de tarefas por um indivíduo

ADAPTADO DE: TRIGO ET AL., MEDICINA (B AIRES). 201012.

670
enfrentamento individual, como baixo senso de controle sobre a situação, utilização de medi-
camentos e pouca aderência às atividades de autocuidado14.
Particularidades do contexto familiar, como problemas financeiros – também possíveis conse-
quências do cuidado – e viver no mesmo lar do paciente, representam fatores de risco adicionais
para o estresse do cuidador. O risco aumenta conforme aumenta o tempo que se necessita dedi-
car aos cuidados, sendo que familiares que cuidam de pacientes continuamente apresentam ris-
co ainda maior, especialmente pela possibilidade de comprometimento de seu ciclo sono-vigília.
Essa situação é muito comum em pacientes com quadros demenciais, que apresentam distúrbios
do sono com frequência, além daqueles que apresentam funcionalidade muito diminuída5.
As conclusões sobre os fatores de risco para o estresse do cuidador, contudo, permanecem
limitadas, uma vez que a maior parte dos estudos que as investigaram avaliou amostras restritas a
um diagnóstico específico, como quadros demenciais. Alguns dos achados, como a preponderân-
cia do sexo feminino, podem não ser fatores de risco, mas uma variável de confusão, pois o fato
de ser mulher pode estar independentemente associado a maior propensão a se tornar cuidado-
ra. Além disso, outros fatores de risco, como a presença de quadros depressivos e de problemas
financeiros, também foram identificados como possíveis consequências do estresse do cuidador,
o que dificulta qualquer conclusão sobre a relação de causalidade desses achados. Não obstante,
o Quadro 3 elenca os principais fatores de risco associados ao quadro de estresse do cuidador5.

QUADRO 3. FATORES DE RISCO PARA O ESTRESSE DO CUIDADOR EM FAMILIARES

Sexo feminino
Demográficos
Baixo nível educacional

Isolamento social

Problemas financeiros
Psicossociais
Quadros e sintomas depressivos

Estratégias de enfrentamento inadequadas

Viver no mesmo lar com o paciente

Contexto do cuidador, do Falta de opção em prestar o cuidado


paciente e da família
Muitas horas destinadas ao cuidado do paciente, especialmente
se período contínuo

ADAPTADO DE: ADELMAN ET AL., JAMA. 20145.


Consequências do BO e do estresse do cuidador
BO em profissionais da saúde
As consequências do BO vão além da dimensão pessoal do médico e da satisfação do pacien-
te com o atendimento. A despersonalização e a exaustão médicas também estão associadas a
maior tempo de recuperação do paciente após a hospitalização15. Entre os médicos, por sua vez,
o BO se associa a alta incidência de suicídio, depressão e uso/abuso de substâncias16.

Estresse do cuidador em familiares


O estresse do cuidador foi identificado como fator de risco para desfechos negativos no indiví-
duo que provê cuidados a pacientes crônicos. Possíveis impactos do quadro encontrados nesses
indivíduos estão elencados no Quadro 45. Alguns dos desfechos apontados, contudo, também
foram descritos como fatores de risco, o que dificulta concluir sobre a relação de causalidade.

QUADRO 4. POSSÍVEIS DESFECHOS NEGATIVOS OBSERVADOS EM CUIDADORES DE PACIENTES CRÔNICOS QUE


APRESENTAM ESTRESSE DO CUIDADOR

Aumento do risco de morte

Saúde física Perda de peso

Menor autocuidado e negligência com a própria saúde

Maior risco de suicídio

Quadros e sintomas depressivos


Saúde mental e aspectos
psicossociais
Sintomas ansiosos (em cuidadores de pacientes com câncer)

Isolamento social

Problemas financeiros
Aspetos econômicos
Impossibilidade de trabalhar

ADAPTADO DE: ADELMAN ET AL., JAMA. 20145.

Diagnóstico do BO e diferencial com os transtornos depressivos


Tanto o BO quanto os transtornos depressivos, como o transtorno depressivo maior, apre-
sentam fatores de risco e sintomas similares, dificultando uma clara distinção entre eles. En-
tretanto, a literatura sugere que, apesar de compartilharem diversas características, há
importantes diferenças entre as duas situações, cuja identificação é fundamental para o
correto diagnóstico diferencial.
A principal diferença do BO é sua relação com situações específicas referentes ao tra-
balho, o que fez com que fosse descrito por alguns autores como “sintomas depressivos
resultantes de eventos adversos no trabalho”. Ou seja, segundo tal proposta, o BO poderia
ser visto como uma forma de depressão associada ao trabalho17. Por sua vez, os transtor-
nos depressivos não dependem de contexto para ocorrer e suas manifestações e repercus-
sões são generalizadas, transcendendo diferentes domínios e, inevitavelmente, afetando a
maior parte das situações da vida do indivíduo. Para o diagnóstico do transtorno depressivo
maior, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 5a
edição, publicado pela APA, cinco das nove características elencadas a seguir devem estar
presentes por pelo menos duas semanas, sendo uma delas obrigatoriamente humor depri-
mido ou anedonia, causando sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo do funcio-
namento “social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo”18:

• Humor deprimido: relatado pelo paciente ou observado por terceiros, inclui tristeza e
choro fácil, ocorrendo na maior parte do dia, quase todos os dias;

• Anedonia: ocorrendo na maior parte do dia, quase todos os dias;

• Fadiga e anergia: frequentemente referidas como exaustão, cansaço, aumento do tem-


po ou dificuldade para iniciar/completar tarefas;

• Alteração do sono: insônia inicial, intermediária, terminal ou hipersonia (incluindo so-


nolência diurna excessiva);

• Alterações de apetite e/ou de peso: são comuns inapetência e perda ponderal não in-
tencional, bem como ganho ponderal (ganho maior do que 5% do peso habitual em um
mês), hiperfagia ou desejo por alimentos específicos (especialmente carboidratos);

• Alteração da psicomotricidade: retardo (manifestado por latência de resposta, lentificação


do pensamento, dos movimentos corporais, do discurso, redução do volume, da diversidade
e da quantidade de fala ou mutismo) ou agitação (atividade motora repetitiva, sem objetivo
– como andar de um lado a outro, esfregar as mãos –, acompanhada de sensação de tensão

673
interna). Essa alteração deve ser observada por terceiros (não apenas relato subjetivo);

• Alterações neurocognitivas: os pacientes costumam relatar dificuldades para pensar e/ou


para se concentrar;

• Ruminações sobre eventos passados, além de sentimentos de culpa, inadequação, menos


valia e fracasso: são comuns especialmente os pensamentos com conteúdo desse tipo
relacionados ao cumprimento adequado de obrigações laborais, mas também podem
assumir proporções delirantes;

• Pensamentos de morte, ideação suicida, planejamento suicida e tentativas de suicídio:


pensamentos transitórios ou recorrentes de morte, desejo ativo de cometer suicídio, pla-
nos sobre a melhor forma de tentar suicídio e tentativas de suicídio são comuns. Tam-
bém podem ocorrer comportamentos autolesivos (cortes, queimaduras de cigarro, den-
tre outros), que podem indicar depressão grave.

Avaliação do risco de estresse do cuidador em familiares


Os médicos que cuidam de pacientes crônicos, na maioria das vezes, focam suas
atenções e esforços no cuidado de seus pacientes apenas. Dessa forma, a saúde e o
bem-estar do cuidador são muitas vezes negligenciados, a despeito de essa figura ser
fundamental para a boa evolução de seus pacientes. Assim, a avaliação dos impactos
que o cenário da doença gera sobre o cuidador deve ser incorporada à rotina de todos
os médicos que cuidam desses pacientes, que devem se manter vigilantes em relação
aos fatores de risco e às manifestações do estresse do cuidador. É fundamental identi-
ficar os fatores que possam sobrecarregá-lo, como demandas de saúde física e mental
do paciente, incluindo problemas comportamentais por ele apresentados, problemas
financeiros e conflitos familiares5.
Para a abordagem do cuidador, recomenda-se inicialmente mapear qual ou quais são
os cuidadores do paciente. Em seguida, deve-se discutir com ele(s), em conjunto com
o paciente, as necessidades e preferências de todos, as quais devem ser incorporadas
ao plano de cuidados. Possíveis tópicos a serem considerados são: recursos de apoio ao
cuidado, encaminhamento para hospice, limitação de tratamentos, entre outras. Deve-se
também verificar o entendimento do cuidador sobre seu papel, sobre as dificuldades e
tarefas inerentes do cuidado e sobre a doença do paciente. Ademais, deve-se acompa-

674
nhar o caso longitudinalmente, avaliando o bem-estar do cuidador e sua sensação de
confiança no desempenho das tarefas, além de indagá-lo ativamente sobre a necessida-
de de auxílio5. O Quadro 5 elenca aspectos relacionados ao risco de estresse do cuidador
que devem ser avaliados pelo médico, incluindo percepções subjetivas do indivíduo e
dados mais objetivos que devem ser obtidos.

QUADRO 5. ASPECTOS RELACIONADOS AO RISCO DE ESTRESSE DO CUIDADOR A SEREM AVALIADOS PELO MÉDICO

Relação do cuidador com o paciente e há quanto


tempo está nesse papel

Cuidador e paciente vivem no mesmo lar?


Relação com o
paciente e aspectos Aceitação do cuidador quanto ao papel em que
do cuidado se encontra em relação ao paciente

Qualidade do cuidado prestado pelo cuidador


até o momento

Nível educacional do cuidador

Ocupação do cuidador e se está empregado

Percepção do cuidador quanto à própria saúde

Comorbidades, condições de saúde e limitações do cuidador que


prejudiquem o cuidado

Percepção do cuidador quanto à sua qualidade de vida


Aspectos
do cuidador Evidência de sintomas depressivos, ansiosos e/ou ideação suicida
no cuidador

Nível de estresse reportado pelo cuidador

Percepção do cuidador quanto ao impacto do cuidado sobre sua saúde

Percepção do cuidador sobre o nível de conhecimento sobre a


doença do paciente, o prognóstico e os objetivos do cuidado

Conhecimento do cuidador quanto às tarefas necessárias para o


cuidado (cuidar de feridas, seguir prescrições complexas, entre outros)

Estratégias para lidar com o estresse

675
Rede de apoio do cuidador e existência de outros cuidadores na
família e entre amigos

Vida social do cuidador e existência de isolamento social

Estrutura do domicílio (ex.: presença de escadas, disponibilidade


de recursos que auxiliam a mobilidade, entre outros)

Disponibilidade de cuidadores pagos (funcionários,


acompanhantes de idosos, entre outros)
Aspectos familiares,
sociais e do domicílio Aspectos culturais e valores da família quanto ao cuidado (por
exemplo, quanto a cuidados paliativos, hospice, limitação de
tratamento, entre outros)

Conhecimento do cuidador sobre recursos na comunidade


(associações de apoio, recursos governamentais e de assistência
social, entre outros)

Problemas financeiros do cuidador associados ao cuidado e


conhecimento sobre programas financeiros de apoio (privados
ou públicos, como assistência social e previdenciária), bem como
seu acesso a eles

Grau de dependência, mobilidade e funcionalidade do paciente


(por exemplo, se o paciente é acamado)

Aceitação do cuidado por parte do paciente

Existência de alterações cognitivas no paciente e seu impacto no cuidado

Condições médicas do paciente

Aspectos do paciente Percepções do cuidador sobre as condições médicas do paciente,


seu prognóstico e objetivos do cuidado

Objetivos do cuidado na visão do paciente

Quantidade de tempo necessário para o cuidado (por exemplo,


se o paciente necessita de cuidados contínuos ou se apenas
assistência parcial é demandada)

Visão, valores e aspectos culturais do paciente quanto ao cuidado


(por exemplo, se aceita um cuidador contratado ou uma instituição)

ADAPTADO DE: ADELMAN ET AL., JAMA. 20145.

676
Intervenções propostas para diminuir o estresse emocional de profissionais de saúde
Há uma gama de estratégias de intervenção para diminuir o estresse emocional de pro-
fissionais da saúde que cuidam de pacientes crônicos, graves e em fim de vida. Em es-
pecial, estratégias de comunicação ativa sobre cuidados de fim de vida nas unidades de
terapia intensiva (mais detalhes sobre o tema são abordados no Capítulo 30) se associaram
a menor risco de BO. Além disso, também são estratégias de mitigação os programas edu-
cacionais para manejo do estresse emocional, que podem incluir intervenções de enfren-
tamento e redução do estresse, como exercícios de relaxamento, ioga e mindfulness10.
A importância da comunicação adequada é ressaltada por estudos, demonstrando
que a implementação de estratégias de comunicação ativa e intensiva com familiares
foi associada à redução de quase 50% e 60% das incidências de BO e depressão, res-
pectivamente. Tais estratégias incluíram elementos de organização (como introdução de
horários irrestritos de visitas e uma equipe de psicólogos para avaliação sob demanda),
de comunicação (reuniões diárias com familiares e discussão de opções de cuidados pa-
liativos) e de ética médica (seção dedicada no prontuário do paciente e reuniões éticas)10.
Outra estratégia promissora é o treinamento da mente com atenção plena (mindful-
ness), que pode ser aplicado a discussões em grupo que incluam reflexão e experiências
compartilhadas sobre bem-estar dos médicos. Por último, seminários sobre fadiga por
compaixão podem aumentar a conscientização e os recursos para lidar com estresse
emocional no futuro. A disponibilização desses recursos para todos os membros da
equipe também é recomendada10.

Possíveis intervenções para a prevenção do estresse do cuidador entre familiares


Em geral, os cuidadores não recebem apoio adequado da equipe assistencial do pacien-
te e se sentem abandonados pelo sistema de saúde. Portanto, para diminuir o estresse do
cuidador, o médico deve, primariamente, adotar uma postura proativa de aproximação
e preocupação com o cuidador, encorajando-o a se sentir parte da equipe assistencial.
Assim, temas como aspectos e dificuldades do cuidado devem ser ativamente discutidos
com o cuidador, que muitas vezes reluta em falar sobre tais questões espontaneamente.
Além disso, suas necessidades devem ser levadas em conta ao se propor um plano de
cuidado. Idealmente, cuidador e paciente devem ser avaliados tanto em conjunto quanto
separadamente, possibilitando não apenas aprimorar a comunicação, mas também per-
mitir que temas potencialmente confidenciais sejam abordados5.
Outro aspecto importante no cuidado ao cuidador é a preocupação com sua educação.
O médico e a equipe devem educar o cuidador quanto à doença e às necessidades do

677
paciente, assim como ensinar técnicas para a correta mobilização de pacientes acama-
dos, evitando lesões musculoesqueléticas no cuidador. Este também deve ser orientado
quanto ao risco de estresse, suas consequências e como identificá-lo. Opções e alter-
nativas devem ser discutidas com o cuidador, que deve aprender a pedir ajuda, engajar
familiares e recorrer a grupos de apoio e outros recursos, públicos e privados5.
É necessário que também sejam identificadas e discutidas possíveis barreiras para se
pedir auxílio. São exemplos: problemas financeiros, vergonha, relutância em aceitar es-
tranhos na casa e ansiedade por possível perda da privacidade5. Ainda, os valores, expec-
tativas e objetivos do cuidador devem ser investigados e debatidos, de forma a auxiliar na
definição do plano de cuidado e evitar problemas de comunicação e frustrações no futuro.
Embora a maioria dos estudos que avaliaram intervenções para reduzir o estresse do cui-
dador tenha sido feita em pacientes com quadros demenciais ou com câncer, intervenções
como grupos de apoio e atividades de psicoeducação (treinamento de habilidades e aconse-
lhamento terapêutico) mostraram um tamanho de efeito que, apesar de modesto, deve en-
corajar a adoção dessas medidas, considerando o baixo risco que apresentam. Intervenções
farmacológicas direcionadas a sintomas comportamentais associados a quadros demenciais
(abordadas em detalhes no Capítulo 27) também demonstraram evidência de reduzir a inci-
dência de estresse do cuidador naqueles que cuidam de pacientes com esses quadros5.
Poder contar com uma rede de apoio é outro fator importante para prevenir o risco de
estresse do cuidador. A equipe de saúde pode auxiliar na tarefa de educar o cuidador e o pa-
ciente sobre recursos de apoio disponíveis, que muitas vezes são desconhecidos por eles5.
Fundamental também é ajudar na articulação dessa rede, tarefa que envolve o importante
papel de assistentes sociais e da enfermagem, que devem trabalhar em sintonia com o
restante da equipe. Entre os possíveis recursos estão: associações de pacientes, serviços
de assistência domiciliar, transporte especializado, apoio jurídico e auxílio financeiro. In-
tervenções para melhoria da infraestrutura do domicílio, visando aumento da segurança
e facilitação da mobilidade (por exemplo, instalar barras de apoio nas paredes) também
devem ser incentivadas. Recentemente, diversos recursos tecnológicos, como dispositivos
de telemonitoramento e aplicativos, vêm sendo desenvolvidos para auxiliar o cuidador5.
Hábitos de promoção da saúde devem ser incentivados, e condições para que o cuidador
também possa cuidar de si devem ser promovidas, por exemplo, organizar a marcação de
suas consultas para o mesmo dia e local em que estão agendadas as do paciente5.

Considerações finais
Cuidadores são pessoas da família ou da comunidade que prestam cuidados, com ou

678
sem remuneração, a outra pessoa de qualquer idade que demande cuidados por estar
acamada, com limitações físicas ou mentais. Porém, na ampla categoria dos que pres-
tam cuidados, também podemos incluir os profissionais da saúde, como os médicos,
que lidam em seu dia a dia com pacientes com doenças crônicas e ameaçadoras da vida.
Como habilidade principal para o desempenho de um bom cuidado, o cuidador deve
ser provido de compaixão, atributo que demanda proatividade em aprofundar o próprio
grau de consciência sobre o sofrimento de outro indivíduo (ou o desejo de aprofundá-la)
e um desejo de aliviar tal sofrimento.
Contudo, há enormes obstáculos e fatores estressores associados à prestação do cui-
dado, seja por profissionais da saúde ou por cuidadores domésticos, familiares ou não.
Como consequência, situações como fadiga por compaixão, BO e estresse do cuidador
são uma realidade entre aqueles que se envolvem com os cuidados paliativos, e portanto,
devem ser combatidos e prevenidos.
Se a compaixão é fator fundamental para o exercício do bom cuidado, o cuidador tam-
bém deve buscar a autocompaixão, ou seja, se preocupar também com o seu próprio
sofrimento, cuidando de suas necessidades e percebendo suas limitações, da mesma
forma como faz com aquele para o qual provê o cuidado. Em suma, é importante que
o cuidador não esqueça de si. O mesmo vale para os médicos e demais profissionais da
saúde, com o adicional de que também devem direcionar suas atenções ao cuidador,
identificando problemas e incentivando seu autocuidado.

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681
Capítulo 34
Educação em Cuidados Paliativos
Eliane Haider

Os cuidados paliativos são aplicáveis em diversos contextos de saúde, da atenção pri-


mária à terciária, intra-hospitalar, ambulatorial e em domicílio (detalhes dos modelos de
assistência em cuidados paliativos são abordados no Capítulo 5). Todo profissional de saú-
de deve ser capaz de fornecê-los de maneira adequada, o que requer que todos sejam trei-
nados para fazê-lo com presteza (respeitando os diferentes graus de expertise), a fim de
atender às necessidades e desafios dos doentes e famílias1.
O sofrimento do indivíduo impacta seus familiares, amigos e os profissionais envolvidos
em seu cuidado. Imperícia e desconforto moral podem fomentar o sofrimento de membros
da equipe de saúde e culminar em situações como a do burnout (detalhado no Capítulo 33).
Neste capítulo, serão abordados alguns tópicos envolvendo a educação médica voltada
ao ensino de cuidados paliativos, fundamental para suprir essa demanda cada vez mais
crescente por profissionais capazes de oferecer os melhores cuidados a seus pacientes.

Conceitos e definições

Alguns conceitos importantes em educação médica aplicada aos cuidados paliati-


vos são importantes para o entendimento deste capítulo:

• Domínios da educação em cuidados paliativos: a educação em cuidados paliati-


vos deve incluir a educação da população como um todo, o treinamento dos profis-
sionais já atuantes (educação continuada), a implementação de formação básica
em paliação no conteúdo curricular das graduações da área da saúde2 e o refina-
mento da formação de especialistas. Enquanto a população geral tem se apropria-
do do tema a partir da literatura, vídeos informativos de qualidade na web, cursos,
podcasts, sites e pela teledramaturgia recente, estratégias de educação médica de-
vem ser pensadas desde o desenho do currículo de graduação até as estratégias

683
de avaliação da aprendizagem, capazes de direcionar o ensino às necessidades da
população atendida.

• Currículo baseado em competências: competências são um conjunto de com-


portamentos observáveis e mensuráveis que abrangem a combinação de conhe-
cimentos, habilidades e atributos pessoais que tornam alguém capaz de resolver
determinada tarefa. Os objetivos do currículo devem ser específicos, mensuráveis,
alcançáveis, relevantes e em tempo oportuno (regra mnemônica em inglês SMART
para os termos specific, measurable, achievable, relevant e timely). Também é interes-
sante explicitar o que se espera que o aprendiz seja capaz de fazer ao término da
formação, em que circunstâncias, quão bem feito e quando3.

Educação continuada em cuidados paliativos


O treinamento de quem já atua fica a critério dos setores de educação continuada,
adequando o conteúdo às necessidades do cenário e da rotina clínica. Esse tipo de trei-
namento é condição para possibilitar maior acesso às duas dimensões do cuidado: cura-
tiva (ou terapia modificadora de doença) e paliativa (cuidados para alívio do sofrimento).
No entanto, o estudo SUPPORT (realizado entre 1989 e 1995) demonstrou deficiências no
tratamento da dor, na comunicação entre médicos e famílias e na indicação de terapias
em mais de 10 mil pacientes em estado grave e hospitalizados4,5.
A literatura sugere que médicos no início de sua experiência prática aprendem cuida-
dos paliativos experimentalmente. Como os médicos mais antigos têm dificuldade de lidar
com necessidades de cuidados paliativos e discutir questões de fim de vida com seus pa-
cientes (devido a uma formação deficitária no tema), muitas vezes se reforça o hábito de
evitar discutir questões envolvendo cuidados paliativos. Isso leva profissionais a se consi-
derarem despreparados para dar notícias difíceis, demonstrar empatia, discutir prognós-
tico, controlar sintomas e manejar sofrimento e questões sociais3. Esse contexto reforça
a importância do engajamento em educação continuada nos vários cenários de prática.

Cuidados paliativos no currículo da graduação no Brasil


A necessidade da inclusão dos cuidados paliativos na graduação é descrita na literatura
mundial desde a década de 19703,6-9. No Brasil, os primeiros profissionais que se especiali-

684
zaram na área eram autodidatas ou obtiveram especialização fora do país5. O treinamento
técnico específico teve início por iniciativas isoladas, cursos vinculados ao movimento es-
tudantil, de extensão –como a iniciativa do Dr. Marco Tulio de Figueiredo, na Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), na década de 199010 – ou ligas acadêmicas.
Até novembro de 2022, os cuidados paliativos não constavam nas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) do curso de graduação em medicina11. Durante anos, diversas entidades
ligadas aos cuidados paliativos e ao ensino médico atuaram em prol da inclusão da área
no currículo da graduação médica no Brasil. Entre elas, a Associação Brasileira de Educa-
ção Médica (Abem) – conhecida pelos contínuos trabalhos e pela busca por melhorias no
ensino médico no Brasil – vinha propondo alterações das DCN desde 2014, buscando a in-
clusão dos cuidados paliativos no currículo, pois os considera uma competência esperada
do aluno de graduação12. Em novembro de 2022, com a publicação de uma nova resolução
alterando as DCN (vide item “Desdobramentos recentes” ao final deste capítulo), os cuida-
dos paliativos finalmente foram incluídos no currículo. Com a publicação da nova norma-
tiva, espera-se que esse conteúdo específico deixe de seguir à margem do currículo oficial
institucional da graduação na maioria das faculdades do Brasil, nas quais ainda é ensinado
apenas em ligas acadêmicas (59 cadastradas no site da ANCP)13 ou como disciplina eletiva.
Atualmente, essa normativa ainda não se consolidou nos currículos e há uma menção
aos cuidados paliativos apenas em outras especialidades e áreas de atuação, como cui-
dado intensivo, emergências clínicas, oncologia e geriatria. Há algum engajamento dos
serviços de cuidados paliativos com a formação na residência, existindo atualmente 16
programas de residência médica ou fellowship e 11 programas de residência multiprofis-
sional no Brasil13. Entretanto, ainda não foram implementados de maneira sistematiza-
da na maioria das formações de graduação e de pós-graduação do nosso País, o que leva
à conclusão de que a educação em cuidados paliativos dos profissionais de saúde no Bra-
sil tem se difundido muito lentamente, apesar de ser essencial para melhorar o controle
de sintomas, e o suporte ao fim da vida e ao luto, além de promover o encaminhamento
pertinente ao especialista na área diante de problemas complexos2.

Objetivos dos currículos baseados em competências em cuidados paliativos


Para que seja possível implementar os cuidados paliativos na educação médica, é
preciso compreender os desafios da formulação e implementação de currículos. Tam-
bém é importante alinhar o programa de formação às necessidades da população e dos
serviços de saúde da comunidade em que está inserido14, deixar claros os objetivos de
aprendizagem, e perceber as variáveis que influenciam a experiência de cada indivíduo

685
aprendiz. Para isso, com o aprimoramento da educação médica, atualmente a maior
parte dos currículos tem migrado de objetivos centrados em conhecimento para objeti-
vos centrados em competências3,14.
Quando se fala em aprendizado de adultos, essa transparência nos objetivos de aprendi-
zagem possibilita envolvê-los no processo educativo; assim, eles podem perceber as pró-
prias necessidades e formular os objetivos individuais e planos pessoais de aprendizado,
avaliando o próprio processo de aprendizagem15. Além disso, é importante buscar cons-
truir cenários seguros, favoráveis ao ensino e à aprendizagem, em que os indivíduos se
sintam confortáveis para se expressar e os tutores sejam facilitadores desse processo15.
Podem surgir diferenças entre o conteúdo que se dispôs a transmitir (currículo proposto)
e o conteúdo que de fato foi ofertado (currículo oferecido). Além disso, o contexto social e
individual influencia a experiência de cada aprendiz, trazendo outra variável: o currículo
vivenciado por cada estudante14. Reconhecer que essas variações existem e que é possível
intervir em algumas delas faz parte do aprimoramento continuado da formação.
As primeiras sistematizações de ensino de cuidados paliativos na graduação datam de
1993 no Canadá e no Reino Unido3. Desde o primeiro currículo proposto naquele ano pela
Associação para a Medicina Paliativa no Reino Unido e Irlanda (Association for Palliative
Medicine for United Kingdom and Ireland – APM), propunha-se a divisão de requisitos
curriculares em três seções: para estudantes de medicina, para não especialistas e para
profissionais em treinamento no nível especializado em cuidados paliativos3. Essa suges-
tão tem se mantido na atualidade. A Associação Europeia de Cuidados Paliativos (European
Association for Palliative Care – EAPC) publicou, em 2013, um guia orientador consensual
sobre competências centrais em cuidados paliativos, no qual descreve os seguintes níveis:

• Abordagem de cuidados paliativos: concebido como meio de integrar métodos e pro-


cedimentos de cuidados paliativos em contextos de cuidados gerais (como medicina
interna, cuidados ao idoso e assim por diante);

• Cuidados paliativos gerais: concebido para profissionais frequentemente envolvidos com


doentes de cuidados paliativos ou agindo como uma pessoa de recursos para os cuidados
paliativos em seu ambiente de cuidado, mas para quem os cuidados paliativos não são o
foco principal de sua prática clínica (por exemplo, profissionais de cuidados primários,
oncologistas, geriatras, profissionais de enfermagem e enfermeiros especialistas);

• Cuidados paliativos especializados: concebido para profissionais que trabalham exclu-

686
sivamente no domínio dos cuidados paliativos e cuja principal atividade é dedicada a li-
dar com problemas complexos, o que exige habilidades e competências especializadas1.

É importante ressaltar que se deve adequar o nível de complexidade e detalhamento


do treinamento de acordo com a exposição e a necessidade do cotidiano clínico. Assim,
a todo profissional de saúde deve ser oferecida uma formação básica na abordagem de
cuidados paliativos, incluindo seus princípios, noções de controle de sintomas (medica-
mentos e medidas não farmacológicas), habilidades de comunicação, conhecimento de
ética e legislação, além de atividades práticas supervisionadas2,3. Todos esses profissionais,
incluindo geriatras, oncologistas e cardiologistas, devem saber acessar as necessidades e
preferências do paciente, planejar antecipadamente o cuidado, controlar sintomas e re-
conhecer a terminalidade3. Isso evita que o paciente seja encaminhado à equipe de cuida-
dos paliativos em fase tardia do adoecimento, sem condições de manifestar seus valores e
prioridades por conta própria, ficando sujeito a decisões de familiares tomados por inten-
so sofrimento pela perda de funcionalidade do ente querido, mudanças na dinâmica social
e financeira da família e angústia pela antecipação da perda.

Métodos para a avaliação da aprendizagem em cuidados paliativos


Ao desenhar o currículo conforme o desenvolvimento esperado, podem-se direcionar
as práticas de ensino mais adequadas conforme as estratégias de avaliação de aprendi-
zagem do próprio programa de formação. Um exemplo de modelo de avaliação de ha-
bilidades clínicas que pode ser utilizado para esse fim foi proposto, em 1990, por Miller.
Nele, as competências e o desempenho do aluno evoluem como uma pirâmide3, que
tem o conhecimento cognitivo em sua base (“sabe”), seguido de “sabe como fazer” algo,
“mostra como faz” e “faz” (demonstra na prática) no topo da pirâmide. Assim, conforme
o que se pretende avaliar, é um método de avaliação que se faz mais adequado3,16:

• “Sabe”: questões de múltipla escolha; melhor alternativa de cinco; questões disser-


tativas; exames orais;

• “Sabe como fazer”: questões dissertativas; portfólios; ensaios ou dissertações; exa-


mes orais; alternativas em um contexto clínico tipo extended matching questions;

• “Mostra como faz”: avaliação simulada estruturada tipo OSCE (objective structured cli-
nical examination) ou tipo CSA (clinical skills assessment/exercise); avaliação clínica se-

687
miestruturada tipo OSLER (objective structured long examination record); avaliação com
paciente simulado; exame prático tipo “caso curto” ou “caso longo”;

• “Faz”: avaliação de desempenho proveniente de múltiplas fontes (multisource feedback


– MSF) ou avaliação 360° (autoavaliação, avaliações por pares, da equipe de trabalho,
dos supervisores e dos pacientes/familiares); observação direta do desempenho em
procedimentos (direct observation of procedural skills – DOPS); avaliação clínica semies-
truturada tipo mini CEX (mini clinical examination/exercises); análise do processo de tra-
balho (prontuários, prescrições, pedidos de exames e encaminhamentos); análise de
desfechos (qualidade de vida, morbidade) relativos às pessoas assistidas.

Estratégias de ensino em cuidados paliativos


O desempenho dos estudantes em avaliações pode ser um indicativo da necessidade
de diversificar as metodologias de ensino para melhores aquisição e desenvolvimento
do conhecimento. A forma mais consolidada de ensino é a aula expositiva, semelhan-
te a palestras. Há outras estratégias que podem maximizar o aprendizado ao ensinar
grandes grupos17, como promover discussões, tempestades de ideias (brainstorming),
introduzir pausas para debate de questões/problemas/exercícios em interação entre
pequenos grupos (duas a três pessoas) para posterior retomada do tema, entre outras.
Quando se divide a turma em grupos menores, muitas dessas estratégias podem ser
utilizadas. Por exemplo, Bligh propõe que uma atividade entre os estudantes no meio
de uma aula aumenta o que eles lembram da parte expositiva17. Ainda, discussões em
grupo podem desenvolver o conhecimento de cada aluno3. Habilidades podem ser de-
senvolvidas com discussões em grupos tipo aquário (goldfish bowl discussions) ou ativi-
dades de simulação tipo role play.
Nos estágios observacionais, é importante atentar ao ensino um a um e à importân-
cia das devolutivas (feedback). Nesse contexto, ocorre aprendizagem ativa em cenário
clínico autêntico. Há observação mútua próxima: o tutor observa o comportamento do
aprendiz e este observa o que o médico sênior diz, como diz, suas reações quando está
sob pressão e opiniões em geral. Dessa maneira, o tutor serve como um exemplo/mo-
delo de prática (role model). Nessas situações, é importante encorajar a reflexão e dar
devolutivas específicas: começar com o que o aprendiz se sente confiante por ter feito
bem/alcançado e o que ele gostaria de melhorar; em seguida, passar a sua observação
(sendo específico) sobre o que foi feito bem e, depois, sobre um ou dois pontos que
podem ser aprimorados pelo estudante18.

688
Propostas de grades curriculares em cuidados paliativos
Existem propostas de sistematização de grades curriculares com durações variadas.
O objetivo deste capítulo não é listá-las extensivamente. Contudo, a seguir são descritos
alguns exemplos.

1. A Sociedade Canadense de Médicos dos Cuidados Paliativos (Société Canadienne des


Médecins des Soins Palliatifs) propôs, em 2008, seis itens para divisão das competências:

a) expertise médica em dor e outros sintomas;


b) expertise médica em necessidades psicossociais e espirituais;
c) administração;
d) comunicação;
e) colaboração;
f) promoção de saúde.

2. A Associação Internacional para Hospice e Cuidados Paliativos (International As-


sociation for Hospice and Palliative Care – IAHPC) patrocinou, em 2016, um projeto
que definiu competências para a graduação em medicina e enfermagem baseadas em
consenso de especialistas, tendo como guia a lista de práticas essenciais da IAHPC19.
Formularam-se seis categorias de competências:

a) definição e princípios dos cuidados paliativos (definição, princípios e modelos);


b) identificação e controle de sintomas (dor, sintomas respiratórios, gastrintesti-
nais, insônia, delirium);
c) cuidados de fim de vida (e sedação paliativa);
d) questões éticas e legais;
e) questões psicossociais e espirituais (emocionais, relacionadas ao luto, aos cuida-
dores e familiares, comunicação e relação terapêutica);
f) trabalho em equipe19.

3. Gustavo Caldas, em 2018, publicou uma proposta de grade curricular mínima dos
cuidados paliativos na graduação brasileira9, que segue seis grandes categorias:

a) princípios básicos;
b) manejo de sintomas;

689
c) questões éticas e legais;
d) comunicação e aspectos psicossociais e espirituais;
e) trabalho em esquipe;
f) desafios para a implementação da proposta.

4. Em 2013, a EAPC sugeriu dez competências centrais em cuidados paliativos1:

a) aplicar os constituintes centrais dos cuidados paliativos no ambiente próprio e


mais seguro para os doentes e famílias;
b) aumentar o conforto físico durante as trajetórias de doença dos doentes;
c) atender às necessidades psicológicas dos doentes;
d) atender às necessidades sociais dos doentes;
e) atender às necessidades espirituais dos doentes;
f) responder às necessidades dos cuidadores familiares em relação aos objetivos do
cuidar em curto, médio e longo prazo;
g) responder aos desafios da tomada de decisão clínica e ética em cuidados paliativos;
h) implementar uma coordenação integral do cuidar e um trabalho de equipe inter-
disciplinar em todos os contextos nos quais os cuidados paliativos são oferecidos;
i) desenvolver competências interpessoais e comunicacionais adequadas aos cuida-
dos paliativos;
j) promover o autoconhecimento e o contínuo desenvolvimento profissional1.

5. O Projeto EDUPALL, em revisão e sistematização de 2019, propôs um modelo curri-


cular teórico-prático com seis domínios de temas:

a) base dos cuidados paliativos (5%);


b) dor e manejo de sintomas (50%);
c) aspectos psicossociais e espirituais (20%);
d) questões éticas e legais (5%);
e) comunicação (15%);
f) trabalho em equipe e auto-observação (5%)20.

Nessa proposta de 72 horas de treinamento, constam 14 horas de conteúdo teórico,


28 horas de treinamento beira-leito, 30 horas de treinamento online e estímulo a estudo
autodirigido21. O conteúdo programático é descrito no Quadro 1.

690
Diante dos exemplos indicados, percebe-se que as diversas propostas de currículos
em cuidados paliativos apresentam categorias em comum. Há, ainda, sugestões que
incluem capacitação para resolver problemas, para pensar criticamente e para ter a
disposição de se manter em educação continuada5. O ensino de cuidados paliativos
pode integrar-se a diversas disciplinas ou ser exposto em conteúdo programático pró-
prio. Esta última estratégia tem a vantagem de enfatizar características específicas.
Ainda, percebe-se maior impacto quando cuidados paliativos são ensinados nos últi-
mos anos da formação, quando o estudante já tem conhecimento científico suficiente
e alguma experiência clínica prática20.

Educação em cuidados paliativos para especialistas


Existem propostas para o ensino do conteúdo esperado na formação de especialis-
tas em cuidados paliativos e em outras áreas, como oncologia, cirurgia etc., cujo ní-
vel de profundidade varia segundo as especificidades de cada prática. Nos países em
que o treinamento especializado está bem desenvolvido, geralmente organizações
nacionais têm um acordo sobre o currículo baseado em competências esperadas do
especialista em cuidados paliativos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Accreditation Council for Graduate Medical Edu-
cation faz a acreditação dos programas de residência, ao passo que a Academia Ame-
ricana de Hospice e Cuidados Paliativos (American Academy of Hospice and Palliative
Medicine – AAHPM) aconselha as competências esperadas. O grupo de trabalho voltado
a competências de medicina paliativa e cuidados tipo hospice da AAHPM desenvolveu
alguns materiais sobre as competências centrais para a residência em medicina paliati-
va22, com resultados mensuráveis23, além de um kit de materiais para avaliação do apren-
dizado e descrição de como utilizá-lo24.
Cada país ou região formula propostas conforme suas necessidades locais e propostas
de duração da formação específica. Contudo, em muitos países, como no Brasil, ainda
não existe uma sistematização como essa.

Desdobramentos recentes
Em novembro de 2022, o Conselho Nacional de Educação (CNE) alterou a Resolução CNE/
CES nº 3, de 20 de junho de 2014, que instituiu as DCN do curso de graduação em medici-
na, para nelas incluir o ensino dos cuidados paliativos. A nova normativa – Resolução CNE/
CES nº 3, de 3 de novembro de 202225 – inclui nas DCN “conhecimentos, competências e
habilidades da assistência ao paciente em cuidados paliativos”. As competências incluem:

691
QUADRO 1. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO CURRÍCULO DE ENSINO DE CUIDADOS PALIATIVOS PARA A
GRADUAÇÃO MÉDICA PROPOSTO PELO PROJETO EDUPALL

Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,


Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

1. Definir cuidados paliativos;


2. Explicar os princípios holísticos da prática de cuidados paliativos;
3. Discutir as trajetórias de doenças;
Cuidados
Descrever e discutir 4. Multimorbidade, fragilidade e polifarmácia;
paliativos como
criticamente o 5. Compreender o impacto de doenças ameaçadoras à vida para
uma disciplina
desenvolvimento, a pacientes e familiares;
integrada
filosofia e a prática 6. Explicar como os cuidados paliativos se encaixam na medicina; e
(3 h)
dos cuidados na agenda da saúde pública;
paliativos. 7. Discutir os desafios para o futuro desenvolvimento dos cuidados
Base dos
paliativos nos níveis local, nacional e internacional.
Cuidados
Paliativos
(5%)
1. Descrever o papel do médico na provisão dos cuidados paliativos;
Demonstrar
Cuidados 2. Diferenciar cuidados paliativos gerais e especializados;
compreensão
paliativos no 3. Descrever o papel dos demais profissionais de saúde na oferta de
dos tipos, níveis
cenário hospitalar cuidados paliativos: fisioterapia, terapia ocupacional, serviço social,
e integração dos
e comunitário psicologia e serviço de capelania;
serviços de
(3 h) 4. Compreender a prática e os desafios dos cuidados paliativos em
cuidados paliativos.
diferentes contextos organizacionais (hospital/comunidade/hospice.)

1. Identificar e descrever as perdas (e seu impacto) que os


Entender as
pacientes e suas famílias enfrentam ao longo da trajetória da
causas e respostas
Perda e luto doença (e para familiares, após a morte)
às perdas e ao luto
(3 h) 2. Diferenciar perda, sofrimento e luto
de pacientes com
3. Descrever padrões de luto “normais”
doenças crônicas e
4. Identificar modelos comuns de perda/luto e descrever seu
suas famílias.
valor para a prática, incluindo luto complicado
Aspectos
psicos-
sociais e
espirituais Entender o impacto
Cuidado 1. Identificar e descrever as mudanças de papéis e efeitos
(20%) da doença no
psicossocial (psicológicos, sociais e espirituais) para o paciente e sua família;
funcionamento
(3 h) 2. Identificar como as diferenças culturais (incluindo religião) e
psicológico e social
étnicas podem impactar o ajuste psicossocial à doença;
de pacientes com
3. Descrever as expectativas e os papéis da equipe multidisciplinar
doenças crônicas e
no apoio/prestação de cuidados psicológicos e sociais.
suas famílias.

692
Objetivos da
aprendizagem de Objetivos da aprendizagem de atitudes Modalidade de ensino Modalidade
habilidades práticas e competências pessoais e aprendizagem de avaliação

1. Reconhecer e justificar a integração dos cuidados


paliativos na medicina convencional;
2. Reconhecer e resolver os desafios/equívocos sobre
cuidados paliativos; Aprendizagem online

3. Descrever o valor da integração dos cuidados paliativos +

com as terapias modificadoras de doença (por exemplo, palestra/aula

linhas paliativas de terapia oncológica); expositiva

4. Reconhecer e respeitar a responsabilidade profissional


de cuidar de pessoas com condições ameaçadoras à vida
e seus familiares, para garantir conforto e dignidade. Questões
de resposta
curta
Visita a unidades de

Reconhecer e respeitar a responsabilidade profissional cuidados paliativos

de cuidar de pessoas com condições ameaçadoras à +

vida e seus familiares, em toda a duração da vida (inclui aprendizagem online

reconhecimento das necessidades de vulneráveis/ +

grupos minoritários) seminário (sala de


aula invertida)

Demonstrar
Questões
Ensino online e
entendimento
de múltipla
e capacidade de seminário
escolha
rastrear fatores +
de risco para treinamento
transtorno do luto Questões
beira-leito
prolongado dissertativas

Demonstrar
compreensão Avaliação
Mostrar um compromisso de apoiar e envolver-se
empática das Seminário (sala de simulada
com questões psicossociais
respostas psicológicas aula invertida) tipo OSCE
ao estresse/perda + +
e da relação entre treinamento questões de
o enfrentamento e respostas
beira-leito
disfunções/distúrbios
curtas
psicológicos

693
Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,
Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

Questões Entender os
1. Identificar e explicar os principais desafios na preparação
práticas do fim desafios práticos
para o fim da vida para os pacientes e seus familiares;
de vida para no fim de vida de
2. Identificar onde e se pacientes e familiares podem obter
pacientes e pacientes com
ajuda para lidar com questões práticas, financeiras e legais e
familiares doenças crônicas e
explicar como esses serviços funcionam.
(3 h) suas famílias.
Aspectos
psicos-
sociais e
espirituais
Compreender a 1. Definir o suporte espiritual e explicar a relação e as
(20%)
importância de diferenças entre espiritualidade e religião;
Suporte avaliar e apoiar 2. Descrever como as questões espirituais afetam as pessoas
espiritual as necessidades com doenças ameaçadoras à vida e seus familiares, na
(3 h) espirituais dos continuidade de cuidado;
pacientes e 3. Explicar o papel do médico (e equipe multidisciplinar mais
familiares. ampla) em relação ao suporte espiritual.

1. Descrever as causas e os efeitos dos diferentes tipos de dor


que podem ocorrer;
Dor e Dor Total Entender a dor
2. Explicar o conceito de “dor total”;
em cuidados como experiência
3. Compreender que a dor é influenciada por vários fatores,
paliativos multidimensional.
como pensamentos, atividade, sono, humor e estresse
(2 h)
Dor e 4. Diferenciar dor e sofrimento.
manejo
de sinto-
mas (50%)

Desenvolver
1. Diferenciar os tipos de dor: aguda, crônica, nociceptiva e
habilidades clínicas
neuropática;
Fisiopatologia,
e competências
2. Reconhecer características comuns da dor visceral, somática
classificação
em abordagem
e neuropática;
e mensuração
completa e correta
3. Descrever mecanismos comuns de dor; receptores, vias de
da dor
da dor;
transmissão e modulação da dor, centros nervosos;
(4,5 h)
Formular
4. Discutir os princípios da avaliação multidimensional da dor.
diagnóstico da dor.

694
Objetivos da Objetivos da aprendizagem
Modalidade de ensino Modalidade
aprendizagem de de atitudes e
habilidades práticas competências pessoais e aprendizagem de avaliação

Palestra/aula
Avaliação simulada
expositiva
tipo OSCE
+
Demonstrar como um médico +
material online
pode apoiar preocupações questões de
+
relacionadas a questões práticas respostas curtas
seminário com
e financeiras no fim de vida
aprendizagem
experimentada

1. Reconhecer sinais de Questões de

sofrimento/angústias múltipla escolha


Reconhecer a importância
espirituais; da dimensão espiritual na Seminário com
2. Demonstrar disponibilidade Questões
manutenção do bem-estar narrativa do paciente
para iniciar uma discussão, dissertativas
físico e mental +
examinando as preocupações recursos online
espirituais do paciente/família. Avaliação do plano
de cuidados

1. Refletir sobre a natureza Palestra/aula expositiva


multidimensional da dor, +
Identificar os elementos da dor considerando-a como um atividades online
total na avaliação clínica da dor comprometimento da estrutura e + Questões de
função do corpo, que, por sua vez seminário (sala de aula respostas curtas
limita a atividade e a participação; invertida)/trabalho clínico sobre casos clínicos
2. Estar ciente de que há mais para ou prático 1,5 h
aliviar a dor do que medicamentos. Avaliação simulada
tipo OSCE com

1. Utilizar ferramentas/ Aprendizagem demonstração de

escalas/aplicativos validados experimentada a partir da abordagem holística

de avaliação da dor também observação beira-leito. para avaliar a dor

para crianças e pacientes com Simulação clínica.


comprometimento cognitivo; Refletir sobre como a dor crônica Formativo –
Aprendizado baseado em
2. Demonstrar a capacidade de afeta a qualidade de vida do observação da
casos clínicos e recursos
realizar uma avaliação completa paciente e a necessidade de uma avaliação da dor
de vídeo.
para entender a dor pela avaliação abrangente
Palestra/aula expositiva
abordagem holística; + atividades online
3. Formular o diagnóstico da dor. + trabalho clínico ou prático

695
Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,
Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

Compreender a
complexidade do manejo
da dor nos cuidados 1. Explicar os princípios da boa prescrição no
Princípios do paliativos e a importância cenário dos cuidados paliativos;
tratamento de combinar o tratamento 2. Descrever os fatores que influenciam a escolha
da dor não farmacológico das opções de tratamento da dor;
(8 h) com o farmacológico, 3. Descrever abordagens não farmacológicas
prescrevendo analgésicos comuns para o manejo da dor.
e adjuvantes com base
na farmacocinética dos
medicamentos.

1. Avaliar barreiras atuais para o tratamento


Barreiras no Demonstrar entendimento
Dor e da dor: política nacional e internacional e mitos
manejo da dor da legislação específica
manejo populares sobre opioides;
(2 h) sobre opioides do país;
de sinto- 2. Indicar os requisitos legais para a prescrição
Evidenciar a exploração
mas (50%) de morfina.
e compreensão de mitos
sobre o uso de opioides.

1. Discutir os princípios do manejo dos sintomas


de acordo com o estágio da doença e o impacto
Princípios da
Compreender os princípios no paciente e em sua família;
abordagem e
fundamentais, avaliação, 2. Avaliar as semelhanças e diferenças no
manejo dos
diagnóstico e tratamento manejo dos sintomas na terapia curativa/
sintomas não
de sintomas comuns em modificadora de doenças versus uma abordagem
álgicos
cuidados paliativos. de cuidados paliativos;
(2 h)
3. Descrever o princípio da medicação contínua e
“conforme necessário”.

696
Objetivos da Objetivos da aprendizagem
Modalidade de ensino Modalidade
aprendizagem de de atitudes e
habilidades práticas competências pessoais e aprendizagem de avaliação

Aprendizagem
experimentada a partir
1. Prescrever dosagens, 1. Estar ciente dos métodos da observação beira-leito
formas e vias de farmacológicos e não
administração apropriadas farmacológicos para o tratamento Seminário sobre
para casos específicos de da dor; aprendizado baseado
Questões de
dor, incluindo prescrição 2. Superar preocupações/receios em caso clínico + estudo
respostas curtas
para dor aguda; de usar morfina para dores autodirigido
sobre casos clínicos
2. Calcular e ajustar a dose intensas.
de morfina. Seminário para grupos
Avaliação simulada
pequenos + trabalho
tipo OSCE com
clínico ou prático
demonstração de
abordagem holística
para avaliar a dor
1. Refletir sobre o impacto
Demonstrar como lidar
negativo dos mitos existentes Atividades online Formativo –
com as crenças falsas
relacionados ao uso de opioides + observação da
dos pacientes/familiares/
na adesão do paciente ao seminário (sala avaliação da dor
profissionais sobre o
tratamento analgésico; de aula invertida)/
tratamento da dor
2. Considerar o gerenciamento trabalho clínico ou
da dor uma prioridade e defender prático
pacientes por um bom alívio da dor.

Formativo –
observação
Ensino em sala (prática clínica/
1. Identificar a importância
de aula simulações)
Utilizar uma abordagem dos objetivos e preocupações
+ + questões de
sistemática para dos indivíduos em relação ao
aprendizagem respostas curtas
investigar os sintomas tratamento;
experimentada a
ao realizar uma 2. Explicar o valor da abordagem
partir da observação Revisão
avaliação holística interdisciplinar para a avaliação de
beira-leito. estruturada
sintomas.
da base de
evidências para
um sintoma

697
Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,
Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

1. Delinear causas comuns de sintomas comuns,


Abordagem Avaliar e gerenciar sintomas incluindo constipação, diarreia, náusea/vômito,
e manejo da comuns em cuidados anorexia/caquexia, fadiga, problemas orais
fadiga, sintomas paliativos utilizando (xerostomia, disfagia); dispneia e tosse;
gastrintestinais diretrizes de melhores 2. Descrever e justificar os planos de manejo,
e respiratórios evidências e protocolos de incorporando abordagens farmacológicas e não
(8 h) cuidados. farmacológicas aos cuidados.

Avaliar (prevenir) e
gerenciar as condições
Condições dermatológicas associadas Listar os principais sinais e sintomas das
Dor e condições dermatológicas nos cuidados
dermatológicas às doenças ameaçadoras à
manejo paliativos (úlceras por pressão, linfedema e
(2 h) vida, usando as diretrizes
de sinto- úlceras malignas).
de melhor evidência e os
mas (50%)
protocolos de atendimento.

Avaliar, prevenir e gerenciar 1. Listar os principais sinais e sintomas de


sintomas neuropsiquiátricos distúrbios neuropsiquiátricos em cuidados
não complicados associados paliativos, incluindo delirium, depressão e insônia;
Transtornos
a condições limitantes da 2. Descrever as causas dos distúrbios
neuropsiquiátricos
vida, utilizando diretrizes neuropsiquiátricos e explicar os princípios
(3 h)
ou protocolos-padrão de do manejo clínico, incluindo abordagens
atendimento. farmacológicas e não farmacológicas.

1. Listar cinco sinais comuns de que um paciente


Reconhecer, avaliar e
está morrendo;
gerenciar o cuidado do
Cuidado do 2. Descrever métodos e ferramentas de prog-
paciente que está morrendo,
paciente em nóstico, bem como suas limitações;
utilizando as melhores
fim de vida 3. Discutir causas potencialmente reversíveis de
diretrizes e protocolos de
(3 h) deterioração clínica;
atendimento.
4. Descrever os 10 princípios do gerenciamento
de pacientes nos últimos dias e horas de vida.

698
Objetivos da Objetivos da aprendizagem
Modalidade de ensino Modalidade
aprendizagem de de atitudes e
habilidades práticas competências pessoais e aprendizagem de avaliação

1. Refletir sobre como cada


Aprendizagem online
Explicar e fornecer sintoma afeta a qualidade de
+
aconselhamento/ vida do paciente;
seminário/
educação a pessoas com 2. Examinar os limites da
aprendizagem
condições ameaçadoras farmacoterapia no alívio de todo
experimentada a
à vida no contexto do e qualquer sintoma e o papel
partir da observação
tratamento dos sintomas continuado dos médicos no
beira-leito
suporte ao paciente.

1. Desenvolver um plano de
cuidados para aliviar os sinto-
mas de pacientes com condi-
Formativo –
ções dermatológicas, incluindo Aprendizagem online
Adotar a prática de triagem observação
abordagens farmacológicas e +
de rotina para condições (prática clínica /
não farmacológicas; seminário clínico/
dermatológicas (por exemplo, os simulações)
2. Demonstrar capacidade de colocação clínica
locais comuns de formação de + questões de
explicar as abordagens para
úlcera por pressão) respostas curtas
prevenir o desenvolvimento
de condições dermatológicas,
Revisão
como úlceras por pressão e
estruturada
linfedema.
da base de
evidências para
um sintoma

Desenvolver um plano de tra- Identificar o impacto funcional e Aprendizagem online

tamento para pacientes com psicológico do desconforto causa- +

distúrbios neuropsiquiátricos do por distúrbios neuropsiquiátri- seminário (sala de aula

não complicados cos no paciente e na família invertida)

1. Empreender prescrições 1. Aceitar que cuidar dos que Aprendizagem online


que antecipam os principais estão morrendo faz parte do +
sintomas em pacientes que papel do médico; seminário/
estão morrendo; 2. Refletir sobre o desafio de aprendizagem
2. Explicar a situação ao mudar as metas de cuidado experimentada a
paciente e sua família. para um paciente, de melhorar a partir da observação
qualidade de vida para promover beira-leito
conforto e uma morte digna.

699
Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,
Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

Explicar o que é 1. Listar as principais emergências em cuidados

entendido por paliativos;

emergências em 2. Reconhecer e descrever sinais que possam indicar


Emergências
Dor e cuidados paliativos; uma emergência em cuidados paliativos (hipercalcemia,
em cuidados
manejo Reconhecer compressão da medula espinhal, obstrução da veia
paliativos
de sinto- e garantir o cava superior etc.);
(1 h)
mas (50%) gerenciamento 3. Explicar a maneira apropriada de responder a

oportuno de emergências em cuidados paliativos e descrever um

emergências em plano de gerenciamento;

cuidados paliativos. 4. Descrever o impacto das emergências clínicas para o


paciente e para a família.

Entender os princípios 1. Descrever os princípios éticos fundamentais para os


Tomada de
éticos e legais que cuidados paliativos;
decisão e
sustentam os mode- 2. Comparar criticamente os modelos de atenção (paternalista,
modelos de
los de assistência e o parceria/compartilhada e consumista/autonomista);
assistência
processo de tomada 3. Explicar as etapas envolvidas no processo de tomada de
(1 h)
de decisão. decisão.

1. Definir o planejamento antecipado dos cuidados e explicar


Descrever a sua importância;
Planejamen-
Questões importância do 2. Descrever as etapas do processo de planejamento
to antecipado
éticas e planejamento antecipado da assistência, como o modelo de cinco etapas;
de cuidados
legais (5%) antecipado dos 3. Reconhecer os princípios éticos e legais que sustentam
e diretivas
cuidados como e promovem o envolvimento do paciente e sua família no
antecipadas
modalidade para planejamento do atendimento;
de vontade
evitar tratamentos 4. Explicar o conceito de descontinuação de alguns
(1 h)
fúteis e indesejados. tratamentos e dar exemplos de tratamentos fúteis em
cuidados paliativos.

Cuidado 1. Descrever as estruturas jurídicas internacionais e nacionais


paliativo, Avaliar criticamente que apoiam o desenvolvimento dos serviços de cuidados
suicídio por que os cuidados paliativos;
assistido paliativos são um 2. Explicar a sedação em cuidados paliativos e as diferenças
por médico direito humano. entre a sedação paliativa, suicídio assistido por médico e
e eutanásia eutanásia e quais fatores podem levar a solicitações de
(1 h) suicídio assistido por médico/eutanásia.

700
Objetivos da Objetivos da aprendizagem
Modalidade de ensino Modalidade
aprendizagem de de atitudes e
habilidades práticas competências pessoais e aprendizagem de avaliação

Formativo –
observação
(prática clínica /
simulações) +
questões de
Aprendizagem respostas curtas
online
Revisão
estruturada
da base de
evidências para
um sintoma.

1. Aplicar as etapas
envolvidas no processo Refletir sobre a importância
de tomada de decisão em dos princípios e regras éticas na
determinado caso; tomada de decisão em cuidados
2. Utilizar a teoria ética para paliativos.
justificar a prática clínica.

Questões de
Estar ciente dos direitos morais múltipla escolha
Demonstrar as etapas envol- e legais dos pacientes (e +
vidas no processo de planeja- familiares) de serem totalmente escrita reflexiva
Aprendizagem online e
mento antecipado dos cuidados informados (conforme sobre o estudo
autodirigida
em determinado caso. necessário) para participar de um caso
+
de decisões relacionadas a seminário interativo fornecido.
cuidados futuros.

Avaliar solicitações
individuais de eutanásia
Refletir por que os cuidados
e suicídio assistido por
paliativos são um direito
médico e seus fatores de
humano para todos.
origem (pessoal, psicológico,
espiritual, social, cultural,
econômico e demográfico).

701
Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,
Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

1. Compreender o processo e as estratégias


necessárias para realizar uma avaliação centrada
no paciente;
Comunicação
2. Descrever o processo para estabelecer a
com o paciente
compreensão do paciente sobre sua doença e os
e família:
mecanismos de enfrentamento;
abordagem
3. Ser capaz de identificar recursos individuais e
(2 h)
Entender específicos de comunicação do paciente, também
como avaliar relacionando-os a sua individualidade.
completamente
um paciente e
sua família em
um contexto de
cuidados paliativos.
Planejamento 1. Descrever situações de gatilho que demandam
Comu-
e condução a organização de reuniões familiares;
nicação
de reuniões 2. Explicar as etapas para organizar uma reunião
(15%)
familiares de família.
(1 h)

1. Descrever e distinguir os problemas de


comunicação nos relacionamentos-chave:
profissional-paciente, paciente-família e
Entender a aplicação
profissional-profissional;
Principais prática e o efeito
2. Usar a escuta ativa em vários encontros
habilidades de das principais
médicos;
comunicação habilidades de
3. Descrever um mínimo de cinco técnicas para
para cuidados comunicação.
facilitar a comunicação e a escuta ativa;
paliativos
4. Compreender e explicar os efeitos da empatia
(3 h)
nos cuidados clínicos;
5. Refletir criticamente sobre os próprios pontos
fortes e áreas de melhoria na aplicação das
habilidades de comunicação na prática médica.

702
Objetivos da aprendizagem
Objetivos da aprendizagem Modalidade de ensino Modalidade
de atitudes e
de habilidades práticas e aprendizagem de avaliação
competências pessoais

1. Reconhecer a necessidade de
obter todas as preocupações dos
pacientes – médicas, psicológicas,
Demonstrar capacidade de sociais e espirituais;
realizar uma avaliação holística 2. Reconhecer a singularidade de
de um paciente que necessita de cada paciente (étnica, cultural,
cuidados paliativos. espiritual e educacional) e a
importância de avaliar sua
compreensão, assim como a de
sua família, sobre a doença. Seminário (sala de
aula invertida)
+
simulação/
treinamento Observação clínica

beira-leito. (formativa)
Demonstrar capacidade de
Mostrar respeito pela contribuição +
desenvolver um plano para uma
e envolvimento dos familiares no avaliação simulada
reunião de família em resposta a
processo de decisão e cuidado. tipo OSCE
questões práticas.

Escrita reflexiva.

1. Demonstrar capacidade de
adotar uma abordagem centrada
na pessoa ao se comunicar com
MOOC online
pacientes, familiares e colegas;
Reconhecer a importância das (cursos online
2. Demonstrar a escuta ativa e o
habilidades de comunicação na abertos e
uso apropriado de habilidades fa-
prática médica e procurar melhorá- massivos, do inglês
cilitadoras nas consultas clínicas;
las constantemente. Massive Open
3. Realizar uma autoavaliação da
Online Course)
própria habilidade de comunica-
+
ção com base em determinado
treinamento
modelo;
beira-leito.
4. Procurar e discutir o feedback
recebido sobre as próprias habili-
dades de comunicação.

703
Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,
Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

Desafios da 1. Reconhecer quando as informações podem ser


comunicação percebidas como “notícias difíceis”;
em cuidados 2. Compreender criticamente a sequência e o
paliativos: dar relacionamento entre as etapas de um modelo
notícias difíceis aceito para dar notícias difíceis (por exemplo,
(2 h) SPIKES).
Avaliar e responder
a situações
Desafios da desafiadoras 1. Identificar o que provoca raiva e conflito nos pa-
comunicação que podem ser
Comu- cientes, em sua família e na equipe multidisciplinar;
em cuidados encontradas,
nicação 2. Reconhecer e contrastar diferentes tipos de
paliativos: empregando
(15%) comunicação em conflito (assertivo, passivo e
conflitos habilidades agressivo) com implicações para a prática clínica.
(2 h) e estratégias
facilitadoras da
comunicação.
Desafios da
comunicação
1. Avaliar por que os membros da família podem
em cuidados
solicitar cerco do silêncio;
paliativos:
2. Explicar o impacto do cerco do silêncio no
lidando com o
paciente, na família e na equipe profissional.
cerco do silêncio
(2 h)

1. Discutir as diferenças entre trabalho pessoal,

Trabalho Ser capaz de trabalho em grupo e trabalho em equipe;


Trabalho
em explicar o que é o 2. Explicar por que o trabalho em equipe em
em equipe e
equipe e trabalho em equipe cuidados paliativos garante o melhor atendimento
dinâmica de
auto-ob- no contexto dos ao paciente;
equipe
servação cuidados paliativos. 3. Compreender que a dinâmica das equipes
(2 h)
(5%) de cuidados paliativos se baseia no trabalho/
cooperação interdisciplinar.

704
Objetivos da aprendizagem
Objetivos da aprendizagem Modalidade de ensino Modalidade
de atitudes e
de habilidades práticas e aprendizagem de avaliação
competências pessoais

Online + seminário
Valorizar os desejos individuais interativo/
Demonstrar abordagem
dos pacientes e de suas famílias simulação
centrada no paciente para
– responder com comunicação interativa/
comunicar notícias difíceis a eles
empática e centrada no paciente. treinamento
e a sua família (simulados).
beira-leito
interativo.

Observação clínica
Demonstrar o uso de estratégias Seminário (formativa)
de comunicação ao responder interativo/ +
a conflitos/agressões em simulação avaliação simulada
situações clínicas. interativa. tipo OSCE

Escrita reflexiva.

Online + seminário
Refletir sobre os direitos de interativo/
Demonstrar as etapas de uma
confidencialidade, honestidade simulação
estratégia/algoritmo aceito para
e autonomia/dever do paciente interativa/
lidar com cerco do silêncio.
e da família. treinamento
beira-leito
interativo.

1. Aplicar habilidades de
Online
comunicação no trabalho
+ Teste de
em equipe: ouvir as ideias de
As discussões da equipe são seminário julgamento
seus membros; explicar suas
baseadas no respeito aos valores + situacional
próprias ideias; estar ciente dos
de outros membros dela. aprendizagem baseado em
sentimentos de outros membros
autodirigida. uma situação
da equipe;
de trabalho em
2. Refletir sobre as atividades da
equipe.
equipe e as interações de seus
membros.

705
Resultados da Objetivos da aprendizagem cognitiva,
Tópico Unidade de ensino
aprendizagem de conhecimento e entendimento

1. Reconhecer os diferentes papéis profissionais e


Trabalho em Ser capaz de pedir
sua complementaridade nas equipes de cuidados
equipe e dinâmica ajuda e de dar suporte
paliativos;
de equipe no contexto do trabalho
2. Compreender que o trabalho em equipe fortalece
(2 h) em equipe.
seus membros e sua capacidade.

Trabalho
em Entender o impacto
1. Reconhecer o impacto das emoções e do
equipe e Autocuidado do trabalho diário no
sofrimento do paciente em si mesmo;
auto-ob- (1 h) bem-estar e a
2. Identificar sinais de fadiga profissional.
servação importância do
(5%) autocuidado.

Compreender e aceitar
Limitações e as mudanças dos
1. Reconhecer os próprios limites como “curadores”;
objetivos da objetivos do cuidado
2. Entender que sempre há algo que se possa fazer.
medicina durante a trajetória
(1 h) da doença.

relacionamento interpessoal; comunicação de más notícias; gerenciamento de dor e outros


sintomas; identificação dos critérios de indicação para cuidados paliativos precoces frente
ao diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida; indicação e manejo de cuidados de fim
de vida; identificação de situações de risco para o luto prolongado e abordagem de aspectos
psicossociais, espirituais e culturais dos cuidados.
As novas DCN estabelecem que o médico em formação deve saber “identificar a per-
cepção do paciente e de seus familiares a respeito da doença, suas preocupações, re-
ceios, metas e valores, identificando planos de tratamento que respeitem o alinhamento
com essas prioridades”. O estudante também deve ser treinado para: atuar junto aos
membros de uma equipe de cuidados interdisciplinares; para ajustar o plano de cuida-
dos de acordo com a evolução da doença, conforme o que se sabe de sua trajetória; iden-
tificar as crenças culturais para integrá-las ao plano de cuidados; e conhecer a filosofia
dos cuidados paliativos e hospice, de forma a aplicá-la às demais competências.

706
Objetivos da aprendizagem
Objetivos da aprendizagem Modalidade de ensino Modalidade
de atitudes e
de habilidades práticas e aprendizagem de avaliação
competências pessoais

Online Teste de
Entender como a atitude + julgamento

Ser capaz de fornecer influencia a equipe e seus seminário situacional

e receber feedback membros, de maneira positiva + baseado em


ou negativa aprendizagem uma situação de
autodirigida trabalho em equipe

Valorizar autoconsciência,
autorreflexão e autocuidado
Escrita reflexiva
Aplicar os hábitos mais úteis Depoimentos sobre uma leitura
de autocuidado/recuperação + selecionada sobre
para si mesmo seminário esse assunto em
cuidados paliativos
Compreender que a morte faz
parte da vida e que não é um
assunto tabu

ADAPTADO DE: MASON ET AL., J PALLIAT MED 202020 E MOSOIU ET AL., PALLIAT MED 201921.

Considerações finais
Ainda há muito o que se organizar para melhorar a prática e o ensino dos cuidados
paliativos no Brasil. Um grande passo seria tirar do papel as diretrizes para a organização
da área, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saú-
de (SUS), conforme estabelecido pela Comissão Intergestores Tripartite do Ministério da
Saúde em resolução publicada no Diário Oficial em 201826. Ademais, é necessário tirar do
papel também as novas diretrizes para a inclusão da área no currículo oficial da gradua-
ção médica, sistematizando as competências mínimas esperadas em cuidados paliativos
para graduações na área da saúde e para a residência médica e multiprofissional.

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25. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de


3 de novembro de 2022. Altera os Arts. 6º, 12 e 23 da Resolução CNE/CES nº 3/2014, que institui
as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Publicado no Diário
Oficial da União de 07/11/2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-cne/
ces-3-de-3-de-novembro-de-2022-441681885.

26. Ministério da Saúde e Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 41, de 31 de outubro


de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados
continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Publicada no Diário Oficial da
União de 23/11/2018. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0T-
ZC2Mb/content/id/51520746/do1-2018-11-23-resolucao-n-41-de-31-de-outubro-de-2018-51520710
(acessado em 05/02/2022).

710
Capítulo 35
Serviço Social
Letícia Andrade

Desde a primeira definição oficial sobre cuidados paliativos da Organização Mundial


da Saúde (OMS), a condição social é apontada como necessária de ser conhecida e palia-
da1. O conceito de dor total, cunhado por Cicely Saunders na década de 1980, e até hoje
bastante reconhecido e utilizado, tem a dor social como um de seus componentes2. Desde
os primeiros movimentos que deram origem aos cuidados paliativos como conhecemos
atualmente, portanto, os aspectos sociais foram considerados de extrema importância na
atenção ao paciente sem perspectiva de cura.
Diversas condições sociais podem indicar sofrimento social, entre elas: vivência de
desproteção social (ausência de cobertura de políticas públicas e de critérios para recebi-
mento de benefícios); moradias inadequadas, insuficientes, insalubres e/ou em territórios
vulneráveis; situação econômico-financeira inadequada (pobreza, pobreza extrema/mise-
rabilidade) e vulnerabilidade social; condições e famílias inadequadas e/ou insuficientes
para o autocuidado e para o oferecimento de cuidados a terceiros3; existência de múltiplos
membros de uma mesma família dependentes de cuidados, seja por idade (crianças pe-
quenas, idosos dependentes), seja por doença ou por condições específicas que revelam
vulnerabilidade (dependência química, uso de álcool e drogas ilícitas); lutos recentes e
necessidade de cuidados de longa duração4.
Em um país marcado pela desigualdade social como o Brasil, a dor social pode estar in-
timamente relacionada à vulnerabilidade social. E, quanto maior a vulnerabilidade social
do paciente e de seu grupo familiar, maior sua dor social4. Assim, uma intervenção social
competente e completa realizada pelo assistente social pode representar o diferencial nos
cuidados paliativos em qualquer modalidade de serviço, seja no ambiente hospitalar (am-
bulatório e enfermaria), seja no atendimento domiciliar e nos hospices5,6. Tal intervenção
inclui acolhimento, avaliação social ampla e intervenção planejada7.

711
Conceitos e definições

• Dor social: conceito muito em voga em cuidados paliativos atualmente, ca-


racteriza-se por ser uma dor de caráter amplo e, às vezes, irrestrito, que acomete
os indivíduos em diferentes situações. Na área da saúde, refere-se ao somatório
de circunstâncias que envolvem a condição de saúde/doença, seja como causa-
dora, influenciadora ou potencializadora da doença instalada. De maneira geral,
a condição socioeconômica, as condições de moradia, o acesso a recursos, os
serviços e as políticas, a organização familiar e a rede de suporte social influen-
ciam sobremaneira o diagnóstico e o tratamento. Nos cuidados paliativos, em
especial, podem impactar a condição de morte e o luto da família4.

• Acolhimento: no âmbito do serviço social na área da saúde, trata-se da prática


que propicia o conhecimento do paciente, de sua biografia, de seu lugar social e
de sua família (história, modelo vivido, composição); o reconhecimento de seus
limites e possibilidades no que se refere ao cuidado; e o entendimento da pers-
pectiva que adota sobre doença, saúde e morte e o acesso a seus principais posi-
cionamentos, dúvidas e necessidades. O acolhimento representa o passo inicial
para uma avaliação social ampla.

• Avaliação social ampla: essa modalidade de avaliação inclui paciente, família/


cuidadores e rede de suporte social. É necessária para traçar um perfil socioeco-
nômico com informações que serão fundamentais na condução do caso.

• Intervenção planejada: ações realizadas pelos profissionais de serviço social


junto às famílias e aos pacientes, planejadas de acordo com as necessidades,
dificuldades e potencialidades analisadas na avaliação social ampla.

Avaliação social ampla


Algumas informações são fundamentais para realizar a avaliação social ampla e de-
vem ser obtidas na primeira abordagem. São elas: estado civil, composição familiar, as-
pectos relacionados ao local de moradia, renda, religião, formação, profissão, e situação
empregatícia do paciente. Esses dados embasarão o atendimento social, pois fornecerão

712
parâmetros adequados sobre as necessidades das famílias ou mostrarão seus mecanis-
mos de enfrentamento dos limites.

Avaliação do estado civil


É importante saber qual o estado civil do paciente, em função das implicações legais e
burocráticas que envolvem a situação. Uniões formalizadas não demandam orientações,
mas situações não formalizadas, como separações sem divórcios, uniões informais ou
casamentos realizados somente em instituições religiosas sem aparato legal, requerem
orientações específicas. Em cuidados paliativos, isso é bastante importante, em virtude
das decisões em fim de vida e das regularizações após o óbito do paciente. Assim, há ne-
cessidade de orientação para a regularização de uniões estáveis, incluindo casais homoa-
fetivos8, seja por meio de casamento9, seja por meio de Declaração de União Estável8.
Nos casos de pacientes casados ou em união estável formalizada que não apresentarem
mais capacidade para consentir, dada sua condição – demência, doenças orgânicas ou neu-
rológica, metástases cerebrais, entre outras situações que resultam em comprometimento
cognitivo – , seus companheiros são considerados seus curadores naturais. Sem a vigência
desse “contrato formal”, outros podem ser chamados a responder pelo paciente. Detalhes
sobre os aspectos legais nas situações de fim de vida são detalhados no Capítulo 39.
Também faz parte da rotina de trabalho do assistente social o fornecimento das orienta-
ções burocráticas sobre o óbito: documentos necessários para a contratação dos serviços
funerários, providências legais e de rotina e procedimentos em caso de óbito em domi-
cílio, incluindo o que é legalmente permitido e proibido. A orientação geralmente é feita
para um dos familiares, prioritariamente para aquele que se responsabilizará por essa ta-
refa na ocasião do falecimento, que não é obrigatoriamente o cuidador familiar.

Avaliação da família
Ao avaliar o contexto familiar de um paciente, é importante reconhecer a família com
a qual se manterá contato exatamente como ela é – a família real –, e não como o profis-
sional gostaria que fosse – a família ideal10. Isso significa que nem sempre os vínculos fa-
miliares foram formados de maneira satisfatória, nem sempre aquele que está morren-
do “é amado por todos”, nem sempre a família tem condições (financeiras, emocionais,
organizacionais) adequadas para o cuidado e nem sempre o paciente quer ser cuidado
da maneira avaliada como necessária e ideal3,5.
Conhecer, compreender e respeitar essa família em seus limites e possibilidades é o pri-
meiro passo para um atendimento adequado. Para tanto, a escuta e o acolhimento são ações

713
imprescindíveis, assim como o reconhecimento do momento adequado para a abordagem7.
Não se ouvirá tudo em uma primeira entrevista, não se perceberá muito em uma primeira
abordagem. Por isso, é fundamental que o profissional do serviço social saiba a maneira e o
tempo certos de colher informações ou o momento adequado de somente ouvir e acolher.
Para a avaliação da composição familiar, inicialmente se verifica com quem o paciente
reside e com quem poderá ou não contar para prover os cuidados de que necessita. Assim,
será possível definir se a família é extensa ou nuclear, se é monoparental e se tem outros
indivíduos no mesmo núcleo familiar que demandam cuidados específicos (crianças, ido-
sos dependentes ou outros indivíduos doentes)11. Esses dados fornecerão subsídios para
auxiliar a família na busca de alternativas quando o cuidado não for suficiente para as
necessidades do paciente ou quando o risco de sobrecarga do cuidador for visível.
O reconhecimento de quem será o familiar ou os familiares responsáveis pelo cuidado
é prioritário em cuidados paliativos, pela dependência já instalada ou em curso. Geral-
mente, as famílias têm critérios para essa escolha. Em algumas situações, contudo, não há
escolha: aquele que mora junto com o paciente é quem assumirá o cuidado. É fundamental
considerar isso, pois, na maior parte das vezes, o profissional lidará com um leigo que de-
verá apropriar-se de conhecimentos e ações específicas, nem sempre condizentes com seu
querer e com suas habilidades12. A escuta qualificada e o treino dos profissionais envolvi-
dos serão os grandes diferenciais para identificar e superar potenciais barreiras desse tipo.
Também é fundamental investigar ativamente os fatores de risco para situações de
estresse e sobrecarga vividos pelos familiares que cuidam (detalhes sobre o estresse do
cuidador são abordados no Capítulo 33). Alguns deles são: sintomas não controlados,
alterações comportamentais, diagnósticos específicos e impossibilidade de divisão de
tarefas e responsabilidades entre diferentes cuidadores.
Quanto às dinâmicas familiares durante os cuidados finais, morrer em domicílio pode
trazer conforto para o paciente, por estar próximo a sua família6, por ter seus desejos
respeitados e por estar em um ambiente que lhe é familiar. Por outro lado, a morte em
domicílio pode causar extrema angústia para os familiares, especialmente os mais pró-
ximos. Podem surgir sensações de impotência ou de não ter feito o suficiente, o que
poderá acarretar complicações no processo de luto dos envolvidos13.
Além disso, o significado da morte para os familiares, o quadro clínico do paciente, a
organização da família e as questões burocráticas devem ser bem avaliados pela equipe
em conjunto com a família. A agonia respiratória, a dispneia, a possibilidade de sangra-
mento e a dor incontrolável são sempre fatores que inviabilizam a morte em domicílio
por causarem demasiado sofrimento para paciente e familiares. Para o paciente, tais si-

714
tuações implicam um sofrimento maior que o esperado, mas passível de ser controlado
no ambiente hospitalar. Para os familiares, por sua vez, podem provocar a sensação de
não terem evitado a dor ou de terem sido responsáveis por tamanha agonia.
Mesmo que os familiares tenham sido minuciosamente orientados quanto à possibili-
dade de morte em domicílio e possíveis intercorrências associadas, não se deve esperar
que, nesse momento, sua razão se sobreponha à emoção de presenciar tamanha dor.
Por esse motivo, é fundamental o envolvimento de toda a equipe de cuidados paliati-
vos para fornecer suporte durante esse momento. Caso isso não seja feito e os aspectos
aqui exemplificados não sejam adequadamente abordados e discutidos de forma ampla
e transparente, a ocorrência da morte em domicílio poderá representar uma violência
tanto para o paciente quanto para a família.

Avaliação da moradia
Cada residência é particular em sua construção, organização, regras de conduta e va-
lores compartilhados por seus membros. Aqui, não se está fazendo referência ao do-
micílio somente como espaço físico ou como ambiente de cuidados, mas como uma
construção social14, um espaço social de convívio e de cuidados (ou de ausência destes).
Daí a importância de se conhecer a moradia na avaliação social, seja pelo relato dos en-
volvidos, no atendimento hospitalar, seja in loco, na assistência domiciliar.
O atendimento domiciliar em cuidados paliativos não deve ser visto, em nenhum momen-
to, como apenas a “publicização” de um espaço privado ou, como se ouve constantemente, “le-
var o hospital para dentro das casas dos pacientes”. Ao contrário, tal modelo de assistência se
concretiza na particularização de uma ação, ou seja, com o reconhecimento da moradia como
um espaço diferenciado, que precisa ser conhecido e respeitado no que ele tem de único14.
Essa atenção deve ser redobrada quando são prestados cuidados ao final da vida e
quando há a possibilidade de morte no domicílio. Nesses casos, é necessário levar em
conta as dificuldades inerentes aos espaços físicos em si. Essa análise não se relaciona a
condições estritamente econômicas, mas envolve questões mais amplas, que nem sem-
pre são abordadas adequadamente, seja por despreparo do profissional ou por receio
de constranger a família e a equipe. Por exemplo, entre as situações que dificultam so-
bremaneira esses cuidados ao final da vida na residência, encontram-se: espaços físicos
exíguos, onde é difícil abrigar uma cama hospitalar, pouco espaço para a circulação de
cadeiras de roda ou de banho (mesmo as adaptadas pelas famílias) ou até mesmo a falta
de um local adequado para o paciente manter seus cuidados privativamente.
Em nenhum momento tais fatores abordados podem ser encarados pela equipe como

715
impeditivos se família e paciente estão imbuídos do ideal de cuidar, mas devem ser pon-
derados e trabalhados junto ao grupo familiar. Por exemplo, nos casos em que o cuidado
pode estender-se por muitos meses e o estresse é crescente, o fato de não mais conseguir
retirar o paciente da cama para uma higienização adequada pode gerar um grande sofri-
mento ao cuidador. Pacientes “reféns do próprio quarto”, por causa da arquitetura da casa,
são uma constante na assistência domiciliar em cuidados paliativos. Tal fato requer conhe-
cimento prévio para uma abordagem precisa da equipe, o que às vezes inclui transferência
do paciente para outro cômodo da casa ou adaptações prévias providenciadas pela própria
família, sempre conforme as possibilidades de cada núcleo familiar atendido.
Esse assunto deve ser abordado com delicadeza, uma vez que alterações no ambiente
do domicílio nem sempre são aceitas tranquilamente, por tratar-se de um local compar-
tilhado por vários membros. De qualquer modo, sabe-se da angústia gerada quando o
cuidado e a atenção ao paciente não são realizados a contento em razão de dificuldades
previsíveis e possíveis de serem solucionadas.

Avaliação da formação, profissão e situação empregatícia do paciente


Essas informações são fundamentais, principalmente quando o paciente é o mantenedor
da família. A orientação e o encaminhamento adequados da questão oferecerão a garantia de
sustento para o núcleo familiar. Nesse aspecto, é ao assistente social que cabe colher informa-
ções e fornecer orientações de como proceder quanto ao auxílio-doença, benefício assisten-
cial (benefício de prestação continuada), aposentadorias (por invalidez ou tempo de serviço),
direito a saque de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Programa de Integração
Social (PIS), isenção de imposto de renda e outros benefícios ou isenções fiscais locais e/ou
relacionados a doenças específicas15. O Quadro 1 busca sintetizar, de maneira geral, essas
orientações, com enfoque específico nos pacientes em cuidados paliativos, uma vez que a
legislação é mais abrangente e abarca muitas outras situações.

Avaliação da renda
A renda familiar tem íntima relação com a formação, a profissão e o estado empregatício
do paciente. Contudo, nem sempre recebe a atenção devida na análise, apesar de dever ser
sempre conhecida para que a equipe tenha parâmetros reais para as solicitações futuras.
Exigências que vão além daquilo com que a família pode arcar – aqui relacionadas es-
pecificamente a custos – costumam inviabilizar a atenção ao paciente e gerar situações
de estresse desnecessário para os envolvidos. É importante frisar que as condições so-
cioeconômicas adequadas de vida não são determinantes para o cuidado ou falta deste,

716
QUADRO 1. BENEFÍCIOS SOCIAIS PARA OS QUAIS PACIENTES EM CUIDADOS PALIATIVOS PODEM SER ELEGÍVEIS

Benefício Situações em que Documentos Para onde


se aplica necessários encaminhar

Relatório Médico; Para marcação de


perícia:
Documentos pessoais do
paciente; Presencial: agência
Quando o do INSS mais próxima
paciente trabalha Comprovante de da residência;
Auxílio-doença formalmente ou contribuição (carteia
contribui para o assinada ou comprovantes Telefone: 135;
Instituto Nacional do de pagamento como
Seguro Social (INSS) contribuinte avulso ou Site: https://www.
individual) inss.gov.br/servicos-
do-inss/meu-inss/

Relatório médico para


perícia;
Para marcação de
Comprovação de auxílio perícia:
doença;
Consequente ao auxílio Presencial: agência do
Documentos pessoais; INSS mais próxima da
doença (só recebe
essa modalidade de residência;
Aposentadoria Para solicitação de perícia
por invalidez aposentadoria quem hospitalar (paciente
estava em auxílio Telefone: 135;
internado) ou domiciliar
doença) (paciente acamado em Site: https://www.inss.
assistência domiciliar), gov.br/servicos-do-
é necessário que o inss/meu-inss/
relatório médico detalhe
a impossibilidade de
locomoção

Relatório médico constando


CID, condições atuais e a
declaração de que o paciente é
dependente para
Acréscimo de Quando o paciente realizar as atividades Na agência onde
25% no valor da encontra-se totalmente básicas da vida diária; foi solicitada a
aposentadoria dependente para realizar aposentadoria ou
por invalidez as atividades básicas da Comprovante de na mais próxima da
vida diária aposentadoria; residência

Documentos pessoais
do paciente

717
Benefício Situações em que Documentos Para onde
se aplica necessários encaminhar

Benefício individual, não


vitalício e intransferível;
Relatório médico Para marcação de
Garante a transferência de comprovando deficiência perícia:
um salário-mínimo à pessoa (entende-se por deficiência a
idosa, com 65 anos ou mais, impossibilidade de trabalhar, Presencial: agência do
e à pessoa com deficiência o que faz com que o paciente INSS mais próxima da
Benefício de
de qualquer idade que em cuidados paliativos residência;
prestação
comprovem não possuir preencha esse critério);
continuada
meios de se sustentar ou de Telefone: 135;
ser sustentada pela família; Realizar o CadÚnico no
Centro de Referência da Site: https://www.inss.
Comprovar que a renda Assistência Social (CRAS) gov.br/servicos-do-
mensal familiar per capita do território. inss/meu-inss/
é inferior a meio salário-
mínimo.

Atestado médico contendo


diagnóstico médico,
claramente descritivo e
que, em face dos sintomas
Pacientes em cuidados e do histórico patológico,
paliativos por qualquer caracterize estágio terminal
diagnóstico (trabalhador ou de vida, em razão de doença
dependente); grave consignada na CID,
que tenha acometido o
Pacientes com diagnóstico titular da conta vinculada do
FGTS e PIS oncológico em qualquer FGTS ou seu dependente.
Deve conter assinatura Agência da Caixa
(Quotas) fase da doença e pacientes Econômica
com AIDS também podem e carimbo com o nome
e CRM do médico que Federal mais
solicitar (especificações no próxima.
site: www.caixa.gov.br). assiste o paciente e indicar
expressamente que o
paciente se encontra em
estágio terminal de vida;

Documentos pessoais;

Carteira de trabalho;

Documento que comprove


dependência (no caso de
não ser doença do titular);

Número de inscrição PIS/


PASEP/NIS.

718
Benefício Situações em que Documentos Para onde
se aplica necessários encaminhar

As pessoas portadoras de
doenças graves são isentas
do Imposto sobre a Renda
de Pessoa Física (Lei n.º
7.713/1988), desde que se
enquadrem cumulativamente
nas seguintes situações:

1) Os rendimentos sejam Agência da Receita


relativos à aposentadoria, Laudo pericial (modelo no Federal da região
Isenção de site: www.receitafederal.
Imposto pensão ou reserva/reforma (essa solicitação não
(militares); com.br); é realizada online).
de Renda

2) Possuam alguma das Documentos pessoais;


seguintes doenças: AIDS
(Síndrome da Imunodeficiência Maiores detalhes sobre
Adquirida), alienação mental, laudo, constantes no site.
cardiopatia grave, cegueira
(inclusive monocular),
contaminação por radiação,
doença de paget em
estados avançados (osteíte
deformante), doença de
parkinson, esclerose múltipla,
espondiloartrose anquilosante,
fibrose cística (mucoviscidose),
hanseníase, nefropatia grave,
hepatopatia grave,
neoplasia maligna, paralisia
irreversível e incapacitante,
tuberculose ativa.

mas facilitam em grande medida sua manutenção por um período prolongado e condi-
cionam sua garantia até o final de vida do paciente.
Em nenhum momento se pode esquecer de que há sempre um aumento nos gastos e a
necessidade de adequação do orçamento familiar quando um dos membros adoece. Quan-
to mais grave for a doença e quanto mais prolongado for o período de cuidados, maiores
serão as despesas. Isso é bastante visível na assistência domiciliar em geral: o período pro-
longado de cuidados tende a trazer empobrecimento, especialmente para as famílias que já
não viviam em situação financeira confortável, o que, infelizmente, quase nunca é discuti-
do pelos serviços de saúde16. Todavia, se um dos objetivos da assistência domiciliar é a re-
dução dos custos com as internações17-19, uma certeza existe: esses custos são divididos com

719
as famílias, que nem sempre têm condição de assumi-los. Daí a importância do trabalho do
assistente social na inserção dessas famílias nas políticas públicas existentes ou na garantia
do recebimento de benefícios disponíveis nos níveis federal, estadual ou municipal.

Avaliação da rede de suporte social


A rede de suporte social é formada pelas entidades (instituições, grupos formais e ser-
viços) ou pessoas (parentes, amigos, vizinhos) com as quais o paciente e seus familiares
podem contar em casos de necessidade. As redes de suporte são tão mais suficientes
e eficazes quanto maior a disponibilidade e a segurança que oferecem aos indivíduos
que a elas recorrem. Tal efetividade não se relaciona à renda dos envolvidos, mas sim
aos vínculos estabelecidos e fortalecidos no decorrer do tempo20. Algumas instituições
religiosas, por exemplo, oferecem redes mais organizadas e eficazes, principalmente em
situações de doença ou fragilidade de seus membros.
Dependendo do local onde o indivíduo reside, há de se perceber a precariedade ou
suficiência das redes de suporte social, sejam estas formais ou informais. Do mesmo
modo, deve ser avaliada a facilidade ou a dificuldade de comparecer às consultas ou de-
mais procedimentos em caso de necessidade, o que indica a importância da assistência
domiciliar. A ciência dessas dificuldades, quando existentes, possibilita ao assistente so-
cial viabilizar e encaminhar adequadamente o paciente e seus familiares para os recur-
sos da região e providenciar a solicitação de transporte no território do paciente ou de
outras instituições. Assim, busca-se complementar a assistência domiciliar já realizada,
uma vez que alguns pacientes precisarão de acompanhamento complementar, princi-
palmente nos casos de cuidados longitudinais.

Atuação do assistente social na instituição prestadora de cuidados paliativos


Aqui é feita uma referência a cada instituição à qual está vinculado o serviço do qual
a equipe faz parte. É competência do assistente social conhecer a fundo a instituição
em que realiza sua ação ou serviço (instituição parceira). Esse conhecimento oferecerá
condições para o profissional se inteirar dos serviços disponíveis e dos canais de enca-
minhamento da clientela. Também é necessário que o profissional saiba criar sua rede
intrainstitucional no intuito de assistir adequadamente seus pacientes. É preciso, tam-
bém, ter a consciência de que um único serviço não é capaz de solucionar todas as de-
mandas daqueles que necessitam de cuidado.
Portanto, conhecer as interfaces, estabelecer parcerias, saber os fluxos adequados de
encaminhamento e agilizar a inserção do paciente nos serviços também compõem a

720
atuação dos assistentes sociais nas equipes de cuidados paliativos. Aqui, é importante
fazer uma observação: em virtude dos diferentes formatos das equipes, bem como dos
diferentes papéis assumidos pelo assistente social junto aos serviços ou instituições das
quais faz parte, é imprescindível que a equipe conheça os limites e as possibilidades de
intervenção desse profissional em seu local de trabalho especificamente. Isso porque
alguns assistentes sociais, em razão da gama de atividades existentes e do número redu-
zido de profissionais, optam somente pelas atividades ou ações que lhes parecem priori-
dade junto à equipe e às populações atendidas. Uma conversa com esse profissional com
certeza será bastante esclarecedora nesse sentido.
Quanto à interface com outras instituições e serviços, ao assistente social importa co-
nhecer as principais necessidades dos pacientes em atendimento, bem como os recursos
existentes em seu território para que os encaminhamentos sejam realizados a contento.
Assim, o Conselho Tutelar, o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), o Cen-
tro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), o hospital de referência da
unidade básica onde se encontra a Estratégia de Saúde da Família ou o Programa Melhor
em Casa (Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar – EMAD – e Equipe Multiprofis-
sional de Apoio – EMAP), a delegacia referência do território, entre outros, precisam ser
de conhecimento do profissional para que este realize os encaminhamentos necessários.

Intervenção planejada
A avaliação social ampla, somada ao acolhimento e à escuta qualificada, possibilita
que o profissional de serviço social conheça o paciente e seus familiares e cuidadores de
maneira apropriada, permitindo direcionar sua intervenção àquele binômio paciente-
-família em especifico.
Entre os fatores que embasam as intervenções sociais, encontram-se o histórico da
doença e o momento de tratamento (se em fase inicial ou final), as condições socioeco-
nômicas (que incluem situação financeira e organização para o cuidado) e as necessi-
dades e possibilidades de acesso a políticas públicas e direitos sociais. De posse desses
dados, resta a ser explorado um universo de possibilidades de situações que precisam de
intervenção específica, abarcando desde famílias que demandam apenas acolhimento e
escuta e dispensam outras orientações até famílias que não estão inseridas em políticas
sociais, mas por não conhecerem seus direitos.

Considerações finais
O serviço social em cuidados paliativos atua no reconhecimento da dor social e na

721
criação de estratégias de intervenção junto ao paciente e seus familiares, tendo como
objetivo sua resolução ou amenização. Tal prática inclui o acolhimento e a avaliação
social ampla, devendo levar em consideração o território de atuação da equipe e os as-
pectos socioeconômicos do paciente e de seus familiares e cuidadores. Também inclui a
intervenção planejada, de acordo com a necessidade de cada binômio paciente-família.
O oferecimento de informações e orientações legais, burocráticas e de direitos, impres-
cindíveis para o bom andamento do cuidado ao paciente e para a garantia de uma morte
digna, é o grande diferencial na intervenção do profissional de serviço social. Dessa manei-
ra, em uma país extremamente desigual, a abordagem social competente realizada pelo as-
sistente social é fator determinante para que o cuidado integral, tão pregado em cuidados
paliativos, se efetive.

Referências
1. World Health Organization. Cancer Pain Relief and Palliative Care. [Internet]. Genebra, Suíça:
Organização Mundial da Saúde; 1990 [citado em 08/09/2022]. Disponível em: https://apps.who.int/
iris/handle/10665/39524.

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da dor no câncer. Reflexões sobre o cuidado interdisciplinar e um novo paradigma da saúde. São
Paulo: Produção Editorial; 1997. p. 49-61.

3. Andrade L. Serviço Social na Área da Saúde: construindo registro de visibilidade. São Paulo:
Editora Alumiar – Casa de Cultura e Educação; 2019. Capítulo 10: Paciente em Cuidados Paliativos:
abordagens direcionadas às famílias. p. 153-166.

4. Andrade L. Abordagem Social em Cuidados Paliativos: reconhecimento e alívio do sofrimento


como foco. São Paulo: Editora Alumiar – Casa de Cultura e Educação. Capítulo: Dor Social: avalia-
ção e enfrentamento; 2022 (no prelo).

5. Andrade L. Serviço Social na Área da Saúde: construindo registro de visibilidade. São Paulo:
Editora Alumiar – Casa de Cultura e Educação; 2019. Capítulo 15: Gerenciamento de Casos: campo
profícuo para a atuação do Assistente Social. p. 223 – 237.

6. Andrade L. Desvelos – Trajetórias no Limiar da Vida e da Morte: Cuidados Paliativos na Assis-

722
tência Domiciliar [tese de doutorado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
2007 [citado em 08/09/2022]. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/17868.

7. Martinelli ML. O trabalho do Assistente Social em Contextos Hospitalares: desafios cotidianos.


Serv Soc Soc. 2011; 107:497-508.

8. Conselho Nacional de Justiça. Instrução Normativa no 14 de 7 de janeiro de 2013. Dispõe sobre


o reconhecimento e o registro de união estável no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Dispo-
nível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1660 (acessado em 08/09/2022).

9. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Publicada no Diário Oficial
da União de 11/01/2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406com-
pilada.htm (acessado em 08/09/2022).

10. Carvalho MCB. A família contemporânea em debate. São Paulo: Cortez/Educ; 2006.

11. Vitale MAF. Famílias monoparentais: indagações. Serv Soc Soc. 2002; 71:45-62.

12. Valente MT O cuidador-familiar: ações e interlocuções. In: Andrade L (ed.). Serviço Social na
Área da Saúde: construindo registro de visibilidade. São Paulo: Editora Alumiar – Casa de Cultura
e Educação; 2019. p. 125-136.

13. Parkes CM. Luto: Estudos sobre a Perda na vida Adulta. São Paulo: Summus Editorial; 1998.

14. Pais JM. Vida Cotidiana: Enigmas e revelações. São Paulo: Cortez; 2001.

15. Oliveira IB, Sales D, Spedanieri LS. Proteção ao paciente e à família em Cuidados Paliativos:
a importância das orientações sobre aspectos legais e burocráticos. In: Andrade L (ed.). Serviço
Social na área da Saúde: construindo registro de visibilidade. São Paulo: Editora Alumiar – Casa
de Cultura e Educação; 2019. p. 59-67.

16. Pereira ABMC. As implicações dos fatores sócio-econômicos no cuidado à saúde do idoso em
domicílio. [monografia de conclusão de curso de especialização]. São Paulo: Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Divisão de Serviço Social; 2005 [citado
em 08/09/2022].

723
17. Jacob Filho W. Doenças degenerativas e a assistência domiciliar. Jovem Médico. 2002; edição
especial:19-23.

18. Cohn A, Elias PEM. Saúde no Brasil: Políticas e Organização de Serviços. São Paulo: Cortez; 1996.

19. Mendes Júnior WV. Assistência domiciliar: uma nova modalidade de assistência domiciliar
para o Brasil? [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro;
2000 [citado em 08/09/2022]. Disponível em: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/4014.

20. Biffi RG, Mamede MV. Suporte social na reabilitação da mulher mastectomizada: o papel do
parceiro sexual. Rev Esc Enferm USP. 2004; 38(3):262-269.

724
725
Seção VI

Bioética, Ética Médica e


Aspectos Médico-Legais
em Cuidados Paliativos e
Situações de Fim de Vida
Capítulo 36
Bioética e Teorias Morais:
Base Teórica para Reflexões Críticas
em Situações de Fim de Vida
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo

Decisões clínicas difíceis são inerentes a situações de fim de vida e verdadeiros dile-
mas bioéticos podem surgir nesse contexto. Desta forma, é fundamental que o médico
domine conceitos de bioética para poder realizar o melhor julgamento possível, em be-
nefício de seu paciente.
Assim, como primeiro objetivo deste capítulo, buscaremos conceituar o que é a bio-
ética. Contudo, para compreender seu real significado, também é fundamental concei-
tuar o que são as teorias morais, pois são elas que embasam os princípios bioéticos e as
decisões tomadas por comitês de bioética e tribunais ao redor do mundo. Conhecê-las
e entendê-las é fundamental para elaborar e compreender os argumentos que apoiam
ou criticam determinada decisão. Em seguida, apresentaremos e discutiremos neste ca-
pítulo as principais teorias morais prevalentes no Ocidente. Esse conhecimento será a
base, então, para entender as discussões bioéticas aplicadas a dilemas e situações clíni-
cas de fim de vida, abordados nos Capítulos 37 e 38.
Também apresentaremos o conceito de código legal e deontologia médica, cuja diferen-
ciação da bioética e da moral é importante para o correto entendimento dos demais concei-
tos. Contudo, não será o objetivo deste capítulo abordar os aspectos legais e da deontologia
médica das situações de fim de vida, os quais serão abordados em detalhes no Capítulo 39.

Conceitos e definições

• Teorias morais: são um agrupado de conceitos lógicos que buscam classifi-


car ações, comportamentos, decisões e intenções como corretos ou errados, e

729
pessoas, como boas ou más. São conceitos teóricos, e não códigos específicos de
conduta, embora estes possam se basear nas teorias morais quando elaborados1.

• Bioética: trata-se da ciência que busca analisar e discutir criticamente as di-


versas teorias morais, aplicando-as a situações que envolvem as ciências biomé-
dicas. Para isso, utiliza-se de metodologia científica e instrumentos da filosofia2. A
bioética apresentou um grande desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial,
quando os horrores da experimentação nazista em humanos foram revelados, o
que impulsionou a comunidade internacional a criar padrões éticos capazes de
impedir episódios semelhantes3. O debate se intensificou e se estendeu à prática
clínica, trazendo novos dilemas gerados pelas novas tecnologias e situações delas
oriundas, como o prolongamento artificial da vida e a reprodução humana assis-
tida. Necessitava-se de respostas, e a bioética surgiu como uma forma de chegar a
elas. O médico que vivencia essas mudanças deve ser parte do processo.

• Código legal e deontologia médica: o código legal é um conjunto de regras e


normas criadas pelo governo e autoridades para estabelecer normas de conduta
de toda a sociedade. Tem como princípio manter a ordem social, a justiça e os
direitos individuais e coletivos. O processo de elaboração dessas leis e normas,
em regimes democráticos, envolve discussões legislativas e um amplo debate
por representantes eleitos. Também pode incluir decisões judiciais prévias, atos
do poder executivo e de entes da administração indireta, sempre pressupondo a
autonomia e o equilíbrio dos três poderes que formam o sistema democrático. Já
a deontologia médica se refere à chamada ética normativa da medicina, ou seja,
um conjunto de regras e normas que estabelecem os padrões éticos do exercício
da profissão. No Brasil, a elaboração dessas normas, bem como a fiscalização
de seu cumprimento, é de competência dos Conselhos Regionais e Federal de
Medicina. Tanto o código legal e a deontologia médica devem ser dinâmicos, ou
seja, devem se adaptar conforme surgem novas demandas motivadas, por exem-
plo, por dilemas bioéticos. Nesse processo, discussões podem ser suscitadas no
campo dos entes competentes pela elaboração de novas leis e normas. Tais dis-
cussões terão como base teórica as teorias morais e as reflexões bioéticas, resul-
tando na confecção de um conjunto atualizado de normas que regulará o com-

730
portamento dos envolvidos diante da situação em questão. Como resultam desse
debate, as leis e normas podem apresentar grande variação de um local para
outro devido à influência de diferentes aspectos culturais, políticos e religiosos
locais. Por exemplo, a eutanásia é legalizada em certos países, enquanto termi-
nantemente proibida em outros. Alguns códigos e documentos internacionais
buscam, contudo, criar um conjunto de normas universais – que transcendem
as fronteiras culturais, como a Declaração Universal de Bioética e a de Direitos
Humanos3. A partir do momento em que determinado código de leis e normas
entra em vigor, violações podem resultar em punições.

As diferentes teorias morais: bases para a tomada de decisões


A seguir, serão apresentadas as principais teorias morais que permeiam as discussões
bioéticas no Ocidente. Elas são resultado da influência de diversas correntes de pensamen-
to e do trabalho de filósofos e outros pensadores ao longo dos séculos. Alguns conceitos
remontam à Idade Antiga, devido especialmente ao trabalho de filósofos gregos. Outros
refletem mudanças sociais e políticas mais recentes. Em comum, representam conceitos
lógicos que sofrem influência do contexto cultural, religioso, social e político da época1,4 e
servem de base para argumentos produzidos no contexto de discussões bioéticas. Enten-
dê-los, portanto, é fundamental para compreender tais discussões.

Utilitarismo e consequencialismo
Teoria que tem como principais expoentes o filósofo britânico Jeremy Bentham, no sé-
culo XIX, e, posteriormente, o também britânico John Stuart Mill. Propõe que as ações
corretas são aquelas que maximizam a felicidade e minimizam a dor para o maior número
possível de pessoas1,4. Os conceitos éticos que derivam de tal teoria são denominados, por-
tanto, teleológicos (do grego “téleios”, finalidade, e “logia”, estudo), uma vez que se baseiam
no resultado obtido com as ações realizadas. A análise desse resultado, por sua vez, deve
ser feita levando-se em conta todos os afetados pela decisão que se busca julgar.
A abordagem teleológica, utilizando princípios derivados do utilitarismo, também pode
produzir regras de aplicação mais geral e não apenas restrita a situações específicas1. A me-
dicina baseada em evidências é um exemplo: ensaios clínicos randomizados e controlados
por placebo testam duas ações possíveis diante de um problema clínico e avaliam, por meio
de medidas estatísticas, qual apresenta maior benefício e menores efeitos adversos. Ou seja,

731
o que se avalia é a consequência de cada ação adotada. Da evidência resultante, podem ser
derivadas diretrizes clínicas e protocolos assistenciais, por exemplo, que orientam condutas
que sabidamente produzem as melhores consequências à maioria dos casos4.
Para além desse paralelo epistemológico, o utilitarismo é fortemente presente na bioé-
tica (em especial, em países anglo-saxões), uma vez que muitos dos dilemas bioéticos im-
plicam a necessidade de decidir por condutas clínicas cujas consequências têm um grande
impacto no paciente, em seus familiares e na sociedade, resultando em um importante
peso no julgamento do médico.
Algumas situações, no entanto, não são tão claras quanto o ambiente controlado de
ensaios clínicos – em especial, as de terminalidade da vida, pois são envoltas por va-
riáveis psicológicas, culturais, espirituais e religiosas extremamente complexas, o que
dificulta estabelecer um critério claro para o que seria de fato a melhor consequência
para a maioria dos envolvidos.
Além da dificuldade de mensurar os melhores resultados quando lidamos com dilemas
bioéticos, o utilitarismo pode entrar em conflito com outros princípios, como a justiça e a
autonomia do paciente4. Os dilemas presentes são muitos. Por exemplo, tome-se o caso de
um recém-nascido portador de cardiopatia congênita que, sem um transplante cardíaco,
certamente morrerá. Para realizá-lo, seria preciso alocar grande quantidade de recursos
financeiros do sistema público, em vez de beneficiar um número muito maior de pacien-
tes cujos tratamentos são mais baratos. Seria ético sacrificar o recém-nascido, em nome de
uma “maior felicidade da população como um todo”? Se sim, tal noção de “bem comum”
não seria perigosa por estar presente em ideologias totalitárias que acreditavam ser ético
sacrificar os mais fracos em nome de uma “felicidade coletiva”?
Já a autonomia do paciente conflita com o utilitarismo quando, por exemplo, um atendi-
do de posse de suas faculdades mentais recusa tratamento necessário para salvar sua vida
por, digamos, motivos religiosos. Neste caso, um argumento utilitarista poderia pressupor
que a decisão correta seria tratá-lo, uma vez que isso pouparia diversas pessoas do luto
e do sofrimento decorrentes da morte de alguém querido. Contudo, se o médico decidir
intervir, estará desrespeitando o desejo do paciente e, assim, sua autonomia. Esse tipo de
dilema será abordado em detalhes no Capítulo 38.
O utilitarismo, enfim, fornece importantes contribuições para a medicina e para a bioéti-
ca, o que permite que seus argumentos sejam utilizados em debates que levam à tomada de
decisões. Sua utilidade está em permitir considerar as consequências de uma determinada
decisão e dimensionar a felicidade de terceiros. Porém, a teoria apresenta limitações igual-
mente relevantes, tornando importante buscar respostas também em outras teorias4.

732
Deontologia e ética kantiana
As teorias deontológicas (do grego “deon”, dever/obrigação, e “logia”, estudo) diferem dia-
metralmente das teorias teleológicas, pois consideram as ações como corretas de acordo
com sua natureza intrínseca, ao se adequarem a uma determinada regra, independente-
mente de suas consequências1. O filósofo alemão Immanuel Kant foi um grande expoente
desse pensamento no século XVII, a ponto de embasar a “ética kantiana”. Kant denominou
como “imperativos categóricos” as obrigações que devem ser seguidas de forma incon-
dicional, ou seja, mesmo quando contrariarem as preferências e desejos das pessoas e a
despeito de suas consequências. Diferem dos imperativos hipotéticos, ações que devem
ser realizadas somente quando se deseja um determinado fim (por exemplo, se o objetivo
for passar em uma prova, estude com afinco)1,4.
Kant propôs três fórmulas para definir um imperativo categórico. A primeira determina
que a obrigação seja uma lei moral universal, ou seja, não se contradiz no caso de todos de-
sejarem segui-la de forma equivalente. Para isso, deve-se fazer um exercício hipotético de
generalização. Por exemplo, é moralmente correto auxiliar um deficiente visual a atraves-
sar a rua? Se toda a sociedade adotasse esse comportamento, a situação seria problemática
ou harmoniosa? Em contrapartida, o que ocorreria se fosse permitido a todos que fraudas-
sem documentos para obter benefícios previdenciários? Kant propunha que, para que o
indivíduo considere algo como moralmente aceitável, ele também deve aceitar que outros
pratiquem a mesma ação, o que pressupõe a universalidade e imparcialidade da norma1.
A segunda fórmula tem grande importância nos princípios éticos atualmente vigentes e
universalmente aceitos. Conforme esta regra, datada do século XVIII, cada indivíduo deve
ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio, pois todo indivíduo tem
um valor intrínseco1,4. Mesmo que, na prática, todos sejamos utilizados como meios, por
exemplo, quando somos contratados para realizar um trabalho, tal situação se estabelece
de forma consensual1. Indivíduos participantes de ensaios clínicos são utilizados como
meios para se obterem conclusões científicas, mediante um termo de consentimento livre
e esclarecido assinado antes de sua participação. Assim, conceitos atuais, como a dignida-
de humana e o consentimento livre e esclarecido, originaram-se na ética kantiana, embo-
ra tenham sido aprofundados nos séculos que se seguiram, integrando hoje documentos
universais, como a Declaração dos Direitos Humanos5.
A terceira fórmula determina que as ações de um indivíduo devem ser feitas de tal modo
que seja ele o autor da lei à qual se submete (“um legislador no reino dos fins”), dando ori-
gem ao que hoje se entende por autonomia4. Três séculos atrás, portanto, Kant já advogava

733
que o indivíduo era um ser livre para fazer suas próprias escolhas morais e decidir sobre a
própria vida, da forma como acredita ser a certa, determinando seus próprios fins, desde
que respeite as fórmulas anteriores.
As três formulações propostas por Kant exercem grande influência sobre a bioética
atual, que considera os pacientes como pessoas, com dignidade e igual status moral, in-
dependente de condição social, raça, cultura ou outros fatores. A ética kantiana, portan-
to, afasta-se do paternalismo e condena a coerção e o abuso do poder profissional. Por
seu caráter deontológico, suas ideias são imunes a contingências do momento, tornan-
do-se diretrizes absolutas. Diversas ações condenáveis moralmente de forma universal,
como o estupro, o assassinato e a escravidão, são proibidas pela ética kantiana4.
Contudo, como já reforçado, a tecnologia fez surgir novos dilemas bioéticos de natureza
extremamente complexa. Neste cenário, cabe o questionamento: o dever é sempre claro?
As regras são absolutas, independente de suas consequências? Um dos exemplos clássicos
que questiona a rigidez da ética kantiana é o ato de mentir. Segundo Kant, a mentira é algo
absolutamente errado, independente do contexto ou de sua motivação4. Porém, imagine-
mos a situação em que revelemos a verdade, como a localização de um refugiado judeu, a
seus perseguidores nazistas. Nesse caso, estaríamos fazendo a escolha moralmente corre-
ta? Seria mentir moralmente errado independentemente de sua consequência?
Ainda, no caso da terminalidade da vida, como determinar regras universais diante
de situações de natureza tão particular? Optar ou não pelo desligamento dos aparelhos
de um paciente é algo que se aplicaria a todos os outros indivíduos ou apenas algo que
gostaríamos que fosse feito a nós mesmos? É possível utilizar somente a razão, assim
como propunha Kant, diante de situações em que as emoções são tão preponderantes?
As perguntas revelam que a ética kantiana embasa muitos dos princípios que se torna-
ram cláusulas pétreas da bioética, mas não responde a todas as perguntas com as quais
nos deparamos nos dilemas atuais.

Ética das virtudes: fazer o correto por ser bom


Até este ponto, analisamos duas teorias morais que, embora opostas em seu conceito,
têm como objetivo determinar se uma ação é moralmente correta ou não. A ética das
virtudes, por sua vez, tem como objeto de análise não apenas ações pontuais, mas, sim,
o caráter do indivíduo (o agente moral). Ou seja, são as qualidades – ou virtudes – do
indivíduo que norteiam um padrão de excelência de seu comportamento como um todo.
Segundo a ética das virtudes, as ações e escolhas corretas derivam de um caráter virtuo-
so, uma qualidade própria do indivíduo1,4.

734
Embora existam diversas correntes na ética das virtudes, todas compartilham um en-
foque maior nas emoções, sentimentos e características próprias da natureza humana, o
que representa outra diferença em relação à ética kantiana, completamente baseada na
razão4. É justamente o aspecto emocional que confere uma peculiaridade interessante a
esse tipo de pensamento, se aplicado aos cuidados paliativos. Isso ocorre porque, nesse
contexto, surgem alguns dos dilemas mais desafiadores quanto aos aspectos psicológi-
cos e emocionais. É certo que os médicos, diante de tais dilemas, não devem se envolver
emocionalmente em excesso, de forma a evitar vieses que prejudiquem seu discerni-
mento clínico. Porém, uma abordagem fria e totalmente distanciada também é deletéria
à prática médica e ao paciente.
Aristóteles, filósofo grego, é considerado o grande expoente dessa corrente de pensamen-
to moral. Para ele, as virtudes humanas determinam formas de agir habituais e que podem
ser desenvolvidas e treinadas já na infância, por meio de experiências e da educação rece-
bida, por exemplo, de pais, cuidadores ou outros indivíduos que sirvam de exemplo moral
para a criança1,4. É um pensamento, portanto, que converge com as teorias modernas de
personalidade, em que o caráter, componente desta, é moldado pelas experiências durante
o desenvolvimento6. Ainda, para Aristóteles, a virtude é o ponto de equilíbrio entre o excesso
ou a deficiência de determinados traços – por exemplo, a virtude da coragem é o equilíbrio
entre o extremo da covardia (deficiência) e o extremo oposto da inconsequência (excesso).
Possuir características equilibradas, para Aristóteles, permite ao indivíduo que viva em har-
monia com os outros ao seu redor, levando a uma vida de autorrealização e a um estado de
espírito que denominou de eudaimonia (do grego “eu”, bem, e “daimon”, espírito)1,4.
A Antiguidade Clássica cunhou quatro virtudes cardeais – prudência, coragem, tem-
perança e justiça – retomadas pelo cristianismo, que incluiu também outras três: fé, es-
perança e caridade (virtudes teológicas)4. Há, assim, uma grande interface entre a ética
das virtudes e as religiões, transcendendo, porém, os códigos de conduta deontológicos
religiosos, que se limitam a definir comportamentos proibidos ou permitidos. As virtudes,
por sua vez, adentram um campo espiritual ao fornecer um norte moral e moldar com-
portamentos de acordo com seus objetivos. Ademais, o indivíduo pode desenvolver suas
virtudes por meio de práticas consideradas espirituais, como a autorreflexão e reflexões
sobre o mundo ao seu redor. Pode também praticar comportamentos virtuosos seguindo
referências morais, sejam elas religiosas (Jesus Cristo, Buda, entre outros) ou não1.
Justamente por ser suscetível a aspectos culturais, espirituais e religiosos, a ética das
virtudes apresenta grande variação entre as civilizações e sociedades que se desenvol-
veram ao longo da História. Contudo, é possível elencar virtudes comuns ao bom mé-

735
dico, mesmo entre as diversas origens culturais que ele possa ter. São elas: a empatia, a
compaixão e a humildade, por exemplo4. São virtudes que têm em comum o fato de que
quem as possui é capaz de aceitar e reconhecer a vulnerabilidade e a dependência em
outrem. Ou seja, no caso da relação médico-paciente, são justamente esses os motivos
que levaram alguém a procurar auxílio de um médico e a ele confiar sua vida.
Dessa forma, a ética das virtudes traz uma contribuição especial à medicina: guia os
médicos a fazerem o bem pelos motivos certos e não apenas por ser necessário. Esses pro-
fissionais, portanto, para serem virtuosos, devem ser mais do que apenas tecnicamente
hábeis e obedientes a um código de regras deontológicas; devem fazer o bem ao paciente
por meio do cultivo de virtudes. Aquele que compreender isso terá um norte moral e um
propósito em sua vida profissional, podendo atingir um sentimento de realização ao per-
ceber que, mesmo com as vicissitudes, trouxe algum bem à vida de outros por meio de sua
profissão. O médico virtuoso é aquele em que pacientes e outros médicos (alunos e cole-
gas) podem se espelhar4. Contudo, é necessário evitar uma visão utópica das virtudes e um
endeusamento do profissional, perigos inerentes a esse tipo de teoria moral.
O mesmo conceito pode ser aplicado ao paciente. Outrora eram considerados como vir-
tuosos apenas os pacientes aderentes ao tratamento, que nunca questionavam o conhe-
cimento médico, que não reclamavam e que se mantinham bem-humorados diante das
situações adversas4. Tal pensamento, contudo, pode prejudicar o conceito de autonomia
colocando-o em uma posição subserviente dentro da relação médico-paciente. Ao contrá-
rio, o paciente que enfrenta uma condição adversa está sendo posto à prova, algo que se
torna ainda mais dramático em situações envolvendo doenças ameaçadoras da vida. Assim,
o paciente virtuoso pode ser visto como aquele que apresenta virtudes como coragem, per-
severança e bondade, por exemplo. Ambas as visões se opõem justamente em dilemas de
fim de vida, como o paciente que deixou manifesto seu desejo de não ser intubado. Seria
ele sem virtudes, por não seguir as recomendações médicas e não aderir ao tratamento
proposto? Ou seria um paciente virtuoso, por ter a coragem de optar por morrer com digni-
dade, fiel a seus princípios e senhor de suas próprias decisões?
As várias visões sobre o que é ser virtuoso revelam uma limitação importante da teoria
da ética das virtudes. É difícil, por exemplo, determinar o que é uma vida plena e boa.
Seria uma vida de riquezas? Ou é possível ser virtuoso vivendo na simplicidade? Não há
respostas unânimes para precisar o gosto por coisas boas entre as pessoas. Ademais,
o conceito do que é bom também pode ser imposto por meio de autoritarismos4. Tal
variabilidade, com importante influência cultural, faz essa teoria ter difícil aplicação
transcultural, por exemplo, em convenções internacionais.

736
Mais um questionamento pode ser levantado: se virtudes podem ser cultivadas por
experiências prévias, desde a infância, o que dizer sobre aqueles que não tiveram as me-
lhores oportunidades no passado4? Uma criança nascida em um ambiente pouco favo-
rável ao desenvolvimento de virtudes será necessariamente um adulto pouco virtuoso,
incapaz, por exemplo, de cuidar de um paciente? Como compensar essa falta de “sorte
moral” nesses indivíduos7?
Por fim, as virtudes podem até fornecer um norte moral interessante, mas como aplicá-
-lo no dia a dia, em situações com suas particularidades? Por exemplo, a justiça é uma vir-
tude, o que significa, portanto, que um médico deve cultivá-la. Mas se tivermos que decidir
como distribuir recursos finitos em saúde, em um momento de dilema e pressão, como no
atendimento a uma pandemia, como definir o que exatamente é ser justo?
Concluímos que a ética das virtudes se diferencia das outras por ter uma visão longi-
tudinal, considerando um histórico de comportamentos, para além de ações pontuais,
ampliando os horizontes das reflexões morais. Também nos faz refletir sobre o propósi-
to e o valor da vida humana, necessários para poder decidir qual ação tomar. Assim, os
dilemas bioéticos, como os que encontramos na prática de cuidados paliativos, devem
ser analisados levando-se em conta conceitos moldados ao longo da vida de um profis-
sional que se considera virtuoso.

Teoria da lei natural: o certo está na natureza


Os defensores da teoria da lei natural argumentam que o que é moralmente certo se ma-
nifesta na natureza, cabendo aos seres humanos identificar tais manifestações por meio de
sua razão. Ou seja, vale a máxima: “o modo como as coisas são indica como elas devem ser”.
Do ponto de vista teleológico, a teoria defende que a natureza e a humanidade se dirigem a
um objetivo, um “fim natural”, e cabe ao homem seguir suas inclinações direcionadas a es-
ses fins. As ações que vão de encontro a tais inclinações são, portanto, moralmente aceitas1.
São Tomás de Aquino, filósofo de grande relevância no catolicismo, contribuiu não so-
mente com a influência católica sobre a ética das virtudes, mas também forneceu uma
visão teística da teoria da lei natural. Segundo ele, Deus é o autor das leis naturais, dando
aos homens o dom da razão, necessário para discernir sobre tais leis e sobre si próprios1.
Algumas das conclusões advindas deste pensamento são mais universalmente aceitas, por
exemplo, de que os homens devem preservar a vida humana e a saúde, buscar conheci-
mento, cultivar relacionamentos sociais, promover o bem e evitar o mal. Outras, por sua
vez, apresentam maior influência religiosa e cultural, como a condenação do uso de con-
traceptivos e da blasfêmia.

737
Teoria do contrato social de Rawls e justiça social
Nos dilemas bioéticos, nos deparamos muitas vezes com decisões em que nos vemos
obrigados a priorizar uns em detrimento dos outros. A grande questão que emana em
tais situações é: como ser justo? Com o objetivo de responder a essa pergunta, foram de-
senvolvidas as chamadas teorias contratualistas, tendo a premissa de que os indivíduos
pertencentes a uma sociedade acordam entre si condições mutuamente vantajosas, por
meio de um instrumento que denominam “contrato social”.
John Rawls, filósofo norte-americano, desenvolveu, no século XX, a teoria contratualista
mais influente nos dias de hoje1. Segundo ele, as condições iniciais do contrato social são
estabelecidas na chamada “posição original”. Nesta situação, os membros de uma socieda-
de, movidos por sua razão e seus próprios interesses, se agrupam para debater os termos
do contrato social, ou seja, os direitos e deveres básicos de cada um, bem como as parti-
cipações nos benefícios e ônus da sociedade. É importante ressaltar que, segundo Rawls,
neste momento, todos devem se despir de características como condição socioeconômi-
ca, etnia, talentos individuais e gênero, que poderiam eventualmente enviesar e tornar
o debate menos isonômico. Os participantes, portanto, não podem saber que condições
e posições teriam na sociedade, em um momento posterior à posição original, condição
que Rawls denominou de “véu da ignorância”. Um contrato justo, segundo Rawls, só pode
ser produzido quando as condições na posição original também são justas e isonômicas1.
Em situações ideais, Rawls postulava que poderiam ser extraídos alguns princípios bá-
sicos da justiça. Em primeiro lugar, é fundamental, para que haja justiça, que liberdades
individuais básicas possam ser garantidas, como o direito de ir e vir, direito à proprieda-
de, à liberdade religiosa, entre outros. A maior liberdade possível deve ser fornecida a
todos, de forma igual – um princípio que supera todos os outros nesta teoria1.
Em segundo lugar, as desigualdades entre os membros da sociedade devem ser balan-
ceadas de tal forma que os menos favorecidos sejam beneficiados ao máximo. Assim,
por exemplo, mesmo que as desigualdades existam em termos relativos, existirá justiça
caso os menos favorecidos estejam em uma situação adequada. Ainda, todos devem ter
os mesmos direitos a oportunidades de tentar obter uma posição melhor, embora isso
não signifique que tal posição se torne automaticamente um direito1.

Libertarianismo
Trata-se de uma ideologia que floresceu durante a Revolução Americana e influenciou
de forma importante a sociedade que dela se originou4. Defende que direitos inalienáveis

738
devem ser garantidos a todos os indivíduos, tais como o direito à liberdade, à vida e à busca
da felicidade, que são citados na Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776.
Os libertários defendem que o indivíduo é soberano sobre seu próprio corpo e mente,
ao passo que limites devem ser estabelecidos quanto à capacidade de o Estado e/ou a socie-
dade controlarem as decisões individuais. Contudo, tais liberdades cessam ao se invadir a
liberdade dos outros e, então, cabe ao Estado atuar para prevenir o dano a terceiros. Esse
princípio, cunhado inicialmente por John Stuart Mill8, é denominado “princípio do dano”.
O libertarianismo, portanto, é muito mais flexível quanto a situações consideradas
moralmente inaceitáveis sob o ponto de vista de outras teorias, como aquelas com influ-
ência religiosa. Decisões individuais (como a eutanásia voluntária), decisões reproduti-
vas (como a inseminação artificial) e questões envolvendo orientação sexual são aceitas,
pois não causam dano a nenhum terceiro. Já outras, a título de ilustração, como a pedo-
filia, são condenáveis, uma vez que sua prática envolve prejuízos a outros indivíduos (no
caso, menores de idade incapazes de consentir com relacionamentos sexuais).
Também é importante diferenciar os conceitos de liberdade negativa e positiva. Enquanto
a primeira se limita a apenas não interferir, a segunda busca estimular a liberdade, amplian-
do a gama de opções e a condição de poder escolher realmente o que se quer. Parte-se do
princípio de que exercer a autonomia provém de importante reflexão sobre o cenário apre-
sentado. Quem promove liberdades positivas estimula justamente esse processo reflexivo4,9.
Muitos libertários, contudo, defendem argumentos favoráveis a decisões que promovem a
liberdade negativa e, muitas vezes, dão pouco enfoque à promoção de liberdades positivas. É
um debate que será abordado, no contexto da relação médico-paciente, no Capítulo 40.
Algumas questões polêmicas também encontram maior aceitação entre muitos libertários
pelo mesmo motivo, como clonagem e modificação de gametas, uma vez que, segundo eles,
não há consequências negativas comprovadas de sua realização, apenas conjecturas sobre pos-
síveis danos futuros. Do ponto de vista de princípios de precaução, desta forma, o libertaria-
nismo é mais flexível e considera como única obrigação ética a defesa dos direitos individuais.

Comunitarismo
Trata-se de uma teoria diametralmente oposta ao libertarianismo. Defende o conceito de
solidariedade social, tendo como principal premissa que as decisões dos indivíduos devem
garantir o bem de toda a sociedade. Assim, os indivíduos devem ser subservientes à “vontade
geral” e só podem obter vantagens quando o bem da sociedade também é contemplado4.
Uma das maiores dificuldades dessa teoria, contudo, é justamente determinar o que se-
ria a “vontade geral”. Algumas hipóteses podem ser tecidas a partir de teorias contratualis-

739
tas, como a teoria do contrato social do filósofo Jean Jacques Rousseau. Nela, os membros
da sociedade se reúnem em assembleia, cada um votando de acordo com suas convicções,
para chegar a uma “vontade do povo”, que deve ser seguida por todos4. Contudo, a “vonta-
de do povo” é um conceito que também pode ser usado por governos tirânicos que, usur-
pando-se dele, podem impor seus ditames com a justificativa de representarem os anseios
da população. Assim, o comunitarismo se associa ao risco de facilmente evoluir para a
tirania, caso tente ditar uma via de mão única sobre como ordenar a sociedade.
Segundo o comunitarismo, a liberdade individual é, portanto, restrita, cabendo ao in-
divíduo apenas o que é permitido pela sociedade. Contudo, alguns aspectos da teoria são
importantes, em relação ao extremo oposto proposto pelo libertarianismo, uma vez que
o exercício das liberdades individuais depende também de fatores sociais. Por exem-
plo, diversos aspectos individuais sofrem grande influência do contexto social em que
vivemos, como a nação, a região geográfica, a cultura e a família. Nossos valores morais
também são influenciados pela comunidade que nos rodeia. Levando isso em conta,
portanto, é possível concluir que a qualidade de vida individual é influenciada pela so-
ciedade ao redor. Como resultado, deveria ser de interesse do indivíduo que também a
sociedade como um todo seja harmoniosa e próspera4.
O raciocínio inverso também pode ser feito: decisões individuais podem impactar for-
temente a comunidade como um todo. Por exemplo, a decisão de um paciente de come-
ter suicídio assistido, se autorizada, terá um amplo impacto sobre diversos membros da
sociedade.

Casuística: experiência prévia para guiar decisões


Outra abordagem possível para os problemas bioéticos, a casuística, tem como ênfase,
ao contrário, a analogia a casos pregressos, similares ou paradigmáticos, denominados
precedentes1. Assim, as decisões morais se fundamentam em decisões por tradições,
convenções e valores vigentes.
É necessário ressaltar, porém, que muitas vezes os precedentes não são esponta-
neamente produzidos e uma norma ou regra moral provavelmente os influenciou no
passado. Assim, a casuística funcionaria apenas como o ponto de conexão entre casos
paradigmáticos e aqueles que os sucedessem. Ademais, a dependência excessiva a es-
-sa abordagem pode abrir campo para arbitrariedades e para generalizações e vagueza,
comprometendo a justiça, ao se ignorarem as particularidades inerentes a cada caso, o
que é particularmente um problema quando estamos diante de dilemas bioéticos.

740
Ética dos princípios ou principialismo
A utilização de “princípios” como forma de reflexão corresponde a uma abordagem
clássica e bastante utilizada em bioética. Utiliza-se de princípios gerais, que buscam a
confluência para uma moralidade comum e mais aceita entre diferentes culturas, equi-
librando forças e pontos fracos de diferentes teorias morais1,2,4.
O Relatório Belmont – promulgado em 1978 como uma reação institucional aos es-
cândalos causados pelos experimentos envolvendo seres humanos desde o início da Se-
gunda Guerra Mundial – utilizou como referencial para as suas considerações éticas três
princípios básicos: autonomia (respeito às pessoas), beneficência e justiça10.
O filósofo norte-americano Tom Beauchamp, que havia participado da comissão que
elaborou o Relatório Belmont, e o teólogo James Childress, ambos vinculados ao Ken-
nedy Institute of Ethics, publicaram, também em 1978, seu livro Principles of Biomedical
Ethics, que consagrou e ampliou o uso dos princípios para sistematizar a abordagem de
dilemas e problemas bioéticos11.
Assim, foram apresentados os chamados quatro princípios da bioética: (respeito à) au-
tonomia; não-maleficência; beneficência; e justiça. Adicionada aos princípios contidos no
Relatório Belmont, a não-maleficência é compreendida pelos autores como tão relevante
quanto a beneficência – e não apenas seu oposto11. Para eles, os quatro princípios são pri-
ma facie, ou seja, têm a mesma importância hierárquica entre si1. Assim, as diretrizes que
fluem deles devem ser seguidas, à primeira vista, quando não se chocarem. No entanto, os
princípios não fornecem respostas para situações específicas, e há aquelas em que dois ou
mais deles podem entrar em conflito entre si, gerando dilemas bioéticos1. Alguns desses
dilemas, em que se deve pesar um princípio contra o outro, serão abordados em detalhes
nos Capítulos 37 e 38, com enfoque nos casos de fim de vida.
O primeiro dos princípios de Beauchamp e Childress demanda respeito pela autonomia.
Ainda que seja um conceito filosófico antigo, já defendido por Kant e Mill, sua definição é re-
tomada pelo principialismo. A autonomia consiste no direito de o indivíduo racional exercer
a autodeterminação por meio de escolhas próprias. Além disso, são requisitos para a plena
autonomia: a ausência de influências externas em suas decisões; a capacidade de o indiví-
duo compreender a situação e as consequências das alternativas possíveis; e a possibilidade
de agir conforme suas escolhas. É um direito que também independe dos resultados do que
é escolhido, mesmo quando são deletérios ao próprio indivíduo. Seu limite, por sua vez, re-
monta a Mill, definido pela proibição de escolhas que prejudiquem os outros1,4,11.
Os autores argumentam, também, que “respeitar a autonomia” requer a adoção de

741
medidas positivas para “promover e proteger” a capacidade dos agentes de agir de for-
ma autônoma11. Assim, mais do que apenas tolerar as escolhas dos outros, respeitar a
autonomia significa garantir, estimular e defender a possibilidade de livre escolha pelo
indivíduo. Por exemplo, os médicos devem informar os pacientes sobre os recursos pos-
síveis de tratamento para sua condição e seus resultados prováveis; garantir que a infor-
mação seja compreendida; e incentivar que participem das decisões – inclusive e princi-
palmente as de fim de vida –, à luz de seus próprios valores e preferências.
Em situações específicas, como procedimentos e em participação de pesquisa ou in-
tervenções associadas a risco de dano ou morte, é aplicável o consentimento informado,
processo por meio do qual o indivíduo deixa claras sua decisão e sua consciência sobre
os riscos envolvidos. A partir daí, pode ser necessário que leia, compreenda e manifeste
seu aceite em um documento denominado termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE). Como exposto, esse conceito remonta a Kant, pois o indivíduo manifesta, por
exemplo, estar de acordo em ser utilizado como meio em um experimento.
O segundo princípio de Beauchamp e Childress é o da não-maleficência, que estabe-
lece aos médicos não prejudicar intencionalmente seus pacientes – codificando, assim,
o pilar hipocrático médico primum non nocere: “acima de tudo, não causar danos”. Ou
seja, “não matar intencionalmente” e “não causar intencionalmente dor ou sofrimento
desnecessário” ao seu paciente11.
Enquanto o segundo princípio de Beauchamp e Childress é largamente negativo, na
medida em que veda várias ações, o da beneficência é positivo: requer que os médicos
tenham a obrigação moral de agir em benefício e no interesse de seus pacientes4,11. De-
vem, portanto, agir ativamente tanto para prevenir o dano, quanto para remover o que
é danoso e promover ativamente o bem-estar. Ainda, deve-se pesar o benefício versus o
dano de cada conduta proposta, buscando-se sempre maximizar o primeiro e minimizar
o segundo. Eventuais conflitos entre a beneficência e a autonomia podem levar a ações
“paternalistas”, que ocorrem quando as decisões propostas pelos médicos – e vistas por
eles “como o melhor para o paciente” – conflitam com as preferências individuais do
enfermo. Dilemas como esse serão abordados em detalhes no Capítulo 37.
Por fim, o quarto princípio de Beauchamp e Childress é o da justiça, aplicado como
sendo a expressão da justiça distributiva. Entende-se por justiça distributiva a distribui-
ção de recursos justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que
estruturam os termos da cooperação social. De acordo com tal perspectiva, uma situa-
ção de justiça estará presente sempre que uma pessoa receber benefícios ou encargos
devidos às suas propriedades ou circunstâncias particulares4,11.

742
Em saúde, o princípio da justiça tem como condição fundamental a equidade, obri-
gação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado,
algo já apontado por Aristóteles na Antiguidade como uma virtude necessária para o bom
exercício da justiça distributiva. Segundo o princípio, devem-se considerar as desigual-
dades no julgamento moral (“tratar desigualmente os desiguais”) com o objetivo de mini-
mizá-las e fortalecer os grupos mais vulneráveis. Assim, não é o mesmo que igualdade,
que implica em tratar igualmente a todos, independente de potenciais diferenças que
tornem alguns indivíduos mais vulneráveis que outros. O princípio da justiça, portanto,
pressupões que os recursos devem ser equilibradamente distribuídos, com o objetivo de
alcançar, com melhor eficácia, o maior número de pessoas, mas sem ser injusto a outros
mais vulneráveis4. Trata-se de um conceito também presente na obra de John Rawls, que
postula que a justiça é a maneira pela qual as instituições sociais distribuem direitos e
deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação
social, devendo ser observada enquanto equidade. Assim, sua posição opõe-se às inter-
pretações utilitaristas sobre o princípio da justiça, pois defende a ideia de que a autono-
mia e a individualidade não sejam apropriadas para uma concepção política da justiça.
Um exemplo prático do conceito de equidade aplicado à saúde está no fluxo de triagem
em prontos-socorros, em que casos mais graves são atendidos com prioridade. Ou seja,
quem mais precisa tem prioridade no recebimento dos recursos, mesmo que isso impli-
que “passar na frente” de muitas outras pessoas que por ventura tenham chegado antes.
Não obstante, agir com equidade não exime o médico de ser imparcial, evitando ao
máximo que vieses culturais, religiosos, financeiros ou outros interfiram na relação mé-
dico-paciente. A imparcialidade, portanto, retoma a obra de Rawls e seu conceito de
“véu da ignorância” (ver item “Teoria do contrato social de Rawls e justiça social” neste
capítulo). O médico, ao tomar suas decisões sobre alocação de recursos escassos em saú-
de, deve partir de um ponto em que ninguém seja favorecido ou desfavorecido por seu
contexto político, religioso, étnico ou de gênero, por exemplo.
Uma vez garantido que todos estão em situação similar e ninguém pode designar prin-
cípios que o favoreçam, o entendimento do que é justo será o resultado de consenso ou
ajuste equitativo, conforme já descrito.

Como avaliar uma teoria moral?


Assim como nas ciências naturais, precisamos definir, na bioética, uma metodologia
para julgar a validade de uma teoria moral e, assim, poder formular argumentos a fim de
resolver dilemas bioéticos do dia a dia. Diferente de outras ciências, contudo, não há um

743
único método padronizado para a avaliação de teorias morais. Um método interessante
e de aplicação relativamente fácil é o proposto pelo bioeticista Lewis Vaughn, em seu
livro Bioethics – Principles, Issues and Cases1.
Segundo Vaughn, o primeiro critério a ser cumprido por uma teoria moral deve ser
sua adequação aos chamados “juízos consolidados”. Trata-se de juízos de valor ampla-
mente aceitos pela sociedade, que se destacam por terem sido produzidos após amplo
debate, análise de diversos argumentos favoráveis e contrários e que são fruto de uma
decisão racional, sem vieses, interesses próprios ou influências externas. Poderiam ser
considerados como o “senso comum” de uma sociedade. São exemplos atuais as proibi-
ções de práticas como escravidão, estupro, genocídio e assassinato.
A teoria moral a ser testada, dessa forma, não deve ir contra tais juízos consolidados,
uma vez que devemos considerá-los como corretos, a menos que haja evidências fortes
para os reconsiderarmos. A conclusão resultante dessa premissa é a de que os julgamen-
tos consolidados são, sim, falíveis, porém, os argumentos em seu desfavor devem ser
fortes para derrubá-los. Assim, o primeiro critério para a validação de uma teoria moral
não é absoluto: se a teoria for forte o suficiente, pode se sobrepor ao juízo consolidado.
Porém, quando a teoria analisada e o juízo consolidado estão em harmonia, diz-se que
há um equilíbrio reflexivo entre ambos.
O segundo critério na avaliação de uma teoria moral é sua adequação aos fatos da vida
moral. Ou seja, a teoria deve poder ser aplicada na rotina, em situações como a elabo-
ração de julgamentos morais, a defesa de determinado ponto de vista, a discordância
em relação ao ponto de vista de outros e a revisão dos nossos próprios pontos de vista.
Assim, a teoria moral que satisfizer esse critério deve poder ser aplicada em todas essas
situações que compõem o cotidiano da vida moral. Por exemplo, uma teoria moral válida
deve poder ser utilizada para justificar um editorial de opinião que defende determinado
ponto de vista a respeito de um tema atual em debate na sociedade.
O terceiro e último critério para determinar se uma teoria moral é adequada é sua uti-
lidade na resolução de problemas morais. Uma teoria é útil quando nos ajuda a resolver
uma situação de dilema moral e permite identificar quais aspectos de uma determinada
conduta que escolhemos fazem dela algo moralmente aceitável. Por exemplo, uma si-
tuação que envolve um conflito entre dois princípios bioéticos prima facie, como auto-
nomia e beneficência, constitui o dilema do paternalismo. Suponhamos que se decida
pela adoção de uma conduta paternalista: uma teoria moral útil é aquela que auxilia na
tomada de tal decisão ao fornecer um arcabouço teórico que sustente os argumentos que
justificam a conduta adotada como moralmente correta.

744
Considerações finais
Este capítulo descreveu as principais teorias morais utilizadas atualmente para abor-
dar diferentes dilemas morais com os quais o médico pode se deparar em sua rotina pro-
fissional. Na prática dos cuidados paliativos, tais dilemas são muito frequentes e serão
abordados nos capítulos seguintes. Assim, se, por um lado, as teorias morais fornecem
o arcabouço teórico para justificar juízos morais, a bioética aborda um estudo crítico
dessa moralidade. É, portanto, uma ciência que não apenas justifica as diferentes visões
morais, mas as avalia criticamente e descreve qual delas prevalece.
A evolução da medicina tem sido acompanhada pelo surgimento de novas situações
em que os dilemas em bioética podem aflorar, como situações de fim de vida, à medida
em que novas técnicas vêm permitindo um prolongamento artificial da vida humana.
Ter conhecimento em bioética, portanto, não deve se restringir a acadêmicos, mas ser
parte do portfólio de conhecimentos de todos os médicos.
Nesse contexto, a bioética também deve se sustentar em outras fontes de conhecimen-
to que forneçam substrato à visão crítica da moralidade. Nesse sentido, faz-se necessário
que busque nas evidências científicas um de seus nortes para a elaboração de princípios
e julgamentos morais. Ciências naturais e bioética não podem andar em descompasso,
pois uma avaliação mais precisa de um dilema gerado pela prática clínica da medicina
requer o padrão mais elevado de informação médica e científica, de modo a se evitarem
vieses para um determinado ponto de vista moral. Por exemplo, como determinar se
um tratamento para câncer é eficaz ou fútil para um dado caso sem dados de um ensaio
clínico controlado e randomizado? Sem essa resposta não será possível, por exemplo,
seguir o princípio da justiça no momento de se alocarem recursos do sistema de saúde
para o custeio (ou não) desse tratamento.
Da mesma forma, as ciências sociais são igualmente importantes, pois fatores políti-
cos, culturais e sociais também influenciam a formação de juízos morais. São ferramen-
tas de estudo as pesquisas de opinião, entrevistas, leis, ensaios, debates e outras formas
de produção de conhecimento em ciências sociais. Por exemplo, o impacto na opinião
pública causado pelos horrores do Holocausto nazista certamente teve grande influência
nos caminhos que a bioética trilhou no pós-Segunda Guerra. Embora esse seja um exem-
plo mais extremo, outros acontecimentos e movimentos históricos de diferentes pesos,
incluindo alguns mais corriqueiros, também influenciam os rumos da bioética. Por fim,
a experiência clínica do médico e os fatores subjetivos e pessoais dele e de seu paciente
também são importantes fatores nas decisões bioéticas na prática clínica.
A medicina difere de relações comerciais em que há promessa de resultados e o clien-

745
te deve ter direito a um produto que esteja em conformidade com aquilo pelo qual pa-
gou. Na medicina, conflitos podem emergir pela complexidade inerente da prática clíni-
ca, conforme será abordado nos Capítulos 37 e 38. A resposta para eles vai depender de
todos os fatores elencados, mas sua elaboração se dará no cenário da relação médico-pa-
ciente desenvolvida, tema que será abordado no Capítulo 40. E é justamente nesse ponto
que vem à tona a importância da experiência clínica e dos fatores pessoais – subjetivos
e psicológicos – do médico.

Referências
1. Vaughn L. Bioethics: Principles, Issues, and Cases. 4a edição. Nova York: Oxford University
Press; 2020. Capítulo 2: Bioethics and Moral Theories; p. 34-94.

2. Vaughn L. Bioethics: Principles, Issues, and Cases. 4a edição. Nova York: Oxford University
Press; 2020. Capítulo 1: Moral Reasoning in Bioethics; p. 3-33.

3. Campbell AV. Bioethics: the Basics. 2a edição. Nova York: Routledge; 2017. Capítulo 1: What is
Bioethics; p. 1-17.

4. Campbell AV. Bioethics: the Basics. 2a edição. Nova York: Routledge; 2017. Capítulo 2: Moral
Theories; p. 18-49.

5. Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos
[Internet]. Nova York: Organização das Nações Unidas; 1948 [citado em 07/11/2022]. Disponível em:
https://www.ohchr.org/en/human-rights/universal-declaration/translations/portuguese?LangID=por.

6. Cloninger CR, Svrakic DM, Przybeck TR. A psychobiological model of temperament and charac-
ter,” Arch Gen Psychiatry. 1993; 50(12):975–990.

7. Nagel T. Moral Luck. In: Russel P, Deery O (eds.). The Philosophy of Free Will: Essential Readin-
gs from the Contemporary Debates. Nova York: Oxford University Press; 2012. p. 31-42.

8. Mill S. Sobre a liberdade. Brito ART, tradutor. São Paulo: Hedra; 2017.

746
9. Berlin I. Four Essays on Liberty. Nova York: Oxford University Press; 1969.

10. National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral
Research. The Belmont Report: Ethical Principles and Guidelines for the Protection of Human
Subjects of Research [Internet]. Bethesda, Maryland: U.S. Department of Health, Education, and
Welfare; 1979 [citado em 07/11/2022]. Disponível em: https://www.hhs.gov/ohrp/regulations-and-
-policy/belmont-report/read-the-belmont-report/index.html.

11. Beauchamp TL, Childress JF. Princípios de Ética Biomédica. Prudenzi L, tradutora. 4a edição.
São Paulo: Edições Loyola; 2002.

747
Capítulo 37
Dilemas Bioéticos em Situações de Fim
de Vida: Paternalismo Versus Autonomia
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo

Os quatro princípios propostos por Tom Beauchamp e James Childress – autonomia,


beneficência, não-maleficência e justiça1 – representam uma importante evolução da
Bioética, uma vez que permitem incorporar pontos relevantes de diversas teorias mo-
rais, além de fornecerem um norte moral em situações clínicas na rotina da Medicina.
Contudo, novas possibilidades vêm se abrindo com o avanço das ciências médicas, emer-
gindo situações em que esses princípios conflitam. Muitos desses dilemas se vinculam
a cenários de fim de vida e ao campo dos cuidados paliativos. Como o médico deve agir?
A resposta não é fácil, unânime ou imutável. Porém, pode-se adotar, para o início do
debate, o conceito proposto pelo filósofo inglês William David Ross, que utiliza o termo
latino “princípios prima facie” para definir regras de abrangência geral2. Uma possível
tradução desse termo poderia ser “à primeira vista”, isto é, se refere a princípios que
guiam nossas ações conforme uma análise preliminar. Porém, caso isso não seja possí-
vel pela complexidade do dilema criado, deve-se admitir uma hierarquia entre os prin-
cípios (um em detrimento do outro), para a análise do caso concreto. Assim, os quatro
princípios de Beauchamp e Childress devem ser vistos como diretrizes, não como regras
sem exceção, como ocorre, por exemplo, na ética kantiana3,4 – e o alvo do amplo debate
bioético é justamente a forma como “calibrar” a balança entre os princípios.
Uma dessas situações em que há conflito de princípios é denominada paternalismo,
que ocorre quando a beneficência se sobrepõe à autonomia. Em alguns casos, é possível
que o médico proponha condutas buscando “o melhor” para o paciente conforme sua
própria ótica, ainda que este não concorde. Insistir na conduta contra a vontade do pa-
ciente afronta o princípio da autonomia, resultando no que se denomina paternalismo,
termo que se aplica a situações em que se desrespeita a vontade de alguém para o “seu
próprio bem”4,5. Trata-se de um dilema bioético frequente na prática clínica envolvendo
doenças que ameaçam a vida.

749
Por quase toda a história da medicina, o paternalismo foi a visão predominante dos
médicos, remontando à tradição hipocrática. Contudo, uma grande mudança de para-
digma se iniciou nos Estados Unidos, a partir da década de 1970, resultando em uma
reinvenção da relação médico-paciente. O estopim para tal mudança foi a revelação das
graves infrações éticas praticadas por pesquisadores do famigerado Estudo Tuskegee,
cujo desenho privava portadores de sífilis de tratamento adequado sem seu consenti-
mento, para observar a evolução natural da doença. Diante do escândalo, instalou-se a
Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos Humanos de Pesquisa Médica e Biomé-
dica, responsável por elaborar o Relatório Belmont, que estabeleceu princípios éticos e
diretrizes para a pesquisa com seres humanos6. O Relatório Belmont exerceu enorme
influência na bioética e na prática clínica diária da medicina moderna ao promover um
deslocamento de seu foco do paternalismo para a autonomia do paciente.
Na década seguinte, uma decisão da Corte Superior de Los Angeles permitiu que Eliza-
beth Bouvia, paciente com sequelas decorrentes de paralisia cerebral que limitavam seus
movimentos e a tornavam totalmente dependente de cuidados, pudesse contrariar seus
médicos e rejeitar ser alimentada por sonda nasoenteral, mesmo que isso significasse
sua morte7. O caso abriu um precedente para que todos os adultos com capacidade para
consentir, nos Estados Unidos, pudessem recusar qualquer tratamento proposto por seus
médicos, ainda que sob risco de morte, incluindo medidas como o fornecimento de nu-
trientes e hidratação. No Brasil, ainda predomina uma visão mais paternalista do que nos
Estados Unidos, cujos pormenores serão apresentados ao longo deste capítulo.

Conceitos e definições

• Autonomia: embora ainda haja um grande debate sobre a definição de tal


conceito, trata-se da capacidade de autodeterminação de um indivíduo que pos-
sua consciência de si mesmo e racionalidade, ou seja, esteja com suas faculdades
mentais – cognição e emoções – preservadas e maduras (ver comentário sobre
crianças e adolescentes abaixo)1,4,8. Ademais, para ser considerado totalmente
autônomo, deve ter independência, estar livre de coerção e/ou manipulações
que interfiram em sua decisão, bem como é necessário contar com a possibilida-
de de agir conforme o que decidir, inclusive, no contexto clínico5.

• Capacidade para consentir: segundo diversos teóricos, para a autonomia

750
existir, o indivíduo deve ser dotado de racionalidade (habilidades cognitivas e
emocionais preservadas), o que o torna capaz de consentir, ou seja, de tomar
decisões sobre sua saúde, além de apto a perceber seus próprios desejos, refle-
tir sobre eles, considerar alternativas de ação e tomar uma decisão, pesando as
consequências potencialmente benéficas e danosas de sua escolha. Em algumas
situações, entende-se que o paciente é privado de sua autonomia ao perder a
capacidade para consentir, como o caso de pacientes com quadros demenciais5.
Há, contudo, outros aspectos legais associados, que podem variar regionalmen-
te e acabam por criar uma dicotomia entre a capacidade para a vida civil e a
capacidade para consentir quanto a sua própria saúde. Tais aspectos legais serão
abordados em detalhes no Capítulo 39. Neste capítulo e nos demais, denomina-
remos a capacidade relativa para a tomada de decisão quanto à própria saúde
como “capacidade para consentir”.

• Paternalismo forte e fraco: um dos cenários em que há pouca controvérsia


na aplicação de medidas paternalistas, inclusive aceitas por influentes teóricos
defensores da autonomia, como John Stuart Mill, é aquele em que os pacien-
tes não apresentam capacidade para consentir em relação a cuidados com sua
saúde5,9. Assim, o paternalismo denominado fraco ocorre quando decisões são
tomadas em nome de pacientes cuja capacidade para consentir está prejudi-
cada, ainda que contrariem sua vontade5. Acredita-se que algo deve ser feito
visando a seu benefício e, se possível, a restauração de sua capacidade para
consentir, para que, aí sim, o paciente possa tomar uma decisão autônoma
a posteriori. Por sua vez, o paternalismo denominado forte recai sobre indi-
víduos com capacidade para consentir e se cerca de controvérsias morais e
legais muito mais intensas, a serem abordadas a seguir5.

• Paternalismo puro e impuro: o teórico norte-americano Gerald Dworkin


cunhou os termos paternalismo puro e impuro para classificar os atos paternalis-
tas conforme seus objetivos. Segundo Dworkin, o paternalismo puro visa ao bem
do próprio indivíduo, que terá suas liberdades diminuídas. Esta é a situação preva-
lente na prática clínica. Em contrapartida, o paternalismo impuro ocorre quando
o objetivo da medida é preservar o bem de vários indivíduos, incluindo aquele que

751
vai ter sua liberdade diminuída10. Por exemplo, proibir um paciente com doença
pulmonar obstrutiva crônica de fumar na enfermaria promove não apenas o seu
próprio bem, mas também o de outros pacientes internados no mesmo ambiente.

• Crianças e menores não emancipados: embora aspectos legais possam va-


riar regionalmente, fazendo com que não haja uma idade limite única, a maio-
ria das teorias morais, leis e decisões judiciais convergem para a visão de que
crianças e adolescentes não são detentores de autonomia plena, porque se crê
que as habilidades de decisão neste grupo não estejam totalmente amadureci-
das. Tampouco seus pais ou responsáveis legais contam com plena autonomia
para decidir: decisões judiciais no Ocidente priorizam o benefício dos meno-
res de idade em relação às autonomias e liberdades dos genitores, como a reli-
giosa. Neste caso, o médico está autorizado a intervir paternalisticamente para
salvaguardar o bem de seu paciente pediátrico. Por exemplo, pais não podem
recusar transfusões sanguíneas para seus filhos menores por motivos religio-
sos, em situações em que privá-los do procedimento colocaria sua vida em ris-
co5. Da mesma forma, decisões mais recentes vêm limitando a autonomia dos
pais em buscar tratamentos ditos terapeuticamente fúteis ou potencialmente
inapropriados, um tema que abordaremos mais adiante. Ademais, ainda que
neste capítulo estejam sendo abordados apenas aspectos teóricos sobre a au-
tonomia de crianças e adolescentes, vale lembrar que alguns parâmetros no
assunto são regidos por leis específicas, como o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, no Brasil, a serem abordados no Capítulo 39.

• Recusa terapêutica: trata-se da situação em que o paciente recusa o tratamen-


to proposto, resultando em conflito entre a beneficência associada à conduta e
seu direito à autonomia. São situações de dilema com grandes chances de causar
frustração e perplexidade à equipe de saúde que assiste o paciente e até mesmo
a seus familiares, com inegável impacto na relação médico-paciente. No Brasil,
os direitos referentes à recusa terapêutica por médicos constam da Resolução do
Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.232, de 2019, discutida em detalhes no
Capítulo 3911. Um caso emblemático de recusa terapêutica, que envolveu a pa-
ciente Elizabeth Bouvia nos Estados Unidos, está relatado no Quadro 1.

752
QUADRO 1. O CASO BOUVIA E A RECUSA TERAPÊUTICA

Elizabeth Bouvia era uma jovem de 28 anos em 1986, ano em que travou uma batalha judicial para
ter o direito de remover a sonda nasoenteral que lhe fornecia nutrientes e da qual dependia para se
manter viva. Vítima de sequelas de paralisia cerebral desde o período perinatal, seu quadro evoluiu
para um estado de total dependência, em que era incapaz de realizar quase todos os movimentos
do corpo, exceto alguns de sua face e cabeça, além de mínimos movimentos das mãos. Totalmente
acamada e com fortes dores decorrentes de artrite, foi negligenciada por seus pais, incapazes de
cuidar dela e sem recursos. Após passar por várias instituições de longa permanência, em 1983,
tentou se internar em um hospital em que demandou não ser alimentada, até que viesse a falecer –
desejo negado pelos tribunais de primeira instância da Califórnia.
Após avaliações, Bouvia foi declarada capaz para consentir, possuía instrução superior e inclusive
chegou a casar-se anos antes (embora tenha sido abandonada pelo marido também). Ainda assim,
seus médicos travaram uma batalha legal para que fosse mantida a sonda nasoenteral que permitia
que continuasse viva, mesmo contra sua vontade. Na decisão inicial, a corte recusou seu pedido para
interromper a alimentação e a hidratação, alegando que, mesmo que pudesse ter o direito de querer
morrer, não poderia obrigar que terceiros compactuassem com isso. Segundo a decisão, sua demanda
constituía uma forma de cometer suicídio com a ajuda do Estado.
Após recurso, o caso foi levado à Corte Superior da Califórnia, que decidiu que um adulto com
capacidade para consentir tem o direito constitucionalmente garantido de recusar qualquer
tratamento médico, inclusive aqueles necessários para manter a vida. Segundo essa decisão, nenhum
médico, juiz ou legislador teria o poder de contrariar tal direito, e os argumentos apresentados pelos
médicos – por exemplo, de que a sonda era bem tolerada por Bouvia – não influenciavam seu direito,
assim como seus motivos não dependiam da aprovação de terceiros.
Um ponto central da decisão também envolve a controvérsia de que o desejo de Bouvia seria uma
forma de suicídio com chancela estatal, conforme considerou a corte de primeira instância. A decisão
em grau recursal rebateu essa conclusão, alegando que Bouvia apenas optou por “aceitar uma morte
mais precoce, desfecho já estabelecido por sua própria condição, ao invés de adiá-la arficialmente”.
Enfim, a corte entendeu que Bouvia apenas desejou “deixar a natureza seguir seu curso”, em vez de agir
ativamente para provocar sua morte, um ponto central que caracteriza a eutanásia e o suicídio assistido.
A Corte Superior terminou por concluir que Bouvia vivia uma condição irreversível, sem cura, que
a submetia a um estado desumano de dependência e que seu objetivo não seria acelerar sua morte,
mas, sim, evitar prolongar seu sofrimento. A decisão da primeira instância, portanto, teria colocado
ênfase excessiva no tempo de vida, em vez de qualidade, ainda que se reconheçam as boas intenções
da equipe médica em sua atitude paternalista.
A decisão do caso Bouvia, que ocorreu durante um período de mudanças na prática médica,
marcado por um enfoque maior na autonomia do paciente, representou um marco para os Estados
Unidos. A partir dela, consolidou-se no país o conceito de que indivíduos capazes de consentir podem
recusar qualquer tratamento, mesmo os que sejam necessários para preservar sua vida.

ADAPTADO DE: VAUGHN L. BIOETHICS: PRINCIPLES, ISSUES, AND CASES. 4a EDIÇÃO. NOVA YORK: OXFORD UNIVERSITY PRESS; 2020. CAPÍTU-
LO 3: PATERNALISM AND PATIENT AUTONOMY; P. 97-1755 E BOUVIA V. SUPERIOR COURT, 179 CAL. APP. 3D 1127, 225 CAL. RPTR. 297, 1986.
DISPONÍVEL EM: HTTPS://LAW.JUSTIA.COM/CASES/CALIFORNIA/COURT-OF-APPEAL/3D/179/1127.HTML (ACESSADO EM 16/05/2021)7.

753
Futilidade terapêutica e tratamentos potencialmente inapropriados: autonomia do
paciente, autonomia do médico, beneficência e limites da medicina
O conceito de autonomia do paciente também pode ser colocado em xeque na situação
oposta à da recusa terapêutica, ou seja, quando o médico contraindica a demanda do pa-
ciente por determinado tratamento, visando ao seu bem, ou seja, seguindo o princípio da
beneficência e da não-maleficência. Respeitar a autonomia significa fornecer qualquer
tratamento pedido? A resposta é não: a autonomia não dá direito ao paciente de escolher
entre alternativas irrestritas.

Futilidade terapêutica e tratamentos potencialmente inapropriados


O avanço da medicina nas últimas décadas permitiu o surgimento de diversos novos
tratamentos capazes de prolongar a vida, inclusive em situações de terminalidade. Nesse
cenário, surge o questionamento: qual o benefício de um tratamento que prolonga a vida
no contexto dos valores do paciente? Ter eficácia clínica, por exemplo, ao aumentar o
tempo de vida, necessariamente significa ter alguma utilidade para o paciente? As de-
finições sobre futilidade terapêutica e tratamentos potencialmente inapropriados são
abordadas em detalhes no Capítulo 38, mas discorreremos a seguir sobre uma situação
particularmente difícil para o médico, que ocorre quando um paciente e/ou familiares
demandam tratamentos fúteis e/ou potencialmente inapropriados. Deve o médico, neste
caso, prescrever o tratamento, pensando na autonomia do paciente?
Um exemplo marcante desse tipo de situação, que trouxe esse debate à tona, foi a de
Helga Wanglie, em 1989. A paciente de 87 anos evoluiu para estado vegetativo perma-
nente decorrente de uma parada cardiorrespiratória ocorrida após extubação em uma
internação por fratura de fêmur. Após permanecer em ventilação mecânica por vários
meses, e constatados danos cerebrais, o hospital buscou na justiça o direito de desligar
o ventilador, alegando que prolongar sua vida não era de seu melhor interesse, o que foi
contestado por filhos e marido5,12. Wanglie faleceu dias depois da decisão da corte favo-
rável à família, mas o dilema permaneceu em evidência, ressaltando a necessidade de
se apreciar esse tipo de questão de extrema complexidade bioética, sem limitar o debate
apenas aos aspectos técnicos, mas incluindo também os aspectos morais e as expectati-
vas com a medicina13. O caso está descrito em detalhes no Quadro 2.
Divergências como a observada no caso Wanglie são frequentes, não somente pela na-
tureza complexa e delicada da situação, mas pelas próprias características psicológicas
do luto. Nesse contexto, pacientes e familiares podem negar que um tratamento seja fú-
til ou inapropriado porque ainda estão na fase de negação do luto (para maiores detalhes

754
sobre o luto, ver o Capítulo 29). Discordâncias podem ser causadas por motivos religio-
sos, que podem determinar que o corpo deve ser mantido vivo a qualquer custo, ou por
fundamentos conceituais divergentes quanto ao que é considerado “inapropriado” ou
“fútil” naquela situação: para os médicos, um tratamento inapropriado pode ser aquele
“incapaz de oferecer qualidade de vida adequada ao paciente”, mas, para a família, pode
ser aquilo que não consiga manter o ente querido vivo5.
A solução para dilemas dessa natureza não é fácil e tampouco existe uma resposta única
ou simples. Deve-se, contudo, buscar uma comunicação franca, honesta, transparente e,
ao mesmo tempo, empática entre equipe de saúde, médicos e familiares (aspectos envol-
vendo a comunicação nessas situações são abordados no Capítulo 30). O objetivo é fazer
com que a família compreenda que o intuito de não realizar a medida considerada fútil
ou potencialmente inapropriada é oferecer o cuidado mais adequado ao paciente. Funda-
mental também é a oferta de apoio psicológico e religioso/espiritual, para que questões
envolvendo a vivência do luto possam ser abordadas.
A Resolução nº 355, de 23 de agosto de 2022, publicada pelo Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), trata exatamente desse tema ao estabele-
cer, em seu artigo 1º, que tratamentos fúteis “não devem ser realizados, mesmo sob de-
manda de paciente/familiar”. Para os fins da resolução, é considerado fútil o tratamento
que, "de acordo com melhor evidência científica disponível, mostre-se incapaz de atingir
o objetivo biológico almejado”. A resolução fundamenta essa conduta não apenas pelo
respeito aos princípios da não-maleficência e da justiça, mas também por considerar
que instituir tratamentos considerados fúteis “compromete a credibilidade e confiança
depositada nas profissões da saúde”. Ademais, também estabelece a obrigatoriedade de
“explicar ao paciente a seus familiares/responsáveis legais a não indicação [do tratamen-
to], e registrar devidamente em prontuário”14.
A mesma resolução cita outra categoria de tratamentos: aqueles considerados “po-
tencialmente inapropriados”. Trata-se de uma categoria de intervenções médicas que,
apesar de exercerem algum efeito fisiológico, podem ser questionados sob o ponto de
vista ético ou moral, por exemplo, por se associarem a uma qualidade de vida ruim do
paciente. Nesse caso, deve haver consenso entre equipe de saúde e paciente/familiar em
relação a sua contraindicação. Em casos em que não há consenso, a resolução sugere o
envolvimento de equipes especializadas em cuidados paliativos e/ou comitês de ética/
bioética14. Outro caso emblemático marcado pela falta de consenso entre médicos e fa-
miliares, além do de Helga Wanglie, foi o do paciente Charlie Gard, descrito no Quadro 2
e que será discutido a seguir.

755
Autonomia do médico e limites da medicina
A possibilidade de médicos se recusarem a realizar determinada conduta que conside-
ram inapropriada ou antiética traz à baila o conceito de autonomia do médico. Tal princí-
pio se associa aos limites da medicina, dentro dos quais o paciente pode exercer suas de-
cisões autônomas, mas fora dos quais não poderá ter seus desejos atendidos pelo médico.
Três condições são importantes para delimitar os limites e o escopo da medicina13:

1) o paciente não pode requerer tratamentos não-médicos a seus médicos (exemplo: exi-
gir que o médico prescreva algum tipo de ritual místico para tratar determinada doença);

2) o paciente não pode solicitar tratamento médico, mas sem comprovação científica para
sua condição (exemplo: prescrição de fosfoetanolamina para tratamento de câncer);

3) o paciente não pode exigir um tratamento que, mesmo admitido na medicina para
outros fins, não tenha indicação para seu caso (exemplo: solicitar que seja amputada
uma perna porque considera ter algum defeito estético nela).

A autonomia do médico pode envolver não apenas fatos técnicos objetivos, mas tam-
bém questões mais subjetivas e de valores pessoais, fora do escopo médico: a chamada
objeção de consciência. Nesses casos, quem deve determinar os limites da medicina e da
autonomia médica, de modo a conflitar o mínimo possível com a autonomia do paciente
e/ou de seus familiares? Na deontologia médica brasileira, a Resolução CFM n.º 2.232/2019
estabelece parâmetros éticos para a objeção de consciência11, tópico que será abordado
em detalhes no Capítulo 39.
Para além das questões legais, deve-se considerar que, dentro da própria comunidade
médica, existe uma pluralidade de opiniões e valores que permite certa gama de opções
em casos como esses13. Assim, enquanto um paciente ou familiar pode encontrar mé-
dicos que consideram determinado tratamento inapropriado, também é possível que
encontrem outra equipe clínica com valores convergentes aos seus, o que pode inclusive
ser influenciado por questões religiosas. Foi o que ocorreu com o paciente Charlie Gard,
um bebê britânico portador de grave mitocondriopatia, cujo tratamento foi considerado
fútil em seu país natal, quando tinha cinco meses de idade. Seus médicos no Reino Uni-
do consideraram que prolongar artificialmente sua vida era uma medida eticamente ina-
propriada, pois o tempo de vida adicional resultante não seria de qualidade e tampouco
ofereceria dignidade ao bebê. Ao discordarem, seus pais conseguiram que o caso fosse

756
aceito pelo Hospital Bambino Gesù de Roma, porém não tiveram sucesso em efetivar a
transferência15. No caso, os valores do corpo clínico do hospital romano podem ter in-
fluenciado a decisão, uma vez que a instituição em questão tem forte influência católica.
Os pais, assim, buscaram o atendimento médico cujos valores eram mais compatíveis
com os seus. Quando inexistem alternativas de tratamento a casos tidos como fúteis ou
inapropriados, independentemente dos valores da equipe assistencial, tem-se uma evi-
dência importante de que não há opções dentro dos limites da medicina e, portanto, as
condutas demandadas são muito provavelmente inapropriadas não apenas nos aspectos
técnicos-científicos, mas também bioéticos13.

QUADRO 2. OS CASOS WANGLIE E CHARLIE GARD E A FUTILIDADE TERAPÊUTICA

A professora aposentada Helga Wanglie, de Minneapolis, nos Estados Unidos, sofreu uma queda
em dezembro de 1989, que resultou em uma fratura de fêmur. Complicações respiratórias durante a
internação fizeram com que necessitasse de ventilação mecânica e, após uma fracassada tentativa de
desmame ventilatório, Wanglie sofreu parada cardiorrespiratória. Constatou-se que a paciente evoluiu
para estado vegetativo permanente, com dano cerebral irreversível, motivo pelo qual foi decidido pela
equipe assistencial que mantê-la por tempo adicional em ventilação mecânica seria inapropriado.
O caso foi parar nos tribunais, pois a família discordou da decisão tomada pelo hospital, alegando
que contrariavam os desejos da paciente e não havia sido encontrada outra instituição que a aceitasse.
A decisão judicial acabou favorecendo a família, negando ao hospital a possibilidade de retirar os
direitos de decisão do marido de Helga Wanglie. Contudo, a ação legal elaborada pelo hospital
questionou apenas se o cônjuge da paciente era ou não a pessoa mais apropriada para tomar decisões
por ela, e não abordou o que estava realmente em questão: se havia limites para a autonomia dela/de
seus familiares que pudessem esbarrar nos limites da medicina.
A decisão jurídica em questão chama atenção para o fato de que, em geral, os tribunais deixam
de opinar sobre o real fator que motiva o caso: o escopo do tratamento proposto (mais detalhes
sobre esse tema são abordados no Capítulo 42). Em tais situações, o que deve ser avaliado é se o
tratamento é razoável do ponto de vista médico.
Helga Wanglie acabou por falecer naturalmente alguns meses após a controvérsia nos tribunais.
Embora os custos não tenham sido trazidos à tona no debate jurídico, sua internação custou cerca de
um milhão de dólares, pagos pelo Medicare e por seu seguro privado. Esse ponto também pode suscitar
debates quanto ao princípio da justiça e à alocação de recursos de saúde, em especial, os públicos.
Um caso mais recente e, talvez, mais polêmico, por envolver uma criança, ocorreu no Reino
Unido, com o paciente Charlie Gard, portador de uma rara mitocondriopatia (síndrome da depleção
mitocondrial), que resulta em dano neurológico e muscular. O caso de Charlie foi considerado terminal
após ser constatada lesão neurológica progressiva e irreversível, e seu tratamento foi considerado
fútil, por não existir nenhuma opção eficaz disponível para a doença, que culmina no óbito geralmente
já durante os primeiros anos de vida.
Os pais de Charlie, contudo, não aceitaram a decisão da equipe médica e buscaram obter na

757
justiça o direito de que o paciente fosse submetido a um tratamento experimental nos Estados
Unidos. A justiça negou o pedido em diversas instâncias e, após o médico que propôs a intervenção
experimental declarar que a janela de tempo para se obter algum suposto benefício já havia passado,
os pais acabaram por concordar com o desligamento do ventilador. Charlie faleceu com 11 meses e
24 dias, um dia após ser retirado do aparelho.
O caso Charlie Gard possui controvérsias adicionais em relação ao Wanglie não só por se tratar
de uma criança, mas também pela decisão da justiça em negar uma alternativa aos pais. Também foi
marcado por aspectos políticos, como o fato de os acontecimentos envolverem um sistema de saúde
público – o National Health Service britânico –, suscitando questões de financiamento público da
saúde e sua interferência com a autonomia. Também ocorreu ampla repercussão política internacional,
chegando a envolver a interferência do então presidente norte-americano Donald Trump e do Papa
Francisco. Apesar dessas particularidades, contudo, tanto o caso Wanglie quanto o caso Charlie
Gard trazem à tona o debate que envolve a futilidade terapêutica, tratamentos potencialmente
inapropriados, a autonomia do médico, a autonomia do paciente/familiares e os limites da medicina.

ADAPTADO DE: VAUGHN L. BIOETHICS: PRINCIPLES, ISSUES, AND CASES. 4a EDIÇÃO. NOVA YORK: OXFORD UNIVERSITY PRESS;
2020. CAPÍTULO 3: PATERNALISM AND PATIENT AUTONOMY; P. 97-1755; ANGELL M, N ENGL J MED 199112; SCHWARTZ RL,
CAMB Q HEALTH ETHICS. 199213; E TRUOG RD, JAMA. 201715.

Controvérsias envolvendo o paternalismo: como “calibrar a balança” segundo as


teorias morais?
Autonomia do paciente à luz de suas consequências: análise utilitarista
Apesar de difícil, pode-se analisar o dilema oriundo do conflito entre autonomia e bene-
ficência com base nas consequências das decisões tomadas. Tal abordagem utilitarista re-
quer que o caminho escolhido resulte, no cômputo geral, em decisões com consequências
que não causem dano, ou que causem um dano menor do que aquele que poderia ocorrer
caso o outro fosse escolhido. Nessa linha, argumentos que busquem justificar o paterna-
lismo médico devem partir da ideia de que danos ao paciente podem ocorrer, caso lhe
seja concedida autonomia ilimitada16. Por exemplo, em casos de recusa de um tratamento,
caso se presuma que deixar de fornecê-lo resulte em um dano ao paciente, justificar-se-ia
o paternalismo e médicos poderiam ignorar, prima facie, o princípio da autonomia do pa-
ciente em nome da beneficência5.
Contudo, uma das limitações da escolha pela beneficência, seguindo esse raciocínio,
consiste na própria dificuldade em se definir o que realmente seja um dano, mesmo que
sejam adotados desfechos como morte, lesão física ou comprometimento emocional16. É
possível que, no nível individual, estes desfechos não sejam vistos como tão prejudiciais
pelo paciente, como no caso de Elizabeth Bouvia. O dano, portanto, é sempre relativo e

758
depende dos valores do indivíduo, bem como das consequências que ocorreriam com ou-
tras escolhas. Presumir que haja um consenso do que é dano entre os pacientes e médicos
resulta em uma prática clínica baseada apenas em generalizações e experiências prévias.
Assim, o raciocínio utilitarista tende à generalização e busca avaliar consequências que “be-
neficiem o maior número de pessoas”. Portanto, pode acabar deixando o indivíduo em segundo
plano e os médicos cada vez mais distantes de seus pacientes. Apesar disso, existem evidências
empíricas quanto aos desejos e preferências da população sobre alguns dilemas bioéticos e po-
tenciais riscos associados. Por exemplo, estudos mostram que a maioria dos pacientes prefe-
re saber a totalidade das informações médicas sobre sua saúde17, algo necessário para a plena
autonomia, mas que, segundo alguns, poderia ser omitido “visando ao bem do paciente”. Esse
argumento em prol da omissão de informações seria justificado, segundo seus defensores, por
exemplo, por estudos que apontam que, ao se detalharem os efeitos colaterais de tratamentos
médicos, como requerido pelo consentimento informado, pode ocorrer o “efeito nocebo” – situ-
ações adversas que não ocorreriam (ou não seriam notadas) caso o paciente não soubesse delas18.
O dilema envolvendo possíveis consequências do desrespeito à autonomia continua: di-
ficilmente haverá escolhas totalmente livres de danos. Nesse cenário, como pesar o que é
mais ou menos danoso? Por exemplo, não informar totalmente sobre efeitos colaterais pode
prejudicar a transparência de informações e a credibilidade do médico, porém, ao mesmo
tempo, beneficiar o paciente ao preservá-lo do efeito nocebo. Nessa situação de conflito, é
difícil prever os resultados de cada uma das escolhas.
Por esses motivos, torna-se evidente que é necessário individualizar cada caso, de forma
a preservar os aspectos psicológicos e humanísticos do paciente, necessários para poder
identificar melhor suas preferências. Contudo, se considerarmos a autonomia como irres-
trita, poder-se-ia alegar que, ao selecionar as informações a serem prestadas aos pacien-
tes, os médicos, de alguma forma, estariam exercendo a autoridade de forma indevida,
voltando aos princípios hipocráticos sobre paternalismo, anteriores ao Relatório Belmont.
Assim, conclui-se que a visão utilitarista não é suficiente para explicar a autonomia,
e é por isso que decisões como a do caso Bouvia definem que a autonomia é um direito,
independente das motivações do indivíduo ou das consequências de seu pleno exercício.
Devido a isso, a maior parte da base moral das discussões sobre autonomia do paciente
utiliza argumentos deontológicos e principialistas, ao invés de visões teleológicas, con-
sequencialistas ou utilitaristas.

Autonomia do paciente como direito per se: análise deontológica e principialista


A defesa do princípio da autonomia irrestrita do paciente se baseia no argumento de que

759
as pessoas são os melhores juízes de seus próprios interesses. Assim, por definição, a auto-
determinação é fundamental, independente se seus efeitos são benéficos ao indivíduo. Tal
raciocínio se vale de uma regra deontológica que remonta a Immanuel Kant e se afasta de
argumentos teleológicos ao dar pouca ou nenhuma importância para a consequência ou
finalidade das decisões tomadas por indivíduos autônomos5,16. Disso derivam os direitos de
ser informado corretamente sobre seu estado de saúde; poder aceitar, recusar ou suspender
qualquer tratamento, mesmo os necessários para manter a vida*; e ser informado adequa-
damente sobre todas as alternativas possíveis e seus riscos e benefícios.
O direito de escolher sobre sua própria vida, com base no conceito de que a autode-
terminação tem um valor independente per se, se reflete na forte garantia conferida por
bases legais, como as constituições de países livres e democráticos. É um valor alto,
que adquire precedência sobre outros bens ou valores, pois é assumido que o indiví-
duo racional valoriza a liberdade de decidir sobre a própria vida acima de tudo5,16. Por
exemplo, caso se comprove que um software é capaz de escolher um cônjuge por nós,
comprovando-se que teríamos o melhor casamento possível com a pessoa escolhida pela
ferramenta, aceitaríamos delegar essa escolha a um computador? Provavelmente não,
pois faz parte da natureza humana valorizar de forma independente e prioritária a livre
escolha, a despeito de maiores riscos de consequências negativas16. Isso é ainda mais
verdadeiro em escolhas importantes, como um casamento, escolher uma profissão ou,
ainda, no tema deste livro: a própria saúde.
Assim, o entendimento da autonomia como um direito fundamental, para Kant, ori-
gina-se do imperativo categórico de que o ser humano deve ser tratado como um fim e
nunca como meio. Esta visão coloca ênfase na autonomia, de modo que não seja mini-
mizada por argumentos utilitaristas e ímpetos paternalistas. O médico, portanto, deve
comunicar ao paciente toda a informação disponível sobre seu estado de saúde, de modo
a conferir condições para exercer sua autonomia, sempre obter consentimento informa-
do e garantir o direito do paciente de recusar intervenções (nos Estados Unidos, incluin-
do as situações em que há risco à vida).

*No Brasil, a Resolução CFM nº 2.232/2019 permite a recusa terapêutica por parte do paciente somente nos casos em
que não há risco de vida, o que difere do entendimento observado nos Estados Unidos. Naquele país, a partir do caso Bouvia,
passou a predominar o entendimento de que qualquer paciente capaz de consentir pode recusar quaisquer tratamentos,
mesmo em casos de risco à vida. No Brasil, não instituir tratamentos necessários para a manutenção da vida é permitido
somente nos casos de terminalidade, em que tais tratamentos seriam considerados fúteis ou potencialmente inapropriados
e resultariam em distanásia. Tal conduta, denominada ortotanásia, é prevista na Resolução CFM n.º 1.805/2006 (para mais
detalhes, ver Capítulos 38 e 39).

760
Por fim, ressalta-se que o processo de tomada de decisão decorre da atribuição de
diferentes valores para diferentes cenários e escolhas, o que depende da autonomia do
indivíduo. Para isso, a pessoa precisa poder atribuir seus próprios valores a diferentes
possibilidades. A pergunta resultante dessa observação é: se limitada a autonomia, como
saber se a opção escolhida foi o melhor para o paciente de forma a justificar o paterna-
lismo? Nesta lógica, não seria possível atribuir um valor superior à decisão imposta, em
relação à autonomia, uma vez que o indivíduo não é autônomo16.
Esses argumentos sustentam que é necessário que se respeite o direito que um in-
divíduo tem de controlar sua própria vida, para que se preserve sua dignidade e sua
inviolabilidade, independente das consequências de sua decisão. Ainda, reforçam que,
para que alguém seja reconhecido pelos outros como indivíduo racional, é necessário
que haja respeito a sua autonomia16. Assim, quando são necessárias ações que limitem a
livre escolha, cabe a quem as propõe o ônus de provar a necessidade de tais medidas, in-
cluindo governos e médicos10,16. Enfim, sob essa ótica, respeitar a dignidade do indivíduo
pressupõe também respeitar seu direito de tomar decisões que expressem seus valores,
sejam eles quais forem, inclusive quando a escolha aumentar o risco de morte16.

Todos os pacientes são realmente autônomos?


Um importante questionamento feito quanto à autonomia irrestrita é: os pacientes
realmente têm condições de fazer escolhas racionais em um contexto de doença? Críti-
cos alegam que entender o respeito à autonomia apenas como a mera não interferência
seria distorcer o conceito do princípio. Isso porque pacientes poderiam ter sua autono-
mia comprometida ao estarem na condição de doentes, uma vez que diversos fatores
poderiam prejudicar sua racionalidade na tomada de decisão, como sua própria doença,
os impactos psicológicos de sua condição, fatores sociais e aspectos culturais. Segundo
eles, não intervir diante deste cenário seria, portanto, prejudicial ao paciente19.
O mesmo raciocínio ocorre em casos de paternalismo fraco, ao se restringir a autonomia
de pacientes que não possuem capacidade para consentir, situação que é muito mais aceita
e justificável. Isso revela, portanto, que o grande problema estaria no fato de a capacidade
de tomada de decisão autônoma não se limitar a uma condição binária – ter ou não discerni-
mento –, cujo limite é arbitrariamente definido. Segundo essa ótica, esse limite, na realida-
de, seria muito mais tênue. A decisão racional, portanto, ao invés de “tudo ou nada”, contaria
com um espectro de diferentes graus: há situações em que o paciente ainda pode ser consi-
derado capaz para consentir e, portanto, autônomo, mas sua condição clínica prejudica seu
discernimento, ainda que abaixo do limite em que se perderia a capacidade para consentir19.

761
Caso este argumento seja adotado, a interferência do médico no processo de decisão
do paciente seria justificável, mesmo que isso o desviasse de suas preferências, com o
objetivo de restaurar sua autonomia futuramente. Os proponentes dessa linha de pensa-
mento concluem que a ênfase exclusiva aos direitos dos pacientes – como o de recusar
quaisquer tratamentos – reforçada desde a publicação do Relatório Belmont, fez da não
interferência uma característica essencial da prática médica, ao menos nos Estados Uni-
dos, quando, na verdade, isso causaria diversos problemas19.
Ademais, o papel do médico seria simplificado caso o respeito à autonomia se limitas-
se à não interferência, e ocorreria um desrespeito ao próprio conceito ao não se consi-
derarem os efeitos da doença sobre o indivíduo, que limitariam o pleno exercício de sua
autodeterminação19. Muitas condições médicas de fato parecem afetar a capacidade de o
paciente enxergar a realidade, mesmo no caso daqueles considerados capazes para con-
sentir. Esse conceito é exemplificado pelo célebre caso de Dax Cowart, paciente norte-a-
mericano que sofreu queimaduras extensas em seu corpo, após uma explosão, e acabou
por perder a visão e suas duas mãos. Durante sua longa internação, recusou os trata-
mentos oferecidos, pois preferia morrer – o que lhe foi negado, apesar de apresentar
capacidade para consentir à época. Anos depois, Cowart, embora não tenha admitido
que se arrependera de seu pedido, justificando-o pela dor física extrema que sofreu, re-
conheceu que tinha uma “ideia irreal” de como seria sua vida com as deficiências: após
um processo de reabilitação, reconheceu que era possível viver bem com limitações.
Acabou por concluir a faculdade de direito e passou a trabalhar de forma independen-
te20. Isso significa que, por um período, Cowart teve sua percepção distorcida sobre a
realidade das suas limitações e dos valores que carregava em relação à própria vida. Seu
caso está descrito em detalhes no Quadro 3.
As situações de fim de vida apresentam uma nuance ainda mais específica que pode
afetar a tomada de decisão, decorrente do processo psicológico do luto. Um exemplo está
na negação, que é uma das fases do luto na qual o paciente, influenciado por seu estado,
nega a inexistência de tratamentos eficazes para a sua condição e demanda medidas de
pouca eficácia, resultando em futilidade terapêutica e tratamentos potencialmente ina-
propriados. Da mesma forma, a negação, assim como outras emoções frequentes, como
o medo, a culpa e o constrangimento, pode impedir o paciente de aceitar um tratamento
proposto que lhe seria potencialmente benéfico, ou seja, apresenta uma decisão racio-
nalmente mal fundamentada. Nesses casos, pergunta-se: o paciente tomaria as mesmas
decisões caso não estivesse sob influência desses fatores psicológicos? Se a resposta é
não, é possível considerá-lo, de fato, autônomo?

762
Aspectos sociais – como questões familiares – e cognitivos – como a quantidade de
informação que o paciente tem de sua condição, bem como a capacidade de entender
conceitos que lhe são passados – também influenciam sua tomada de decisão. Assim, é
imprescindível descartar essas influências sobre a decisão autônoma do paciente, espe-
cialmente nos casos de conflito com o princípio da beneficência19. Contudo, se estiverem
presentes, a não interferência não bastaria, segundo essa ótica, pois seria grande o risco
de o paciente adotar uma decisão que não adotaria em condições ideais. Portanto, não
seria correto enxergá-lo como o mesmo de antes de adoecer, ou presumir que apenas
seja uma pessoa comum, só que com uma doença19,21. Para compreender as escolhas do
paciente seria preciso, ao contrário, que fosse visto como alguém novo, que apresenta
características – não apenas físicas – influenciadas pela doença19.
Diante desse cenário, a melhor abordagem para enfrentar esse dilema é o médico bus-
car entender que novo individuo é esse, o que somente é possível investigando os aspectos
psicológicos, sociais e cognitivos envolvidos, necessários para reconhecer o paciente como
indivíduo e, por consequência, poder respeitar sua autonomia. Assim, ao invés de apenas
não interferir passivamente, o médico deve fortalecer e desenvolver a relação médico-pa-
ciente em busca desse objetivo. Nessas condições, é possível que decisões sejam feitas após
reflexão, coleta de informação e elenco de prioridades pelo paciente. Mais detalhes dessa
abordagem dentro da relação médico-paciente são apresentados no Capítulo 40.

Valores da vida: quantidade versus qualidade


A tomada de decisão autônoma é fruto de um processo de valoração e elenco de prio-
ridades por parte do paciente. Quando o médico decide prolongar a vida desse indiví-
duo, está presumindo que isso seria a prioridade máxima para ele. É justamente essa a
premissa do paternalismo: preservar um bem que é tido como prioritário por todos os
seres racionais. Contudo, devemos nos perguntar: um maior período de vida é sempre
a prioridade máxima para todos? Ou isso seria uma generalização, cabendo espaço para
exceções? Caso haja exceções, também haverá o risco de erro por parte do médico que
desconhece o real interesse do paciente. Mas, se o prolongamento da vida de fato fosse
a prioridade máxima de todos, a expertise médica seria suprema e todas as decisões de-
veriam ser feitas única e exclusivamente pelo médico.
A realidade, vista na prática médica, é que os valores diferem entre indivíduos,
fato esperado dada a complexidade da natureza humana16. Por exemplo, uma cica-
triz no rosto pode ter um significado totalmente diferente para alguém que valorize
sobremaneira a aparência, o que influenciaria suas escolhas e o risco de morte que

763
aceitaria correr ao recusar um tratamento. Assim, decisões dependem de fatores
individuais e subjetivos, alguns dos quais o próprio paciente pode não se dar conta,
por não se autoconhecer totalmente.
Existem escolhas difíceis a serem feitas no âmbito de final de vida. É preciso, então,
reconhecer que as pessoas têm valores diferentes quanto à vida e à morte, demonstran-
do que nem todos consideram a saúde e o prolongamento da vida como prioridades
máximas16. É racional, portanto, ter como prioridades máximas a qualidade de vida e
a dignidade, mesmo que o resultado seja um menor tempo de vida? Um exemplo mili-
tarista pode recriar essa pergunta: é preferível que uma nação enfrente um maior risco
de morte ao ir à guerra contra um inimigo que ameace sua liberdade, ou deve buscar
a garantia de uma vida mais prolongada, rendendo-se, à custa de abrir mão de viver
livre? Obviamente a resposta para essa questão depende de particularidades de cada
sociedade, como quão preparada está a nação para enfrentar a guerra, mas, ao longo da
História, a possibilidade de colocar a liberdade acima da mera existência biológica foi
uma escolha recorrente de várias nações. Assim, deduz-se que o mesmo pode ocorrer
também com outros valores e em outras situações, como a de pacientes terem que fazer
escolhas mesmo à custa de maior risco de morte ou de abreviação de sua vida.
Por exemplo, uma pessoa pode escolher não sofrer os efeitos colaterais de uma qui-
mioterapia que a impediriam de concluir um projeto, ao qual dá grande valor, optando
por postergar o tratamento, mesmo que isso signifique diminuir suas chances de cura.
Ou, então, uma gestante escolhe não se submeter, até o fim de sua gestação, a um trata-
mento que pode ser danoso ao feto, pois, para ela, o objetivo de ser mãe e o bem-estar
de seu filho têm prioridade em relação a sua própria vida. Essas escolhas vão ao encon-
tro às considerações elaboradas pelo psiquiatra austríaco Viktor Frankl sobre o sentido
dado pelo indivíduo a sua vida. Enquanto prisioneiro de um campo de concentração
nazista, Frankl postulou que existia uma associação entre as perspectivas e projetos de
vida dos demais prisioneiros e sua capacidade de sobrevivência22. Assim, mais do que a
existência biológica, a vida deriva de um sentido próprio e de um senso de realização,
argumento presente em diversas correntes filosóficas.
Para o médico que enxerga como sua função apenas a garantia da vida, a morte de seu
paciente pode parecer uma derrota pessoal e profissional. Contudo, vimos que, para al-
guns indivíduos, pode não ser irracional trocar quantidade por qualidade de vida, ou por
maiores chances de concretizar um projeto de grande importância. Portanto, prolongar
a vida à custa de incapacidade e sofrimento de um paciente, ou de impedi-lo de concre-
tizar seus projetos, não se justifica, assim como privá-lo de informações completas sobre

764
seu estado de saúde com o único objetivo de poupá-lo de maior sofrimento16. Tal visão
hedonística de comunicação com o paciente, focada apenas no que é prazeroso para ele
ouvir, também pode contrariar os valores dele para sua vida. De fato, no dia a dia, muitos
indivíduos estão dispostos a enfrentar o sofrimento para buscar seus objetivos e, por con-
sequência, exercer sua liberdade. Não é diferente em situações de terminalidade da vida.

A perspectiva do futuro e sua influência sobre a tomada de decisões médicas


Outro questionamento importante feito ao princípio da autonomia é: se, para seu
exercício, o indivíduo precisa fazer uma avaliação detalhada de toda a gama de possi-
bilidades e suas consequências, como garantir que as implicações futuras sejam de fato
conhecidas por ele no momento em que deve tomar a decisão? Em situações dramáticas
de comprometimento da saúde, o paciente sofre uma enorme pressão para tomar uma
determinada decisão, ainda que não tenha elementos suficientes para saber qual será o
contexto futuro em que ocorrerão as consequências de suas escolhas19,20. No caso Dax
Cowart, seria possível dizer que, no momento de sua internação em que recusou os tra-
tamentos propostos, ele sabia como seria a sua vida no futuro, mesmo com limitações?
Conseguiria ele imaginar que novas intervenções, tratamentos ou até mesmo próteses
poderiam ser disponibilizadas, mudando os rumos que ele imaginava para sua vida?
Será que sua visão sobre limitações não se baseava em preconceitos que tinha, enquanto
são, de como seria a vida de um deficiente físico?
Para justificar condutas paternalistas sob essa ótica, Gerald Dworkin utiliza tal ques-
tionamento quanto à capacidade de prever como será o futuro10. Para isso, se baseia
nos pensamentos de John Stuart Mill, um dos teóricos da liberdade mais influentes9.
Segundo Dworkin, Mill condenava o hipotético “direito” de um indivíduo de se “vender
como escravo”, argumentando que, caso alguém renunciasse à sua liberdade no presen-
te, uma ampla gama de liberdades futuras seria comprometida. Assim, privá-lo desse
“direito” seria justificável para preservar sua liberdade futura. Da mesma forma, seriam
justificáveis as medidas paternalistas adotadas no presente com o objetivo de preservar
uma gama maior de liberdades no futuro, embora limitem a autonomia do indivíduo no
momento em que a decisão deve ser tomada10. No caso de Cowart, por exemplo, ao proi-
birem que ele recusasse tratamentos e viesse a falecer, os médicos preservaram diversas
liberdades futuras que ele teve, como se formar advogado e trabalhar20.
Outro paralelo pode ser feito com a limitação da autonomia de crianças, justamente
por suas dificuldades em postergar a gratificação e por não terem uma visão amadure-
cida sobre seu futuro. Não seria possível que isso ocorresse, embora em menor grau,

765
também com adultos? Ainda, não seria possível que, especialmente em uma condição de
fragilidade e de doença, isso se acentuasse?
Os questionamentos ainda continuam: como os valores que damos a um determinado
bem variam de acordo com o tempo? É fato que as pessoas tendem a valorizar prazeres
imediatos e minimizar perigos distantes. Por exemplo, mesmo com diversas campanhas
de conscientização sobre os riscos futuros à saúde, milhões de pessoas no mundo inteiro,
todos os anos, se tornam tabagistas, priorizando o prazer imediato do fumo em detrimento
de sua saúde. Mesmo assim, isso não significa que a saúde deixa de ser um bem valorizado
de forma quase totalmente universal por todos os indivíduos racionais. Contudo, por se tra-
tar de um risco distante, seu valor diminui19. Nas situações de fim de vida, a saúde é o ponto
central e o risco de perdê-la é mais próximo, mas a influência da temporalidade sobre o pro-
cesso de valoração feito pelo paciente nesse contexto também tem um papel importante.
Sob essa ótica, todos esses aspectos relacionados à valoração do futuro se somariam,
de forma a ser possível questionar a real racionalidade de decisões tomadas em momen-
tos críticos de saúde e, portanto, a capacidade de alguém exercer sua plena autonomia
nesses cenários19,20. O argumento continua, concluindo que o paternalismo poderia se
justificar em situações em que as decisões tomadas pelo paciente provocariam consequ-
ências irreversíveis e muito abrangentes, e não totalmente mensuradas no momento da
decisão. Nesses casos, intervir no presente significaria preservar um interesse futuro, de
modo que o médico não se oporia de fato à vontade real do paciente, mas, sim, somente
à sua vontade declarada, que é influenciada pelo contexto presente19. Nessas condições,
o consentimento teria um caráter orientado ao futuro.

Outros problemas valorativos em decisões médicas


É importante também considerar qual valoração o paciente faz da intervenção pro-
posta. As expectativas quanto a determinado tratamento podem ser influenciadas por
preconceitos, influências externas, vieses e experiências prévias do paciente19. É gran-
de a chance de a reação de alguém que já se submeteu, por exemplo, a um tratamento
quimioterápico, ser diferente da apresentada por um paciente que se submeterá pela
primeira vez. Da mesma forma, pode ser diferente a reação de um paciente a quem
se propõe fazer uma tomografia computadorizada, caso ele tenha histórico familiar de
morte por reação adversa ao iodo durante o mesmo exame.
Formas de enxergar o tratamento proposto, contudo, podem ter diferenças mais sutis
e às vezes não percebidas ou entendidas pelo médico. Alguns indivíduos tendem a valori-
zar irracionalmente a inconveniência de certas medidas propostas para seu próprio bem,

766
como utilizar o cinto de segurança em automóveis. Outros indivíduos podem até mesmo
entender o benefício da intervenção, mas negligenciam a sua implementação. Uma pessoa
que já sofreu um acidente automobilístico, por outro lado, tenderá a desconsiderar a incon-
veniência da intervenção paternalista diante da importância de sua proteção e dificilmente
seu uso será negligenciado ou esquecido19. Extrapolando-se o raciocínio à prática clínica, os
mesmos conceitos se aplicam à forma como o paciente pode reagir a intervenções propos-
tas. O valor que dá a elas, influenciado pelos aspectos aqui elencados, determinará sua acei-
tação quanto a uma intervenção, assim como sua adesão ou não a um tratamento proposto.

QUADRO 3. O CASO DAX COWART

Donald Herbert Cowart, mais conhecido como Dax Cowart, foi um advogado norte-americano que,
em 1973, sofreu um grave acidente decorrente de uma explosão de gás propano. Teve queimaduras
na maior parte de seu corpo, além de perder a visão em ambos os olhos e a funcionalidade de suas
duas mãos. Já no momento do acidente, ao ser socorrido, pediu ao transeunte que o acudiu, ao ver
que estava armado, que atirasse nele por misericórdia, pois “já se considerava um homem morto”.
Uma vez no hospital, recusou todos os tratamentos oferecidos, demandando seu “direito de morrer”.
Foi tratado à revelia, embora, à época, estivesse se fortalecendo nos Estados Unidos o conceito de
que um paciente com capacidade para consentir pode recusar quaisquer tratamentos.
Cowart acabou por se recuperar e se tornou advogado, dedicando-se à defesa dos direitos dos
pacientes. Manteve o argumento, em sua carreira, de que o direito de controlar o corpo é algo inato do
indivíduo, garantido na constituição dos Estados Unidos, e deve ser respeitado por médicos, família e
governo. Ainda, defendia que, quando sãos, não podemos entender o que sente o paciente que recusa
um tratamento que pode salvar sua vida, pois a mente humana bloquearia as tentativas de imaginar
cenários tão aversivos e, por isso, as decisões pareceriam absurdas. Porém, podem ser perfeitamente
justificáveis para quem vivencia o problema.
Após a reabilitação, contudo, sua vida foi bem diferente do cenário que imaginava. Tornou-se
mais ativo e feliz do que muitas pessoas sem suas deficiências, escrevendo poesias e formando-se
advogado. Posteriormente, admitiu estar errado sobre a qualidade de vida que acreditava que teria
no futuro, mas argumentou que sua visão deturpada era apenas um motivo secundário de seu dese-
jo por morrer. A principal, segundo ele, era a dor insuportável que apresentou por longo período em
decorrência de seus ferimentos, um sofrimento que dizia não se justificar, mesmo se soubesse da
vida feliz que teria depois. De qualquer forma, reiterou o direito de recusar tratamentos enquanto
ficou internado, decisão da qual nunca se arrependeu por achar que a verdadeira liberdade teria como
pressuposto o poder de tomar também decisões equivocadas.
O fato de Cowart ter admitido que estava enganado sobre seu prognóstico futuro, apesar de não
ter feito com que se arrependesse de ter desejado sua morte, levanta um questionamento sobre a real
autonomia de um paciente no momento da tomada de decisões dramáticas, com um impacto futuro tão
abrangente e drástico. Como pressuposto da autonomia, o paciente deve analisar a situação de forma
racional e sem vieses. Porém, não é infrequente que, como no caso de Cowart, nos momentos logo

767
após a mudança da condição sã para a doente, os aspectos cognitivos e emocionais ainda não tenham
sido atualizados para o novo cenário. Assim, ele traz consigo uma série de vieses e enxerga a doença da
mesma forma que enxergava quando ainda era são.
É inegável que visões deturpadas sobre o futuro influenciam a decisão do paciente e podem levá-
lo a expressar valores discrepantes da realidade, que soam irracionais. Assim, muitos defensores do
paternalismo, nesse contexto, argumentam que a autonomia é falha, caso a atitude do médico seja
apenas implementar, passivamente, o desejo imediato do paciente, sem tentar demovê-lo de sua decisão
aparentemente irracional. Nessa linha, propõe-se que o médico deve explorar as motivações do paciente
e tentar estabelecer uma comunicação sincera, sem meias-verdades, sem omitir riscos ou benefícios dos
tratamentos propostos e sem coerção. O próprio Cowart passou a admitir que é necessário que o médico
confronte o desejo do paciente, após entendê-lo, mas sem impor sua vontade a ele.
O grande ponto não respondido dessa abordagem, desenvolvida pelo fortalecimento da relação
médico-paciente, é: até que momento manter a discussão? Quando aceitar que ela chegou a um fim?
Cowart manteve-se convicto de que a decisão final deve ser sempre do paciente. Alegava que o ponto
final da discussão vai se tornando mais claro conforme cresce o vínculo entre médico e paciente, em que
o primeiro mostra ao segundo que está ao seu lado, confortando-o e apoiando-o. Nesse cenário, fica
claro para o paciente que ele não foi abandonado ou desprezado, que o médico não deixou de se importar
com seus próprios sentimentos e que o profissional não teve pressa para resolver seus afazeres. Esse
compromisso, segundo Cowart, apesar de um grande ônus, é o cerne da boa assistência.
Outro possível questionamento para a não intervenção em casos como o de Cowart está na pos-
sibilidade de que essa atitude possa representar o desejo do médico, que buscaria se ver livre do
problema mais rapidamente, esquivando-se do fardo emocional. Tal situação seria extremamente
preocupante, pois uma decisão dessa magnitude deveria ser inteiramente motivada pelo próprio pa-
ciente, sem influência de valores do médico. Ainda, não intervir poderia também refletir a relação
atual cada vez mais distanciada, burocrática e impessoal do médico com seu paciente, resultando em
um cenário desfavorável e contraprodutivo para o enfrentamento de situações de vida e de morte.
Por fim, mais um ponto fundamental da abordagem dos dilemas de fim de vida pode ser identificado
no caso de Dax Cowart. O fato de sua motivação principal ter sido a imensa dor pela qual passou revela a
importância de direcionar esforços para a otimização do controle álgico nesses casos. O paciente com dor
tem sua cognição e suas emoções afetadas, o que compromete sua capacidade de agir racionalmente e,
portanto, limita sua autonomia. Assim, controlar a dor é fundamental para permitir condições melhores
para a tomada de decisão médica, além de o profissional ganhar tempo para discutir com o paciente
sobre sua decisão. Uma vez afastada a possibilidade de influência da dor sobre a decisão do paciente,
também se torna mais fácil identificar o ponto final ao qual deve chegar o debate sobre terminalidade da
vida. Pelo mesmo raciocínio, igualmente importante é o suporte psicológico em tais situações.

ADAPTADO DE: VAUGHN L. BIOETHICS: PRINCIPLES, ISSUES, AND CASES. 4a EDIÇÃO. NOVA YORK: OXFORD UNIVERSITY PRESS;
2020. CAPÍTULO 3: PATERNALISM AND PATIENT AUTONOMY; P. 97-1755 E COWART D, HASTINGS CENT REP 199820.

768
Considerações finais
As doenças ameaçadoras à vida com frequência colocam o médico diante de um dile-
ma entre respeitar a autonomia do paciente e agir para promover a beneficência. Quan-
do o princípio da beneficência se sobrepõe ao da autonomia, ocorre o que se denomina
paternalismo. A prática médica evoluiu a partir da década de 1970 em direção a uma
autonomia cada vez maior do paciente. Paralelamente, a evolução científica também
abriu espaço para que existam tecnologias capazes de prolongar artificialmente a vida,
incluindo situações em que esse tipo de tratamento pode ser considerado fútil ou po-
tencialmente inapropriado. Como resultado, esse cenário atual acaba sendo propício a
conflitos entre beneficência e autonomia, resultando em medidas paternalistas.
O dilema se torna ainda mais complexo, uma vez que existem diversos argumentos e
pontos de vista que podem ser utilizados tanto para defender a plena autonomia do pacien-
te e condenar qualquer tipo de paternalismo, quanto para justificar a adoção de medidas
paternalistas. Em geral, entende-se que, de fato, a autonomia é um direito inato e inalie-
nável do paciente, mas são pertinentes os questionamentos quanto à real condição que
um paciente tem, mesmo quando capaz para consentir, de tomar decisões tão dramáticas,
de forma completamente racional, em situações tão adversas. Obviamente, tais questiona-
mentos dependem grandemente das particularidades de cada situação e é impossível tecer
conclusões gerais. Fazer isso resultaria em uma simplificação de um debate tão profundo.
Assim, as respostas para esse dilema não são simples e sua solução não é fácil de ser
obtida. Porém, a experiência mostra que o caminho para chegar à melhor alternativa
passa pelo fortalecimento da relação médico-paciente, o que permite um debate mais
profundo das eventuais divergências entre cada uma das partes, em busca de um ponto
comum. Esse tema será abordado em maiores detalhes no Capítulo 40.

Referências
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São Paulo: Edições Loyola; 2002.

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Press; 2002.

3. Vaughn L. Bioethics: Principles, Issues, and Cases. 4a edição. Nova York: Oxford University

769
Press; 2020. Capítulo 2: Bioethics and Moral Theories; p. 34-94.

4. Campbell AV. Bioethics: the Basics. 2a edição. Nova York: Routledge; 2017. Capítulo 2: Moral
Theories; p. 1-17.

5. Vaughn L. Bioethics: Principles, Issues, and Cases. 4a edição. Nova York: Oxford University
Press; 2020. Capítulo 3: Paternalism and Patient Autonomy; p. 97-175.

6 National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Rese-
arch. The Belmont Report: Ethical Principles and Guidelines for the Protection of Human Subjects
of Research [Internet]. Bethesda, Maryland: U.S. Department of Health, Education, and Welfare;
1979 [citado em 07/11/2022]. Disponível em: https://www.hhs.gov/ohrp/regulations-and-policy/
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7. Bouvia v. Superior Court, 179 Cal. App. 3d 1127, 225 Cal. Rptr. 297, 1986. Disponível em: https://
law.justia.com/cases/california/court-of-appeal/3d/179/1127.html (acessado em 16/05/2021).

8. Vaughn L. Bioethics: Principles, Issues, and Cases. 4a edição. Nova York: Oxford University
Press; 2020. Capítulo 1: Moral Reasoning in Bioethics; p. 3-33.

9. Mill S. Sobre a liberdade. Brito ART, tradutor. São Paulo: Hedra; 2017.

10. Dworkin G. Paternalism. Monist. 1972, 56(4):64-84.

11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.232/2019, de 17 de julho de 2019. Estabele-


ce normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação
médico-paciente. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/
BR/2019/2232 (acessado em 07/11/2022).

12. Angell M. The case of Helga Wanglie: a new kind of “right to die” case. N Engl J Med. 1991;
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13. Schwartz RL. Autonomy, Futility, and the Limits of Medicine. Camb Q Healthc Ethics. 1992;
1(2):159-164.

770
14. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Resolução nº 355/2022, de 23 de agosto
de 2022. Estabelece diretrizes éticas para o auxílio médico da tomada de decisões sobre cuidados e
tratamentos de pacientes que enfrentam a fase final da vida. Disponível em: http://www.cremesp.
org.br/?siteAcao=PesquisaLegislacao&dif=s&ficha=1&id=20041&tipo=RESOLU%C7%C3O&or-
gao=%20Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Pau-
lo&numero=355&situacao=VIGENTE&data=23-08-2022 (acessado em 14/11/2022).

15. Truog RD. The United Kingdom sets limits on experimental treatments: the case of Charlie
Gard. JAMA. 2017; 318(11):1001-1002.

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study in UK cancer centres. Br J Cancer. 2001; 84(1):48-51.

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19. Ackerman TF. Why doctors should intervene. Hastings Cent Rep. 1982, 12(4):14-17.

20. Cowart D, Burt R. Confronting Death Who Chooses, Who Controls? Hastings Cent Rep. 1998,
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Encyclopedia of Bioethics. Nova York: Macmillan; 1978. p. 1675.

22. Frankl VE. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. São Leopoldo, RS:
Editora Sinodal; 2013.

771
Capítulo 38
Dilemas Bioéticos em Fim de Vida:
Eutanásia e Suicídio Assistido por Médico
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo

Um dos maiores dilemas em bioética envolve a questão: é moralmente correto matar


ou deixar morrer um paciente visando ao seu bem? Essa reflexão é emblemática e leva
a sociedade a rever paradigmas que moldaram o pensamento ocidental – como o signi-
ficado da autodeterminação e seus limites – e a questionar se existe condição legítima
para uma pessoa abreviar a vida de outra, de forma consentida. Também provoca con-
flitos entre os princípios da beneficência, da não-maleficência e da autonomia, evoca
sentimentos como a compaixão e desafia conceitos religiosos, como a santidade da vida.
Ainda, um importante impasse surge para a própria profissão médica: se o juramento
profissional pressupõe preservar a vida e diminuir o sofrimento, o que fazer em situa-
ções em que não é possível conciliar esses dois pressupostos? Nesse conflito, o que deve
vir primeiro? Interromper a vida desvirtuaria a profissão médica?
A complexidade desse dilema também nos obriga a refletir sobre diferentes cenários.
Aplicar no paciente uma injeção a seu pedido, com o intuito de reduzir seu sofrimento, é
um ato moralmente diferente de suspender medidas de suporte avançado de vida (SAV)
e, como resultado, deixar o paciente morrer? E quando o médico prescreve doses letais
de drogas para que o próprio atendido ingira?
Por fim, mesmo que cheguemos a um consenso sobre os aspectos morais de cada uma
dessas situações, a visão legal pode provocar divergências. Para além da bioética, uma
ação pode ser considerada moralmente aceitável, mas, ainda assim, legalmente passível
de punição, como acontece no Brasil e em outros países onde a eutanásia é proibida por
lei (aspectos legais das situações de fim de vida serão abordados no Capítulo 39).
A eutanásia e o suicídio assistido por médicos, termos cunhados para descrever situações
como essas, cercam-se de controvérsias. Neste capítulo, faremos um exercício da chamada
bioética descritiva, ou seja, analisaremos argumentos contrários e favoráveis a sua prática.
Também discutiremos práticas aceitas e estabelecidas, como a limitação e a descontinuação
de medidas de SAV consideradas fúteis ou potencialmente inapropriadas. E, por fim, discuti-
remos essas e tantas outras perguntas e questionamentos a respeito do tema.

773
Conceitos e definições

Para o adequado entendimento da complexidade da eutanásia e do suicídio


assistido por médico, algumas definições se fazem necessárias:

• Morte: os avanços da medicina levaram a uma necessidade de repensar o pró-


prio conceito de morte, pois, a depender da definição, o debate bioético pode tomar
rumos diferentes em temas como a descontinuação do SAV. Tradicionalmente, a
morte era definida como cessação dos batimentos cardíacos e da respiração. Con-
tudo, hoje tais funções podem ser mantidas artificialmente, mesmo quando a ativi-
dade cerebral está totalmente ausente. Pacientes nessa condição, portanto, seriam
considerados vivos no passado. Todavia, cientes desse novo cenário propiciado pela
tecnologia, em 1968, um grupo da Faculdade de Medicina de Harvard cunhou o con-
ceito de morte encefálica, que se tornou o padrão médico e legal dominante desde
então1. Segundo esse conceito, a morte ocorre quando todas as funções cerebrais
cessam, mesmo quando ainda estão presentes, por exemplo, batimentos cardíacos
e respiração (mais detalhes sobre esse tópico são discutidos no Capítulo 41). Nessas
situações, é permitido desligar os equipamentos e proceder à captação de órgãos
para transplante, se esse for o desejo da família*. Antes desta definição, a remoção
do SAV seria vista como imoral, o que revela a importância de existir uma definição
legal precisa do que é a morte. Não obstante, o conceito de morte ainda pode ser alvo
de debates, como nos casos de estado vegetativo permanente, em que estão ausentes
funções cerebrais superiores, associadas a um estado de consciência, embora ainda
esteja presente a atividade encefálica que controla as funções vitais (mais detalhes
sobre esse tópico são discutidos no Capítulo 23). Nessas situações, há defensores do
argumento de que, quando a consciência está comprometida, o paciente já teria dei-
xado de ser a pessoa que é, independente da persistência de suas funções neuroló-

*No Brasil, mesmo que doar seus órgãos seja o desejo do paciente ainda em vida, é necessário consentimento da
família. Essa exigência foi estabelecida pela Lei n.º 10.211, de 23 de março de 2001, que modificou a redação do art. 4º da
Lei n.º 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que normatiza os transplantes no Brasil. A redação atual é a seguinte: "a retirada
de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá
da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau
inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte". Ou seja, acaba por
alijar a autonomia do paciente ao conferir o poder decisório sobre a questão aos familiares.

774
gicas mais inferiores, fato que seria suficiente para determinar o óbito2. No célebre
caso da paciente Terri Schiavo, descrito no Quadro 1 deste capítulo, ela estava viva
pelo conceito de morte encefálica atualmente vigente, mas seria considerada morta
caso a vida fosse definida como um estado de consciência plena do indivíduo3.

• Doença terminal e fim de vida: são termos cujas definições médicas e/ou legais
podem variar de acordo com a fonte e o contexto. A falta de uma definição precisa
reflete o que ocorre com a estimativa de prognóstico, uma vez que existem dife-
rentes formas de se estimar o tempo de vida restante de um paciente, que incluem
desde a avaliação subjetiva até instrumentos clínicos derivados de dados obtidos
com o seguimento de pacientes (mais detalhes sobre a determinação do prognós-
tico são descritos no Capítulo 4). Contudo, em linhas gerais, uma doença terminal
é aquela em que há um grau de certeza grande de que não é possível restaurar a
saúde e não há tratamentos modificadores de seu curso, que culmina inevitavel-
mente no óbito do paciente. Outras definições incluem, ainda, um tempo estima-
do de vida, que não é consensual na literatura, podendo variar de semanas a até
24 meses. Ademais, há definições que também incluem a presença de compro-
metimento de funcionalidade e de sintomatologia importantes. Assim, observa-
-se que o conceito ainda não é totalmente uniforme, mas é possível delimitar o pe-
ríodo que se denomina “fase final de vida” como o estágio da doença caracterizado
por piora progressiva da funcionalidade, aumento da carga sintomática, maior de-
manda de cuidados em decorrência da progressão da própria doença e tempo de
sobrevivência estimado reduzido, geralmente de alguns meses a menos4.

• Suporte artificial de vida (SAV): corresponde a intervenções tecnológicas rea-


lizadas por meio de atos médicos que não constituem primariamente um trata-
mento específico, mas substituem ou dão suporte à função de um órgão ou uma
função fisiológica que está comprometida no paciente, de forma a manter sua
vida. São exemplos: ventilação mecânica, drogas vasoativas, circulação extra-
corpórea, terapia de substituição renal, nutrição e hidratação por sonda enteral.
Com o avanço da tecnologia, o SAV evoluiu, permitindo que atualmente seja pos-
sível prolongar artificialmente a vida de muitos pacientes que, caso contrário,
inevitavelmente evoluiriam para óbito.

775
• Futilidade terapêutica e tratamentos potencialmente inapropriados: um trata-
mento pode ser considerado fútil quando não apresenta benefício objetivo e/ou
cientificamente comprovado ao paciente. Ou seja, não é capaz de atingir o objetivo
fisiológico almejado. Desde a década de 1980, o conceito de medicina baseada em
evidências apregoa que a prática médica deve ser amparada por evidências cientí-
ficas robustas. Tratamentos “cientificamente fúteis” devem ser, portanto, preteri-
dos. Em contrapartida, um tratamento pode ser considerado potencialmente ina-
propriado quando for passível de um questionamento ético, mesmo apresentando
chance de produzir algum efeito fisiológico desejado. Em outras palavras, o tra-
tamento potencialmente inapropriado pode não se justificar ética e moralmente
quanto ao real benefício ao atendido5,6. Um dos principais questionamentos éticos
que podem surgir nessas situações ocorre quando o tratamento não resulta em
uma sobrevivência digna ao paciente, de acordo com seus valores e preferências.
O avanço da medicina abriu campo para que, cada vez mais, surjam situações des-
se tipo, como, por exemplo, intubar um paciente terminal, com expectativa de
vida de poucas semanas, de forma a manter adequada sua oxigenação sanguínea.
Apesar do efeito fisiológico desejado, a medida pode ser considerada inapropria-
da a depender da reflexão que é feita sobre os valores do paciente: a quantidade
de vida obtida com a conduta proposta é justificável diante da qualidade de vida
resultante? Respondida essa questão, hoje é moralmente aceito que tratamentos
considerados fúteis ou potencialmente inapropriados sejam limitados ou descon-
tinuados, conforme discutido adiante. Em termos legais e de deontologia médica,
a prática também é aceita, conforme detalhado no Capítulo 39.

• Eutanásia: é o ato de provocar a morte de uma pessoa direta ou indiretamen-


te, visando ao seu bem (do grego “eu”, boa, e “thanatos”, morte). Ao praticar a eu-
tanásia, assim, o objetivo seria poupar o indivíduo de uma morte horrenda, sem
esperança, ou de um estado de perda da dignidade ou da consciência5. Trata-se
de uma prática proibida criminalmente no Brasil.

• Eutanásia ativa e eutanásia passiva: a eutanásia ativa se refere à ação que dire-
tamente causa a morte do paciente. Por exemplo, se um médico prescrever drogas
que compõem a chamada “injeção letal”, com o objetivo de interromper a vida de

776
um paciente em sofrimento, está praticando um ato de eutanásia ativa5. O termo
eutanásia passiva também existe, mas se aplica a situações em que se deixa de
instituir ou se interrompe uma intervenção que seria necessária para evitar o óbi-
to5. Contudo, associar o termo “eutanásia” – mesmo que passiva – aos casos em
que se limita ou se descontinua uma medida considerada fútil ou potencialmente
inapropriada, poderia potencialmente aumentar o estigma associado a esse tipo
de decisão clínica. Prefere-se, portanto, reservar o termo eutanásia passiva apenas
para os casos em que não se instituiu ou se deixou de instituir um tratamento ou
medida que seria necessária e benéfica ao paciente7, o que nunca deve ser feito.
Quando se está diante de um tratamento fútil ou potencialmente inapropriado,
por sua vez, opta-se por utilizar o termo ortotanásia, que será definido a seguir†.

• Eutanásia voluntária, não voluntária e involuntária: são classificações feitas


de acordo com o consentimento do paciente para a eutanásia. São, portanto, as-
pectos centrais no debate da moralidade do ato. Na eutanásia voluntária, um pa-
ciente com capacidade para consentir solicita ou concorda com o procedimento.
Ou, então, se não tem mais tal capacidade, submete-se à eutanásia de acordo
com um testamento vital em que deixou explícito, quando capaz, seu desejo pela
interrupção de sua vida em um momento posterior. A eutanásia não voluntária,
ainda mais controversa, por sua vez, ocorre quando pacientes sem capacidade
para consentir – o que inclui crianças – são submetidos à eutanásia segundo
decisão da pessoa designada para tomar decisões médicas, como, por exemplo,
um familiar. Já a eutanásia involuntária ocorre quando se causa a morte contra
a vontade ou sem pedir o consentimento do paciente capaz para consentir ou de
seu representante quando incapaz, um ato sempre considerado ilegal e imoral5.

• Suicídio assistido: diferencia-se da eutanásia pelo fato de ser o próprio paciente


quem realiza a ação de interromper sua vida. Por exemplo, ao invés de o médico apli-


No inglês, idioma da maior e mais importante parte da literatura médica, o termo ortotanásia não existe e
“eutanásia passiva” pode ser um termo encontrado como sinônimo de limitação ou descontinuação de tratamentos
fúteis ou potencialmente inapropriados. Em geral, no entanto, em inglês se utilizam os termos withhold ou withdraw
ao se referir às condutas de limitar ou descontinuar, respectivamente, um tratamento.

777
car uma injeção letal, prescreve a injeção e o próprio paciente a aplica. O profissio-
nal, assim, assiste o ato, mas não o pratica diretamente, como na eutanásia. Essa di-
ferença, segundo alguns bioeticistas, altera as responsabilidades morais do médico,
pois, no suicídio assistido, alguns pontos de vista as imputam somente ao paciente.
Outros, contudo, consideram ambas as situações moralmente equivalentes5. Em ge-
ral, é realizado pela prescrição de altas doses de medicamentos com potencial letal.

• Ortotanásia: etimologicamente conhecida como “morte no tempo certo” (do


grego “orthos”, regular/ordinário, e “thanatos”, morte), não segue a lógica de pro-
longamento artificial da vida, mas de permitir a evolução natural da doença. En-
volve não instituir ou descontinuar medidas obstinadas, terapeuticamente fúteis
e/ou potencialmente inapropriadas. Assim, admite duas modalidades: não fazer
(termo utilizado na literatura em inglês: withhold) ou ao deixar de fazer (termo
utilizado na literatura em inglês: withdraw) uma medida que prolongaria artifi-
cialmente e sem benefício a vida do paciente, de acordo com a vontade deste ou
de seu representante legal5. É aplicável a casos em que a doença de base é grave
e incurável e insiste em avançar8. Toma-se como exemplo a ventilação mecânica:
um paciente intubado pode ser extubado, ou seja, o SAV em questão é desconti-
nuado, por ser considerado fútil ou potencialmente inapropriado para o seu caso
(esse procedimento é discutido em maiores detalhes no Capítulo 17). De forma
análoga, um paciente com insuficiência renal que necessite de diálise pode não
ser dialisado quando se considera essa intervenção fútil ou potencialmente ina-
propriada. Os esforços dos cuidados ao paciente passam então a se concentrar
no alívio de seu sofrimento até que o óbito do paciente ocorra naturalmente,
sendo um desfecho inevitável de sua própria condição. Trata-se, portanto, de um
conceito relacionado aos cuidados paliativos – dispensados a alguém acometido
por uma doença que ameaça a vida, com o objetivo de controlar o sofrimento,
integrando também aspectos psicológicos e espirituais.

• Distanásia: trata-se da tentativa de combater a morte a qualquer custo, pro-


longando um sofrimento e agonia desnecessários, quando a morte é inevitável e
iminente. Para isso, lança-se mão de medicamentos e tratamentos fúteis e poten-
cialmente inapropriados que prolongam artificialmente o processo de morrer, em

778
um procedimento denominado também de obstinação terapêutica. Isso, muitas
vezes, só ocasiona maior sofrimento e danos físico e psicológico ao paciente. A
distanásia nega o princípio da não-maleficência e, por isso, pode-se dizer que é
uma distorção da conduta médica. As repercussões abrangem aspectos pessoais
(o indivíduo doente se torna passivo e não decide por si só, pois apenas vive em
função do processo tecnológico que controla seus sinais vitais) sociais (levando
à alocação de recursos escassos a uma situação irreversível, em vez de outras
passíveis de solução) e familiares (na dualidade psicológica entre manter o ente
querido vivo ou optar por sua morte piedosa). De acordo com o bioeticista Leocir
Pessini, “não se prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer”8.

Cenário atual da ortotanásia, da eutanásia e do suicídio assistido no mundo


Em muitos países, especialmente no Ocidente, o direito à recusa terapêutica e à or-
totanásia se consolidou a partir da década de 1970. Nos Estados Unidos, pacientes com
capacidade para consentir passaram a ter o direito de recusa terapêutica, em um mo-
vimento geral de mudança de paradigma da prática médica, que deixou de se basear
no paternalismo para dar maior ênfase à autonomia do paciente (detalhes sobre isso e
casos emblemáticos como o de Elizabeth Bouvia podem ser lidos no Capítulo 37)6,9.
Na década de 1990, contudo, casos emblemáticos envolvendo pacientes sem capaci-
dade para consentir, como Nancy Cruzan e Terri Schiavo3,10, permitiram que a descon-
tinuação de medidas de SAV fosse aplicável também a pacientes nessa condição, caso
esta seja a decisão manifesta em um testamento vital ou tomada pela pessoa legalmente
apta para decidir, com base nos desejos manifestos pelo paciente enquanto apresentava
capacidade para consentir (segundo o princípio do julgamento substituto, discutido em
detalhes no Capítulo 39). Seus casos estão descritos em detalhes no Quadro 1.
Enquanto a ortotanásia, em geral, ganhou maior aceitação moral e legal nas últimas
décadas, a eutanásia ativa e o suicídio assistido ainda encontram grandes resistências e
se cercam de controvérsias. A Holanda foi o primeiro país a permitir a eutanásia ativa
e o suicídio assistido, em 2002, e tem sido, desde então, um caso paradigmático sobre
o tema. Para o procedimento, devem ser seguidos critérios que incluem solicitação vo-
luntária e bem refletida do paciente, sofrimento insuportável sem qualquer perspectiva
de melhora e a falta de uma alternativa razoável11,12. Contudo, a redação vaga da lei, es-

779
pecialmente sobre o que seria “sofrimento insuportável”, vem gerando debates quanto a
sua interpretação e quanto a quais pacientes estão se submetendo à eutanásia naquele
país13. Embora a maioria dos pacientes que se submetem ao procedimento tenha uma
doença grave e uma expectativa de vida curta12, estes não são requisitos legais.
Estima-se que, em 2015, 4,5% de todas as mortes na Holanda tenham sido decorrentes
de eutanásia, enquanto 8,3% dos pacientes que faleceram naquele país, naquele ano, so-
licitaram assistência médica para morrer. A maior parte das eutanásias foi realizada em
casos de doenças graves, mas também vem crescendo em idosos e pessoas com expectati-
va de vida maior do que um mês. Cerca de 3% das eutanásias foram feitas em demência e
problemas psiquiátricos em 2015, ano em que 50% dos pedidos de assistência médica para
a morte foram aceitos12.
Um dos principais pontos da polêmica envolvendo a eutanásia na Holanda está na
possibilidade de pacientes sem capacidade para consentir se submeterem ao procedi-
mento, o que configuraria a eutanásia ativa não voluntária. Regulações daquele país de
fato permitem essa hipótese, incluindo pacientes que apresentam rebaixamento do ní-
vel de consciência logo antes do procedimento, desde que existam sinais de sofrimen-
to e que sejam seguidas recomendações específicas para esses casos. Ainda, pacientes
com quadros demenciais também podem ser submetidos à eutanásia, caso o médico
julgue que estejam em grande sofrimento, mas, para isso, deve existir um testamento
vital em que esse desejo do paciente tenha sido documentado, enquanto ele ainda tinha
capacidade para consentir. Por sua vez, menores de idade a partir de 12 anos também
podem solicitar a eutanásia na Holanda, desde que haja consentimento dos pais ou re-
presentantes legais, se menores de 16 anos. Naquele país, todos os casos de eutanásia
são submetidos a um comitê de revisão regional, composto, no mínimo, por um médico,
um profissional especialista em bioética e outro em direito. O comitê analisa se o médico
cumpriu os requisitos legais para a realização do procedimento11.
Já nos Estados Unidos, o célebre caso Vacco v. Quill levou a questão do suicídio assis-
tido à Suprema Corte, que decidiu que este não era um direito garantido pela Constitui-
ção daquele país. Contudo, deixou facultado aos estados regularem individualmente a
questão14. Desde o Oregon se tornar o primeiro estado a legalizá-lo, em 1994, o suicídio
assistido vem sendo mais aceito nos Estados Unidos15; hoje, dez estados e o Distrito de
Colúmbia permitem o procedimento.
Em relação à eutanásia, em pesquisa de opinião pública realizada nos Estados Unidos
em 2018, 72% dos participantes disseram que a eutanásia ativa deveria se tornar legal. O
número caiu para 37% entre os que frequentam a igreja toda a semana, contra 86% dos que

780
nunca a frequentam ou a frequentam raramente. Ainda, no geral, 54% dos entrevistados
consideraram a prática moralmente aceitável, independente se deveria ou não ser legali-
zada5,16. A deontologia médica daquele país, por sua vez, considera o suicídio assistido e a
eutanásia ativa como “incompatíveis com o dever do médico de preservar a vida e promo-
ver a cura”, conforme o código de ética da American Medical Association (AMA). A ortota-
násia, ao contrário, não apenas é uma conduta moralmente aceita pela AMA desde 1973,
como também é um direito de pacientes com capacidade para consentir, como exposto no
Capítulo 395. A base teórica para essa diferenciação será discutida adiante.
No Brasil, tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido por médico são proibidos. Con-
tudo, prevalece no Código de Ética Médica (CEM) brasileiro o mesmo entendimento da
AMA quanto à ortotanásia. Isso porque o CEM estabelece que, “em situações clínicas
irreversíveis e terminais, o médico evitará realizar procedimentos diagnósticos e tera-
pêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados
paliativos apropriados”17. A prática é normatizada pelas Resoluções CFM nº 1.805/2006 e
Cremesp n.º 355/2022, que permitem ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem artificialmente a vida do doente terminal, respeitada a sua
vontade18,19. Os aspectos legais e da deontologia médica brasileira sobre esse tópico serão
abordados em maiores detalhes no Capítulo 39.

QUADRO 1. OS CASOS NANCY CRUZAN E TERRI SCHIAVO

Nancy Cruzan tinha 25 anos de idade quando perdeu o controle do carro que dirigia no estado norte-
americano do Missouri. Foi arremessada para fora do veículo e sofreu parada cardiorrespiratória.
Socorristas, contudo, conseguiram reanimá-la e a levaram a um hospital para tratamento. Nancy
evoluiu para um estado vegetativo permanente, com possibilidades extremamente remotas de
cura. Assim, ela permaneceu com mínima atividade cerebral, sem apresentar consciência, ou seja,
sem comportamento motivado e sem perceber a si ou ao ambiente, por outros sete anos.
Em 1990, os pais de Nancy entraram na justiça contra o Departamento de Saúde do Missouri,
solicitando o direito de descontinuar o SAV, removendo a sonda nasoenteral que mantinha sua
nutrição e hidratação. As autoridades alegavam que o Estado tinha interesse em preservar a vida
de Nancy e travaram ferrenha batalha jurídica nos tribunais.
A Suprema Corte, contudo, opinou favoravelmente quanto à solicitação dos pais de Nancy.
Assim, essa foi a primeira decisão envolvendo descontinuação do SAV em paciente sem capacidade
para consentir (veja o caso Bouvia e o reconhecimento do direito de recusa terapêutica em paciente
com capacidade para consentir, na década de 1970, no Capítulo 37). Porém, também permitiu ao
estado do Missouri exigir que os pais de Nancy fornecessem provas concretas de que essa era a real
vontade dela durante sua vida, como forma de garantir que o princípio do julgamento substituto

781
fosse seguido. Cumprido o requisito, em 14 de dezembro de 1990, a remoção da sonda nasoenteral
de Nancy foi autorizada e ela faleceu 12 dias depois.
O fruto da decisão do caso Cruzan foi o reconhecimento de que os indivíduos não apenas têm
o direito de recusar tratamento médico quando capazes para consentir, mas também mantêm tal
direito quando perdem seu discernimento, caso se comprove que este era seu desejo enquanto
capazes e mesmo se o resultado dessa decisão for a sua morte.
No início dos anos 2000, o caso de Terri Schiavo gerou controvérsias adicionais. Terri, assim
como Nancy Cruzan, entrou em estado vegetativo permanente aos 26 anos, em 1990. Contudo,
neste caso, as decisões de seu marido e de seus pais divergiam quanto à manutenção do SAV.
Ambas as partes travaram uma ferrenha batalha jurídica para decidir o destino da paciente. Em
março de 2005, após a remoção de sua sonda nasoenteral, Terri Schiavo também faleceu.
Embora tenham estabelecido precedentes, questionamentos sobre casos análogos ainda
permanecem. A despeito da consolidação do entendimento de que descontinuar tratamentos
que mantêm artificialmente a vida, quando fúteis ou potencialmente inapropriados, constitui
ortotanásia e não eutanásia, a ausência de capacidade para consentir representa uma controvérsia
adicional. Muitos casos semelhantes ocorrem diariamente em hospitais por todo o mundo, sem a
mesma cobertura da mídia, o que evidencia a necessidade de reflexão.

ADAPTADO DE: ZUCCO T ET AL., TAMPA BAY TIMES 20193 E U.S. SUPREME COURT, SUPREME COURT REPORTER 199010.

Eutanásia ativa e suicídio assistido versus ortotanásia: situações moralmente equiva-


lentes ou diferentes?
É crucial diferenciar a eutanásia ativa e o suicídio assistido de casos de ortotanásia.
A eutanásia ativa é vista por muitos como moralmente errada, pois o ato de matar seria
imoral por si só, independente de sua intenção. Descontinuar ou limitar medidas de SAV,
quando consideradas terapeuticamente fúteis ou potencialmente inapropriadas, por sua
vez, seriam apenas “deixar morrer” ou “deixar a natureza seguir seu curso”. Nesse caso,
a doença seria a causa da morte do paciente, e não o médico5,20. A seguir, serão apresen-
tados argumentos frequentemente usados nesse debate, que baseia os aspectos legais e
de deontologia médica, abordados no Capítulo 39.

Argumento 1: equivalência moral definida pela intenção do ato


Um dos argumentos principais dos defensores da eutanásia ativa e do suicídio assistido
é o de sua equivalência moral com a ortotanásia, uma conduta que já é aceita. Segundo
esse argumento, os atos de “matar” seriam entendidos na medicina apenas como aqueles
que causam a morte de forma não justificável – por exemplo, por negligência –, o que os
tornaria algo incompatível com a prática médica. Como resultado desse entendimento,

782
cria-se uma separação arbitrária entre “matar” e “deixar morrer”, que seriam atos equiva-
lentes20,21. Termos como “deixar a natureza seguir seu rumo” e “não prolongar o processo
de morte” seriam apenas eufemismos para desviar a responsabilidade de um ato cometido
pelo médico – pois têm conotação negativa – e colocá-la no processo letal da doença e no
paciente, poupando o profissional do desconforto psicológico21.
Os defensores dessa linha de raciocínio concluem que a alegada distinção moral ar-
tificialmente criada entre a eutanásia ativa e a ortotanásia permitiu que esta última se
tornasse moralmente aceita. Eles concluem que o correto seria considerar todas essas
condutas como atos de “matar”, e que provocar a morte nem sempre seria injustificável
na prática médica. Alegam que a justificativa moral que tornaria todos esses atos válidos
seria a intenção de poupar o paciente do sofrimento, o que não permitiria distinguir as
duas situações, pois ambas teriam esse mesmo fim20-22.
Na mesma linha, esse argumento busca explicar as causas da resistência em se deixar
de sempre atribuir um aspecto negativo ao ato de matar. Uma causa importante seria o
desconforto psicológico arraigado na sociedade em se pensar que provocar a morte de
alguém possa ser um ato justificável21. A mídia, por exemplo, veicula notícias sobre as-
sassinatos, mas raramente aborda casos em que médicos deixaram pacientes terminais
morrer, por exemplo. Assim, o ato de matar incorporaria uma conotação negativa auto-
maticamente, sem se avaliar seu contexto20.
O julgamento moral, segundo essa linha de pensamento, deveria avaliar somente a in-
tenção do ato em si, independente de sua modalidade. Como analogia, toma-se o exemplo
hipotético de um indivíduo ambicioso que quer matar um parente abastado para receber
sua herança. Assim, vai até sua casa, tranca-o e nela ateia fogo, buscando eliminar o pa-
rente rico de forma a parecer um acidente. Em contrapartida, imagine-se que o mesmo
indivíduo se dirija à casa de sua vítima, mas a encontra já em chamas, pois ela esqueceu o
forno ligado – e não a salva. Neste caso, o indivíduo apenas observa seu parente agonizar e
morrer, para depois requisitar sua herança. Segundo esse ponto de vista, qualquer diferen-
ça entre “matar” e “deixar morrer” não se traduziria em uma diferença moral, pois, em am-
bos os casos, a única intenção do indivíduo ambicioso era matar para obter a herança20,21.
Da mesma forma, diferentes intenções também implicariam diferentes julgamentos
morais, mesmo quando os métodos utilizados para provocar o desfecho de morte sejam
os mesmos20. Para ilustrar, Brock cita o exemplo de um filho de um paciente com escle-
rose lateral amiotrófica (ELA), dependente de ventilação mecânica, que decide desligar
o ventilador do pai, buscando acelerar sua morte para obter sua herança. Seu ato seria
moralmente condenável, graças a suas motivações e ausência de consentimento, mes-

783
mo que apenas tenha “deixado o pai morrer”. Ao contrário, um médico que também
deixe o paciente morrer, a seu pedido, para aliviar seu sofrimento, não teria cometido
nenhum ato moralmente condenável21.
Este é um dos argumentos mais importantes a favor da eutanásia ativa e do suicídio
assistido por médico nos locais em que são admitidos, pois pressupõe que o mesmo cri-
tério para julgamento moral valeria para todas as modalidades que culminam na morte
desses pacientes5. Assim, o argumento defende que não seria o método em si a causa da
diferença moral, pois ambos podem ser feitos com ou sem consentimento, por motivo
bom ou ruim20,21. Quando a intenção é a mesma – aliviar o sofrimento –, não haveria
sentido, portanto, permitir a ortotanásia e condenar a eutanásia ativa e o suicídio assis-
tido, segundo essa visão, que considera que a única diferença está no método escolhido
– omissão e ação – para obter o mesmo fim moralmente válido: abreviar a vida de um
paciente em sofrimento. E, em ambas, o que tiraria a responsabilidade do médico pelo
desfecho letal não é a doença do paciente, mas seu consentimento quanto à eutanásia20.

Argumento 2: causalidade e culpabilidade diferem nas duas situações


O argumento oposto defende que a eutanásia ativa e o suicídio assistido de fato são
moralmente diferentes da ortotanásia, uma vez que diferem quanto à causalidade da
morte. Callahan busca aprofundar esse argumento ao diferenciar os conceitos de causa-
lidade e de culpabilidade, como exposto a seguir13.
Segundo ele, causalidade seria a causa física direta da morte, enquanto o termo cul-
pabilidade se limitaria à atribuição de responsabilidade moral às ações humanas. Seu
argumento sustenta que pressupor que a eutanásia ativa e o suicídio assistido seriam
moralmente iguais à ortotanásia resulta em uma confusão entre os dois conceitos13. As-
sim, voltando ao exemplo do paciente com ELA, ao se dizer que desconectar o ventilador
causa a sua morte, Callahan aponta que incorrer-se-ia em um grave erro conceitual, uma
vez que, se fosse desligado o ventilador de alguém que não depende dele para sobreviver,
o óbito não ocorreria. Ou seja, o paciente não morreria se não houvesse uma doença de
base que, sem o SAV, matasse o paciente. O mesmo não seria válido, porém, para o ato de
ministrar uma injeção letal em alguém, uma vez que tanto o paciente com ELA quanto
uma pessoa saudável morreriam. Nesse caso, portanto, a própria injeção seria a causa
da morte, pois, não fosse ela, a vítima ainda estaria viva13.
Uma possível crítica a essa conclusão está na possibilidade de, caso consideremos
a doença como a causa da morte e não o ato em si, a responsabilidade poderia recair
apenas sobre a doença do paciente, eximindo o perpetrador de qualquer responsabili-

784
dade. Nesse cenário, poder-se-ia concluir que até mesmo o filho ganancioso que remove
o tubo de um pai com ELA não teria cometido o ato de matar, uma vez que a causa da
morte teria sido a doença e não seu ato21. Porém, o problema dessa conclusão está em
considerar causalidade e culpabilidade como conceitos dependentes um do outro, quan-
do, na verdade, deveriam ser diferenciados conceitualmente.
Callahan aponta que a diferença entre os dois termos estaria no fato de a culpabilida-
de ser um construto criado pela sociedade, enquanto a causalidade seria um fenômeno
natural, que às vezes tentaríamos encobrir por meio de interpretações13. Assim, a socie-
dade decidiu, após refletir, fazer um julgamento moral e dizer se algo é certo ou errado
e, a partir disso, imputar responsabilidades. No caso de limitar ou descontinuar o SAV de
um paciente com ELA, como exposto anteriormente, o julgamento moral que determi-
nará a culpabilidade se baseará na intenção do ato e no desejo do paciente quanto a ele,
conforme defendido pelo Argumento 1. Com isso, o filho ganancioso seria considerado
culpado por conta da intenção moralmente errada de seu ato, cometido sem o consenti-
mento do paciente. Em contrapartida, conforme tal ponto de vista, o médico que honra
o desejo de seu paciente e executa o mesmo ato não teria qualquer culpabilidade, pois
agiu visando promover a ortotanásia do doente, ou seja, buscou evitar que seu sofrimen-
to fosse prolongado, com seu consentimento21.
Realizar esse julgamento moral é um processo dinâmico e os juízos quanto à culpabili-
dade são revistos constantemente. Por isso, quando, por exemplo, um médico apenas ob-
serva, inerte, um paciente morrer em decorrência de um quadro de anafilaxia, sem pres-
crever uma dose de adrenalina intramuscular, comete uma falha ética grave por omissão.
Contudo, a mesma situação não seria eticamente errada no século XIX, quando a adrenali-
na não era uma opção disponível e nada mais o médico podia fazer por seu paciente. O ad-
vento da adrenalina teria levado a sociedade a rever as responsabilidades nesses cenários.
Porém, o que não teria mudado, tanto no paciente do século XIX, quanto no paciente atual,
é que, em ambos, a causa de sua morte foi a reação anafilática, e não a omissão médica.
Confundir culpabilidade com causalidade (o ato de matar) seria, segundo Callahan, confun-
dir fenômenos naturais com uma ação humana para a qual um juízo moral foi cunhado13.
Diante do exposto, a solução para a confusão conceitual apontada por esse argumento
seria denominar de “omissão culpável” aquela praticada pelo médico que é ilegítima, ou
seja, a que permite que a causa real da morte tenha um desfecho letal quando poderia – e
deveria – ser evitado por sua ação. Com isso, não se diria que o profissional “matou” seu
paciente, permitindo distinguir essa omissão de um ato que de fato causa a morte, como
aplicar uma injeção letal. Já a omissão “lícita” seria um ato como o de limitar um trata-

785
mento fútil de um paciente terminal com seu consentimento (ou, na impossibilidade, de
seu responsável legal), o que não receberia (como já não recebe) a alcunha de “matar”,
pois se concorda que esse tipo de omissão é permitido e justificável pela sua intenção21.
Por ser mais fácil enxergar a doença como a causa da morte, nesse caso, seria justificável
dizer “deixou morrer”. O médico se omitiria, mas apenas para permitir que uma morte
inevitável ocorra mais cedo e não depois.
Feita a distinção entre causalidade e culpabilidade, todavia, o mesmo raciocínio não
se aplicaria à eutanásia ativa e ao suicídio assistido. Conforme exposto, nesses casos, a
causalidade – e não apenas a culpabilidade – também seria atribuída ao ato do médico13.
Quanto à segunda, o Argumento 1 já sustentou que a prática poderia ser moralmente
válida, caso a intenção do médico fosse aliviar o sofrimento e houvesse consentimento,
eximindo-o de culpabilidade, segundo seus defensores. Porém, quando o médico pas-
sa a ter também um papel causal na morte, esbarra-se em um obstáculo deontológico:
matar per se pode ser considerado incompatível com a medicina e seus valores, indepen-
dente da intenção e do consentimento envolvidos no caso. Assim, por não ser a causa da
morte, limitar e descontinuar tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados não
seriam considerados atos de matar e, dessa forma, não esbarrariam nesse impeditivo
deontológico, tornando-se atos moralmente aceitos. Em contrapartida, praticar a euta-
násia ou o suicídio assistido seria o equivalente a matar, por serem tais atos a causa da
morte, o que os tornaria deontologicamente antiéticos.
Entidades médicas no Brasil, como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (Cremesp) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) compartilham a opinião da
AMA sobre essa dicotomia moral entre eutanásia ativa e suicídio assistido versus ortota-
násia. O mesmo entendimento tem o CEM, como será discutido no Capítulo 39. Decisões
legais também vão nesse sentido, como o emblemático caso Vacco v. Quill, dos Estados
Unidos, descrito no Quadro 214.

Argumento 3: diferenças entre “matar” e “deixar morrer” permitem decisões com base em pre-
missas equivocadas, criando injustiças e prolongando o sofrimento
Há argumentos que defendem a legalização da eutanásia ativa e do suicídio assistido,
partindo da premissa de que, de fato, esses métodos apresentam diferenças em relação à
ortotanásia. Segundo essa ótica, seriam justamente tais diferenças as justificativas para
a legalização, pois a decisão de considerar moralmente válida apenas a ortotanásia se
basearia em critérios equivocados, provocando escolhas inconsistentes e injustas20.
Voltemos novamente ao exemplo da ELA, agora existindo dois pacientes com essa do-

786
ença, sendo que um deles já apresenta mobilidade extremamente reduzida e depende de
cuidados de terceiros, mas ainda é capaz de respirar sem o auxílio de um ventilador mecâ-
nico. O outro paciente, por sua vez, apresenta grave comprometimento respiratório, neces-
sitando de suporte para manter essa função vital. Ambos consideram seu estado como de-
gradante e optam por não prolongar sua vida. Contudo, enquanto o primeiro pode solicitar
que o SAV seja descontinuado e sua vida seja abreviada, o outro não tem alternativa senão
aguardar a deterioração de seu quadro enquanto se submete a mais sofrimento23. O ques-
tionamento que alguns fazem diante desses dois casos é: a descontinuação e a limitação do
SAV seriam decididas com base em premissas erradas20, pois o que permitiria tal decisão
seria a incapacidade de respirar espontaneamente e não apenas o sofrimento e a perda da
dignidade associados à doença de base, relatados pelos pacientes ilustrados. Como resulta-
do, seriam criadas injustiças, como privar outro paciente com a mesma doença, mas sem
dependência de SAV, de tomar a mesma decisão. Segundo essa ótica, permitir a eutanásia
ativa e o suicídio assistido faria com que todos os pacientes que apresentam sofrimento
intenso pudessem ter acesso a uma opção para encerrá-lo, o que seria mais justo20,21.
Por fim, também são apontadas diferenças da eutanásia ativa e do suicídio assistido en-
volvendo o processo de morte em si. Defensores desses métodos alegam que provocariam
uma morte mais humana, pois aliviariam o sofrimento de forma mais rápida. Limitar ou
descontinuar tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, por sua vez, pode le-
var, em alguns casos, a um processo de morte que dura dias, período no qual o paciente
ainda estaria sofrendo20,22. Em contrapartida, fornecer ao paciente uma injeção letal termi-
naria com seu sofrimento em minutos, defendem. Nessa linha, segundo eles, seria mais
lógico que, uma vez tomada a decisão de que a vida é incompatível com o sofrimento apre-
sentado, deveria ser escolhido o método mais rápido para se chegar ao óbito ou, então, o
próprio princípio que motivou a decisão, qual seja, aliviar o sofrimento, seria violado20,21.

Argumento 4: consequências diferentes exigem tratamentos diferenciados a cada modalidade


Uma das principais linhas de argumento contra a legalização da eutanásia ativa e do
suicídio assistido envolve atribuir consequências sociais negativas a esses atos. Esse ar-
gumento será tratado em maiores detalhes adiante, neste capítulo. Porém, aqui, serão
abordadas as diferenças entre as possíveis consequências atribuídas a esses métodos
contra aquelas previstas na ortotanásia. Tais diferenças são usadas para justificar o mo-
tivo pelo qual alguns podem até considerá-los práticas moralmente válidas, mas, ainda
assim, continuam defendendo que devem permanecer legalmente proibidas23.
A primeira diferença emerge justamente do argumento anterior, ou seja, o fato de a

787
ortotanásia poder ser aplicada somente a pacientes que dependem de SAV. Seriam, por-
tanto, indivíduos com quadro clínico muito mais comprometido e representariam um
número muito menor de pessoas. A eutanásia ativa e o suicídio assistido, por sua vez,
caso legalizados, poderiam ser aplicados a virtualmente qualquer pessoa viva, aumen-
tando muito o número de possíveis candidatos, incluindo pessoas com boa funcionalida-
de. Seria, portanto, muito mais difícil criar regulações e impor limites a esses métodos,
aumentando o risco de decisões erradas envolvendo um ato irreversível23.
Outra diferença estaria nas potenciais consequências negativas a quem tiver sua soli-
citação negada, em cada uma das modalidades. Negar pedidos de pacientes para limitar
ou descontinuar tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados significaria uma
violação da integridade do corpo do paciente ao, por exemplo, submetê-lo forçadamente
a uma intubação. Tais medidas invasivas e indesejadas prolongariam a vida para além do
que seria seu fim natural. Por sua vez, proibir a eutanásia ativa e o suicídio assistido não
faria com que a vida se prolongasse além de seu fim esperado, mas apenas que este fim
não seria antecipado. As possíveis consequências negativas, como deixar de diminuir a
dor e permitir uma morte mais prolongada, teriam como alternativas a sedação terminal
e outras modalidades de cuidados paliativos23.
Assim, segundo esse argumento, pode-se até mesmo reconhecer que não existam di-
ferenças morais entre as modalidades, mas, devido às consequências muito mais dano-
sas em se negar a limitação e a descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente
inapropriados, estas devem ser permitidas. Da mesma forma, pelas consequências mui-
to mais preocupantes em se legalizar a eutanásia ativa e o suicídio assistido, associadas à
existência de alternativas possíveis a eles, seria justificável sua proibição23.
Visões contrárias quanto às consequências de cada método, contudo, existem e, da
mesma forma, podem ser utilizadas para questionar a proibição à eutanásia ativa e ao
suicídio assistido por médicos. Uma delas expõe que existe maior permissividade moral
e legal conferida à ortotanásia, mesmo diante de potenciais consequências negativas
que poderiam ocorrer. Mesmo assim, não se considera estabelecer proibições a essas
condutas, o que, segundo seus defensores, também deveria ocorrer com a eutanásia ati-
va e com o suicídio assistido por médico22.
Para embasar esse argumento, seus defensores alegam que a possível progressão para
o mau uso da ortotanásia – também conhecida como “escorregadas” no chamado “de-
clive escorregadio” (slippery slope) – já estaria ocorrendo. Isso inclui sua realização em
pacientes sem capacidade para consentir, possível risco tão temido e frequentemente
apontado como argumento contrário à eutanásia ativa e ao suicídio assistido, conforme

788
será detalhado a seguir. O caso Cruzan, exposto no Quadro 1, por exemplo, permitiu que
familiares decidissem pela remoção da sonda nasoenteral desta paciente em estado ve-
getativo permanente, abrindo precedentes para esse tipo de decisão10.
Assim, esses críticos questionam: teriam os Estados Unidos já “escorregado” nesse
“declive escorregadio” ao permitir a descontinuação de tratamentos fúteis ou potencial-
mente inapropriados em pacientes sem capacidade para consentir? Se sim, por que ha-
veria apenas receio de isso ocorrer com a eutanásia ativa e com o suicídio assistido por
médico? O argumento sustenta, portanto, que a grande polêmica não está no método em
si (a tão repetida dicotomia entre “matar” e “deixar morrer”), mas em seu consentimen-
to, que deveria ser garantido nesses casos por métodos como um testamento vital. Seus
defensores alegam que seria esta a real proteção contra a mais perigosa “escorregada”
que pode ocorrer com a legalização da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico,
receio que estaria impedindo sua legalização. Alegam, ainda, que isso seria corroborado
pelo caso da Holanda, que teria uma abordagem mais coerente nesse aspecto: não trata
de forma diferenciada o método utilizado, mas restringe muito mais o poder de fami-
liares e representantes legais de tomarem decisões pelo paciente sem capacidade para
consentir, o oposto do que ocorre nos Estados Unidos21.

Argumentos favoráveis à eutanásia ativa e ao suicídio assistido por médico


Direito à autonomia
O direito à autonomia é um argumento muito empregado para defender a eutanásia
ativa voluntária e o suicídio assistido por médico. Seus defensores reforçam que o indiví-
duo teria o direito de morrer da maneira que considera melhor para si e que deveria ter
controle desse processo5,21,23. Segundo esse raciocínio, a morte seria apenas mais uma
parte da vida e, assim como em outros marcos da existência de alguém – casamento,
escolha de profissão etc. – pelos quais o indivíduo assume a responsabilidade para si, a
autonomia deveria ter como limite apenas o respeito à liberdade de terceiros5.
Segundo o filósofo norte-americano Ronald Dworkin, seria tirânico forçar alguém a
suportar um sofrimento terrível no fim de sua vida somente por conta dos valores de ter-
ceiros24. Os defensores dessa visão alegam que, no fim da vida, emergem preocupações
como o medo de sofrer e de perder a dignidade e o controle, entre outras. Assim, defen-
dem que poder tomar decisões importantes de acordo com seus próprios valores e con-
ceitos do que é uma vida boa seria algo central para a dignidade do indivíduo21,23, uma
ideia que remonta aos pioneiros do pensamento liberal, como o inglês John Stuart Mill,

789
para quem “o indivíduo é o melhor juiz de seus interesses”25. E, segundo esse raciocínio,
justamente por sua natureza extremamente particular, não haveria resposta objetiva e
única sobre quando viver se torna um fardo21.
Seguindo o princípio bioético da autonomia, exceção para esse alegado direito seria a
situação de ausência de racionalidade na decisão, ou seja, de capacidade para consentir,
ou discernimento. Por exemplo, é possível questionar o discernimento de um paciente
deprimido para tomar decisões importantes e irreversíveis21,23.
Apoiadores da eutanásia ativa e do suicídio assistido apontam, ainda, que sua legali-
zação não significaria que todos se submeteriam a esses métodos, mas apenas reassegu-
raria as pessoas de que, caso venham a precisar tomar essa decisão, terão esse direito.
Uma analogia possível seria o caso de seguros: apesar de uma minoria se beneficiar com
a cobertura em caso de sinistro, também a maioria, mesmo sem apresentar um sinistro,
beneficia-se pela paz de espírito decorrente da proteção21.
Críticos a este argumento, por sua vez, questionam o direito de poder escolher a forma
da morte de acordo com valores que seriam privativos e idiossincráticos, sem considerar o
risco de consequências negativas decorrentes dessa escolha a terceiros. Segundo essa ótica,
seria esse impacto negativo a outras pessoas a justificativa para limitar a autonomia do pa-
ciente nessas situações13. Tais possíveis consequências apontadas serão descritas adiante.

Compaixão
Se, por um lado, o avanço tecnológico da medicina permitiu a cura para quadros antes
tidos como incuráveis, também propiciou a capacidade de prolongar a vida, resultando em
casos cada vez mais frequentes de mortes precedidas por longos períodos de sofrimento
psicológico e dor física (veja distanásia ou futilidade terapêutica no item “Conceitos e defi-
nições”. Nessas situações, há quem se adapte e encontre valor na vida, e há até quem veja
o ato de sofrer como uma “prova de fé”. Há, porém, quem, ao contrário, considere a dor
como um fardo e, por isso, não vê sentido para que a vida se prolongue. Para essas pessoas,
manter valores como dignidade e controle é mais importante do que o tempo de vida adi-
cional que lhes é oferecido. Outras, ainda, querem que aqueles a seu redor se lembrem de
como eram antes de adoecer e não de sua última imagem, antes da morte, sem dignidade21.
Neste contexto, os defensores da eutanásia ativa e do suicídio assistido defendem o
argumento de que ambas são atitudes pautadas pela compaixão, pois buscam diminuir o
sofrimento de um paciente agonizante. Assim, alegam que a interrupção do sofrimento
atenderia ao princípio da beneficência, inerente à profissão médica. Recusar-se a fazê-
-lo, segundo eles, poderia ser visto como algo cruel e desumano, sendo, portanto, erra-

790
do5. Como analogia, Vaughn cunhou o exemplo de uma vítima hipotética de acidente de
automóvel presa às ferragens em chamas e sem possibilidade de ser removida nas próxi-
mas horas. Seu destino inexorável será o de uma morte lenta, queimada viva. Matar essa
pessoa, segundo esse ponto de vista, seria apenas uma forma de abreviar uma morte já
certa, mas poupando-lhe do grande sofrimento que ocorreria se nada fosse feito. Neste
caso, seria possível questionar se interromper a vida do acidentado seria um ato de com-
paixão – portanto, moral – ou se o correto seria deixar que morresse queimado vivo5.
Como já exposto, defensores deste argumento justificam a moralidade desses atos pela
sua intenção: aliviar um sofrimento insuportável. Nessa análise, deixa-se de presumir que o
tempo de vida mais prolongado seja algo unanimemente bom para as pessoas, ou seja, que
teria um valor positivo por si só20. Ao contrário, passa-se a reconhecer que o paciente que
optou pela eutanásia decidiu que a vida que lhe resta é de qualidade pior do que nenhuma
vida21. Assim, os defensores desse argumento concluem que causar a morte de alguém nes-
sas condições deixaria de ser um dano, deixando também de ser, portanto, imoral5.
Embora as visões sobre o fim da vida variem segundo aspectos individuais, geralmen-
te se considera mais humana a morte que ocorre rápida e pacificamente21, o que, segun-
do alguns, como já exposto, seria uma vantagem da eutanásia ativa e do suicídio assisti-
do por médico em relação à ortotanásia20,22. Para reforçar esse argumento, Brock ainda
ressalta que, no imaginário coletivo, aqueles que morrem durante o sono tendem a ser
vistos como privilegiados21. Segundo essa ótica, a eutanásia ativa e o suicídio assistido
por médico dariam ao paciente a oportunidade de ter esse tipo de morte, ao invés de
submeter-se a um processo mais agônico e lento. Contudo, críticos apontam que, apesar
da visão de que essa seria uma forma rápida de acabar com os sofrimentos, raramente
provocar a morte de alguém resulta em algum benefício e, na maior parte das vezes,
apenas adiciona um mal a outro13.

Diminuir a ilegalidade
Outro possível argumento a favor da legalização da eutanásia ativa e do suicídio as-
sistido defende que essas práticas já ocorrem, ainda que na ilegalidade21. Legalizá-las
seria uma forma, inclusive, de permitir um maior controle contra abusos, segundo esse
raciocínio. Contudo, é difícil não reconhecer que a existência de sanções éticas e legais
de fato coíbe tais abusos, os quais poderiam aumentar se a legislação fosse abrandada23.
Ou, então, não seria garantido que a legalização seria acompanhada de uma supervisão
rigorosa13. Restrições continuariam a existir mesmo se ocorresse a legalização e, portan-
to, casos ilegais continuariam ocorrendo13,23.

791
Argumentos contrários à eutanásia ativa e ao suicídio assistido por médicos
Desvirtuar a medicina
Assumindo-se que a eutanásia ativa é um ato de “matar” um inocente, isso automati-
camente passa a ser algo incompatível com a prática do médico e com seu compromisso
moral e profissional de proteger a vida5,13. Críticos mais aguerridos ainda sugerem que, caso
banalizados, a eutanásia ativa e o suicídio assistido fariam com que a profissão médica fi-
casse em descrédito, uma vez que pacientes perderiam a confiança em seus médicos como
guardiães de suas vidas21. Gaylin vai ainda além: sustenta que a alma da medicina estaria
em xeque e o cerne moral da profissão entraria em colapso, pois os médicos virariam assas-
sinos, o que levantaria questionamentos sobre a própria definição da medicina26.
Como já exposto, tanto a AMA quanto o CFM compartilham a visão de que a eutanásia
ativa e o suicídio assistido por médico são incompatíveis com a medicina. Na Opinião 5.8 do
CEM, a AMA considera a eutanásia como “fundamentalmente incompatível com o papel do
médico como provedor de cuidado e difícil de controlar”, além de “representar graves
riscos à sociedade”27. Já o CFM proíbe a prática no artigo 41 do CEM, que assim dispõe:
“[é vedado ao médico] abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu
representante legal”17.
Contudo, críticos a esse argumento rebatem que, caso se assuma que o ato de matar é
algo incompatível com a prática médica, a limitação e a descontinuação de tratamentos tera-
peuticamente fúteis ou potencialmente inapropriados também deveriam ser proibidas, por
também causarem a morte do paciente21. Criticam, assim, a distinção moral entre as duas
práticas, a qual consideram arbitrária, como exposto anteriormente20. Essa linha defende,
ainda, que nenhuma das situações violaria a medicina, pois a profissão deveria ter como
compromisso o respeito à autonomia e ao bem-estar do paciente, o que seria garantido ao se
interromper a vida de alguém em sofrimento, a seu pedido, independente do método. Ade-
mais, alega que, caso a eutanásia fosse permitida apenas em casos voluntários, preocupações
quanto a uma possível desconfiança contra médicos não se justificariam, pois o profissional
estaria apenas cumprindo um desejo do paciente. O argumento seria de que a confiança
poderia aumentar, uma vez que os assistidos saberiam que podem contar com seus médicos
para respeitar seus desejos no fim da vida e para estar ao lado deles na hora de sua morte21.
Callahan rebate esses argumentos, reiterando que a eutanásia ativa e o suicídio assis-
tido por médico fogem do escopo da medicina, uma vez que, ao assumir essa premis-
sa, a profissão seria colocada à disposição dos indivíduos para ajudá-los a atingir o seu
conceito particular de vida boa. Segundo ele, a medicina se tornaria, assim, um mero
negócio que permitiria a busca individualista da felicidade e do bem-estar da pessoa.

792
Callahan continua, dizendo que ocorreria uma redefinição da prática médica, que pas-
saria a ter como objetivo aliviar o sofrimento que emana da vida em si e não apenas de
um corpo doente. Assim, alerta que essa seria uma tentação da medicina moderna: ir
além da preservação e promoção da saúde para o domínio da felicidade humana e do
bem-estar. Ainda segundo o autor, os limites da medicina seriam alterados, indo além de
questões sobre a saúde, para incluir também conceitos subjetivos de vida13.
Outra incompatibilidade da eutanásia ativa e do suicídio assistido com a prática médica
estaria no fato de ambos os métodos transferirem a responsabilidade pela morte ao médi-
co, que passa a desempenhar não apenas a função da pessoa que executa o ato, mas tam-
bém de agente moral. Segundo essa ótica, ao adentrar esse domínio, a medicina também
iria além do seu papel adequado, uma vez que os médicos passariam a “dar a sua benção” à
morte dos que consideram não possuir mais sentido em viver. Críticos como Callahan ques-
tionam a possibilidade de conceder aos médicos o direito de fazer julgamentos sobre que
tipo de vida vale a pena ser vivida. Eles alegam que essa decisão seria moral e não técnica,
pois envolveria aspectos subjetivos e filosóficos, que vão muito além da prática clínica13.
Essa linha de argumentação conclui que esse poder não deve ser dado aos médicos, pois
não seria de sua competência ou atribuição julgar os valores de vida subjetivos de seus
pacientes, não devendo, portanto, ter o direito de responder a eles13. Como alternativa,
os críticos à eutanásia ativa e ao suicídio assistido por médico sustentam que o escopo
da medicina deve ser aliviar o sofrimento, a dor e a ansiedade, além de confortar, saber
responder a angústias e ouvir de forma sensível13,23. É a visão do CEM brasileiro, que, no
mesmo artigo 41 em que proíbe o médico de abreviar a vida de seu paciente, também dis-
põe, no parágrafo único, que, “nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico
oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa
do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”17.
Essa visão se opõe, portanto, à ideia de que, por exemplo, com uma simples injeção
letal, o médico poderia proporcionar uma morte rápida, capaz de “resolver” todos os
problemas do paciente. Segundo essa ótica, não caberia à medicina livrar alguém do
sofrimento subjetivo que decorre de um problema clínico. Enfim, os defensores desse
argumento concluem que não é papel da medicina determinar quando não vale mais a
pena viver ou quando viver é um fardo insuportável13.

Argumentos deontológicos: imoralidade do ato em si


Os argumentos deontológicos se baseiam em regras. Assim, consideram que o ato de

793
“matar” um indivíduo é algo errado por si só, o que faria da eutanásia ativa e do suicídio
assistido atos condenáveis. Ainda, essa regra seria absoluta, sem permitir nenhuma jus-
tificativa ou flexibilização, incluindo a autonomia e o bem-estar do paciente. Não impor-
tariam as condições ou o contexto do ato23.
Esse argumento é alvo de críticas que, novamente, questionam a diferença moral atri-
buída a “matar” e “deixar morrer”, uma vez que essa dicotomia permite um julgamento
diferenciado ao condenar a eutanásia ativa e o suicídio assistido por médico, enquanto
permite a limitação e descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapro-
priados20. Ademais, há críticos ao argumento deontológico que apontam que, mesmo que
a eutanásia ativa e o suicídio assistido por médico sejam considerados atos de matar, isso
por si só não faria deles algo proibido. Isso porque, segundo essa ótica, o ato de “matar” é
condenável porque tira da vítima quaisquer perspectivas de futuro, quais sejam, seus pla-
nos, sonhos e objetivos. Assim, o direito de ter preservada essa perspectiva de futuro nos
daria o direito moral de não sermos mortos. Contudo, quando essa perspectiva já não mais
existe, ou seja, viver não permite buscar os anseios que dão sentido futuro à vida, o indiví-
duo deveria poder renunciar ao direito de não ser morto, se assim for seu desejo, segundo
os defensores dessa ideia. Em suma, essa visão defende que, tendo o paciente optado pela
eutanásia ativa ou pelo suicídio assistido por médico, ele renunciaria a esse direito, o que
derrubaria a justificativa que sustenta a proibição deontológica do ato de “matar”21.
É fato que existem muitas outras justificativas que sustentam a proibição absoluta do ato
de matar. Por exemplo, algumas delas emanam de visões religiosas, como a crença de que
somente Deus teria o poder de interromper uma vida. Contudo, críticos pontuam que esses
valores não são universais e alertam que, se os argumentos deontológicos se basearem em
conceitos como esse, não haveria campo para nenhum tipo de raciocínio crítico, por se tra-
tar de um dogma. Argumentam ainda que, em sociedades plurais e livres, dogmas e crenças
religiosas não devem ser impostas a terceiros sob a forma de políticas públicas21.

“Declive escorregadio” ou slippery slope


Um dos argumentos mais utilizados que se opõem à eutanásia ativa e ao suicídio as-
sistido por médico, em seus aspectos morais ou apenas legais, é o chamado “declive
escorregadio”, se traduzido literalmente do inglês slippery slope; outra possível tradução
não literal seria “efeito bola de neve”. Basicamente, trata-se da possibilidade de que uma
decisão “abra caminho” para consequências indesejadas e progressão para além dos li-
mites estabelecidos originalmente. As bases morais que inicialmente permitiram a lega-
lização de algo poderiam ser extrapoladas, surgindo uma pressão para ampliar os limites

794
estabelecidos em um primeiro momento5. Uma vez tendo cedido a essa pressão inicial,
seria difícil retroceder. Assim, defensores dessa tese argumentam que, se a sociedade
permitir a eutanásia ativa voluntária apenas para casos específicos de pacientes termi-
nais em grande sofrimento, logo a prática poderia progredir facilmente para a eutanásia
ativa não voluntária e, até mesmo, para a involuntária5. Alertam, ainda, que pacientes
ambivalentes quanto ao desejo de morrer poderiam ser pressionados a se submeter à
eutanásia por fatores externos5,21. Entre eles, citam a pressão de um sentimento de “de-
ver de morrer”, uma vez que continuar vivo poderia representar um fardo à família, com
gastos financeiros. Esse conceito será abordado em maiores detalhes adiante28.
Uma das preocupações principais dos defensores dessa tese é a possível progressão da
eutanásia ativa voluntária para a não voluntária, uma vez que já é aceito que familiares e
representantes legais tomem decisões em nome de pacientes sem capacidade para con-
sentir, incluindo pela limitação e descontinuação de SAV23. Nessas situações, o represen-
tante deve decidir com base no que o paciente decidiria se fosse capaz de consentir ou
com base em um testamento vital. Assim, questionam: se isso já ocorre com a limitação
e descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, por que não
poderia ocorrer com a eutanásia ativa21? Casos emblemáticos, como o de Nancy Cruzan,
consolidaram o entendimento de que a mera perda da capacidade para consentir não se
traduz na perda do direito de decidir sobre a própria morte10. Nessas situações, a única
diferença estaria no fato de que seus desejos, caso não tenham sido registrados previa-
mente, devem ser comunicados por um representante (seja ele previamente designado
ou não), segundo o princípio do julgamento substituto. O mesmo raciocínio poderia ser
empregado para a eutanásia ativa e, portanto, a prática progrediria facilmente para en-
volver pacientes sem capacidade para consentir, alertam os críticos21.
Eles alegam que o caso da Holanda seria um exemplo: embora o país europeu tenha lega-
lizado apenas a eutanásia ativa voluntária, a realização do procedimento em pacientes sem
capacidade para consentir é uma realidade por lá. Em um caso emblemático, a eutanásia de
uma paciente com doença de Alzheimer feita com base em um testamento vital resultou no
primeiro processo criminal sobre eutanásia aberto contra um médico na Holanda, desde que
o país legalizou a prática em 200229. Contudo, em 2019, a justiça holandesa inocentou o médico
em questão, acatando que estava certo em considerar o testamento vital do paciente para em-
basar o procedimento30. Os críticos concluem: os tribunais holandeses deram, assim, aval à eu-
tanásia ativa não voluntária e, portanto, o país já teria “escorregado” no “declive escorregadio”.
Segundo eles, nos primórdios da eutanásia naquele país, nas décadas de 1970 e 1980,
a prática deveria ser limitada a um pequeno número de pacientes com doenças termi-

795
nais que apresentassem sofrimento insuportável. Alegam, porém, que a lei de 2002 abriu
espaço para casos ambíguos, uma vez que delimitou como critério de elegibilidade so-
mente a existência de um “sofrimento intolerável e sem perspectiva”31. E, como visto,
apontam que, com isso, o país progrediu na “escorregada” para a eutanásia ativa não-
-voluntária em pacientes com diretivas antecipadas de vontade. Contudo, se já é con-
troverso cogitar a realização de eutanásia em casos de pacientes que já tiveram, mas
perderam, sua capacidade para consentir, é ainda mais temerário progredir para casos
em que os pacientes nunca tiveram tal capacidade. Nesses casos, não há um testamento
vital que nos permita inferir qual seria o desejo real do paciente. É a situação em que se
encontram, por exemplo, os recém-nascidos e crianças.
Quanto a isso, os críticos apontam que a Holanda também já teria “escorregado” ladeira
abaixo. A lei holandesa permite que pacientes entre 12 e 16 anos sejam submetidos à eutaná-
sia caso manifestem esse desejo, desde que tenham o consentimento dos pais. Ainda, é pos-
sível realizá-la mesmo que haja desacordo entre os genitores31. Se já existem controvérsias
nessa faixa etária, uma vez que se considera que muitos desses pacientes ainda não possuem
discernimento, o que dizer de eutanásia em pacientes ainda mais novos? O Protocolo de Gro-
ningen, cidade do norte da Holanda, propõe a eutanásia ativa em pacientes recém-nascidos
com doenças terminais e sofrimento intenso. Seus defensores alegam que a decisão não
é feita com base na qualidade de vida, mas é uma alternativa humana para aliviar o sofri-
mento de crianças que já estão morrendo32. Críticos, contudo, apontam que o protocolo em
nenhum momento explicita sua limitação a pacientes em processo ativo de morte e acusam
seus criadores de levar em conta a qualidade esperada de vida da criança no futuro. Assim,
acusam o protocolo de remontar aos ideais eugenistas, que partiam da premissa de que ha-
veria algumas vidas que não valeriam a pena ser vividas33. Na Bélgica, por sua vez, desde
2014, não há restrições de idade mínima para a eutanásia, desde que haja consentimento dos
pais e doença comprovadamente intratável, com sofrimento insuportável34.
Outra preocupante “escorregada” apontada como possível de ocorrer, caso a eutanásia
ativa seja legalizada, é colocar em risco populações fragilizadas e em estado de vulnera-
bilidade social, como deficientes intelectuais, pacientes psiquiátricos e idosos. Nesses
casos, o receio está na possibilidade de prevalecer o interesse de terceiros, tais como
famílias sobrecarregadas, médicos irresponsáveis ou instituições e seguradoras preo-
cupadas com seu lucro5. Em relação à população idosa, essa preocupação é alimentada
ainda mais pela redação vaga da lei holandesa, uma vez que o critério por ela exigido
para que o paciente se submeta à eutanásia ativa é apenas a existência de um “sofrimen-
to insuportável”. Assim, alguns alertam que um paciente poderia embasar seu pedido

796
a partir de um sofrimento que transcende a competência médica, como um idoso que
alega “estar cansado de viver”, mesmo sem nenhuma doença. Em relatório, a Associação
Real Médica Holandesa pareceu concordar que nenhuma razão poderia impedir um pa-
ciente de solicitar eutanásia com esses argumentos35. Isso alimenta, portanto, os receios
de que muitos idosos poderiam se sentir simplesmente “cansados de viver”, desejando,
assim, submeter-se à eutanásia, estimulados por uma sociedade que pejorativamente os
rotula como improdutivos e os abandona, relegando-os à solidão.
Por fim, como consequências negativas à saúde pública, os críticos alegam que a eu-
tanásia poderia ser vista como uma alternativa muito mais barata, comparada ao tra-
tamento de muitos pacientes por períodos mais longos, o que inclui também cuidados
paliativos23. Nessa linha, na Holanda, o acompanhamento por equipe de cuidados pa-
liativos não é requisito para a eutanásia, embora, teoricamente, o método devesse ser
“o último recurso” quando foi proposto originalmente. Já na Bélgica, foram negadas as
solicitações para incluir esse acompanhamento como requisito31. Em sistemas de saúde
que priorizam produtividade e redução de custos, ativistas em defesa dos direitos dos
deficientes físicos alegam que esse grupo sofreria um risco adicional: propor a eutanásia
a eles poderia ser uma forma de redução de custos36.
Muitos críticos à eutanásia que evocam o argumento do “declive escorregadio”, portan-
to, podem até reconhecer a eutanásia ativa e o suicídio assistido como moralmente váli-
dos, mas sustentam que, não obstante, devem permanecer ilegais. Isso porque, segundo
eles, uma eventual legalização poderia promover abusos como os descritos23. No entanto,
há quem rebata dizendo que muitos dos riscos apontados também poderiam se aplicar à
ortotanásia. Complementam dizendo que, não obstante descontinuar ou limitar um tra-
tamento fútil ou potencialmente inapropriado serem condutas já incorporadas à prática
médica, não se observou a tão temida “escorregada ladeira abaixo”, pois não houve pre-
juízo aos cuidados de pacientes terminais21. É difícil, no entanto, traçar esse paralelo,
uma vez que recaímos na dicotomia entre as duas situações, amplamente discutida ante-
riormente neste capítulo. Contudo, é fato que a eutanásia ativa e o suicídio assistido têm
particularidades que dificultam esse tipo de comparação, especialmente porque podem
ser disponibilizados a qualquer paciente e não apenas àqueles que dependem de SAV.
Os opositores do argumento do “declive escorregadio” sustentam que não há evidên-
cias sólidas que o apoiam, refutando, assim, justificativas desse tipo e alegando que
o argumento se baseia apenas em conjecturas. Porém, os dados disponíveis sobre o
assunto não são tão abundantes, uma vez que grande parte da experiência no mundo
com o tema se limita à Holanda5.

797
Com o objetivo de compilar dados mais robustos, durante o debate sobre a legalização da
eutanásia ativa, o governo holandês solicitou ao procurador-geral do país, Jan Remmelink,
que conduzisse um comitê responsável por elaborar um relatório sobre o tema, hoje conhe-
cido como Relatório Remmelink. Os dados foram colhidos e analisados por pesquisadores
independentes da Universidade Erasmus, em Rotterdam, e foram publicados na revista The
Lancet37. O artigo dá um panorama sobre a prática de eutanásia antes de sua legalização,
quando, apesar de não estar prevista em lei, era de certa forma tolerada, segundo preceden-
tes estabelecidos por decisões judiciais desde 197338.
Segundo o levantamento, foram estimados 2.300 casos de eutanásia ativa e 400 casos de
suicídio assistido na Holanda, ocorridos em 1990, o que corresponderia, respectivamente, a
uma estimativa de 1,8% e 0,3% de todas as mortes registradas no país. Já os casos estimados
de limitação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados somaram 22.500 pa-
cientes. O que chamou atenção no relatório, no entanto, envolveu o emprego dessas condu-
tas em pacientes sem capacidade para consentir, totalizando 1.000 casos estimados (0,8% das
mortes), embora 59% deles tenham envolvido algum tipo de participação do atendido37,38.
O Relatório Remmelink reforçou o que já se sabia: a eutanásia ativa e o suicídio assis-
tido por médico já eram praticados na Holanda muito antes da legalização da prática,
incluindo os casos não voluntários. Inclusive, é possível que os números fossem muito
maiores, pois o estudo não avaliou a amostra total de óbitos no país (cerca de 129.000 na-
quele ano) e existia um receio muito grande de notificar a prática38. Para comprovar que
a Holanda “escorregou” no declive, todavia, defensores da eutanásia afirmam que ainda
seria necessário mostrar que houve um aumento da prática, possivelmente sugerindo
uma banalização, após sua legalização e incorporação à rotina médica.
Em uma tentativa de responder a essa pergunta, em 2005, ou seja, após a legalização da
eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico na Holanda, ocorrida em 2002, outro estu-
do, publicado na revista New England Journal of Medicine, detalhou a prática naquele país. Os
autores enviaram questionários a médicos que haviam assistido 6.860 pacientes que vieram
a falecer, obtendo uma taxa de resposta de 77,8%. Na amostra, em termos absolutos, foram
observados 2.297 casos de eutanásia ativa e 113 casos de suicídio assistido por médico no ano
de 2005. Após análise estatística, chegou-se à incidência estimada de 1,7% para a eutanásia
ativa e de 0,1% para o suicídio assistido por médico, entre todas as mortes na Holanda, no
ano de 2005. Esses números foram comparados aos observados em estudos pregressos, que
identificaram incidências estimadas de 1,7% em 1990, 2,4% em 1995 e 2,6% em 2001. Os au-
tores concluíram que houve uma redução da prática após a legalização, comparado a 1995 e
2001. Em relação ao suicídio assistido por médico, apontam que a redução foi ainda maior39.

798
O estudo também reportou que, em relação à principal preocupação levantada pelo
argumento do “declive escorregadio”, 0,4% das mortes decorreram do uso de drogas le-
tais sem o consentimento explícito do paciente, um número que os autores apontam
estar em linha com o observado em anos anteriores39. Contudo, críticos pontuam que,
em números absolutos, isso representaria mais de 1.000 mortes por ano, o que seria ex-
cessivo. Defensores da política, por sua vez, alegam que muitos desses casos envolveram
pacientes cuja morte era iminente ou que haviam perdido seu discernimento logo após
solicitarem a eutanásia, ou, ainda, que tinham sua vontade manifesta em um testamento
vital5. Essa justificativa, porém, é passível de críticas, uma vez que estudos também mos-
tram que o uso de diretivas antecipadas de vontade para a prática da eutanásia ativa na
Holanda envolve limitações, como a existência de testamentos vitais ambíguos, desco-
nhecimento do procedimento pelo paciente/representante e dificuldade do médico em
avaliar o “sofrimento insuportável” em um paciente sem capacidade para consentir40.
Os dados longitudinais da Holanda apontam, ainda, um achado interessante: entre 2001
e 2005, a taxa de emprego de sedação paliativa subiu de 5,6% para 7,1%, entre todas as
mortes naquele país. Também foi notado um aumento dos casos em que as medidas in-
tensificadas de conforto e alívio de sintomas foram a principal decisão de fim de vida,
subindo de 20,1% dos casos, em 2001, para 24,7%, em 2005. A parcela de casos em que tais
medidas foram usadas, independentemente de sua importância, por sua vez, permaneceu
constante39. Defensores da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico apontam,
assim, que a legalização não resultou em prejuízo à prática dos cuidados paliativos.
Quanto à possível diminuição da ilegalidade, o estudo demonstrou que, de fato, houve
aumento da parcela de casos notificados, que subiu de 18% em 1990, quando a prática
era ilegal, para 80,2% em 2005, já após sua legalização.
O aumento do uso da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico, outra possível
“escorregada” preocupante, também pode ser discutido a partir dos dados da Holanda. Na-
quele país, nos anos de 1991, 1995, 2001 e 2005, as incidências maiores de eutanásia ativa
voluntária e suicídio assistido foram observadas em pacientes com menos de 64 anos39,41.
Na população acima de 80 anos, foram observadas as menores taxas, sendo que, em 2005,
três anos após a legalização da prática, houve diminuição de seu uso nessa faixa etária, em
relação aos três levantamentos anteriores39. Em contrapartida, a decisão por limitar ou
descontinuar tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados foi mais comum justa-
mente nessa faixa etária, tendo aumentado em 1995, mas não em 2001 ou em 2005 (neste
último ano, houve uma queda dessa conduta em todas as faixas etárias)39,41.
Proponentes da eutanásia alegam que, com esses dados, a preocupação de que a popu-

799
lação idosa poderia se sentir compelida, por motivos econômicos e sociais, a optar pelo
método, caso fosse legalizado31, aparentemente perderia força. Contudo, a resposta pare-
ce não ser tão simples. Em um estudo realizado por Chambaere et al., na Bélgica, dados
preocupantes foram observados. Embora, também neste estudo, a eutanásia ativa e o sui-
cídio assistido tenham envolvido principalmente indivíduos com menos de 80 anos e com
câncer, o uso de drogas capazes de interromper a vida, sem o consentimento explícito do
paciente, ocorreu principalmente em pacientes acima de 80 anos (52,7%) e sem câncer
(67,5%). Esse achado, contudo, ao ser comparado com todas as mortes no local estudado,
não indicou que idosos corram risco desproporcionalmente maior. Não obstante, o acha-
do é preocupante, principalmente porque as principais razões citadas para a solicitação de
eutanásia e suicídio assistido foram o impacto gerado pela doença à família e a impressão
de que a vida não deveria ser desnecessariamente prolongada nesses casos42.
Para além dos pacientes idosos, a preocupação também envolve outros grupos vulnerá-
veis, incluindo aqueles com pouco acesso à saúde, com pouca educação formal, em situa-
ção de pobreza, com deficiências físicas, além de minorias raciais/étnicas. Realizado com o
objetivo de investigar essa hipótese, o estudo de Battin et al. analisou dados da Holanda e do
estado do Oregon (que legalizou o suicídio assistido por médico em 1994), não identificando
quais grupos vulneráveis são submetidos à prática de forma desproporcional, exceto pelos
pacientes com AIDS43. Todavia, há críticas a essa conclusão, que se baseiam no argumento de
que a vulnerabilidade à eutanásia e ao suicídio assistido por médico não envolve apenas es-
sas variáveis demográficas, mas também fatores subjetivos como a sensação de representar
um fardo aos outros31, além do sentimento de “dever de morrer”28,que será discutido adiante.
Diante dos dados apresentados, os defensores da prática alegam que as consequên-
cias negativas aventadas estariam apenas no plano de conjecturas, não havendo dados
empíricos que as sustentem. Sua mera possibilidade não seria para eles, portanto, jus-
tificativa para a proibição5. Alguns, no entanto, não negam o risco de “escorregadas” e
propõem que a resposta a isso estaria nos mecanismos de controle e de fiscalização, que
deveriam ser implementados uma vez legalizada a prática (detalhes sobre esses meca-
nismos serão abordados adiante)22. Contudo, críticos pontuam que não há regulação que
impeça totalmente abusos ou erros envolvendo quaisquer atos, o que poderia custar a
vida de muitos pacientes que não deveriam se submeter à prática. Ainda, alegam que
seria difícil fiscalizar esse tipo de regulamentação13.
Independente do lado para o qual penda o debate, é inegável o fato de que as conclusões a
respeito dos dados disponíveis são limitadas. Isso porque os dados da Holanda podem fazer
sentido para a cultura e a realidade daquele país, mas podem não ser adequados a outros

800
países ou ter o mesmo comportamento sob outras condições. Comparações também se-
riam difíceis, uma vez que as políticas e suas propostas também variam a depender do país.

Autonomia do médico, limites da medicina e limites à autonomia do paciente


Outra crítica à eutanásia e ao suicídio assistido se baseia na lógica de que, mesmo que
exista o direito do indivíduo de controlar seu processo de morte, isso não compele ou-
tros a participarem do ato, ou seja, não obriga médicos ou quem quer que seja a provocar
sua morte21. Esse raciocínio remete ao exemplo de uma pessoa saudável que solicita ao
seu médico que ampute sua perna: o desejo dela é irrelevante, pois não há justificativa
médica. Assim, a “vontade” e a autonomia do indivíduo cessam ao se ultrapassar o limite
da medicina e ao conflitar com a autonomia do médico6.
Essa analogia pode ser utilizada para questionar a ênfase dada à autonomia do pacien-
te na defesa da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico. Segundo esse argu-
mento, o papel do médico não é apenas o daquele que executará o ato, mas, também, o
de um agente moral, que deverá fazer um juízo de valores ao aceitar ou negar o procedi-
mento38. E, uma vez que o termo “sofrimento insuportável”, utilizado na lei holandesa, é
vago, seu significado pode facilmente ultrapassar os limites da medicina, defende a tese.
A partir daí, então, entrariam fatores subjetivos na decisão, necessitando de um julga-
mento de valores pelo médico. Assim, por exemplo, se o médico decide negar um pedido
baseado em “sofrimento insuportável” de seu paciente, estará dizendo que os motivos do
atendido não são suficientes para justificar o ato. Segundo os críticos, seria difícil esta-
belecer critérios objetivos para esse julgamento e, talvez, o médico acabaria por decidir
conforme seus ditames morais. Como resultado, nesse terreno fora dos limites da medi-
cina, poderiam surgir conflitos entre a autonomia do paciente e a do médico13.
Quando esse conflito ocorre, tem-se a chamada objeção de consciência, outro fator im-
portante que influencia a prática da eutanásia e do suicídio assistido por médicos. Segundo
o conceito, da mesma forma que o médico deve respeitar a autonomia do paciente, nenhum
profissional tem o imperativo ético de aceitar realizar esse tipo de procedimento, especial-
mente se acredita haver conflitos com seu julgamento clínico ou até mesmo com seus valores
morais. Nessa linha, na Holanda, verificou-se que dois terços das solicitações de eutanásia e
suicídio assistido foram recusados pelos médicos. Na maior parte das recusas, os profissio-
nais acreditavam haver alternativas ou apresentavam objeções específicas ao caso38.
Com esse argumento, é possível, então, recusar-se a realizar a eutanásia ativa ou o suicídio
assistido por médico, mesmo que venham a se tornar legais e aceitos pela sociedade. No Bra-
sil, os critérios de objeção de consciência são definidos pela Resolução CFM nº 2.232/201944,

801
tema abordado em maiores detalhes no Capítulo 39. Todavia, a resolução não abrange esses
procedimentos, uma vez que não faria sentido, mesmo porque são proibidos tanto na esfera
criminal quanto na ética.

Eutanásia ativa e o suicídio assistido não seriam a última opção na maioria dos casos
É preciso reconhecer que os medos e preocupações envolvendo o fim da vida são extrema-
mente pertinentes, em especial em determinados contextos. Por exemplo, um estudo repor-
tou, em uma amostra de 110 pacientes falecidos por câncer, uma chance quatro vezes maior
de ter tido dor nos três últimos dias de vida, comparados a pacientes falecidos por outras
causas. Em 10% de ambos os grupos de pacientes, a dor não foi adequadamente controlada45.
Esse sintoma, ainda, apresenta importante associação com a incidência de ideação suicida
em pacientes oncológicos. Outro estudo envolvendo pacientes com câncer de pulmão não
ressecável apontou que 15% deles tinham algum grau de ideação suicida seis meses após o
diagnóstico. O estudo também apontou associação entre a presença de dor e ideação suicida
nesses pacientes (razão de chances = 3,72; intervalo de confiança = 1,12-14,69; p = 0,04)46. Re-
conhecer o sofrimento é necessário para que este possa ser aliviado.
Esses estudos sugerem que um cuidado adequado no fim de vida pressupõe o manejo
eficaz da dor (tema do Capítulo 8), além de suporte psicológico apropriado. O grande
questionamento que resta, contudo, é: seria a eutanásia realmente a última alternativa
na maioria desses casos?
Muitos críticos à eutanásia dizem que não, chamando atenção para a possibilidade de
o sofrimento do paciente poder ser mitigado por outras formas que não a interrupção de
sua vida. Alegam que muitos pacientes ainda sofrem por quadros de dor que poderiam ser
evitados. Possíveis causas para isso seriam o treinamento médico insuficiente em cuidados
paliativos; mitos e conceitos equivocados em relação ao uso de opioides, incluindo receio de
provocar a morte do paciente; e incapacidade de diagnosticar corretamente a dor e suas cau-
sas23. No Brasil, embora alguns progressos tenham ocorrido mais recentemente no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS), os cuidados paliativos ainda não são acessíveis a todos os
pacientes que deles precisam, fato exacerbado por desigualdades socioeconômicas.
Diante disso, existiriam alternativas, como políticas públicas que levem a maiores in-
vestimentos em cuidados paliativos, aumento do acesso a esse tipo de recurso e o forta-
lecimento de seu ensino nas faculdades. Assim, seria possível promover a ortotanásia,
em detrimento da eutanásia, como forma de atenuar o sofrimento23. Como resultado,
o número hipotético de pedidos de eutanásia seria muito menor, caso fosse legalizada.
É evidente que, a despeito do progresso recente nos cuidados paliativos, muitos pa-

802
cientes ainda apresentarão um sofrimento que foge a qualquer controle possível, mesmo
nas melhores condições. Críticos à eutanásia e ao suicídio assistido por médico susten-
tam que, mesmo nessas condições, haveria alternativas possíveis, que também precisam
ser fortalecidas e incentivadas, como a sedação paliativa (tema do Capítulo 14)23.
O objetivo principal do cuidado em fim de vida sempre deve ser o alívio do sofrimento,
independente da política implementada quanto à eutanásia ativa e ao suicídio assistido.
Contudo, os críticos à legalização desses procedimentos alegam que, por serem métodos
mais rápidos e baratos para lidar com o fim da vida, poderiam ser priorizados por razões
econômicas, como já debatido acima23. Haveria, segundo eles, um risco importante de
serem praticados mesmo não sendo as últimas alternativas.

A eutanásia ativa e o suicídio assistido não seriam uma decisão racional, mas uma forma de
consumar uma ideação suicida associada a quadros depressivos
Estudos apontaram que a presença de depressão em pacientes com câncer, com menos
de três meses de expectativa de vida, associou-se a maior chance de solicitação de eutaná-
sia, em relação a pacientes com câncer e com a mesma expectativa de vida, mas sem qua-
dro depressivo47. Esse achado levanta a possibilidade de que muitas das solicitações por eu-
tanásia ativa e suicídio assistido por médico possam ser guiadas por sofrimento decorrente
de um transtorno depressivo. Essa hipótese é reforçada se considerarmos também que até
25% dos pacientes com câncer têm depressão48 e a maior parte dos pedidos por esses pro-
cedimentos é feita por pacientes oncológicos39. Ainda, pacientes com câncer apresentam
risco relativo de suicídio de 1,35 (para mulheres) e 1,55 (para homens) em relação à popu-
lação geral, sendo que o maior risco ocorre logo nos primeiros meses após o diagnóstico49.
Diante disso, questiona-se: a eutanásia e o suicídio assistido seriam uma forma de garantir
uma morte digna ou apenas um método para consumar uma ideação suicida?
A esses questionamentos se soma a dificuldade de se diagnosticarem quadros depres-
sivos sutis, especialmente em idosos e em pacientes oncológicos, diferenciando-os da
tristeza e do luto normal esperados nas situações de fim de vida23. Dados observacionais
da Holanda apontam que até 47% dos pacientes que solicitam e 17% que concluem a
eutanásia ativa ou o suicídio assistido por médico apresentam sintomas depressivos50.
A queda entre os valores permite inferir que, na Holanda, os casos de depressão foram
significativamente maiores nos pedidos de eutanásia recusados do que nos concedidos.
Embora a maioria dos pedidos de pacientes deprimidos seja recusada na Holanda, deve-
-se questionar até que ponto esse mecanismo de controle é eficaz, ainda mais conside-
rando-se as dificuldades no diagnóstico dos quadros depressivos.

803
Por fim, esse questionamento ataca um dos argumentos mais fortes a favor da euta-
násia ativa e do suicídio assistido: o da autonomia. O arcabouço teórico que define esse
princípio parte do pressuposto de que a autonomia plena existe somente quando pode
ser exercida em condições ideais, incluindo a presença de racionalidade na tomada de
decisão51. Pacientes deprimidos, portanto, não seriam realmente autônomos, devido às
distorções cognitivas associadas à depressão, e a eutanásia não poderia ser, desse modo,
uma decisão racional. Ainda, resta a pergunta: caso seus quadros depressivos fossem
corretamente diagnosticados e tratados, os pacientes que solicitaram eutanásia ativa ou
suicídio assistido ainda manteriam seus pedidos?

Sentimento de “dever de morrer” e o prejuízo à autonomia do paciente


Legalizar a eutanásia ativa e o suicídio assistido daria aos indivíduos uma nova opção
para o controle do processo de morte. Até então, a continuidade da vida, mesmo com
muito sofrimento, era a única alternativa: restaria apenas aprender a lidar com as con-
sequências e se conformar. Mas, diante dessa legalização, continuar a viver ou solicitar a
abreviação de seus dias passaria a ser uma escolha, com todas as responsabilidades, pos-
síveis questionamentos e justificativas e ela associadas. Como resultado, críticos alegam
que se ver diante da necessidade de tomar uma decisão como essa poderia ser um peso
a mais e se tornar um fardo psicológico, especialmente caso seja necessário justificar a
escolha pela continuidade de uma existência limitada, em uma sociedade pouco toleran-
te a estados de debilidade e dependência21. Segundo essa tese, isso significa que, mesmo
que a própria pessoa escolha continuar a viver, poderia ser pressionada por terceiros a
pedir sua morte, diminuindo a autonomia de sua decisão.
Segundo esses críticos, os riscos associados a essa pressão social poderiam ser enormes.
Isso porque, assim como a vida, o processo de morte também se conecta com outros ao re-
dor do paciente, provocando impacto na existência de diversas outras pessoas. Não haveria,
portanto, total liberdade moral em se escolher a morte que se prefere, alegam os críticos.
Segundo essa visão, a necessidade de se pensar nesses impactos seria inevitável, pois a es-
colha por continuar vivo, em alguns casos, poderia gerar sofrimento, estafa em cuidadores,
grandes adversidades financeiras aos familiares, entre outras consequências negativas28.
Neste cenário, o paciente poderia se sentir culpado e, por conta disso, vir a acreditar que
tem um “dever de morrer”, para não prejudicar, por exemplo, os estudos de seu filho.
Alguns defensores da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico, como Har-
dwig, defendem que a decisão por esses procedimentos, mesmo quando motivada pelo
sentimento de “dever de morrer”, também poderia ser a expressão dos desejos autênti-

804
cos e racionais do paciente e, portanto, uma forma de exercer sua autonomia. Por exem-
plo, segundo essa ótica, um paciente nesses casos poderia ver o suicídio assistido por
médico como um ato de amor, para não prejudicar a vida de entes queridos. Nesse con-
texto, o autor alega que essa decisão não seria decorrente de uma pressão externa, mas
de um desejo verdadeiro do paciente28.
Opositores a esse argumento, contudo, apontam que poderia haver uma pressão social,
mesmo que velada, para atingir em especial idosos e pessoas com deficiências, o que represen-
taria uma tendência da sociedade em desvalorizar essas populações vulneráveis. Como ana-
logia, Felicia Ackerman cita o exemplo de mulheres que, no passado, recusavam-se a seguir
carreiras profissionais para proverem os cuidados com casa e família. As que discordavam
desse “dever familiar” eram vistas como “egoístas”. Segundo ela, um idoso que escolha conti-
nuar vivendo, ainda que isso onere sua família, poderia ser visto da mesma forma. Decisões
importantes, como o processo de morte, sofreriam, assim, um viés decorrente de pressões
sociais. Com uma possível legalização da eutanásia ativa e do suicídio assistido, Ackerman
alega que essa pressão poderia passar a afetar idosos e doentes crônicos, que se tornariam
grupos ainda mais vulneráveis, quando, na verdade, o moralmente correto seria tutelá-los52.
Alguns indivíduos podem se sentir mais pressionados do que outros por esses aspec-
tos. São exemplos: aqueles cujos familiares já têm uma vida difícil, os mais idosos e
aqueles que têm dificuldade em se ajustar à nova condição de saúde e necessitam de
mais cuidados28. Esses pacientes são, portanto, também socialmente mais vulneráveis.
Segundo os críticos, essa moral imposta banalizaria as relações familiares, tornando-as
obrigações mútuas, julgadas em cálculos de custo-benefício. Concluem que legalizar a
eutanásia ativa e o suicídio assistido poderia “normalizar” esse código moral, em que os
menos aptos devem ser descartados, como era na antiga Esparta52.
Isso é minimizado por autores como Hardwig, que postulam que a real pressão exter-
na por uma forma de morrer já existiria, com a proibição legal da eutanásia e do suicídio
assistido. Segundo ele, essa pressão vai no sentido de prolongar a vida, o que confere ao
Estado o poder de determinar quais aspectos o paciente deve ou não considerar quan-
do decide sobre sua própria morte. Ainda, defende o sentimento de “dever de morrer”
como genuíno, uma vez que mesmo indivíduos sãos, quando questionados sobre quais
seriam seus valores caso ficassem gravemente doentes, frequentemente citam “não ser
um fardo para minha família”. Segundo Hardwig, tal sentimento já existe e, portanto,
não seria a legalização a provocá-lo28.
O argumento da possibilidade de existir um “dever de morrer”, com a legalização da
eutanásia ativa e do suicídio assistido, é uma forte justificativa para a proíbição dos pro-

805
cedimentos. A questão que resta é: seria possível não proibir os métodos de forma ge-
nérica, mas restringi-los a situações em que está claro que representam o que a pessoa
realmente quer, sem pressões externas, mesmo que veladas? Segundo Ackerman, talvez
a resposta esteja no fortalecimento de outros valores na sociedade, como o conceito do
“dever de cuidar”, oposto ao “dever de morrer”52. Na medicina, isso equivaleria ao forta-
lecimento dos cuidados paliativos.

Banalização do homicídio
Outro argumento contra a eutanásia ativa e o suicídio assistido estaria na possibilida-
de de resultarem em uma fragilização da natureza criminosa do homicídio, o que erodi-
ria um pilar fundamental de sociedades civilizadas. Defensores, por sua vez, alegam que
a aceitação da limitação e da descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente
inapropriados, que não seriam moralmente diferentes, não levou à descriminalização
do homicídio. Essa linha de argumento retoma a polêmica envolvendo a dicotomia mo-
ral entre as modalidades, já exposta anteriormente. De toda forma, defensores evocam
as já citadas premissas que justificariam ambas as práticas, em oposição à ideia de que
seriam uma exceção às leis de homicídio. Assim, alegam que ampliar os direitos de es-
colha no fim da vida não necessariamente mudaria a visão legal quanto ao homicídio21.
A mera existência do consentimento, no entanto, não diferenciaria a eutanásia ativa do
homicídio, pois este continua sendo proibido mesmo quando a vítima consente13,21. Como
já discutido, o fator de diferenciação seria a intenção do ato, ou seja, a presença de uma
condição de sofrimento insuportável, que evocaria o sentimento de compaixão como a mo-
tivação do ato de matar. Contudo, críticos pontuam que, mesmo assim, essa nunca deixará
de ser uma relação de duas vias: daria o direito a uma pessoa de ser o “matador”, enquanto
a outra, o direito de “ser morto”. Eles alegam que seria concedida, assim, uma “licença
para matar”, o que iria ao desencontro de tentativas globais de diminuir outras situações já
existentes, em que também se concede uma “licença para matar”, como guerras e a pena
de morte. Legalizar a eutanásia ativa, concluem os críticos, criaria uma nova possibilidade
lícita de matar, em uma sociedade que já tem muitas desculpas para praticar esse ato13.

Possível risco de perda do direito à ortotanásia


Este argumento defende que a legalização da eutanásia ativa e do suicídio assistido
poderia gerar grandes polêmicas e batalhas jurídicas decorrentes de possíveis abusos.
Essas disputas legais poderiam culminar na perda do direito à ortotanásia, algo que já é
aceito e mais consolidado na prática médica. O aumento da judicialização na assistência

806
em fim de vida teria, assim, um resultado danoso a toda a sociedade e direitos já conso-
lidados poderiam ser erodidos21.

A eutanásia ativa e o suicídio assistido segundo as diferentes teorias morais


Utilitarismo
O utilitarismo se guia pelo princípio geral de se obter o maior benefício ao maior nú-
mero possível de pessoas para a tomada de decisão moral51. Assim, pode ser favorável ou
condenar ambas as modalidades, a depender do ponto de vista. Por exemplo, a felicidade
é classicamente considerada como o bem a ser maximizado e, portanto, a decisão moral
deve se pautar em quanta felicidade cada ação vai gerar para todos os envolvidos. Assim, a
eutanásia poderia trazer felicidade a quem sofre, ao diminuir seu sofrimento, mas poderia
ter um impacto negativo aos familiares, amigos e outros que, por ventura, se opusessem5.
Outra avaliação sob o enfoque utilitarista seria considerar, em vez da felicidade, outro
bem como objetivo a ser buscado, ainda que isso implique dor e sofrimento. Seria uma
visão utilitarista de “preferências”, que postula que as ações mais corretas são as que mais
satisfazem as preferências do indivíduo. O direito a buscar essas preferências individuais
e, possivelmente, concretizá-las no futuro é, segundo essa ótica, a justificativa para não se
matar alguém, uma vez que a interrupção da vida impediria que a pessoa perseguisse seus
almejos. Contudo, se esses anseios não forem mais alcançáveis ou se o sofrimento ultra-
passar o limite do tolerável, essa lógica se desfaz. Nessa condição, portanto, a tese defende
que seria aceitável a eutanásia de uma pessoa com capacidade para consentir, caso ela
julgasse ter um futuro sem perspectiva, ou seja, que suas preferências não mais pudessem
ser seguidas5. Porém, cabe um questionamento: e se o indivíduo estiver equivocado quan-
to à perspectiva de sua vida, como no caso de Dax Cowart, abordado no Capítulo 38?
Ainda a respeito do bem a ser maximizado, é possível ter diferentes visões quanto
ao peso dado à autonomia. Por exemplo, é possível considerar a autonomia do pacien-
te como um grande componente de sua felicidade, alegando-se que desrespeitar esse
princípio traria grande sofrimento21, ou então, considerar que restringir a autonomia é
algo tolerável, se pesado contra potenciais consequências negativas13. Essa última visão
é mais forte em algumas culturas orientais, por exemplo, em que a autonomia do indiví-
duo é sobreposta por decisões familiares. Já em outras sociedades e sistemas políticos,
a autonomia é sobreposta por interesses coletivos. Dessa forma, a conclusão utilitarista
sobre o assunto vai, portanto, depender também do valor que a pessoa dá à autonomia.
Por fim, outra forma de se chegar a conclusões diferentes se dá pelo tipo de raciocínio
utilitarista empregado: de regras ou do ato. No primeiro caso, julgam-se as consequên-

807
cias da eutanásia de acordo com uma regra, ou seja, uma eventual lei que a libere, in-
dependente das particularidades de cada caso. Muitos dos argumentos de slippery slope
elencados acima se baseiam em um raciocínio utilitarista de regras. Já o utilitarismo do
ato avalia as consequências de cada caso, ou seja, leva em conta as particularidades de
cada paciente e de seus familiares5. Assim, por exemplo, as consequências da eutanásia
podem ser vistas como positivas por familiares que compartilham da decisão. Em con-
trapartida, pode causar discórdia e sofrimento quando os familiares têm outra visão. Da
mesma forma, uma visão utilitarista de regra pode elencar diversas consequências ne-
gativas de uma política de legalização da eutanásia, mas, ao se analisar um caso isolado,
pelo utilitarismo do ato, a conclusão pode ser favorável5.

Doutrina católica
O princípio do duplo efeito, proposto inicialmente por São Tomás de Aquino e forte-
mente influente no pensamento católico, postula que a intenção do ato é o que o define
como moralmente correto ou não, mesmo diante de um desfecho negativo51. Por exem-
plo, administrar altas doses de morfina a um paciente, resultando em sua morte pela
ação desse fármaco, pode ser moralmente aceitável, caso a intenção inicial do médico
tenha sido aliviar a dor do enfermo e não provocar a sua morte. Nesse caso, a conse-
quência negativa – o óbito – era algo previsto, mas não o objetivo primordial. Em con-
trapartida, caso o médico realize a mesma ação tendo como objetivo causar depressão
respiratória no paciente e, portanto, sua morte, o ato torna-se imoral5.
A doutrina católica, apesar de defender o conceito de santidade da vida, não impõe a ne-
cessidade de adotar todos os esforços para prolongá-la5. Assim, o Vaticano, na Declaração
sobre Eutanásia, elaborada pela Congregação para a Doutrina da Fé, permite, nos casos de
morte inevitável e iminente, recusar tratamento considerado “desproporcional” ou “ex-
traordinário”53. A Igreja Católica, portanto, reconhece que alguns tratamentos podem ser
considerados fúteis ou potencialmente inadequados, ao não exigir a adoção de medidas
heroicas e o prolongamento da vida a qualquer custo, de forma precária e onerosa. Con-
tudo, a Igreja coloca como condição que a assistência habitual dada a casos similares seja
mantida53. Assim, a moral católica não permite descontinuar ou recusar, por exemplo, ali-
mentação e hidratação por sonda nasoenteral. Discussões nesse sentido rondam a morte
do próprio Papa João Paulo II54. Outras visões cristãs, como a da Igreja Anglicana, podem
defender uma visão mais permissiva quanto à descontinuação desses procedimentos55.
Questionamentos à visão católica retomam o argumento da compaixão, aplicado à
doutrina do duplo efeito: críticos alegam que, mesmo que o intuito do ato seja a abrevia-

808
ção da vida, algo tradicionalmente considerado um dano, a eutanásia não seria algo imo-
ral. Isso porque, segundo essa ótica, nesse caso, a interrupção da vida não representaria
um dano, mas, sim, um alívio e um ato de compaixão, devido ao intenso sofrimento.
Assim, segundo esses questionamentos, fornecer morfina tanto para aliviar a dor quan-
to para causar o óbito seriam situações igualmente aceitáveis do ponto de vista moral.
Ademais, também alegam que em nenhum desses casos a morte seria algo desejado pelo
paciente ou por seu médico, pois, caso o sofrimento pudesse ser controlado de outra
forma, a interrupção da vida não seria realizada5.

Ética kantiana e deontologia


Segundo o filósofo alemão Immanuel Kant, o suicídio é um ato proibido em si, pois ele
o considera como “algo que degrada a natureza humana abaixo do nível de um animal”5.
Como a ética kantiana aplicada às decisões morais tem caráter deontológico, ou seja, ba-
seado em regras, a eutanásia é proibida, independente de qualquer condição. Tal regra
se justifica pelo argumento de que, em pessoas, o ato de matar sempre equivaleria a tra-
tar a vítima como uma mera coisa, obliterando sua individualidade. Contudo, para apli-
car o raciocínio de Kant, é necessário que o indivíduo seja provido de racionalidade51.
Diante disso, não fica claro qual seria a interpretação dessa regra para indivíduos não
mais considerados pessoas racionais, como aqueles em estado vegetativo permanente5.

QUADRO 2. O CASO VACCO VS. QUILL E O SUICÍDIO ASSISTIDO

Este célebre caso, cuja decisão foi proferida pela Suprema Corte dos Estados Unidos, envolveu o médico
paliativista Timothy E. Quill, de Rochester, estado de Nova York. Quill já havia chocado a comunidade
médica ao publicar um relato de caso no New England Journal of Medicine, em 1991, sobre o suicídio de
uma paciente sua, acometida por um quadro de leucemia, o qual assistiu56. Quill defendia que os cuidados
paliativos aliviam o sofrimento decorrente da morte, mas não o eliminam. Em seu relato, prevaleceu o
desejo de sua paciente de continuar independente e permanecer no controle. Quill ingressou com ação
legal contra o estado de Nova York para que esse desejo fosse reconhecido como direito.
Em argumento feito como amici curiae por Ronald Dworkin e colegas, no caso Vacco v. Quill, a principal
justificativa para contestar as leis estaduais que proibiam o suicídio assistido por médico se baseou em uma
possível violação à 14a emenda à Constituição norte-americana, em suas cláusulas do devido processo
legal e dos direitos iguais22. A primeira cláusula foi criada para limitar a interferência do governo em temas
como a vida, a liberdade e a propriedade, protegendo o cidadão de restrições arbitrárias e sem propósitos.
Segundo ela, tentativas de limitar direitos nessas áreas necessitariam de cuidadoso escrutínio e fortes
justificativas, seguindo o devido processo legal. A cláusula da proteção igual, por sua vez, determina que
indivíduos na mesma situação sejam tratados igualmente pela lei, proibindo, por exemplo, que os estados

809
neguem um direito a uma pessoa e o concedam a outra na mesma condição. A diferenciação legal só pode
ocorrer quando não viola direitos fundamentais, tenha uma explicação racional e um fim legítimo.
Aplicada ao suicídio assistido, a cláusula do devido processo legal estaria sendo violada por leis que
proíbem a prática, segundo os autores. Isso porque, segundo a tese, os direitos protegidos pelo dispositivo
constitucional incluiriam a liberdade de pacientes terminais, com capacidade para consentir, em obter alívio
de seu sofrimento, de sua dor, de sua deterioração física e da inabilidade de controlar suas funções corporais.
Ademais, a tese sustenta que as proibições interfeririam em uma decisão pessoal profunda, comparável
a outras como casamento e reprodução, que, assim como a morte, também provocam questionamentos
controversos sobre valores, aspectos religiosos e morais. Ainda, Dworkin e colegas sustentam que, nas
sociedades livres, os indivíduos deveriam poder decidir sobre isso por si próprios, de acordo com sua fé,
consciência e convicção, alegando que terceiros não poderiam impor sua visão. O argumento ainda pontua
que a Suprema Corte já teria decidido que essa liberdade está entre as protegidas pela cláusula do devido
processo, em casos como o de Nancy Cruzan, e que também teria concluído o mesmo em temas como o
aborto, considerando ser livre a cada um definir o seu conceito de existência. Os autores concluem que os
estados, portanto, não poderiam impor um fardo aos pacientes, ao determinar o modo de sua morte22.
Ainda, segundo Dworkin e colegas, a cláusula da proteção igual também estaria sendo violada pela
proibição ao suicídio assistido, pois o estado estaria tratando de forma desigual pessoas com doença fatal
que queiram adiantar sua morte. Eles alegam que não haveria justificativa racional para permitir que quem
depende de suporte vital possa optar por uma morte mais precoce, ao ter o direito de limitar ou descontinuar
esse tipo de tratamento, enquanto pessoas que não dependem dele não tenham a mesma opção22.
Aqui, o argumento parte do pressuposto de que a limitação e a descontinuação de tratamentos fúteis ou
potencialmente inapropriados não apresentam diferenças em relação ao suicídio assistido por médico.
Considera que todos teriam os mesmos riscos, como influência de quadros depressivos e de terceiros.
O pedido foi aceito pelo Tribunal Federal em Nova York, que concluiu que os pacientes terminais
de fato teriam um direito constitucional em pedir assistência a médicos para terminar sua vida, assim
como se permitia, à época, o aborto, naquele país. Na decisão, o tribunal entendeu que “procedimentos
que induzem a morte”, ou seja, a limitação e a descontinuação de tratamentos considerados fúteis ou
potencialmente inapropriados, já eram permitidos. O suicídio assistido, seria, segundo a decisão, apenas
mais um procedimento, sem diferença legal e com a mesma intenção: adiantar a morte.
Contudo, o caso chegou à Suprema Corte, que, em 1997, não manteve a decisão. Concluiu que
não existiriam razões para acreditar que não haveria diferenças entre “deixar a natureza agir” e “usar
intencionalmente um dispositivo artificial para causar a morte”. Na decisão, concluiu-se que proibir o
suicídio assistido não infringe iria direitos fundamentais. Também foi considerado legítimo o interesse
do Estado em evitar abusos e prevenir o suicídio, manter o papel de cuidador do médico, proteger
vulneráveis da indiferença e evitar a progressão para a eutanásia. Em relação à comparação com o caso
Cruzan, a Suprema Corte concluiu que, à ocasião, o direito de remover a sonda nasoenteral, visto como
constitucional, não se baseou em um direito de acelerar a morte, mas, sim, no direito de recusar um
tratamento e de ter a integridade corporal respeitada14.
Quanto ao argumento da proteção igual, a Suprema Corte definiu que permitir a limitação e a
descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, enquanto se proíbe o suicídio
assistido, não se caracterizaria como tratamento legal diferenciado a pessoas na mesma condição.
Segundo a decisão, qualquer um, independente de sua condição física, tem o direito, se tiver capacidade

810
para consentir, de recusar um tratamento indesejado. Em contrapartida, nenhum indivíduo pode se
submeter a suicídio assistido, não havendo, assim, tratamento diferenciado. Além disso, a Suprema
Corte concluiu haver diferença lógica, racional e importante entre as situações, o que justificaria efeitos
desiguais sobre grupos particulares. No caso, a racionalidade da diferença se basearia em causalidades
distintas: na limitação e na descontinuação de suporte à vida, a morte é dada pela doença, enquanto no
suicídio assistido, a causa da morte é, por exemplo, o fármaco letal. Também foram apontadas intenções
distintas, com base na doutrina do duplo efeito: na primeira situação, busca-se apenas honrar o direito
do paciente de recusar um tratamento, embora se saiba de antemão que isso pode resultar em sua
morte. Já na segunda situação, obrigatoriamente se busca interromper diretamente a vida14.
A decisão da Suprema Corte, apesar de não ter reconhecido o suicídio assistido por médico como
um direito constitucional, facultou sua legalização aos estados, pelo processo legislativo14. Essa
abordagem é mais prudente do que a legalização pelo judiciário, pois permite o amplo debate sobre
o tema por representantes eleitos pela população, pesando os riscos e benefícios do procedimento.
O processo legislativo também é mais democrático, pois concede ao povo o direito ao debate e, até
mesmo, à revogação da lei, caso ela se mostre danosa. Judicializar a decisão, como se tentou no
caso Vacco v. Quill, significaria analisar apenas os aspectos individuais presentes nos autos. Se o
suicídio assistido fosse reconhecido como um direito constitucional nos Estados Unidos, tentativas
de regulação futuras ou, até mesmo, de rever a legalização, em caso de consequências negativas,
seriam extremamente difíceis. Por fim, poderiam ser abertas as portas para a eutanásia ativa não
voluntária, caso o suicídio assistido e a eutanásia ativa fossem considerados equivalentes à limitação
e à descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, pois estes já são atos
aceitos em pacientes sem capacidade para consentir.

ADAPTADO DE: U.S. SUPREME COURT, SUPREME COURT REPORTER 199714;


DWORKIN ET AL., ISSUES LAW MED 199922 E QUILL, N ENGL J MED56.

Possíveis mecanismos de controle à eutanásia ativa e ao suicídio assistido por médico


Defensores da eutanásia ativa e do suicídio assistido admitem que não é possível ne-
gar os riscos envolvidos, mas argumentam que a existência deles não pode ser suficiente
para a proibição geral21. Assim, como possível resposta aos argumentos de slippery slope,
há quem proponha o uso de critérios bem específicos para permitir essa prática. Alegam
que isso também evitaria que os limites da medicina fossem deturpados. Segundo eles,
caberia uma rigorosa fiscalização para evitar isso21,23.
A seguir, são elencados alguns dos mecanismos de controle propostos por alguns bio-
eticistas para evitar as possíveis consequências negativas da legalização da eutanásia
ativa e do suicídio assistido por médicos21,23:

• O paciente dever ter acesso a toda informação relevante sobre sua condição médica,

811
prognóstico e alternativas de tratamento, incluindo seus riscos e benefícios;

• Deve ser garantida a escolha informada, voluntária e mediante capacidade de con-


sentir do paciente;

• Devem existir procedimentos que garantam que a solicitação pela eutanásia ativa ou
pelo suicídio assistido por médico seja estável e duradoura, sendo necessário um perí-
odo de espera entre a solicitação e a realização do procedimento, para que o paciente
possa refletir sobre sua decisão;

• Todas as alternativas racionais para aumentar a qualidade de vida e aliviar a dor e o


sofrimento do paciente devem ter sido tentadas;

• Deve ser realizada avaliação psiquiátrica para descartar quadros depressivos;

• Todos os casos devem ser notificados em sistema de vigilância.

Outro possível critério seria restringir os procedimentos apenas aos pacientes terminais,
embora críticos a esse modelo aleguem que isso acabaria por ferir o direito à autodetermi-
nação. Isso porque, segundo eles, um número muito maior de pacientes seria privado des-
se direito enquanto outros teriam acesso ao método, segundo um critério que consideram
arbitrário. Assim, o principal argumento em prol da legalização, alegam, seria invalidado23.
Aqui, surge mais um dilema: como balancear a preservação da autonomia com restrições
como essas propostas? Qual seria o ponto de equilíbrio entre os dois extremos?
Mesmo diante de propostas mais restritivas, muitos críticos à eutanásia ativa e ao suicí-
dio assistido mantêm sua posição contrária. Argumentam que a prioridade para fiscalizar
as práticas seria baixa no sistema criminal e citam o caso da Holanda, em que os tribunais
e os órgãos de ética médica teriam se tornado indiferentes ao abuso. Apontam ainda que
seria impossível definir objetivamente mecanismos de controle, como o da lei holandesa,
que condiciona a autorização do procedimento à presença de um sofrimento insuportá-
vel, o que é algo difícil de definir. Ademais, argumentam que quase todas as leis em assun-
tos delicados podem ser abusadas, pois nem todos concordarão e obedecerão aos ditames,
sendo os riscos, portanto, inevitáveis. Apontam ainda que o requisito legal de uma segun-
da opinião também seria fraco, pois não seria difícil obter outro médico que respaldasse
o pedido. Por fim, também são citadas possíveis limitações à notificação, como observado

812
na Holanda, uma vez que a prática se recobre do sigilo da relação médico-paciente13.
As críticas, no geral, ressoam o argumento de que seria impossível impor freios à
eutanásia ativa e ao suicídio assistido por médico. Por basear-se no direito à autonomia,
uma vez legalizada, seria extremamente difícil limitá-la. Segundo alguns críticos, a lógi-
ca moral da eutanásia, assim, já conteria, em si, os ingredientes do abuso13.
O Quadro 3 elenca os critérios legais para o suicídio assistido no estado norte-america-
no do Oregon (o primeiro a legalizar a prática naquele país) e para a eutanásia e suicídio
assistido na Holanda.

QUADRO 3. CRITÉRIOS LEGAIS PARA A EUTANÁSIA E O SUICÍDIO ASSISTIDO – OREGON E HOLANDA

Oregon (apenas suicídio assistido)5 Holanda (eutanásia ativa/suicídio assistido)11,57

• Maiores de 18 anos; • Maiores de 12 anos, com o consentimento


• Residentes no Oregon; obrigatório dos pais até os 16 anos;
• Capacidade para tomada de decisão – • O paciente deve ter “sofrimento
consegue tomar decisão de saúde e entender insuportável”, sem perspectivas de melhora;
suas consequências e avaliar alternativas; • Estar consciente e ciente de sua condição,
• Doença terminal com prognóstico menor que perspectivas e opções;
seis meses; • O pedido de morte deve ser voluntário e
• Dois pedidos orais ao médico, com 15 dias de persistir ao longo do tempo (o pedido não
diferença entre um e outro; pode ser atendido sob a influência de outras
• Requisição por escrito assinada na presença pessoas, doenças psicológicas ou drogas);
de duas testemunhas; • O requisitante deve ter recebido
• Médico prescritor mais um “consultor” devem alternativas à eutanásia e tempo para
confirmar o diagnóstico e prognóstico; considerá-las;
• Médico prescritor e “consultor” devem • Não há outras soluções razoáveis para o
determinar a capacidade para consentir; problema;
• Se suspeita de transtorno psiquiátrico, • O paciente deve ter passado por consulta
deve ser encaminhado antes para avaliação com pelo menos outro médico independente,
psiquiátrica; que confirme as condições mencionadas
• Médico prescritor deve comunicar anteriormente;
alternativas, como hospice, paliação etc.; • A morte deve ser realizada de maneira
• Paciente tem direito de não comunicar clinicamente apropriada pelo médico ou
familiares. paciente, e o médico deve estar presente.

ADAPTADO DE: VAUGHN L. BIOETHICS: PRINCIPLES, ISSUES, AND CASES. 4a EDIÇÃO. NOVA YORK: OXFORD UNIVERSITY PRESS; 2020.
CAPÍTULO 10: EUTHANASIA AND PHYSICIAN-ASSISTED SUICIDE; P. 648-7405; GOVERNO DA HOLANDA. EUTHANASIA, ASSISTED SUICIDE
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-REQUEST11; E JANSSEN A, INT J LAW POLICY FAMILY 200257.

813
Quem poderia se submeter à eutanásia ativa e ao suicídio assistido por médico?
Estabelecer critérios de inclusão e exclusão, como já exposto, é uma forma que alguns
bioeticistas propõem para impor limites à eutanásia ativa e ao suicídio assistido por mé-
dico. Contudo, qual o critério para estabelecê-los? Argumentos mais acalorados a favor
da legalização da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico postulam que esses
procedimentos não deveriam se restringir à dor intratável e às doenças terminais, pois
muitos fatores, segundo essa tese, podem fazer com que alguém considere que a vida se
tornou um fardo. Ainda segundo esse ponto de vista, outras condições específicas tam-
bém deveriam ser elegíveis, tais como inconsciência permanente, demência grave (não
reconhece a si ou seus familiares) e doenças com um prognóstico sombrio (ELA, doença
de Huntington, entre outras). No entanto, há quem também cite fatores mais genéricos,
como a sensação de desumanização, a perda de independência e do controle, a sensa-
ção de falta de propósito ou significado na vida e a diminuição da mobilidade28. Nesses
casos, contudo, prevalece a subjetividade. Por exemplo, viver com quadriplegia pode ser
algo tolerável para uns, que se adaptam à sua nova condição, enquanto é um enorme
fardo para outros. Diferenças no acesso a cuidados paliativos ou de reabilitação para se
adaptar a uma condição de deficiência também poderiam influenciar essa perspectiva,
criando o perigoso risco de a eutanásia ativa e o suicídio assistido por médico se torna-
rem uma resposta mais fácil, rápida e barata nesses casos, o que afetaria justamente os
socialmente mais vulneráveis23.
Outra indicação polêmica e com grande influência da subjetividade é o sofrimento psi-
cológico. Nesses casos, como diferenciar com precisão quadros depressivos da tristeza
inerente a uma grave condição de saúde? Embora a psiquiatria clínica busque fazer isso,
sempre haverá campo para uma interpretação subjetiva. Ainda, caso pacientes não ter-
minais possam decidir sobre quando interromper suas vidas, como descartar a possibi-
lidade de que venham a mudar de ideia depois? Ou, então, ao menos, ressignificar suas
vidas diante de sua nova condição, como o caso de Dax Cowart, descrito no Capítulo 37.
Aqueles que defendem a ampliação dos critérios de inclusão para além de doentes ter-
minais, por sua vez, argumentam que estes têm, ao menos, o conforto de que a morte pró-
xima aliviará seu sofrimento. Pacientes não terminais, por sua vez, estariam em situação
pior por não terem um fim à vista, segundo eles, que citam casos como os de pacientes
com Alzheimer, que podem evoluir para um estado degradante, enquanto seus corpos per-
manecem fisicamente saudáveis por longos anos. Mas outros vão além: defendem que o
ressentimento pelo impacto na família e a sensação de um “dever de morrer” seriam jus-

814
tificativas válidas, assim como conceitos de que a vida já se prolongou além do necessário
e perdeu seu propósito, a despeito da ausência de um quadro de saúde. Essas ideias, en-
quanto lógicas para alguns, são vistas como hediondas para outros28. Assim, dada a subje-
tividade do tema, como definir os limites precisos da eutanásia ativa e do suicídio assistido
por médico caso sejam legalizados? Críticos alegam que é justamente a falta de uma res-
posta para esse questionamento que comprova que não existiriam limites para a eutanásia
e para o suicídio assistido, que teriam o abuso como uma característica a eles inerente13.

Legalização da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico e visão da sociedade


sobre pessoas com deficiência
Como já citado no argumento do slippery slope, críticos apontam que a legalização da
eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico poderia resultar em um número maior
de mortes em populações vulneráveis, como portadores de deficiências físicas. Até que
ponto a visão da sociedade quanto a este grupo é enviesada36?
Alguns bioeticistas apontam que já existem discrepâncias de julgamento em relação
ao suicídio de pessoas sem e com deficiências físicas. No primeiro caso, o ato é visto
como uma tragédia que acometeu alguém que teria tudo para viver uma bela vida futu-
ra e, portanto, maiores esforços de prevenção devem ser implementados. No segundo
caso, alguns tendem a reconhecer certo “sentido” no suicídio, por considerar em que a
vida da população com deficiência não valeria a pena ser vivida. Assim, essa visão con-
descendente poderia contribuir para um eventual apoio, mesmo que tácito, para que es-
sas pessoas tomem decisões envolvendo eutanásia ativa e suicídio assistido por médico,
segundo seus críticos. Alegam, portanto, que poderia haver um componente de pressão
social, ou, ao menos, facilitação pela sociedade, capaz de influenciar o paciente nessa
condição36. Seria essa uma ameaça a uma decisão de fato autônoma?
A paratleta belga Marieke Vervoot é citada como um exemplo desse viés. Aos 14 anos,
foi diagnosticada com síndrome complexa da dor regional, doença progressiva e incurá-
vel caracterizada por dores, disfunções motoras e alterações autonômicas no corpo, que
fez com que Marieke passasse a depender de cadeira de rodas. No entanto, ela se dedi-
cou ao esporte paralímpico, incluindo modalidades como basquete em cadeira de rodas,
natação e paratriatlo (na qual foi bicampeã mundial). Com a progressão de sua doença,
passou a competir em provas de velocidade com cadeira de rodas, modalidade que lhe
rendeu a medalha de ouro nos Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012, e medalhas de
bronze e de prata nos do Rio de Janeiro, em 2016. A despeito de seus êxitos olímpicos re-
centes e de seu estado não terminal, Marieke, alegando dores e sofrimento insuportáveis,

815
submeteu-se à eutanásia ativa em 2019, desejo que já havia manifestado antes mesmo
de suas últimas Paralimpíadas. “A qualquer momento posso pegar meus papeis e dizer:
‘chega! Quero morrer!’”, dizia Marieke à época, manifestando que poder decidir quando
interromper sua vida lhe trazia tranquilidade58.
O que chama a atenção no caso Marieke Vervoot é o fato de que ninguém tentou per-
suadi-la a não cometer a eutanásia ativa ou, ao menos, não há relatos públicos disso.
Ou então, mesmo reconhecendo seu sofrimento, não se tornaram públicos os debates
e esforços para buscar possíveis alternativas para atenuá-lo. Ao contrário, a mídia noti-
ciou amplamente sua decisão, com um tom, de certa forma, romantizado58. Seria esta a
mesma reação caso um atleta de elite – e não um paratleta – se suicidasse? Ou, então, o
suicídio de indivíduos saudáveis teria a simpatia social como ocorreu com Marieke? A
sociedade daria um “empurrãozinho” tácito, como no caso da paratleta?
Outro caso importante foi o do jogador de rugby britânico Daniel James, de 23 anos,
que, em um acidente durante o treino, ficou paraplégico ao nível do tórax. Após tentativas
frustradas de suicídio, James se submeteu ao suicídio assistido por médico em uma clínica
da Suíça. Segundo seus pais, ele alegava “não querer viver uma vida de segunda classe”59.
Assim, é inevitável questionar: teria sido sua decisão enviesada por um conceito negativo
que a sociedade atribui a pessoas com deficiências? Estaria este conceito arraigado na
pessoa que até há pouco era sã, mas que, repentinamente, deparou-se com uma nova si-
tuação de deficiência em sua vida? E, diante da nova situação, poderia não ter tido tempo
ou oportunidade de rever seus valores, para que não mais se baseassem nesses conceitos
prévios, e se alinhar à sua nova realidade? O caso de Dax Cowart, detalhado no Capítulo 37,
exemplifica exatamente esse cenário e responde a muitos desses questionamentos.
Os críticos concluem que a condescendência com a eutanásia ativa e com o suicídio as-
sistido em portadores de deficiências pode refletir uma visão compassiva, mas negativa,
que a sociedade tem sobre esse grupo de pessoas. O caso de Marieke Vervoot poderia ser
um exemplo do slippery slope da eutanásia ativa na Bélgica, vizinha à Holanda, a primeira
a liberar a prática, que, em seu início, limitava-se somente a pacientes terminais. Anos
depois, no entanto, pessoas com deficiência que alegam sofrimento insuportável, como
Marieke, também puderam ser incluídas. Casos como o dela e de Daniel James levaram
à organização de grupos de pessoas com deficiência contrários à eutanásia ativa e ao sui-
cídio assistido, com o intuito de proteger e tutelar esse grupo de pessoas de potenciais
consequências danosas da prática, como o Not Dead Yet (Morto Ainda Não, em inglês)36.
No Reino Unido, o ativismo deste e de outros grupos, junto ao parlamento, resultou na
rejeição de um projeto de lei que legalizaria o suicídio assistido naquele país, em 201560.

816
Considerações finais
A eutanásia ativa e o suicídio assistido por médico são questões polêmicas na bioética
que, provavelmente, nunca terão uma resposta consensual e definitiva. Mesmo 20 anos
após sua legalização na Holanda, diversos questionamentos ainda emergem. No entan-
to, não se pode ignorar o fato de que os holandeses vivem em um contexto sociocultural
e econômico específico, que não é compartilhado por muitos países, como o Brasil. Por
exemplo, sua população tem acesso a um sistema de saúde eficiente, a expectativa de vida
elevada, taxas de pobreza baixas e nível educacional alto. No Brasil, por sua vez, a despeito
das garantias constitucionais, o acesso a uma saúde de qualidade ainda é algo distante. O
SUS apresenta sérias deficiências, enquanto a saúde da população também é afetada por
um cenário socioeconômico e educacional desfavorável. Ainda, a complexidade das leis e
da burocracia, assim como distorções no sistema judiciário, faz com que hoje a saúde se
torne um tema frequente nos tribunais, especialmente no fim da vida.
Embora seja importante fomentar o debate, de fato não há espaço para a eutanásia e
o suicídio assistido no Brasil diante desse contexto. Assim, o foco atual deve ser buscar
resolver os problemas que o país enfrenta na área da saúde e concentrar os esforços em
melhorias do processo de morrer, o que pressupõe fortalecer os cuidados paliativos,
ampliar o acesso à saúde e ter um SUS eficiente. As leis e políticas públicas devem ter um
conceito ampliado de saúde que inclua o conforto a pacientes em fim de vida, além de
buscar evitar a judicialização desse tema (mais detalhes sobre isso no Capítulo 42).
É necessário que os médicos reconheçam que a morte atualmente se tornou algo
desconectado de relacionamentos, eventos e ambientes que dão sentido à vida, como a
presença de familiares e o conforto do próprio lar. Grande parte das mortes atualmen-
te ocorre em unidades de terapia intensiva, onde estes elementos não estão presentes.
Diante disso, é preciso que os médicos melhorem a escuta ao paciente e se engajem
em discussões sensíveis sobre suas necessidades no fim da vida. O treinamento em
cuidados paliativos deve ser aprimorado, especialmente em temas como o diagnóstico
e manejo da dor e de quadros depressivos. Deve-se garantir o direito à limitação e à
descontinuação de tratamentos que prolongam a vida artificialmente, evitando-se a
futilidade terapêutica. Todas essas ações devem pressupor também o respeito ao con-
sentimento e à informação do paciente.
Somente depois que essas ações forem implementadas e gerarem resultados será pos-
sível identificar aqueles pacientes para os quais esses esforços não bastarão para garan-
tir uma morte digna. O debate sobre a eutanásia ativa e sobre o suicídio assistido por mé-
dico deve, então, priorizar a busca por soluções possíveis para esse grupo de pacientes.

817
Quais seriam as melhores opções nesses casos? Sedação terminal? Sedação e limitação
de nutrição e hidratação? Aqueles que considerarem que nem mesmo esses métodos são
suficientes, propondo a eutanásia ativa e o suicídio assistido por médico, devem então
responder: quais os limites para cada um desses métodos?
Em suma, ninguém pode ignorar os problemas que atualmente se associam ao pro-
cesso de morrer. Cuidar de pacientes em fim de vida sem pensar nisso significa se esqui-
var dos debates bioéticos atuais.

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824
Capítulo 39
Deontologia Médica e Aspectos
Legais das Situações de Fim de Vida
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Felippe da Silva Afonso
Flavio César de Sá (in memoriam)
Thaís Ferreira de Araújo

O comportamento dos indivíduos em uma sociedade é regido por normas, que podem
ser classificadas em princípios e regras, de acordo com a concepção do jusfilósofo ale-
mão Robert Alexy, tendo as últimas o caráter “tudo ou nada”1. Elas são o produto final de
um processo de elaboração que envolve o debate entre diversos argumentos e pontos de
vista. Assim, conforme já exposto no Capítulo 36, as regras diferem das teorias morais e
dos princípios da bioética, os quais têm características mais teóricas, ou seja, podem ser
satisfeitos em maior ou menor medida. Neste capítulo, portanto, não serão abordados
esses conceitos teóricos, como autonomia e beneficência. Em vez disso serão apresenta-
das e analisadas as regras presentes no ordenamento jurídico brasileiro e na deontologia
médica, com enfoque em situações vivenciadas na prática dos cuidados paliativos.
O capítulo descreverá e comentará os códigos legais brasileiros, especialmente no âm-
bito do direito privado, área esta que tem por objetivo regular as relações privadas, com
ênfase no conceito de pessoa, início e fim de vida. Também serão abordados os prin-
cipais conceitos da deontologia médica, estabelecidos pelas entidades competentes no
Brasil, os conselhos federal e regionais de medicina.

Conceitos e definições
O arcabouço teórico das leis brasileiras que regem a capacidade civil e a ca-
pacidade para tomar decisões quanto à própria saúde já foi detalhado no Capí-
tulo 36. É composto por conceitos como autonomia e capacidade para consen-
tir, que embasaram o processo de criação de normas e princípios. Tal processo
resultou em institutos legais, que serão conceituados a seguir:
• Autonomia privada e capacidade civil: a autonomia privada define a liberda-

825
de de um indivíduo se autogerir e se autodeterminar no campo da vida privada,
por exemplo, celebrando negócios jurídicos e assumindo as consequências le-
gais correspondentes. Para exercer essa autonomia, o indivíduo deve ter o que
se denomina capacidade civil, ou seja, a aptidão legalmente conferida para que
possa praticar atos jurídicos no âmbito do direito civil. Assim, não basta que o
indivíduo apenas tenha o desejo de tomar determinada decisão, ele deve tam-
bém preencher os requisitos legais para poder contrair os respectivos direitos
e obrigações e exercê-los por si mesmo2. Ou seja, deve ter capacidade civil. No
Brasil, o Código Civil estabelece que toda pessoa nasce dotada de personalida-
de jurídica, instituto este que garante direitos de personalidade aos indivíduos,
alguns garantidos desde a concepção, como o direito ao nome e à sucessão
hereditária, que estão elencados no Capítulo II do Código Civil brasileiro3. No
entanto, o exercício de outros tipos de direitos civis requer o preenchimento
de critérios adicionais, como, por exemplo, idade. Exemplificando, um adoles-
cente de 16 anos é um sujeito dotado de direitos de personalidade, entretanto,
caso queira pleitear pensão alimentícia de seu pai, precisa estar assistido por
sua genitora para ingressar judicialmente, não possuindo, portanto, capacida-
de processual plena para tal ato.

• Capacidade para consentir ou capacidade sanitária: os conceitos anterior-


mente definidos – autonomia privada e capacidade civil – são de cunho essen-
cialmente patrimonial, o que faz com que não sejam perfeitamente aplicáveis
no âmbito da bioética e do direito da saúde. São conceitos válidos, por exemplo,
para a gestão de bens e recursos, em que faz sentido que sejam preenchidos de-
terminados critérios, como possuir capacidade decisória sobre esses assuntos.
Contudo, em bioética, o que está em questão são questões de cunho personalís-
simo, como a integridade do próprio corpo e o direito do exercício da autono-
mia, cujo arcabouço teórico remonta à ética kantiana (para mais detalhes, ver
Capítulo 36). Por esse motivo, foi descrito o conceito teórico da capacidade para
consentir ou capacidade sanitária, que é a habilidade de tomar decisões sobre
temas relacionados à própria saúde2. O ordenamento jurídico brasileiro ainda
carece de definições mais robustas e instrumentos legais que estabeleçam regras
de conduta para esse fim, regulando, por exemplo, como proceder em situações

826
em que tal capacidade do paciente esteja comprometida. Isso porque o Código Ci-
vil brasileiro historicamente tem raízes patrimonialistas4, cujo foco é a capacida-
de civil, enquanto os parâmetros para determinar a capacidade para consentir
ainda são escassos no ordenamento jurídico brasileiro, abrindo potenciais bre-
chas para controvérsias e confusão entre os dois conceitos e fazendo com que
a capacidade para consentir muitas vezes se confunda com a capacidade civil2.
A dicotomia entre a capacidade civil e capacidade para consentir será discutida
em mais detalhes neste capítulo.

• Diretivas antecipadas de vontade (DAV): na bioética, o princípio da autono-


mia, por tratar de assuntos personalíssimos, como a integridade do próprio
corpo, deve ser mais abrangente do que o conceito aplicado ao direito civil.
Assim, não se deve considerar que um indivíduo deve necessariamente ter sua
autonomia violada somente porque perdeu sua capacidade para consentir, por
exemplo, por um quadro demencial2. Como forma de preservar a autonomia
de pacientes diante desses dilemas clínicos, como um quadro demencial, fo-
ram criados mecanismos legais pelos quais o paciente pode manifestar seus
desejos e valores mesmo estando desprovido de capacidade para consentir. As
DAV oferecem esses mecanismos, pois permitem que o enfermo, de forma pré-
via, indique um procurador ou deixe registrados, em testamento vital, seus de-
sejos, valores e vontades, para que sejam levados em conta em um cenário em
que perca sua capacidade para consentir5. O principal objetivo da ferramenta é
preservar a autonomia do paciente em situações em que ele estaria suscetível
a perdê-la, dependendo potencialmente de decisões paternalistas.

Para além desses institutos legais, há conceitos que baseiam a tomada de deci-
são em situações de fim de vida em que o paciente não tem capacidade de decidir
sobre a própria saúde. No Brasil, esses conceitos ainda permanecem no cam-
po da teoria, uma vez que não foram criados instrumentos legais que permitam
aplicá-los, por exemplo, na forma de DAV. Contudo, em países como os Estados
Unidos, esses conceitos baseiam, além de leis, decisões judiciais que, segundo
o ordenamento jurídico desse país, estabelecem precedentes que determinam
padrões de conduta em casos futuros. Esses conceitos serão descritos a seguir:

827
• Decisão por julgamento substituto: trata-se do princípio que guia uma
pessoa na tomada de decisão sobre a saúde de um paciente, em seu nome,
quando este perdeu sua capacidade para consentir. Segundo o princípio, a
decisão tomada não pertence ao indivíduo que a tomou, mas ao paciente6.
Assim, devem ser respeitados os valores e desejos que o paciente expressou
quando ainda tinha capacidade para tal. Nos Estados Unidos, é possível que
um paciente, desde que capaz, defina um indivíduo para tomar decisões por
ele quando perder sua capacidade para consentir (durable power of attorney for
health care ou health care proxy). Nesse caso, espera-se que o indivíduo a quem
esse atributo foi dado tome decisões com base nos anseios do paciente que lhe
conferiu tal poder, ou seja, siga o princípio do julgamento substituto7.

• Princípio dos melhores interesses: aplica-se quando um paciente nunca


foi considerado capaz de tomar decisões sobre sua própria saúde, como nos
casos de recém-nascidos com prognóstico reservado (casos abordados em
detalhes no Capítulo 25)8. Nesses casos, não é possível saber quais as prefe-
rências e valores do paciente, uma vez que eles nunca tiveram capacidade
de expressá-las. Assim, a decisão deve ser tomada com base “no que seria
melhor para os interesses do paciente9”. Geralmente, esse tipo de decisão é
tomada em situações extremamente delicadas e, por isso, muitas vezes ocor-
rem em âmbito judicial e de forma colegiada. Contudo, o princípio apresen-
ta grande dependência de subjetividade, pois não há critérios objetivos para
determinar com precisão o que seriam os “melhores interesses”. Abre-se,
assim, espaço para a controvérsia, o que faz com que o princípio seja aplica-
do somente a essas situações restritas.

Capacidade civil no ordenamento jurídico brasileiro


O Código Civil estabeleceu 18 anos como a idade em que a pessoa adquire a capaci-
dade plena de exercer praticamente todos os direitos civis, sendo a incapacidade uma
exceção à regra. Assim, segundo o Código, a incapacidade civil absoluta se aplica aos
menores de 16 anos, que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil (art. 3º). Já os maiores de 16 e menores de 18, bem como os ébrios eventuais, os
“viciados em tóxicos” ou aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem

828
exprimir sua vontade e os pródigos são considerados relativamente incapazes (art. 4º)3. É
importante salientar que esse rol de situações em que o indivíduo é considerado rela-
tivamente incapaz foi reduzido pela Lei nº 13.146, de 2015, também conhecida como
Estatuto da Pessoa com Deficiência, que buscou preservar os direitos dessa população10.
No âmbito jurídico, existe procedimento próprio para que a capacidade civil do sujei-
to seja limitada. O juiz, por meio de um processo de interdição, com a fiscalização do Mi-
nistério Público, determina a incapacidade relativa de um sujeito para exercício dos atos
da vida civil. A sentença final também nomeia a figura do curador, pessoa responsável
civilmente pelo interditado. Com isso, fica limitado o exercício de diversos atos da vida
civil pelo indivíduo, em especial os de natureza negocial e patrimonial, como comprar
ou vender bens, por exemplo11.
No entanto, como anteriormente ressaltado, cabe esclarecer que a incapacidade civil
não necessariamente resvala na incapacidade do sujeito de se determinar perante os
cuidados de saúde que deseja ou não receber, pois esses estão ligados intimamente à sua
dignidade e à forma como este indivíduo escolheu viver. Essa dicotomia entre a capaci-
dade civil e a sanitária será abordada em mais detalhes a seguir.

A dicotomia entre a capacidade civil e a capacidade para consentir (sanitária)


A capacidade civil não deve ser confundida com a capacidade para tomar decisões sobre
a própria saúde2. Basear a última somente na primeira pode abrir espaço para abusos e
situações de paternalismo que ferem a dignidade do paciente. Por exemplo, um paciente
com deficiência intelectual, classificado como relativamente incapaz no âmbito civil, não
pode ser considerado, a priori, incapaz também para tomar decisões sobre sua saúde. Isso
porque a legislação civil preocupa-se demasiadamente com as questões relacionadas ao
patrimônio e não necessariamente com os desejos subjetivos de vida e dignidade do sujeito,
razão pela qual vê a autonomia privada quase sempre como autonomia para celebração de
negócios – justamente por tal motivo, o legislador foi motivado a criar o Estatuto da Pessoa
com Deficiência. Deste modo, a incapacidade (ou capacidade) civil não deve ser determi-
nante na incapacidade para consentir, que é aquela específica para os cuidados em saúde2.
Como requisito fundamental para que um paciente tenha capacidade para consentir, é
necessário que ele apresente discernimento5. O paciente deve ser capaz, portanto, de re-
ceber a informação sobre sua condição e as alternativas de tratamento propostas, refletir
sobre elas e pesar suas consequências e riscos para, então, tomar uma decisão racional. Ou
seja, isso implica que a capacidade para consentir depende fundamentalmente de atribu-
tos cognitivos e intelectuais, em vez de se pautar principalmente em mecanismos legais.

829
Isso acaba por fazer com que a dicotomia entre o instituto legal da capacidade civil e o
conceito bioético de capacidade para consentir produza controvérsias entre as ciências
do direito e da bioética. Ademais, tem-se que o ordenamento jurídico brasileiro acaba
por não ser claro quanto à definição de parâmetros e mecanismos para a determinação
da capacidade para consentir5. Exceções a isso estão presentes em algumas leis, como na
Lei n.º 10.216/2001, que estabelece procedimentos e mecanismos para a internação in-
voluntária e compulsória de pacientes portadores de transtornos psiquiátricos, ou seja,
tidos como incapazes para consentir e, portanto, passíveis de tratamentos sem que haja
seu consentimento, mas de acordo com os limites legais12.
Contudo, a legislação brasileira não abarca a miríade de situações clínicas em que se
torna necessário determinar a capacidade de um paciente para consentir e tomar decisões
quanto ao seu tratamento. Iniciativas como a Lei n.º 10.216/2001 foram decorrentes de de-
mandas específicas, sendo difícil ocorrer um dinamismo legislativo capaz de fazer a legis-
lação abarcar todos os outros cenários clínicos, pelas próprias características do sistema ju-
rídico brasileiro, como será analisado adiante. Não obstante, como muitos desses cenários
clínicos ocorrem em fim de vida, acabam por motivar intenso debate bioético e demandas
legislativas, como a que envolve as DAVs, que também serão abordadas.
Diante disso, a discussão sobre a capacidade do paciente em determinar seus desejos
quando o assunto é sua saúde, ao contrário da capacidade civil, acaba por predominar no âm-
bito da bioética2. Os princípios que atualmente guiam essa discussão tiveram sua elaboração
motivada por influência de eventos históricos, como a Segunda Guerra Mundial e escândalos
envolvendo experimentos com humanos no século XX. O arcabouço teórico que embasa essa
discussão foi explorado no Capítulo 36, assim como esses aspectos históricos relacionados.
Em linhas gerais, os princípios norteadores que pautam o conceito da capacidade
para consentir baseiam-se no reconhecimento dos direitos humanos, entre eles o di-
reito à autodeterminação como forma efetiva de garantia de dignidade, colocando em
xeque o tradicional paternalismo médico13. Nessa linha, o próprio Código de Ética Mé-
dica (CEM), em seu artigo 101, estabelece a obrigação do médico em obter o assen-
timento da criança ou adolescente participante de pesquisa médica, ainda que seus
representantes legais já tenham consentido por meio do termo de consentimento livre
e esclarecido (TCLE), respeitando o grau de entendimento e discernimento do pacien-
te14. Ou seja, mesmo que o paciente seja considerado total ou relativamente incapaz no
âmbito civil, o médico não está eximido de obter seu assentimento para a participação
na pesquisa médica, ficando clara a existência de uma dicotomia entre o direito civil
e a bioética no que se refere ao grau de autodeterminação dado ao menor de idade2.

830
Da mesma forma, o CEM traz outra proteção à autonomia de pacientes civilmente in-
capazes em seu artigo 7414, mais uma vez demonstrando que a incapacidade civil não se
traduz em incapacidade para consentir obrigatoriamente. Nesse artigo, que diz respeito
ao sigilo da criança ou adolescente, fica vedado ao médico a revelação de informações
de pacientes nessa faixa etária, quando possuírem capacidade de discernimento, exceto
quando a não revelação causar dano ao paciente. Assim, em que pese a capacidade civil
absoluta se iniciar os 18 anos, crianças e adolescentes já podem exercer seu direito de
autodeterminação, respeitado seu nível de compreensão2.
Os exemplos elencados demonstram que consentir é uma capacidade de direito, ou
seja, pressupõe o cumprimento de determinados requisitos para que o indivíduo possa
exercer direitos de fato. Estes, por sua vez, são inerentes ao ser humano e, no contexto
dos cuidados à saúde, envolvem essencialmente o direito à autonomia, que se baseia em
princípios bioéticos como a dignidade da pessoa humana5. No entanto, pelas razões já
mencionadas, os requisitos para que exista capacidade de fato pressupõem a existência
de discernimento por parte do paciente. Quando esta faculdade mental não está presen-
te, o paciente não tem capacidade para tomar decisões sobre a própria saúde.
A escassez de mecanismos e parâmetros legais para regular a determinação da capa-
cidade para consentir de um paciente se soma à complexidade clínica inerente a muitas
situações, como as de fim de vida. Isso porque são inúmeras as possibilidades e cenários
clínicos que podem levar a um prejuízo das faculdades cognitivas de um paciente, sendo
extremamente difícil criar normas rígidas que estabeleçam parâmetros objetivos para
se declarar um paciente como incapaz para consentir. Como resultado, essa determina-
ção apresenta grande dependência da prática clínica do médico, devendo se ancorar em
critérios provenientes das ciências médicas e na experiência do profissional clínico15, e
não apenas em procedimentos legais.
Ao assumir uma posição mais próxima à medicina do que ao direito, a determinação
da capacidade para consentir segue a lógica da produção de conhecimento das ciências
médicas, ou seja, a busca por evidências empíricas. Para isso, é fundamental observar e
analisar caso a caso, o que ressalta a importância da experiência clínica do profissional.
É o que ocorre no sistema legal dos Estados Unidos, no qual o conceito de capacidade
para consentir encontra paralelo no instituto da capacity, cuja determinação é essencial-
mente um ato médico7,16. Este conceito, fundamental na prática clínica diária do sistema
de saúde dos Estados Unidos, se refere à habilidade do paciente em compreender sua
condição de saúde, os riscos a ela associados e os riscos e benefícios de cada alternativa
terapêutica apresentada. O paciente que possui capacity consegue, portanto, integrar e

831
processar essas informações, elaborando um juízo lógico sobre elas, que se expressará
ao mundo externo como a manifestação de sua vontade15. É um atributo, portanto, que
apresenta grande dependência das funções cognitivas do indivíduo.
Nos Estados Unidos, enquanto a determinação da capacity do paciente é essencial-
mente um ato médico, o instituto denominado competence é determinado pela justiça7,16.
Naquele país, contudo, nas últimas décadas, as principais polêmicas judiciais não ques-
tionaram se o paciente tem ou não capacidade para consentir, mas sim se o paciente ou
aquele que por ele decide possui ou não determinado direito, em especial, para recusar
ou limitar/descontinuar tratamentos. Exemplos disso são os casos célebres do sistema
judicial norte-americano, como os descritos no Capítulo 38, que revelam que determinar
a capacidade para consentir é apenas o primeiro passo na tomada de decisão em fim de
vida e não esgota a polêmica que envolve muitos desses dilemas.
Assim, permanecem as controvérsias: se um paciente tem capacidade de consentir,
pode recusar qualquer tratamento? Se não tem, como deve ser feita a tomada de decisão
em seu nome? A resposta à primeira pergunta foi abordada em seu aspecto teórico no
Capítulo 37 e, a seguir, serão apresentados alguns aspectos da deontologia médica sobre
esse dilema. Já situações como as contempladas pela segunda pergunta motivam o deba-
te sobre as DAV, discutidas também a seguir.

Avaliação da capacidade para consentir pelo médico


Conforme exposto anteriormente, definir se um paciente tem ou não capacidade
para consentir recai primordialmente no médico15. Na prática, a questão que paira é
a seguinte: como os médicos devem avaliar a capacidade para consentir de um sujeito
sem se ancorar na premissa de que a capacidade civil necessariamente se traduz na ca-
pacidade para consentir? Como o médico deve atuar de forma a preservar a dignidade
do paciente e ao mesmo tempo respeitar a legislação sobre o tema?
A grande maioria dos médicos, se não todos, já passaram pela situação de cuidar de
adultos com capacidades cognitivas reduzidas, seja por doença degenerativa, AVC, trau-
matismo craniano ou qualquer doença capaz de retirar do sujeito sua capacidade plena
de determinar e opinar sobre seus tratamentos, dúvidas, recusas etc., seja de forma tran-
sitória ou permanente. Em linhas gerais, o que se avalia é a capacidade de compreensão
do paciente e, a partir disso, sua capacidade de autodeterminação (exercício da autono-
mia)15. Aqui, o objetivo é amparar as decisões do paciente sobre cuidados em saúde que
estão intimamente ligados à sua dignidade.
Dessa forma, a avaliação da capacidade para consentir se baseia fundamentalmente na

832
avaliação da função cognitiva do paciente e não em um juízo de valor pessoal do médico
quanto à decisão tomada pelo paciente7,15. Inicialmente, essa avaliação pressupõe uma co-
municação transparente com o paciente, em uma linguagem que ele possa compreender.
Técnicas para realizar esse tipo de comunicação, fundamental nas situações de fim de
vida, foram descritas no Capítulo 30. Nessa linha, o CEM, em seu artigo 34, estabelece que
é obrigação do médico “informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os
objetivos do tratamento […] salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano”;
quando é necessário, nesse caso, “fazer a comunicação a seu representante legal14.”
Uma vez estabelecido um canal de comunicação adequado, o médico deve avaliar a capa-
cidade de compreensão do paciente. Contudo, não basta apenas que o paciente capte e com-
preenda a informação. Ele deve ter também a capacidade de ponderar sobre os elementos a
ele apresentados, tais como as alternativas terapêuticas e os riscos e benefícios associados a
cada uma delas. Deve, a seguir, também apresentar a capacidade de comunicar uma decisão,
fruto desse processo de ponderação entre as alternativas apresentadas15.
Após o paciente manifestar sua decisão, conflitos podem emergir entre ele e seu médico.
Contudo, não é o juízo do médico quanto ao mérito da decisão tomada pelo paciente que deve
determinar ou não a capacidade para consentir, pois a decisão é fruto de um processo racio-
nal de ponderação de suas consequências à luz de um correto entendimento sobre seu qua-
dro de saúde, o paciente tem capacidade para consentir, independente do mérito da decisão.
Situações em que surgem divergências, contudo, geralmente envolvem a recusa te-
rapêutica e a demanda por tratamentos fúteis e/ou potencialmente inapropriados e/ou
que ultrapassam os limites da medicina e/ou que conflitam com a autonomia do médico
e com sua objeção de consciência. Tais situações, assim como casos célebres que as en-
volveram, foram descritos no Capítulo 37. Neste capítulo, serão abordadas algumas leis e
normas que regem as decisões nesses cenários. Porém, mais do que na esfera judicial, é
fundamental que esses conflitos sejam tratados no contexto da relação médico-paciente,
tópico abordado no Capítulo 40.
Embora o processo descrito seja rotina nos Estados Unidos, no Brasil há desafios
adicionais para a implementação prática desses parâmetros para determinar a capa-
cidade para consentir. Em primeiro lugar, as características sociais e educacionais da
população podem constituir barreiras importantes para a comunicação entre médico e
paciente, prejudicando, assim, o entendimento do quadro clínico pelo último17. Assim,
mesmo que o paciente se apresente alerta, contactuante e orientado, pode não ter os
recursos suficientes para o exercício pleno de sua capacidade para consentir. Cabe ao
médico esforçar-se para superar essa limitação, buscando ensejar esforços para esta-

833
belecer uma comunicação que seja compreensível pelo paciente. Caso contrário, como
infelizmente é frequente na prática clínica no Brasil, perpetua-se uma relação extre-
mamente desigual entre médico e paciente, que acaba por se pautar no paternalismo
médico. Diante dessa realidade, é importante frisar que a existência de um cenário em
que o paciente apresenta menor compreensão da informação não é pressuposto para o
desrespeito de sua autonomia, mas é dever do médico superar esse problema.

Métodos de avaliação padronizada da capacidade para consentir


Assim como ocorre com outros atos médicos, também se tem buscado adotar práticas
clínicas padronizadas para determinar a capacidade para consentir de um paciente. Para
isso, foram criados instrumentos padronizados de avaliação15. Tais métodos podem ser par-
ticularmente úteis em quadros demenciais, especialmente quando ainda iniciais. O princi-
pal exemplo é o MacArthur Competence Assessment Tool for Treatment (MacCAT-T)18, 19.
O instrumento consiste em uma entrevista semiestruturada que auxilia na determina-
ção da capacidade para consentir do paciente. Para isso, segue os mesmos princípios ante-
riormente descritos: exposição ao paciente da informação sobre sua condição, descrição
do tratamento que está sendo proposto, os riscos e benefícios a ele associados e outras
possíveis alternativas terapêuticas e suas consequências. As questões constantes no ins-
trumento, que são feitas pelo médico ao paciente nesse processo, avaliam sua capacidade
de compreender, apreciar e raciocinar a respeito de seu tratamento18. O método padroni-
zado permite, ainda, avaliar as respostas dos pacientes e conduzir estudos sobre o tema.
No Brasil, conforme já descrito, a determinação da capacidade para consentir ainda é
menos padronizada. No entanto, alguns esforços para padronizar o ato e torná-lo mais ob-
jetivo foram descritos. Um deles consiste na validação e na adaptação para o português do
MacCAT-T, proposta por Santos et al.19. Nesse trabalho, os autores utilizaram uma amostra
composta por pacientes com doença de Alzheimer, que foi avaliada quanto à capacidade
para consentir. Como resultado, os itens do MacCAT-T apresentaram equivalência semân-
tica, idiomática, conceitual e experiencial na versão brasileira. A compreensão se correla-
cionou com a preservação do raciocínio e do julgamento dos participantes. A consciência
quanto à doença, por sua vez, se relacionou com a expressão da escolha.

Responsabilidade médica na determinação da capacidade para consentir


Sendo um ato eminentemente médico e clínico, a determinação da capacidade para
consentir está atrelada às normas que regem a responsabilidade médica, tais como o
CEM14, o Código Civil3 e o Código Penal20.

834
Assim como qualquer ato médico, a determinação da capacidade para consentir está su-
jeita a erros. Porém, na análise de mérito quanto à responsabilidade médica pesará, assim
como em outros casos, se o médico utilizou das melhores práticas clínicas e se há substra-
to técnico para seu julgamento clínico. Ainda, caberá avaliar se o ato se pautou no respeito
à dignidade e à autonomia do paciente, além do princípio da beneficência. No entanto, as
situações em que estes princípios conflitam constituem um caso especial, a recusa tera-
pêutica, descrita em detalhes no Capítulo 37 e a seguir, quanto a seus aspectos legais.
Para fins de ilustração, tome-se como exemplo o caso de um paciente com transtorno
psiquiátrico, porém capaz de tomar decisões quanto a sua própria saúde. Em um caso
hipotético, seu médico, a pedido de familiares, indica internação involuntária, a despeito
de não haver justificativa clínica para tal. Posteriormente descobre-se que os familiares
tinham como objetivo internar o paciente para usufruir de sua residência na sua ausência
e que haviam pagado grande soma de dinheiro ao médico para que indicasse a interna-
ção. Assim, tem-se, neste exemplo hipotético, que o médico não se pautou em justificativa
clínica adequada ao realizar a determinação da capacidade para consentir do paciente,
desrespeitando tanto o princípio da autonomia quanto o da beneficência. Como resultado,
poderá responder na esfera ética, civil e até mesmo criminal pelo ato. As infrações impu-
tadas irão variar a depender do caso, mas tal discussão foge ao escopo deste capítulo.

A capacidade para consentir em menores de idade


Como já exposto anteriormente, a lei brasileira estabelece algumas restrições ao
exercício de direitos pelo menor de idade, basicamente no que diz respeito à expressão
de sua autonomia para celebrar negócios jurídicos3.
Por outro lado, a Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Convenção sobre os
Direitos da Criança, ocorrida em 1989, trouxe diversas garantias de direitos aos meno-
res de 18 anos – ou menos nos países membros em que a idade para alcançar a maio-
ridade for menor. Entre as diversas garantias trazidas pela Convenção, estão o direito
de ser informado e de consentir, considerando sua capacidade para consentir quanto
aos cuidados de saúde que deseja ou não receber21. Embora o Comitê não tenha usado
na Convenção a expressão “capacidade para consentir”, é possível inferir que há a pre-
visão de respeito à a autonomia, considerando o grau de amadurecimento do menor.
Em 1990, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU por meio
do Decreto n.º 99.710/199022. No mesmo ano, os conceitos trazidos pela ONU inspiraram
a elaboração da Lei n.º 8.069, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adoles-
cente (ECA), que entrou em vigor em 14 de outubro de 199023.

835
Em seu texto, o ECA prevê o exercício da autonomia da criança e do adolescente em
seus cuidados em saúde, ao vislumbrar a possibilidade de manutenção da confidencia-
lidade, o respeito a sua autonomia e a absoluta proteção a sua vida e saúde, de forma
a possibilitar condições de existência dignas. O ECA garante também que toda criança
e todo adolescente sejam ouvidos e que sua opinião seja considerada no momento em
que decidirem fatos que envolvam sua vida íntima23.
No CEM, além do já citado artigo 74, que preserva o sigilo médico de crianças e
adolescentes com discernimento, o respeito à dignidade desse grupo etário também
é ressaltado pelo artigo 101. Segundo seu parágrafo 1º, o médico deve obter, além do
consentimento do representante legal da criança ou do adolescente participante de
pesquisas, seu “assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão”14.
Assim, conclui-se que a incapacidade civil absoluta, um instituto rígido aplicado aos
menores de 16 anos no Brasil, não pressupõe, necessariamente, incapacidade para
tomar decisões sobre a própria saúde2. Ao contrário, existem em legislação específica
garantias para preservar a autonomia e a dignidade desses indivíduos. Dessa forma,
embora a legislação brasileira traga limitações ao exercício dos direitos civis do me-
nor, seus desejos e valores quanto aos cuidados de saúde devem sim ser considerados.
Cabe primordialmente ao médico, nos termos já descritos anteriormente em de-
talhes, a avaliação da capacidade para consentir do menor. Ela deve ser feita desde a
primeira conversa com o paciente até o momento efetivo de obter seu consentimento.
Tal ato requer uma habilidade do profissional em se comunicar de forma honesta e
efetiva com o paciente, a família e a equipe multidisciplinar.
O grau de maturidade do menor é definido pelo médico, que determinará se o pa-
ciente possui as condições necessárias para a manutenção do sigilo e também para o
consentimento ou recusa do tratamento médico. Assim, se o menor não possuir ca-
pacidade para compreender e exercer de forma autônoma as decisões acerca de seus
cuidados de saúde, a tomada de decisão sobre tais atos passa diretamente ao seus pais
ou representantes legais.
Ao médico, resta a obrigação de anotar toda a deliberação em prontuário, justifican-
do sua decisão de forma fundamentada e clara.

Aspectos da deontologia médica envolvendo a recusa terapêutica


Recusa terapêutica por paciente com capacidade para consentir
O respeito à autonomia do paciente implica seguir alguns pressupostos que devem ser
intrínsecos à relação médico-paciente, abordados em detalhes no Capítulo 40. Alguns

836
exemplos são: o respeito pelo direito do paciente em consentir ou recusar tratamentos
propostos, a garantia de um ambiente adequado para que o paciente delibere e tome
conscientemente sua decisão, além da consideração sobre o contexto em que este pa-
ciente está inserido e, a partir deste, sobre como a decisão é emanada13.
Em algumas situações, quando o paciente toma sua decisão, pode ir contra os va-
lores do médico, em especial aqueles que guiam o que o profissional considera ser
melhor para o paciente (princípio da beneficência). Muitas dessas situações envolvem
a recusa a tratamentos necessários para preservar a vida e, portanto, comuns em situ-
ações de terminalidade da vida. Quando o médico, nesse cenário, opta por instituir o
tratamento mesmo que contra a vontade do paciente, visando o que considera ser seu
bem, tem-se o chamado paternalismo médico, abordado em detalhes no Capítulo 3713.
O primeiro passo para analisar situações de recusa terapêutica pressupõe a deter-
minação da capacidade do paciente para consentir, nos termos previamente descritos
neste capítulo. O grande dilema bioético ocorre quando pacientes com capacidade para
consentir recusam o tratamento proposto pelo médico. Nesses casos, para ser conside-
rada uma decisão autônoma, basta que tenha sido tomada de forma racional, com com-
pleto entendimento pelo paciente de sua condição de saúde e das consequências de suas
escolhas, mesmo que pareça absurda ao profissional. Assim, o juízo do médico sobre o
mérito da decisão não pressupõe a falta de capacidade de consentir do paciente.
Quando ocorre a recusa terapêutica em paciente capaz para consentir, e mesmo assim o
médico institui o tratamento por considerar a melhor opção ao paciente, tem-se o paterna-
lismo forte, também descrito no Capítulo 3713. Casos célebres que envolveram essa situação,
como o caso Bouvia, exposto no no referido capítulo, mudaram o paradigma da prática mé-
dica nos Estados Unidos, ao estabelecer que todo paciente com capacidade para consentir
tem direito de recusar qualquer tratamento a ele proposto24. Essa decisão, que valoriza a
autonomia do paciente, foi tomada em um contexto de transição da medicina naquele país,
de um modelo paternalista para uma prática médica que prioriza a autonomia do paciente13.
No Brasil, ao contrário, o direito de recusar um tratamento médico por paciente com
capacidade para consentir não é absoluto. No próprio CEM, em seu artigo 22, o médico
é eximido de obter o consentimento do paciente ou de seu representante legal em “caso
iminente de morte”. Da mesma forma, em seu artigo 31, o CEM retira a proibição de
“desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente
sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas” nos casos de “iminente risco
de morte”. Segundo o CEM, o médico também deve adotar uma conduta paternalista
nos casos de greve de fome, uma vez que o artigo 26, apesar de proibir a alimentação

837
compulsória de uma pessoa capaz em greve de fome, retira tal proibição na “hipótese de
risco iminente de morte”, em que o médico deve tratá-la14.
A mesma linha é reforçada pela Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n.º
2.232/2019, que detalha a ação que o médico deve tomar em casos de recusa terapêuti-
ca. Nela, se estabelece que o médico deve reconhecer o direito do paciente em recusar
tratamentos eletivos, desde que o profissional o informe das consequências de tais deci-
sões. Contudo, o artigo 11 da referida resolução estabelece que “em situações de urgência
e emergência que caracterizarem iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas
as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independente-
mente da recusa terapêutica”. É importante ressaltar que a resolução indica que o direito
se aplica a tratamentos eletivos apenas e, nos casos em que possa resultar em risco de
morte, deve ser registrada por escrito pelo paciente, na presença de duas testemunhas25.
O Código Penal brasileiro, por sua vez, tipifica, em seu artigo 146, o denominado
crime de “constrangimento ilegal”. O artigo, contido no capítulo sobre crimes contra
a liberdade individual, protege o direito à autodeterminação das pessoas, proibindo
que sejam forçadas a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de uma obrigação
legal. Contudo, assim como as normativas do CFM, o parágrafo 3º, inciso I, do mes-
mo artigo do Código Penal, estabelece que “a intervenção médica ou cirúrgica, sem o
consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente
perigo de vida”, não caracteriza crime de constrangimento ilegal20.

Recusa terapêutica por crianças, adolescentes e por familiares ou representantes legais de


pacientes sem capacidade para consentir
Uma situação particular de recusa terapêutica envolve menores de idade. Por um
lado, já foram expostos neste capítulo elementos que apontam para o entendimento
de que, a despeito de serem desprovidos de capacidade civil absoluta, os menores de
16 anos não devem ser necessariamente considerados incapazes para consentir2. Con-
tudo, quando se trata de recusa terapêutica, esse raciocínio não se aplica em todas as
situações, como descrito a seguir.
Caso um paciente menor de idade recuse e/ou seu representante legal rejeite um
tratamento em situações de risco relevante à saúde, o médico tem a obrigação de in-
tervir e fornecer o tratamento25. Nesses casos, considera-se que o Estado tem o dever
de tutelar o bem-estar do menor, visão compartilhada mesmo pelas leis e decisões ju-
diciais de países que priorizam fortemente a autonomia do paciente, como os Estados
Unidos8. É o que ocorre quando pais rejeitam terapias como a transfusão sanguínea

838
por motivos religiosos, trazendo risco à criança. Diante desse cenário, no Brasil, o juiz
pode transferir momentaneamente o “pátrio poder” à equipe médica, e este só é “de-
volvido” depois do procedimento medico essencial, que deve ser realizado pelo médi-
co. Ademais, a Resolução CFM n.º 2.232/2019 estabelece que o médico assistente deve
registrar o ocorrido em prontuário e informar o diretor técnico, para que ele informe
as autoridades competentes, como o Conselho Tutelar e a Polícia25.
Um outro cenário possível ocorre quando o responsável por tomar a decisão em nome de
um paciente maior de idade sem capacidade para consentir recusa o tratamento proposto.
Nesses casos, em que também pode haver um grande dilema para o médico, a tomada de
decisão deve seguir mecanismos específicos. Em linhas gerais, contudo, eles pressupõem
que o responsável por tomar a decisão respeita os desejos e valores do paciente, sendo seu
papel apenas externá-los. Assim, em países que priorizam a autonomia, como os Estados
Unidos, a recusa terapêutica por representante de paciente incapaz para consentir é possí-
vel, se for demonstrado que esse era o desejo manifesto pelo paciente enquanto apresentava
capacidade para decidir sobre isso, segundo o princípio do julgamento substituto6. No en-
tanto, a Resolução CFM n.º 2.232/2019 limita essa possibilidade, estabelecendo que o médi-
co deve intervir diante da recusa terapêutica por parte do paciente incapaz para consentir,
mesmo que “representado ou assistido por terceiros”, nas “situações de risco relevante à
saúde”. Ademais, caso a divergência entre médico e representante seja insanável, o primeiro
deve registrar o ocorrido em prontuário e comunicar as autoridades competentes, como a
Polícia e o Ministério Público, “visando o melhor interesse do paciente”. O diretor técnico do
serviço também deve ser comunicado para que “tome as providências necessárias perante
as autoridades competentes, visando assegurar o tratamento proposto25”. A Resolução CFM
n.º 2.232/2019 foi alvo de judicialização por parte do Ministério Público Federal (MPF), tendo
alguns de seus artigos sido suspensos em relação à sua aplicação a gestantes, porém tal tema
foge do escopo deste capítulo.
A deontologia médica brasileira difere, portanto, da norte-americana. Casos paradigmáti-
cos, como o de Nancy Cruzan, detalhado no Capítulo 38, sedimentaram um entendimento da
Suprema Corte dos Estados Unidos de que a ausência de capacidade para consentir não ne-
cessariamente pressupõe ausência de autonomia. Nesses casos, quando os desejos e valores
do paciente sem capacidade para consentir são conhecidos previamente – por exemplo, por
meio de registro em um testamento vital – ou quando um familiar ou responsável assume o
papel decisório pelo paciente e aplica o princípio do julgamento substituto, é possível recu-
sar tratamentos naquele país, mesmo que isso resulte em risco de vida. No Brasil, por sua
vez, a deontologia médica favorece o paternalismo, neste caso denominado de “fraco”, pois

839
envolve pacientes sem capacidade para consentir, conforme descrito no Capítulo 37. Porém,
especificamente em situações de fim de vida e de cuidados paliativos, o CFM adota uma pos-
tura mais alinhada à norte-americana, permitindo o exercício da autonomia de pacientes
sem capacidade para consentir por meio de DAV, incluindo para limitar ou descontinuar
tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, conforme será descrito adiante.

Objeção de consciência e recusa terapêutica


Por fim, outro ponto abordado pela Resolução CFM n.º 2.232/2019 envolve a possi-
bilidade de o médico ter que cessar sua relação assistencial com o paciente, em situa-
ções de recusa terapêutica, exceto em casos de urgência e emergência. Nesses casos,
o médico deve comunicar sua decisão ao diretor técnico para que seja providenciado
seguimento por outro colega, de forma a garantir a continuidade do tratamento. Nas
situações de urgência e emergência, por sua vez, a resolução determina que “na au-
sência de outro médico […] e quando a recusa terapêutica trouxer danos previsíveis à
saúde do paciente, a relação com ele não pode ser interrompida por objeção de cons-
ciência, devendo o médico adotar o tratamento indicado25”. A resolução detalha, para
essas situações, o que já está previsto no parágrafo 1º do artigo 36 do CEM14.

Aspectos legais e da deontologia médica envolvendo a tomada de decisão em fim de


vida e diretivas antecipadas de vontade
Em situações de fim de vida, é comum que o paciente perca sua capacidade para consen-
tir. São situações frequentes em quadros demenciais e outros de prejuízo cognitivo15. Neste
cenário, é necessário que um representante tome as decisões em nome do paciente.
Em países em que os debates acerca da autonomia do paciente já estão mais maduros,
como os Estados Unidos, esse processo de tomada de decisão pelo representante do pa-
ciente não é livre, mas deve se basear em princípios que preservem a autonomia da pes-
soa, mesmo que esta não possa exercê-la. No chamado “julgamento substituto”, cabe ao
representante do paciente tomar uma decisão que seja compatível com os valores e dese-
jos expressos por ele quando ainda era capaz. Ou seja, a decisão não pertence ao represen-
tante, mas sim ao paciente. Nesse cenário, o representante, que geralmente é alguém que
conhece intimamente o paciente, atua como mero porta-voz de um paciente no momento
em que está incapaz de exercer sua autonomia6.
Outro modelo de tomada de decisão em nome de um paciente incapaz para consen-
tir envolve o conceito dos “melhores interesses”8,9. Nesse modelo, aquele que tomará
a decisão deve ponderar sobre todas as opções possíveis e decidir pela que melhor se

840
adequa aos “melhores interesses” do paciente. Trata-se, portanto, de um modelo que
prioriza o princípio da beneficência em detrimento da autonomia, uma vez que o que
se considera “melhores interesses” é fruto de um julgamento externo e não do juízo
do próprio paciente. Ademais, a beneficência que se presume obter com a decisão to-
mada pode envolver valores subjetivos, por exemplo, a qualidade de vida obtida ao se
optar por determinado tratamento.
No Brasil, o princípio dos “melhores interesses” prevalece, uma vez que, como já expos-
to anteriormente, quando há risco de vida, o médico deve intervir. A própria redação da
Resolução CFM n.º 2.232/2019 evidencia o princípio em seu artigo 4º, que reza: “em caso
de discordância insuperável entre o médico e o representante legal, assistente legal ou
familiares do paciente menor ou incapaz quanto à terapêutica proposta, o médico deve co-
municar o fato às autoridades competentes (Ministério Público, Polícia, Conselho Tutelar
etc.), visando o melhor interesse do paciente” (grifo nosso). Nesse caso, mesmo que o repre-
sentante esteja apenas transmitindo um desejo manifesto pelo próprio paciente enquanto
ainda tinha discernimento, o médico não deve seguir o modelo de julgamento substituto e
deve instituir o tratamento, visando os “melhores interesses” do paciente25.
Apesar de o princípio dos “melhores interesses” prevalecer na deontologia médica
brasileira, ele também é empregado em países que priorizam a autonomia, como os
Estados Unidos. Isso porque o “julgamento substituto” não é possível quando se trata
de um paciente que nunca foi provido de capacidade para consentir e, portanto, nunca
expressou seus valores e desejos de forma autônoma. São os casos de crianças em situ-
ações de fim de vida ou pacientes com deficiência intelectual congênita8,9. Pela contro-
vérsia e subjetividade do que seriam os “melhores interesses” desses pacientes, muitas
vezes tais decisões são tomadas de forma colegiada, por uma equipe assistencial, ou
umcomitê de ética ou no âmbito judicial.

A diretiva antecipada de vontade como expressão da autonomia do paciente: procuração para


cuidados de saúde e testamento vital
O exercício da autonomia pelo paciente que perdeu sua capacidade para consen-
tir é possibilitado pelo instituto denominado DAV. Trata-se de mecanismos legais que
permitem honrar o desejo manifesto pelo paciente enquanto ainda era detentor de
discernimento, que deve ser respeitado pelo médico5. Nos Estados Unidos, foram cria-
dos mecanismos legais para operacionalizar as DAV. Foram instituídos pela Lei Federal
de 1991, o Patient Self-Determination Act (Lei da Auto-Determinação do Paciente, em
tradução livre)26. Segundo essa legislação, o paciente tem o direito de indicar um pro-

841
curador para assuntos envolvendo sua saúde (durable power of attorney for health care
ou health care proxy) e/ou de definir, em documento escrito, quais são suas preferências
relativas à sua saúde, no caso de perder sua capacidade para consentir, o que se deno-
mina “testamento vital” (living will)5,7.

Procuração para cuidados de saúde


Com esse instrumento, o paciente designa um representante para decidir por ele
quando não tiver mais capacidade para tomar decisões sobre sua saúde5,7. Esse represen-
tante, no modelo norte-americano, não precisa seguir necessariamente uma ordem de
parentesco com o paciente7. Seus poderes restringem-se a decidir pelo assistido quando
ele não mais apresenta capacidade para consentir, devendo obedecer ao modelo do “jul-
gamento substituto”6. Dessa forma, as decisões por ele tomadas devem representar os
valores e desejos expressos pelo paciente quando ainda possuía discernimento.
No Brasil, a discussão ainda é incipiente e a tomada de decisão sobre a saúde de ou-
trem incapaz para consentir ainda é um tema pouco presente no ordenamento jurídico.
A Lei n.º 10.741, de 2003, também conhecida como Estatuto do Idoso, em seu artigo 17,
determina que “não estando o idoso em condições de proceder à opção [sobre seu tra-
tamento de saúde], esta será feita: pelo curador, quando o idoso for interditado; pelos
familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contactado em tempo
hábil; pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil
para consulta a curador ou familiar e pelo próprio médico, quando não houver curador
ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público27”.
Nota-se que os parâmetros legais para a tomada de decisão por outrem incapaz para con-
sentir são dispersos em leis específicas sobre determinados casos, como os idosos, pois não
estão presentes no Código Civil, muito focado em aspectos patrimoniais e negociais apenas.
O que também chama atenção no ordenamento jurídico brasileiro é que, em alguns
casos, mesmo que seja designado um representante, suas decisões podem se sobrepor
àquelas manifestas pelo paciente enquanto capaz para consentir. Isso viola o modelo
do julgamento substituto, pois o representante passa a decidir segundo seus próprios
valores, ao invés de apenas transmitir os do paciente. É o caso da legislação sobre trans-
plantes, em que a vontade da família prevalece sobre a do potencial doador, mesmo que
doar os órgãos tenha sido a vontade manifesta pelo paciente em vida28.
É fato que a tomada de decisão por um representante guarda o risco de possíveis confli-
tos de interesse entre ele e o paciente29, tais como disputas por heranças. É algo que deve
ser abordado com cautela pela equipe assistencial e também deve ser objeto de preocupa-

842
ção das propostas legislativas e do Poder Judiciário. A procuração para cuidados de saúde,
contudo, pode ser vista como um mecanismo de proteção contra esse risco, caso seja feita
de forma ideal, ou seja, totalmente autônoma pelo paciente. Isso porque permite ao pacien-
te indicar uma pessoa específica, potencialmente aquela em que mais confia, para tomar
decisões por ele quando já não puder mais fazê-lo autonomamente5. A proposta de lei so-
bre DAV que tramita no Congresso brasileiro, contudo, em seu texto atual, elenca algumas
situações de potencial conflito de interesse que impediriam a indicação de um indivíduo
como procurador para cuidados de saúde. Esse dispositivo, da forma como está redigido
atualmente, é bastante limitante, conforme será abordado adiante30.

Testamento vital
Um outro instrumento existente para operacionalizar o instituto das DAV e fazer va-
ler os desejos de um paciente que perdeu sua capacidade de tomar decisões relativas à
própria saúde é o testamento vital. Trata-se do conjunto de desejos, prévia e expressa-
mente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que deseja ou não re-
ceber quando incapacitado de decidir autonomamente. Diferentemente da procuração
para cuidados de saúde, o testamento vital não depende da figura de um representante
do paciente, pois disponibiliza um registro das preferências, elaborado enquanto ele
ainda apresentava discernimento5. O provedor da assistência em saúde deverá, tendo o
paciente perdido seu discernimento, cumprir as preferências elencadas em seu testa-
mento vital. Como vantagem, elimina-se a potencial controvérsia envolvendo vieses por
parte do representante.
Nos Estados Unidos, o testamento vital foi operacionalizado em nível federal tam-
bém pelo Patient Self-Determination Act, que reconheceu o instrumento como um dos
tipos de DAV7,26. Assim, essa legislação tornou o testamento vital uma forma juridica-
mente válida de manifestação autônoma e direta do paciente. No Brasil, contudo, a le-
gislação e o debate ainda são incipientes. A primeira norma elaborada sobre o tema foi
a Resolução CFM n.º 1.995/2012, que normatiza a atuação dos médicos quanto às “dire-
tivas antecipadas”31. Aqui, cabe a ressalva de que o texto da resolução, diferentemente
de seu título, abarca apenas o que conceitualmente se denomina “testamento vital”,
sem abordar outras formas de DAV, como a procuração para cuidados de saúde – ape-
nas menciona a possibilidade de designar um representante, sem maiores detalhes5.
A referida resolução não estabelece exigência formal para a elaboração do testa-
mento vital, como registro em cartório, presença de testemunhas, reconhecimento de
firma etc., bastando apenas que tenha sido elaborada quando o paciente tinha plena

843
consciência de seus desejos. Cria, contudo, a obrigatoriedade do registro em prontuá-
rio pelo médico dos desejos externados pelo paciente31.
Importante salientar, também, que a Resolução CFM n.º 1.995/2012 impõe limites
para os desejos manifestos pelo paciente em seu testamento vital. Em linhas gerais, é
vedado optar por condutas que violem o CEM, algumas das quais podem ser intuitiva-
mente elencadas, embora não sejam citadas no texto da resolução: a prática do suicí-
dio assistido e da eutanásia ativa (descritos em detalhes no Capítulo 38)31.
A análise desses aspectos da Resolução n.º 1.995/2012, somada ao fato de esta ser a úni-
ca normativa que aborda as DAV no Brasil, mostra que esse instrumento ainda é frágil no
país5. A despeito de seu texto estabelecer que “as diretivas antecipadas do paciente preva-
lecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familia-
res”, tal ponto destoa até mesmo de outras leis relevantes para situações de fim de vida no
Brasil. Por exemplo, nos casos de doação de órgãos, como já mencionado, prevalece a von-
tade dos familiares, mesmo que contrárias ao desejo previamente expresso do paciente28.

Ordem de não reanimar


Trata-se de um tipo de DAV que trata especificamente da vontade do paciente quanto a
ser submetido ao procedimento de reanimação cardiopulmonar. O paciente que elabora
uma “ordem de não reanimar” manifesta que, na eventualidade de ter uma parada cardía-
ca, não deseja ser reanimado. Trata-se de um instrumento muito consolidado nos Estados
Unidos, usado há mais de cinco décadas32. Contudo, no Brasil, a única normativa sobre
DAV existente – a Resolução CFM nº 1.995/2012 – não detalha os tratamentos específicos
que podem ser objetos das DAV, como será detalhado a seguir31. A prática é, portanto, pou-
co padronizada e pouco difundida no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, uma vez que
a ausência de normativas a respeito disso traz insegurança jurídica aos profissionais5.

Impacto das diretivas antecipadas de vontade para o portador de doenças ameaçadoras à


vida e na prática clínica envolvendo situações de fim de vida
Segundo o CFM, as pesquisas internacionais apontam uma forte tendência dos mé-
dicos em respeitar as vontades dos pacientes previamente manifestadas33. Essa ten-
dência se confirmou em algumas pesquisas realizadas no Brasil34. É o que justificou o
CFM na exposição de motivos da Resolução n.º 1.995/201231.
Respeitar a vontade do paciente também ajuda a atenuar os conflitos que podem
ocorrer na prática médica. Isso porque, no caso do testamento vital, é possível evitar
controvérsias que podem se associar a decisões como a limitação e a descontinuação

844
de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, uma vez que permite que o
paciente deixe bem explícito que essa era a sua preferência, mesmo quando não mais
puder comunicar sua escolha. É importante ressaltar, no entanto, que decisões mais
controversas, como a eutanásia ativa e o suicídio assistido, como exposto, não devem
ser obedecidas pelo médico, conforme a resolução31.
Não obstante o grau de controvérsia das escolhas do paciente, qual o impacto das
DAV no cuidado ao atendido que potencialmente terá perda temporária ou permanen-
te de sua consciência durante o tratamento de saúde? Como o instrumento interfere na
prática clínica e na relação médico-paciente?
Em primeiro lugar, é importante relembrar que a elaboração das DAV pressupõe o
desenvolvimento de uma boa relação entre o médico e o paciente, pois a maioria da
população desconhece os possíveis desfechos de um tratamento e internações prolon-
gados. Em especial, certas doenças, como as neurodegenerativas, as intoxicações, as
psiquiátricas, além de alguns tratamentos, como a intubação temporária e neurocirur-
gias, possuem grande probabilidade de deixar o paciente impossibilitado de autono-
mamente expressar seus desejos em cuidados de saúde.
Ao expor essa possibilidade ao paciente e fornecer um mecanismo para garantir sua au-
tonomia caso perca seu discernimento, a relação médico-paciente pode se beneficiar e se
fortalecer ao se tornar mais transparente e aberta. Da parte do paciente, pode haver uma
diminuição do medo de ser submetido a situações inaceitáveis e aumento de sua autoestima.
Já da parte do médico, como exposto, aumenta sua proteção, pois o testamento vital diminui
o risco de controvérsias associadas a determinadas condutas, ao fornecer uma orientação ao
profissional quanto à vontade do paciente diante de situações conflituosas. Ainda, familiares
podem evitar a tomada de decisões “potencialmente culpabilizadoras”, sofrendo com o far-
do moral decorrente delas. Por fim, o instrumento também permite a economia de recursos
de saúde, ao evitar intervenções fúteis ou potencialmente inapropriadas5.

Desconhecimento da vontade do paciente ou controvérsia entre familiares


Em muitas situações, o paciente não possui testamento vital, não há representante
designado tampouco familiares disponíveis. Nesses casos, é impossível aplicar o prin-
cípio do julgamento substituto, pois não se sabe a vontade prévia do paciente e não
há um representante para manifestá-la. Nessa situação, a melhor alternativa é que o
médico assistente submeta o caso à comissão de ética médica do hospital ou solicite
diretamente parecer-consulta ao conselho regional de medicina de seu estado. Con-
forme estabelece a Resolução CFM n.º 1.995/2012, esses órgãos, de forma colegiada,

845
devem tomar a decisão, seguindo o princípio dos melhores interesses do paciente6,9,31.
O mesmo ocorre quando há falta de consenso entre familiares quanto à decisão a ser
tomada. Essa situação deve ser evitada ao máximo pela equipe de saúde, principalmente
valendo-se de técnicas de comunicação adequadas, descritas nos Capítulos 30 e 32. Evi-
tam-se, assim, situações como a que motivou a sindicância ético-profissional do Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), descrita no Capítulo 43. Como
será descrito adiante, a falta de uma legislação específica sobre as DAV cria margem para
a judicialização desses casos, o que se soma à crescente cultura do litígio nos cuidados de
saúde no Brasil, tópico abordado no Capítulo 42.

Situação legal atual das diretivas antecipadas no Brasil


O ordenamento jurídico brasileiro ainda carece de leis que abordem diretamente as
DAV. Não há nenhuma lei específica que crie tal mecanismo, nem que elenque tratamen-
tos e demais conteúdos que podem ser objeto de uma decisão tomada antes da perda da
capacidade para consentir5. Contudo, as DAV são um instrumento que permite ao pa-
ciente ter garantidos direitos constitucionais, uma vez que o empoderam e garantem sua
autonomia quanto a decisões de fim de vida. Entre esses direitos constitucionais estão
aqueles garantidos pelos artigos 1º da Constituição Federal, inciso III – que garante a dig-
nidade da pessoa humana –, e 5º, inciso III – que garante que ninguém será submetido a
tratamento desumano ou degradante35.
Não foi este, contudo, o entendimento do MPF de Goiás, que instaurou Ação Civil
Pública visando a revogação, pela Justiça, da Resolução CFM n.º 1.995/2012. Os promo-
tores do caso argumentaram que a referida resolução “alija a família de decisões que
lhe são de direito5”, um entendimento que ignora todo o arcabouço teórico e filosófico
em que se baseiam as discussões bioéticas recentes sobre o tema, apresentadas em
detalhes no Capítulo 36 desta obra. Em linhas gerais, o posicionamento do MPF de
Goiás vai na contramão da evolução da medicina a partir da segunda metade do século
XX, que abandonou um modelo paternalista para uma prática médica que prioriza a
autonomia do paciente.
A Justiça rejeitou a ação proposta pelo MPF de Goiás, reconhecendo o direito à autonomia
do paciente e a constitucionalidade da normativa do CFM. Contudo, a mesma decisão re-
conheceu que a família pode judicializar a questão, na eventualidade de discordar do que
constar nas DAV do paciente, diferentemente do que estabelece o artigo 2º, parágrafo 3º,
da Resolução CFM n.º 1.995/20125,31. Essa possibilidade, permitida pela falta de legislação
sobre o assunto, acaba por enfraquecer as DAV, trazendo insegurança jurídica ao invalidar

846
seu objetivo principal, que consiste em fazer prevalecer a vontade do paciente. Ademais, tra-
ta-se de uma visão ainda fortemente paternalista, que pode contribuir para a cultura de judi-
cialização da saúde, que vem surgindo no Brasil (tópico abordado no Capítulo 42). Ao médico,
resta minimizar a possibilidade de que esse cenário ocorra, o que depende, principalmente, de
uma comunicação adequada e transparente com a família, tópico abordado no Capítulo 32.
Superada a contestação feita pelo MPF de Goiás, a Resolução CFM n.º 1.995/2012
se tornou a única normativa existente no Brasil sobre as DAV. Diferentemente da le-
gislação brasileira, a deontologia médica acompanhou, portanto, as discussões sobre
a tomada de decisão em fim de vida que se desenvolveram nas últimas décadas. No
entanto, pelo fato de o CFM não ser um órgão legislador, sua resolução não tem força
de lei e apenas se restringe à esfera ético-profissional, estabelecendo que é ético um
médico seguir as DAV de seu paciente5.
Além da Resolução CFM n.º 1.995/2012, a Justiça de São Paulo decidiu pela homolo-
gação da vontade de uma cidadã, que requereu ao Poder Judiciário, quando ainda de-
tentora de capacidade para consentir, que reconhecesse como válida a manifestação de
sua vontade de “não se submeter a tratamentos médicos fúteis ou cruéis, a partir do
fim da vida funcional cognitiva5”. Contudo, o sistema legal brasileiro, diferentemente
do norte-americano, não dá tanta ênfase aos precedentes judiciais. Falta, assim, uma
lei específica que, além de consolidar as DAV como mecanismo judicialmente seguro,
também pacifique, em seu texto, temas controversos, como quais tratamentos podem
ser limitados e suspensos. Esse tópico, que será abordado a seguir, ainda é revestido de
polêmicas, especialmente envolvendo a nutrição e a hidratação artificiais.
Para suprir essa lacuna legal, foi proposto no Senado Federal, em 2018, o Projeto de
Lei (PL) n.º 149. Em sua ementa, tem-se que o PL “estabelece a possibilidade de toda
pessoa maior e capaz declarar, antecipadamente, o seu interesse de se submeter ou
não a tratamentos de saúde futuros, caso se encontre em fase terminal ou acometido
de doença grave ou incurável”30. A redação mais recente do PL diferencia o testamento
vital da procuração para cuidados de saúde, demonstrando alinhamento com o Patient
Self-Determination Act dos Estados Unidos5,26. Ainda, assim como a legislação norte-a-
mericana, o PL em questão também promove fortemente a autonomia do paciente,
pois estabelece que a vontade manifestada em qualquer uma dessas formas “prevale-
cerá frente à vontade das demais pessoas envolvidas nos cuidados, inclusive familia-
res e equipe de saúde”30. Contudo, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos,
o mesmo artigo limita a viabilidade do instrumento da procuração para cuidados de
saúde, uma vez que impede de exercerem o papel de procurador os “herdeiros, legatá-

847
rios e beneficiários de seguros ou de assistência social”, o que restringe o número de
indivíduos que poderiam assumir esse papel5.
O PL também limita o rol de pacientes que podem elaborar uma DAV legalmente vá-
lida aos seguintes casos: portadores de doenças terminais, os acometidos por doenças
crônicas e/ou neurodegenerativas em fase avançada e os pacientes em estado vegetativo
permanente. Exclui, contudo, o paciente “portador de doenças psíquicas ou demência,
ainda que em estado inicial”30. Esse ponto é questionável, uma vez que o termo “doen-
ças psíquicas” é vago e pode englobar pacientes que, apesar de terem um transtorno
psiquiátrico, podem ter seu discernimento preservado.
Outra lacuna abordada pelo PL são os tratamentos, procedimentos e cuidados aos quais
a legislação se aplica. São eles os que tenham o objetivo de prolongar artificialmente a vida
e incluem: a reanimação cardiopulmonar; a “respiração artificial” (ventilação mecânica);
a nutrição e hidratação artificiais; a internação em unidade de terapia intensiva (UTI); as
cirurgias que não tenham potencial curativo; a diálise; a quimioterapia e a radioterapia;
os antibióticos; demais cuidados, procedimentos e tratamentos sem potencial curativo30.
O texto também permite que pacientes entre 16 e 18 anos tenham direito às DAV, “me-
diante autorização judicial, pautada no devido processo legal, em que seja possível verifi-
car o seu discernimento por meio de assistência psicossocial”30. Dessa forma, ainda que
haja requisitos adicionais aos pacientes dessa faixa etária, o legislador não exige a existên-
cia de capacidade civil plena para a elaboração da DAV, refletindo a dicotomia existente
entre essa e a capacidade sanitária, discussão apresentada no início deste capítulo2.
Ainda, o texto estabelece os seguintes deveres dos profissionais de saúde: obedecer a von-
tade do paciente manifestada em suas DAV, quando as conhecer; informar o paciente para
muni-lo de conhecimento acerca dos cuidados, procedimentos e tratamentos de saúde para
que decida sobre suas DAV de forma livre e esclarecida; prover os cuidados paliativos a todos
os pacientes em fim de vida; prestar assistência emocional à família, auxiliando os familia-
res no reconhecimento do respeito à vontade do paciente; reportar ao Ministério Público
qualquer violação à vontade do paciente, seja ela resultante da família, do procurador, de
seus colegas ou da instituição hospitalar; não realizar a obstinação terapêutica (“qualquer
procedimento não curativo que viole a manifestação de vontade do paciente”30).
Por fim, são reconhecidos no texto do PL alguns direitos do profissional de saúde, com
destaque para a objeção de consciência, de acordo com os conceitos e termos expostos
anteriormente, incluindo a necessidade de encaminhamento para outro profissional
continuar os cuidados. É também direito do profissional “fazer constar seu nome nas
DAV quando prestar esclarecimentos prévios ao paciente para a elaboração desses docu-

848
mentos”. O profissional poderá não respeitar as DAV quando “justificadamente não tiver
conhecimento de sua existência”, em “situações de urgência ou de perigo imediato para
a vida do paciente, quando o acesso a elas implicar demora no atendimento e, conse-
quentemente, risco para a saúde ou a vida” do paciente e “quando estiverem em evidente
desatualização em relação ao progresso dos meios terapêuticos”30.

Aspectos legais e da deontologia médica dos cuidados paliativos, da limitação e da


descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, da eutanásia
ativa e do suicídio assistido por médico
As situações de fim de vida trazem um conceito especial do ponto de vista legal e
deontológico à prática médica. Trata-se da chamada obstinação ou futilidade terapêuti-
ca e dos tratamentos potencialmente inapropriados. Nessas situações, cuja definição e
arcabouço teórico são detalhados no Capítulo 38, os tratamentos propostos já não mais
trazem benefício ao paciente e apenas prolongam sua vida artificialmente. Diante disso,
surgem as seguintes possibilidades: não instituir um tratamento (limitação terapêutica);
descontinuar um tratamento já instituído (por exemplo, a extubação paliativa, descrita
em detalhes no Capítulo 17) e instituir medidas como a sedação paliativa (descrita no
Capítulo 14) que visam diminuir o sofrimento do paciente. As situações de fim de vida
também incluem polêmicas como instituir medidas tendo como objetivo primário pro-
vocar a morte do paciente (eutanásia ativa, abordada no Capítulo 38) e assistir o paciente
na interrupção de sua vida (suicídio assistido, também abordado no Capítulo 38). Nesta
seção, serão discutidos os aspectos legais e da deontologia médica dessas situações.

Aspectos legais e de deontologia médica dos cuidados paliativos


Os cuidados paliativos vêm avançando dentro da medicina e se consolidando na prá-
tica clínica. Contudo, sua normatização como política pública se deu apenas por meio
de norma infralegal, com a publicação da Resolução n.º 41, de 31 de outubro de 2018,
pelo Ministério da Saúde e pela Comissão Intergestores Tripartite36. Assim, os debates
legislativos e normativos sobre esse tema ainda devem ter como foco predominante as
formas de consolidar a área como política pública, o que é abordado pelo Capítulo 3.
Se faltam iniciativas legislativas federais, alguns estados tomaram a dianteira e criaram
leis estaduais próprias. No Estado de São Paulo, por exemplo, foi sancionada, em outubro
de 2020, a Lei Estadual n.º 17.292, que institui a Política Estadual de Cuidados Paliativos.
Entre os conceitos trazidos pela lei estão: o início precoce dos cuidados paliativos, após
diagnosticada doença sem possibilidade de cura; o objetivo de melhoria da qualidade de

849
vida de pacientes com tais diagnósticos e de seus familiares; o alívio da dor e do sofri-
mento físico, psíquico e espiritual, estendendo-se, inclusive, ao luto; o respeito à vontade
do paciente ou de seus representantes legais; o reconhecimento da morte como processo
natural; o tratamento do paciente e de sua família de forma multidisciplinar; a integração
dos aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente; a promoção da qualidade
de vida ativa do paciente, dentro do possível, até o momento de sua morte; o apoio à famí-
lia. A lei também tem como diretrizes a capacitação profissional, o cuidado multiprofis-
sional, o fortalecimento de políticas públicas e o respeito aos valores, crenças e desejos do
paciente, à autonomia e ao sigilo referente à sua saúde37.
Quanto à deontologia médica, os princípios que baseiam os cuidados paliativos en-
contram respaldo no CEM. No parágrafo único de seu artigo 41, o texto estabelece que
“nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados
paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na
sua impossibilidade, a de seu representante legal”14. A prática de limitação ou descon-
tinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados foi regulamentada,
ainda, pelas resoluções CFM n.º 1.805/2006 e Cremesp n.º 355/2022, cujos detalhes se-
rão apresentados a seguir38,39.

Aspectos legais e da deontologia médica da limitação e descontinuação de tratamentos fú-


teis ou potencialmente inapropriados
A limitação e a descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropria-
dos encontram respaldo no texto da Constituição Federal, que estabelece que a Repú-
blica Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (arti-
go 1º, inciso III) e que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante
(artigo 5º, inciso III)5,35. Apesar disso, a prática foi alvo de importantes controvérsias
legais. Noções equivocadas também permanecem, pois há quem, ainda não familiari-
zado com a prática, considere-a equivalente à eutanásia ativa. No Capítulo 38, foram
abordados os conceitos teóricos que diferenciam as duas situações e, a seguir, serão
apresentados os conceitos legais e de deontologia médica que, no Brasil, fazem da li-
mitação e da descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados
uma prática legal e ética. Em contrapartida, o mesmo não se aplica à eutanásia ativa e
ao suicídio assistido por médico.
O Código Penal brasileiro, contudo, não se aprofunda na diferenciação entre as duas
práticas e não aborda a limitação e a descontinuação desses tratamentos, em grande

850
parte porque se trata de legislação de 1940, que não foi atualizada20. Com o avanço da
medicina, novas tecnologias capazes de prolongar artificialmente a vida foram surgin-
do, o que não foi acompanhado pela legislação penal brasileira.
O PL n.º 236/2012, do Novo Código Penal, no entanto, propõe reconhecer a diferença
entre a prática da eutanásia ativa, proibida, como já exposto, em seu artigo 122, e a
possibilidade de limitar tratamentos que prolongam artificialmente a vida em pacien-
tes com doenças graves e irreversíveis, que seria permitida segundo a proposta legis-
lativa. Na redação proposta, no parágrafo 2º do artigo 122, o PL estabelece que “não há
crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do
paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja
previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua
impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão40”.
O CFM, por sua vez, já reconhece a diferença entre as duas situações. O mesmo artigo
41 do CEM, que proíbe a eutanásia ativa, como já exposto, estabelece, em seu parágrafo
único, que o médico não deve “empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas”14. Já a Resolução CFM n.º 1.805/2006 detalha os parâmetros éticos que regem
essa conduta. Assim, seu artigo 1º deixa claro que é permitido ao médico “limitar ou sus-
pender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal,
de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante
legal”. O artigo, em seus parágrafos 1º , 2º e 3º, estabelece, ainda, algumas exigências, tais
como: “esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas ade-
quadas para cada situação”; fundamentar e registrar a decisão no prontuário; e “assegurar
ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica”38.
É importante ressaltar que a resolução CFM n.º 1.805/2006 determina que o paciente
deve continuar a receber “todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que
levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico,
social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar”38.
Também é importante notar que, ao se comparar a Resolução CFM n.º 1.805/2006 com
a n.º 2.232/2019 (objeção de consciência e recusa terapêutica), percebe-se que, no âmbito
da ética médica, a recusa terapêutica adota características especiais quando o tratamen-
to pode ser considerado fútil ou potencialmente inapropriado. Se, por um lado, como
exposto, a Resolução CFM n.º 2.232/2019 proíbe o médico de aceitar a recusa terapêutica
quando o paciente se encontra em risco iminente de morte, a Resolução n.º 1.805/2006
permite recusar tratamentos nessa condição, caso sejam considerados fúteis ou poten-
cialmente inapropriados25,38. Como exemplo, tome-se o caso de um paciente que recusa

851
uma transfusão sanguínea por motivos religiosos, sem a qual, após um atropelamento,
corre risco de morte iminente. Nesse caso, o médico, pela legislação brasileira e pela
deontologia médica, deve realizar a transfusão, a despeito da vontade do paciente, como
explicado anteriormente. Por outro lado, considere-se agora um paciente com câncer de
pâncreas metastático, que sofreu grave hemorragia abdominal por conta da infiltração
de seu tumor em vasos de grande calibre. Neste caso, a transfusão pode não ser realizada
se houver recusa do paciente e/ou seu representante se for considerada um tratamento
potencialmente inapropriado, ou seja, que apenas adiará artificialmente uma morte que
já é inevitável, oferecendo pouca ou nenhuma qualidade de vida.
O entendimento do CFM, contudo, não foi compartilhado pelo MPF do Distrito Fe-
deral, que ajuizou ação civil pública contra a Resolução CFM n.º 1.805/2006, alegando
que esta permitiria a prática de crime de eutanásia. No entanto, a ação não prosperou,
conforme avançou o debate sobre o tema, que envolveu as diferenças teóricas entre
a ortotanásia – limitação e descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente
inapropriados – e a eutanásia ativa, descritas no Capítulo 38. O próprio MPF acatou o
posicionamento do CFM e a decisão judicial reconheceu que a resolução se pautava em
princípios constitucionais, como a dignidade do ser humano. A decisão, dessa forma,
marcou o reconhecimento, pelo Poder Judiciário, de que a medicina está sofrendo um
processo de transição em direção à maior autonomia do paciente5.
Mais recentemente, o Cremesp publicou a Resolução n.º 355/2022, que estabelece dire-
trizes éticas para o auxílio médico da tomada de decisões sobre cuidados e tratamentos de
pacientes que enfrentam a fase final da vida, incluindo a descontinuação de suporte arti-
ficial de vida. Segundo a resolução, “para que a retirada de suporte artificial de vida seja
considerada eticamente aceitável em situações de futilidade terapêutica ou de tratamento
potencialmente inapropriado, cinco pré-requisitos devem ser atendidos”. São eles39:

I. O paciente em questão deve estar em fase terminal de enfermidade gra-ve e incu-


rável, identificada pelo seu médico responsável. Estas condições devem tam-bém
ser diagnosticadas por outros dois médicos, sendo um destes médicos necessari-
-amente especialista na área que causou a doença terminal e o segundo, médico
atuante em área de cuidados paliativos.

II. O objetivo da retirada do SAV é permitir a evolução da doença de maneira natural


e com menor sofrimento até o momento do óbito.

852
III. A retirada do SAV é considerada tecnicamente adequada por dois médicos, além
do médico responsável pelo paciente, o qual indicou os cuidados paliativos.

IV. A retirada do SAV está de acordo com a vontade do paciente, ou na sua impossi-
bilidade, de seu representante legal.

V. Todos os cuidados paliativos apropriados serão mantidos ou intensificados, vi-


sando o conforto do paciente e de sua família.

A despeito da ausência de legislação federal sobre o tema, há algumas iniciativas


legislativas em alguns estados brasileiros. Em São Paulo, a Lei n.º 10.241/1999, em
seu artigo 2º, inciso XXII, estabelece como direito dos usuários dos serviços de saúde
no estado “recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a
vida”41. Em Minas Gerais, a Lei n.º 16.279/2006 garante aos pacientes o direito de “re-
cusar tratamento doloroso ou extraordinário” (artigo 2º, inciso XXI)42. No Paraná, a
Lei nº 14.254/2003 também garante aos pacientes o direito de “recusar tratamento
doloroso ou extraordinário para tentar prolongar a vida” (artigo 2º, inciso XXIX)5,43.

Casos especiais: nutrição e hidratação artificiais


Atualmente, em muitos casos, é possível prolongar a vida por longos períodos por meio
de técnicas de nutrição e hidratação artificiais. Por exemplo, é possível manter um pa-
ciente em estado vegetativo permanente por anos alimentando-o por gastrostomia. Essa
situação gera intensos debates bioéticos, em especial na dicotomia entre quantidade e
qualidade de vida proporcionada por esses métodos em cenários como esse44.
Diante disso, surge a possibilidade de se limitar ou suspender esse tipo de tratamento
nesses casos. A Resolução CFM n.º 1.805/2006, por sua vez, não menciona essa situação
em específico, apenas autoriza a limitação e a suspensão, de forma geral, de “tratamentos
que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável38”.
Contudo, há quem seja contra a limitação e a suspensão desse tipo de tratamento em par-
ticular, alegando ser uma medida mínima de cuidado44,45. Isso, portanto, tornaria a medida
antiética, pois a Resolução CFM n.º 1.805/2006 também determina que “o doente continuará
a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento,
assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual”38.
Apesar da controvérsia, não há evidências robustas de que a nutrição e a hidratação artifi-
cial melhorem a qualidade de vida de pacientes em situações de fim de vida em determinados

853
cenários. Ao contrário, em alguns casos, como quadros demenciais avançados, essas inter-
venções podem se associar a complicações como aspiração. Em outros casos, contudo, como
pacientes com câncer terminal, podem ter utilidade em casos específicos46,47.
Assim, devido a essas controvérsias éticas e clínicas, a medida ainda não é incorpo-
rada de rotina à prática clínica brasileira. Nos Estados Unidos, por outro lado, apesar
da polêmica ocorrida à época, o entendimento da Suprema Corte foi no sentido de que
é possível suspender esse tipo de tratamento, decisão estabelecida após o caso de Nan-
cy Cruzan, descrito no Capítulo 3848. Em 1990, Cruzan, que estava em estado vegetativo
permanente, teve sua nutrição artificial interrompida e faleceu 12 dias depois.

Casos especiais: sedação paliativa


A sedação paliativa é um procedimento bem estabelecido no contexto dos cuidados
paliativos. Detalhes técnicos e práticos sobre esse tema são abordados no Capítulo 14.
Algumas das drogas utilizadas nesse tipo de procedimento também podem ser utili-
zadas para acelerar, promover, facilitar e/ou induzir a interrupção da vida. Isso produz
questionamentos e alguns mitos sobre o tema, especialmente quanto à possibilidade
de o procedimento ser utilizado para abreviar a vida. Contudo, estudos demonstraram
que, ao contrário do que se pode pensar à primeira vista, a sedação paliativa não se
associa a uma abreviação da vida49.
Diante dessas evidências, o procedimento se justifica bioeticamente pelo fato de aliviar
o sofrimento, muitas vezes refratário de pacientes nos momentos finais de vida. Porém,
apenas para fins de exercício teórico, seria possível justificar moralmente a sedação pa-
liativa, mesmo que se associasse à abreviação da vida. Isso porque poderia ser aplicada
a doutrina do duplo efeito, bem estabelecida nas discussões bioéticas contemporâneas.
Seus detalhes teóricos foram abordados no Capítulo 36, mas, em linhas gerais, trata-se da
possibilidade de se empregarem métodos que, embora possam aumentar o risco de uma
interrupção mais precoce da vida, tenham como objetivo principal o alívio do sofrimento
do paciente em situação de fim de vida. Ou seja, é possível empregar, por exemplo, fárma-
cos que sabidamente podem aumentar a possibilidade de que o paciente evolua a óbito,
desde que o objetivo não seja este, mas sim aliviar seu sofrimento. A interrupção da vida,
neste caso, seria um “efeito secundário” e não o que se propunha de início50. Caso contrá-
rio, trata-se de eutanásia ativa e se aplicam os aspectos legais e éticos correspondentes.
Não obstante, o médico que realiza a sedação paliativa deve discutir de forma detalha-
da e transparente com o paciente, caso este tenha capacidade para consentir, ou com o
responsável pela tomada de decisão. Tais detalhes devem ser registrados em prontuário

854
e, de preferência, com consentimento assinado por escrito pelo paciente ou responsável,
deixando claro o objetivo de aliviar o sofrimento e a indicação correta do procedimento, e
tendo obtido o consentimento, o médico minimizará riscos legais e éticos.

Casos especiais: extubação paliativa


Trata-se de mais uma forma de suspensão de tratamento considerado fútil ou poten-
cialmente inapropriado, cujos detalhes técnicos são descritos no Capítulo 17. Apesar
de ter sido mais incorporada à prática clínica, a extubação paliativa ainda traz certa
controvérsia, principalmente pela noção de que o paciente possa sofrer após ser ex-
tubado. Para que isso não ocorra, o procedimento deve ser realizado segundo as me-
lhores práticas, também descritas no Capítulo 17. A família deve ser orientada sobre
as expectativas e, especialmente, informada de que o período em que o paciente pode
permanecer respirando espontaneamente pode variar.
Do ponto de vista da deontologia médica, os mesmos pontos envolvendo as Resoluções
CFM n.º 1.805/2006 e Cremesp n.º 355/2022 também se aplicam à extubação paliativa38,39.
Os argumentos bioéticos que estabelecem a diferença entre esse procedimento e a euta-
násia ativa são apresentados no Capítulo 38. Em síntese, a extubação paliativa difere da
prática da eutanásia ativa não apenas em termos bioéticos, mas também quanto à deon-
tologia médica e a aspectos legais. Quando corretamente indicada, deve ser classificada,
portanto, como uma prática de ortotanásia. Assim como em qualquer outro cenário de
limitação ou descontinuação de tratamentos fúteis ou potencialmente inapropriados, é
importante ressaltar que a extubação paliativa deverá sempre se balizar em princípios:
esta deve ser a vontade do paciente – manifestada por ele por meio de testamento vital
ou por seu representante por meio de julgamento substituto –, deve visar o alívio do
sofrimento, só deve ser indicada quando prolongar artificialmente o processo de morte
resultante da fase terminal de enfermidade grave e incurável e deve ser bem documen-
tada e discutida, com o consenso de outros dois médicos5.

Aspectos legais e de ética médica da eutanásia ativa e do suicídio assistido por médico
No Brasil, a eutanásia ativa e o suicídio assistido são proibidos, tanto na esfera crimi-
nal como na ética médica. O Código Penal brasileiro, de 1940, não aborda diretamente
a prática, mas a tipifica como crime de “matar alguém” em seu artigo 121, sem distin-
gui-la de outras situações. No máximo, faculta ao juiz diminuir a pena em até um terço
caso o crime tenha sido “impelido por motivo de relevante valor moral”, deixando espa-
ço para interpretações subjetivas. O artigo 122, por sua vez, proíbe “induzir ou instigar

855
alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para
que o faça”20. Tal redação, incluída no Código Penal pela Lei n.º 13.968, de 2019, criada
em um contexto de episódios de incentivo ao suicídio de adolescentes na internet, aca-
ba por criminalizar também o suicídio assistido por médico51.
O PL n.º 236/2012 do Novo Código Penal também, entre suas propostas, deixa ex-
plícita a criminalização da eutanásia ativa no país, em seu artigo 122. Propõe-se que
tenha a seguinte redação, proibindo “matar, por piedade ou compaixão, paciente em
estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico
insuportável em razão de doença grave”40.
A mesma linha é seguida pelo CFM, que proíbe ao médico, no artigo 41 do CEM,
“abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”14.

Considerações finais
As situações de fim de vida colocam o médico e demais profissionais de saúde diante
de desafios não apenas clínicos e psicológicos, mas também legais e éticos. A legisla-
ção brasileira sobre o tema ainda é deficiente e não acompanhou os avanços recentes
da medicina e os dilemas e discussões bioéticos a ele associados.
Nesse contexto, o médico tem um papel central, pois dele depende a avaliação da capa-
cidade de consentir do assistido. Ademais, cabe ao médico atuar como guardião da auto-
nomia e da dignidade do paciente, sempre buscando respeitar suas vontades e preservar
sua dignidade. Para isso, o médico deve estar atento aos aspectos legais e éticos envolvidos.
O respeito à autonomia é necessário e imprescindível à relação médico-paciente e o
profissional deve usar todos os instrumentos ao seu alcance para garantir a preserva-
ção deste direito inerente e garantidor de dignidade.

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37. Governo do Estado de São Paulo. Lei Estadual nº 17.292, de 13 de outubro de 2020. Institui
a Política Estadual de Cuidados Paliativos e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial
Executivo de 14/10/2020. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2020/
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38. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.805/2006, de 9 de novembro de 2006. Na fase


terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender proce-
dimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessá-
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respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Disponível em: https://sistemas.
cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2006/1805 (acessado em 17/07/2021).

39. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Resolução nº 355/2022, de 23 de agosto
de 2022. Estabelece diretrizes éticas para o auxílio médico da tomada de decisões sobre cuidados e
tratamentos de pacientes que enfrentam a fase final da vida. Disponível em: http://www.cremesp.
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40. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012. Institui novo Código Penal. Dis-
ponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404 (acessado em
17/07/2021).

41. Governo do Estado de São Paulo. Lei Estadual n° 10.241, de 17 de março de 1999. Dispõe sobre
os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado. Publicada no Diário Oficial
Executivo de 18/03/1999. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1999/
lei-10241-17.03.1999.html (acessado em 17/07/2021).

42. Governo do Estado de Minas Gerais. Lei Estadual n° 16.279/2006 de Minas Gerais, de 20 de julho
de 2006. Dispõe sobre os direitos dos usuários das ações e dos serviços púbicos de saúde no Estado.
Publicada no Diário Executivo de 21/07/2006. Disponível em: https://www.almg.gov.br/legislacao-
-mineira/texto/LEI/16279/2006/?cons=1 (acessado em 14/12/2022).

43. Governo do Estado do Paraná. Lei Estadual n° 14.254/2003 do Paraná, de 4 de dezembro de


2003. Prestação de serviço e ações de saúde de qualquer natureza aos usuários do sistema único
de saúde e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial no 6632 de 23/12/2003. Disponível
em: https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=735&in-
dice=1&totalRegistros=1&dt=17.6.2021.16.45.41.854 (acessado em 17/07/2021).

44. Monturo C. The artificial nutrition debate: still an issue… after all these years. Nutr Cain Pract.
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45. Sacred Congregation for the Doctrine of the Faith. Declaration On Euthanasia [Internet]. Cidade
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46. Brody H, Hermer LD, Scott LD, Grumbles LL, Kutac JE, McCammon SD. Artificial nutrition and
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49. Maltoni M, Pittureri C, Scarpi E, Piccinini L, Martini F, Turci P et al. Palliative sedation therapy
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50. Vaughn L. Bioethics: Principles, Issues, and Cases. 4a edição. Nova York: Oxford University
Press; 2020. Capítulo 10: Euthanasia and Physician-Assisted Suicide; p. 648-740.

51. Brasil. Lei Federal n. 13.968, de 26 de dezembro de 2019. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar o crime de incitação ao suicídio e incluir as
condutas de induzir ou instigar a automutilação, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique.
Publicada no Diário Oficial da União de 27/12/2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13968.htm (acessado em 17/07/2021).

862
Capítulo 40
Relação Médico-Paciente e Dilemas
Bioéticos em Fim de Vida
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo

Nas últimas cinco décadas, a bioética passou por uma importante transformação, que
resultou em maior valorização da autonomia do paciente1. No Brasil, tal mudança de
paradigma não atingiu a mesma proporção de outros países, em especial os Estados Uni-
dos da América (EUA), muito provavelmente por conta de aspectos culturais locais, simi-
lares aos de pacientes espanhóis e norte-americanos de origem hispânica, que tendem
a assumir um papel mais passivo na relação médico-paciente2. Além disso, a bioética foi
incorporada de forma tardia no Brasil, apenas em meados dos anos 19903, de modo que
tais discussões são mais recentes no país.
De qualquer forma, a mudança de paradigma ocorrida nos EUA teve impacto direto na
prática médica, que hoje não é a mesma que a de 1950. Contudo, esse processo também
criou novas situações de conflito entre os princípios bioéticos, que, por sua natureza
prima facie – um tem a mesma importância hierárquica que o outro – não fornecem res-
postas para situações específicas em que há um choque entre dois ou mais princípios.
Em cenários de fim de vida, os dilemas costumam ocorrer quando a conduta proposta
pelo médico, com base na beneficência, entra em choque com os desejos pessoais do
paciente, com sua autonomia, o chamado paternalismo médico1. Mais detalhes sobre
esses dilemas são abordados nos Capítulos 37 e 38.
Conflitos acontecem por diferentes entendimentos do que seja beneficência: ao pro-
por uma conduta, o médico avalia a beneficência biomédica, ou seja, a conduta que será
benéfica para restaurar a saúde do paciente. Contudo, o que este julga ser benéfico para
si (com base em seus valores subjetivos) pode divergir em relação a esse ponto de vista4.
Por exemplo, tome-se o caso de um paciente imunodeprimido internado por pneumonia
comunitária que recebe alta precoce para continuar seu tratamento em seu domicílio. O
motivo da conduta médica visou seu bem do ponto de vista biomédico, de forma a preve-
nir o risco de uma nova infecção hospitalar secundária. Porém, diversos fatores psicológi-
cos e subjetivos do paciente podem levá-lo a acreditar que, caso permanecesse internado,

863
receberia um tratamento melhor, mas que o médico preferiu desprezar sua condição de
forma a poder liberar seu leito para outro paciente. Nesse cenário, falhas de comunica-
ção, julgamentos e recriminações agravam ainda mais o conflito. Como resultado, a boa
intenção biomédica pode ser interpretada como desprezo pelo bem subjetivo do paciente.
Prevenir e solucionar tais contrapontos dependem de uma relação médico-paciente
construída em bases envolvendo aspectos subjetivos, pessoais, psicológicos e a comuni-
cação de cada uma das partes (abordada em detalhes no Capítulo 30). É da relação médi-
co-paciente que emergem as decisões que influenciarão o desfecho do caso.

Conceitos e definições

• Relação médico-paciente: trata-se de uma relação com características es-


peciais, que a diferenciam das dinâmicas puramente comerciais, em que uma
das partes promete um serviço técnico especializado e a outra, um pagamento
em troca. Na relação médico-paciente, frequentemente emergem os aspec-
tos subjetivos de cada uma das partes, tais como seus valores, expectativas e
experiências prévias5. Além de subjetiva, é desigual, em que o conhecimento
do paciente sobre sua doença é menor do que o do médico6. Fatores externos
também podem influenciá-la, como disponibilidade de vagas e fluxos de refe-
renciamento no sistema de saúde7. Cabe ao médico reconhecer tais especifici-
dades e encontrar formas de superá-las. Para chegar ao melhor entendimento
com o paciente, o médico deve identificar, entre outros pontos, os objetivos
da relação, suas próprias obrigações, os valores do atendido, e seu entendi-
mento moral sobre a autonomia8. Da parte do paciente, diferentes posturas
individuais também podem influenciar a relação: há quem, por exemplo, ado-
te uma postura passiva e confie cegamente no profissional, adotando o “papel
do doente”, por razões como influências culturais, contexto socioeconômico,
disponibilidade dos recursos de saúde, entre outros, ou por se sentirem des-
confortáveis ou ansiosos quando a tomada de decisão recai sobre eles9.

Modelos de relação médico-paciente


Da interação entre os diferentes aspectos que a influenciam, Emanuel e Emanuel pro-

864
puseram, no Journal of the American Medical Association, em 1992, quatro modelos de rela-
ção médico-paciente: paternalista, informativo, interpretativo e deliberativo8.

1. Modelo paternalista
Presume uma garantia maior de que o paciente receberá as intervenções que, mais prova-
velmente, restaurarão sua saúde e aliviarão a sua dor. Contudo, tais condutas são definidas
apenas pelo médico, sem a participação do assistido. Em geral, tende a priorizar o aspecto
biológico. Até a década de 1970 foi o modelo predominante na medicina, quando a autono-
mia passou a ter mais peso. Em diversos países e regiões, esse modelo ainda predomina.
No modelo paternalista, o médico decide o que é melhor para o paciente, com pou-
ca ou nenhuma discussão com ele, com a premissa de que os critérios de escolha foram
objetivos e representam valores compartilhados por ambos, importantes para todos os
seres racionais, como a preservação da saúde do indivíduo. Mesmo que, em um primeiro
momento, o paciente não concorde com a decisão tomada (por não reconhecer os crité-
rios de escolha), assume-se que será grato, mesmo que no futuro. A autonomia se limita à
concordância do paciente, seja agora ou a posteriori.
A atuação paternalista do médico na relação com seu paciente pode ser mais sutil,
como quando oferece informação de forma seletiva ao atendido, o que o encorajará a
consentir com a intervenção que o médico considera melhor. Por sua vez, a forma extre-
ma do modelo paternalista ocorre quando o médico apenas informa ao paciente quando
a intervenção será feita, sem discuti-la.

2. Modelo informativo
O modelo informativo é o que se aproxima mais da relação de consumidor e forne-
cedor, com grande influência dos aspectos técnicos e científicos na prática médica.
Aqui, o objetivo do médico se limita a fornecer informação relevante para o paciente
escolher a intervenção a ser executada. Compete ao profissional oferecer, da forma
mais detalhada possível, dados sobre a condição do assistido, opções de tratamento,
riscos e benefícios, prognóstico e eficácia da intervenção proposta, baseando-se com
rigor nas evidências científicas disponíveis.
Assume-se que os valores do paciente são bem definidos e estáticos e que ele os co-
nhece bem, faltando-lhe apenas o conhecimento técnico sobre sua condição. O papel
do médico se limitaria a suprir essa deficiência de informação, pois, uma vez munido
do conhecimento, o paciente faz sua escolha de forma a prevalecerem os seus próprios
valores. O médico, então, executa a decisão tomada pelo paciente.

865
No modelo informativo não há campo para os valores do médico, o qual também não
deve buscar entender ou julgar os valores do paciente. O profissional se limita apenas a
ser fonte de informação técnica, restrita à sua área de expertise. O modelo informativo,
portanto, se adequa bem às teorias morais que mais valorizam a autonomia, que é vista
como controle total do paciente sobre a tomada da decisão médica. Um caso emblemático
que levou esse modelo a se fortalecer na medicina praticada nos EUA, o caso Canterbury,
está descrito no Quadro 1.

3. Modelo interpretativo
No modelo interpretativo, assume-se que os valores que baseiam os reais desejos do
paciente não são totalmente conhecidos por ele ou fixos. O objetivo do médico deve ser,
portanto, investigá-los e interpretá-los, para compreender, sem julgamentos, o que o pa-
ciente realmente deseja. O profissional então auxilia seu paciente a selecionar as inter-
venções disponíveis que representam de forma mais fidedigna esses valores.
Embora, neste modelo, a decisão final ainda caiba ao paciente, o papel do médico não
se limita a fornecer a informação técnica. O médico atua como conselheiro do paciente,
em um processo conjunto de entendimento de valores. Assim, a autonomia é vista como
busca pelo autoentendimento, visando auxiliar na tomada da decisão mais compatível
com os desejos do paciente.

4. Modelo deliberativo
No modelo deliberativo, a meta é ajudar o paciente a determinar e escolher os melho-
res valores que podem se aplicar à sua situação clínica. Aqui, o médico também ajuda a
elucidar os valores do paciente e expõe as opções disponíveis, porém, também sugere
quais valores são mais adequados e devem ser almejados. Médico e paciente, portanto,
analisam as opções e as julgam em conjunto. A palavra final, contudo, é do paciente.
Existem limites da atuação médica segundo este modelo. Primeiro, a sua abordagem
se limita apenas aos valores relacionados à saúde do paciente, sem adentrar outros ele-
mentos morais. Deve ser evitado o uso de coerção, admitindo-se apenas a persuasão
moral na defesa de uma escolha, sem impô-la ao paciente. O médico deve agir como
um professor ou amigo de seu paciente, orientando qual curso de ação é melhor e não
apenas o que pode ser feito.
A autonomia é vista como autodesenvolvimento. O paciente está no controle, mas
pode também considerar o que o médico julga ser mais adequado à situação.

866
QUADRO 1. O CASO CANTERBURY: MUDANÇA DE PARADIGMA EM DIREÇÃO AO MODELO INFORMATIVO

A análise do caso que envolveu o paciente Jerry Watson Canterbury, nos Estados Unidos, na
década de 1960, permite entender a mudança de paradigma que ocorreu desde então na relação
médico-paciente naquele país.
Antes das importantes mudanças de paradigma na bioética e na medicina, na década de 1970,
com a publicação do Relatório Belmont e com diversas decisões da Suprema Corte norte-americana,
a autonomia do paciente era pouco valorizada. Também era prática comum omitir do paciente dados
importantes sobre sua saúde, especialmente notícias ruins: era comum, por exemplo, não informar
aos pacientes que estavam em estágio terminal de sua doença.
Assim, a relação do médico com seu paciente era, em essência, como uma relação pai-filho: a
expertise dava direito a impor condutas. As verdades, se consideradas inconvenientes, podiam ser
omitidas. A relação foi mudando com o passar das décadas, e a tendência passou a ser compartilhar
com o paciente o conhecimento técnico e informá-lo de sua condição em detalhes. Por exemplo, os
riscos de procedimentos, antes omitidos ou mencionados brevemente, passaram a ser informados
em detalhes, de antemão. Nos Estados Unidos, o consentimento deixou de ser simples anuência e
tornou-se consentimento informado.
Com apenas 19 anos, Canterbury foi diagnosticado com uma rotura de disco intervertebral, em
1958. Foi operado pelo neurocirurgião William T. Spence, mas, em decorrência da cirurgia e de uma
queda da cama durante a internação, perdeu os movimentos das extremidades inferiores. Abriu
processo contra o profissional, alegando negligência na condução do caso.
No decorrer do processo, o Dr. Spence acabou admitindo que forneceu a Canterbury e a sua mãe
informações superficiais sobre os potenciais efeitos adversos da cirurgia, citando que poderia resultar
em “fraqueza”, sem mencionar “plegia” (perda total de força), com o objetivo de evitar que o paciente
desistisse da cirurgia. Embora a corte de Washington (DC) tenha aceitado, à época, a possibilidade de
omitir informações do paciente para fins paternalistas, julgou que o mesmo não poderia ser feito se o
objetivo fosse evitar que o paciente não aceitasse a conduta proposta. Assim, decidiu que o consentimento
informado deveria representar toda a informação que um paciente racional teria interesse em saber,
antes de optar por um procedimento. Não fornecer essa informação, portanto, violaria a autonomia.
O caso Canterbury vs. Spence tornou-se paradigmático em bioética, pois delineou a doutrina do
consentimento informado, que hoje é amplamente aceita. Desde então, a relação médico-paciente,
nos Estados Unidos, sofreu uma transição do modelo paternalista para o modelo informativo.

ADAPTADO DE VAUGHN L. BIOETHICS: PRINCIPLES, ISSUES, AND CASES. 4a EDIÇÃO. NOVA YORK: OXFORD UNIVERSITY PRESS; 2020.
CAPÍTULO 5: INFORMED CONSENT; P. 228-27010 E CANTERBURY V. SPENCE, 464 F.2D 772 (D.C. CIR. 1972)11.

Exemplo de caso clínico nos diferentes modelos de relação médico-paciente


O caso a seguir ilustra de forma caricatural a atuação de um médico seguindo cada um dos
quatro modelos de relação médico-paciente descritos neste capítulo. Foi adaptado e livremen-
te traduzido, a partir do artigo original “Four models of the physician-patient relationship”,
publicado por Emanuel e Emanuel, no Journal of the American Medical Association, em 19928.

867
A paciente é uma mulher na pré-menopausa, de 43 anos, diagnosticada com câncer de mama,
sem metástases a distância ou envolvimento linfonodal (N0). Recentemente se divorciou e voltou
a trabalhar como advogada para se sustentar. O que o médico deve dizer a essa paciente?
No modelo paternalista, poderia dizer: “há dois possíveis tratamentos para diminuir o ris-
co de recorrência de câncer na sua mama: mastectomia ou radioterapia. A quadrantectomia
seguida de radioterapia é a melhor opção, pois nós sabemos que a sobrevivência com esse trata-
mento é igual àquela com mastectomia, mas com melhor resultado estético. Falei com o radiote-
rapeuta para discutir o tratamento com você. Também precisamos proteger você da dissemina-
ção do câncer para outra parte do corpo. Apesar de a chance de recidiva ser baixa, você é jovem
e não deve deixar nenhuma possibilidade terapêutica de fora. Estudos recentes demonstraram
que fazer quimioterapia adjuvante parece melhorar a sobrevivência do que sem a quimiotera-
pia, para casos como o seu. A quimioterapia tem efeitos colaterais. Mesmo assim, alguns meses
de sacrifícios agora podem valer a pena de anos adicionais de vida sem câncer”.
No modelo informativo, o médico pode dizer: “para o câncer de mama sem comprometimen-
to de nódulos linfáticos, há duas questões para você decidir: controle local e controle sistêmico.
Para controle local, as opções são mastectomia ou quadrantectomia com ou sem radioterapia.
Vários estudos demonstram que mastectomia e quadrantectomia com radioterapia resultam em
sobrevida global geral igual, cerca de 80% em dez anos. Já a quadrantectomia sem radioterapia
resulta em 30 a 40% de chance de recidiva na mama. A segunda questão se refere ao controle
sistêmico. Nós sabemos que a quimioterapia prolonga a sobrevida de mulheres na pré-meno-
pausa que têm linfonodo axilar comprometido pelo tumor. O papel dela para mulheres sem
envolvimento de linfonodos é menos claro. Estudos isolados sugerem que a quimioterapia não
agrega benefício de melhora da sobrevida, mas uma revisão sistemática sugere que há um be-
nefício. Por fim, deixe-me informar a você que há ensaios clínicos abertos, para os quais você é
elegível, para avaliar os benefícios da quimioterapia para pacientes com câncer de mama sem
envolvimento linfonodal. Posso encaminhá-la para um estudo, se quiser. Estou disponível para
fornecer informação adicional que julgar necessária”.
O modelo interpretativo pode explicar boa parte da mesma informação descrita pelo médico
informativo e, depois, iniciar uma discussão para elucidar os desejos da paciente, concluindo:
“parece-me que você tem desejos conflitantes. É compreensível que se sinta insegura sobre como
balancear as demandas necessárias para receber o tratamento quimioterápico adicional, recome-
çar sua vida privada e manter seu equilíbrio psicológico. Deixe-me tentar exprimir a perspectiva
que melhor se enquadra na sua posição. Combater seu câncer é importante, mas o tratamento
deve deixá-la com uma autoimagem saudável, além de possibilitar que tenha tempo livre fora do
hospital de qualidade. Essa visão parece compatível com a opção de realizar a quadrantectomia

868
com radioterapia, mas sem quimioterapia. A quadrantectomia com radioterapia maximiza sua
chance de sobrevida enquanto preserva sua mama. A radioterapia trata o câncer sem desfigurar.
Por sua vez, a quimioterapia prolongaria a duração do tratamento em vários meses, além de se
associar a efeitos colaterais importantes. Ademais, os benefícios da quimioterapia em termos de
sobrevida são menores e mais controversos. Dadas as recentes mudanças na sua vida, você tem
preocupações demais para se submeter a meses de quimioterapia por um benefício questionável.
Eu estou entendendo a sua situação? Podemos conversar novamente em alguns dias”.
O médico deliberativo pode começar delineando a mesma informação factual, iniciar uma
conversa para elucidar os valores do paciente, mas continua: “parece que você deveria rea-
lizar a radioterapia. Ela oferece sobrevida máxima com risco mínimo, sem ser mutilante e
com pequena inconveniência na sua vida. A questão da quimioterapia é diferente e tem dados
conflitantes. Balanceando todas as opções, eu considero que a melhor para você é aderir a um
ensaio clínico que investigue o benefício potencial da quimioterapia para mulheres com câncer
de mama sem linfonodo comprometido. Primeiro, isso garante que você receberá um tratamen-
to médico de excelência. Nesse ponto, nós não sabemos qual terapia maximiza a sobrevida.
Em um ensaio clínico, o seguimento com consultas, exames e decisões é realizado por experts
em câncer de mama, para garantir que todas as participantes recebam a melhor assistência
disponível. Uma outra razão para participar do ensaio é altruística: permite contribuir com
mulheres com câncer de mama no futuro, que terão que tomar decisões difíceis. Ao longo das
décadas, milhares de mulheres participaram de estudos que moldaram as nossas práticas de
tratamento atuais. Sem essas mulheres e o conhecimento que permitiram que fosse produzido,
nós provavelmente estaríamos recomendando mastectomias radicais para você e para outras
mulheres com câncer de mama. Ao participar de um estudo, você faz parte de uma tradição na
qual mulheres de uma geração recebem o melhor tratamento disponível, mas também aprimo-
ram o tratamento de mulheres de gerações futuras, pois a medicina aprendeu algo sobre quais
intervenções são melhores. Eu devo frisar que não tenho envolvimento com o estudo; se você
decidir participar, vai inicialmente passar em consulta com outro expert em câncer de mama
para planejar o tratamento. Eu busquei explicar nosso conhecimento atual e oferecer minha
recomendação, de modo que você consiga tomar a melhor decisão possível”.

Qual seria o melhor modelo?


Em muitos países, especialmente naqueles desenvolvidos, como os Estados Unidos e
vários da Europa, desde a década de 1970, tem ocorrido uma mudança de paradigma da
prática médica1. Novas leis de diretivas antecipadas e de direitos dos pacientes (abordadas
em detalhes no Capítulo 39), novas regras para a experimentação humana e – em alguns

869
países – decisões e leis emblemáticas sobre “direito à morte” alçaram a decisão do pacien-
te a um patamar acima da decisão médica nesses países. Tal processo de mudança levou a
um fortalecimento do modelo informativo, de não interferência do médico8.
No entanto, muitas críticas podem emergir contrárias à prática da simples não interfe-
rência em decisões dos pacientes. Além das críticas sobre o real significado da autonomia
nessas condições, detalhadas no Capítulo 37, muitos críticos também apontam que a práti-
ca vem levando a medicina a um modelo comercial. A não interferência, por si só, não en-
coraja a discussão entre pacientes e seus médicos. Se, por um lado, a desigualdade ineren-
te à relação médico-paciente pode propiciar o abuso pelo médico, não valorizar formas de
interferência positiva limita em muito a prática médica. Ao não interferir, o médico deixa
de considerar diversos fatores que acabariam por “restringir” a autonomia do paciente5,8,9.
É por isso que o médico deve não apenas explorar o entendimento do paciente sobre
sua condição, mas também esmiuçar seus valores, desejos, expectativas e frustrações.
Feito isso, deve buscar um ponto em comum, expor uma recomendação, explicá-la e
justificá-la por meio de argumentos8,12.
No caso Dax Cowart, descrito no Capítulo 37, essa necessidade se tornou evidente.
Após recusar tratamento para seus ferimentos graves decorrentes de uma explosão, e
seus médicos optarem por tratá-lo mesmo assim, o caso foi parar nos tribunais. O pró-
prio Cowart admitiu que tinha visões equivocadas sobre a deficiência, que motivavam
em parte sua decisão à época. Porém, também manteve sua convicção quanto a ela com
a justificativa de que preferia a morte às dores que sentia13. Assim, questiona-se: teria o
caso evoluído para um litígio judicial caso os valores e sentimentos de Cowart fossem
investigados com mais detalhes, um ponto em comum fosse encontrado entre seus mé-
dicos e ele e, por fim, a conduta médica proposta fosse explicada e defendida, através
de argumentos, pela equipe assistencial? Ou, então, caso se optasse pela simples não
interferência, poderíamos supor que Cowart se sentiria abandonado por seus médicos?
Levando esses questionamentos em consideração, qual seria, então, o melhor mo-
delo de relação médico-paciente? Para responder a esta pergunta, é necessário definir
com precisão quais as funções ideais do médico. As mais evidentes são fornecer assis-
tência competente e técnica, com o objetivo de restaurar a saúde do paciente, além de
dar informações pertinentes sobre sua saúde14. Apesar de isso, por si só, já devolver ao
paciente um certo controle de sua condição, pode não suprir outras demandas, que po-
dem envolver aspectos psicológicos, sociais, culturais e seus valores individuais. Assim,
limitar-se a apenas informar e tratar não é suficiente, especialmente em determinadas
condições, como, por exemplo, um paciente em negação9.

870
É necessário, então, complementar as funções do médico com outros requisitos. Em pri-
meiro lugar, é fundamental avaliar as necessidades psicológicas e sociais do paciente, além
de entender seus valores e o que motiva suas escolhas e decisões. Para isso, o médico deve
fortalecer suas habilidades de empatia, escuta, compreensão e reconhecimento de emo-
ções. Superada essa etapa, o médico deve tentar modificar eventuais visões equivocadas que
o paciente pode ter sobre sua doença, como preconceitos e valores distorcidos – lembremos
novamente de Dax Cowart. Ou, então, deve fornecer apoio para superar fatores psicológi-
cos, como a negação, que podem distorcer a visão do paciente. Só assim seria possível que
o paciente retome o controle necessário para que possa exercer uma autonomia plena5,9.
Como as situações clínicas são as mais variadas possíveis, todos os quatro modelos po-
dem ser úteis, a depender da situação. Assim, inicialmente serão elencadas situações mais
apropriadas para cada um dos modelos e objeções a eles fora de tais contextos, segundo
proposto por Emanuel e Emanuel8. Em seguida, será justificada a escolha de um deles como
o mais adequado para situações em geral, conforme defendido por esses mesmos autores.

• Modelo paternalista: sua validade se limita a emergências, em que o atraso no consen-


timento pode causar dano irreversível ao paciente8. Por exemplo, um transeunte é tra-
zido ao hospital após atropelamento, inconsciente, e requer transfusão sanguínea (caso
contrário terá um desfecho fatal). Não se sabe nada sobre o indivíduo, quanto mais suas
opções religiosas referentes a transfusões sanguíneas. Adotar a medida paternalista de
realizar a transfusão mesmo sendo impossível obter o consentimento, mas pressupondo
que o melhor a fazer pelo paciente é preservar sua vida, é correto. Fora cenários como
esse, em alguns países, em especial nos EUA, não há espaço na ética médica atual para
esse modelo. Já segundo o Código de Ética Médica (CEM) brasileiro, a adoção de medidas
paternalistas também deve ocorrer quando o paciente apresentar risco de vida, inde-
pendentemente de sua capacidade para consentir15, conforme detalhado no Capítulo 39.

• Modelo informativo: pode ser suficiente nos casos de pacientes com valores claros, não
conflitantes, em interações únicas, que não requerem acompanhamento longitudinal,
quando não se pode aprofundar a avaliação dos valores do paciente e compará-los com
o ideal. Nos demais casos, o modelo peca pela falta de uma abordagem de cuidado, que
requer entender quais valores o paciente tem ou deveria ter e como eles são afetados pela
doença. Ademais, muitos pacientes não querem que o médico pareça alguém dissociado,
que não se preocupa com eles, ao deixar em suas mãos toda a responsabilidade das de-
cisões8. Muitos pacientes, inclusive, se sentem desconfortáveis quando precisam decidir

871
sobre sua saúde, ainda mais quando as decisões são críticas e necessárias justamente em
seu pior momento, quando estão doentes e assustados5,9. O modelo informativo, ainda,
leva o médico a ter escrúpulos excessivos em recomendar algo, por medo de violar a auto-
nomia do paciente; fomenta a ultra-especialização técnica do médico e a impessoalidade
da relação; pressupõe que todos os pacientes têm valores conhecidos, fixos e não confli-
tantes; não considera falsas crenças, por exemplo, decorrentes de um estado psicológico;
e não leva em conta influências de informações externas5,8,9. Como consequência, o mo-
delo informativo compromete ações de promoção da saúde, pois muitas delas requerem
que o médico dê recomendações personalizadas para o paciente, muitas das quais vão
contra suas vontades imediatas (parar de fumar, comer menos açúcar, entre outras)8.

• Modelo interpretativo: representa uma vantagem adicional, ao permitir a avaliação dos


fatores por trás dos desejos dos pacientes, e reconhece que estes são dinâmicos e po-
dem não ser totalmente conhecidos. Críticos, contudo, pontuam que muitos médicos
têm dificuldade em abordar os valores do paciente, bem como poucos são treinados para
isso. Características atuais do sistema de saúde também não favorecem a aplicação des-
se modelo, pois o contato direto entre médico e paciente tem se tornado cada vez mais
breve. Ainda, argumenta-se que alguns médicos podem querer impor seus valores, sob o
pretexto de que estão elucidando os valores de seus pacientes. Estes, assustados com sua
condição de saúde, podem ser influenciados, tornando a relação, assim, mais próxima
da paternalista. Tal modelo também apresenta limitações, pois não permite ações de
convencimento do paciente a adotar outros valores. Nesse modelo, o médico também
não pode recomendar, por exemplo, a adoção de hábitos de vida saudáveis – como parar
de fumar – e convencer o paciente a reavaliar a prioridade que dá a sua saúde8.

• Modelo deliberativo: possibilita oferecer recomendações ao paciente e confrontá-las


com seus valores, permitindo que reflita a respeito de sua própria condição. É, assim,
útil em situações de promoção da saúde e quando há conflitos diretos entre as escolhas
do médico e as do paciente. Em especial, é a melhor forma de abordar a divergência
quando as escolhas do paciente parecem absurdas. Contudo, importantes questionamen-
tos são feitos. É adequado julgar decisões, hábitos e desejos dos pacientes, enquanto se
promovem alguns valores de saúde específicos? Como determinar as recomendações
corretas em uma sociedade plural, em que há muitos valores que conflitam entre si,
e não apenas entre médicos e pacientes, mas também dentro da própria comunidade
médica? Qual a influência dos valores de um médico específico em suas recomendações

872
e deliberações morais e qual o impacto deles nos tratamentos propostos? Por exemplo,
qual o papel do viés do médico, no caso de um cirurgião que recomenda cirurgia, en-
quanto um clínico propõe um tratamento conservador? Ainda, a despeito de se defen-
der que a promoção do debate permite atingir um nível de autonomia maior, é correto
haver tanta influência dos valores pessoais de um único indivíduo nesse processo? O
paciente, na realidade, não deveria procurar o médico para tratar de sua saúde e não
para revisar seus valores morais? Por fim, deve-se considerar o risco de fácil evolução
para o paternalismo, mesmo que de forma sutil ou velada8.

O modelo preferido em situações gerais


Como exposto, diferentes modelos podem ser adequados, a depender da circunstân-
cia clínica. Mas qual é o modelo que se torna referência paradigmática, sem precisar ser
justificado pela situação?
Diante da transformação da prática médica nas últimas décadas em direção ao modelo
meramente informativo, em especial nos EUA, mas também em muitos serviços no Brasil,
surgiu o conceito de decisão médica compartilhada. Segundo ele, médico e paciente devem
ter mútua participação e respeito, cabendo ao profissional ajudar seu paciente a entender
a situação clínica e os cursos de ação disponíveis. Ao paciente, cabe transmitir suas preo-
cupações e desejos. A decisão final é feita, então, em conjunto, de forma colaborativa8,12,16.
Na decisão médica compartilhada, tanto a contribuição do médico quanto a do pa-
ciente são ativas e essenciais. Enquanto o médico fornece a técnica, o paciente forne-
ce conhecimento sobre seus desejos e valores subjetivos, estabelecendo-se, assim, uma
divisão de fatos e valores. Todavia, apesar de contemplar parte das críticas ao modelo
informativo, o conceito de decisão médica compartilhada remete a este modelo, ainda
que com um rótulo diferente. Isso ocorre porque, apesar de propor um diálogo maior
entre médico e paciente, pode limitar o papel do primeiro a apenas fornecer informação
técnica, sem promover o debate moral com o último8.
Os outros argumentos expostos até aqui ressaltam a importância da comunicação e do
debate moral na relação médico-paciente. O debate franco e transparente é fundamental
para prevenir desentendimentos futuros, como ocorrido no caso Canterbury. Ainda, per-
mite que o paciente tenha decisão racional autônoma e se sinta responsável também pelo
efeito adverso. Além de informar, o debate moral pressupõe também investigar o que
motiva o paciente a uma determinada decisão quando há conflito com o médico, antes
de surgir um confronto12. Após essa investigação empática, realiza-se então a avaliação
crítica da situação entre médico e paciente, o debate e, por fim, a deliberação moral8.

873
Seguindo esse processo, Emanuel e Emanuel defendem que o modelo que mais pa-
rece se encaixar, em situações gerais, é o deliberativo. Nele, pode-se atingir a melhor
versão da autonomia, pois limitar-se a apenas fornecer informação, conforme o modelo
informativo, é deturpar e simplificar demais o significado deste princípio8. Liberdade e
controle, por si só, não constituem autonomia, pois este princípio requer que o indiví-
duo avalie criticamente suas preferências, veja se seus valores são desejáveis e reafirme-os
após refletir sobre eles, para então debatê-los. Somente após esse processo, faz sentido ser
livre para tomar uma decisão5,8,9.
O modelo deliberativo também se encaixa melhor na imagem do médico ideal, que não
é apenas o profissional que tem um conhecimento especializado, que comunica a informa-
ção factual e, depois, implementa intervenções de forma competente. Ao contrário, per-
mite reforçar a imagem do médico como profissional zeloso, que integra a informação e
valores relevantes do paciente para, então, fazer uma recomendação baseada no que consi-
dera melhor para o enfermo. Então, através de debate, o médico tenta persuadir o paciente
a aceitar sua recomendação como a intervenção que representa melhor seus interesses8.
A aplicação correta do modelo deliberativo não é uma forma disfarçada de paternalis-
mo, como pode ser alegado. Idealmente, o médico deve engajar o paciente nas discussões
críticas, utilizando-se de persuasão, mas não de coerção. Deve saber os limites entre uma
e outra e até onde pode ir na defesa de seus argumentos. Também não deve abordar ques-
tões que não tenham relação com a condição do paciente, mas deve promover o debate em
todas as situações clínicas possíveis e não apenas naquelas em que o paciente discorda8.
Diferentemente do que ocorre em muitos casos no Brasil, a decisão final deve ser sempre
do paciente, exceto quando há risco de vida, conforme a deontologia médica brasileira
(que difere da prática médica norte-americana)15. Assim, cabe ao médico sempre instruir,
mas nunca ordenar. Todavia, se esses pontos não forem observados e o modelo deliberati-
vo for mal utilizado, de fato existe o risco de evolução para paternalismo8.
A crítica de que os valores individuais dos médicos podem interferir na escolha do pa-
ciente também pode ser contemplada pelo argumento de que são justamente esses valo-
res que motivam o paciente a escolher um determinado médico. Assim, a pluralidade de
valores entre médicos pode, inclusive, potencializar a autonomia, uma vez que, no caso
de uma contrariedade insanável entre médico e paciente, este pode procurar outro pro-
fissional, de acordo com sua livre escolha. No modelo informativo, ao contrário, o que
pauta a mudança de médico é somente a incompetência ou ignorância do profissional
que vinha cuidando do caso, e não seus valores8. Contudo, é importante salientar que no
contexto de um sistema público de saúde, essa mobilidade pode ser limitada.

874
O modelo deliberativo permite ainda o exercício de uma função primordial da medicina:
a promoção da saúde8. É importante que o médico não se limite ao tratamento de condi-
ções clínicas, mas também promova valores de saúde, como, por exemplo, hábitos de vida
saudáveis. Muitas vezes, essas recomendações conflitam com os valores do paciente no
momento17. O debate e a persuasão são fundamentais, neste contexto, para convencer o pa-
ciente, por exemplo, que fumar, apesar do prazer que confere, é algo deletério à sua saúde8.
É fato que os médicos, em geral, carecem de treinamento e habilidades para investi-
gar os valores intrínsecos do paciente e articular aqueles que pautam suas recomenda-
ções, de forma a desenvolver debates produtivos e defender suas condutas. Muito disso
se deve às características atuais da educação médica e do sistema de saúde. O argumento
da falta dessas habilidades não pode comprometer o modelo deliberativo, mas, sim, ser-
vir como justificativa para a promoção da mudança do modelo assistencial, de forma a
conferir ao médico tempo e condições de aprofundar a relação com seu paciente8. A edu-
cação médica também deve buscar desenvolver no estudante e no médico habilidades de
comunicação e de psicologia médica, que facilitem o entendimento dos valores do pa-
ciente e a articulação dos argumentos que baseiam suas recomendações (mais detalhes
sobre educação em cuidados paliativos são abordados no Capítulo 34).
O modelo deliberativo, assim, permite mudar o conceito de autonomia, de forma que evo-
lua de apenas permitir o controle do paciente, para promover seu desenvolvimento moral8.

Considerações finais
A história da medicina nas últimas décadas nos mostra que o modelo informativo
se tornou dominante em muitos países desenvolvidos, como os Estados Unidos e em
parte da Europa. O processo que levou a isso, motivado principalmente por escân-
dalos envolvendo a experimentação em seres humanos, teve como consequência um
enfoque excessivo em dois extremos: autonomia versus paternalismo. Essa visão pola-
rizada levou à simplificação da relação médico-paciente para um modelo informativo
e de mera não interferência, que pressupõe um conceito defeituoso de autonomia e
que limita o papel do médico a ser mero técnico. Por outro lado, no Brasil, problemas
como as deficiências de acesso à saúde, a menor escolaridade da população, piores
condições socioeconômicas e aspectos culturais, entre outros, ainda fazem prevalecer
uma prática médica paternalista.
A relação médico-paciente ideal pressupõe um conjunto de conhecimento, entendi-
mento, educação e ação. Assim, o médico zeloso investiga e elucida não só a condição mé-
dica do paciente, mas também seus valores relacionados à saúde, para depois integrá-los.

875
Feito isso, faz, então, uma recomendação sobre o curso de ação que julga mais apropriado
e tenta persuadir o paciente dessa abordagem e de seus valores embutidos.
Para que se estabeleça uma relação médico-paciente ideal, independentemente do
modelo teórico proposto, é fundamental o desenvolvimento de habilidades de comu-
nicação, como as detalhadas no Capítulo 30. O médico pode não ser necessariamente a
pessoa que melhor saberá implementar os valores e desejos de um paciente. Contudo,
após uma escuta atenta e empática, seguida de um debate crítico, isso se torna mais
possível. O paciente só terá plena autonomia e a relação médico-paciente só será ideal,
diminuindo a chance de conflitos, quando houver um desenvolvimento moral mútuo
entre o médico e seu paciente.

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17. Dworkin G. Paternalism. Monist. 1972; 56(4):64-84.


877
Capítulo 41
Diagnóstico da Morte Encefálica
Augusto Bragança Reis Rosa

O conceito de morte, classicamente, sempre esteve associado à cessação da atividade


cardíaca. Declarava-se o óbito, portanto, apenas quando o paciente não mais apresentava
batimentos cardíacos. Contudo, com o avanço da tecnologia na medicina, surgiu o chama-
do suporte artificial à vida, que permitiu que pacientes fossem mantidos com atividade
cardíaca mesmo na ausência de atividade encefálica. Essa nova situação fez surgir um
novo dilema bioético e legal na medicina: pacientes nesta condição poderiam ser conside-
rados vivos? O próprio conceito de morte estava sendo posto à prova. Para enfrentar esse
dilema, em 1968, um grupo da Faculdade de Medicina de Harvard cunhou o conceito de
morte encefálica (ME), que atualmente é a definição médica e legal dominante de morte1.
Este capítulo discorre sobre o processo diagnóstico da ME, tão importante no contex-
to de cuidados paliativos e das doenças terminais. Ao longo do processo, são importantes
a conscientização e o acolhimento dos familiares sobre o seu significado. O não entendi-
mento da família acerca do diagnóstico pode levar à perda da relação médico-paciente-
-família e a questionamentos quanto a sua validade. Familiares informados e conscienti-
zados têm maior aceitação do processo de morte e são mais propensos a concordar com
processo de doação de órgãos e tecidos.

Conceitos e definições

• Morte encefálica (ME): trata-se da perda irreversível das funções encefálicas para
manutenção da vida, situação na qual se observa coma não perceptivo, ausência de
reatividade supraespinhal e apneia persistente2. Uma vez estabelecido o diagnóstico
de ME, equivale legalmente ao diagnóstico de óbito, segundo a Lei nº 9.434/1997 e o
Decreto nº 9.175/2017, que a regulamentam3,4. Ambos os dispositivos legais delegam
ao Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelecer os critérios para o diagnóstico
da ME, conforme resolução específica elaborada pela entidade. Atualmente, a Reso-
lução CFM nº 2.173/2017 é o dispositivo que define os critérios precisos, bem estabe-

879
lecidos, padronizados e passíveis de serem executados em todo território nacional
por profissionais médicos, os quais serão descritos neste capítulo.

• Suporte artificial à vida: é qualquer técnica ou equipamento que ajude a pro-


longar os processos metabólicos e funções orgânicas do corpo, quando estas es-
tiverem em falência. São exemplos: ventilação mecânica, nutrição e hidratação
parenterais, diálise, entre outros. Na ME, o suporte artificial à vida permite manter
os processos metabólicos e os batimentos cardíacos do paciente, mesmo na ausên-
cia de atividade encefálica1. Com a definição de ME como morte legal, contudo,
deve-se desligar o suporte artificial à vida, o que não constitui descontinuar um
tratamento, como ocorre em outras situações descritas em detalhes no Capítulo 38.

• Estados vegetativos persistente e permanente: tratam-se de situações diversas em


relação à ME. Seu diagnóstico é feito quando há abertura ocular espontânea – sina-
lizando recuperação do sistema reticular ativador ascendente (Sara) ou, em outras
palavras, há evidência de um ciclo sono-vigília – após um período de coma – geral-
mente após até duas semanas –, mas sem evidências de compreensão de linguagem
verbal ou gestual, ou reprodução de comportamentos intencionais sob estímulo visu-
al, auditivo, tátil ou nocivo. O termo persistente é aplicado quando a duração excede
30 dias. Já a denominação permanente se aplica a casos que exedem três meses para
doenças hipóxicas e 12 meses para lesões traumáticas5.Nesta situação, o paciente
não é considerado legalmente como em óbito, mas diversos debates bioéticos cir-
cundam o tema, conforme abordado em detalhes no Capítulo 38.

O diagnóstico da morte encefálica


O diagnóstico da ME envolve critérios bem estabelecidos. Inicialmente, o paciente deve
preencher determinados pré-requisitos para, somente então, se proceder à avaliação diag-
nóstica. Esta deve ser realizada por um exame neurológico específico, capaz de avaliar
funções encefálicas, o que inclui o chamado teste da apneia, que tem por objetivo verificar
se o paciente consegue manter atividade respiratória espontânea (através de viabilidade
de seus centros respiratórios bulbares). Exames complementares também auxiliam no
diagnóstico e são obrigatórios. Cada um desses componentes do diagnóstico da ME será
descrito a seguir, conforme a Resolução CFM nº 2.173/20172.

880
Pré-requisitos para o diagnóstico da ME
Os seguintes pré-requisitos se fazem necessários para que se proceda à avaliação diag-
nóstica da ME:
• Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e suficientemente capaz
de causar morte encefálica: exemplos mais comuns incluem síndrome de hipertensão in-
tracraniana, hemorragias intracranianas traumáticas ou espontâneas, lesões hipóxico-
-isquêmicas difusas, tumores intracranianos extensos e neuroinfecções, entre outras.

• Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de morte encefálica:


atualmente, não existe uma lista pré-definida de fatores a serem excluídos como con-
fundidores. O contexto clínico é o principal guia para identificação destes fatores. Os
principais seriam distúrbios de glicose (hipoglicemia e hiperglicemia importantes), dis-
túrbios do sódio extremos (hiponatremia e hipernatremia graves), insuficiência renal/
uremia grave, hipotermia grave, distúrbios ácido-básicos, hipotireoidismo grave, into-
xicação exógena, agentes sedativos e bloqueadores neuromusculares. Idealmente, para
ter elegibilidade ao exame, deve-se aguardar três meias-vidas após o uso de medicações
anestésico-sedativas, quando utilizadas em bolus, e cinco meias-vidas, quando utilizadas
em infusão contínua. Em casos de insuficiência hepática e/ou renal grave, os intervalos
devem ser estendidos com base na gravidade da disfunção. A Tabela 1 elenca as princi-
pais drogas sedativas e suas respectivas meias-vidas.

TABELA 1. PRINCIPAIS FÁRMACOS COM INTERFERÊNCIA NA FUNÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL E


SUAS MEIAS-VIDAS

Agente sedoanestésico Meia-vida

Midazolam 2 horas
Fentanil 2 horas
Halotano 15 minutos
Isoflurano 10 minutos
Succinilcolina 10 minutos
Pancurônio 2 horas
Cisatracúrio 22 minutos
Etomidato 3 horas
Cetamina 2 horas e 3 minutos
Propofol 2 horas

881
• Tratamento e observação em hospital pelo período mínimo de seis horas: pacien-
tes admitidos com contexto propenso ao diagnóstico de ME, mesmo com condições
clínicas preenchidas, devem aguardar pelo menos seis horas da admissão para início
do exame clínico. Naqueles cuja causa do coma é encefalopatia hipóxico-isquêmica,
deve-se aguardar pelo menos 24 horas da admissão ou do reaquecimento, em casos de
utilização de hipotermia terapêutica.

• Condições clínicas mínimas para o exame:


• Temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35º C. Na Indispo-
nibilidade de termômetros centrais, a temperatura axilar superior a 35º C é suficiente
e segura (dado a central ser em média 1º C acima da axilar).
• Saturação arterial de oxigênio acima de 94%.
• Pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial média maior
ou igual a 65 mmHg. Abaixo dos 16 anos, segue-se a tabela 2, reproduzida a seguir.

TABELA 2. PRESSÃO ARTERIAL SISTÓLICA E MÉDIA MÍNIMAS PARA INÍCIO DO EXAME CLÍNICO PARA
DETERMINAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA
Pressão arterial

Idade Sistólica (mmHg) PAM (mmHg)

Até 5 meses incompletos 60 43

De 5 meses até 2 anos incompletos 80 60

De 2 anos até 7 anos incompletos 85 62

De 7 anos até 15 anos 90 65

PAM: PRESSÃO ARTERIAL MÉDIA


FONTE: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. RESOLUÇÃO Nº 2.173/2017, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2017. DEFINE OS CRITÉRIOS DO DIAGNÓSTICO DE
MORTE ENCEFÁLICA. DISPONÍVEL EM: HTTPS://SISTEMAS.CFM.ORG.BR/NORMAS/VISUALIZAR/RESOLUCOES/BR/2017/2173 (ACESSADO EM 08/08/2021).

Atendidos os pré-requisitos, os seguintes procedimentos para determinação da ME são


obrigatórios:
• Dois exames clínicos que confirmem coma não perceptivo e ausência de função do
tronco encefálico;
• Teste de apneia que confirme ausência de movimentos respiratórios após estimula-
ção máxima dos centros respiratórios;

882
• Exame complementar que comprove ausência de atividade encefálica.

Exame clínico para o diagnóstico da ME


O próximo passo no diagnóstico da ME é a realização de um exame clínico focado, que
investiga a presença de coma não perceptivo e ausência de reatividade supraespinhal mani-
festada por falta de reflexos do tronco encefálico. O coma não perceptivo é determinado pela
ausência de resposta supraespinhal a qualquer estímulo, sobretudo doloroso, na ausência
de variáveis de confusão. Os principais pontos de estímulo são as regiões supraorbitárias, ar-
ticulação temporomandibular, trapézio e leito ungueal dos membros. Não invalidam o teste
respostas infraespinais, como rubor, sudorese, taquicardia, reflexos tendinosos profundos,
movimentos apendiculares reflexos, atitude em opistótono ou flexão do tronco, adução e
elevação de ombros reflexos, por significarem manutenção da função medular.
A viabilidade do tronco encefálico é determinada por manobras semiológicas direciona-
das e o teste de apneia (descrito adiante). Cinco reflexos devem ser testados rotineiramente.
A ausência de resposta corrobora o diagnóstico de ME, conforme elencado no Quadro 1.

QUADRO 1. REFLEXOS DE TRONCO ENCEFÁLICO, VIAS ANATÔMICAS ENVOLVIDAS, RESPOSTAS ESPERADAS E


RESPOSTAS AUSENTES EM CASO DE ME

Resposta
Vias Forma Resposta
fisiológica
envolvidas de testar ausente
esperada

• Via aferente: Estímulo luminoso


Reflexo Contração do Pupilas fixas, de
II NC pupilar direto e súbito
fotomotor músculo ciliar da tamanho médio
• Via eferente: de ambos os olhos
(pupilar) pupila (miose) ou midriáticas
III NC subsequentemente

Ausência de
• Via aferente: Estímulo direto da córnea
Reflexo Contração ou contração
V NC com soro fisiológico ou
córneo- piscamento sob palpebral ou
• Via eferente: algodão embebido em
palpebral estímulo de resposta
VII NC solução salina
de piscar

• Via aferente: Desvio cefálico rápido


Desvio contrário Ausência de
Reflexo látero-lateral e
VIII NC à direção da desvio dos
óculo- vértico-vertical com
• Vias eferentes: movimentação da olhos durante a
cefálico manutenção dos olhos
III NC e VI NC cabeça movimentação
abertos

883
Resposta
Vias Forma Resposta
fisiológica
envolvidas de testar ausente
esperada

Irrigação do conduto
auditivo externo com
Reflexo • Via aferente: Desvio ocular Ausência de
50-100mL de água fria
vestíbulo- VIII NC contralateral desvio ocular
(5ºC) com a cabeça em
calórico • Via eferentes: ao ouvido no período
posição supina a 30º
III NC e VI NC estimulado observado
(prova seguida por observação
calórica) por um minuto

• Via aferente: Estimulação da carina Tosse ou Ausência de


Reflexo IX NC traqueal com cânula de bradicardia tosse ou de
de tosse • Via eferente: aspiração reflexa bradicardia
X NC reflexa

NC: NERVO CRANIANO, SENDO II NC – NERVO ÓPTICO; III NC – NERVO OCULOMOTOR; V NC – NERVO TRIGÊMEO; VI NC – NERVO ABDU-
CENTE; VII NC – NERVO FACIAL; VIII NC – NERVO VESTIBULOCOCLEAR; IX NC – NERVO GLOSSOFARÍNGEO; X NC – NERVO VAGO.

Cada um dos dois exames deve ser realizado por médico diferente. O examinador deve
ser médico capacitado com no mínimo um ano de experiência no atendimento de pacien-
tes em coma e que tenha acompanhado pelo menos dez determinações de ME ou sido
capacitado para determinação de ME. Pelo menos um dos médicos deve ter a seguinte es-
pecialidade: medicina intensiva (adulto ou pediátrico), neurologia (adulto ou pediátrico),
neurocirurgia ou medicina de emergência. O registro das informações deve ser realizado
em informe oficial, assinado e datado pelo profissional examinador. É importante lem-
brar que o exame não pode ser feito pela equipe responsável pela captação de órgãos3.
Os intervalos entre os exames são listados na Tabela 3, a seguir, conforme a idade.

TABELA 3. INTERVALOS PARA REALIZAÇÃO DE EXAME CLÍNICO PARA DETERMINAÇÃO DE ME

Idade Intervalo mínimo

Acima de 2 (dois) anos 1 hora

Dois a 24 meses incompletos 12 horas

Sete dias completos (recém-nato a termo) até dois meses incompletos 24 horas

Abaixo de sete dias (recém-nascido a termo) Não realizado exame

FONTE: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. RESOLUÇÃO Nº 2.173/2017, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2017. DEFINE OS CRITÉRIOS
DO DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA. DISPONÍVEL EM: HTTPS://SISTEMAS.CFM.ORG.BR/NORMAS/VISUALIZAR/RESOLUCOES/
BR/2017/2173 (ACESSADO EM 08/08/2021).

884
Teste da apneia
O teste da apneia tem por intuito demonstrar inviabilidade de centros respiratórios bulbares e
deve ser realizado uma única vez, por examinador também capacitado. O teste é positivo quan-
do não se observam movimentos respiratórios sob hipercapnia espontaneamente induzida,
acima de 55 mmHg valores abaixo de 56 mmHg tornam o exame inconclusivo).
Os seguintes passos devem ser seguidos para a realização do teste3:

• Os mesmos pré-requisitos para o exame clínico devem estar presentes, conforme


descritos anteriormente;

• Pré-oxigenação com FiO2 a 100% por pelo menos 10 minutos, com o intuito de
garantir uma PaO2 de pelo menos 200 mmHg, quando possível (o uso de cateteres
arteriais pode facilitar a obtenção de sangue arterial para gasometria arterial inicial
pré-teste);

• Pré-ventilação com o intuito de manter a PaCO2 entre 35-45 mmHg imediatamente


antes do exame (o uso de capnógrafos pode auxiliar a realização deste passo);

• Monitorização multimodal durante a realização do exame (pressão arterial, satu-


ração de oxigênio, frequência cardíaca);

• Desconectar a ventilação mecânica e fornecer fluxo contínuo de oxigênio via ca-


teter intratraqueal ao nível da carina (a 6 L/min), tubo-T (12 L/min) ou CPAP até 12 L/
min + até 10 cmH2O de pressão);

• Observar a presença de qualquer movimento ventilatório durante 8-10 minutos.


Qualquer movimento ventilatório torna o teste negativo para ME e o paciente deve ser
reconectado à ventilação mecânica;

• Idealmente, se prevê aumento de 3 mmHg/min na PaCO2 de adultos e de 5mmHg/


min na PaCO2 em crianças;

• Coletar gasometria arterial ao final do exame, para comprovar PaCO2 final acima
de 55 mmHg, o que torna o teste de apneia positivo para ME;

885
• Após coleta de gasometria arterial, reconectar paciente à ventilação mecânica;

• Instabilidade hemodinâmica importante (PAs < 100mHg ou PAM < 65 mmHg), arrit-
mias cardíacas ou hipoxemia significativa durante o exame são motivos para interrompê-
-lo, devendo-se coletar gasometria arterial e reconectar à ventilação mecânica. Caso a ga-
sometria demonstre hipercapnia (> 55 mmHg), na ausência de movimentos ventilatórios,
mesmo na ocorrência de instabilidade hemodinâmica, arritmias cardíacas ou hipoxemia,
o teste de apneia é positivo para ME. Contudo, se a PaCO2 final for inferior a 56 mmHg,
após a melhora da instabilidade hemodinâmica, deve-se refazer o teste.

Exames complementares para o diagnóstico da ME


A escolha de um método complementar serve, pela legislação brasileira, para corroborar
o diagnóstico clínico de ME. Trata-se da demonstração documental de ausência de ativida-
de encefálica por métodos que avaliam fluxo sanguíneo, atividade elétrica ou metabólica.
Pode ser realizado antes ou depois do exame clínico, de acordo com a última resolução do
CFM3. A escolha do método varia conforme o contexto clínico e disponibilidade técnica.
Os métodos de fluxo são mais adequados para quando há interferentes metabólicos, visto
que o parâmetro não se altera nesta situação. Os métodos que avaliam a atividade elétrica
ou metabólica são mais adequados nas crianças, na encefalopatia hipóxico-isquêmica ou
após craniotomias descompressivas, por poder haver fluxo latente residual persistente.
A seguir, são descritos os métodos mais utilizados neste contexto, lembrando que a dis-
ponibilidade pode variar conforme cada serviço, mas em geral são amplamente fáceis de
realizar. A angiotomografia computadorizada de vasos intracranianos não consta, pela le-
gislação brasileira, como método complementar válido para determinação da ME, apesar
de utilizada em alguns países.

• Arteriografia cerebral: é o método padrão-ouro para a avaliação de fluxo intracrania-


no no sistema carotídeo interno e vertebro-basilar. Necessita de transporte do paciente
para sala própria e acesso arterial adequado. Pode ser inadequado para os pacientes
com instabilidade hemodinâmica e dependência de medicações vasopressoras.

• Doppler transcraniano: avalia o fluxo nas artérias carótidas internas intracranianas, ce-
rebrais médias, vertebrais e basilares, podendo evidenciar fluxo diastólico reverberante e/
ou pequenos picos sistólicos na fase inicial da sístole na circulação cerebral anterior e pos-
terior bilateralmente. É um método não invasivo, podendo ser realizado a beira-leito, sem

886
exposição a contraste. Como desvantagem, tem a necessidade de profissional capacitado.
• Cintilografia cerebral: avalia a captação, pelo tecido cerebral, de tecnécio marcado,
permitindo inferir sobre a perfusão encefálica. Tem alta concordância com arterio-
grafia cerebral, mas tem baixa disponibilidade na maioria dos centros.

• Eletroencefalograma: avalia a presença de atividade elétrica cerebral cortical, po-


dendo ser realizado a beira-leito, sem exposição a radiação ionizante. Cumpre cri-
térios como metodologia complementar ao evidenciar inatividade elétrica em todo
o traçado. Contudo, pode resultar em falso positivo, a depender do contexto clínico
(principalmente em distúrbios metabólicos graves).

Determinação da ME e conduta a seguir


Após realizados os exames clínicos, o teste da apneia e exame complementar que cor-
robore a suspeita, o paciente recebe o diagnóstico de ME. Toda a informação deve ser
protocolada no termo de declaração de morte encefálica (TDME) e assinada pelos profis-
sionais que realizaram a investigação. A data e horário do óbito correspondem ao último
passo realizado (seja ele o exame clínico/teste da apneia ou exame complementar). Caso
não se trate de morte com mecanismo violento ou causas externas, a declaração de óbi-
to poderá já ser preenchida. Caso contrário, a responsabilidade é do médico legista e o
corpo deverá ser encaminhado ao Instituto Médico Legal.
Findado o processo de diagnóstico da ME e uma vez confirmada a ME, a manutenção
de suporte cardiovascular e respiratório só se justifica no contexto de preparação para
doação de órgãos e tecidos2,3. A família deve estar ciente do quadro clínico e do signifi-
cado do processo ocorrido todo o tempo, evitando discordâncias conforme crenças ou
entendimentos pessoais. Prolongar o suporte artificial à vida em caso de ME fora do
contexto de doação de órgãos pode levar a confusões acerca do status do paciente e
promover processos de luto complicado6,7. A instrução dos familiares também auxilia
no entendimento do processo, caso respostas autônomas ou reflexas espinhais ainda
ocorram, fatos que não invalidam o processo de ME7.
Recomenda-se postura empática e clara na comunicação de dados, sempre frisando o
caráter irreversível e de óbito ou morte da condição7. Não se deve dividir a responsabili-
dade de determinar a ME com os familiares, pois pode gerar baixa aceitação do quadro,
entendimento de reganho de função neurológica ou desejo de manutenção de fomentos
financeiros8. Crenças pessoais da equipe que presta atendimento ao paciente também
não devem interferir no processo de determinação da ME, bem como nos desfechos sub-
sequentes. Caso não seja elegível à doação de órgãos e tecidos, a interrupção de suporte

887
vital no diagnóstico firmado de ME é suportada tanto pela Resolução CFM nº 2.173/2017
quanto pela Lei nº 9.434/1997 e pelo Decreto Presidencial nº 9.175/2017 no território bra-
sileiro, bem como por legislações específicas em outras nacionalidades9.

Considerações finais
A determinação da ME segue linhas de prática fundamentadas em princípios éticos,
legais, fisiológicos e morais. É dever ético do médico sempre se dispor a realizar os pro-
cedimentos necessários à determinação de ME, naqueles elegíveis conforme os critérios
apresentados neste capítulo. A participação da família como elemento consciente do
processo leva a uma maior aceitação e menores chances de luto complicado.

Referências
1. A definition of irreversible coma: report of the Ad Hoc Committee of the Harvard Medical Scho-
ol to Examine the Definition of Brain Death. JAMA. 205(6):337–340. 1968.

2. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.173/2017, de 23 de novembro de 2017. Define os


critérios do diagnóstico de morte encefálica. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/
visualizar/resolucoes/BR/2017/2173 (acessado em 08/08/2021).

3. Brasil. Lei Nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e par-
tes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Publicada
no Diário Oficial da União de 05/02/1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l9434.htm (acessado em 08/08/2021).

4. Brasil. Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro


de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de
transplante e tratamento. Publicado no Diário Oficial da União de 19/10/2017. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9175.htm (acessado em 08/08/2021).

5. Giacino JT, Fins JJ, Laureys S, Schiff ND. Disorders of consciousness after acquired brain injury:
the state of the science. Nat Rev Neurol. 2014; 10(2):99-114.

6. Lewis A, Verelas P, Greer D. Prolonging support after brain death: when families ask for more.

888
Neurocrit Care. 2016; 24(3):481-487.

7. Liao S, Ito S. Brain Death: Ethical Challenges to Palliative Care Concepts of Family Care. J Pain
Symptom Manage. 2010; 40(2):309-313.

8. Lewis A, Pope TM. Physician power to declare death by neurologic criteria threat-ened. Neuro-
crit Care. 2017; 26(3):446-449.

9. Truog RD, Paquette ET, Tasker RC. Understanding Brain Death. JAMA. 2020; 323(21):2139-2140.

889
Capítulo 42
Judicialização da Saúde em
Situações de Fim de Vida
Felippe da Silva Afonso

O conceito de distanásia (do grego “dis”, mal, algo mal feito; e “thánatos”, morte) con-
siste na utilização de recursos tecnológicos da medicina com a finalidade de prolongar
artificialmente a vida do paciente, ainda que tais procedimentos possam lhe causar so-
frimento desproporcional e desnecessário1. Esse e outros conceitos correlatos são abor-
dados em detalhes no Capítulo 38.
É fato notório que a proximidade da morte – seja a própria ou a de um ente querido –
traz grandes dificuldades no aspecto psicológico. Deste modo, o paciente, seus familiares
ou a própria equipe de saúde podem buscar meios para prolongar a vida artificialmente,
mesmo que em estado degradante, em total desrespeito à dignidade da pessoa huma-
na. Muitas vezes, contribuem com esse fenômeno justamente os fatores psicológicos
associados ao luto (abordados em detalhes no Capítulo 29), como a negação2. Da mesma
forma, para muitos médicos, existe grande dificuldade e falta de treinamento em aceitar
a morte como um fenômeno inerente à vida, a despeito do tratamento proposto3.
A morte é um fato presente na vida de todas as pessoas. É uma consequência da vida
e resultado da condição finita do homem. Sendo assim, da mesma forma que a vida tem
seu valor, deve-se preservar a dignidade da pessoa humana, corolário do ordenamen-
to jurídico brasileiro contemporâneo, também no processo de morte. Nesse contexto,
faz-se de suma importância, por parte dos médicos, o respeito aos ditames éticos da pro-
fissão, que incluem prestar cuidados que visem aliviar o sofrimento de pacientes com
doenças que ameaçam a vida e propiciar dignidade e conforto em seu fim4.
Contudo, hodiernamente se verifica, na prática, a prescrição de medicamentos e proce-
dimentos cujo resultado se mostra terapeuticamente fútil ou, então, inapropriado do ponto
de vista moral e ético. Trata-se da chamada futilidade terapêutica e dos chamados tratamen-
tos potencialmente inapropriados, abordados em maiores detalhes no Capítulo 38. A prá-
tica encontra respaldo na debilidade emocional do paciente e seus familiares, que deman-
dam tratamentos que acreditam poder curar ou postergar o avanço da enfermidade2. Da

891
parte do médico, a dificuldade em lidar com a morte de seu paciente ou comunicá-la pode
resultar na obstinação terapêutica e, consequentemente, em futilidade3. Este é, portanto,
um fenômeno que pode se originar de ambos os extremos da relação médico-paciente.
Dada a controvérsia inerente a essas condutas médicas, é frequente sua contestação
por agentes que regulam a distribuição de recursos de saúde, sejam públicos ou privados.
Ainda, em um contexto de escalada dos custos da assistência médica, torna-se evidente
que a maior parte da população brasileira não tem condições de arcar financeiramen-
te com muitos dos tratamentos propostos. Tem-se como resultado, uma busca cada vez
maior pela tutela jurisdicional com o fito de conseguir o custeio do tratamento desejado.

Conceitos e definições

• Judicialização da saúde: trata-se do fenômeno, cada vez mais observado no Bra-


sil , de se ajuizar uma demanda, com o objetivo de compelir o Estado ou entes pri-
5

vados a fornecer ou arcar com os custos de um tratamento médico pleiteado, que


pode envolver internações, medicamentos, cirurgias etc6. Não obstante o dever do
Estado em prover e garantir o direito social à saúde, as ações não são propostas
tão somente diante dos entes da federação, quais sejam, municípios, estados, Dis-
trito Federal e União. Há também uma avalanche de processos perante os planos
de saúde e outros agentes da saúde suplementar, como será discutido a seguir7.
Em suma, os cidadãos encontram no Poder Judiciário um mecanismo de pleitear
quaisquer tratamentos que tenham como narrativa principal promover sua saúde.

Situação atual da judicialização da saúde no Brasil


Para compreender melhor o fenômeno da judicialização da saúde no Brasil e a relevância
desse tema nos dias de hoje, a análise de estatísticas sobre o assunto é de suma importância.
Assim, com base na Lei de Acesso à Informação – Lei n.º 12.527, de 18 de novembro de 20118
–, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, realizou uma pesquisa visando compre-
ender esse fenômeno. Para isso, foram coletados e analisados dados relativos a processos
indexados como demandas de saúde junto a 24 estados da Federação e dois tribunais fede-
rais, em duas fontes de dados: repositórios de jurisprudência e Diários Oficiais de Justiça5.
A pesquisa identificou 498.715 processos de primeira instância, distribuídos entre 17
tribunais estaduais, além de 277.411 processos de segunda instância, distribuídos entre

892
15 tribunais estaduais, no período de 2008 a 2017, tendo como tema a “judicialização da
saúde”. Esses dados apontaram que houve um crescimento acentuado – de aproximada-
mente 130% – no número anual de demandas de primeira instância nas Justiças Estaduais
relativas a esse tema, entre os anos de 2008 e 2017. No mesmo intervalo de tempo, o CNJ
também encontrou um crescimento de 50% no número total de processos em primeira
instância. Como conclusão, a pesquisa indicou que o crescimento das demandas acerca da
saúde foi muito superior ao crescimento das demandas em geral no Judiciário5.
Como assuntos principais sobre os quais versavam os processos de primeira instância
identificados na pesquisa, foram identificados: “plano de saúde”, “seguro” e “saúde”, segui-
dos de “tratamento médico-hospitalar” e/ou “fornecimento de medicamentos”. O achado
é relevante, pois uma meta-análise publicada em 2020, que levantou todos os artigos cien-
tíficos publicados sobre o tema entre os anos de 2004 e 2017, identificou apenas dois arti-
gos, entre os 34 selecionados, que abordavam a judicialização da saúde no âmbito da saúde
suplementar9. Por sua vez, a publicação oficial do CNJ identificou uma participação muito
elevada dos assuntos “plano de saúde” e “seguro”, revelando que, apesar de menos estudado
nessa esfera, o fenômeno da judicialização da saúde é relevante na saúde suplementar5.
Em relação à distribuição geográfica das demandas no país, o CNJ observou que a a maio-
ria delas ocorre na Justiça Estadual de São Paulo, totalizando 116.518 demandas indexadas
pelo termo “plano de saúde”, distribuídas durante o período em análise. De forma análoga,
“plano de saúde” e “seguro” também aparecem entre os cinco assuntos mais importantes
nos seis tribunais estaduais com mais casos. Contudo, há diferenças entre os tribunais: en-
quanto no Rio de Janeiro, o principal tema – presente em 35% dos casos – é “saúde” (que
pode incluir a saúde suplementar), em Minas Gerais, Acre, Alagoas e Mato Grosso do Sul, o
assunto mais frequente nos processos é “tratamento médico-hospitalar e/ou fornecimento
de medicamentos”. Em Santa Catarina, o achado é semelhante: 28% dos casos são relativos
ao fornecimento de medicamentos, o que igualmente foi observado no Tocantins. No Ceará,
por sua vez, 67% dos processos são relativos ao termo “seguro”, achado análogo ao observa-
do, como mencionado, em São Paulo, mas também visto em Pernambuco e no Rio Grande
do Norte, onde o assunto que mais aparece é “planos de saúde”.
Em suma, o fenômeno da judicialização da saúde, que antes se imaginava estar restrito ao
Sistema Único de Saúde (SUS), no qual é mais estudado, tem crescido de forma intensa no
país e envolvido da mesma forma a saúde suplementar. Assim, o tema é de extrema relevân-
cia para os cuidados paliativos, visto que muitas das demandas envolvem tratamentos para
doenças crônicas e que ameaçam a vida. Esse fato é corroborado por estudo que levantou
as principais coberturas negadas por planos de saúde na Justiça de São Paulo, entre as quais

893
constam tratamentos contra o câncer e doenças cardiovasculares, incluindo quimioterapia,
radioterapia, cirurgias diversas, exames diagnósticos, medicamentos, órteses e próteses.

Peculiaridades do processo judicial para tutelar o direito social à saúde


A compreensão da judicialização da saúde requer que sejam expostas as peculiaridades
do procedimento judicial para concessão dos tratamentos pleiteados, bem como seus aspec-
tos críticos, tendo como ênfase o direito probatório, subárea do direito processual.
Um ponto importante a ser salientado é que, tratando-se de procedimentos cujo obje-
to é o direito à saúde, existe um risco do perecimento de seu direito, ou seja, há, prima
facie, um caráter de urgência nesses requerimentos. Assim, o instituto da tutela anteci-
pada de urgência se torna um instrumento processual hábil a garantir com maior eficá-
cia a tutela do direito do requerente, sem ser necessário esperar o sacrário da sentença.
Dada essa urgência temporal, a tutela provisória é uma consequência da cognição não
exaustiva, ou de cognição sumária, sofrendo limitação quanto à sua profundidade, através de
um juízo superficial e incompleto, do qual se extrai rapidamente uma conclusão a respeito da
necessidade da medida10. A tutela provisória é aquela que, em razão de sua evidente limitação
cognitiva, não é apta a prover definitivamente sobre o interesse no qual incide e, sem prejuízo
de sua eficácia imediata, a qualquer momento poderá ser modificada ou ser objeto de um
provimento definitivo que possa confirmá-la ou não em grau de cognição exaustiva.
Para concessão da tutela provisória de urgência, faz-se imprescindível a junção de dois
requisitos: o fumus boni juris e o periculum in mora. De forma sucinta, tais requisitos con-
sistem na grande probabilidade do direito pleiteado em juízo e o risco na demora da tutela
jurisdicional, de modo a perecer o objeto da demanda judicial10. A partir disso, depreende-
-se que existe o periculum in mora nos casos em que, por exemplo, a não utilização do medi-
camento em tempo hábil poderá se associar a uma piora do quadro clínico do paciente ou
a seu óbito, perdendo-se o objeto da demanda. Nesses casos, é evidente a possibilidade da
concessão da tutela provisória de urgência. Justamente por isso, é o principal instrumento
utilizado nas demandas que envolvem a judicialização da saúde9. Contudo, é um dos pon-
tos mais controversos, como será detalhado a seguir.

Controvérsias acerca da judicialização da saúde em situações de fim de vida


Expostas as motivações que levam o cidadão a buscar na justiça o fornecimento de um
tratamento médico e os mecanismos processuais envolvidos nesse pleito, é necessário
contextualizar os conceitos apresentados às situações de fim de vida.
Em primeiro lugar, conforme já exposto, no caso da saúde suplementar, a maioria das de-

894
mandas envolve o tratamento de câncer. No estado de São Paulo, por exemplo, as demandas
mais negadas pelas operadoras de saúde – cerca de 36% – envolvem radioterapia e quimio-
terapia ambulatorial e domiciliar. Como principais justificativas, as operadoras alegam que
o tratamento médico pleiteado está fora das diretrizes clínicas ou do rol de procedimentos
da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)7. Nesse cenário, emergem controvérsias a
respeito da correta indicação dos tratamentos pleiteados, pois, embora muitos pleitos sejam
necessários e meritórios, tem-se observado também um grande número de decisões que são
inapropriadas do ponto de vista médico. Como resultado, ao fugir do racional apropriado às
ciências médicas, tais decisões judiciais colocam em risco o sistema de saúde ao prejudicar
a organização da atividade administrativa e a alocação dos recursos, que são finitos11.
Esse tipo de situação não é restrito ao Brasil. Tome-se como exemplo o internacional-
mente famoso caso do bebê britânico Charlie Gard, descrito em detalhes no Capítulo 37.
O prognóstico da criança, portadora de uma rara mitocondriopatia (síndrome da depleção
mitocondrial) que resulta em dano neurológico e muscular, foi considerado terminal devido
à lesão neurológica progressiva e irreversível. Diante disso, seu tratamento foi considerado
terapeuticamente fútil por não trazer nenhum benefício à criança, cujo óbito seria inevitá-
vel. Descontentes com a decisão médica de descontinuar o suporte artificial à vida da crian-
ça, os pais de Charlie buscaram obter na justiça o direito de que seu filho fosse submetido
a um tratamento experimental nos Estados Unidos. A justiça negou o pedido em diversas
instâncias e, somente após o próprio médico que propôs a intervenção experimental de-
clarar sua futilidade, os pais acabaram por concordar com o desligamento do ventilador12.
Casos análogos de grande comoção também envolvem a sociedade brasileira. Por
exemplo, após não concordarem com o desligamento do suporte artificial à vida de
seu filho, diagnosticado com morte encefálica, os pais de Renan Grimaldi iniciaram
uma mobilização para que os equipamentos fossem mantidos ligados 13. O caso, embo-
ra não tenha sido judicializado e envolva um cenário em que a futilidade terapêutica é
inquestionável (mais detalhes sobre a morte encefálica são abordados no Capítulo 41),
revela que muitas dessas situações não se baseiam na busca pela efetivação de um real
direito à saúde. Ao contrário, os exemplos citados, embora extremos, demonstram que,
em muitos casos de terminalidade, existe uma grande dificuldade em aceitar a finitu-
de da vida, o que leva a uma tendência em insistir em medidas desproporcionais para
prolongá-las de forma artificial, o que se associa, em muitos casos, ao prolongamento
de um estado de profundo sofrimento2.
É importante ressaltar que não é somente a família que motiva demandas como essas.
Também há casos em que o médico, mesmo que teoricamente devesse apresentar treina-

895
mento para tais situações, prescreve medicamentos ou outros tratamentos que, além de te-
rem um alto custo7, não trarão benefícios ao paciente. Como exposto, isso ocorre tanto por
deficiências no treinamento (detalhes sobre educação médica em cuidados paliativos são
abordados no Capítulo 34) quanto por dificuldades por parte do profissional em lidar com a
morte3. Nesse cenário, o paciente, sem condições financeiras para arcar com os custos, não
tem outra alternativa se não ingressar em juízo para alcançar uma tutela jurisdicional.
Outro aspecto questionável de ações desse tipo é a existência do periculum in mora em
processos judiciais em que o paciente se encontra sem perspectiva de cura e, mesmo as-
sim, ajuíza uma ação objetivando a concessão de medicamentos que possam modificar o
curso de sua doença. Nesses casos, é possível fazer o seguinte questionamento: qual o ris-
co temporal enfrentado por um paciente que já não apresenta qualquer possibilidade de
cura e cuja doença progredirá inexoravelmente para o óbito em um curto período? Ora, tal
cenário nos faz crer que o periculum in mora não se encontra presente na maioria dos casos
em que se propõem tratamentos desprovidos de evidências que respaldem sua eficácia
em modificar o curso de uma doença em estágio terminal ou, então, que tenham somente
como objetivo postergar, por um curto período e à custa de uma baixa qualidade de vida, a
morte de um paciente fadado à finitude da vida muito em breve.
Tal entendimento não deve ser confundido com os casos em que se pleiteiam tratamen-
tos médicos paliativos para minorar o processo doloroso de morte do paciente, o qual pos-
sui o direito de morrer de forma digna. Ademais, já no final da década de 1940, a Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS) mudou a definição de saúde para um conceito de bem-estar
físico, mental e social, para além da mera ausência da doença14. Posteriormente, a mesma
Organização publicou sua primeira definição de cuidados paliativos em 1990, atualizada
em 2002 para a definição atualmente utilizada. Segundo ela, “cuidados paliativos consis-
tem em uma abordagem que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de
seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio
do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais
sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”15. Segundo essas definições, portanto,
os cuidados paliativos são uma forma de garantir a saúde, ao promover o bem-estar do pa-
ciente e atenuar seu sofrimento, mesmo que não tenham como objetivo curar sua doença.
Como resultado dessa lógica, pelo fato de a saúde ser um direito social, constitucional-
mente positivado no Brasil, os cuidados paliativos também deveriam ser garantidos pelo
Estado. Ainda, ao promover a dignidade no fim da vida, os cuidados paliativos se baseiam
em outros direitos constitucionais, por exemplo, a garantia da dignidade da pessoa huma-
na e o de não ser submetido a tratamento degradante16.

896
Esses conceitos são fundamentais para o julgador distinguir entre as duas situações. As-
sim, no primeiro caso, de um lado, há um pedido para concessão de medicamentos e trata-
mentos cuja narrativa é a possibilidade de curar um paciente quando inexistem evidências
de eventual cura ou, então, postergar uma morte inexorável, mesmo que à custa de baixa
qualidade de vida. De outro lado, podem existir pleitos envolvendo cuidados paliativos,
os quais, mesmo não objetivando a cura do paciente, otimizam sua saúde e conforto, de
acordo com as definições mais atuais e abrangentes. Desse modo, a controvérsia que resta
ser sanada é: como operacionalizar no âmbito jurídico tal diferenciação? Como aferir se o
tratamento pleiteado é hábil ou não para o fim curativo que se espera?
Diante desses questionamentos, resta claro que a reposta para essa controvérsia não
é fácil de ser obtida, uma vez que foge ao âmbito apenas do direito, mas requer tam-
bém conceitos advindos da área médica, o que, na maioria das vezes, foge à competên-
cia técnica do julgador. Nesta toada, faz-se imprescindível a utilização da prova pericial
médica, tendo em vista a ausência de imparcialidade do laudo médico fornecido pelo
autor, ora paciente. Entretanto, mesmo a prova pericial não é um instrumento absoluto
ao deslinde de demandas desse tipo, pois existem grandes problemáticas quanto a esse
instituto, conforme será discutido a seguir.

O papel da prova pericial médica na judicialização da saúde


A prova, o direito e a busca pela realidade fática
O direito nasce dos fatos e não há, até o presente momento, um método científico ca-
paz de remontar os fatos como ocorreram, de forma absolutamente segura e aceita por
todos. Não é aceito pelo jurisdicionado qualquer reconstrução dos fatos, mas sim aquela
que é considerada como autêntica pela coletividade17. Alessandro Giuliani afirma que
toda ciência jurídica se reduz a uma ciência das provas e que o próprio direito não existe
independentemente de sua prova18.
Por sua vez, Guzmán aduz que a prova apresenta uma função cognitiva, no sentido
que, através dela, pode-se determinar a verdade de uma hipótese19. Nesse sentido, a pro-
va tem uma função demonstrativa, com a ressalva de que o termo “demonstração” não
é algo matemático – tal qual em ciências exatas –, mas tem um sentido mais vago para o
senso comum, em que demonstrar significa mostrar a existência de elementos ou moti-
vos suficientes para assumir uma afirmação como fundada.
A prova também funciona como um elemento de justificação, servindo para justificar
racionalmente o julgamento dos fatos, isto é, a concatenação e a combinação das infe-
rências em função das quais a asserção dos fatos é assumida como verdadeira. Nessa

897
linha, Guzmán afirma, ainda, que a racionalidade das decisões depende da sua justifica-
tiva, que não se baseia em outras coisas além das provas, a partir das quais as inferências
lógicas são realizadas e levam à aceitação de uma hipótese como verdadeira19.
A partir do momento que se concebe a função demonstrativa da prova, admite-se a pos-
sibilidade de uma fixação dos fatos mais próximos à verdade fenomênica. Essa fixação será
tanto mais próxima da realidade fática quanto maior for a importância conferida pelo siste-
ma de busca pela verdade. Assim, é inadmissível que se tenham julgamentos sem a demons-
tração mais fiel possível do mundo dos fatos, sob pena de configurar autoritarismo judicial.
Noutro giro, em virtude do sistema de provas legais, adotado na Idade Média, os ma-
gistrados se libertaram da preocupação de reconstruir a realidade da vida, ainda que
por mecanismos religiosos, dialéticos ou retóricos, e passaram a seguir critérios legais,
como se a verdade a ser buscada no processo fosse uma verdade própria, diferentemen-
te daquela ocorrida no mundo dos fatos17.
A partir do século XVIII, expandiu-se a obrigatoriedade de fundamentação das decisões
judiciais, e o sistema de apreciação das provas passou a ser o da livre convicção motivada
ou da persuasão racional, em que o juiz deve julgar a causa em conformidade com os fatos
e circunstâncias constantes nos autos, expondo na sua decisão as razões da formação do
seu convencimento. Com isso, a busca da verdade pelo juiz se desprendeu das outras ciên-
cias, da filosofia e da lógica, e a verdade do processo passou a ser uma verdade artificial,
rigidamente disciplinada pelo peso que o sistema das provas legais atribuía a cada prova17.
No entanto, Greco17 afirma que um moderno sistema probatório há de ser um sistema
aberto ao intercâmbio com todas as áreas do conhecimento humano, em que as limitações
probatórias sejam apenas aquelas impostas por imperativos éticos ou humanitários, e em
que o livre convencimento se desenvolva através de critérios objetivos e racionais capazes
de assegurar a confiabilidade do resultado como o mais próximo possível da verdade.
Com efeito, a prova é algo que o direito partilha com a realidade da vida, com o co-
tidiano humano. Logo, é um método de investigação partilhado por diversas áreas do
conhecimento que busca apreender a realidade da vida e do mundo que nos cerca20. É
nesse contexto de hipóteses fáticas – em que se fazem necessários conhecimentos espe-
cializados –, que se insere a prova pericial médica, à qual recorre o juiz, diante de suas
limitações cognitivas. Busca o magistrado, ao recorrer a uma pessoa que detém conheci-
mentos especializados, o perito, alcançar de forma mais fiel tudo aquilo que ocorreu no
mundo dos fatos, para que se possa prolatar uma decisão judicial minimamente justa.

A importância do conhecimento médico na produção das provas na judicialização da saúde

898
Contextualizando para o tema deste capítulo, nos processos judiciais para tutela de
um direito à saúde, é imprescindível utilizar a produção da prova pericial médica, tendo
em vista que o juiz não tem capacidade técnica para apurar se o tratamento pleiteado em
juízo é capaz de satisfazer a pretensão almejada.
Entretanto, em virtude da narrativa do caráter de urgência da demanda, utilizado na
maioria dos pleitos pelo instrumento da tutela antecipada9, não há tempo hábil para pro-
dução da prova pericial médica para concessão do tratamento pleiteado. Desse modo, o
magistrado, ao conceder ou não a tutela provisória de urgência, se pauta tão somente nos
laudos médicos apresentados pelo autor do processo, que são considerados como provas
suficientes para o deferimento da tutela antecipada. Isso ocorre porque, nesses casos, o
magistrado julga que o profissional solicitante é o melhor conhecedor da real necessidade
do paciente9. Como resultado, sem capacidade técnica acerca das questões médicas relata-
das na petição inicial e sem amparo em critérios técnicos, o magistrado se vê, nesse cená-
rio, diante da necessidade de tomar uma decisão desprovida da racionalidade necessária.
Ultrapassada a fase introdutória do processo judicial, posteriormente, é agendada
uma perícia médica com perito de confiança do juízo, para aferir se o tratamento pleite-
ado pode ou não ser apto a alcançar o objetivo esperado.
Contudo, neste momento, a tutela antecipada de urgência já foi concedida ou não e, em
alguns casos, a produção dessa prova se torna um instrumento vazio. Por exemplo, nos
casos em que o autor pleiteia a concessão de um medicamento de alto custo e teve seu plei-
to garantido por essa tutela de urgência, até a perícia médica aferir ou não a pertinência
daquele procedimento, já se despenderam dinheiro e tempo e ocorreram outros fatos que
não podem ser desfeitos, por exemplo, a própria morte do requerente.
Considerando tais argumentos, faz-se de suma importância um controle por parte do ma-
gistrado no ato de concessão da tutela provisória de urgência, tendo em vista que, justamen-
te pela ausência de capacidade técnica do magistrado em aferir as questões médicas refe-
rentes ao caso, a probabilidade de concessão do medicamento ou tratamento é bem maior.
Uma forma de promover decisões baseadas em critérios racionais nos pleitos que en-
volvem a judicialização da saúde é levar em conta os princípios da Medicina Baseada em
Evidências (MBE)9. Trata-se do movimento médico que preconiza que as decisões clíni-
cas devem ser embasadas no melhor grau de evidência científica disponível, seguindo
o recomendado por diretrizes e protocolos clínicos específicos. Da mesma forma, as
decisões judiciais que seguem o preconizado pela MBE podem ser respaldadas pelas
melhores evidências científicas disponíveis. Não obstante, o que se tem observado é que
o número de decisões judiciais que seguem os princípios da MBE não é ideal9.

899
Critérios para a apreciação racional da prova científica em outros ordenamentos jurídicos:
aspectos históricos
O papel da prova pericial médica na judicialização da saúde também pode ser discuti-
do através da análise da evolução jurisprudencial norte-americana. Nos Estados Unidos
da América (EUA), o ordenamento jurídico utiliza o sistema de common law, derivado
do sistema britânico, que incorporou formas para trazer ao processo os conhecimentos
técnicos de determinadas pessoas já desde a Idade Média. Para isso, já no século XIV, os
tribunais britânicos contavam com júris especializados – os special juries – para julgar
determinados casos, nos quais os próprios jurados eram dotados de conhecimentos es-
pecíficos que pudessem auxiliar na obtenção de uma decisão justa. A maioria dos casos
envolvia questões específicas, como disputas entre artesãos e comerciantes21.
Outro mecanismo instituído no sistema britânico no final do século XVIII foi o teste-
munho da chamada “expert witness” (testemunha especialista, em tradução livre). O caso
de Folkes v. Chadd foi o primeiro a permitir que um especialista – o que hoje conhece-
mos como perito no Brasil –forneça um testemunho que é considerado como uma prova
em um processo, em 1782. Trata-se de um caso paradigmático do direito probatório,
conduzido por Lord Mansfield, importante jurista britânico que teve grande influência
igualmente em diversos entendimentos da Suprema Corte dos EUA. O instituto do “ex-
pert medical witness”, um “perito” especializado em questões médicas, por sua vez, foi
incorporado ao sistema legal norte-americano no século XIX21.
Tais testemunhas especializadas eram pessoas de elevado conhecimento, qualificadas
na área do saber humano pretendido, que poderiam ser chamadas pelo juiz para exercer
a função de peritas, de forma a auxiliar o Estado na compreensão de certos aspectos do
caso e na formação de decisões22.
Ao longo do tempo, os special juries foram perdendo espaço, dando lugar a um júri
composto por pessoas leigas aos fatos específicos da demanda. Prevaleceu, portanto,
o modelo no qual pessoas dotadas de conhecimentos elevados eram convocadas para
cooperar na solução do litígio, na forma de expert witness23.
Até o final do século XVIII, testemunhas dotadas de conhecimentos especializados eram
convocadas pelo juiz para apresentar suas opiniões e conclusões ao júri. Com o passar do
tempo, os procedimentos legais do common law dos EUA tornaram-se cada vez mais adver-
sariais, no que tange ao protagonismo das partes, de modo que, a partir da segunda metade
do século XVIII, estas começaram a convocar suas próprias testemunhas especializadas23.
Ainda que trazidas ao processo pelas partes, essas testemunhas especializadas não se
apresentavam de forma totalmente parcial àqueles que as convocavam a comparecer em

900
juízo. Isso porque os juízes regularmente rejeitavam sua participação no processo, quando
não se mostrassem imparciais. Em outras palavras, quando as testemunhas especializadas
eram vistas como patronas, fosse da absolvição ou da condenação, eram alvo de um ataque
impiedoso. Era considerado normal que os advogados fossem parciais, mas considerava-se
inadmissível e perigoso que as testemunhas especializadas assumissem essa parcialidade23.
A partir da segunda metade do século XIX, foi desaparecendo a figura da testemunha
especializada, dotada de imparcialidade, que resistia em manifestar o seu entendimen-
to, em se posicionar. O que foi se mostrando ao longo do tempo é a apresentação de tes-
temunhas especializadas ao processo, e essas testemunhas começaram a se revelar mais
e mais parciais e partidárias da parte que as convocara. Dessa forma, nasceu a “batalha
entre os experts” e o modelo moderno de expert witness24.

Federal Rules of Evidence de 1975 e o Caso Daubert


Nos idos de 1975, as Federal Rules of Evidence, conjunto de regras que ordenam a inser-
ção de provas em processos civis e criminais nos EUA, passaram a tratar, no Artigo VII,
dos depoimentos das testemunhas peritas (rule 702-706), afirmando serem esses essen-
ciais para a prova científica25.
Inicialmente, as regras exigiam que a testemunha apresentasse conhecimento técnico em
área alheia aos conhecimentos do julgador da causa, para ser qualificada como perita. Ade-
mais, permitia-se que o Tribunal designasse perito de sua própria confiança para auxiliar o
juiz no deslinde da causa, quando o julgador não tivesse conhecimento técnico suficiente
para dirimir o litígio. O artigo 70225 afirmava que qualquer expert que demonstrasse “[…] co-
nhecimentos técnicos, científicos ou especializados [para assistir] o julgador a compreender
a prova ou a determinar algum fato da demanda […]” poderia, portanto, testemunhar*.
A grande inovação, contudo, resultou da interpretação da Suprema Corte a respeito do
artigo 702 das Federal Rules of Evidence. Tais modificações originaram-se do caso Daubert, o
qual foi de suma importância para evolução da racionalidade da prova pericial e que será de-
talhada no Quadro 1 deste capítulo. A decisão do caso Daubert vs. Merrell Dow Pharmaceu-
ticals Inc.26 mudou os critérios de admissibilidade das provas científicas, criando o chamado

*Tradução livre: “If scientific, technical, or other specialized knowledge will assist the trier of fact to understand the
evidence or to determine a fact in issue, a witness qualified as an expert by knowledge, skill, experience, training, or education,
may testify thereto in the form of an opinion or otherwise, if (1) the testimony is based upon sufficient facts or data, (2) the
testimony is the product of reliable principles and methods, and (3) the witness has applied the principles and methods reliably
to the facts of the case”. Fonte: Federal Rules of Evidence [Internet]. Washington, DC: US Government Printing Office;
2014 [citado em 17/11/2022]. Disponível em: http://www.uscourts.gov/sites/default/files/Rules%20of%20Evidence25.

901
“Padrão Daubert” para esse fim. Subsequentemente, baseando-se nessa decisão, o Congres-
so dos EUA mudou a redação do artigo 702, para incluir os critérios que compõem o Padrão
Daubert27. Assim, para ser admitida, a prova pericial deve: ajudar a entender a evidência ou
determinar um fato em questão; basear-se em conhecimento científico, produzido a partir
de metodologia científica de qualidade; ser relevante, confiável e aplicada aos fatos expos-
tos; ser baseada em dados e fatos suficientes; ser obtida por princípios e métodos confiáveis,
que devem ter sido aplicados pelo perito de forma confiável aos fatos do caso.

QUADRO 1. O CASO DAUBERT V. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS

O caso Daubert ocorreu em junho de 1993 nos EUA e, assim como o caso Frye, foi um marco no
que tange ao controle da prova pericial no processo judicial.
Trata-se de um litígio judicial, tendo no polo ativo as crianças Jason Daubert e Eric Schüller,
que nasceram com problemas congênitos alegadamente causados pelo medicamento Bendectin
(piridoxina/doxilamina), indicado para o tratamento de náuseas durante a gestação.
Em sua defesa, a empresa ré apresentou o testemunho escrito (affidavit) de um expert, o médico
e epidemiologista Dr. Steven H. Lamm. Este, por sua vez, apresentou revisão de literatura com mais
de 30 estudos publicados, envolvendo mais de 30 mil pacientes, cujos resultados confirmavam que o
medicamento não seria capaz de gerar malformação nos fetos.
A parte autora não contestou a existência de estudos científicos favoráveis à tese da ré, mas
apresentou o depoimento de oito peritos, devidamente credenciados, para narrarem a experiência do
fármaco com animais. Essas experiências com animais in vitro e in vivo detectaram uma conexão entre
o medicamento e as malformações. Além disso, foram analisados estudos farmacológicos destinados
a demonstrar similaridades entre a estrutura química da droga e aquela de outras substâncias já
conhecidas por causar defeitos congênitos. Os experts também basearam suas conclusões na
“reanálise” de estudos epidemiológicos previamente publicados. Assim, concluíram que havia grandes
possibilidades de uso do Bendectin causar problemas congênitos.
Ocorre que a corte distrital considerou a metodologia empregada pelos peritos da parte autora
como inadequados. Assim, utilizou em sua decisão o precedente do Caso Frye, de 1923, que
determina que a prova só pode ser admitida no tribunal quando tiver sido obtida a partir de um método
suficientemente estabelecido e com aceitação geral. As provas juntadas pelos Daubert, assim, foram
consideradas falhas quando submetidas ao critério da aceitação geral, firmado no caso Frye.
Diante de inúmeras críticas, a Suprema Corte, após 70 anos do caso Frye, interpretou que as Federal
Rules of Evidence não contemplavam o critério de aceitação geral (de Frye) e deu provimento ao recurso
dos Daubert, reencaminhando o caso à corte distrital para novo julgamento, agora considerando a
prova pericial produzida pela parte autora.
Contudo, a decisão da Suprema Corte não foi no sentido de apenas excluir o critério da aceitação
geral, mas sim interpretou as regras contidas nos artigos 401 e 402 conjugadas com o artigo 702,
das Federal Rules of Evidence. Com isso, determinou que a prova pericial deve se basear no método
científico e, para defini-lo, estabeleceu cinco critérios ilustrativos, que passaram a ser os seguintes:
1) se a técnica ou teoria do perito pode ser ou já foi testada, ou seja, se a teoria do especialista pode

902
ser desafiada em algum sentido objetivo ou se é simplesmente uma análise subjetiva; 2) se o método
usado é ensinado nas universidades ou discutido em congressos ou publicado em periódico revisado
por pares; 3) a taxa de erro do método usado é conhecida e aceitável; 4) existência e manutenção de
padrões e controles ou se o método foi desenhado com o objetivo de fornecer a prova desejada; e 5)
se houve aceitação geral da comunidade científica.
Ainda, a Suprema Corte conferiu ao juiz a função de determinar se a prova pericial satisfaz os
critérios estabelecidos. O magistrado passou a ser, então, o “guardião” (gatekeeper) da qualidade
científica da prova pericial. Sobre isso, Margaret Berger28 afirma o seguinte:

A opinião da maioria no caso Daubert estabelece uma série de questões relevantes que permeiam
a trilogia. Primeiro, reconheceu o juiz como o “guardião” que precisa triar o testemunho especializado
proferido. Segundo, o objetivo dessa triagem é garantir que o testemunho do expert, para que seja
admissível, seja “não apenas relevante, mas confiável''. (Tradução livre)

Com base no caso Daubert, pode-se entender que a prova pericial precisa de critérios de
confiabilidade aferíveis e que o perito não é um ser divino capaz de dar a resposta correta para
qualquer indagação técnica. Assim, o caso Daubert estabeleceu um rol não exaustivo de critérios para
os tribunais de primeira instância utilizarem na avaliação da confiabilidade do testemunho de peritos.

ADAPTADO DE: DAUBERT V. MERRELL DOW PHARM., INC., 509 U.S. 579, JUNHO DE 1993. DISPONÍVEL EM: HTTPS://SUPREME.JUSTIA.COM/CA-
SES/FEDERAL/US/509/579/ (ACESSADO EM 29/07/2021)26 E BERGER MA. THE ADMISSIBILITY OF EXPERT TESTIMONY. IN: FEDERAL JUDICIAL
CENTER, ED. REFERENCE MANUAL ON SCIENTIFIC EVIDENCE. 3a EDIÇÃO. WASHINGTON, DC: THE NATIONAL ACADEMIES PRESS; 201128.

A decisão da Suprema Corte no caso Daubert também estabeleceu critérios ilustrativos


para determinar se o método aplicado para a obtenção da prova pericial tem respaldo
científico, conforme descrito no Quadro 1. A decisão também conferiu ao juiz de primeira
instância o papel de “guardião”, para garantir precisão científica da prova pericial26.
Após o caso Daubert, os tribunais dos Estados Unidos vêm aplicando os critérios de
admissibilidade da prova pericial de forma rigorosa. Como consequência, os magistrados
tem realizado um maior escrutínio quanto à qualidade das provas periciais anexadas aos
autos27, embora ainda faltem dados empíricos se isso se traduziu de fato em um maior
rigor científico apresentado pelas provas que superam essa triagem inicial.

Considerações sobre a jurisprudência dos Estados Unidos e o estabelecimento de critérios


para a admissão da prova pericial no ordenamento pátrio

O caso Daubert foi de suma importância para fixar critérios para um maior controle
judicial acerca do laudo pericial, bem como controlar e compreender a metodologia
utilizada pelo perito naquele laudo.

903
Para isso, é preciso, antes de tudo, que o juiz tenha condições de: 1) conhecer a matéria su-
ficientemente a ponto de poder aferir a aptidão do perito para formular o laudo; 2) conhecer
o método utilizado pelo perito, a partir das informações e explicações técnicas necessárias à
respectiva compreensão; 3) compreender a linguagem do laudo pericial; 4) acompanhar o ra-
ciocínio realizado pelo perito; e, somente depois, 5) compreender plenamente as conclusões.
O método científico utilizado no processo deve ser tão confiável quanto o que é in-
vestigada nas universidades, nos laboratórios e centros de pesquisa. Assim, seguindo
esse critério, nos casos de judicialização da saúde, os princípios da MBE e das melhores
práticas clínicas também deveriam ocupar plano de destaque9.
Para tanto, Greco leciona que é preciso rever o sistema de produção da prova pericial para
que: 1) o perito que vá produzir a perícia revele a sua aptidão para produzir o conhecimento
científico necessário para a decisão judicial; 2) ao juiz sejam oferecidas as informações neces-
sárias para verificar se o método empregado na perícia é acatado pela ciência, se foi utilizado
com rigor científico e, no caso de assunto cientificamente polêmico, quais são as alternativas
científicas e o seu grau de confiabilidade; 3) as partes, por si ou por seus assistentes-técnicos,
assim como terceiros que possam trazer contribuições desinteressadas para a revelação da
verdade científica (amicus curiae), possam efetivamente participar na produção do conheci-
mento científico no processo; e 4) o juiz seja obrigado a utilizar meios e critérios reconhecidos
pela ciência para resolver as dúvidas e divergências entre as opiniões apresentadas29.
Através desse controle feito pelo magistrado, com um mínimo conhecimento da ma-
téria a ser julgada e com laudos médicos claros e cientificamente embasados, pode-se
almejar um debate acerca dessa prova a ponto de testá-la, em vez de aceitá-la como abso-
luta pelo simples fato de o magistrado não ter conhecimento específico sobre o assunto.
Assim, espera-se um maior rigor no julgamento de ações envolvendo a judicialização da
saúde, que poderá resultar em um menor risco de decisões que incentivem a futilidade
terapêutica em pacientes terminais.
Recentemente, em março de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) prolatou decisão
importante que conferiu critérios mais objetivos para as decisões envolvendo judiciali-
zação da saúde, no caso de medicamentos de alto custo no SUS30. Os detalhes sobre essa
decisão (Recurso Extraordinário n.º 566.471) estão expostos no Quadro 2.

Recentes iniciativas do Conselho Nacional de Justiça em prol do maior embasamento cientí-


fico de decisões envolvendo judicialização da saúde

Seguindo a lógica apresentada anteriormente, nos últimos anos, o CNJ reconheceu a


importância de buscar um maior embasamento técnico e científico das decisões de seus

904
QUADRO 2. O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) N.º 566.471

Na data de 11 de março de 2020, o Plenário do STF decidiu que, em regra, o Estado não é obrigado
a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não previstos na relação do
Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional do SUS. Entretanto, as situações
excepcionais ainda serão definidas por aquela Corte, quando da definição de uma tese de repercussão geral.
A corrente vencedora, liderada por oito ministros (maioria), entendeu que, nos casos de remédios
de alto custo não disponibilizados pelo SUS, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que
comprovadas a extrema necessidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e de
sua família para a aquisição do fármaco. Ademais, o julgado considerou que o Estado não poderá
ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), exceto em condições excepcionais.
Esse entendimento teve suma importância para pacificar os julgados dos demais tribunais
brasileiros, os quais, em certa medida, adotavam posições no sentido de que o fato de determinada
medicação não ter registro na ANVISA, por si só, não afasta o direito do portador de doença grave ao
recebimento do medicamento.
O STF também já se posicionou (STA 175 AgR/CE) no sentido de que, em casos excepcionais, a
importação de medicamentos não registrados poderá ser autorizada pela ANVISA quando adquiridos
por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública
pelo Ministério da Saúde, nos termos da Lei n.º 9.782/1999.
Postos tais pontos, verifica-se a existência de critérios propostos para a concessão dos
medicamentos, tais como: 1) a não disponibilização do medicamento pelo SUS; 2) a comprovação da
extrema necessidade do fármaco; 3) a incapacidade financeira do paciente e seus familiares para a
aquisição do medicamento. Outros requisitos foram propostos pelos ministros durante os debates
relativos à definição da tese de repercussão geral, mas a matéria ainda não teve sua decisão final.
Uma ressalva deve ser feita a respeito dessa decisão. Isso porque a comprovação da extrema
necessidade do medicamento, em sede de tutela antecipada em caráter de urgência, é feita através
de documentação médica, prontuários formulados unilateralmente pelo médico assistente, o qual
tende a ser seguido pelo magistrado sem qualquer controle. Tal fato ocorre justamente em virtude da
não exaustão cognitiva deste momento processual, mas que não deixa de gerar grandes reflexos de
cunho social e principalmente econômico.
É nesse momento que algumas medidas se mostram essenciais, como a utilização de critérios
aferíveis pelo juiz perante o pedido médico, de modo a não tornar absoluta toda e qualquer prescrição
feita para o paciente; a (até então) utópica necessidade de um laudo pericial, formulado por perito
oficial, ser tão rápida quanto à necessidade do demandante e, sobretudo, a consciência no ato de
diferenciar medicamentos com potencial de provocar distanásia e futilidade terapêutica.

ADAPTADO DE: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (1. TURMA). RECURSO EXTRAORDINÁRIO 566.471. RELATOR: MIN. MARCO AU-
RÉLIO MELLO, 11 DE MARÇO DE 2020. PUBLICADO EM 17 DE MARÇO DE 2020. DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW.STF.JUS.BR/ARQUIVO/
CMS/NOTICIANOTICIASTF/ANEXO/RE566471.PDF (ACESSADO EM 08/08/2021)30; E BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (PLENÁ-
RIO). AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA Nº 175 – STA 175-AGR/CE. RELATOR: MIN. GILMAR MENDES, 17
DE MARÇO DE 2010. PUBLICADO EM 30 DE ABRIL DE 2010. DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW.STF.JUS.BR/ARQUIVO/CMS/NOTICIANOTI-
CIASTF/ANEXO/STA175.PDF (ACESSADO EM 08/08/2021)31.

905
magistrados envolvendo judicialização da saúde. Para isso, o CNJ criou em 2016, por
meio da Resolução CNJ n.º 238/201632, os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-
-JUS). Segundo a definição mais recente dada pelo órgão, na Resolução CNJ n.º 388/202133,
os NatJus devem ser constituídos por “profissionais da saúde, responsáveis por elaborar
notas técnicas baseadas em evidências cientificas de eficácia, acurácia, efetividade e se-
gurança”. Na Resolução n.º 238/2016, o CNJ considerou que “a judicialização da saúde
envolve questões complexas que exigem a adoção de medidas para proporcionar a espe-
cialização dos magistrados para proferirem decisões mais técnicas e precisas”32.
Em relação à composição dos NAT-JUS, o CNJ também ressalta que deve ser seguido
o disposto no § 2º do artigo 156 do Código de Processo Civil. Segundo o texto da lei, “o
juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico
ou científico” e “para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta públi-
ca, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande
circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério
Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de
profissionais ou de órgãos técnicos interessados”34. O CNJ, além disso, delegou aos Comi-
tês Estaduais de Saúde a função de auxiliar os tribunais na criação dos NAT-JUS33.
Como forma de dar mais uniformidade aos pareceres técnicos, bem como para aumentar a
sinergia entre os diversos tribunais, o CNJ celebrou o Termo de Cooperação 21/2016 com o Mi-
nistério da Saúde, no ano de 2016. Segundo o órgão, o objeto do termo é “proporcionar aos Tri-
bunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais subsídios técnicos para a toma-
da de decisão com base em evidência científica nas ações relacionadas com a saúde, pública e
suplementar, visando, assim, aprimorar o conhecimento técnico dos magistrados para solução
das demandas, bem como conferindo maior celeridade no julgamento das ações judiciais”35,36.
A ação também criou um banco nacional de pareceres, denominado Sistema e-NATJUS.
O CNJ, além disso, deixa explícita a lógica por trás da iniciativa, que condiz com o dis-
cutido neste capítulo. O órgão informa que “o sistema e-NATJUS está a serviço do magis-
trado para que a sua decisão não seja tomada apenas diante da narrativa que apresenta
o demandante na inicial. Com a plataforma digital, essas decisões poderão ser tomadas
com base em informação técnica, ou seja, levando em conta a evidência científica”36.

Iniciativas do Poder Executivo em prol do maior embasamento científico das defesas envol-
vendo demandas de saúde

O poder executivo, que é parte das ações de judicialização da saúde envolvendo o SUS,
também tem adotado medidas para embasar científica e tecnicamente suas defesas em

906
processos do gênero. Por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do município
de São Paulo criou, no ano de 2017, a Coordenação Técnica em Ações Judiciais (CTAJ),
formada por médicos e farmacêuticos, cujo objetivo é emitir e aprimorar pareceres téc-
nicos que subsidiem a defesa do município nesses litígios6.

Recentes desdobramentos no Judiciário e Legislativo sobre a judicialização na saúde


suplementar
Boa parte da controvérsia presente nos casos de judicialização da saúde suplemen-
tar envolvem o chamado Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que é basicamente
uma listagem que estabelece a cobertura assistencial obrigatória que planos privados
de assistência à saúde devem fornecer. O rol se aplica aos chamados planos “novos”
(planos comercializados a partir de 2 de janeiro de 1999) e “antigos adaptados” (planos
adquiridos antes de 2 de janeiro de 1999, mas que foram ajustados à legislação dos pla-
nos de saúde, criada em 1998)37. O rol também é conhecido como “Rol da ANS”, por ser
editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), conforme disposto pela Lei
n.º 9.656, de 3 de junho de 1998, a chamada “Lei dos Planos de Saúde”38.
A controvérsia gira principalmente em torno da interpretação quanto ao caráter taxativo ou
exemplificativo do Rol da ANS. A interpretação de que o rol é taxativo defende que as operadoras
devem cobrir tão somente aquilo que consta no rol. Por sua vez, se o rol for visto como exem-
plificativo, isso significa que as operadoras podem ser obrigadas a cobrir outros procedimentos
indicados pelo médico além daqueles constantes no rol, que seria apenas uma referência, ou
seja, listaria apenas exemplos do que seria coberto pelo plano, mas sem impor restrições.
A matéria ocupou as manchetes na mídia em junho de 2022, após a 2ª Seção do Supe-
rior Tribunal de Justiça (STJ) decidir que o rol é taxativo. O argumento vencedor, à época,
sustentou que o rol taxativo permitiria “precificar com mais rigor os planos, sem que haja
grandes reajustes, uma vez que a sinistralidade será mais previsível”. Argumentos contrá-
rios ao rol exemplificativo sustentaram que os riscos às operadoras seriam excessivos, pois
a cobertura poderia ser entendida como indeterminada. Como possíveis garantias de que
um rol taxativo não diminuiria a cobertura de novos tratamentos, o STJ apontou a recente
publicação da Lei n.º 14.307/2022, que reduziu o tempo de atualização do rol de dois anos
para seis meses, além da inclusão automática (em até 60 dias) de todos os tratamentos
aprovados na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Ou-
tro argumento a favor do rol taxativo seria uma maior proteção aos consumidores contra
tratamentos que não tenham passado pela avaliação técnica necessária para sua incorpo-
ração ou que não tivessem sua comprovação científica ainda bem estabelecida39,40.

907
Apesar de definir o rol como taxativo, a mesma decisão abriu a possibilidade de que
outros tratamentos não constantes no rol – e sem equivalentes – pudessem ter a co-
bertura fornecida pela operadora, desde que tenham indicação médica e comprovação
científica, além de sua incorporação ao rol não ter sido previamente indeferida pela
ANS. Ademais seria necessária a recomendação desse tratamento por órgãos técnicos
nacionais (como o CONITEC e NAT-JUS) e estrangeiros. Nesses casos, a corte também
recomendou que seja promovido, quando possível, “o diálogo interinstitucional do ma-
gistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde”39,41.
A decisão gerou grande debate na sociedade e resultou em movimentações no poder
legislativo para a publicação de uma lei sobre o tema que revertesse a decisão. Assim,
em setembro de 2022, foi sancionada a Lei nº 14.454/2022, que dispôs que o rol “constitui
a referência básica para os planos privados de assistência à saúde” a ele sujeitos42.
A Lei n.º 14.454/2022 estabelece dois critérios para a cobertura de tratamentos que não
constarem no rol: deve haver comprovação de eficácia baseada em evidências científicas
para o tratamento pleiteado; e devem existir recomendações pela CONITEC ou de, no míni-
mo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde
que esse mesmo órgão tenha aprovado o uso para os cidadãos do país em que está sediado42.
Como exposto anteriormente, o processo de atualização do rol foi modificado no ano
de 2022, com a publicação da Lei n.º 14.307/2022, que fixou um prazo de 180 dias à ANS
para a análise da inclusão de determinado tratamento, prorrogável por 90 dias (120 dias
no caso de antineoplásicos orais, radioterapia para o câncer e hemoterapia, prorrogáveis
por 60 dias). A análise dos pedidos é de competência da Comissão de Atualização do Rol
de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, que deverá avaliá-lo de acordo com
“as melhores evidências científicas disponíveis e possíveis sobre a eficácia, a acurácia,
a efetividade, a eficiência, a usabilidade e a segurança do medicamento, do produto ou
do procedimento analisado”. A lei também abre espaço para consultas públicas e, em al-
guns casos, para audiências públicas sobre o processo. Tratamentos que já tiverem sido
aprovados pelo Conitec, por sua vez, devem ser automaticamente incorporados em até
60 dias, sem precisar passar obrigatoriamente por esse processo40.
Na prática, contudo, tanto a decisão do STJ quanto à Lei n.º 14.454/2022 apresentam
semelhanças importantes. Apesar de se atribuir ao rol, conforme disposto pela referida
lei, um caráter “exemplificativo”, isso não encontra respaldo no texto da norma. Pode-se
dizer somente que a linguagem utilizada na decisão do STF dava ao rol uma natureza
taxativa mais clara, ao estabelecer que, de regra, somente aquilo que nele consta deve
ser coberto. No entanto, o fato é que tanto a Lei n.º 14.454/2022 quanto à decisão do STJ

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estabelecem requisitos muito semelhantes que o tratamento pleiteado, que não consta
no rol, deve cumprir para ser fornecido43. Chama a atenção, em ambos os textos, aquilo
que foi discutido neste capítulo, ou seja, a importância da avaliação da pertinência do
tratamento à luz da MBE. A decisão do STJ vai ainda além, deixando evidente a impor-
tância do diálogo entre o magistrado e os especialistas técnicos no assunto, sem delegar,
contudo, o julgado final a estes últimos, exatamente como aqui defendido.
O cenário atual mostra que nem a decisão do STJ e nem a nova lei foram capazes de por
fim à controvérsia jurídica. Isso porque a constitucionalidade da norma já é alvo de ações
no STF. Enquanto essa questão não é apreciada, contudo, a lei ainda vigora e o STJ debate
se seus efeitos retroagem para situações consolidadas antes de sua entrada em vigor44. No
entanto, a controvérsia parece restar no campo da interpretação da lei e de seus aspectos
processuais, pois tanto o Legislativo quanto o Judiciário convergem em questões práticas
que realmente impactarão na qualidade da assistência prestada, qual seja, a importância
de se seguirem os critérios da MBE para esse tipo de decisão. O debate, porém, deve pro-
gredir para além do campo jurídico e adentrar o campo bioético, pois, embora a valori-
zação da MBE para o julgamento de mérito já seja um avanço, outras questões do campo
ético são pouco discutidas, como os reais benefícios de um determinado tratamento em
termos de qualidade de vida oferecida ao paciente. Assim, tratamentos considerados fú-
teis estão sendo abordados pelos dispositivos legais atuais, mas o mérito de tratamentos
potencialmente inapropriados parece ainda não ser discutido em profundidade por juízes
e legisladores (a diferença entre as duas categorias foi detalhada no Capítulo 38).

Considerações finais
Considerando os argumentos supramencionados, verifica-se que pode existir uma linha tê-
nue entre a prescrição de medicamentos terapeuticamente fúteis ou potencialmente inapro-
priados e novos medicamentos eficazes e com benefício claro ao paciente, porém ainda não
incorporados ao SUS ou ao rol da ANS. Ocorre que a possibilidade de fazer tal distinção é extre-
mamente comprometida no contexto da judicialização da saúde, especialmente dada a dificul-
dade da obtenção de prova pericial, em decorrência do caráter de urgência que esses procedi-
mentos apresentam. No entanto, recentes decisões do Judiciário e iniciativas legislativas vêm
pondo ênfase na importância de se seguirem os princípios da MBE para esse tipo de decisão. O
debate, no entanto, deve se aprofundar quanto aos aspectos bioéticos, à luz dos cuidados palia-
tivos e do real benefício de alguns tratamentos para o paciente, em termos de qualidade de vida.
Muitas das críticas sobre a judicialização da saúde decorrem de decisões emanadas
por juízes que, na impossibilidade de fundamentá-las segundo provas periciais, contam

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somente com seu limitado entendimento sobre o tema para a tomada de decisão. Assim,
o magistrado, desprovido de capacidade técnica para distinguir as referidas situações,
pauta-se, tão somente, pela narrativa construída pelo médico-assistente, ou seja, justa-
mente o profissional que ampara o requerimento inicial.
Uma possível solução para o problema pode ser a especialização judiciária, com varas
próprias destinadas à judicialização da saúde. Seria uma medida de extrema importân-
cia, principalmente em um país como o Brasil, em que há uma cultura de litígio imensa,
oriunda do paternalismo presente na cultura nacional, verificado principalmente quan-
do o objeto litigioso é o direito à saúde.
A prova pericial se mostrou elemento hábil a garantir maior racionalidade ao julga-
mento, desde que, diante desta perícia haja um controle por parte do magistrado, de
modo a não atribuir a função de julgar ao médico. Isso porque a indelegabilidade das
funções jurisdicionais do magistrado é absoluta, não sendo possível aceitar qualquer
forma de abandono, transferência ou deslocamento do dever jurisdicional. Aceitá-la,
desnaturaria a garantia constitucional do devido processo legal, de forma a não ser pos-
sível acolher a ideia de subordinar o juiz ao parecer do perito.
Não obstante a figura do juiz, cabe ao médico perito utilizar de um rigor terminológico
conceitual de fácil compreensão ao operador do direito. Considerando esses pontos, é
possível buscar uma racionalidade da justiça e critérios racionais que permitam a valora-
ção da prova pericial, evitando, assim, a perpetuação de injustiças no judiciário brasilei-
ro, cuja vítima é o paciente. Saem fortalecidos, com esse rigor, não somente o princípio
bioético da justiça, mas também o da não maleficência, ao impedir que a judicialização
da saúde resulte em um favorecimento da distanásia e da futilidade terapêutica.

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altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e
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31. Brasil. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Agravo Regimental na Suspensão de Tutela An-
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STA175.pdf (acessado em 08/08/2021).

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33. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 388/2021, de 13 de abril de 2021. Dispõe sobre a re-
estruturação dos Comitês Estaduais de Saúde, fixados pela Resolução CNJ no 238/2016, e dá outras
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35. Conselho Nacional de Justiça e Ministério da Saúde do Brasil. Termo de Cooperação Técnica nº
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Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tcot-021-2016/ (acessado em 10/08/2021).

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38. Brasil. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de as-
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39. Gamba K. STJ decide que Rol da ANS é taxativo, mas com excepcionalidades [Internet]. São
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40. Brasil. Lei nº 14.307, de 3 de março de 2022. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, para
dispor sobre o processo de atualização das coberturas no âmbito da saúde suplementar. Publicada
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41. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Rol da ANS é taxativo, com possibilidades de cobertura
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[citado em 19/11/2022]. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/
Noticias/08062022-Rol-da-ANS-e-taxativo--com-possibilidades-de-cobertura-de-procedimentos-
-nao-previstos-na-lista.aspx.

914
42. Brasil. Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que
dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam
a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos
e eventos em saúde suplementar. Publicada no Diário Oficial da União de 22/09/2022. Disponí-
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915
Capítulo 43
Discussão de Caso e Sindicância
Ético-Profissional: Ética Médica
e Cuidados Paliativos
Aluisio M. B. Serodio

Os cuidados paliativos são uma área de atuação para as profissões da saúde cuja im-
portância é inquestionável. Principalmente devido ao aumento da expectativa de vida,
é cada vez mais frequente que as pessoas se deparem com problemas de saúde (como
neoplasias e doenças degenerativas) que atingem estágios a partir dos quais não há pos-
sibilidade de cura ou controle. Nessas situações, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
recomenda uma “abordagem multidisciplinar que visa a promoção da qualidade de vida
de pacientes e seus familiares”, por meio de suporte clínico, “psicossocial e espiritual,
desde o diagnóstico até o fim da vida e o período de luto”1.
Ainda assim, o nível de informação sobre cuidados paliativos e de compreensão sobre as
suas finalidades está muito aquém do desejável. Boa parte dos pacientes e seus familiares
acredita que solicitar o acompanhamento de uma equipe de cuidados paliativos equivale a um
abandono. E, mesmo sendo um tópico cuja inserção nos currículos de graduação em saúde é
crescente, muitos profissionais padecem de incompreensão semelhante. Sob o enfoque da éti-
ca profissional, os cuidados paliativos estão fundados sobre um triplo pilar: 1) alívio da dor e do
sofrimento; 2) continuidade dos cuidados; e 3) controle pelo paciente, enquanto for possível, de
todo o processo2. Portanto, não há por que imaginar qualquer abandono, muito pelo contrário.
Uma vez que a reflexão sobre casos concretos é ferramenta tradicional e eficiente na
promoção de competências para lidar com problemas práticos, apresentamos, a seguir,
um caso baseado em acontecimentos que vieram ao conhecimento do Conselho Regio-
nal de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).

Conceitos e definições

• Sindicância ético-profissional: trata-se de mecanismo de apuração preliminar

917
de indícios de infração ética por parte de um médico (o sindicado), após denúncia.
Trata-se de ato sumário, instruído por um delegado e/ou conselheiro sindicante de
um conselho regional de medicina do Brasil. Ao término da instrução, é elaborado
um relatório circunstanciado pelo instrutor, que determina ou não a existência
de indícios de infração ético-profissional. A proposta de encaminhamento pode
ser: arquivamento (quando não há indícios de infração); abertura de processo éti-
co-profissional e elaboração de termo de ajustamento de conduta ou conciliação
(quando há indícios de infração), ou de procedimento administrativo (quando há
suspeita de doença incapacitante afetando a prática do médico sindicado).

• Processo ético-profissional (PEP): trata-se de procedimento instaurado após a


apuração preliminar, em fase de sindicância, da existência de indícios de infração ao
Código de Ética Médica por parte do(s) médico(s) denunciados(s). Na fase de proces-
so, devem ser garantidos os princípios constitucionais de direito à ampla defesa e ao
contraditório. O PEP segue ritos específicos: defesa prévia, oitivas de testemunhas
de ambas as partes e alegações finais. O conselheiro instrutor também pode solicitar
fiscalização, pareceres de câmaras técnicas, perícias e outras formas de produção de
prova durante o ato da instrução. Encerrada a instrução, o PEP é encaminhado para
julgamento por câmara no conselho regional de medicina competente.

• Desagravo público: o médico pode solicitar ao conselho regional de medicina com-


petente um desagravo público, quando julga ter sido ofendido em razão de seu exercí-
cio profissional. Nessa situação, o desagravo segue os ritos de apuração dos fatos reali-
zados em uma sindicância e, caso se entenda que de fato ocorreu a ofensa ao médico,
o Conselho procederá à publicação do desagravo em Diário Oficial, informando à so-
ciedade da ofensa indevida e validando a conduta do médico que foi objeto da análise.

O caso
Maria é uma senhora de 92 anos, viúva e mãe de duas filhas. Devido a um quadro de-
mencial que vem se acentuando nos últimos anos, tem dificuldades para realizar tarefas
básicas e vive com sua filha mais velha, Lúcia. Há dois meses recebeu um diagnóstico de
câncer de mama metastático. Após entendimento entre Lúcia e a equipe médica, optou-
-se pela adoção de cuidados paliativos.

918
Há dois dias, Maria iniciou quadro de tosse, dispneia moderada e queda do estado ge-
ral. Levada a um pronto-socorro, recebeu diagnóstico de pneumonia, motivo pelo qual
foi internada sob os cuidados do Dr. Arlindo.
No momento da internação, estava acompanhada por sua outra filha, Valéria. Na pri-
meira noite de internação, Valéria foi informada que a mãe receberia morfina por via
endovenosa, entre outras medicações. Conversando por telefone com uma amiga que
trabalhava na área da saúde, soube que a morfina podia ser usada para induzir a morte
de pacientes. Indignada, proibiu que a medicação fosse administrada. Indignou-se ain-
da mais ao saber que no prontuário de sua mãe havia uma ordem de não reanimação em
caso de parada cardiorrespiratória.
Chamado à enfermaria, Dr. Arlindo explicou que as doses de morfina eram baixas e
seu objetivo era amenizar o desconforto respiratório. Explicou também que a ordem
para não reanimação era um acordo feito com sua irmã, inclusive constando no prontu-
ário de uma internação prévia. Contatada por telefone, a irmã confirmou a conversa da
internação anterior, mas não se recordava de ter concordado com a não reanimação e
muito menos de ter autorizado uso de medicação que pudesse induzir a morte. Valéria
seguiu com o veto à medicação. No dia seguinte, durante a visita da equipe de cuidados
paliativos, era Lúcia quem acompanhava a mãe e seguiria sendo sua acompanhante até
a alta, cinco dias após a internação, com melhora do quadro infeccioso.
Ainda durante a internação, Valéria iniciou uma série de postagens em mídias sociais
denunciando: “médico assassino”, “querem matar minha mãe”, “estão tentando eliminar
os idosos porque custam caro” etc. Tais postagens acusavam o médico e o plano de saú-
de, citados nominalmente, de quererem abreviar a vida de sua mãe.

Discussão
Na discussão de problemas práticos (sejam eles de natureza pragmática, ética, moral
ou política), é comum a emissão de juízos sobre decisões e atitudes dos protagonistas logo
após o relato do caso. Seguramente, essa é uma postura imprudente. O ato de julgar deve
passar por algumas fases que auxiliam na compreensão do problema e na verificação da
plausibilidade ética e legal das decisões.
Inicialmente, cabe uma fase de esclarecimento do caso. Todas as dúvidas factuais
devem ser sanadas. Por exemplo: qual o grau de convicção do diagnóstico e do prog-
nóstico da condição fora de possibilidade de cura ou controle? Qual o conteúdo do
acordo realizado entre Lúcia e a equipe médica? Neste caso, o diagnóstico e o prognós-
tico do câncer de mama metastático são bastante precisos e evidenciados por exames

919
anatomopatológico e de imagem. As diretrizes acordadas entre a filha mais velha e a
equipe médica de fato explicitavam a não reanimação.
A seguir, é indispensável identificar os atores envolvidos no caso, explicitando os va-
lores e interesses de cada um dos participantes. Em qualquer caso clínico, o primeiro
e mais importante ator é, sempre, o paciente. Além disso, há interesses legítimos das
filhas, do médico, do plano de saúde e da instituição hospitalar.
Para a paciente, por óbvio, o valor central é a qualidade de vida que terá ao longo de sua
delicada condição. Não há ninguém melhor que a própria paciente para determinar o que é
uma vida de qualidade, uma vida que valha a pena, e decidir quais procedimentos deseja, ou
não, que sejam realizados. No caso apresentado, entretanto, determinou-se que a paciente,
por conta do quadro demencial, não teria capacidade para consentir, ou seja, não possuía
discernimento para tomar tais decisões. Como é viúva, cabe às filhas, em acordo com a equi-
pe médica, este papel. As filhas, por conseguinte, têm interesse num cuidado adequado à
mãe e desejam que sua autonomia decisória enquanto responsáveis seja respeitada.
O médico tem o dever de ajudar sua paciente usando todos os recursos e conheci-
mentos a seu dispor, sem, no entanto, adotar condutas desproporcionais que possam
aumentar o sofrimento da paciente. Tudo isso sempre a partir de manifestação desta
ou, na sua impossibilidade, de suas representantes. Ademais, sua reputação profissional
está em jogo, tanto no plano ético como no legal. Assim como o médico, o plano de saúde
e o hospital também têm interesses legais a resguardar, além do financeiro.
Qual a questão central? O conflito entre valores e interesses – que caracteriza um pro-
blema moral – emerge da percepção por parte de Valéria de que o cuidado prestado era
inadequado e da revolta com o fato de que não fora consultada quanto às condutas a serem
tomadas. Outra questão central surge da decisão de Valéria em explicitar seu desconten-
tamento em mídias socias, expondo a honra do médico e a integridade do plano de saúde.
Tendo passado por essas fases de esclarecimento, estamos aptos a avançar com um
juízo de valores. Em relação à filha Valéria, tanto sua percepção de que os cuidados eram
inadequados como a revolta em relação a um eventual desrespeito à sua autonomia en-
quanto responsável pelas decisões concernentes aos cuidados com sua mãe eram equi-
vocadas. Em baixas doses, a morfina poderia amenizar o desconforto da paciente sem
risco considerável de abreviar a vida. Ao impedir que a mãe fosse medicada, provavel-
mente tornou seu tratamento mais desconfortável, ainda que, afinal, a conduta tenha
sido exitosa em debelar a infecção respiratória.
A revolta de Valéria em relação à ordem para não reanimação é causada, a princípio,
por desinformação. Lúcia, a filha primogênita e cuidadora, estabeleceu diretrizes com a

920
equipe médica que não foram comunicadas à irmã. É importante salientar que Valéria só
não participou da elaboração dessas diretrizes porque raramente se envolvia nos cuidados
com a saúde da mãe. Infelizmente, é bastante comum que familiares ausentes decidam,
em situações delicadas, assumir algum protagonismo. Os desdobramentos desse tipo de
intervenção quase sempre são prejudiciais ao paciente. Para mitigar risco de situações
como essa, é fundamental que o médico utilize técnicas de comunicação específicas, des-
critas no Capítulo 30. Além disso, a abordagem à família deve ser feita com técnicas descri-
tas no Capitulo 31. A condução de situações difíceis, por sua vez, é descrita no Capítulo 32.
Por outro lado, Dr. Arlindo poderia ter sido mais cuidadoso e verificado se Valéria tinha
conhecimento das diretrizes estabelecidas pela irmã. Essa abordagem teria evitado que Va-
léria fosse surpreendida ao saber da ordem para não reanimação. Nada disso justifica, entre-
tanto, as postagens ofensivas de Valéria nas redes sociais, que ferem a reputação do médico
e, pela própria natureza do veículo em que foram divulgadas, são de dificílima reparação.
Caberia ao Dr. Arlindo, se assim o desejasse, tomar providências na esfera jurídica, pleitean-
do alguma reparação ou indenização. Além disso, o médico, em situações como esta, pode
solicitar ao seu conselho regional de medicina um ato público de desagravo. O plano de saú-
de, também citado nominalmente, e o hospital (onde, segundo as postagens, teria ocorrido
uma tentativa de assassinato) poderiam tomar medidas legais contra Valéria.

Considerações finais
O caso que acabamos de discutir ilustra a desinformação prevalente em nossa sociedade,
tanto no que diz respeito a medidas para o alívio do sofrimento quanto à não adoção de
procedimentos desproporcionais em pacientes que se encontram em situação de terminali-
dade. É importante reparar que foi uma amiga que trabalha na área da saúde quem assustou
Valéria sobre o uso da morfina para induzir a morte. Infelizmente, o desconhecimento dos
próprios trabalhadores da área contribui para causar todo tipo de confusão. É alvissareiro,
entretanto, que as novas gerações de médicos e outros profissionais da saúde, por terem
espaço cada vez maior para a temática dos cuidados paliativos em sua formação, encaram
a abordagem a esses pacientes de maneira mais natural que seus colegas mais experientes.

Referências
1. World Health Organization. Definition of Palliative Care [Internet]. Genebra, Suíça: Organiza-
ção Mundial da Saúde; 2022 [citado em 18/11/2022]. Disponível em: https://www.who.int/cancer/
palliative/definition/en/.

921
2. Pessini L, Barchfontaine CP. Dignidade e solidariedade no adeus à vida. In: Pessini L, Barchfon-
taine CP (eds.). Problemas atuais de Bioética. 6ᵃ edição. São Paulo: Edições Loyola; 2002.

922
Índice Remissivo
6 Item Cognitive Impairment Test (6CIT) 490 Alcatrão de pinho 98
14a emenda à Constituição norte-americana. Ver Cláu- Alcoolização do plexo celíaco. Ver Bloqueios nervosos
sula das Proteções Iguais; Ver Cláusula do Devido e neurólise: principais alvos: plexo celíaco
Processo Legal Alexitimia 607
Alexy, Robert 825
Alfa-agonistas 137
A no tratamento do prurido 102
Alginato de cálcio 324
Abbey Pain Scale (APS) 513 Aliança terapêutica 255
Abstinência 137 Analgesia multimodal 128, 134, 137, 148
Abuso de substâncias Analgésicos adjuvantes
estratégias preventivas 632–633 no tratamento da dor em cuidados
sinais de alarme 633 paliativos 134–136, 148
Academia Nacional de Cuidados Paliativos 8, 31, 62 na doença renal crônica 497
Acetato de megestrol no tratamento da dor em cuidados
no tratamento da caquexia/anorexia 172 paliativos pediátricos 464, 466
no tratamento da fadiga 175 Analgésicos simples
Ácido lisofosfatídico 93, 101 no tratamento da dor em cuidados
Acolhimento 712 paliativos em adultos 132, 134–135
Acupuntura no tratamento da dor em cuidados
no tratamento da dispneia 187 paliativos pediátricos 464, 466
no tratamento da dor 131–132 na doença renal crônica 497
no tratamento da fadiga 175 Análogos de somatostatina
Acute Physiology and Chronic Health no tratamento de náusea e vômito 207
Evaluation (APACHE II) 500 no tratamento do excesso de secreções 384
Adição 137–138 Anedonia 250–251
e opioides de meia-vida longa 138, 141 Anemia 186
fatores de risco 137 Anestésicos locais
medidas preventivas 138 no tratamento da dor em cuidados paliativos 132,
Agentes absorventes 136, 149–151, 157, 159
no tratamento da diarreia 219 no tratamento da tosse 193
Agentes adsorventes no tratamento do prurido 98
no tratamento da diarreia 219 Anfotericina B 112, 243
Agentes antineoplásicos Angústia espiritual 536–540
e interações farmacológicas 263–266 caso clínico 539
Agentes osmóticos definição 536
no tratamento da constipação 213, 518 diferenças para quadros depressivos 537–538
em cuidados paliativos pediátricos 466–467 e desfechos clínicos 537
na doença renal crônica 496 em doenças cardiovasculares 426–427
secundária ao uso de opioides 144, 147 Ansiedade em cuidados paliativos 227–240
Agentes secretores avaliação 231–232
no tratamento da constipação 213 definição 226
Agonistas-antagonistas opioides 99, 104 e dispneia 186-187
Agonistas dopaminérgicos e fadiga 173
no tratamento da síndrome das pernas inquietas 496 e prurido 99
Agonistas dos receptores κ-opioides 99 fatores de risco e etiologias 228
Agonistas seletivos do receptor da grelina 172 principais transtornos segundo o DSM-5 230–231
Agonistas muscarínicos quadro clínico 228–230
no tratamento da xerostomia 117 tratamento 232–240
Àiyé 547 farmacológico 234–240
Alcatrão de hulha 98 não farmacológico 232–234
Antagonistas 5-HT3 no tratamento adjuvante da dor 135–136, 259
no tratamento de náusea e vômito 145, 206, 384, 496 no tratamento da ansiedade em cuidados
no tratamento do prurido 103–104, 495 paliativos 235–240
Antagonistas de N-metil-D-aspartato (NMDA) 137 no tratamento da depressão em cuidados
no tratamento da dor 136 paliativos 257–269
Antagonistas dopaminérgicos no tratamento da dor
no tratamento de náusea e vômito 145, 206, 384, 496 na doença renal crônica 497
no tratamento do prurido 104 no tratamento da mucosite (doxepina) 111
Antagonistas dos receptores de neurocinina-1 no tratamento de fogachos associados à
no tratamento de náusea e vômito 207–208 hormonioterapia para o câncer 106, 259–260
no tratamento do prurido 100, 103 no tratamento de sintomas psicológicos e
Antagonistas opioides comportamentais nas demências 522
no tratamento da depressão respiratória por opioides 145 no tratamento do prurido 99–100, 101–104
no tratamento do prurido 99, 101–103, 495 Anti-histamínicos
Antagonistas periféricos dos receptores opióides mu e xerostomia 92
(PAMORA) no tratamento da tosse 192
no tratamento da constipação por no tratamento de náusea e vômito 145, 206
uso de opioides 144, 147 no tratamento do prurido 98, 102–104
Antecipação terapêutica do parto 479 no tratamento da sudorese 106
Antibióticos macrolídeos Anti-inflamatórios não esteroidais
no tratamento da hipersecreção de vias aéreas 194 e tosse 192
Anticolinérgicos na doença renal crônica 497
e quadros demenciais 517 no tratamento da dor 128, 132, 134–135, 137, 148
e xerostomia 92 no tratamento da sudorese 106
no tratamento da náusea e vômitos 207 no tratamento do prurido 102, 104
no tratamento da sialorreia 195 Antipsicóticos
no tratamento da sororoca 195 e prolongamento do intervalo QTc 288
em cuidados paliativos pediátricos 465 e risco de morte 289
no tratamento da sudorese 106 na sedação paliativa 308
Anticonvulsivantes no tratamento da náusea e vômitos 145
no tratamento da dor 136 no tratamento da sudorese 106
no tratamento da sudorese 106 no tratamento do delirium 286–291, 519
no tratamento de sintomas psicológicos e no tratamento dos sintomas psicológicos e
comportamentais nas demências 522 comportamentais nas demências (SPCD) 520, 522
no tratamento do prurido 100–104 Apneia do sono
Antidepressivos na doença renal crônica 495
e doenças cardiovasculares 259 Aposentadoria 716
e insônia 259 por invalidez 717
e interações farmacológicas 261–262 acréscimo de 25% na 717
em pacientes com caquexia e a inapetência 258 Aristóteles 735, 743
em pacientes com comprometimento cognitivo 259 Aromaterapia
em pacientes com insuficiência renal 261, 499 no tratamento da dor 131
em pacientes com isuficiência hepática 261 Arteterapia
em pacientes com mucosite 260 no suporte espiritual 554
em pacientes com problemas de deglutição 261 no tratamento da dor 131
em pacientes com retenção urinária 260 Ascite 185
em pacientes com risco de queda 259 Asma 192, 194
em pacientes com tumores ou outras doenças Aspiração das vias aéreas 187, 194
do sistema nervoso central 258, 260 Aspirina
em pacientes constipados 260 no tratamento do prurido 102
em pacientes neutropênicos 258, 260 Assessment Test for Delirium and Cognitive Impairment 519
e prolongamento do intervalo QT 100, 258 Assistente social 171, 174
e sudorese 90 atuação na unidade prestadora de cuidados
e uso de tamoxifeno 260 paliativos 720–721
e xerostomia 92 funções 75
Atenção primária à saúde 29–31, 59 B
Atividade física
em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233 Barbitúricos
no tratamento da fadiga 175 na extubação paliativa 362
Atividades básicas de vida diária (ABVD) 77–78, 666 na sedação paliativa 308
definição 510 Beauchamp, Tom e Childress, James 741–743, 749
Atividades instrumentais de vida diária Behavior Pain Scale
(AIVD) 77–78, 666 na sedação paliativa 309
definição 510 Beneficência (princípio bioético) 742, 835, 863
Atman 545 biomédica 863
Atropina e eutanásia 773, 790–791
e extubação paliativa 365 e recusa terapêutica 837
Autonomia do médico 756–757, 833 Benefício de prestação continuada 716, 718
e eutanásia e suicídio assistido 801–802 Bentham, Jeremy 731
Autonomia do paciente Benzodiazepínicos
análise deontológica e principialista 759–761 e delirium 288, 519
definição 750 e diagnóstico da morte encefálica 881
e aspectos culturais 863 e tosse 192
e aspectos psicológicos e sociais 37–38, 762–763, na extubação paliativa 362–367, 369, 376–377
804, 863–864, 871–873 na sedação paliativa 307–308
e capacidade para consentir 827, 830–831, 832, 835, no tratamento da ansiedade em cuidados paliativos 235
839–840 no tratamento de náusea e vômito 207
e diretivas antecipadas de vontade 827, 840, 841 no tratamento da dispneia 191
e ética kantiana 734, 760 em cuidados paliativos pediátricos 465
e eutanásia e suicídio assistido 773, 789–790, Benzonatato 194
801–802, 804, 804–806 Bereavement 565
e futilidade terapêutica e tratamentos potencial- Betabloqueadores
mente inapropriados 754 no tratamento do prurido 102
e libertarianismo 739 Bicarbonato de sódio
em crianças e menores não emancipados 752 banho com 102
e o caso Dax Cowart 762, 765–768 enxágue bucal com 110
e o caso Elizabeth Bouvia 752–753 Bioética
e recusa terapêutica 837 definição 730
e utilitarismo e consequencialismo 732, 758–759 Bisfosfonatos
e valores do paciente 763–769 no tratamento da dor óssea 148
perspectiva de futuro 765–766 Bloqueadores H2
qualidade de vida 763–765 no tratamento do prurido 102
limitações da 37–38, 761–763, 804–806 Bloqueadores neuromusculares
na relação médico-paciente e comunicação 37, e diagnóstico da morte encefálica 881
865–867, 870–875 e extubação paliativa 355
Autonomia privada 825–826 Bloqueios nervosos e neurólise 134, 137, 148–155
Auxílio-doença 716, 717 bloqueio diagnóstico 150
Avaliação 360° 688 bloqueio prognóstico 150
Avaliação com paciente simulado 688 bloqueio terapêutico 150–151
Avaliação espiritual 550–554 e complicações 151–155
Avaliação social ampla 712–721 e recrudescimento da dor 151–152
avaliação da família 713–715 principais alvos 152–155
avaliação da moradia 715–716 gânglio estrelado 151–152
avaliação da rede de suporte social 720 gânglio ímpar ou sacrococcígeo 153
avaliação da renda 716–720 gânglio trigeminal 152
avaliação do estado civil 713 nervos paravertebrais ou intercostais 154
avaliação educacional e empregatícia 716 plexo braquial 154
definição 712 plexo celíaco 151–153
Axexê 547–548 plexo hipogástrico superior 151, 153
terminações nervosas interpleurais 154–155
tronco simpático lombar 151, 153 e níveis de cuidados paliativos ao paciente oncoló-
técnica principais 150 gico 433
Bloqueios neuroaxiais e locorregionais 133-134, 149 e prurido. Ver Prurido: principais tipos: associado a
Bomba de infusão intratecal 448 tumores sólidos e a seu tratamento; Ver Pruri-
Bomba de PCA (patient controlled analgesia). Ver Dis- do: principais tipos: hematológico e associado
positivos implantáveis para o controle da dor a doenças linfoproliferativas
Brahman 545 estatísticas 27
Bronquiectasia 185, 192 e sudorese 90, 105–106
Buprenorfina 138 e terapias modificadoras da doença 435
Bupropiona e tosse 192
e risco de crises epilépticas 258 e xerostomia 114–115
no tratamento da depressão em cuidados incidência no Brasil 433
paliativos 258, 267 Candidíase
no tratamento de sintomas psicológicos e e mucosite 107, 112
comportamentais nas demências 522 e xerostomia 113, 115
Burnout 683 Cânfora 98
consequências para o profissional 672 Canterbury, caso 873
definição 667–668 e modelos de relação médico-paciente 866–867
diferença para fadiga por compaixão 667 e o consentimento informado 867
diferenças para depressão 672–674 Capacidade civil 825–826, 828–832
e comunicação empática 605–607 diferenças para capacidade para consentir 826–827,
e notícias difíceis 605 848
fatores de risco 669–670 Capacidade para consentir 761
intervenções para minimizar o 677 definição 750, 826–827
manifestações psicopatológicas do 668 diferenças para capacidade civil 826–827, 829–832,
Butilbrometo de escopolamina 836, 848
na extubação paliativa 364–365 e Código Civil brasileiro 827, 842
no tratamento da dor em cólica 384 e definições legais nos EUA
em cuidados paliativos pediátricos 467 capacity vs competence 831–832
no tratamento da hipersecreção de vias aéreas 194 e diretivas antecipadas de vontade 827
no tratamento da sudorese 106 e discernimento 829, 831–832
e eutanásia 780, 790, 795–796, 798–799
C e Lei n.º 10.216/2001 830
em menores de idade 830, 835–836, 838
Cafeína e parâmetros legais no Brasil 831–832
no tratamento da sedação 145 e recusa terapêutica 635–636, 837–840
Câimbras 496 e tomada de decisão em fim de vida 832
CALMER (estratégia de comunicação) 627–628 papel do médico na determinação da 831–836
Canabinoides e responsabilidade médica 834–835
no tratamento da dispneia 191–192 uso de instrumentos padronizados 834
no tratamento de náusea e vômito 208 Capacity 831–832
Câncer Capelania 550, 554, 653
e caquexia/anorexia 167, 169–171 Capsaicina 98, 101–102, 129
e cuidado centrado no paciente 433 Caquexia/anorexia 167–172
e cuidado de suporte 433 abordagem diagnóstica 169–170
e depressão 803 classificação 170–171
e dispneia 182, 184–185, 188, 191 definições 168
e dor. Ver Dor: e câncer e dispneia 185
e evidências de cuidados paliativos 435–436 e fadiga 173
e fadiga 167, 173–175 em cuidados paliativos pediátricos 465
e ideação suicida 802–803 fisiopatologia 168–169
e indicações de cuidados paliativos 434 no prognóstico do paciente 43, 45
e judicialização da saúde 894–895 repercussões clínicas 169
e modelos de cuidado integrado 64, 434–435 tratamento 171–173
e mucosite 91, 107–112 Casuística 740
Cateter pleural 184 SUS (Conitec) 907–908
Catexia objetal 573, 581 Compaixão
Center for Epidemiologic Studies Depression definição 667
(CESD) 250, 499 e eutanásia 773, 790–791, 809
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) 721 Competence 832
Centro de Referência Especializado de Assistência Comprometimento cognitivo leve
Social (CREAS) 721 definição 510
Centros de Assistência de Alta Complexidade em Comunicação em cuidados paliativos 599–612
Oncologia 29, 61 características da comunicação de
Charlie Gard, caso 755, 757–758 qualidade 35–36, 642–644
e a judicialização da saúde 895 e equipe multidisciplinar 74
objeção de consciência e limites da medicina 756–757 e ética médica 601–602
Cicatrização 318–319 e futilidade terapêutica 755
Cimentoplastia 155-157 e impacto na relação com o paciente e com
complicações 156–157 a família 36, 641, 644, 653, 864, 873, 921
contraindicações 156 e prevenção do burnout 677
no tratamento da dor óssea 148 importância da empatia 604–605, 887
técnicas 155–156 na definição dos objetivos do cuidado e estimativa
Cirurgia paliativa 379–387 do prognóstico 35–43, 48-51
definição 379 na determinação da capacidade para
para icterícia obstrutiva 386–387 consentir 833–834
para sintomas alimentares 382–384 pro-ativa e precoce 40, 599, 649–651
para sintomas obstrutivos 384–386 situações desafiadoras e de difícil
para sintomas respiratórios 380–382 condução 621–636
tomada de decisão 380 comportamentos inaceitáveis 628–629
Cláusula das Proteções Iguais 809–811 definição 622
e suicídio assistido 810–811 fatores do médico 624–625
Cláusula do Devido Processo Legal fatores do paciente 622–624
e suicídio assistido 809–811 situações específicas 629–636
Clinical skills assessment/exercise (CSA) 687 pacientes com comportamentos violentos 634–635
Clobetasol 111 pacientes com ideação suicida 633–634
Cloridrato de benzidamina 110 pacientes com transtorno de personalidade 629–631
Clotrimazol 112 pacientes com transtornos por uso de
Código Civil 826, 828–829, 834, 842 substâncias 631–633
Código de Ética Médica 834 recusa de cuidados 635–636
e capacidade para consentir técnicas e habilidades de 599, 603, 606
em menores de idade 830–831, 836 abordagem a situações desafiadoras 625–629
e cuidados paliativos 8, 850 protocolo CALMER 627–628
e eutanásia e suicídio assistido 781, 792–793, 856 importância do treinamento 607–608
e objeção de consciência 840 em encontros familiares 646–658
e obrigação de informar o paciente 601–602, 833 pergunta-fala-pergunta 608–609
e ortotanásia 851 protocolos 608
e paternalismo médico 871 ABCDE 609
e recusa terapêutica 837–838 BREAKS 609
Código legal recomendações da American Society of
definição 730–731 Clinical Oncology 609
Código Penal 834 SPIKES 39, 609–612, 625, 646, 657
e eutanásia e suicídio assistido 855 VALUE 647
e ortotanásia 850-851 Comunitarismo 739–740
e recusa terapêutica 838 vontade geral 739–740
Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica Conforto do paciente 317
(CPRE) 386–387 no ambiente do cuidado 327–330
Coma Confusion Assessment Method 284–285, 519
definição 444–445 Congregação para a Doutrina da Fé 808
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Conhecimento intermediário (middle knowledge) 38
Consciência definição 4, 27, 443, 487, 896, 917
definição 444 distribuição dos serviços no território nacional 31, 62
e definição de morte 774–775 e evidências
Conselho Tutelar 721 em oncologia 435–436
Consentimento informado 37, 733, 742, 830 e legislação 849–850, 896
e o caso Canterbury 867 Lei Estadual n.º 17.292 (São Paulo) 849
Constipação 210–216 Portaria GM/MS n.º 2.439/2005 7
avaliação 211 Portaria GM/MS n.º 3.150/2006 7
definição 202 Portaria GM/MS n.º 19/2002 7
em cuidados paliativos pediátricos 465 Portaria GM/MS n.º 874/2013 7
em quadros demenciais 517–519 Resolução nº 41/2018 do Ministério da Saúde e
etiologias 210–211 Comissão Intergestores Tripartite 7, 29, 61,
fisiopatologia 210 707, 849
na doença renal crônica 496 e religião/espiritualidade
relacionada ao uso de opioide 143, 144, 146–147, Cristianismo 541
189, 215–216 Islamismo 542-543
tratamento 211–215, 518 Judaísmo 541-543
Continuous Positive Airway Pressure (CPAP) 495 especializados 28, 30, 433, 686-687
Convenção sobre os Direitos da Criança 835 estatísticas 3, 15–17, 59
Cordotomia 448 etimologia 5–6
Cor pulmonale 188 história dos 5–6
Correlatos neurais da consciência 444 indicações de 15–23
Corticosteroides instrumentos padronizados 18–20
e extubação paliativa 365 principais doenças em adultos 16, 18
na hipersecreção de vias aéreas 194 principais doenças em crianças 16–17
no tratamento da caquexia/anorexia 172 indicadores de qualidade 69–70
no tratamento da depressão 266 integralidade em 27–31, 59–60, 63
no tratamento da dispneia 185 definição de cuidados integrados 28, 433
no tratamento da dor 136, 148 na deontologia médica brasileira 8, 850–855. Ver tam-
no tratamento da fadiga 175 bém Código de Ética Médica: e cuidados paliati-
no tratamento da mucosite 111 vos; Ver também Resolução CFM n.º 1.805/2006;
no tratamento da sudorese 106 Ver também Resolução CFM n.º 1.995/2012; Ver
no tratamento da tosse 192 também Resolução Cremesp n.º 355/2022
no tratamento de náusea e vômito 206–207 Resolução CFM n.º 1.973/2011 8
no tratamento do prurido 98–99, 103 nas diferentes fases da doença 19–23
Crioterapia endotraqueal 185 no Brasil 6–9, 15, 61–62
Crioterapia oral 110-111 no setor privado 32
Critérios de Roma-IV. 146 no SUS 28–32
Cromoglicato dissódico 194 ensino 31
Crosta 316 entraves e possíveis soluções 30–31
Cuidados com a higiene do paciente 330 regionalização e gestão dos serviços 31–32
Cuidados com a movimentação 331 precoces 4, 15, 22
Cuidados com feridas em cuidados paliativos 322-327 primários ou gerais 28, 59, 433, 686–687
antimicrobianos 327 princípios dos 9
cuidados locais 325 Cuidados paliativos pediátricos 453–468
curativos 326–327 componentes dos 457–461
desbridamento 326 alívio dos sintomas 461–467
tratamentos adjuvantes 327 princípios gerais 461
Cuidados paliativos tratamento da dispneia e sintomas respiratórios 465
barreiras, mitos e estigma tratamento da dor 462–464, 466
em doenças cardiovasculares 427–428 tratamento dos sintomas gastrintestinais 465–467
benefícios dos 10–11 atenção ao luto 467–468
para o paciente e familiares 10 comunicação adequada 458
para o sistema de saúde 10 planejamento do cuidado 458–460
de fim de vida 4–5 suporte emocional 460
suporte espiritual 461 farmacológico 286–291, 519
suporte social 460–461 não farmacológico 286–287, 519–521
definição 454 Delirium terminal 292–293
diferenças para cuidados paliativos em adultos 455 e sedação paliativa 292–293
indicações 456–457 Demência
principais doenças 16–17 alterações comportamentais 519–522
princípios 454–455 delirium 519
Cuidados paliativos perinatais 473–483 sintomas psicológicos e comportamentais nas
aspectos práticos 478–482 demências 520–522
alta para casa 481 definição 510
atenção ao período pós-natal 480 e capacidade para consentir 751
discussões e fim de vida 481 e controle de sintomas 513–518, 524
elaboração do plano de parto 478–479 constipação 517–519
momentos finais do recém-nascido 482 dispneia 524
critérios para indicação 475–478 dor 513–514
definição 474 incontinência urinária 514–517
e luto 482–483 xerostomia 524
história 473 e desafios na comunicação 635
importância da comunicação 474 e diretivas antecipadas de vontade 848
Curativos 326–327 e dor 130
absortivos 326 e eutanásia 795–796, 814
alginato 326 e luto não autorizado 565–566
espuma 326 e perdas 569–570
filme 326 e polifarmácia 523–524
hidrocoloide 326 e tomada de decisão clínica 511–513
hidrogéis 327 e uso de vias alternativas para nutrição e
Currículo baseado em competências 684 hidratação 523, 854
objetivos em cuidados paliativos 685–687 instrumentos prognósticos 46, 511–512
Demência com corpos de Lewy
D e antipsicóticos 522
Deontologia médica
Daubert, caso 901–903 definição 730–731
Daubert, Padrão 902–903 Dependência física 137
Dax Cowart, caso 762, 765–768, 807, 814, 816 Depressão em cuidados paliativos 240–269
e a relação médico-paciente 870 avaliação 249–251
Decisão médica compartilhada 37 definição 227
Decisional Conflict Scale (DCS) 490 diagnóstico diferencial 246–249
Declaração de Alma-Ata 28 diferença para burnout 672–674
Declaração Universal de Bioética 731 diferença para transtorno do luto prolongado 587
Declaração Universal de Direitos Humanos 731, 733 diferença para tristeza normal 247
Declive escorregadio (slippery slope) 788–789 diferenças para angústia espiritual 537–538
e utilitarismo 808 e anorexia 168
na eutanásia e no suicídio assistido 794–801 e câncer 803
Degeneração walleriana 150 e eutanásia e suicídio assistido 803–804, 814
Delirium 145 e fadiga 173
avaliação 284–285 e ideação suicida 242–243
definição 277–278 em doenças cardiovasculares 426–427
e desafios na comunicação 635 e prurido 90, 99
e fármacos anticolinérgicos 258 fatores de risco 243–244
em quadros demenciais 519 na doença renal crônica 498–499
fisiopatologia e fatores de risco 278–279 prevalência 241
no prognóstico do paciente 43, 45 quadro clínico e diagnóstico 245–246
quadro clínico e diagnóstico 280–284 tratamento 252–269
subtipos 281–282 farmacológico 257–269
tratamento 285–291 não farmacológico 253–257
Derivação gatrojejunal 383–384 epidemiologia 182
Derrame pericárdico 185 etiologias 184–186
Derrame pleural 184, 187, 192 fisiopatologia 183
Desagravo público 918 no prognóstico do paciente 43, 45, 182
Descatexia 581 tratamento 186–192
Descontinuação de nutrição e hidratação 523 farmacológico 189–192
e cristianismo protestante 808 não farmacológico 187–189
e doutrina católica 808 Dispositivos implantáveis para o controle da dor 134,
e o caso Nancy Cruzan 854 157–158
segundo a deontologia médica e o ordenamento complicações 158
jurídico brasileiros 847 contraindicações 158
Resolução CFM n.º 1.805/2006 853–854 indicações 158
Descontinuação de suporte artificial à vida. Ver Orto- Distanásia
tanásia definição 778–779, 891
na morte encefálica 887–888 e eutanásia e suicídio assistido 790–791
Descontinuação de terapia renal substitutiva 355, Distúrbios do sono
491–493, 778 na doença renal crônica 495
Dever de cuidar 806 Doença do enxerto contra o hospedeiro 92
Dever de morrer 800, 804–806, 814 Doença do refluxo gastroesofágico 192
Dextrometorfano 193 Doença pulmonar obstrutiva crônica 182, 185–186,
Diagnóstico pré-natal 474 188, 191–192, 194–195
Diálise 488 e caquexia-anorexia 167
peritoneal 488 e fadiga 176
Diálise de albumina 102 Doença renal crônica
Diarreia 216–219 critérios para descontinuar ou limitar terapia
avaliação 217–218 renal substitutiva 491–493
definição 202 definição 487
em cuidados paliativos pediátricos 465 e caquexia/anorexia 167
etiologias 216–217 indicações de cuidados paliativos 488–490
fisiopatologia 216 plano de cuidados paliativos na 490–491
tratamento 218–219 importância da comunicação 494
Dignidade humana 733, 830–832, 835, 846, 891, 896 sintomas mais comuns na 92–93, 494–499
Direct observation of procedural skills (DOPS) 688 apneia do sono 495
Direitos humanos 830 câimbras 496
Diretivas antecipadas de vontade constipação 496
definição 827 depressão 498–499
e autonomia do paciente 840–842 distúrbios do sono 495
impactos no paciente e na prática clínica 844–845 dor 497–498
na deontologia médica 840–848 fadiga 498
Resolução CFM n.º 1.995/2012 8, 843–844 náusea e vômito 496
no ordenamento jurídico brasileiro 846–849 prurido. Ver Prurido: principais tipos: urêmico
Constituição Federal 846 síndrome das pernas inquietas 495-496
decisões judiciais 847 trial de diálise 493–494
menores de idade 848 Doença terminal
Projeto de Lei nº 149/2018 847–849 definição 775
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de Domínios da educação em cuidados paliativos 683–684
Medicina 685, 691, 706–707 Dor 127–159
Resolução CNE/CES nº 3, de 3 de novembro de 2022 706 associada a feridas de pele 323
Discernimento 829, 831–833 avaliação da 129–130
Dispneia 182–193 definição 127
avaliação 183–184 do tipo breakthrough 128, 133, 140, 157
definição 181 e câncer 129, 138, 140–141, 151–154, 157–159
e fadiga 173 e fadiga 173
em cuidados paliativos pediátricos 465 e ideação suicida 802
em quadros demenciais 524 em cuidados paliativos pediátricos 462–464, 466
em quadros demenciais 130, 513–514 e discussões de fim de vida 649–651
epidemiologia 128–129 e familiar tomador de decisões com capacidade
na doença renal crônica 497–498 questionável 656–657
óssea 148 e situações de conflito com equipe 653–655
tratamento 148, 396 principais causas 654
Classificação fechamento do encontro 657
mista 129 momento ideal para o 644
neuropática 129, 141 participantes 644–645
nociceptiva preparativos 645–646
somática 129 técnicas 646–648
visceral 129 estratégias para lidar com emoções 652–653
tratamento SPIKES 646, 657
escolha do plano analgésico 133–134 VALUE 647
farmacológico 132, 134–147 End Stage Renal Disease Severity Index 489
intervencionista 132, 148–159, 448–449 Enfermagem em cuidados paliativos 75–76, 149, 174
não farmacológico 131, 514 Ensino em cuidados paliativos 3, 683–707
princípios gerais 131–134 desdobramentos recentes 706–707
Dor social 711–712 deficiências 8–9, 684
definição 712 educação continuada 684
Dor total 5, 68, 149, 317, 540, 711 estratégias de 688
definição 128 métodos de avaliação 687–688
Dose de resgate 140 na graduação no Brasil 684–685
Doutrina católica no SUS 31
e eutanásia e suicídio assistido 808–809 objetivos dos currículos baseados em
Doutrina do Duplo Efeito 191, 541, 544, 808-809 competências 685–687
e sedação paliativa 854–855 para especialistas 691
D-PaP 45, 48 propostas de grade curricular 689–691
Drenagem cirúrgica das vias biliares 387 European Association for Palliative Care 690
no tratamento do prurido colestático 102 Gustavo Caldas 689
Drenagem transparieto hepática (DTPH) 387 International Association for Hospice and
Dukkha 546 Palliative Care – IAHPC 689
Durable power of attorney for health care. Ver Procu- Projeto EDUPALL 690, 692–707
ração para cuidados de saúde Société Canadienne des Médecins des Soins
Dworkin, Gerald 751, 765 Palliatifs 689
Dworkin, Ronald 789, 809–811 residência e fellowship 685
Equianalgesia 141, 143, 146
E Equidade 743
Equimose 316
Edmonton Symptom Assessment Scale (ESAS) 78, 169, 174 Eritropoetina
em doenças cardiovasculares 425 no tratamento da fadiga 175
e ética principialista 741–743 Erosão/escoriação 316
Elizabeth Bouvia, caso 750, 752–753, 760, 779 Escada da analgesia da OMS 127
e paternalismo médico 837 em adultos 133–134, 148
e utilitarismo 758 na doença renal crônica 497
Empatia em crianças 464
como virtude médica 736 Escala de faces de dor
definição 666 em adultos 129–130
impacto no paciente 604–605 em crianças 463
importância para a comunicação em cuidados Escala de Luto Antecipatório
paliativos 604–607, 871, 887 (Anticipatory Grief Scale) 572–573
na prevenção de burnout 605 Escala de performance de Karnofsky 394, 434
no encontro com familiares 652 em pacientes com HIV/AIDS 409
Encontro familiar 644–646 na doença renal crônica 489
dinâmicas familiares 648–649 na estimativa do prognóstico 45
e conflito entre familiares 656 Escala de performance ECOG 169, 394, 434
na estimativa do prognóstico 45–46 virtudes do bom médico 736
Escala visual de dispneia analógica 183 Ética dos princípios 741–743
Escala visual de dor analógica e equidade 743
em adultos 129 Ética kantiana/deontológica 733–734, 749
em crianças 464 e eutanásia e suicídio assistido 809
Escala visual de dor numérica fim em si mesmo 733
em adultos 129 imperativos categóricos 733
em crianças 463 imperativos hipotéticos 733
Escala visual numérica de dispneia 183 lei moral universal 733
Escala visual numérica de fadiga 174 no fim de vida 734
Escama 316 um legislador no reino dos fins 733–734
Escara Ética teleológica 731–732
definição 316 EuroQol 5 Dimensions 489
Escore de Lansky 458–459 Eutanásia 773–818
Escore de predição de sobrevida 394 argumentos contrários 792–807
Esfacelo 316 argumentos deontológicos 793–794
Espiritualidade banalização do homicídio 806
definição 534 "declive escorregadio” ou slippery slope 794–801,
em fim de vida 534–536 816
Estado vegetativo permanente desvirtuar a medicina 792–793
definição 445, 880 eugenia e prejuízo a idosos, deficientes
e definição de morte 774–775 e outros pacientes vulneráveis 796–797, 800,
e o caso Terri Schiavo 775, 781–782 805, 815–817
Estágios do luto segundo Elisabeth Kübler-Ross 577 haveria outras alternativas 802–803
aceitação 578 pedidos seriam decorrentes de
barganha 578 quadros depressivos 803–804, 814
choque e negação 577 risco de perda do direito à ortotanásia 806–807
críticas 578, 582 sentimento de “dever de morrer” e o
depressão 578 prejuízo à autonomia do paciente 804–806
raiva 577–578 argumentos favoráveis 789–791
ressignificação 578 compaixão 790–791, 809
Estase vascular diminuir a ilegalidade 791, 799
alterações cutâneas associadas à 316 direito à autonomia 789–790
Estatuto da Criança e do Adolescente 752, 835–836 ativa vs passiva 776–777
Estatuto da Pessoa com Deficiência 829 cenário atual no mundo 779–781
Estatuto do Idoso 842 definição 303, 776
Esteroides anabolizantes diferenças para ortotanásia 782–789, 792–793
no tratamento da caquexia/anorexia 172 e a visão da American Medical Association 781,
no tratamento da fadiga 176 786, 792
Estimulantes da mucosa colônica e a visão do Conselho Federal de Medicina 781,
no tratamento da constipação 144, 147, 213, 518 786, 792–793, 844, 856
na doença renal crônica 496 e ideação suicida 633–634
Estimulantes da secreção salivar 117–118 e libertarianismo 739
Estratégia Saúde da Família 28–30 em pacientes sem capacidade para consentir 780,
Estratégias desadaptativas de lidar com a doença 795–796, 798–801
definição 226 e opinião pública 780–781
Estresse do cuidador e religião
avaliação do risco de 674–676 Budismo 546
consequências para o cuidador 672 Cristianismo 541
definição 668–669 doutrina católica 808–809
fatores de risco 669, 671 Islamismo 544
possíveis intervenções para a prevenção do 677–678 na Holanda 779–780, 795–801
Estrogênio tópico intravaginal 517 controvérsias envolvendo paciente com
Estudo Tuskegee 750 Alzheimer 795–796
Ética das virtudes 734–737 critérios legais 813
eudaimonia 735 em menores de idade 796
estatísticas 798–800 necessários 356–358
recusas médicas 801 revisão das avaliações de rotina e medidas de
vagueza da lei 796–797, 801 suporte 355
na legislação do Brasil 855–856 revisão das medicações 355
Código Penal 855 medidas e cuidados após a retirada da ventilação
Projeto de Lei n.º 236/2012 (Novo Código Penal) 856 mecânica 369–371
possíveis mecanismos de controle 811–815 acompanhamento dos sintomas 369
segundo as teorias morais 807 apoio para a família e equipe 370
ética kantiana/deontológica 809 tempo de morte e transferência da unidade de
utilitarismo 807–808 terapia intensiva 370–371
voluntária, não voluntária e involuntária 777 uso de oxigênio e ventilação mecânica não
Exaustão emocional invasiva 370
definição 226 na deontologia médica brasileira. Ver Ortotanásia:
Expert witness 900–902 na deontologia médica brasileira
Exsudato procedimento de retirada da ventilação
associado a feridas de pele 324–325 mecânica 367–368
Extended matching questions 687 desmame terminal 367–368
Extrema Unção 541 extubação imediata 367
Extubação paliativa 352–372 sugestão de sequência de retirada de ventilação
avaliação e controle de sintomas durante mecânica 375–377
a retirada da ventilação mecânica 360–367 tomada de decisão 352
avaliação da dispneia e do desconforto Exulceração 316
respiratório 360–361
edema e estridor laríngeo 365 F
excesso de secreções respiratórias 364–365
pacientes inconscientes ou em coma 365–366 Face, legs, activity, consolability, crying (FLACC) 462–463
particularidades do tratamento com Fadiga 167–168, 173–176
sedativos 366–367 avaliação e diagnóstico 173–174
previsão dos sintomas durante e após a definição 168
extubação e dose antecipatória de fisiopatologia e etiologia 173
medicamentos 362–365 na doença renal crônica 498
principais medicações para o controle da tratamento 174–176
dispneia e do desconforto respiratório: Fadiga por compaixão
opioides e sedativos 362 definição 667
princípios de titulação de opioides e Família 641–658
sedativos na extubação paliativa 366 avaliação social da 713–715
em situações específicas 368–369 conflito entre familiares 656
obstrução de vias aéreas/estridor laríngeo 368 definição 642
pacientes com traqueostomia 368 e familiar tomador de decisão com capacidade
pacientes com tubo endotraqueal: 368–369 quesitonável 656–657
e religião e incidência de transtorno do estresse pós-traumá-
Judaísmo 543 tico (TEPT) 641
medidas e cuidados antes da retirada da ventilação Fardo decisório 649–650, 804–806
mecânica 353–360 e diretivas antecipadas de vontade 845
considerações com a família referentes à sus- Fator de “desgosto” (chagrin factor) 52–53
pensão de avaliações, medidas de suporte e Federal Rules of Evidence (1975) 901–903
monitorização 359–360 Feedback 688
preparação da equipe 358–359 Fenol 98
antes do procedimento 358 Ferida oncológica
durante o procedimento 358–359 definição 321
preparação da família 353–354 localização e estadiamento 321
preparativos para o local do procedimento 355–358 Fibrose intersticial pulmonar 185
ambiente 355–356 FICA (ferramenta para avaliação espiritual) 551–552
monitorização 358 Fim de vida
procedimentos, materiais e medicamentos definição 775
Fisioterapia em cuidados paliativos 77–78, 171, 174
no tratamento da dor 131, 148–149 Gold Standards Framework Proactive Identification
Fissura 137, 316 Guidance (GSF-PIG)
Fístula traqueoesofágica 192 em doenças cardiovasculares 422–424
Fluconazol 112 Grief 565
Foliculite eosinofílica do HIV 95 Grupos Balint 607
Fonoaudiologia em cuidados paliativos 171, 174
Formadores de bolo fecal H
no tratamento da constipação 212, 518
Fotobiomodulação com laser de baixa potência 111 Halachá 542
Fototerapia Health care proxy. Ver Procuração para cuidados de saúde
por raios ultravioleta B (UVB) broadband 102–103 Helen House 453
por raios ultravioleta B (UVB) narrowband 97, 101–103 Helga Wanglie, caso 754–755, 757–758
Fototerapia com luz ultravioleta 495 Hematoma 316
Frankl, Viktor 764 Hemodiálise 488
Fraqueza muscular 186, 194 Hepatomegalia 185
Fratura patológica 151, 155–157 Herpes simplex
Frye, caso 902 e mucosite 112
Fumus boni juris 894 Hidrocoloide 326
Funcionalidade Hidrogéis 327
curvas de evolução 20–21 Higiene do sono
definição 510 em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233–234
e influência no prognóstico 43, 45–46 no tratamento da fadiga 175
Functional Assessment Staging Test (FAST) 46, 511–512 Hiperalgesia induzida por opioides 137
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) 716, 718 Hipersecreção de vias aéreas 194–196
Futilidade terapêutica 754–755, 833, 891–892 definição 182
definição 755, 776 tratamento 194–195
e comunicação 755 Hipnoterapia
e diretivas antecipadas de vontade 845 no tratamento da dor 131
e fator de “desgosto” (chagrin factor) 53 Hipodermóclise
e judicialização da saúde 895–896 absorção comparada a outras vias 337
e objeção de consciência 756–757 contraindicações 339–340
e o caso Charlie Gard 755 e opioides 140
e o caso Helga Wanglie 754–755, 757–758 indicações 338–339
e o caso Renan Grimaldi 895 medicamentos e soluções que podem ser
e recusa terapêutica 852 administrados 343–349
e religião 535, 755 sítios de punção e técnica 340–343
Hinduísmo 545 vantagens 338
Resolução Cremesp nº 355/2022 755, 850, 852–853, 855 Hipofisectomia 449
HIV/AIDS 405–411
G carga viral 406
contagem de linfócitos T CD4 406
Gabapentinoides determinação do prognóstico 408–410
no tratamento da dor em cuidados paliativos 128, 136 e caquexia/anorexia 167, 172
na doença renal crônica 497 e cuidados paliativos 406
no tratamento da síndrome das pernas inquietas 496 causas de morte 408
no tratamento da sudorese 106 principais doenças 407
no tratamento da tosse 193 principais sintomas 407–408
no tratamento do prurido 100–104, 495 e dispneia 182
Gastrostomia 383–384 e fadiga 173, 176
em geriatria e quadros demenciais 523 e luto 411
Geriatria e mucosite 112
definição 510 e prurido. Ver Prurido: principais tipos: associado ao HIV
estabelecimento do prognóstico em 510–511 estágios da infecção 406
Goldfish bowl discussions 688 e sudorese 105
e tratamento antiretroviral 410–411 no tratamento de fogachos associados à
e xerostomia 114–115 hormonioterapia 106
prevalência 405 no tratamento de sintomas psicológicos e compor-
Holocausto e Segunda Guerra Mundial 745, 830 tamentais nas demências 522
HOPE (ferramenta para avaliação espiritual) 551–552 no tratamento do prurido 99, 102–103
Hospice 5–6, 48, 49, 67–69, 74, 128, 134, 706 Injeção de pontos-gatilho 158-159
critérios do Medicare 5, 35, 61 Inotrópicos 426
definição 61 Insuficiência cardíaca congestiva e doenças cardiovasculares
em doenças cardiovasculares 427 assistência ao paciente cardiológico em cuidados
em pacientes com câncer 434 paliativos 425–427
neonatal 473 barreiras e mitos 427–428
Hospital Anxiety and Depression Scale 250 instrumentos para avaliação de sintomas
Edmonton Symptom Assessment Scale (ESAS) 425
I Integrated Palliative Care Outcome Scale 425
Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire 425
Ictiol 98 uso de inotrópicos 426
Ideação suicida 242–243 critérios de gravidade da American College of Car-
e desafios na comunicação 633–634 diology/American Heart Association 420–421
e dor 802 da European Society of Cardiology 420–421
e eutanásia 633–634, 802–803 da Heart Failure Society of America 420–421
em pacientes com câncer 633, 802–803 da Sociedade Brasileira de Cardiologia 420–421
Incontinência urinária 514–517 definição 417–418
medidas não farmacológicas 516 e caquexia/anorexia 167
Índice de Comorbidade de Charlson (CCI) 45, 489, 511 e dispneia 182, 185–186, 188
Índice de Massa Corpórea (IMC) 170–171 impactos socioeconômicos 418
Índice de Suemoto 46, 511 indicações de cuidados paliativos 418–425
Inibidores da calcineurina 98 instrumentos prognósticos
Inibidores da colinesterase Gold Standards Framework Proactive Identi-
no tratamento de sintomas psicológicos e fication Guidance (GSF-PIG) 422–424
comportamentais nas demências 522 Palliative Care Indicators Tool
Inibidores da histona deacetilase 103 (SPICT) 422–424
Inibidores da monoamino oxidase Seattle Heart Failure Model (SHFM) 422
no tratamento da depressão em cuidados paliativos 258 Insuficiência renal aguda
Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) e cuidados paliativos 500–502
e sudorese 90 Integralidade 27–31
no tratamento adjuvante da dor 135–136 definição 28
no tratamento da ansiedade em cuidados e modelos assistenciais em cuidados paliativos 6 3–69
paliativos 236–240 Integrated Palliative Care Outcome Scale
no tratamento de fogachos associados à em doenças cardiovasculares 425
hormonioterapia 106, 261 Integrated Prognostic Model (6 Month Survival on
no tratamento de sintomas psicológicos e comportamen- Hemodialysis) 490
tais nas demências 522 Interferon-alfa
Inibidores de mTOR 111 no tratamento do prurido 102
Inibidores de prostaglandinas Intervenção social planejada 721
no tratamento da diarreia 219 definição 712
Inibidores de tirosina quinase 95 Inventário Breve de Fadiga 174
Inibidores dos receptores do fator de crescimento epidérmico Inventário de Depressão de Beck (BDI) 250, 499
e prurido 95 Inventário neuropsicológico (INP) 520
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) Inventory of Complicated Grief (ICG) 589
em pacientes com insuficiência renal 499 Ioga
e sudorese 90 na prevenção do burnout 677
no tratamento da ansiedade em cuidados no suporte espiritual 554
paliativos 236–240 Irmã Frances Domenica 453
no tratamento da depressão em cuidados Isenção de imposto de renda 716, 719
paliativos 258–259
J Lesão por pressão 319–320
classificação do National Pressure Injury Advisory Panel
James, Daniel 816–817 (NPIAP) 319
Jejunostomia 383–384 diferenças para úlcera terminal de Kennedy 320
em geriatria e quadros demenciais 523 redistribuição da pressão e mudança de decúbito 3 22–323
Judicialização da saúde 807, 847, 891–910 Lesões hematológicas (lesões bulky) 397–398
controvérsias nas situações de fim de vida 894–897 tratamento radioterápico 398
definição 892 Levodropropizina 194
e a importância das ciências médicas na produção de Libertarianismo 738–739
provas 897–909 liberdade negativa 739
considerações sobre o ordenamento jurídico liberdade positiva 739
brasileiro 903–904 princípio do dano 739
considerações sobre o ordenamento jurídico dos Limitação de nutrição e hidratação 523
Estados Unidos da América 900–903 e cristianismo protestante 808
iniciativas do poder executivo no Brasil 906–907 e doutrina católica 808
iniciativas e decisões da justiça Brasileira 904–906 e o caso Nancy Cruzan 854
Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário segundo a deontologia médica e o ordenamento
(NAT-Jus) 906 jurídico brasileiros 847
Recurso Extraordinário n.º 566.471 904–906 Resolução CFM n.º 1.805/2006 853–854
na saúde suplementar 893–895 Limitação de suporte artificial à vida. Ver Ortotanásia
desdobramentos recentes 907–909 na morte encefálica 887–888
peculiaridades processuais 894 Limitação de terapia renal substitutiva 491–493, 778
situação no Brasil 892–894 Limites da medicina 756–757, 833
Julgamento substituto 351, 779, 840 e eutanásia e suicídio assistido 801–802
definição 828 Linfangite carcinomatosa 185, 192
e desconhecimento da vontade do paciente 845 Living will. Ver Testamento vital
e procuração para cuidados de saúde 828, 842 Luto 563–594
na recusa terapêutica 839 antecipatório 566–567
Justiça (pricípio bioético) 742–743 nas doenças crônicas 571
e equidade 743 apoio ao 589–590
complicado ou prolongado 568, 582–593
K avaliação 589
diferenças para luto normal 587–588
Kadish 542 fatores de risco 582–583
Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire 425 segundo Bowlby 575
Kant, Immanuel 733–734, 741, 760, 809 controvérsias envolvendo os modelos teóricos de
Karma 545 luto e novas abordagens 580–582
Keriá 542 definição 564–565
Kevod hamet 542 e autonomia do paciente 38, 762
Kidney Disease QOL-36 489 em cuidados paliativos pediátricos 467–468
Klüber-Ross, Elisabeth 5 em cuidados paliativos perinatais 482–483
Ver também Luto: segundo Elisabeth Kübler-Ross em HIV/AIDS 411
não autorizado 565–566, 582-583
L processo dos “Seis Rs” 579–580
segundo a teoria psicanalítica freudiana 573–574
Laser endotraqueal 185 segundo Elisabeth Kübler-Ross 577–578
Lei Estadual n.º 17.292 (São Paulo) 849–850 segundo John Bowlby 574–575
Lei nº 9.434/1997 888 segundo o modelo do Processo Dual de Luto, de
Lei n.º 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) 907 Stroebe e Schut 575–576
Lei n.º 10.216/2001 830 supressão do 572
Lei n.º 13.968/2019 856 teoria das tarefas de 578–579
Lei n.º 14.307/2022 907–908
Lei nº 14.454/2022 (Rol da ANS)
Lesão por fricção (skin tear)
908–909
M
definição 316 MacArthur Competence Assessment Tool for
Treatment (MacCAT-T) 834 definição 879–880
Mansfield Agitation Inventory (CAMI) 520 diagnóstico da 880–887
Massoterapia exame clínico 882–884
em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233 exames complementares 886–887
no tratamento da dor 131 pré-requisitos 881–882
Medicina Baseada em Evidências teste da apneia 885–886
na judicialização da saúde 899, 904, 909 na deontologia médica brasileira 879–880, 887–888
Medidas de conforto 351 na legislação brasileira 879, 887–888
Meditação/mindfulness Mount, Balfour 5
em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233 Mourning 565
em transtornos depressivos em cuidados paliativos 253 Movimento hospice moderno 5–6, 27, 68
Mindfulness-Based Stress Reduction 555 Mucosite 107–112
na prevenção do burnout 677 definição 91–92
no suporte espiritual 554 diferenças para infecção pelo herpes simplex 112
Memantina e infecções secundárias 107–108, 112
no tratamento de sintomas psicológicos e compor- fatores de risco e agentes quimioterápicos mais
tamentais nas demências 522 comuns 91, 107–108
Mentol 98 fisiopatologia 108–109
Metástases cerebrais 397 quadro clínico 109–110
tratamento radioterápico 397 tratamento farmacológico 111–112
Mielotomias medianas 449 tratamento não farmacológico 110–111
Mill, John Stuart 731, 739, 741, 751, 765, 789–790 Multidimensional measures of religiousness and
Mini clinical examination/exercises (CEX) 688 spirituality (MMRS) 551
Mirabegrona 517 Multidisciplinaridade 64, 68, 73–83
Mirtazapina exemplo de caso clínico e plano de cuidados
no tratamento da ansiedade em cuidados multidisciplinar 78–82
paliativos 236–240 Multisource feedback (MSF) 688
no tratamento da depressão em cuidados MUM effect 607–608
paliativos 267 Musicoterapia
no tratamento de fogachos associados à hormonio- em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233
terapia 261 no suporte espiritual 554
no tratamento de sintomas psicológicos e comporta- no tratamento da dor 131
mentais nas demências 522
no tratamento do prurido 100, 103–104 N
Modafinila
no tratamento da sedação por opioides 145 N-acetilcisteína
Model for End-Stage Liver Disease (MELD) 43 na hipersecreção de vias aéreas 195
Modelo do Processo Dual de Luto, de Stroebe Nalbufina. Ver Agonistas-antagonistas opioides
e Schut 575–576, 580 Nancy Cruzan, caso 779, 781–782, 839
Modelos Assistenciais em Cuidados Paliativos 59–70 e limitação e descontinuação de nutrição e
ambulatório 60, 65–66 hidratação 854
atendimento domiciliar 60, 66–68 Não interferência 762–763
enfermaria 60, 63–64 e aspectos psicológicos e sociais 763
hospice. Ver Hospice e o caso Dax Cowart 762, 870
interconsulta 60–61, 65 e relação médico-paciente 870–871
modelo organizacional 62 Não maleficência 742
unidade dia 61, 69 e distanásia 779
Modified Glasgow Prognostic Score (mGPS) 43 e eutanásia 773
Moksha 545 Náusea e vômito 202–210
Momentos finais de vida avaliação 204–205
definição 304 definição 201–202
Morte e fadiga 173
definição 774–775 em cuidados paliativos pediátricos 465
Morte encefálica 445, 774, 879–888 etiologias 203–204
contuda após determinada a 887–888 associada ao uso de opioides 144–145, 189
fisiopatologia 202–203 possíveis vieses na definição dos 51–54
na doença renal crônica 496 formas de mitigá-los 53–54
tratamento 205–210 Obstrução intestinal maligna 384–386
tratamento farmacológico 205–209 Odor
tratamento não farmacológico 210 associado a feridas de pele 324–325
Neonatal Infant Pain Scale (NIPS) 462 Opioides
Neurite actínica 153 e diagnóstico da morte encefálica 881
Neurocirurgia funcional efeitos adversos
em cuidados paliativos 158, 447–449 abstinência. Ver Abstinência
neurocirurgias ablativas 448–449 adição. Ver Adição
Neuropaliação 445–447 confusão mental e alucinações 145
definição 443 constipação. Ver Constipação: relacionada ao
Neuropatia pós-herpética 90, 96, 152-153, 155 uso de opioide
Nistatina 112 dependência física. Ver Dependência física
Notalgia parestésica 96, 98, 100 depressão respiratória 145
Not Dead Yet 816 hiperalgesia induzida por opioides. Ver Hiperal-
Notícias difíceis 599–612 gesia induzida por opioides
definição 600 náusea e vômito. Ver Náusea e vômito: etiolo-
e ética médica 601–602 gias: associada ao uso de opioides
e o impacto no médico 605–606 prolongamento do intervalo QTc 141
e o papel da empatia 604 prurido. Ver Prurido: principais tipos: secundá-
e preferências dos pacientes 36–37, 600–602, 759 rio ao uso de opioides
e reações dos pacientes 37–42, 602–604 sedação 144–145, 189
técnicas e habilidades de comunicação 599, 603, 606 sudorese. Ver Sudorese: e opioides
importância do treinamento 607–608 tolerância. Ver Tolerância
pergunta-fala-pergunta 608–609 e técnicas intervencionistas para o controle
protocolos 608 da dor 149, 151, 153, 157
ABCDE 609 mau uso e abuso 138
BREAKS 609 na extubação paliativa 362–366, 369, 376–377
recomendações da American Society of Clinical na sedação paliativa 308
Oncology 609 no tratamento da diarreia 219
SPIKES 39, 609–612, 625 no tratamento da dispneia 189–191
Núcleos de Apoio à Saúde da Família 29 em cuidados paliativos pediátricos 465
Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-Jus) 906, 908 no tratamento da dor 132, 134, 136–147, 148, 384,
Nucleotratotomia trigeminal 449 464, 466
Nutrição em cuidados paliativos 76–77, 171, 174 na doença renal crônica 497–498
no tratamento da mucosite 111–112
O no tratamento da tosse 193
por via intratecal 95–96, 103–104, 448
Óbito neonatal razão de equivalência 143–144
dados no Brasil 473 morfina para hidromorfona 142
definição 474 morfina para metadona 141
Óbitos infantis morfina para oxicodona 142
principais causas 453 morfina parenteral para a oral 140
Objeção de consciência 756–757, 833 recomendações práticas para a prescrição 140–147
e diretivas antecipadas de vontade 848–849 fentanil 142–143
e eutanásia e suicídio assistido 801–802 hidromorfona 142
e recusa terapêutica 840 metadona 141–142
e resolução CFM n.º 2.232/2019 756, 840 morfina 140–141
Objective structured clinical examination (OSCE) 687 Morfina de liberação lenta 142
Objective structured long examination record oxicodona 142
(OSLER) 687-688 rotação de 103, 106, 137, 145–146
Objetivos do cuidado indicações 145
definição 36–37 tipos
discussão dos 48–51 de meia-vida longa 138
fortes 139 Pain Assessment in Advanced Dementia Scale
fracos 139 (PAINAD) 513
Opioid Risk Tool (ORT) 632 Palifermina 111
Ordem de não reanimar 844, 920 Palliative Care Outcome Scale Symptom List for
Ortotanásia 351 End-Stage Renal Disease (POS-S Renal) 490
cenário atual no mundo 779–781 Palliative Needs (NECPAL) 18–19
definição 778–779 Palliative Performance Scale
diferenças para eutanásia ativa e suicídio em pacientes com HIV/AIDS 409
assistido 782–789, 792–793 na doença renal crônica 489
proposta do PL do Novo Código Penal 851 na estimativa do prognóstico 45
tese sobre a 14a emenda 809–811 Palliative Prognostic Index (PPI) 45–46, 48, 79, 182, 394
e discussão com familiares 654 na doença renal crônica 489
e fator de “desgosto” (chagrin factor) 52–53 Palliative Prognostic Score (PaP score) 45, 48
e nutrição e hidratação artificiais. Ver Descontinua- Papa João Paulo II 808
ção de nutrição e hidratação; Ver também Limi- Paracentese 185
tação de nutrição e hidratação Paternalismo médico 749–769, 863
e o argumento do "declive escorregadio” ou e capacidade para consentir 830
slippery slope 795 e ética kantiana 734
e os casos Nancy Cruzan e Terri Schiavo 779, e recusa terapêutica 49, 837
781–782, 854 forte vs fraco 751, 761
e religião na deontologia médica brasileira 838–840, 871, 874
Budismo 546-547 na legislação brasileira 838
doutrina católica 808–809 na relação médico-paciente e comunicação 865, 871–874
Hinduísmo 545 puro vs impuro 751–752
Islamismo 544 Patient Health Questionnaire-2 (PHQ-2) 251
Judaísmo 543 Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) 250, 499
na deontologia médica brasileira Patient Self-Determination Act 841–843, 847
Código de Ética Médica 851 Perda
Resolução CFM n.º 1.805/2006 8, 760, 781, definição 564
850–855 e diâmicas familiares 570
Resolução Cremesp n.º 355/2022 8, 781, 850, final 564
852–853, 855 não finita 564
na legislação brasileira nas doenças crônicas 568–570
Código Penal 850-851 Perda da autonomia
Constituição Federal 850 em doenças cardiovasculares 427
Lei Estadual n.º 10.241/1999 (SP) 853 Pergunta surpresa 17, 20, 422
Lei Estadual nº 14.254/2003 (PR) 853 Pericardiocentese 185
Lei Estadual n.º 16.279/2006 (MG) 853 Periculum in mora 894, 896
PL n.º 236/2012 (Novo Código Penal) 851 Petéquia 316
tradução para o inglês 777–778 Plano de cuidados 73
Órun 547 exemplo aplicado a caso clínico 78–82
Outlook de Steinhauser 554 Plano de parto 478–479
Oxigenioterapia 188 Pleurodese 184
Pneumonite
P actínica 185, 192
medicamentosa 185, 192
Paciente difícil Polifarmácia
definição 622 em pacientes com demência 523–524
tipos Política Nacional de Humanização 29–30
demandante que acredita ter mais direitos 623 Portaria GM/MS n.º 2.439/2005 7
dependente e emocionalmente apegado 623 Portaria GM/MS n.º 3.150/2006 7
manipulador que rejeita o cuidado 624 Portaria GM/MS n.º 19/2002 7
negacionista autodestrutivo 624 Portaria GM/MS n.º 874/2013 7
Pain Assessment Checklist for Seniors with Limited Portaria SAES/MS n.º 1.399/2019 61
Ability to Communicate (PACSLAC) 513 Prevenção de feridas em cuidados paliativos 322
nutrição e hidratação 322 na extubação paliativa 362
redistribuição da pressão e mudança de decúbito 322–323 na sedação paliativa 308
Primum non nocere 742 no tratamento do prurido 104
Princípio 825 Protocolo de Groningen 796
Princípio dos melhores interesses 459, 828, 840–841, 846 Prurido 92–104
Princípios prima facie 741, 744, 749, 863 aquagênico 98, 102
Principles of Biomedical Ethics de Tom Beauchamp e e fototerapia 97
James Childress 741 braquiorradial 90, 96, 98, 100
Processo de luto dos “Seis Rs” de Therese Rando 5 79–580 definição 89–90
Processo ético-profissional (PEP) e deficiência de ferro 94
definição 918 e depressão/ansiedade 90, 99–100
Procinéticos na doença renal crônica 495
no tratamento da constipação 144, 213, 518 principais tipos
no tratamento da náusea e vômitos 205–206 associado ao HIV 95–97, 99
Procuração para cuidados de saúde 842–843 associado a tumores sólidos e a seu tratamento
e julgamento substituto 842 94–95, 98–99, 102–103
no ordenamento jurídico brasileiro 842 tratamento específico 102–103
nos Estados Unidos 842 da colestase 93, 98–101
Prognosis in Palliative Care Study (PiPS) 48 tratamento específico 101–102
Prognostic Indicator Guidance (PIG)/Gold Standards hematológico e associado a doenças linfoprolife-
Framework (GSF) 19–20 rativas 90, 94, 97–100, 102–103
Prognóstico 35 tratamento específico 102–103
consciência prognóstica 35, 37–39 neuropático 96, 98, 100
definição 36 secundário ao uso de opioides 95–99, 102–104
fatores subjetivos 42, 47 tratamento específico 103–104
importância da comunicação na discussão sobre urêmico 92–93, 97–101, 495
o. Ver Comunicação em cuidados paliativos: na tratamento específico 101
definição dos objetivos do cuidado e estimativa psicogênico 90
do prognóstico tratamento 96–104
métodos objetivos e ferramentas padronizadas 42–48 farmacológico 97–101
Ver D-PaP; Ver Functional Assessment Staging Test tópico 98
(FAST); Ver Índice de Comorbidade de Charlson não farmacológico 96–97
(CCI); Ver Índice de Suemoto; Ver Model for Psicoeducação
End-Stage Liver Disease (MELD); Ver Modified no estresse do cuidador 678
Glasgow Prognostic Score (mGPS); Ver Palliative Psicoestimulantes
Needs (NECPAL); Ver Palliative Prognostic Index e delirium 175
(PPI); Ver Palliative Prognostic Score (PaP score); e efeitos adversos cardiovasculares 175
Ver Prognostic Indicator Guidance (PIG)/Gold no tratamento da depressão em cuidados
Standards Framework (GSF); Ver Supportive and paliativos 266–267
Palliative Care Indicators Tool (SPICT) no tratamento da fadiga 175
como escolher a ferramenta ideal 47–48 no tratamento da sedação por opioides 145
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional no tratamento de sintomas psicológicos e
do Sistema Único de Saúde 31 comportamentais nas demências 522
Programa de Integração Social (PIS) 716, 718 Psicologia em cuidados paliativos 74, 149, 171, 174
Programa Melhor em Casa 721 Psicoterapia
Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233
Paliativos 29 em transtornos depressivos em cuidados paliativos 253–257
Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Quali- Psicoterapias de grupo
dade da Atenção Básica 32 em transtornos depressivos em cuidados paliativos 255
Projeto de Lei n.º 149 847–849 Psicoterapias existenciais
Projeto de Lei n.º 236/2012 (Novo Código Penal) 851 em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233
e eutanásia 856 em transtornos depressivos em cuidados
Projeto Terapêutico Singular 29 paliativos 254–255
Propofol logoterapia 254
e diagnóstico da morte encefálica 881
na angústia espiritual 554 Constituição Federal 850
terapia da dignidade 254–255 Lei Estadual n.º 10.241/1999 (SP) 853
Lei Estadual nº 14.254/2003 (PR) 853
Q Lei Estadual n.º 16.279/2006 (MG) 853
definição 752
Qi 546 diferenças entre Brasil e Estados Unidos 760
Qualidade de vida vs quantidade 49, 763–765 e objeção de consciência 840
Quatro princípios básicos da bioética 741–743 e o caso Dax Cowart 762, 765–768
Quelantes de ácidos biliares e o caso Elizabeth Bouvia 752–753, 779, 837
no tratamento do prurido colestático 101–102 e procedimentos fúteis ou potencialmente inapro-
Questionário de Saúde Geral de Goldberg com priados 852
28 itens (QSG-28) 250 e religião 535
Quimioterapia na deontologia médica brasileira 836–840
e fadiga 173 em paciente com capacidade para
e mucosite 91, 107–112 consentir 836–838
agentes de maior risco 91 em pacientes menores de idade e sem
e tosse 192 capacidade para consentir 838–840
Resolução CFM nº 1.805/2006 851
R Resolução CFM nº 2.232/2019 752, 760, 838–840,
851
Radioterapia 391–399 Rede de suporte social
avaliação global do paciente 393–394 avaliação da 720
dosimetria 392 na prevenção do estresse do cuidador 678
e dor 151 Redistribuição da pressão e mudança de decúbito 322–323
efeitos radiobiológicos da 391–392 Reflexologia
em pacientes oligometastáticos 398 no tratamento da dor 131
e mucosite 91, 107–112 Regra 825
e tosse 192 Reiki/toque terapêutico
e xerostomia 92, 114–115, 117 no tratamento da dor 131
fatores que influenciam a 392 Relação médico-paciente 863–876
história da 391 definição 864
indicações específicas 394–398 e comunicação 864
dor óssea 148, 156-157, 396 e diretivas antecipadas de vontade 845
lesões hematológicas (lesões bulky) 397–398 e estiva do prognóstico 47
metástases cerebrais 397 e paternalismo. Ver Paternalismo médico: e relação
sangramento tumoral 396–397 médico-paciente
síndrome de compressão brônquica 1 85, 192, 396 modelos de 35, 864–875
síndrome de compressão da veia cava comparação entre os modelos 869–875
superior 395–396 deliberativo 866, 872–873
síndrome de compressão medular 395 exemplos clínicos 867–869
intuito informativo 865–866, 871–872
aumento da sobrevida global 393 interpretativo 866, 872
controle local 393 paternalista 865
paliação de sintoma específico 393 Relatório Belmont 741, 750, 759, 762, 867
tratamento radical no paciente Relatório Remmelink 798–799
oligometastático 393, 398 Relaxamento assistido por biofeedback
princípios da indicação e dos efeitos adversos da 392 no tratamento da dor 131
Ramsay Sedation Scale Relaxantes musculares
na sedação paliativa 309 no tratamento da dor 136
Rawls, John 738, 743 Religião e espiritualidade em cuidados paliativos
Reabilitação pulmonar 187 definição 534
Recursive Partitioning Analysis (RPA) 397 e conflitos com familiares 654
Recurso Extraordinário n.º 566.471 904–905 e eutanásia e suicídio assistido
Recusa terapêutica 635–636, 760, 833 doutrina católica 808
aspectos legais em fim de vida 534–536
morte na perspectiva das diferentes religiões 540–548 associados a feridas de pele 323–324
Budismo 545–546 tumorais 396–397
Cristianismo 540–541 tratamento radioterápico 397
Espiritismo 547 Santidade da vida 773, 808
Hinduísmo 544–545 São Martinho de Tours 6
Islamismo 543–544 São Tomás de Aquino 737, 808
Judaísmo 541-543 Saúde mental do cuidador 665–679
religiões afro-brasileiras 547–548 Saúde mental do profissional 665–679
Renan Grimaldi, caso 895 Saunders, Cicely 5, 68, 128, 540, 711
Resiliência 567, 572, 580–581 Score Index for Radiosurgery (SIR) 397
Resolução CFM n.º 1.805/2006 8, 351, 760, 850 Screener and Opioid Assessment for Patients with
e decisões judiciais 852 Pain (SOAPP) 632
e nutrição e hidratação artificiais 853–854 Seattle Heart Failure Model (SHFM) 422
e ortotanásia 781, 851–855 Sedação paliativa
Resolução CFM n.º 1.973/2011 8 checklist da Associação Europeia de Cuidados
Resolução CFM n.º 1.995/2012 8, 843–844 Paliativos 310
e decisões judiciais 846–847 definição 302
e eutanásia e suicídio assistido 844–845 e Doutrina do Duplo Efeito 854–855
e princípio dos melhores interesses 846 indicações 305–306
Resolução CFM nº 2.173/2017 879-880, 888 intermitente e contínua 302
Resolução CFM nº 2.232/2019 752 medicações utilizadas 307–308
e julgamento substituto 839 monitorização e nutrição 310
e objeção de consciência 756, 801-802 noções gerais práticas 304–305
e princípio dos melhores interesses 841 pré-requisitos da equipe e dos familiares 306–307
e recusa terapêutica 760, 838–840 primária e secundária 302
Resolução Cremesp n.º 355/2022 8, 351–352, 755, 850 sedação proporcionada 302
e extubação paliativa 855 sugestão de protocolo clínico 308–309
e ortotanásia 781, 852–853 superficial e profunda 303
Resolução nº 41/2018 do Ministério da Saúde e Comis- usos inadequados 306
são Intergestores Tripartite 7, 29, 61, 707, 849 Sentido da vida 581, 764
Respiração ruidosa (sororoca) 195–196 Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) 499–500
definição 182 Shivá 542
em cuidados paliativos pediátricos 465 Simplified Acute Physiology Score (SAPS III) 500
Respiratory Distress Observation Scale (RDOS) Sindicância ético-profissional 846, 917–921
360–361 definição 917–918
Richmond Agitation Sedation Scale (RASS) Síndrome da dor regional complexa 90
na sedação paliativa 309 e bloqueios nervosos 151, 153, 155
Rifampicina e dispositivos implantáveis para o controle da dor 158
no tratamento do prurido colestático 101–102 Síndrome das pernas inquietas 495–496
Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Síndrome de compressão brônquica 185, 192, 396
Suplementar 895 tratamento radioterápico 396
desdobramentos recentes: taxativo vs Síndrome de compressão da veia cava
exemplificativo 907–909 superior 395–396, 436–437
Role model 688 e dispneia 184
Role play 688 tratamento radioterápico 395–396
Ross, William David 749 Síndrome de compressão medular 148, 395, 437–438
Rousseau, Jean Jacques 740 tratamento radioterápico 395
Royal Victoria Hospital 5 Síndrome de Leser-Trélat 94
RPA SDM Toolkit 490 Síndrome de Sjögren 92, 114–115
Síndrome do membro fantasma 153
S Síndrome miofascial crônica 159
Sinergismo analgésico 132
Saliva, funções da 113 Sintoma de difícil controle
Samsara 545 definição 303
Sangramentos Sintoma refratário
definição 303 e o caso Vacco v. Quill 780, 809–811
Sintomas psicológicos e comportamentais nas demên- na Holanda 795–801
cias (SPCD) 520–522 critérios legais 813
e estresse do cuidador 678 estatísticas 798–800
tratamento 522–524 recusas médicas 801
farmacológico 520, 522 vagueza da lei 796–797
não farmacológico 520–521 na legislação do Brasil 855–856
Sistema Único de Saúde Código Penal 855–856
cuidados paliativos no 28–32 Lei n.º 13.968/2019 856
Skin Changes at Life's End (SCALE) 317–318 nos Estados Unidos da América 780
Sonda nasoenteral 383 critérios legais em Oregon 813
em geriatria e quadros demenciais 523 possíveis mecanismos de controle 811–815
SPIKES (protocolo de comunicação) 608–609, 625 segundo as teorias morais 807–811
em encontros familiares 646, 657 doutrina católica 808–809
na definição do prognóstico 39 ética kantiana/deontológica 809
SPIRIT (ferramenta para avaliação espiritual) 551, 553 utilitarismo 807–808
Splitting 630 Suporte artificial de vida
St Christopher’s Hospice 5, 6, 27, 68, 453 definição 352, 775-776, 880
Stent bronquial 185, 192 Suporte espiritual
Streptococcus viridans 107 em cuidados paliativos pediátricos 461
Substitutos salivares 118 e tomada de decisão em fim de vida 535–536
Sudorese 104–107 intervenções específicas 554–555
definição 90 papel do médico 548–550
e câncer 105–106 Supositórios e enemas
e HIV/AIDS 105 no tratamento da constipação 214
e hormonioterapia 90, 105–106 na doença renal crônica 496
e opioides 105, 107 por uso de opioides 144
tratamento farmacológico 106–107 Supportive and Palliative Care Indicators Tool
tratamento não farmacológico 105–106 (SPICT) 18–19
Suicídio assistido 773–818 em doenças cardiovasculares 422–424
argumentos contrários 792–807 Surfactantes
argumentos deontológicos 793–794 no tratamento da constipação 212–213
banalização do homicídio 806 Swinging pendulum of awareness 38–39
"declive escorregadio” ou slippery slope
794–801, 816 T
desvirtuar a medicina 792–793
eugenia e prejuízo a idosos, deficientes e outros Tahará 542
pacientes vulneráveis 796–797, 805, 815–817 Talidomida
haveria outras alternativas 802–803 no tratamento do prurido 103
pedidos seriam decorrentes de quadros depres- Tarefas de fim de vida/espirituais 49, 230, 536, 543, 572, 577
sivos 803–804, 814 Teoria da lei natural 737
risco de perda do direito à ortotanásia 806–807 Teoria das tarefas de luto de William Worden 578–579
sentimento de “dever de morrer” e o prejuízo à Teoria do Apego 574–575
autonomia do paciente 804–806 Teoria do contrato social de Rawls 738
argumentos favoráveis 789–791 posição original 738
compaixão 790–791 véu da ignorância 738, 743
diminuir a ilegalidade 791, 799 Teoria psicanalítica freudiana 573–574
direito à autonomia 789–790 Teorias morais 729–746
cenário atual no mundo 779–781 como avaliar uma teoria moral 743–744
definição 778 definição 729–730
diferenças para ortotanásia 782–789, 792–793 Terapia cognitivo-comportamental
tese sobre a 14a emenda 809–811 em transtornos depressivos em cuidados paliativos 253
e a visão da American Medical Association 781, 786, 792 Terapia comportamental dialética 631
e a visão do Conselho Federal de Medicina 781, 786, Terapia da dignidade de Chochinov 554-555
792–793, 844, 856 Terapia de ativação comportamental
em transtornos depressivos em cuidados paliativos 253–254 e princípio dos melhores interesses 828, 840–841
Terapia de casal e recusa terapêutica 635–636
em transtornos depressivos em cuidados paliativos 255 e religião 535–536
Terapia de redução de estresse baseada em mindfulness no Cristianismo 541
em transtornos ansiosos em cuidados paliativos 233 no Hinduísmo 545
Terapia do Transtorno do Luto Prolongado (TTLP) 591–593 no Islamismo 544
Terapia familiar no Judaísmo 543
em transtornos depressivos em cuidados paliativos 255 e valores do paciente
Terapia interpessoal perspectiva de futuro 765–766
em transtornos depressivos em cuidados paliativos 253–254 qualidade de vida 763–765
Terapia ocupacional na deontologia médica brasileira 840–849
no tratamento da dispneia 187 Resolução CFM n.º 1.805/2006 8, 760, 781,
no tratamento da fadiga 175 851–855
Terapia renal substitutiva Resolução CFM n.º 1.995/2012 8, 843–846
contínua 499 Resolução CFM n.º 2.232/2019 760, 841
definição 488 Resolução Cremesp nº 355/2022 8, 781, 850,
Terra Pura, Budismo 546 852–853, 855
Terri Schiavo, caso 656, 781–782 quantidade vs qualidade de vida 49, 763–765
e definição de morte 775 Toracocentese 184
Testamento vital 843–844 Tosse 192–194
definição 842 definição 181
e eutanásia 795–796 principais causas 192
segundo a Resolução CFM n.º 1.995/2012 843–844 tratamento farmacológico 193–194
Teste de vazamento do balonete (cuff leak test) 365 Transfusão de concentrado de hemácias
Texas Revised Inventory of Grief (TRIG) 589 no tratamento da fadiga 174
Tolerância (a substâncias) 137 Transplante e doação de órgãos
Tomada de decisão em fim de vida 649–651 e legislação brasileira 774, 842, 844, 887–888
e aspectos legais e morte encefálica 879, 887–888
Constituição Federal 846, 850 no Islamismo 544
decisões judiciais 847 Transplante renal 488
Lei Estadual n.º 10.241/1999 (SP) 853 Transtorno de adaptação 248–249
Lei Estadual nº 14.254/2003 (PR) 853 Transtorno do luto prolongado 249, 568, 583–586
Lei Estadual n.º 16.279/2006 (MG) 853 critérios da CID-11 586
Lei n.º 10.741 842 critérios do DSM-5-TR 584–585
Projeto de Lei n.º 149/2018 847–849 diagnóstico diferencial 586–589
Projeto de Lei n.º 236/2012 851 diferença para depressão 587–588
e capacidade para consentir 832 diferença para luto normal 586–587
e definição dos objetivos do cuidado 36–37, 48–54 fatores de risco 583
possíveis vieses 51–54 quadro clínico 583–587
formas de mitigá-los 53–54 tratamento 591–593
e desconhecimento da vontade do paciente ou con- Terapia do Transtorno do Luto Prolongado
trovérsia entre familiares 845–846 (TTLP) 591–593
e diretivas antecipadas de vontade 841–844 Traqueostomia 380–382
ordem de não reanimar 844 e extubação paliativa 368
procuração para cuidados de saúde 842–843 Tratamento potencialmente inapropriado 754–755, 833
testamento vital 843–844 definição 755, 776
e discussão precoce 40, 649 e diretivas antecipadas de vontade 845
e estimativa do prognóstico 35–41 e fator de “desgosto” (chagrin factor) 53
e familiar com capacidade questionável 656–657, e judicialização da saúde 895–896
842–843 e objeção de consciência 756–757
e fardo decisório 649–650, 845 e o caso Charlie Gard 755, 757–758
e influência de aspectos psicológicos e e o caso Helga Wanglie 754–755, 757–758
sociais 762–763 e recusa terapêutica 852
e julgamento substituto 779, 828, 840 e resolução Cremesp nº 355/2022 850, 852–853, 855
em quadros demenciais 499–501 Trazodona
no tratamento da ansiedade em cuidados
paliativos 236–240
Trinitrato de gliceril 102
Tromboembolismo pulmonar 184, 187

U
Úlcera
definição 316
Úlcera terminal de Kennedy 317, 320
diferenças para lesão por pressão 320
Unidade de tratamento 59
Unidades de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia (UNACON) 61
Universidade Aberta do SUS 31
Utilitarismo e consequencialismo 731–732
e autonomia do paciente 758–759
e eutanásia e suicídio assistido 807–808

V
Vacco v. Quill, caso 780, 809–811
Valores do paciente
na definição dos objetivos do cuidado 49–50
quantidade vs qualidade de vida 763–765
VALUE (estratégia de comunicação) 647
Ventilação não invasiva 188–189
Vervoot, Marieke 815–816
Vitamina E
na prevenção de câimbras 496

X
Xerostomia 109, 113–118
definição 92
e anorexia 168, 169
em pacientes com quadros demenciais 524
etiologias e fisiopatologia 114–116
quadro clínico 113–115
tratamento 115–118
Apêndice
Quando o acolhimento abraça o sofrimento
humano: sugestão de prática de ninho humano
para acolhimento em cuidados paliativos
Milene Derzete da Cunha

O abraço que não quer mais terminar; a mão que aperta e deseja registrar para sempre
o toque e aquele calor; o carinho no rosto; os dedos que percorrem os cabelos. Desejamos
permanecer naquele momento com o ser amado para sempre. Mas o ciclo está finalizan-
do: aquele corpo está morrendo. E daqui a pouco precisaremos nos despedir dele.
Independente da resiliência que o paciente apresenta e da forma singular que cada
um enfrenta um processo de adoecimento – das dores aos demais desafios que com-
põem esse cenário –, sabemos que o isolamento ou o abandono exacerbam transtornos
como a ansiedade e a depressão. Além disso, também é notório que a separação está no
cerne de grande parte do sofrimento mental1. Emocionalmente fragilizados por conta
da doença, e muitas das vezes sozinhos no ambiente hospitalar, o enfermo padece do
que vivencia como seu próprio desaparecimento. Muitas vezes, não há quase nada no
ambiente hospitalar que lhe transmita tranquilidade e segurança emocional. Por isso, é
fundamental que possa contar com a empatia da equipe de saúde, o que pode também
incluir o toque compassivo e fraterno. O sentido tátil, que é infinitamente menos precio-
so para o homem que vê, torna-se, em momentos críticos, a principal, se não a único,
forma de entrar em contato com a realidade2.
Conexões sociais influenciam na promoção da felicidade3. Por isso, em momentos de
sofrimento, percebemos o que realmente importa na vida: um aperto de mão acolhedor,
um afago no ombro, uma presença de um amigo ou parente, uma história para se dis-
trair. O toque afetivo fornece ao cérebro a percepção da presença do outro, sendo que a
qualidade emocional do toque suave e nutritivo é um sentimento importante que medeia
boa parte da interação social4. Segundo Jaak Panksepp, um dos mecanismos do apego
envolve a substância cinzenta periaquedutal, área do cérebro muito próxima à região
que produz respostas físicas à dor, sugerindo que ambos os fenômenos podem ter circui-
tos cerebrais compartilhados5. Assim, se o indivíduo está só, sem um adequado suporte
emocional, no momento de angústia, pode ter seu quadro de dor exacerbado, levando a
um grande sofrimento no fim da vida.

A2
Em estudo com modelos animais, Antonia Vitalo6 estudou roedores que sofreram
queimaduras dispondo-os em um ambiente confortável, aquecido e com suporte grupal
de seus pares, comparado a um ambiente com as características opostas. Observou-se
que o isolamento social e outros fatores de estresse tiveram impacto negativo na recu-
peração das lesões, achado que se associou a alterações do eixo hipotálamo-pituitária-a-
drenal (HPA). Os pesquisadores concluíram que a provisão de um ambiente enriquecido
pode otimizar a cicatrização de feridas em ratos submetidos a queimaduras.
Uma pergunta surge desses achados: do que consiste esse estímulo sensorial presente
em tais pesquisas. Uma hipótese seria um efeito do toque afetivo ou emocional associado a
uma resposta de relaxamento desencadeada pelos estímulos táteis. O toque afetivo é uma
maneira de entender o desenvolvimento do cérebro social normal. Este sistema recen-
temente investigado consiste em fibras nervosas acionadas pelo mesmo tipo de carinho
amoroso que uma mãe dá a seu filho. Pesquisas sugerem, portanto, que os mecanismos
neurobiológicos do apego podem ter um papel muito mais significativo no comportamen-
to humano do que antes se pensava, formando conexões e aumentando as chances de so-
brevivência4. De acordo com a psicóloga Lydia Denworth, essas conexões também podem
ajudar a construir e integrar um senso de si e de outros, informando nossa consciência de
nosso próprio corpo e permitindo que nos relacionemos com as pessoas ao nosso redor.
Ademais, estudos também demonstram que médicos que tocam seus pacientes são
classificados como mais atenciosos, enquanto seus pacientes têm níveis reduzidos de
hormônios de estresse e melhores resultados no tratamento7.

Enriquecimento ambiental e estudos com modelos de animais


O enriquecimento ambiental (EA) é um paradigma experimental usado para explorar
como um ambiente complexo e estimulante pode impactar a saúde em geral7 e afetar
os padrões de expressão gênica e os comportamentos dos organismos-modelos8. É uma
combinação de duas frentes de mudança no ambiente externo: o enriquecimento social,
que diz respeito aos laços interpessoais; e o enriquecimento ambiental, que diz respeito
aos estímulos ambientais que estão ao redor do indivíduo, no seu local de residência, no
seu quarto, no seu local de trabalho e/ou no local de estudo9.
O principal objetivo do EA é proporcionar aos animais de laboratório uma melhor
escolha de atividade e um maior controle sobre os fatores de estresse social e espacial.
Os efeitos gerais são comumente relatados como ansiolíticos, melhorando a cognição, a
neuroproteção e a neuroplasticidade10.
Estudos com roedores demonstraram que o EA altera a densidade microglial e a com-

A3
plexidade da ramificação neuronal no giro dentado, além de induzir neuroplasticidade
tanto no sistema nervoso central (SNC) intacto quanto no sistema nervoso central le-
sionado, regulando os fatores neurotróficos e aumentando a neurogênese, a aprendiza-
gem e a memória10. Também promove o comportamento de fixação através de seu efeito
sobre os níveis de oxitocina no hipocampo e outras regiões cerebrais, que por sua vez
modulam o eixo HPA6.
Assim, supõe-se que o EA provoca diversas mudanças no SNC que podem se manifes-
tar na melhoria da saúde comportamental e emocional11,12. Embora os modelos animais
não reproduzam fielmente o cérebro humano, extremamente mais complexo, pode-se
supor que o EA também tenha valor terapêutico na saúde mental humana. Por exemplo,
os parceiros sociais são importantes tanto para os animais de laboratório quanto para
os seres humanos12, que experimentam uma deterioração de seus laços sociais em de-
terminadas situações na vida. Uma pluralidade de pesquisas sugere que essas situações
podem resultar na manifestação de doenças físicas e emocionais, devido a mecanismos
biológicos induzidos pelo estresse e mecanismos de enfrentamento11.

Proposta da TeRest de ninho humano para pacientes em cuidados paliativos


Em 2003, 29,9% da população brasileira reportou ser portadora de, pelo menos, uma do-
ença crônica. Entre os idosos, a prevalência atinge 75,5%. Com a doença crônica ou termi-
nal, o paciente não enfrenta somente a dor física, mas também as emoções que acompa-
nham o processo, como medo, angústia e ansiedade13. A proposta da TeRest é de facilitar
ao paciente acamado um protocolo de atendimento com técnica que aciona a resposta do
relaxamento, oferecendo suporte emocional através do uso de materiais macios e con-
fortáveis para uso no leito ou em camas em propostas de pausa seguidas de relaxamento.
A TeRest busca acionar em seus praticantes estados de segurança no organismo,
quando este percebe estabilidade e quietude no ambiente através da prática de posturas
acolhedoras e uso de materiais que propiciam conforto e suporte ao acamado14. Ao apli-
car a técnica baseada em dispositivos da Medicina Mente-Corpo, aciona-se a resposta do
relaxamento, criando sentimentos de contentamento. Com a resposta do relaxamento
acionada, o paciente se beneficia de forma física, mental e social15-17. O paciente ou gru-
po terapêutico em contato com a TeRest é introduzido a um espaço que se baseia em es-
tudos sobre estress – conduzidos por Walter Cannon e Hans Selye –, sobre a resposta do
relaxamento – proposta por Herbert Benson – e sobre neurociência afetiva – publicados
por Jaak Panksepp15,16. Além disso, também se baseia no Método Restaurativo, que vem
sendo construído no Brasil desde 2008.

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A TeRest demonstrou melhorar a qualidade de vida em ambientes de dor e sofrimento
físicos e psíquicos trazendo alívio e relaxamento aos pacientes, inclusive em territórios
com situação de vulnerabilidade, reduzindo efeitos da ansiedade de separação, diminuin-
do o medo e aumentando sentimento de segurança e suporte14,17,18. Resultados de estudos
realizados entre 2015 e 2018 em intervenções de 4 dias que utilizaram o instrumento WHO-
QOL mostraram aumento considerável de qualidade de vida em 145 participantes18.
É importante destacar que trabalhar com a intervenção de relaxamento conhecida
como restauração – o descanso orgânico seguido de meditação – é também uma maneira
de liberar as emoções negativas psicossomatizadas. Quando o paciente entra em contato
com essas emoções, deste modo, é possível deslocar o foco dos pensamentos automáticos
negativos, que causam angústia, ressignificando seu conteúdo para que o complexo corpo-
-mente "entenda" que não é mais preciso estar no ‘modo sobrevivência’. Assim, é possível
estar em contato com a realidade sem as respostas de luta-fuga originadas pelo medo,
dando mais espaço para os pensamentos adaptativos positivos e, como consequência, per-
ceber um corpomento mais claro, criando-se um espaço para melhores escolhas.

Mecanismos das emoções e afetos segundo as neurociências afetivas


O neurocientista Jaak Panksepp dedicou seus esforços acadêmicos para compreender
a natureza das emoções e suas relações com os distúrbios psíquicos humanos, a partir
das emoções básicas em mamíferos. Criou o conceito de neurociência afetiva, a partir de
investigações sobre afetos animais e implicações nos sentimentos humanos. Panksepp
descreveu sete “sistemas afetivos” relacionados aos sentimentos primários de busca/ex-
pectativa, fúria, medo/ansiedade, impulso sexual, cuidado, pânico/luto e alegria13. Nesse
modelo, há um conjunto de emoções básicas inatas que é automaticamente estimulado
pelo contato com o mundo. O pesquisador realizou estudos sobre conexão social e ape-
go, em que identificou a neuroquímica envolvida no “estresse da separação”19.
Segundo Panksepp, as áreas principais envolvidas no sistema límbico são: amígdala,
hipocampo, área septal, área pré-óptica, hipotálamo e substância cinzenta periaquedutal.
Essas regiões seriam fundamentais na elaboração dos processos emocionais característi-
cos das espécies mamíferas, incluindo os comportamentos pró-sociais como nutrição ma-
terna e de cuidado, além de outros comportamentos e reaçõe emocionais como estresse
pós-separação, jogos e várias outras formas de competição e de sociabilidade20.
Para Panksepp, comportamento é o aspecto da emoção relacionado à ação ou ao mo-
vimento, pelo qual o indivíduo lida ou soluciona um problema relevante à sua sobrevi-
vência. Por exemplo, um animal, ao se deparar com um predador, é tomado pela emoção

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do medo. O medo, por sua vez, pode ser entendido como uma estratégia evolutivamente
desenvolvida que capacita o animal a fugir ou evitar situações ameaçadoras à sobrevi-
vência. De acordo com os riscos envolvidos, o comportamento pode ser lutar, correr ou
fugir, congelar ou desmaiar. Mudanças fisiológicas específicas, portanto, ocorrem para-
lelamente a este comportamento, correspondentes à emoção de medo que se inicia no
encéfalo. Alguns neurotransmissores são liberados, como o neuropeptídeo Y, que, entre
outras funções, reduz a percepção do evento. Segundo as neurociências afetivas, o as-
pecto afetivo relaciona-se ao sentimento ou à consciência de um estado, que, no caso de
uma emoção, seria o “afeto emocional”, ou seja, a vivência ou a experiência da emoção.
No exemplo de situação citado, esse afeto é o medo20.

Sugestão de prática de enriquecimento ambiental e toque afetivo para pacientes em cui-


dados paliativos
Abaixo iremos demonstrar sugestões de materiais encontrados em ambiente hospita-
lar e clínicas. Na sequência, são apresentadas três posturas e uma legenda com passo-a-
-passo para realizar o acolhimento construindo o "ninho humano".

MATERIAL PODE SER ENCONTRADO EM HOSPITAIS OU CLÍNICAS: ROLO - PARA DAR SUPORTE À COLUNA E PERNAS; TRAVESSEIRO -
PARA DAR SUPORTE À COLUNA CERVICAL E PUNHOS; TOLHA - PARA DAR SUPORTE À COLUNA CERVICAL, PUNHOS E COBRIR OS OLHOS;
TRIÂNGULO - PARA DAR SUPORTE AO TRONCO E PERNAS; MANTA - PARA COBRIR OU PARA DAR SUPORTE À CERVICAL.
FONTES: ISTOCK/MARIANVEJCIK, POPOVAPHOTO, FLOORTJE, SEYITALI E CHIARI_VFX.

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1. Decúbito dorsal: usar uma manta confortável debaixo da cabeça, suporte para joe-
lhos, tornozelos e mãos. Usar um pesinho na mão e toalha nos olhos.

PARA O VÍDEO
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O QR CODE:

FONTE: REPRODUZIDO COM PERMISSÃO DA AUTORA DO LIVRO SUPER DESCANSO. SÃO PAULO: MATRIX EDITORA; 201616.

2. Decúbito lateral: use um travesseiro para o paciente abraçar, outro entre as pernas
e um terceiro nas costas. Use uma manta ou toalhas para dar altura à cabeça e cubra os
olhos. Sempre deixe o paciente quentinho e nunca passando frio.

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3. Sentado: eleve a cabeceira da cama ou utilize um triângulo nas costas. Utilize uma
manta ou almofada para apoiar os braços e coloque um rolo debaixo dos joelhos. Colo-
que uma toalha macia debaixo do pescoço, cubra os pés e os olhos.

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Considerações finais
Em modelos animais, o EA pode gerar mudança de comportamento e apresentar be-
nefícios para a saúde física e mental. É possível supor que o mesmo resultado pode ser
observado no ser humano. Diante de doenças ameaçadoras à vida, a sensação de fragili-
dade, a insegurança e o medo do futuro são emoções comuns nos pacientes e dificultam
ainda mais o momento, causando desesperança e dificultando a adesão ao tratamento.
Assim, técnicas que produzam acolhimento e possível diminuição da ansiedade e do so-
frimento emocional podem ser de grande valia para auxiliar o paciente a atravessar esse
delicado e sensível momento. A prática da técnica TeRest sugerida neste texto pode ser
realizada em clínica, ambiente hospitalar ou em casa com intenção de evocar o acolhi-
mento afetivo e, através da presença, do toque emocional, do aquecimento e do conforto
de mantas e de outros materiais, abraçar o momento e eternizá-lo em forma de carinho,
silêncio, respeito e amor por seu paciente ou familiar.

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Referências
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