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Christina Dodd
Série Cavalheiros 01
Tradução/Pesquisa: GRH
Revisão Inicial: Lica Antunes
Revisão Final: Ana Júlia
Leitura Final: Ana Cris
Formatação: Ana Júlia
Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Resumo
A vida de Alisoun corre perigo, está ameaçada por
perturbam.
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Capítulo 01
Eu presenciei tudo, do princípio ao fim, e rogo que observem que hoje em dia não
sobram muitos homens que possam dizer o mesmo. Quase todos, quando ouvem falar
disso, dizem que é uma lenda, um romance, uma dessas histórias tolas que as mulheres
inventam para entreter-se. Eu juro que vi tudo e, seja o que for que tenham ouvido, é
verdade.
Mais que isso, o que tenham ouvido é somente a metade da verdade.
A primeira coisa que lembro é o almoço campestre. Oh, claro que houve outros
incidentes, mas eu era só um menino, um pajem da casa de lady Alisoun. Dormia com os
outros pajens, treinava com eles, orava com os outros pajens e, com grande esforço,
escrevia uma carta aos meus avós uma vez a cada lua, e lady Alisoun a lia. Dizia-me que
a lia para comprovar se eu tinha melhorado, graças a minhas lições com o sacerdote.
Naquele tempo, naquele tempo acreditei, embora agora suspeite que a verdade fosse
outra: que as lia para saber se eu era feliz aos seus cuidados.
Eu era, embora meu contato com ela se limitasse a essa conversa mensal com
respeito a meus progressos em minha aprendizagem para ser escudeiro. Eu sabia que
podia me converter em escudeiro, mas aspirava coisas maiores. Aspirava à sagrada
cavalaria. Era a honra maior ao qual poderia ter acesso. Era meu sonho mais caro, meu
maior desafio, e me fazia concentrar toda minha atenção nos estudos, porque estava
decidido a ser cavalheiro algum dia.
Por isso necessitei desse fatal almoço campestre para saber dos problemas que
buliam na casa de lady Alisoun.
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Uma tola aldeã gritou, e lady Alisoun girou e lhe cravou a vista: imediatamente se
fez silêncio. A senhora esperava um comportamento apropriado por parte de todos os
habitantes de sua propriedade e, em geral, obtinha-o.
Continuando, perguntou às moças:
—Quem a apanhou?
—Um homem... Um homem — ofegou uma delas.
Mas Heath, a donzela principal, adiantou-se e beliscou o braço da moça.
—Fala. Que homem?
—Um desconhecido.
Ouvi que a donzela pessoal de lady Alisoun murmurava uma prece.
Sir Walter exclamou em voz alta:
— Um desconhecido levou lady Edlyn?
Não se levantou para formular a pergunta, nem deu nenhuma outra amostra de
inquietação, e eu confirmei o muito que me desagradava. Dava-se ares de
superioridade, mas não era mais que um cavalheiro, ao qual lady Alisoun tinha elevado
à categoria de mordomo. Embora se supusesse que era o responsável por manter a
segurança nas propriedades da senhora, quase não podia se soltar da mulher o tempo
necessário para demonstrar respeito.
Ao olhar em torno, vi a mesma expressão de desagrado refletida em todos os
semblantes.
Contivemos o fôlego esperando a reprimenda de lady Alisoun. Por mais que fosse o
paradigma das damas, era capaz de reduzir um homem adulto às lágrimas com umas
poucas palavras bem escolhidas.
Mas, nesta ocasião, não o fez. Limitou-se a olhar sir Walter com esses olhos de
estranha cor, julgando-o para si. Talvez me perguntem como eu sabia, mas sabia, e
também sir Walter, porque esse robusto safado das terras baixas ficou de pé a tal
velocidade que sua mulher caiu para trás e bateu a cabeça contra uma rocha.
Bem merecido, a rameira.
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Quando sir Walter esteve de pé, desatou-se uma atividade enlouquecida. Organizou
partidas de busca, mandando os aldeãos a diversas partes do bosque, a procurar lady
Edlyn. Eu também queria ir. Saltava em um pé, agitava a mão e, finalmente, disse, mas
ele me negou a honra de me unir à busca. Com esse bufo desdenhoso tão ofensivo, disse
que devia ficar com as mulheres.
Eu não lhe agradava porque acreditava que eu não sabia qual era meu lugar. Na
realidade, eu sabia. Não o ocupava, mas o conhecia.
Sir Walter se empenhou em ir pessoalmente com os rastreadores ao ponto onde
tinham raptado lady Edlyn. Eles a buscariam e teriam mais oportunidade de encontrá-
la, e sir Walter queria participar para impressionar lady Alisoun.
A senhora estava sentada sozinha, sobre uma manta, no meio do prado. Usava uma
túnica branca bordeada de azul. Não era prática, mas esse dia constituía um símbolo
para seu povo. Era como uma antiga deusa da terra e a Virgem Maria ao mesmo tempo,
convocando esperanças de um verão próspero, depois de dois longos anos de seca. Sua
touca branca se rendia para trás, deixando ver debaixo uma boina azul. Através dos
laços da túnica branca se entrevia uma longa camisa azul. Quando ela elevava suas
largas mangas brancas, caíam para trás deixando ver o forro azul. A ninguém ocorria
pensar se era bonita ou não. Simplesmente, era. Era a senhora. Estava sentada com as
costas reta, a expressão serena, as mãos relaxadas sobre o colo.
Não disse nada, e ela tampouco, assim reatei a tarefa de limpar a imundície que
tinham deixado duzentas pessoas celebrando a volta da primavera. Ao redor,
montículos de erva pisoteada emitiam uma fresca fragrância. Cestas derrubadas se
derramavam sobre a terra, e as formigas se apressavam a saquear seu conteúdo.
Lady Alisoun me ignorou por um momento, e eu quase me esqueci de sua presença.
Afinal de contas, eu tinha onze anos, e tinham me deixado com um excesso de sobras de
comida que, além disso, tampouco era a de todos os dias. Todas as mulheres tinham
usado até o último de suas provisões especiais para este almoço em especial, e tinham
preparado pães de mel, frutas confeitadas e aguamel. A princípio, comi com cautela,
voltando a guardar a comida nas cestas depois de um ou outro bocado. Mas logo,
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—Sim, minha senhora. —Limpei meu nariz na manga e reatei a tarefa de encher as
cestas. Balbuciei— Alguém a esfolou viva, e a cravou na porta do castelo.
—Sir Walter achou que foi casualidade que se tratasse de meu gato preferido.
Interrompi-me e a olhei fixo:
—Não era? Porque se alguém sabia que era sua gata, significa que esse alguém devia
ser um de nós, dos que vivemos com você, e nenhum de nós faria semelhante coisa,
minha senhora.
A senhora aceitou meu argumento com um cortês assentimento.
—Não, não é alguém que vive comigo, mas sim que me conhece. Pergunto-me isso...
—Passeou o olhar pelo bosque que nos rodeava — ...Porque Edlyn usava minha capa
quando entrou no bosque.
Não me ocorreu nenhuma réplica. Só o que soube foi que lady Alisoun e eu
estávamos sozinhos ali fora. O castelo de George 's Cross ficava a umas boas três léguas
para o sul e ao leste. Minha senhora estava em perigo. Pior ainda, estava no topo da
colina, exposta ao perigo, como uma tentação para qualquer vilão à espreita, e eu era
seu único protetor. E embora eu tivesse sonhado com o dia em que me tocasse defender
a uma dama em perigo, teria preferido ter outra arma, além de um frasco de mel.
Os pássaros cessaram de cantar. Os arbustos rangeram. Levantei-me de um salto,
aferrando um grosso pau. Um homem saiu correndo do bosque em direção a lady
Alisoun. Eu me precipitei a me interpor entre eles, disposto a defendê-la... E sir Walter
me lançou a um lado com um golpe na cabeça.
Através do zumbido nos ouvidos ouvi:
—Te afaste de meu caminho, pequeno bastardo.
Levantei-me com dificuldade, preparado para arranhar e morder como fazia cada
vez que alguém se referia ao meu nascimento, mas o tom frio de lady Alisoun me
deteve.
—Sir Walter, não voltará a chamá-lo assim nunca mais. - Balancei-me e esperei,
desejando que a desafiasse. Mas não o fez. Em troca, respondeu imediatamente:
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—Claro que não, minha senhora, se isso lhe desagrada. Trago novidades
importantes! Encontramo-la.
Disse-o como se tivesse feito algo grandioso, quando na realidade, se tivesse
começado por cumprir com seu dever, ninguém teria raptado lady Edlyn. Lady Alisoun
sabia e ele também, pois quando lhe cravou a vista, ele se ruborizou.
—Ato está morto — adicionou sir Walter, já sem tanta euforia.
—Isso espero. —Sem fazer caso da mão que lhe estendia para ajudá-la, ficou de
pé— Por seu bem. —Os gritos chegavam de um ponto do bosque, e para ele se dirigiu—
Está muito ferida?
—Não... —esclareceu a voz—... Não muito.
Ficou olhando-a, como se estivesse indeciso com respeito ao seguinte movimento
estratégico. Eu, em troca, saltei sobre os restos do picnic arruinado para segui-la, e ele
foi atrás de mim. Tentou me agarrar e me pôr atrás dele, no atalho que rodeava os
arbustos, mas fui muito ágil para ele. Saltando a um lado evitei o matagal, adiantei a
lady Alisoun e desde esse momento até que chegamos junto a lady Edlyn, ocupei-me de
afastar os ramos baixos e de ajudá-la nos lugares acidentados.
Tentando captar sua atenção, sir Walter disse em voz alta:
—Como você temia um homem a apanhou quando ela jogava com outros. —Sua voz
se voltou mais baixa e autoritária— É muito velha para semelhantes tolices. Tinha que
ficar junto com as mulheres.
Bom, eu já conhecia esse tipo de tática... Eu mesmo a empreguei algumas vezes!
Consistia em transpassar a culpa a outra pessoa para confundir as coisas. O que ele
ignorava era que lady Alisoun tampouco tolerou de minha parte.
—Quando precisar seu conselho com respeito aos jovens que protejo, pode estar
seguro de que lhe pedirei isso, sir Walter.
Soltou com muita brutalidade um ramo, que deu no rosto do mordomo.
—Bom disparo, minha senhora — balbuciei, e ela fingiu não me ouvir.
Apertou o caminho em direção ao lugar de onde chegava o rumor de uma excitada
conversa.
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Uma coisa que se podia dizer de sir Walter era que não pescava uma insinuação.
Como um urso que tiram de sua toca, caminhou entre os arbustos grunhindo.
—Minha senhora insisto...
—Depois, sir Walter.
—Mas já sabe o que penso. —Conseguiu ficar diante e se plantou no caminho, entre
ela e eu— Se não as trouxesse, isto jamais teria acontecido.
Vi o que aconteceu a seguir. Lady Alisoun, nossa serena lady Alisoun, fechou os
punhos e logo os afrouxou lentamente. Surpreendi-me soltando o fôlego longamente
contido.
Falei que era uma mulher alta? Bom, era alta e esbelta e, de vez em quando,
aproveitava essa altura em seu benefício. Naquele momento, ergueu-se e olhou sir
Walter nos olhos.
—Já falamos sobre isto.
Minha opinião sobre sir Walter se empobreceu mais ainda quando ele seguiu
tagarelando com esse tom tal altivo e masculino:
—E você já sabe qual é minha convicção. Vai contra as leis do homem e de Deus
interpor-se...
—Não tenho interesse em sua opinião. —Remarcou as palavras com precisão— Se
lhe parecer que não pode conciliar sua consciência com minhas ações, é um homem
livre e um perito cavalheiro. Poderia recomendar seus serviços a outros nobres aos
quais pudesse respeitar mais.
O rosto corado de sir Walter perdeu a cor, e seus olhos azuis pareceram se
sobressair.
—Minha senhora! Estou a mais de trinta anos vivendo em George 's Cross e fui seu
mordomo desde a morte de seus pais.
—Por isso, detestaria lhe perder.
Quase perdidos em meio da barba, os lábios do homem se moveram sem som. Seu
peito abundante subiu e baixou, e na testa pulsou uma veia a ritmo veloz. Essa
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se esticava para lhe tocar a saia como se ela fosse um ícone que tivessem levado para a
procissão de uma festividade religiosa. Como já disse, ela era o símbolo da segurança e
da prosperidade para George 's Cross. Era uma carga que tinha assumido aos treze
anos, quando seus pais morreram de gripe. Naquele momento, tomou o tempo de
dedicar um sorriso aqui, uma palavra tranquilizadora lá.
Já não existem mais damas com a graça dela.
Por fim, chegou junto à penca de criadas ajoelhadas junto a um vulto que soluçava,
envolto na capa de Alisoun.
—Aqui está ela — anunciou Heath à mulher que chorava— Lady Edlyn, aqui está
ela.
Lady Edlyn se equilibrou para lady Alisoun sem olhar, sequer.
Essa atitude tão impetuosa me surpreendeu. Embora lady Alisoun me brindasse
uma sensação de segurança e de estabilidade, jamais teria me ocorrido procurar
consolo nela. Lady Alisoun cambaleou sob o peso e logo, cautelosamente, como insegura
de si mesma, rodeou lady Edlyn com seus braços. Lady Edlyn insistia em aproximar-se
mais, como se precisasse repousar no coração da senhora para voltar a sentir-se segura.
Eu me armei de coragem e interrompi:
—Minha senhora acredito que não é conveniente que permaneçam aqui. Não é
seguro.
—É seguro — me contradisse sir Walter, que tinha chegado, vermelho e acalorado.
Mas lady Alisoun levantou a vista com expressão reflexiva e se dirigiu só a mim:
—Acredito que tem razão. Retornaremos imediatamente ao castelo, onde estamos
protegidos.
Caminhou muito tempo após. Vivi uma longa vida, mas não houve palavras que me
comovessem mais: Acredito que tem razão.
Se pudesse, sir Walter teria me golpeado outra vez.
—Está se dirigindo a um moço, minha senhora. Eu sou seu mordomo, e afirmo que
não existe ameaça alguma em nenhuma parte de suas terras.
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Antes que lady Alisoun pudesse repreendê-lo por contradizê-la, lady Edlyn se livrou
dos braços dela e se voltou para ele:
—O homem que me apanhou me bateu! —Jogou atrás o capuz da capa, levantou as
tranças do pescoço e mostrou um machucado do tamanho de seu punho— Me bateu —
repetiu— e quando despertei, estava me carregando como se eu fosse um saco de lã.
Quando me debati, ele riu e me bateu de novo... —esfregou o dolorido traseiro— e
quando chegou aqui, atirou-me... Atirou-me com tanta força que... Perdi... O fôlego e...
Esforçou-se por completar o relato, mas o pranto a dominou e eu apertei os punhos
por essa profanação sofrida por meu primeiro amor.
—Basta! —disse sir Walter— Atacaram-lhe, mas o sujeito já se foi, e ele lhe apanhou
acreditando que era lady Alisoun.
Cessou todo ruído, e o horror se pintou em todos os rostos. Satisfeito com a
sensação causada, sir Walter continuou:
—Vimos às marcas na terra. O homem tinha deixado um cavalo esperando-o. Se não
tivesse visto o rosto de lady Edlyn, a teria levado acreditando que era a senhora.
Lady Alisoun disse em tom firme:
—Temos que ir ao castelo imediatamente.
Quando se iniciou o êxodo através do bosque, fiquei perto de meus dois ídolos.
Todos os aldeãos e serventes se amontoaram ao redor de lady Alisoun formando um
escudo humano. Constituíamos um grupo silencioso, atacado por súbitos sobressaltos e
sussurros furtivos, e quando irrompemos na zona limpa que rodeava o castelo ouvi um
suspiro coletivo de alívio.
Eu, por minha parte, tomei a sério meu posto de defensor de minha senhora, e
esquadrinhei ao redor. O bosque, que em outro tempo estava perto do castelo formando
parte de sua defesa, tinha sido afastado há anos. Os sólidos muros externos do castelo
serpenteavam pelas nuas curvas das colinas que davam ao mar. A aldeia se
aconchegava no oco do vale interior que havia mais abaixo. Só ficavam uns penhascos
em meio dos verdes pastos entre as colinas, e neles concentrei minha atenção. Seria
possível que alguém se ocultasse à vista entre os cachos de rochas? Não sabia, e não
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queria averiguar. Comecei a caminhar mais perto de lady Alisoun e lady Edlyn, atrás
delas, lhes pisando aos pés com a frequência necessária para fazê-las avançar
rapidamente para a ponte levadiça, que estava baixa. Por fim, lady Edlyn se voltou, e me
deu um tapa na cabeça, mas eu me limitei a lhe sorrir e me aproximei mais ainda.
Ivo e seus homens começaram a sair pela porta aberta do castelo e, quando os
aldeãos os viram, começaram a dispersar-se pouco a pouco. O medo lhes tinha
contagiado; queriam voltar para suas casas e fechar com barras as portas. Quando
cruzamos a ponte levadiça, só ficavam em nosso grupo os serventes e os guardas
armados do castelo. Lady Alisoun se deteve e esperou até que tivesse passado a maior
parte das pessoas. Agradeceu pela última vez aos aldeãos, levantou a mão em sinal de
despedida... E algo voou pelo ar e lhe acertou.
Eu não o vi, só o ouvi. Ouvi uma vibração, um ruído surdo quando a cravou contra a
porta de madeira, o ruído do tecido rasgando-se quando ela perdeu o equilíbrio e
cambaleou para trás pela força do impacto.
O que sim vi foi que sir Walter se movia mais rápido do que eu o teria acreditado
capaz. Chegou junto a lady Alisoun, agarrou-a pelas axilas e a arrastou após a porta, fora
da vista, sem deixar de gritar aos guardas armados que fechassem a maldita porta, que
fechassem essa condenada coisa em seguida.
Continuando, deixou-a cair sobre a erva, saiu outra vez correndo pelo portão e
desapareceu da vista.
Lady Alisoun levantou o antebraço e eu olhei, horrorizado. Uma flecha tinha
penetrado pela parte pendente da manga, atravessando o tecido com a ponta metálica.
As plumas da flecha, impulsionadas por um arco grande, sem poder sair pelo orifício,
faziam cair à senhora. A flecha ainda pendurava balançando-se, a ponta em uma manga,
as plumas na outra.
O olhar da senhora se encontrou com o meu. Até então, jamais a tinha visto alterada,
e pensei... Bom, não sei o que pensei. Só me pareceu que alguém teria que se encarregar
dela, ao contrário do que estava acostumado a acontecer. Por isso, ajoelhei-me, passei-
lhe a mão sob a cabeça e a coloquei em meu colo.
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O mais provável era que não fosse nada cômodo: naquele tempo eu era muito
ossudo, mas ela suspirou e fechou os olhos como se meu contato lhe proporcionasse
consolo.
—Estou persuadida de que alguém tentou me matar — disse.
Embora as palavras soassem serenas, tremeu-lhe a voz.
A essa altura, as mulheres se reuniram ao redor de lady Alisoun, e os homens
voltaram com sir Walter.
A senhora abriu os olhos, e para mim foi evidente que seu lapso de debilidade tinha
passado. Imobilizando sir Walter com o olhar lhe perguntou:
—Os aldeãos estão sofrendo um ataque?
—Não, minha senhora. —Levantou-lhe o braço e tirou a flecha de um puxão— Só se
disparou uma flecha, e estava destinada a você.
Levantou-a e a mostrou à multidão. Como se o tivessem ensaiado, as mulheres
romperam a chorar ao uníssono, e os homens giraram e sapatearam, como grandes
cavalos de guerra, ansiosos de briga.
Muito satisfeito com a cena que provocaram suas palavras, sir Walter mandou seus
soldados para procurar o culpado. A donzela de lady Alisoun abriu caminho entre a
multidão e se ajoelhou junto a ela. Era uma mulher formosa, e tinha chegado ao castelo
de outra das residências de lady Alisoun, quando esta queria treinar Heath para que
ocupasse o lugar de donzela principal. Eu tinha ouvido as criadas mexericar que lady
Alisoun a havia trazido por generosidade, porque tinha uma filha pequena, mas não
tinha marido, mas não me importava absolutamente isso. Eu só sabia que Philippa tinha
sido bondosa comigo, e agora me agradava muito mais, ao ver que sua primeira
preocupação foi para nossa senhora.
—Alisoun. — Passou as mãos com leveza sobre o corpo de lady Alisoun— Alisoun, a
flecha te alcançou?
Ao que parecia, sir Walter não se afastou muito porque a senhora tinha atraído sua
atenção e voltou a tempo para escutar a pergunta.
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—Deu-lhe na manga, estúpida. —Sir Walter levantou o tecido e colocou seu dedo
gordo pelo buraco— Não vê?
Mas Philippa levantou a mão de lady Alisoun: na palma se formou um pequeno
atoleiro vermelho brilhante, que gotejava pelos longos dedos magros. Sir Walter lançou
uma exclamação, e Philippa levantou a manga da senhora.
—Estúpida? —respondeu ardilosa— Estúpido. Vejamos quanto é o dano.
Continuando, lady Alisoun fez algo do mais estranho: com o braço são aferrou o
decote da túnica da Philippa e aproximou o rosto dela ao seu. Naquele momento, eu não
compreendi o significado dessa conversa, mas a escutei e chegou um momento em que
a compreendi por completo.
Lady Alisoun disse:
—Tenho que fazê-lo, Philippa.
Esta sussurrou:
—Conduzi-te a desgraça.
—Não te atreva a te desculpar! —Foi evidente que lady Alisoun falou em voz mais
alta do que queria. Olhou com desespero sir Walter, que se esforçava por escutar, e
então baixou a voz— Não se trata de ti, mas sim dele. Nunca permiti que um homem me
amedrontasse, e não penso começar a permitir agora. Fiz uma promessa de te proteger
e vou cumpri-la. Vou a Lancaster, contratar o legendário sir David de Radcliffe.
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—Para que?
—Só me conformarei com o melhor.
A nobre dama aceitou um jarro de chifre cheio de cerveja, e contemplou suas
profundidades.
—Quais seriam minhas responsabilidades?
Recebeu o jarro que Sybil lhe alcançava, mas ela o arrebatou.
—Terá que pagar sua conta antes que te sirva mais — lhe disse.
—Dar-me-á mais antes que pague minha conta. - Sybil lançou um bufo desdenhoso.
—Ou o que?
Fingindo que se divertia muito, David sorriu ante o feio rosto da taberneira.
—Ou não beberei aqui nunca mais.
Os guardas armados da porta riram entre dentes, e Sybil se ruborizou de fúria.
Rápida como uma serpente, jogou o conteúdo no rosto do homem.
Enxugando a cerveja, David observou como a mulher se retirava rapidamente: sem
dúvida tinha ido muito longe e sabia. Nenhuma mulher, nem mesmo sendo
independente, proprietária de sua própria estalagem, podia tratar um barão cavalheiro
com semelhante falta de respeito. David se levantou e foi para ela.
—Está bem, senhor, peço-lhe perdão — exclamou, quando ele parou diante dela e
lhe segurou o pulso— Meu maldito caráter sempre está me impulsionando a fazer o que
não devo. Por favor, senhor, não me faça mal, não me faça mal. Sou só uma pobre
mulher, e tenho um filho que manter.
O homem titubeou.
Percebendo sua debilitação, a mulher acrescentou:
—Uma menina.
Aborrecido consigo mesmo, David a soltou e se inclinou mais perto do rosto dela.
—Uma pequena.
A voz estridente da mulher lhe provocou dor de cabeça.
—Te limite a me servir uma cerveja, e depressa.
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—Sim, senhor. —Fez-lhe uma reverência— Já vou senhor. David se voltou, deu dois
passos, e a ouviu murmurar: —Covarde.
Girou sobre si, mas, antes que pudesse a pegar pelos ombros e sacudi-la, a dama
agarrou uma mecha do cabelo de Sybil e a obrigou a ajoelhar-se.
—Boa mulher, se não aprender a respeitar aos seus superiores, terá que dar
explicações na corte do barão.
Sybil se queixou.
—Não sabia que você protegia isso.
Por essa amostra de insolência David teve vontade de esbofeteá-la; a dama, em
troca, respondeu com toda calma:
—O rei o protege. Isso deveria ser suficiente para a gente como você.
Sybil abriu a boca para refutar o argumento, mas algo que viu no semblante da
dama a deteve. Tocou o chão com a testa e, quando se levantou, tinha uma mancha de
terra.
—Sim, minha senhora. Como diz minha senhora. É que é duro para uma pobre viúva
ver que um mercenário indigno, aficionado à cerveja, arrebata-lhe o pão da boca a sua
filha.
A dama replicou com frieza:
—Tenho ouro para pagar.
Tanto a taberneira como o mercenário ficaram olhando-a.
—Ouro. —Fez tilintar o saco que levava a um lado— Eu pagarei a conta dele. —
Olhou-o nos olhos— Eu pagarei a conta.
A promessa de ouro foi mais eloquente para David que qualquer outra coisa.
Também para a taberneira, porque se levantou e foi depressa para o caldeirão que
fervia sobre o fogo no meio do salão.
—Se não terminarmos rápido com nosso assunto, ela lhe oferecerá uma porção de
seu guisado, e é horripilante — lhe advertiu David.
Voltou a olhar à dama, e notou que a linha voluntariosa do queixo danificava o
ovalóide quase perfeito de seu rosto. Não era a flor delicada que lhe pareceu a princípio,
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e lhe ocorreu perguntar por que buscava precisamente a ele, e não procurava a ajuda de
seu marido ou de seus familiares. Como era suspicaz por natureza, perguntou-se se
quereria usá-lo em uma disputa de clãs.
—O que quer? —perguntou, sem rodeios.
—Amparo.
—Para que? Para suas terras? Seu castelo?
—Para mim.
Furioso de que o ouro lhe tivesse escapado tão logo, David disse:
—Não intercederei entre você e seu marido.
—Não lhe pedi que o fizesse.
—Para que outra coisa uma mulher como você poderia pedir amparo? Seu
companheiro lhe protegerá de todos os outros.
A mulher juntou as mãos à altura da cintura.
—Sou viúva.
Observou-a outra vez e, de repente, compreendeu o que queria dele.
—Uma viúva rica.
—Exato.
—Recente?
—Interessa-lhe o emprego?
Cada resposta rechaçava a curiosidade de David, mas não lhe importou.
—Tem um pretendente inoportuno? —perguntou-lhe.
A mulher se limitou a olhá-lo fixamente, os olhos cinza como pederneira.
De modo que não estava disposta a lhe dizer o que ele queria saber. Bem. Logo
averiguaria o que lhe interessava. Nenhuma mulher guardava um segredo e esta, apesar
de seu aprumo, era muita mulher. Esfregou a barba cheia e a terra do chão caiu em sua
mão. Sacudiu-a despreocupadamente sobre sua meia.
—Sou uma lenda, e as lendas são caras.
—Não aceitaria nada menos — respondeu a dama.
David mencionou a exorbitante soma de três libras em moeda inglesa.
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A mulher assentiu.
—Por mês — David se apressou a acrescentar.
—Parece-me justo.
O homem a estudou de novo. Antes não a considerava tola, mas deveria saber. Todas
as mulheres eram tolas... Mas também o eram os homens que imaginavam poder obter
tais remunerações apoiando-se na força de uma reputação desgastada.
—Um mês adiantado.
Abrindo a bolsa, a mulher contou o ouro e o pôs ante os olhos.
—É suficiente garantia de minhas boas intenções?
E se ela não sabia, por que razão ele teria que dizer-lhe? Ela se vestia bem, tratava-o
como se ele fosse um verme, tinha guardas que a protegiam... Sim, era rica, portanto, o
que tinha de mal em tosquiar um pouquinho desse velo que a amaciava?
Cauteloso, fechou os dedos sobre o dinheiro, apanhando junto com ele a mão de
Alisoun. Sentiu a pele delicada e o frio do ouro. Ocorreu-lhe pensar quão fácil seria
quebrá-la, e o quanto necessitava desse dinheiro.
Afastou bruscamente a mão e se sacudiu das sensações, como se junto com elas
pudesse sacudir qualquer decepção.
—Não sou o homem que procura.
Dirigiu-se para a porta no preciso instante em que Sybil chegava com as terrinas
fumegantes, e lhe brindou o supremo prazer de passar roçando-a.
—Né! —chiou a taberneira— Volte aqui. Minha senhora exijo que me pague.
—Lhe pague Gunnewate — ordenou a dama atrás dele, e um de seus guardas
armados procurou na bolsa, enquanto o outro esticava o braço e lhe bloqueava a saída.
David se deteve e contemplou esse braço, e logo a seu maciço dono.
—Te mova, ou eu te moverei.
O guarda não se moveu. David o ameaçou com um olhar direto e malvado. O homem
lhe devolveu o olhar, projetando o queixo. David posou a mão no punho da faca. O
homem tirou a sua. David retrocedeu um caminho, fazendo lugar para a luta.
Então, a dama disse:
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—Sou Alisoun, condessa de George's Cross. - À luz tênue do botequim tinha lhe
parecido pálida, mas agora realmente resplandecia. Vestido branco, pele clara, e... Eram
sardas isso que salpicava seu nariz? Piscou os olhos. Sim, não cabia dúvida de que eram
sardas... Certamente contra os desejos de lady Alisoun. Alegrou-o pensar que algo
escapava ao mandato de sua senhoria.
Persistente como a própria filha de David, e quase tão ignorante do medo como ela,
lady Alisoun lhe perguntou:
—Não é sir David de Radcliffe?
—Já lhe disse, e nisso não menti. Já disse que já não sou o campeão do rei, e nisso
tampouco menti. —deu a volta envergonhado sem querer ver o desprezo no rosto da
dama— Minha senhora é ao campeão do rei ao que você quer contratar, não a mim.
—É verdade que perdeu seu título? —O assombro aguçou a voz, que já não foi rica e
profunda como era característico dela, e se aproximou mais ao tom normal de uma voz
de mulher— Quando ocorreu isto?
—Esta manhã. —Ao recordar, lhe revolveu o estômago— No campo de batalha. O
legendário David de Radcliffe caiu derrotado.
Alisoun guardou silêncio tanto tempo, que o homem se voltou para olhá-la.
Por fim, a dama disse:
—É uma tragédia que tenha sofrido um fracasso no preciso momento em que eu lhe
necessito, mas o que preciso é uma lenda, não um herói de uma só vez. Quero a você.
Com a voz áspera de dor, David disse.
—Por todos os Santos, mulher, não entende? Não sou o homem que fui. Não fica um
só cavalheiro novato em Lancaster que não tenha me desafiado nestes dias, só para
gabar-se de ter lutado com o maior mercenário de todos os tempos. Derrotei a todos...
Eram moços imberbes com mais arrojo que bom senso. Mas quando enfrentei um
cavalheiro curtido, perdi.
Alisoun o justificou.
—As outras lutas lhe fatigou.
O homem não lhe prestou atenção.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Sem expressão, Alisoun observou como o rei Enrique III instalava sua corte no
castelo de Lancaster, igual a cada manhã desde que se transferiu ao norte. Esperou
paciente, uma oportunidade de apresentar sua petição, esforçando-se todo o tempo por
ignorar a presença de Osbern, duque de Framlingford, primo do rei e o mais temido
inimigo de Alisoun.
Osbern não se fazia fácil. Contemplava-a com uma careta depreciativa. Qualquer que
não os conhecesse pensaria que eram amantes. Certamente, Osbern procurou fazê-los
passar por tais, e tinha tanto poder e influência que a digna altivez da dama não fazia
mais que alimentar os rumores.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Depois de tudo, ela era a viúva Alisoun, de George's Cross, poderosa e influente a
sua maneira. Não tinha nenhuma importância que a esposa de Osbern tivesse sido a
melhor amiga de Alisoun e que seu misterioso desaparecimento ainda desse
combustível a rumores. Em contraste com as insinuações de Osbern e com sua
espetacular atitude masculina, a extensa viagem de Alisoun como mulher só gerava
especulações, e a fazia desejar a segurança de seu lar.
Já poderia ir, porque David cumpriria seu dever. Tinha que fazê-lo, pois era o
famoso mercenário, e até o parecia. Seu corpo esbelto e sua graça davam indícios de sua
força. Os fios cinza entre o cabelo escuro proclamavam sua experiência. Pesadas
sobrancelhas castanhas davam a sua expressão um ar de severidade, e seus olhos
tinham visto muito. Entretanto, a boca o salvava da rudeza de outros mercenários.
Sorria, fazia caretas, apertava os lábios com expressão ambiciosa. Cada pensamento que
lhe cruzava pela mente se expressava na boca, sem que ele dissesse uma palavra.
Alisoun gostava dessa boca.
Ao ver que o rei Enrique tinha terminado de atender ao povo, Alisoun se adiantou e
fez uma reverência. Não muito profunda, pois a genealogia de sua família não era
menos nobre nem antiga que a do monarca, mas sim uma reverência modesta e
respeitável.
Vigoroso para seus quarenta e cinco anos, com esse encanto superficial que
dissimulava seu caráter caprichoso, o rei Enrique respondeu com um gesto de
assentimento.
—Lady Alisoun, que prazer lhe ver outra vez em nossa corte. Assiste todas as
manhãs, e essa atenção nos adula. Têm instruções para compartilhar hoje?
Tinha uma desagradável tendência ao sarcasmo, sobre tudo com ela. Alisoun não o
entendia nem gostava, pois sabia os problemas que poderia causar a ela e às terras que
tinha em custódia um monarca aborrecido. Por isso, sorriu com tenso encanto, e disse:
—Eu recebo instruções de você, meu senhor... - O rei soprou. —... E lhe apresento
uma humilde petição.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
O rei a contemplou com ar crítico, e Alisoun se alegrou de ter vestido seu melhor
traje de veludo escarlate para essa entrevista. Pesava-lhe em cima como uma armadura
de cavalheiro, e a fazia sentir-se segura com sua grossura e sua audaz beleza.
—Que petição é essa?
—Queria me retirar de sua graciosa corte e retornar a meus deveres em George's
Cross. Estive ausente muito tempo, me enfraquecendo no sol de sua presença.
O rei inclinou a cabeça e a examinou.
—E estão saindo muitas sardas.
A risada se expandiu entre os cortesãos e o rei baixou a cabeça, como se estivesse
desesperado.
Alisoun o olhou perplexa e perguntou:
—Meu senhor desagradei-lhe?
—Não importa. Não importa. Assim deseja se retirar, não é? Não haverá algo que
queria levar a George's Cross?
Umedecendo os lábios, Alisoun fingiu não entender.
—Que coisa?
—Um marido, claro.
Varreu o salão com o braço, abrangendo com o gesto aos cortesãos que se
alinhavam contra as paredes.
O coração de Alisoun se afundou. O rei Enrique estava louco pelo matrimônio. Com o
próprio, tinha dado um golpe diplomático, unindo a Inglaterra com Provenza. Também
o empregava com a nobreza inferior, para fazer progredir sua causa dentro e fora do
reino. Esses êxitos lhe conferiram uma apreciação pouco modesta de seu próprio bom
senso... Que não se demonstrava no modo como regia a Inglaterra, nem em sua escolha
de noivos para essa dama. E agora que ela visitava a corte, reavivava os apetites dos
homens por sua riqueza, e o do rei por forjar alguma aliança. Enrique insistiu:
—Aqui está vendo a flor do reino, o melhor da Inglaterra, Normandia, Poitou,
França. Não há nenhum que satisfaça suas exigências?
Como não podia dizer que não, protestou:
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
—Minhas exigências são razoáveis, milord. Suponho que estarão de acordo nisso.
Enrique levantou três dedos e contou:
—Riqueza, casta, e responsabilidade. Não é assim?
Ao vê-lo regozijar-se, Alisoun sentiu a garganta fechando, mas a limpou e
respondeu:
—Correto.
—Então, tenho um pretendente para você. - Surpreendeu-a despreparada.
—Isso não é possível! Estive todos os dias na corte, para ver quem apresentava uma
petição para casar-se comigo, e...
—É por isso que esteve aqui? —olhou a mão apertada em um punho— Para me
orientar, em caso de que algum homem se atrevesse?
Alisoun não gostou. Não lhe agradou a atitude do rei, nem a careta de superioridade
de Osbern. Alguém esteve derrubando rumores maliciosos no ouvido do rei, e ela
conhecia o culpado. Disparou por ela uma fastidiosa pontada de nostalgia por George's
Cross, como a vontade de um caldo substancioso depois de estar comendo guloseimas,
mas a desprezou. A fachada solene que tinha erguido depois de tão árduo treinamento
em sua juventude permanecia em seu lugar. Disse:
—Não me ocorreria lhe oferecer conselho. Não sou mais que uma humilde mulher, e
você, o rei da Inglaterra.
—Na verdade recorda — repôs— Então, me escutem bem, Alisoun de George's
Cross. Dar-lhe-ei por esposo Simón, conde de Goodney. Ocorre-lhe um companheiro
mais apropriado?
Por desgraça, não lhe ocorreu. Não podia negar a riqueza, a nobreza e a
responsabilidade de Simón de Goodney. Homem distinto e viúvo recente, lorde Simón
tinha terras em Poitou, lugar com o qual o rei queria reforçar os laços.
Tinha sentado Alisoun junto a ele à mesa. Ela ouviu sua voz nasal. Revolveu-lhe o
estômago quando o sentiu respirar e mastigar com a boca aberta, quando viu comida
incrustada em sua faca. E tinha manchado sua própria faca de comer com uma gota de
seu sangue, quando o homem lhe mediu o peito com seus dedos sujos.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Ainda assim, ela sabia qual era seu dever. Sem importar seus próprios sentimentos,
tinha que proteger George's Cross, e um marido seria uma aquisição nesse sentido. Mais
ainda: essa situação precária e perigosa que se abatia sobre ela desapareceria ao
entregar-se à custódia de um marido.
Mas, ao mesmo tempo, um marido aumentaria as possibilidades de ser descoberta e
de que ela não pudesse cumprir sua promessa. O temor lhe percorreu as veias, mas não
viu como sair desse dilema, que Deus a ajudasse.
—Certamente, o conde de Goodney é um bom marido para mim, e eu agradeço sua
consideração.
—Isso significa que não o afugentará? —perguntou o rei.
—Afugentá-lo? Não entendo.
—Já enviei cinco homens. —O rei Enrique deu um murro no braço de sua cadeira—
Cinco! E nenhum pôde suportar a severidade de sua língua. —Quando viu que se
dispunha a falar, assinalou-a o rosto com o dedo— Um deles inclusive foi às Cruzadas, e
jamais retornou.
—Não valia à pena.
—E os outros quatro?
—Tampouco valiam à pena. —Ao ver que se dispunha a falar, desprezou a
objeção— Meu senhor, não sou um caule verde de trigo que se agite com a brisa.
O rei pareceu refleti-lo.
—Isso é verdade. Mas é como um caule de trigo amadurecido, rígido, muito
carregado de grão.
—Exato.
Felicitou-o pelo apropriado da comparação, e logo ficou carrancuda ao perceber as
risadas afogadas que provinham da multidão. O que era que essas criaturas tolas
achavam tão divertido?
—Quantos anos têm?
A pergunta de Osbern foi como uma fina navalha deslizada entre as costelas da
dama.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Alisoun o ignorou. Era uma grosseria meter-se na conversa entre ela e o rei.
Grosseiro, característica dele, e... Ameaçador.
—Tem vinte e seis — respondeu Enrique por ela— A mais velha das viúvas virgens
da Inglaterra e, talvez, do continente.
O encanto gotejava da silhueta arrebatadora de Osbern, conferindo-lhe uma aura
que muitos homens invejavam. Seu curto cabelo escuro brilhava, com matizes
purpúreos, como a asa de um corvo. Seus olhos azuis ardiam com o calor do interesse.
Seu corpo flexível ondulava de músculos quando se movia, e quando sorriu a Alisoun.
Senhor, como o odiava. Odiava-o e temia.
—Sem dúvida, já não é virgem — disse o sujeito.
O rei Enrique ficou imóvel, e logo girou lentamente para olhar seu primo de frente.
—Comprovaste-o em pessoa?
Com essa entonação arrastada, detestável, replicou:
—Conhecer em pessoa lady Alisoun seria...
—A morte — o interrompeu o rei— Mataria ao homem que afirmasse ter deflorado
o mais delicioso exemplo de feminilidade inglesa.
Osbern não se moveu. Só seus olhos se moveram que passou do rei Enrique a
Alisoun, logo outra vez ao rei, e a dama percebeu o momento em que compreendia. O
desejo de Osbern de insultá-la e de comprometê-la o tinha levado além dos limites da
cortesia para entrar no terreno do desgosto real. Talvez fosse cinco anos mais velho que
Enrique, mas este era o rei, e agora Osbern teria que humilhar-se. Com a graça que
caracterizava todos seus movimentos, fez uma profunda reverência a Alisoun que, de
certo modo, incluiu Enrique e a toda a corte.
—Não duvido de que lady Alisoun ainda é apta para hastear os verdadeiros
símbolos de pureza que distinguem à própria virgem Maria, e eu desafiarei ao homem
que insinuar o contrário.
Na aparência, o rei Enrique aceitou a desculpa, mas Alisoun não. Como podia aceitá-
la? Tinha conservado sua reputação e sua virtude como uma verdade sagrada, e seu
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
nome estaria agora na boca dos fofoqueiros, por esta breve visita a corte. Uma simples
desculpa não poderia apagar a mancha.
Mas tinha sido muito bem educada para perder tempo lamentando o que não se
podia reparar. O que fez foi responder ao rei:
—Já enviaste cinco homens para casar comigo, meu senhor, e eu sou uma mulher
amadurecida, de pretensões simples no que se refere a um marido, e essas pretensões
não se modificaram nos anos de minha viuvez. Sou nobre, de ascendência real, e por
isso meu marido deve ser nobre. Como minha riqueza é considerável, também deverá
sê-lo a de meu marido. Sou responsável e me dedico à manutenção de minha riqueza e
posição, portanto meu marido deverá ser igualmente dedicado. Pus esses homens à
prova, nobres e ricos, para ver se podia considerar-lhe companheiros responsáveis. Em
todos os casos fugiram, mas Simón, conde de Goodney, demonstrará sua nobreza por
meio de sua coerência. Meu senhor agradeço-lhe...
Interromperam-na uns passos que corriam. Alisoun o ouviu antes de vê-lo: Simón
de Goodney, gritando com sua voz nasal:
—Basta. Basta, meu senhor! Nego-me! Não me casarei com esta mulher.
Capítulo 03
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Bom, se ela não o queria, ele não ia persegui-la. Certo que ela havia dito à alvorada, e
haveria quem podia afirmar que o sol estava chegando ao meio do céu. Mas lady
Alisoun devia compreender que se um homem bebia tanto como ele o fez no dia
anterior, levaria um tempo dormir até que passassem os efeitos. Como poderia servir a
essa tola com a cabeça doendo e o estômago em rebelião? Essa manhã, abraçando o
travesseiro, David estava lhe fazendo um favor. Furioso, passou a perna sobre o banco
junto à mesa, e vociferou:
—Pão!
Uma moça correu a satisfazer sua ordem sob o olhar aprovador de seu pai, o
hospedeiro.
—Necessitará outra coisa, além de pão? —perguntou-lhe o sujeito— Temos um bom
guisado de veado.
David passeou o olhar pela estalagem de Crowing Cock. Nada de estalagens escuras,
infestadas de piolhos para lady Alisoun. Ficava com o melhor e, sem dúvida, merecia.
—Sim — disse entre dentes— Comerei uma tigela e também queijo.
—Imediatamente, senhor. —O hospedeiro em pessoa levou o queijo, enquanto a
empregada lhe alcançava o guisado. O hospedeiro examinou David— Godric, amo desta
casa, ao seu serviço. Você é sir David de Radcliffe.
Ah, ainda o recordavam nas ruas. David se esponjou, até que Godric adicionou:
—Você é o mercenário de lady Alisoun, não?
David deteve a colher a milímetros de sua boca aberta.
—O mercenário de lady Alisoun? —Estampou a colher contra a mesa e se
levantou— O mercenário de lady Alisoun. Eu sou meu próprio dono, e não pertenço a
nenhuma mulher.
Jogando um olhar áspero pela sala quase vazia, viu que a empregada se encolhia e
que Godric retorcia as mãos.
—Claro senhor. Foi uma tolice de minha parte, senhor.
—Assim está melhor.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
David fez gesto de sentar-se, mas descobriu que o banco tinha caído ao levantar-se,
e se deteve instantes antes de dar com seu traseiro no chão.
Godric se precipitou a colocar o banco debaixo dele, murmurando todo o tempo:
—Porcaria de banco. Muito pouco sólido. Teria que tê-lo arrumado. —Esperou que
o cliente tivesse engolido vários bocados de guisado e perguntou ansioso— Não dirá a
lady Alisoun que lhe desgostei, verdade?
David teve vontade de cuspir o bocado no rosto do estúpido sujeito. Mas logo
enfrentou à verdade, tragou e suspirou. Tinham-no jogado de estalagens inferiores a
essa depois de apenas dar uma olhada a sua vestimenta. Godric deveria ter feito o
mesmo ou, ao menos, lhe exigir que mostrasse seu dinheiro antes de lhe servir.
Portanto, a influência de lady Alisoun devia ter funcionado.
—Por que a senhora partiu tão cedo? —perguntou resmungão. Godric se crispou.
—Embora não demonstrasse, eu acredito que ontem de noite a senhora se sentiu
incômoda, quando cruzava o botequim. Eu tentei desanimar as falações, mas a
mortificação deve ter sido pior do que ela podia suportar. —Cabeceou, com ar sábio—
Que mulher não se sentiria afligida?
Sem dúvida, Godric estava convencido de que David gozava das confidências da
dama, e não queria desiludi-lo. Por isso, retribuiu a sacudida de cabeça com a mesma
expressão e meteu uma parte de pão na boca.
—Ser rejeitada com tanta rudeza! —disse Godric, estalando a língua— E diante de
toda a corte...
Ante a ideia de que baixassem as fumaças de lady Alisoun, David se reanimou um
pouco. Mastigou e tragou.
—E quem a rechaçou? Um dom ninguém.
Indignado, Godric protestou:
—Eu não o qualificaria de dom ninguém. Simón é conde de Goodney, e possui tanto
ouro que suas moedas criam teias de aranhas, além de uma ascendência que faria
ruborizar ao próprio soberano. Mas ao rechaçar a ordem do rei Enrique de casar-se
com essa bela dama, converteu-se em um ser baixo e pestilento.
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caminhou na corte, como campeão do rei. O que acontecia era que fazia muito que não
precisava utilizá-las.
Godric lhe estendeu uma toalha.
—Caberia supor que ela é muito fina para tipos como esse.
Levantando-se muito mais reconfortado, David arranhou a barriga e se esticou.
—Ordene a seu moço do estábulo que traga meu cavalo. Agora irei alcançar lady
Alisoun.
— Com você ao seu lado, estará bem protegida.
Na periferia da visão de David apareceu à palma estendida de Godric, e o cavalheiro
pôs uma moeda nela. Impressionou-se ao ver que o hospedeiro não a mordia para
assegurar-se de que fosse autêntica, mas sim a meteu em seu moedeiro, onde caiu,
tilintando, contra suas iguais. Ah, poder estar em uma estalagem assim! Poder custear
esses mesmos luxos para sua filha...! Desejou com veemência os privilégios de lady
Alisoun.
Godric disse:
— Me afligi quando ela partiu com esses carros, carregados com as compras que fez,
mas com sua presença, ficarei tranquilo.
— Quantos carros? — perguntou David.
— Três!
Godric o olhou com curiosidade.
— Lady Alisoun é eficiente. Combinou sua comemoração ao rei com a viagem que
faz duas vezes ao ano para efetuar compras.
David sacudiu a cabeça.
— Mulheres...
Godric se ergueu e, pela primeira vez, manifestou certa impaciência varonil.
— Sim, mulheres...
No pátio da estalagem, dois moços se penduravam nas rédeas do potro, e Louis
meneava a cabeça. Um deles saiu voando, e os olhos do outro aumentaram quando ficou
com as rédeas na mão. David tomou as rédeas e obrigou o cavalo de guerra a frear-se. O
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moço que seguia obstinado caiu ao chão como uma mosca espantada por um cão,
enquanto o outro se apressava a afastar-se da terra e do risco.
Olhando ao soberbo rosto de Louis, David lhe explicou:
— Temos que nos reunir com lady Alisoun.
Com sua habitual sensatez, Louis agitou a cabeça, relinchou e tratou de saltar para
trás. David se pendurou das rédeas e amaldiçoou, desafogando seu mau humor no
cavalo com a tranquilidade de saber que o cavalo lhe devolveria o favor.
Nem sempre o rei Louis foi tão caprichoso. Em sua juventude, o maciço potro
branco tinha formado parte da lenda de David. Cavalheiros novatos contavam que
David tinha batizado seu cavalo em honra do rei francês, e que isso enfureceu de tal
maneira ao animal, de raça inglesa, que lutou para tornar clara sua posição, entrando
assim nos anais da história.
Mas seis anos de relativa inatividade lhe deram a convicção de que os torneios e os
combates eram para cavalos mais jovens. Ele preferia a comodidade de sua própria
baia. Preferia seus cavalariços pessoais para que o cuidassem, e não lhe agradava ser
convocado a cumprir com seu dever quando devia estar sendo gabado por suas glórias
passadas.
Em síntese, Louis se parecia muito ao seu amo.
Como David o levou a Lancaster, Louis manifestava sua hostilidade negando-se a
obedecer inclusive ao ser que adorava. David tentou raciocinar com ele, mas, a maior
parte do tempo, ambos tinham recorrido à força bruta.
Como nesse momento. David lhe deu um golpe no ombro. Louis lhe retribuiu com
um golpe indireto na tíbia. E embora a pesada bota alta de couro o protegeu de danos
graves, amaldiçoou e pulou ao redor, observado por Louis, que despiu seus dentes em
um sorriso. Por fim, satisfeito, o potro lhe permitiu montar sobre seu lombo. Saudando
com a mão Godric, David enfiou Louis para o norte, rumo a George's Cross.
David conhecia a transitada rota. Como não conhecer? George's Cross era
considerado o último bastião da civilização em meio das terras selvagens cobertas de
páramos e bosques, junto ao Mar da Irlanda. Sua bem amada Radcliffe estava afastada
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dessa civilização, e David teve que cavalgar atravessando George's Cross em seu trajeto
para Lancaster, ao sul. Pescadores, ovelhas e mercados se mesclavam no próspero
casario. David tinha observado — observou com atenção— e não viu muitas evidências
da seca de dois anos que o tinha esmagado. Possivelmente fosse menos virulenta mais
ao sul; talvez o povo de George's Cross tivesse uma reserva a qual recorrer. E embora se
alegrasse de ter ido, ao mesmo tempo a inveja o carcomia.
Lady Alisoun herdou George's Cross e outras propriedades de seus pais. Depois,
quando o marido morreu, recebeu a parte da viúva das propriedades deste. De seus
pais, David não tinha herdado mais que um velho escudo e uma espada, e a ordem de
sair a abrir caminho no mundo, e embora sua esposa contribuísse com terras através do
contrato de matrimônio, ele jamais conheceu uma mulherzinha tão medrosa quanto ela.
David tinha sofrido por cada hectare.
E agora, teria que proteger outra mulherzinha assustada. Certo que no dia anterior
não parecia, mas devia ser volúvel para ter ido, deixando que ele a seguisse, com uma
bolsa cheia de ouro. Quando um homem se afundava profundamente no poço da
cerveja, não se levantava de um salto ao raiar do dia; ela teria que compreender.
Recordou o semblante austero e despojado de emoções que a dama apresentou no
dia anterior.
De todos os modos, ela não entendia. Possivelmente, uma mulher como ela estava
habituada a ser obedecida. Possivelmente, uma mulher como ela... Por todos os Santos,
não queria trabalhar para uma mulher assim. Só o que queria era passar a cavalo por
George's Cross e dirigir-se ao castelo de Radcliffe, onde sua filha e sua gente o
esperavam. Tremeu um instante ao se debater contra o desejo de ver o rosto magro de
Bert se iluminar quando visse seu papai. Louis também tremeu, como se
compreendesse, e apertou o caminho.
—Não, bom amigo — disse David em voz alta— Temos que cumprir um trato,
embora precisemos perseguir essa mulher coberta com uma touca para cumpri-lo.
Louis exalou um prolongado suspiro cavalar, levantou a cabeça, e relinchou.
Respondeu-lhe outro relincho, e David soube que, passando a seguinte colina, outra
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pessoa cavalgava... Esperava que fossem lady Alisoun e sua escolta. Mas, se fosse
desafortunado, poderiam ser salteadores de caminhos, e ele teria que esmagá-los.
Sorriu, tirando a espada de sua vagem. Vir-lhe-ia bem uma boa briga, mais ainda se
fosse dessas que podia ganhar.
Colocou o elmo na cabeça, bramiu a espada e se acomodou no arreio. O enorme
cavalo entendeu seu desejo, e se lançou a trotar. Embora Louis pudesse fingir mal
caráter, sua curiosidade e sua confiança eram tão grandes como as de seu amo. Ao
chegar ao topo, David viu que não se tratava de ladrões, mas sim de três carros muito
carregados que avançavam trabalhosamente pelo caminho arborizado. Robustos bois
sacudiam o pó estival ao tempo que puxavam os carros com esforço. Os condutores
caminhavam junto às cabeças dos animais, com varas nas mãos. Mas David não viu lady
Alisoun nem seus guardas armados em nenhum lugar.
—Doce Mãe de Deus! —Convencido de que a dama tinha sofrido uma calamidade,
esporeou Louis e alcançou os carros no preciso momento em que chegavam ao vau de
um regato— Né! —gritou-lhes.
—Alto! —ouviu a suas costas.
Girou no arreio e ficou olhando. À sombra das árvores, havia dois cavalheiros
providos de elmos, preparados sobre seus cavalos, com todos os equipamentos de
batalha preparados. Um carregava uma lança, outro uma espada, e David sentiu oprimir
o coração. Não teve dúvidas de que esses dois renegados já tinham roubado e
assassinado lady Alisoun. Por Deus, tinha perdido a galinha dos ovos de ouro, e só ficou
com umas poucas plumas! Contemplou a aguçada ponta da lança. Se não tomasse
cuidado, ele também perderia as plumas.
Sem aviso prévio, esporeou Louis, e o enorme animal se lançou rapidamente
estendido em um abrir e fechar de olhos. David lançou seu grito de guerra e caminhou à
carreira entre os dois cavalheiros, derrubando com seu escudo ao da lança, e fazendo
girar a espada no ar, pois o outro se agachou e gritou.
O perito contra-ataque que esperava não se produziu, e o impulso de sua corrida o
fez internar-se no mais denso do bosque.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
—Idiotas — resmungou tentando encontrar espaço para fazer Louis virar — Não
são cavalheiros; devem ter roubado tudo. Vem Louis, vamos...
—Não.
A voz da mulher o deteve em seu caminho. Conhecia essa voz: ao reconhecê-la,
doeram-lhe as costelas.
—Lady Alisoun?
O matagal rangeu, e dele saiu lady Alisoun, serena como uma freira.
—Sir David acreditei que tinha nos abandonado.
Aí estava. Deus do Céu, esses carros eram os dela, e devia estar em mãos desses
vilãos quem sabia desde quando!
—Eles têm lhe feito mal? —perguntou David.
Parecia intacta em sua serena beleza. Sua capa de montar de veludo verde caía em
dobras regulares dos ombros, o chapéu estava aposto sobre sua cabeça, e a touca
vincada, em seu lugar. Nenhum fio de cabelo escapava do fechamento, nenhuma lágrima
danificava a pureza de sua cútis. E mesmo assim, a culpa estreitou a garganta de David.
Se tivesse chegado mais cedo à estalagem... Se tivesse saltado a comida... Se tivesse
galopado mais depressa... Que Deus o perdoasse: tinha falhado com a dama. E ele sabia
bem que destino esperava lady Alisoun se voltasse a falhar.
—Eu lhe salvarei.
—Do que?
A mulher deu um olhar ao redor.
David fez girar Louis em um estreito círculo.
—De Ivo e Gunnewate? —perguntou a dama.
David já estava preparado para atacar quando compreendeu suas palavras.
—Ivo e... Seus guardas armados?
—Os mesmos. —Com a parcimônia que caracterizava todos seus movimentos,
desapareceu e voltou a aparecer levando um palafrén. Em tom de censura, perguntou-
lhe— Quem ira me escoltar? Você não chegou à alvorada.
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—Eu não cheguei à alvorada — repetiu, com calma. - Ah, se ela soubesse que era
muita calma.
—Quando dou uma ordem, espero que me obedeça, David de Radcliffe, se será um
de meus homens, deverá fazer o que eu mandar.
David tirou as luvas e fez Louis partir ao caminho.
—De modo que partiu da estalagem de Crowing Cock para me dar uma lição?
Alisoun vacilou, e inclinou a cabeça.
—Poderia se dizer que não me desgosta ter obtido isso, além de tudo.
David tentou conter-se. Na verdade, tentou, mas esta... Esta mulher o fez sentir-se
culpado. Por nada! Jamais esteve em perigo. Em todo momento teve o controle da
situação, e ele esteve tendo ataques de consciência como um estúpido.
—Uma lição, a mim? E se eu fosse um ladrão e assassino, minha senhora, quem teria
recebido a lição? —Alisoun tentou falar, mas David se inclinou no arreio e a segurou
pelo queixo. Fê-la levantar o rosto e a olhou, furioso— Acabo de demonstrar que um
cavalheiro perito não é rival para dois pequenos guardas de corpos, e existem
cavalheiros que vagabundeiam pelos caminhos. Teriam roubado suas mercadorias,
matado seus homens, abusado de seu corpo, e pendurado seus intestinos em uma
árvore.
Soltou-a e colocou a mão dentro da luva com um movimento brutal.
Alisoun tocou o queixo, onde ficavam as marcas dos dedos dele sobre sua pele
pálida.
—Entendo.
—Esses homens fariam que seu medo que seu pretendente a roube, empalideça, em
comparação. A próxima vez que contratar um mercenário, o espere.
—Sim, certamente.
—Que mal havia em esperar? Ou em mandar um dos serventes me procurar?
—Ao que parece, meu julgamento estava errado. —Montou seu manso palafrén, o
fez aproximar-se do cavalheiro, e o deteve ao seu lado. Olhando-o nos olhos com os
seus, cinzas e frios, disse— Perdoe-me, David de Radcliffe.
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David ficou olhando-a enquanto ela se dirigia para o caminho iluminado. Como
suportou bem sua repreensão! Sopesou a queixa dele, analisou-a segundo a lógica e,
sem apresentar desculpas, admitiu que agiu de maneira tola. Então, sem mais,
desculpou-se, de modo plácido e sincero. David apertou os lábios para sossegar um
assobio. Agora compreendia por que não voltou a se casar. Cada homem da Inglaterra
devia tremer ao enfrentar essa atitude tão sensata, que fazia muito difícil que um
homem se sentisse superior.
—Ivo! —chamou Alisoun— Gunnewate! Levantem do chão e sigamos. Se quisermos
chegar a George's Cross em só quatro dias, teremos que aproveitar cada minuto de sol.
David saiu do bosque e viu Ivo tratando de ajudar a que Gunnewate, metido na
armadura, ficasse de pé. Guiou Louis para os dois homens. O aço entrechocava,
produzindo desafinadas notas que exasperavam a harmonia da natureza.
—Depressa! —Alisoun bateu palmas, e as luvas de couro amorteceram o som— Os
carros passaram adiante e, como demonstrou com tanta eficácia sir David, somos
vulneráveis a um ataque.
Sorridente, David ficou atrás e lhes disse:
—Sim, será melhor que andem depressa, meus bons amigos. Pelo modo como
vadiam, dir-se-ia que a armadura de um cavalheiro pesasse cinquenta quilogramas. —
Fez Louis entrar em movimento, e gritou, olhando para trás— Não pode pesar mais de
trinta.
Ao ouvir maldições, riu entre dentes e se lançou a galope. Alisoun tinha alcançado os
lentos carros e agora avançava junto a eles, procurando o caminho aberto para que o pó
não a incomodasse. Seguindo-a, David falou com os carreteiros ao passar. Os sérios
camponeses ficaram olhando-o como se jamais tivessem ouvido um nobre que pudesse
conversar sobre sua língua vulgar. David insistiu, desejando que lhe respondessem,
sabendo que em sua infeliz situação talvez tivesse que recorrer à força deles e a seus
sólidos paus. Todos eles puxaram suas respectivas franjas e o saudaram com
murmúrios, e David considerou essa moderada comunicação como um êxito. Logo,
adiantou-se para se unir a Alisoun e lhe disse:
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—Minha senhora, seus homens armados não são cavalheiros; por que lhes permite
andar por aí com armaduras?
Alisoun lhe dirigiu um olhar preocupado.
—Sei que não levam bem suas armaduras, mas meu cavalheiro principal, sir Walter,
ficou em George's Cross como salvaguarda contra qualquer problema que pudesse estar
gerando-se. Dois de meus mercenários, John de Beauchamp e Lothair de Hohenstaufen,
me acompanharam a Lancaster, mas logo me disseram que tinham recebido uma oferta
melhor enquanto estavam no povoado. —Baixou a voz— Ao que parece, aceitaram-na
porque dois dias atrás ainda não tinham retornado à estalagem, e levaram com eles seis
de meus homens armados.
—Isso que ganha ao contratar um mercenário alemão. São uns tipos desagradáveis,
inúteis, capazes de cortar o pescoço de alguém enquanto dorme. —Ilustrou com o gesto
de passar um dedo pelo pescoço— Mas... John de Beauchamp? Eu lutei junto a John. É
um bom homem. Não posso acreditar que tenha abandonado sua senhora antes de
finalizar sua obrigação.
—Sim. —Alisoun se voltou no arreio e deu um olhar aos carros, como se assim
pudesse protegê-los— Eu também pensei o mesmo.
—Mandou que...?
Hesitou. Teria mandado procurar John? Como fazia uma dama para procurar um
mercenário? Percorria os botequins e levantava as cabeças de todos os bêbados? Isso
tinha feito com ele, mas...
—Mandei Ivo procurar John e meus homens, e ele ouviu dizer que todos eles foram
para Wolston com seu novo amo. —encolheu os ombros com gesto elegante— Às vezes,
é difícil para um mercenário receber ordens de uma mulher.
—Sim. —David compreendeu, e arranhou a barba meio cheia que lhe ardia à pele—
Por isso fez que Ivo e Gunnewate vestissem as armaduras. De onde as tiraram?
—Uma é minha, para um dos escudeiros de minha casa. Como logo saberá eu equipo
todos os meninos que amadrinhei.
Impressionado apesar de si mesmo, David disse:
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—Talvez não.
Como antes, a expressão da dama não mudou, sua voz manteve essa vibração baixa,
serena e, entretanto, de algum modo, David notou que estava... Preocupada? Temerosa?
Endireitou-se e a observou outra vez. Por que lhe ocorreu semelhante coisa? O que
tinha visto? O olhar de Alisoun posou confiante no dele, mas seus olhos... Não tinham
uma espécie de véu? O cinza não tinha se escurecido um pouco?
Pensar que ele desejou uma mulher que não gemesse ante cada emoção que sentia!
Para compreender esta mulher tinha que ter concentração. Teria que tentar,
serpenteando por entre os complexos percursos de seu cérebro feminino. Era um
pesadelo para um guerreiro, mas como não lhe havia dito nada, tinha que pensar.
Por que a via tão apreensiva? Tinha perdido seus homens e, o mais provável, por
meio de uma mutreta suja. Nenhum homem quis ser contratado por ela, embora
pagasse bem. Ele sabia por experiência pessoal. Também sabia que o dinheiro
liberalmente distribuído aliviava a ardência de trabalhar para uma mulher.
Havia algo que não estava bem. Era preciso que um homem muito influente fizesse
que fosse impossível contratar outros mercenários. Pensativo, observou como Alisoun
indicava a Ivo e Gunnewate que cavalgassem atrás dos carros, protegendo a retaguarda,
e logo ordenou a ele que seguisse com sua vigilância.
Alisoun não tinha admitido ter um pretendente, e nenhum homem ardiloso que
procurasse obter uma esposa rica a poria em guarda roubando e assassinato seus
homens de um em um. Isso significava que, talvez, sua primeira dedução era
equivocada.
—Deve ter ofendido a um temível lorde. - Aguardou uma explicação, sabendo que às
mulheres adoravam falar de seus problemas. Mas ela o ignorou. Provou com uma
acusação injusta: — Certamente, paquerou com ele e depois o rejeitou. Às mulheres
gostam de fazer os homens sofrerem assim.
Com expressão colérica, a dama abriu a boca.
Mas certa luz de triunfo deve ter se refletido em David, porque voltou a fechá-la e
selou os lábios com firmeza.
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Capítulo 04
Alisoun estava outra vez acordada. David olhou em direção da rede pendurada entre
duas árvores. Sentiu ranger a fibra de cânhamo quando ela se dava volta com cuidado,
lhe dando as costas, e olhando para a profundidade do bosque. Fez o mesmo às duas
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noites passadas, dando-se voltas e cuidando de não despertar ninguém. Por desgraça,
quando David assumiu seu papel de guardião, despertava com cada um dos
movimentos dela. A noite anterior atribuiu a inquietação de Alisoun às moléstias do
arreio ou à incapacidade de dormir ao ar livre, mas essa noite já não podia enganar-se:
ela não confiava em sua vigilância.
Alisoun levantou a cabeça. David também, e esquadrinhou ao redor: nada. Só
escuridão, cheio do farfalhar das árvores, sacudidas pelo vento, os grunhidos e chiados
das criaturas noturnas e o retumbar dos roncos de Ivo.
Cautelosa, Alisoun se levantou. David, também. Embora não houvesse lua, a
folhagem das árvores ocultava a luz das estrelas, ele podia distinguir o resplendor do
cabelo da mulher. Assombrou-se ao descobrir que tirou a touca e soltou as tranças para
dormir. A esposa dele se mostrou muito firme em que as damas jamais revelavam sua
gloriosa coroa natural. Certamente, Mary tinha descoberto muito cedo que as mechas
soltas de uma mulher provocavam desejos pecaminosos nele, e era capaz de tudo para
evitá-lo.
Depois de que conceberam sua filha, ele também fez todo o possível por evitá-la.
Nem a perspectiva de outro filho a quem mimar pôde superar seu desgosto por deitar-
se com essa mulher que cada vez se assemelhava mais a um pato mudando as plumas, e
cheirava como o verme preferido desse pato. Alisoun tinha esfregado a cabeça
descoberta com as mãos, como desfrutando da liberdade e, depois de tudo, quem a
veria na escuridão? Só David, e ele tinha que esforçar-se para vê-la.
Tirando as pernas fora da rede, Alisoun se levantou, lhe dando as costas. Perguntou-
lhe com suavidade:
—O que teme lady Alisoun?
A mulher se sobressaltou, voltou-se e, enredando-se em sua própria saia, caiu outra
vez sobre a rede.
David se levantou e foi para ela.
—Asseguro-lhe que pus a orelha na terra e não ouvi nada.
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A dama se ergueu e, com uma compostura que ele não podia menos que admirar,
sussurrou:
—Estou preocupada com meus carros.
Não acreditou nem por um instante. O grande peso dos carros impedia que se
afastassem muito do caminho, e Alisoun tinha deixado só Gunnewate para cuidá-los,
levando com ela Ivo e David, para internar-se no bosque. Proibiu que fizessem fogo, e
preferiu comer uma comida fria de tortas de trigo e queijo. E agora, não podia dormir.
Não importava que ele não detectasse sinais de perseguição. Nem que os únicos
rostos que tinha visto pertenceram às pessoas do grupo. A tensão crescente de Alisoun
tinha situado suas habilidades vacilantes. Quem dera confiasse que ele podia cumprir
suas responsabilidades, embora ele já compreendera que lady Alisoun de George's
Cross sempre assumia a responsabilidade de tudo e de todos.
—Pareceu-me ouvir ranger um ramo — admitiu a dama.
Esse indício de debilidade com respeito a si mesma reafirmou a dele: resultava que
era uma mulher como qualquer outra. Imaginava ameaças que não existiam, e pedia
segurança quando não era necessário. Quase sem dar-se conta do que fazia, apalpou-lhe
a cabeça, e lhe acariciou o cabelo, como teria feito com um cão.
—Minha senhora, neste bosque habita bestas perigosas, mas não homens. Estive
alerta. Eu a protegerei.
Alisoun lhe afastou a mão com o punho, e sua voz o açoitou como um látego.
—Isto lhe parece divertido?
Aproximando o braço ao peito, David esfregou o lugar dolorido.
—Não, minha senhora, só o que pretendia era aliviar seu temor.
—Não seja condescendente comigo.
David reagiu com um sobressalto. Já não duvidava da animosidade da dama. Nesses
dois últimos dias, viu mais de uma vez que ela era capaz de despojar um homem de seu
orgulho, de sua dignidade, de seu bom senso, com um par de palavras bem escolhidas.
Ivo e Gunnewate suportavam com estoicismo as chicotadas de sua língua. Os boiadeiros
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esperavam insultos. Mas, condenada fosse! Não podia falar desse modo com ele, que já
foi o campeão do rei.
Deu a volta e voltou para seu cobertor.
—Inquieta e nervosa — murmurou em voz o bastante alta para que Alisoun o
ouvisse.
Não lhe respondeu, e David chutou o cobertor e espremeu as mantas em uma vivida
demonstração de aborrecimento. Colocou em seu lugar o tronco que usava de
travesseiro e se deitou, deu as costas à senhora, e fechou os olhos.
O silêncio lhe atacou os ouvidos. A conversa e sua estrepitosa manifestação tinham
sufocado os sons das criaturas noturnas e despertado Ivo, que já não roncava, mas sim
respirava lenta e regularmente. Sem dúvida, Ivo esperava ouvir outra disputa entre sua
senhora e o homem ao qual, evidentemente, não considerava digno de servi-la.
Todos esperavam. O que estava fazendo Alisoun? David não ouvia nenhum som que
chegasse da rede.
Não a ouvia mover-se absolutamente. Estava imóvel, onde ele a tinha deixado?
Seguiria olhando, esforçando-se por ouvir de antemão o ruído de um ataque? Que tipo
de homem podia assustar tanto uma mulher? Porque estava assustada e, ao precaver-se
de que o silêncio continuava, David se dedicou a pensar desculpas para ela.
O que importava que despojasse um homem de seu orgulho? Era mulher, e a única
arma de uma mulher eram as palavras. De certo modo, ele podia entender o desgosto
dela. Tinha-o acusado de ser condescendente com ela, e era certo. A tratou como a uma
menina que necessitasse consolo, e em troca era uma mulher que procurava uma
solução franca para suas preocupações. Mais ainda, ele era forte, digno, feito a imagem
de Deus. Um homem de verdade não se encolhia quando uma mulher se zangava ou o
reprovava. Um homem de verdade tranquilizava a uma mulher, a fazia sentir-se segura.
David era um homem de verdade.
Abriu seu saco, encontrou a parte de corda que sempre levava consigo, ficou de pé, e
caminhou para a rede. Ajoelhou-se e atou a corda em volta de uma das árvores menores
mais ou menos à altura do joelho. Logo, desenrolando a corda enquanto caminhava
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para trás, rodeou outras árvores que havia ao redor de Alisoun. Formando ângulo reto
com o primeiro lado, cruzou até a outra árvore, logo a outra, formando um quadrado ao
redor da rede onde a dama dormia.
—O que está fazendo? —perguntou a voz bem modulada de Alisoun, em tom de
distante curiosidade.
—Ninguém que tente se aproximar verá esta corda. Tropeçará, despertará a todos, e
eu me jogarei sobre ele imediatamente. É uma velha mutreta que usei para me proteger
durante anos.
—Já vejo. Muito inteligente.
Atou o último nó, e se levantou. Esforçando-se por ver a expressão do rosto dela,
disse:
—Bem, não prefere relaxar e dormir, minha senhora? Agora está segura.
Com cuidado, Alisoun se estendeu de novo na rede. Observando-a, David esfregou as
mãos, satisfeito.
—Agora, nada poderá lhe atacar.
—Sinto-me segura — reconheceu.
Procurou a manta com que se cobria antes, mas tinha caído ao chão e formava um
escuro montão fora de seu alcance, e quando se esticou para agarrá-la, a rede balançou
perigosamente. David a recolheu antes que Alisoun caísse pela borda da rede e a
sacudiu.
—Permite-me?
Sem esperar a permissão, estendeu-lhe a manta sobre as pernas e lhe agasalhou os
pés. A mulher procurou a borda para subi-la até os ombros, e David lhe afastou os
dedos. Com movimentos lentos, cuidando de não lhe faltar com o respeito, esticou a fina
lã tecida. A pele de Alisoun lhe enfraqueceu os dedos quando a acomodou sobre o
pescoço. As cicatrizes e os calos de sua mão roçaram o cabelo dela e se engancharam
quando tentou soltar-se.
A dama ficou quieta, respirando de modo profundo e regular. O cavalheiro, inclinado
sobre ela, viu seus olhos brilhar e aumentar quando ele se apoderou de umas mechas
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soltas em um punhado e se esforçou por distinguir sua cor. Loiro, supôs. Tinha que ser
loira... Pálida, lavada, sem cor.
E, entretanto, cada fio parecia tinta de fogo.
Deu-lhe outro olhar. Vermelho? Soltou a mecha como se tivesse queimado. Não
podia ser vermelho. Certamente, a débil luz das estrelas lhe enganava a vista. Pigarreou.
Deveria voltar a deitar-se, mas lhe agradava essa sensação do dever completo.
—Precisa de um homem de verdade para fazer com que se sentisse segura.
—Que Deus lhe abençoe por sua bondosa consideração.
Alegrou-se, pensando se Deus responderia à prece dela com a mesma estimativa
que todos lhe demonstravam, e logo riu de sua própria tolice. Bem podia ser que essa
mulher fizesse intimidar seus guardas armados, mas não exercia nenhum efeito místico
sobre Deus... Nem sobre ele mesmo.
—Sim. —Puxou a corda para certificar-se de que a tensão fosse suficiente para deter
um homem— Uso isto nada mais que quando durmo sozinho ou com homens em quem
não tenho motivos para confiar. Fora disso, confio em meus sentidos, embora entenda
que para uma mulher a corda brinde confiança. Alegro-me de ter pensado.
—Eu também me alegro.
—Bom, então, durma...
Ivo lançou um forte bufo exasperado.
—Como à senhora poderia dormir enquanto você tagarela desse modo? Deixe de
elogiar a você mesmo e volte para suas mantas. - David se sentiu insultado.
—Eu não respondo ante você, homem. Lady Alisoun agradece meu amparo e eu o
aceito com gosto.
Tinha levantado um pé em cima da corda para afastar-se, quando Ivo replicou:
—Sim, se é atacada, a corda a protegerá, mas não fará nada contra outra flecha
apontada a seu coração, certo?
O pé de David caiu, ficou apanhado e enredado, e ele caiu com uma sacudida que fez
estremecer a terra.
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Para Alisoun, ver a aldeia de George's Cross foi como ver o paraíso. Aconchegada em
um vale não longe do mar, rodeava um quadrado de tamanho suficiente para albergar
um mercado, que funcionava nos Dias da Colheita. O povo lançava vivas em seu
caminho pelas ruas, mas Alisoun não se enganava, sabendo que se alegravam mais pelo
conteúdo dos carros que a seguiam a certa distância. Seu povo a amava... A diferença de
certo mercenário que, sem dúvida, tinha intenções de exercer a violência.
Quando ingressou na praça, o povo se amontoou ao redor. Ivo e Gunnewate ficaram
atrás. Os carros pareciam pontos sobre o caminho. Só David estava pego a ela como um
ouriço a um velo de lã, enquanto seu povo rodeava a senhora. Até tentou bloquear o
caminho de Fenchel quando se adiantou, mas Alisoun lhe pôs a mão no braço e negou
com a cabeça.
—Conhece-o? —perguntou David.
—É o magistrado principal da aldeia — lhe respondeu a dama.
David observou o fraco homenzinho calvo e, ao que parece, chegou à conclusão de
que não representava nenhuma ameaça, porque se afastou e deixou que Fenchel se
aproximasse.
—Fenchel, como vai à tosquia? —perguntou Alisoun em língua popular, e em tom
especialmente quente, para compensar a brutalidade de David.
Fenchel tirou o chapéu, fez uma profunda reverência e respondeu no mesmo
idioma.
—Acaba de terminar, minha senhora. Os velos estão respirando nos abrigos para lã
de toda a aldeia.
—Depois da tosquia, os velos ainda estão mornos — explicou a dama ao
cavalheiro— Se a noite for fria, é possível que se movam durante toda a noite.
—Sei lady Alisoun. Eu também produzo lã em minha pequena propriedade.
—Claro, não quis lhe ofender — repôs a mulher.
David franziu o cenho, mas esteve assim todo o dia, do momento em que Ivo abriu
sua bocarra para dizer, sem rodeios, que poderiam ter jogado uma flecha na senhora.
Lady Alisoun amava Ivo, mas desta vez tinha provocado problemas e teve que reprovar-
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lhe. O jovem baixou a cabeça, não tentou defender-se, e a reprimenda se limitou a uma
só frase aguda. Era compreensível. Entendia muito melhor a irritação de Ivo para com
David que a inesperada eloquência noturna deste. Se tivesse lua, poderia qualificar de
loucura lunar. Foi inesperado que esse sujeito taciturno, que a censurou por estar mal
defendida, de repente manifestasse tão elevada opinião de si mesmo. Se não soubesse
que não era assim, acreditaria que tinha vontade de ficar perto dela, embora não
imaginasse o por que. Pela Santa Ethelred, a cobriu com a manta.
Captou a expressão impaciente do cavalheiro. Geralmente, Alisoun entendia muito
bem os homens, por isso a inquietava ter perto a um que, cada vez escapava mais à
definição.
O pior era que não entendia muito bem a si mesma. Havia sentido certa agitação
interior quando ele a cobriu com a manta. Uma agitação que havia sentido tão poucas
vezes em sua vida que não sabia como classificá-la. Ocorreu-lhe que poderia ser
ternura, ou inclusive uma fibra de vago afeto.
Por um mercenário! Um homem ao qual ela mesma tinha contratado. Quase
nenhuma mulher teria notado, sequer, essa calidez chamada afeto, mas para Alisoun foi
uma revelação que sacudiu a terra.
E se consolou pensando que não era sir David que lhe provocou semelhante reação,
a não ser seu próprio coração solitário.
—Minha senhora?
Os largos olhos de Fenchel lhe recordaram qual era seu dever, e apagou a expressão
de seu rosto.
—O que, Fenchel?
—Quando a lã se esfriar, a empacotaremos, e eu calculo que haverá uns doze sacos
para o mercado.
—Outro ano que passa. —Suspirou e, ao ouvir que David se afogava, olhou-o com
curiosidade— Está bem, sir David?
Ele assentiu o rosto avermelhado, os olhos quase saindo das órbitas.
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—Traga um gole da fonte para sir David - disse a uma das mulheres, e Avina se
apressou a obedecer. Alisoun elevou a voz para que todos pudessem ouvi-la— Tendo
em conta a seca, têm-no feito bem.
—Ah, mas choveu um dia depois de sua partida. —Os olhos nublados de Fenchel
brilharam de entusiasmo contido— É um bom sinal.
—Muito bom sinal — concordou Alisoun— Terminou a campina?
—O milho está limpo — lhe assegurou Fenchel, enquanto observava como David
bebia a água— Exceto as trepadeiras, mas disso nos ocuparemos quando o
debulharmos.
—Começastes com o feno?
—Sem pausa até a queda do sol.
—Excelente.
A senhora calculou mentalmente os lucros. A seca os afetou, mas não tanto quanto
aos latifundiários menores, e com o grão que tinha comprado aguentariam até o outono,
até a colheita.
Fenchel prosseguiu:
—Há indícios de que este ano o tempo estará bom, portanto encheremos os celeiros
e não teremos que...
—Doze sacos? —grasnou David. Fenchel e Alisoun se voltaram para ele. David
bebeu outro gole de água da caneca que tinha na mão, e esclareceu a garganta. —
Disseram doze sacos de lã para vender?
Fenchel e Alisoun trocaram um olhar pormenorizado. Os sacos carregados de lã
eram enormes, até o ponto de que os empacotadores tinham que subir sobre eles para
esmagar os velos. Sob a pressão, os sacos se avultavam, pois, quando se colocava a
última capa, os empacotadores os pisavam, logo iam retrocedendo pela parte de cima e,
à medida que o faziam, costuravam a abertura do saco. Eram tão pesados e incômodos
que os carregavam em carretas onde estavam a salvo dos ladrões, precisamente por
essas características. Um proprietário pequeno podia produzir dois sacos com lã, e por
esse motivo os olhos dilatados de David e a linha ambiciosa de sua boca não chamaram
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—Dezesseis e quinze.
Fenchel não lhe prestou atenção.
—Como ganhou armaduras, montarias e cavalos aos melhores cavalheiros do reino
e depois os venderam com bons lucros.
Avina o interrompeu, levando uma mão ao coração:
—Todos, exceto um, um jovem que procurava progredir. Em lugar de apoderar-se
das posses do pobre moço, as devolveram, ensinou-lhe a brigar e, até o dia de hoje, esse
jovem lhe é devoto.
—Sir Guy de Archers.
Alisoun viu que Gunhild completava o relato. Todos os aldeãos conheciam as
histórias referidas ao legendário mercenário David, e todos estavam ali, com os olhos
muito abertos, contemplando-o como se fosse um visitante do paraíso.
—Olhem! —disse Fenchel, assinalando o céu— Antes estava espaçoso, mas agora
está nublando-se. Talvez sir David tenha nos trazido boa sorte.
Todos o olharam, salvo Alisoun.
—Certamente, isso espero.
Alisoun admitiu para si mesma que ela também experimentou a mesma comoção
quando o conheceu. Até estendido de cara no barro se notava nele uma aura de
prestígio, embora durante o trajeto para George's Cross esse encantamento tinha
diminuído. Nesse momento, só o que Alisoun recordava era o quanto ficou orgulhoso
quando conseguiu urinar mais longe e mais tempo que Ivo ou Gunnewate. Tal como
qualquer outro homem, dava a impressão de acreditar que ela o media pelo tamanho de
seus rins e... Membros.
Por isso, a adoração de seus aldeãos a pegou de surpresa. Nessa circunstância,
vendo como empurravam para se aproximarem dele lhe tocando as botas com gestos
reverentes, como as mulheres acomodavam os corpetes para amaciar seu busto,
envergonhavam-na e a enfureciam ao mesmo tempo. David não precisava de mais
combustível para sua vaidade.
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Então, captou o olhar dele, que lhe sorriu morto de calor, encolheu os ombros, e
disse:
—As antigas lendas demoram a morrer.
Assim Alisoun compreendeu que foi por isso que o contratou: para dar a seu povo
uma sensação de confiança, para aliviar os temores que albergavam com respeito a ela.
Para afugentar essa escura ameaça invisível. De fato, durante a viagem não houve
incidentes. Pela primeira vez em meses, tinha passado três dias sem essa sensação de
ser observada.
Por isso lhe devia algo mais que dinheiro, e por isso disse, com a maior graça que
pôde:
—Sir David ofereço-lhe meu lar. Faça-o seu.
Aceitou atônito pelas riquezas que havia em sua propriedade, temeroso de estar
todo o tempo boquiaberto, como um porco assado. Embora fosse certo que ele fosse
filho de um barão pobre, odiava sentir-se como uma leiteira ante o rei. E quando
pensava nos doze sacos de lã de Alisoun, maravilhava-se. Ele jamais havia possuído
carros suficientes para carregar doze sacos sequer, e muito menos muitas ovelhas para
produzir essa quantidade de lã. O produto de doze sacos poderia sustentar sua
propriedade durante anos!
Lady Alisoun lhe sorriu, com seu ensaiado sorriso de hospitalidade. Continuando,
dirigiu-se aos camponeses que se amontoavam ao redor do cavalheiro.
—Trouxe grão para nos manter até a colheita. —Lentamente, a multidão se voltou
para ela— Quando os carros chegarem ao castelo serão contados e distribuídos, mas
recordem que têm que durar até que tenhamos recolhido nossas próprias colheitas, e se
este verão for tão seco quanto os dois anteriores, passaremos um inverno duro, boa
gente. Por isso lhes digo que aceitam de bom grado a carga de trabalho extra.
Procuremos que nenhum dos nossos caia na ociosidade.
Fenchel recuperou a sensatez, e gritou:
—Ouçam, ouçam! —e a multidão lhe obedeceu.
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seu cabelo flutuava nas costas como um resplandecente rio de... Ferro fundido?
Demorou o olhar na touca e no véu que sempre usava, só para chateá-lo. Isso lhe
parecia, ao menos. Vermelho. Teria jurado que o havia visto vermelho na escuridão,
mas, como era possível que uma mulher tão reservada tivesse uma cor de cabelo tão
audaz?
Meneou a cabeça. Não, devia ser um moderado loiro ou um discreto castanho.
Ao mesmo tempo em que David cavalgou em direção a Alisoun, Fenchel retrocedeu,
refletindo a veneração em cada linha de seu enxuto corpo. Entretanto, Alisoun observou
David, e este teria jurado que viu um brilho de cinismo fugaz em sua expressão.
Maldita mulher! Outra vez estava observando-a, tentando decifrar emoções que
outra mulher teria compartilhado.
—Minhas aldeãs são encantadoras, não é certo? —Deu um olhar atrás dele, onde
Avina e Gunhild ainda posavam, e David teve que esforçar-se por manter a vista na
direção que foram— O admiram muito, e se prefere ficar aqui, continuará sendo bem-
vindo no castelo, quando chegar.
—Eu? —Aumentou os olhos no que esperava que fosse uma expressão de
inocência— Não destaquei a nenhuma das aldeãs em particular. Só notei que todas
parecem roliças e contentes. —Recordando os peitos generosos de Avina, pensou:
"transbordantes, mais que roliças"— O fato de que seu povo pareça tão bem alimentado
é um tributo a seu bom governo.
Com ar solene, Alisoun pensou e logo assentiu.
—Obrigado. Espero que não se ofenda, mas, devo entender que sua propriedade não
foi tão bem?
O orgulho ferido de David fez explosão, e respondeu com lábios tensos:
—Pode tirar essa conclusão.
—Talvez, queira enviar um de meus homens a Radcliffe com o que ganhou do
primeiro mês.
Que ganhou. Não, "que eu lhe paguei", a, mas sim "que ganhou". Era uma oferta
generosa, expressa com delicadeza, e o surpreendeu. A senhora não se mostrou tão
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sensível a seus humores anteriores: chamou sua atenção por ter chegado tarde, bocejou
quando ele participou do concurso de mijada, duvidou abertamente da capacidade dele
para protegê-la. Mas, por ser uma mulher com doze sacos de lã, podia perdoar e
esquecer.
—Isso seria muito gentil de sua parte, senhora. Agradeço-lhe sua bondosa
consideração. Ficarei agradecido quando puder dispor de um homem.
Preparado. Esse agradável discurso certamente demonstraria que era apropriado
como consorte. As feições de Alisoun se crisparam de maneira peculiar, como se
estivesse cheirando algo desagradável. David se apressou a examinar a sola de seus
sapatos, e logo olhou para trás, onde se viam as pisadas de Louis: nenhum dos dois
tinha pisado em nada fedorento.
Antes que David tivesse tempo de deduzir o motivo da expressão da dama, o cavalo
dela seguiu avançando.
—Pode confiar semelhante soma a seu mordomo? —perguntou Alisoun.
—Sim, posso. —Sorriu para as costas dela— Ele é Guy de Archers.
Girando no arreio, a dama o olhou com os olhos dilatados, e expressão perplexa:
—E o indivíduo existe na realidade?
Bem! Era certo que usava uma máscara, debaixo da qual buliam as emoções. E David
acabava de demonstrar que podia tirar-lhe
—Acaso acredita que todas as lendas eram mentira?
—Não, eu... Não, é que acho difícil compreender que a lenda vive em um... Quero
dizer, que você é o depositário de tão extraordinária...
Talvez, devesse se ofender, mas a compreendia. A maior parte das pessoas não
entendia o que significava ser uma lenda viva. As mulheres o desejavam convencidas de
que seu membro — sem dúvida o maior do mundo— as levaria ao êxtase. Os homens
prestavam atenção em cada uma de suas palavras, acreditando-se esclarecidos por um
significado que não existiam. Todos esperavam que fosse sábio e sincero, e David
percebeu muito bem uma coisa: que a sinceridade era difícil de fingir.
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compreende que é um pouco tolo, que Deus o ajude. Vê perigos onde não há. Terá que
perdoá-lo.
Louis era mais alto que o cavalo de Alisoun. David, mais alto que ela. Juntos, homem
e cavalo ultrapassavam Alisoun e seu cavalo, e isso deu ao cavalheiro um sentimento de
superioridade. Sabia que era uma falsa superioridade. Alisoun se reservava a verdade, e
só brindava a porção que acreditava necessária.
—Minha senhora. —Uma voz masculina saudou do topo do muro— Minha senhora
retornou!
Alisoun levantou a vista, saudou com a mão, uma, duas vezes. David viu uma linha
de cabeças que se sacudiam das ameias. Essa era a gente dela, e se a deixasse receber as
boas-vindas dos servos, perderia a oportunidade de interrogá-la em privado. Tomou as
rédeas do cavalo, e ela as retirou e disse:
—É nosso hóspede. Eu me adiantarei, e farei que lhe preparem o banho.
David esteve a ponto de cair do arreio. Se Louis não se movesse para sustentá-lo,
teria caído.
—Um banho?
—O banho de um cavalheiro. A honra que se dispensa a todo cavalheiro que nos
visita. —A voz se afundou de deleite— É o correto.
—Em meu lar, não.
—Claro que não: isso é óbvio. —Com um entusiasmo que lhe via pela primeira vez,
Alisoun saudou sua gente— Não têm nenhuma mulher que desempenhe o serviço.
Não podia fingir que não conhecia o costume. Conhecia. Foi convidado em outros
lares igualmente importantes, e tinha sido banhado pelas esposas e filhas de seus
anfitriões... Mas não por muito tempo, e nunca depois de ter praticado o celibato
durante um lapso tão prolongado.
—Suas donzelas me darão o banho?
—Sim.
—Você não?
—Não.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Capítulo 05
Esse dia, nós, os escudeiros, estávamos treinando no pátio que se usava para tal fim,
e nunca esquecerei a expressão de sir Walter quando ouviu que lady Alisoun havia
trazido consigo para George's Cross sir David de Radcliffe.
Hugh era quase um homem e tão bom como qualquer cavalheiro experiente. Sir
Walter alardeava com respeito a ele, e vinham nobres de muito longe para vê-lo fazer
práticas, e para tentar enrolá-lo, convencendo-o de que abandonasse a tutela de lady
Alisoun, em troca de promessas de ser renomado cavalheiro antes do tempo e de ficar
com botins de guerra. Hugh tomava seu tempo para responder, sabendo que lady
Alisoun seria generosa com ele quando chegasse o momento.
Andrew tinha dezessete anos e a meus olhos de menino não era tão impressionante.
Quanto a Jennings... Bom, Jennings não tinha mais que quatorze, e eu era menor que ele,
e jamais me permitia esquecê-lo. Hugh e Andrew praticavam sob o olhar severo de
Walter, enquanto Jennings e eu lutávamos com espadas de madeira, e ele estava me
derrotando sem atenuantes.
Sir Walter tinha me agarrado pelo braço e gritava que eu era um estúpido quando
chegou correndo um de seus bajuladores da aldeia, gritando que a senhora do George 's
Cross tinha chegado. Sir Walter interrompeu seu discurso e me separou de um
empurrão.
—Conseguiu voltar, não? —disse— Já era hora.
O adulador se apoiou contra o portão apertando o peito, ofegando por ter subido
correndo a costa da aldeia até o castelo, e ainda assim não se deixou vencer pela fadiga.
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Observando a expressão furiosa de sir Walter, Alisoun se perguntou se não teria que
tê-lo advertido sobre quais eram suas intenções. Entretanto, quando partiu, não sabia
se ele ainda estaria ali quando ela retornasse, nem se ela conseguiria encontrar e
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contratar sir David. E se o tivesse comunicado, talvez sir Walter tivesse partido antes
dela, e ela necessitava que protegesse o castelo o tempo que durasse sua ausência.
Bem, pois agora pagaria por seu silêncio.
—Sir Walter —saudou-o — Está tudo bem dentro do castelo?
—Naturalmente que sim — lhe espetou, examinando com ar turvo sir David— Eu
sempre cumpro meus deveres.
David não deu a impressão de notar a animosidade que turvava a atmosfera. Seguia
carrancudo, e quanto a seu cavalo — animal voluntarioso, se alguma vez Alisoun tinha
visto um— adotou uma atitude similar. Louis deixou cair à cabeça, encurvou o lombo e
avançou pela ponte como um cavalo de granja muito velho.
É obvio, o que Alisoun queria saber era se houvera outros incidentes, mas embora
sir Walter soubesse disso, negou-se a comunicar-lhe e ela não se atreveu a perguntar:
era impossível, pois assim David saberia quais eram as circunstâncias. Por sua
experiência com sir Walter, sabia que, para os homens, a perseguição da qual ela era
vítima era merecida, pela estupidez de sua ação, e não se atrevia a contar a sir David
por temor de que desse meia volta e partisse... E precisava dele. Outra olhada a sir
Walter confirmou: Precisava de sir David agora mesmo.
David não respondeu quando Alisoun os apresentou, mas sir Walter ficou mais
rígido, mais direito, esticando-se para alcançar uma estatura que não tinha.
—Sir David, sua reputação lhe precede.
—Sempre me precede. Vai ficar para sempre no meio da ponte, ou vai sair para um
lado para deixar à senhora passar?
Alisoun sorveu o fôlego: assim sir David tinha captado a provocação silenciosa. Não
lhe importaria? Descartava sir Walter como insignificante? Ou acaso tinha um plano?
Observou ao homem abatido e ao cavalo desconsolado: não era possível que tivesse
um plano.
Louis se adiantou por sua própria iniciativa, ao que parece, e sir Walter se enfrentou
com o maciço cavalo. Louis seguiu avançando. Sir Walter se fez a um lado. Tudo foi
muito rápido, muito fluido, muito deliberado. Alisoun seguiu atrás do caminho de Louis,
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permitindo que David deixasse a um lado suas objeções, e continuou a marcha atrás
dele.
Dentro do imponente recinto aberto, receberam-na gritos de alívio e de satisfação.
As crianças se aproximaram correndo, enlameados por ter estado no lago. As mulheres
se endireitaram, endurecidas de ter estado arrancando mato, e a saudaram com a mão.
As leiteiras saíram à porta da leiteria, e o falcoeiro levantou o pássaro mais novo para
mostrar-lhe. Ah, que bom era estar de retorno ao lar. E que seu povo se regozijasse de
vê-la voltar sã e salva.
Ante ela se erguiam altos, os muros interiores. Com um bamboleio crédulo, David
conduziu seu cavalo para a porta do castelo. Alisoun ouviu, misturado com seu próprio
nome, as exclamações masculinas de: "David! Sir David de Radcliffe!"
Com gesto negligente, elevou uma mão para os guardas armados que se
amontoavam sobre o parapeito do muro. Dispersaram-se quando sir Walter gritou, mas
David nem se alterou. Ficou atrás até que Alisoun o alcançou e puderam entrar juntos, a
cavalo, no recinto aberto. Sir Walter se apressou a alcançá-los. Tinha sido o guardião do
castelo e mão direita de lady Alisoun, e tinham modificado sua posição sem lhe dizer
uma palavra.
Alisoun se perguntou se a habilidade para abranger uma situação e avaliar
imediatamente não seria uma das condições para converter-se em lenda.
Os quatro andares do castelo se erguiam abruptos, no centro do recinto interior.
Não havia portas nem janelas que atravessassem a grossa pedra do primeiro andar, mas
as mulheres da servidão apareciam pelas diminutas janelas verticais mais acima.
Amontoavam-se nas escadas de madeira que era à entrada do segundo nível. Edlyn
estava sozinha no patamar, as mãos na cintura, esperando com calma a sua senhora.
Agradada com a dignidade de sua pupila, Alisoun dedicou um sorriso de aprovação
à moça e Edlyn ficou radiante. O cozinheiro saiu do abrigo que funcionava como cozinha
com um garfo em uma mão levantando um ganso depenado: Easter sabia o que Alisoun
gostava. O padeiro abriu o grande forno e tirou uma fornada com sua pá de madeira, em
meio de uma grande baforada de vapor fragrante. Ajoelhou-se para oferecer-lhe e, até
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de longe, Alisoun percebeu o aroma da canela, que ela adorava. Dirigiu-se para ele,
disposta a aceitar o pão, e ouviu atrás dela uma exclamação afogada:
—Por piedade, é muito rica!
Alisoun quis ignorá-lo. Teve essa intenção, mas se voltou para ele com graça:
—Não é o primeiro homem a perceber — disse em voz baixa, com certo matiz
cortante.
—Imagino. —David tamborilou com os dedos sobre as rédeas, e olhou as mãos—
Em Radcliffe, a única ocasião em que matamos um ganso é quando alguém está doente...
Ou quando o ganso está.
Alisoun teve vontade de rir, mas não estava segura de que o cavalheiro estivesse
brincando. O poderoso sir David parecia humilhado e maravilhado. A dama voltou a
olhar ao redor, e o viu tudo através do olhar dele. Entre os muros do castelo se
encontravam as comodidades da vida. No meio do recinto aberto estava a fonte. Nos
armazéns, debaixo do castelo, havia provisões para resistir um assédio de seis meses.
Alisoun cresceu em meio a riqueza, embora lhe ensinaram a ser bondosa com os menos
afortunados. Seria sir David um desses menos afortunados? Talvez não tivesse os
recursos de que ela gozava, mas era homem.
Os homens eram os reis; possuíam toda a terra. Os homens eram pais; obrigavam
suas filhas a obedecer. Eram maridos; golpeavam suas esposas com paus.
Sir David, em troca, era um dos pequenos latifundiários afetados pela seca. Olhava a
ela e via uma maneira de reparar sua fortuna e, que mal podia haver nisso? Entendia-o
muito bem. Sabia que procurava seduzi-la por seu dinheiro, e para ela tampouco era
novidade rejeitar pretendentes como esse. Por isso disse, com toda a delicadeza que
pôde:
—Depois do banho, poderá comer todo o ganso, se assim desejar.
David elevou a vista para ela, e Alisoun viu alarmada, que tinha olhos castanhos.
Castanhos, da cor de um carvalho velho, cabelo castanho tão escuro que os fios cinza
brilhavam como se fossem de estanho, e que seu rosto bronzeado tinha sido
testemunha de muitas batalhas, muita fome, muita escassez de bondade. Por um
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instante fugaz, olhou-a como se ela fosse o desventurado ganso, preparado para ser
depenado.
Possivelmente não deveria deixá-lo no comando de seu castelo.
Disse em voz alta? Não acreditava, e, portanto ele deve ter lido seus pensamentos,
porque disse:
—Não, minha senhora, já é muito tarde para segundos pensamentos. —Mas logo sua
expressão mudou, fez-se maliciosa e até um pouco perversa— Acredito que tomarei a
palavra e comerei todo esse ganso.
Apesar de Alisoun estar tão segura em relação a ele, uma olhada à alma desse
homem a deixou gelada e tremendo. Talvez lhe conviesse recordar que tinha começado
sem outra coisa que um título de cavalheiro, e que agora já possuía uma propriedade e
uma lenda. Isso bastaria para satisfazer a qualquer homem. Arriscou outro olhar em sua
direção:
Não parecia satisfeito.
Mesmo assim, ela tinha um dever. Como anfitriã, tinha que cumprir com as
cerimônias da hospitalidade, pois era o que seu povo esperava dela. Mais ainda, ela
esperava de si mesma, e não tinha razão de peso para negar-lhe. Aceitou o pão,
envolveu-o em um pano e agradeceu ao padeiro.
Depois de tudo, o que David queria tragar era sua ave, não suas terras. Abriu o pão, e
David ficou contemplando com uma espécie de ávida fascinação o vapor que saía dele.
Alisoun mordeu uma parte. David observava cada um dos movimentos da boca de
Alisoun com a sua ligeiramente aberta. Incomodada, a dama mastigou rapidamente,
lambeu um miolo dos lábios, e o ouviu aspirar bruscamente o fôlego. Devia ter muita
fome.
O encaminhou sem demoras.
—Compartilhe este pão de boas-vindas —recitou— Abençoe minha casa com sua
presença sempre.
—Como ordenar, minha senhora.
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David fez girar o pão até chegar ao lugar em que ela tinha mordido, e rasgou o pão
com os dentes como um lobo fincando-os em carne tenra.
Significaria algo esse gesto? Ou acaso seus temores das luas passadas tinham
incentivado sua imaginação até chegar ao absurdo?
David passou o pão a sir Walter, como se não advertisse as emoções que a
arrasavam.
Sir Walter também rompeu e comeu o pão e, a julgar por sua expressão, quem
olhasse teria imaginado que estava feito com castanhas amargas das Índias. Depois
disso, Alisoun perdeu de vista o pão, sabendo que passaria até onde fosse possível, e
cada um iria dando diminutos bocados, como parte da cerimônia de bem-vinda.
O barril de cerveja demorou mais tempo em chegar, pois um dos homens mais
corpulentos devia carregá-lo nos ombros das adegas do castelo. Uma vez mais, ela
recebeu a primeira taça.
—É a mais nova — lhe disse a cervejeira— E tem um excelente sabor.
Alisoun a esvaziou até o fundo.
—Uma das melhores tem feito — assegurou a Mabel.
A mulher de cabelos cinza piscou o olho a ela, encheu de novo a taça e caminhou a
David. A este dirigiu uma piscada muito mais luxuriosa, e ele a retribuiu, com um
sorriso capaz de fundir o ferro. Os serventes reunidos o contemplavam fascinados
enquanto bebia, observando com deferência cada balanço do pomo de Adão. Alisoun
não sabia se se divertia ou irritava-se, a diferença de sir Walter que sim, sabia. Tirou sua
própria jarra do cinturão, encheu-a com cerveja e bebeu, rompendo a cadeia, para não
ter que fazê-lo depois de David. Foi um gesto que não escapou a ninguém, mas que ficou
anulado pela rixa que estalou entre os homens: todos queriam beber da mesma taça
que David.
A Alisoun pareceu um bom momento para escapulir. Desmontou, e se encontrou
cara a cara com sir Walter. Era estranho que não soubesse como diluir a tensão, mas
nesse momento ficou muda, esperando que ele falasse. Olhou-a, carrancudo. Alisoun
deu a volta para o castelo, e ele a agarrou pelo braço.
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—Por que o trouxe aqui? —Levantou as mãos para os ombros dela, como se
quisesse sacudi-la— O que eu fiz para ganhar seu desprezo?
Alisoun manteve os dedos frouxos aos lados, o rosto sem expressão.
—Tenho um grande respeito por você. Juntos, mantivemos a paz e administramos
justiça em George's Cross durante anos.
—Eu sempre disse isso. Sempre disse. —Fez uma profunda inspiração e, a cada
inalação, vibravam-lhe as aletas do nariz— Você é a senhora. Você é quem julga, e eu,
quem executa e dirige os castigos. Você paga para que eu seja odiado pelos camponeses.
O que afirmava era a pura verdade. O povo que habitava o castelo e a aldeia sabia
quem dava as ordens, mas a intervenção dele lhes permitia descarregar sua ira sobre
alguém que não fosse sua amada senhora.
Sir Waíter prosseguiu:
—Se o povo estiver se queixando, posso mudar minhas atitudes. Ser menos estrito
com as transgressões deles.
Alisoun sabia que, em sua ausência, sir Walter regia o castelo com mão dura. A
entusiasta boa-vinda com que sempre a recebiam de volta de suas viagens indicava isso.
Perguntou-se se seu mordomo desaprovava seu tato, discrição e piedade. A evidente
hostilidade do homem a enchia de dúvidas.
—Ninguém se queixou de você.
—Então, por que...?
—Né! —Apareceu David junto a eles, relaxado pela cerveja, sorrindo como um
bobo— Minha senhora prometeu-me um banho.
No peito de Sir Walter começou a retumbar um grunhido surdo, como quando um
cão cheira um desafio.
—É verdade. —Olhou sir Walter— Desculpe-me?
—Não!
Quando se equilibrou para tomá-la pelo braço, golpeou as costas de David.
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David tinha conseguido deslizar-se entre os dois, e não deu a impressão de ter
captado o impacto do golpe. Com a mão no ombro de lady Alisoun, guiou-a para o
castelo.
—Sua hospitalidade é perfeita, minha senhora. Até o banho deve ser um prazer sob
seus auspícios.
—Minha senhora! —exclamou sir Walter— Preciso falar com você.
—Venha então — lhe gritou primeiro David - ela tem que dar um banho. —Olhou
para o céu e esticou a mão— E acredito que devemos procurar refúgio, porque está
começando a chover.
Ao ouvir o bufido indignado de sir Walter, quase não pôde conter uma gargalhada.
David já tinha conhecido homens como esse: um cavalheiro que, depois de ter retido
muito tempo uma posição, chega a pensar que tem esse lugar assegurado, sejam quais
sejam suas ações. David se surpreendia que lady Alisoun tivesse permitido que isso
acontecesse, mas sem dúvida a situação devia ter se desenvolvido pouco a pouco, sem
que ela percebesse. Pelo menos, já tomara providências para corrigi-lo, e agora
conseguia entender um pouco melhor por que o contratara.
Se alguém esteve disparando flechas, talvez o culpado fosse sir Walter. Deu uma
olhada para trás, para observar o queixoso e inchado indivíduo. Para falar a verdade, sir
Walter não se comportava como um possível suspeito. David olhou lady Alisoun: não se
comportava como uma mulher tão capaz de se enganar em seu julgamento sobre seu
cavalheiro chefe.
As donzelas alinhadas na escada saudaram sua senhora com reverências e frases de
boas-vindas. O respeito que lhe dispensavam confinava com a veneração, e não era
possível que o tivesse ganhado comportando-se como uma tola.
A jovem nobre que estava no topo da escada também fez uma reverência, e logo se
jogou nos braços de Alisoun como se não pudesse suportar um instante mais a
separação. Alisoun lhe aplaudiu a cabeça — foi só um momento, mas de todos os modos
foi uma carícia afetuosa— e logo a afastou.
—Ponha-se direita, lady Edlyn, e me permita te apresentar a sir David de Radcliffe.
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David se preparou para outro assalto de adulação não desejada, mas ante a menção
de seu nome não se produziu nenhuma iluminação no rosto da moça. Sua própria
vaidade o fez sorrir, e compreendeu que ela era muito jovem para recordar suas
façanhas de mercenário.
Edlyn disse:
—Eu o saúdo, bom lorde, e lhe dou as boas-vindas a George's Cross.
Ao que parece, suas agradáveis maneiras agradaram a lady Alisoun, porque voltou a
lhe dar outra breve palmada carinhosa.
—Onde está Philippa? —perguntou.
—Alimentando à pequena — respondeu Edlyn. Voltando-se para David, Alisoun lhe
explicou:
—Philippa é minha donzela pessoal.
A explicação o surpreendeu um pouco. Por que acreditou que lhe importaria? Logo
entraram, passando do calor ao frescor e da luz à escuridão, e David já não se fez mais
perguntas, salvo as referidas às dimensões monumentais do castelo. Viam-se umas
escadas que subiam em espiral, perdendo-se na escuridão. Um sopro de ar fresco lhe
indicou que se estendiam em cima de três pisos até o teto, onde patrulhavam os
guardas armados. Havia outras que desciam em espiral, e dos porões e adegas
chegavam aroma de barris úmidos e ervas amargas. Um corredor curto e torcido
conduzia ao grande salão. E ao chegar ali...
—Certamente, é grande — murmurou sir David, tentando abranger tudo com a
vista, de uma só vez.
Os postes verticais chegavam do chão até o ângulo do teto, e mais à frente
imponentes vigas de carvalho esculpidas com fantasiosos desenhos, projetavam o arco
para cima. Altas janelas estreitas deixavam passar finos feixes de luz do sol poente, mas
já havia tochas acesas em seus suportes. Havia cadeiras e bancos agrupados em volta de
duas lareiras gigantescas, uma em cada extremo do salão. Seus fogos rugentes
enfraqueciam as pedras frias, mas as paredes branqueadas se conservavam brancas.
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Para onde iria à fumaça? Subiu à plataforma, aproximou-se mais, e viu que uma pedra
em forma de sino recolhia a fumaça e a fazia passar por um canal que a levava fora.
—Incrível — murmurou, tocando o sino com um dedo.
Alisoun atraiu seu olhar. Observava-o sem expressão, mas ele soube que ela tinha
captado sua admiração e sua estupefação.
Bom, por que não? Ele não ocultava as emoções como se ele fosse um avarento e
cada emoção, uma pepita de ouro.
—Lady Alisoun!
A chamada girou sobre si e localizou a cálida voz ao lado oposto da lareira.
—Philippa, voltei.
Foi até o banco metido em um canto abrigado, onde uma roliça donzela sorridente
dava de mamar a uma recém-nascida.
David se aproximou do fogo e estendeu as mãos para esquentar-se.
—Está ferida? —perguntou à donzela. Alisoun tirou a capa.
—Como pode ver, ainda estou bem e em uma só peça. —inclinou-se e abraçou à
mulher— Embora isso seja para que você saiba.
—Tome cuidado! —Philippa fez Alisoun sentar ao seu lado no banco— Quase
esmaga Hazel.
Alisoun olhou de soslaio à menina que, como já tinha idade suficiente para brincar,
imitou-a. Logo se separou do mamilo e lhe dirigiu um sorriso úmido de leite.
David se esticou para ver: nem a impassibilidade de Alisoun resistia o sorriso de
uma recém-nascida.
—Sir David. —Surpreso, sentiu que alguém o dava volta com brutalidade e se
encontrou ante o rosto iracundo de sir Walter— Quero falar com você.
David se soltou com um rápido e eficaz giro do pulso.
—De maneira nenhuma. —Deu-lhe as costas— Mais tarde.
Depois do que tinha visto, queria observar essa prova que representava a pequena.
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as costas de Hazel até que ouviu junto a seu ouvido um úmido arroto. Girando a vista
para a pequena com cara satisfeita, disse— Acho que será melhor que a devolva a lady
Alisoun.
Ouviu-se um retumbo no outro extremo da menina, e Alisoun se levantou do
assento.
—Oh, não. Não me dê isso agora. Tenho que ir preparar o banho. - Evidentemente,
sir Walter tinha desistido de convencer David, porque apelou a Alisoun:
—Temos que falar.
—Muito bem. —Fez-lhe um gracioso gesto de assentimento, e chamou em voz alta—
Edlyn!
Sua pupila se aproximou depressa, as bochechas avermelhadas de prazer por ter
sido chamada.
—Minha senhora?
—Prepara o banho de nosso hóspede no quarto azul. Para ele será necessário usar a
banheira maior. —Dando uma olhada, a David, afastou-se um pouco, embora ele de
todos os modos escutou— Traz as tesouras: cortar-lhe-ei o cabelo.
David tocou as mechas que lhe penduravam sobre os ombros.
Alisoun prosseguiu:
—Penso que o melhor para mitigar o pior da pestilência será a manjerona e o óleo
de eucalipto.
Assombrado, perguntou a Philippa:
—Cheiro mal?
Por um momento, acreditou que a mulher se poria a rir. Formaram-lhe rugas nos
cantos dos olhos, tremeram-lhe os lábios, e embora risse dele, ansiava ouvi-la.
Certamente, esta pessoa tão maternal lançaria uma grande gargalhada ressoante, um
grande estalo de alegria que contagiaria aos que estavam perto.
Mas se controlou, tremendo pelo esforço.
—A senhora tem um nariz muito sensível, e você cheira intensamente A... Homem.
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Estava seguro de que esse não foi o primeiro termo que ocorreu a Philippa para
descrevê-lo. Acaso Alisoun teria esmagado o humor natural desta mulher? Observou-a,
enquanto dava instruções a Edlyn. Durante sua estadia, se não outra coisa, conseguiria
fazer Alisoun rir e liberaria os seus criados dessas ataduras sem sentido.
Com uma precaução que David acreditava mais apropriada para javalis selvagens,
Philippa lhe tirou à menina.
—Trocar-lhe-ei as fraldas. —Mas seguiu olhando-o— Você é sir David de Radcliffe,
não é certo?
David permaneceu quieto, tentando não parecer ameaçador.
—Sim.
—O famoso mercenário?
Havia pessoas que, ao ouvir seu nome, conhecendo sua reputação, pensavam que ele
devia ser constantemente selvagem e brutal e, ao que parecia, esta mulher era uma
dessas pessoas. Respondeu-lhe com suavidade:
—Sou mercenário, mas possivelmente a fama exagere.
—Será melhor que não — lhe replicou, e logo empalideceu e deu um passo atrás.
Respirava em pequenas baforadas agitadas, e lhe deu a impressão de que queria sair
correndo. Percebendo a inquietação da mãe, a menina se removeu e gritou, e Philippa
lhe deu umas rítmicas palmadas, sufocando sua capacidade instintiva de tranquilizá-la
por sua preocupação— Precisamos que seja tudo o que a lenda proclama. Necessitamos
que proteja a minha senhora Alisoun. Se algo mau lhe acontecesse...
—Philippa! —A voz de Alisoun cortou a advertência da donzela— Vá trocar à
menina, e depois reate suas tarefas.
Philippa girou em redondo e olhou a Alisoun com a boca aberta.
—Sim, minha senhora. —Entorpecida pela menina, fez uma reverência
desajeitada— Só estava...
—Não me importa. —Alisoun apontou com um dedo no rosto de Philippa—
Mantenha... Você mesma... No lugar. Não tem nada que falar com sir David, e menos de
um modo tão familiar.
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meteria. Desistiria de seus planos de cortejá-la, e a raptaria. Sir Walter não seria rival
para sir David.
—Ouviu-me, sir Walter?
A voz gelada da dama invadiu as reflexões de David, que se apressou a desprezar
seus sonhos. Só acreditava no que via, ouvia e tocava.
—Peço-lhe perdão, milady.
Sir Walter fez uma inclinação, com todo o aspecto de um sincero arrependimento.
Estaria contrito por ter dito algo tão estúpido ou por ter enfurecido a sua senhora?
Como lhe ocorreu apoiar semelhante despotismo, sendo sua senhora feudal uma
mulher, e existindo todas as possibilidades de que o considerasse uma provocação?
—Se voltar a me submeter à semelhante estalo, já não terá opções. Terá que
procurar outro lorde a quem servir... Algum que seja mais de seu agrado.
Podia falar desse modo a seu amante? Certamente que não. Nem a própria lady
Alisoun seria tão desdenhosa com o homem que tinha pulado com ela.
David caminhou a vista do corpulento e ruborizado sir Walter, que protestava com
ardor, à alta, remota lady Alisoun: não, sir Walter não tinha enrugado o colchão com ela.
Agora ele sabia que ela sim tinha emoções. Talvez seu semblante não as
manifestasse, sua postura se mantivesse igual, mas atrás desses olhos cinza existia uma
alma. E ele chegaria a compreendê-la embora tivesse que conspirar, espionar, recorrer
à ajuda de todo o povo de Alisoun e até ao próprio coração da fria e solitária donzela de
George's Cross.
Guiado por Alisoun, David entrou tropeçando em seu quarto. A dama duvidou da
ideia de pôr sua segurança e a de George's Cross nas mãos deste homem. Nas sujas
mãos deste homem.
Terá melhor aspecto quando tiver recebido um banho, convenceu a si mesma, e
estalou os dedos às criadas, que entraram em ação despindo-o e jogando a roupa do
cavalheiro em um cesto, para ser fervida.
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—Talvez os pobres queiram algum objeto — disse uma das donzelas, elevando com
dois dedos os trapos imundos ao qual David chamava de calções.
—Nem os pobres vão querê-lo — repôs Edlyn. A voz de Edlyn despertou Alisoun.
—Você pode ir querida — lhe disse— Não me parece correto que uma virgem
solteira banhe os convidados.
—E você vai banhá-lo? —perguntou sir Walter da porta. Surpreendidas, todas as
mulheres se voltaram para olhá-lo e logo a Alisoun.
—Como sempre — respondeu Alisoun.
O mordomo pôs os punhos nos quadris.
—Você não é virgem?
Tão encolerizada que lhe custava falar, replicou:
—Sou viúva.
Pela boa Santa Ethelred, esse homem tinha perdido o julgamento. Quando se
convenceu que tinha o direito de questionar as atividades de sua senhora? Quando
tinha perdido o respeito até o ponto de acreditar que poderia insultá-la sem
consequências?
Ah, ela conhecia a resposta.
Quando lhe confessou que era capaz de arriscar tudo para fazer o que considerava
justo, ele não compreendeu que não lhe importava nada a desaprovação ou a opinião
dele. Pagava seu salário, e o que esperava dele era uma lealdade incondicional. E
embora não a concedia, Alisoun recordava seu prévio apoio e não se sentia capaz de lhe
ordenar que buscasse outra ocupação.
Controlou de maneira mecânica os acertos para o recém-chegado. Acordou com
Edlyn um jantar especial, e logo a fez sair. Na lareira ardia o fogo. Apertou o colchão: a
roupa de cama despedia um aroma limpo e seco. Levantou as jarras que havia em uma
mesa, junto à cama, descobriu que estavam vazias e franziu o cenho. Em seu entusiasmo
por servir ao legendário mercenário, as criadas esqueceram-se de terminar de preparar
o quarto.
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Junto à banheira, uma das empregadas gritou, e Alisoun deu um olhar impaciente ao
pequeno grupo reunido em volta de David. Que frivolidade! Acreditavam que, por ser
uma lenda, seria também a resposta às preces de uma donzela? Deu uma olhada ao
furioso sir Walter. Também ele pensava o mesmo? Por isso ficava a um lado,
observando, arrepiado como um mastim?
O grupo se separou um instante, e Alisoun teve um vislumbre de David, nu e
gotejando. Sem dúvida, não era o sonho de uma donzela. Mas bem, o sonho de uma
cozinheira, pelo fraco que estava. Ou de uma lavadeira. Jamais tinha visto um homem
tão encravado de sujeira. Precisaria uma enérgica fricção para tirar toda a imundície,
mas, face à opinião de sir Walter, Alisoun sabia qual era seu dever, e sempre o cumpria.
Enrolando as mangas, tomou o avental que as donzelas lhe prepararam para que se
cobrisse. Se pudesse, o teria deixado nas mãos das criadas, mas não se atrevia a voltar
atrás, pois sir Walter consideraria uma vitória.
Sua voz uniforme cortou o falatório.
—Onde está o vinho e a água, se por acaso nosso hóspede tiver sede durante a
noite?
Heath levou a mão à boca.
Antes era a donzela pessoal de Alisoun, e a senhora a promoveu a donzela principal
quando Philippa chegou e, quando se distraía, às vezes faltava aos seus deveres.
—Ficaram outras tarefas sem fazer? —perguntou Alisoun.
O grupo que rodeava David se dispersou. Heath correu de um lado a outro,
controlando a tarefa de cada criada. Mas todas ficaram no quarto esperando captar
visões da lenda que tinham entre elas, supunha Alisoun. Não lhe importava. Só o que lhe
importava era que houvesse enguiços ou defeitos em sua hospitalidade.
Ao aproximar-se, David se afundou na água como se pudesse derretê-lo e, por sua
expressão, teria dito que não tinha experiência prévia para desmentir essa crença.
Ensaboando o pano de lavar, Alisoun tentou aliviar a inquietação do homem com
uma conversa intracedente:
—O quarto é de seu agrado?
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Essa concisa resposta respondia mais de uma pergunta. David não alardeava de seus
triunfos, mas ela queria saber. Não pelos mesmos motivos que suas donzelas, que
simplesmente o adoravam sem questioná-lo, mas sim porque necessitava a confirmação
de suas proezas.
Então, David se inclinou para trás para que ela pudesse ter acesso ao seu peito, e
Alisoun viu mais testemunhos dos sofrimentos que ele suportou, tanto em batalha como
na luta por sobreviver à seca. Os cordões de músculos que atravessavam seus ombros
elevavam a pele em impressionantes ondulações, e ela percorreu o contorno da
clavícula proeminente enquanto o esfregava. Nos braços se via com claridade o efeito
de brandir a espada e o escudo. As veias do dorso de suas grandes mãos se sobressaíam
em linhas azuis, e viu que lhe faltava o dedo mindinho da mão esquerda.
Levantando-lhe o pulso, perguntou-lhe:
— Espada?
— Machado de combate.
— Essa viúva também voltou a se casar?
Em tom aborrecido, respondeu:
—Não! Foi só um treino.
Alisoun voltou a olhar o lugar em que esteve o dedo.
—O perdeu em uma batalha de brincadeira?
—De brincadeira, não — respondeu ele, paciente— De prática. Para praticar e
entreter a corte fazemos uma apresentação. —Levantou a mão e lhe sorriu com
carinho— Se sir Richard não tivesse contido a espada, eu teria perdido a mão inteira. —
Colocou-a de novo na água, e adicionou— Naquele tempo, eu era um moço
inexperiente, e acabei tendo sorte.
—Sorte.
Observou-o, e não lhe pareceu sortudo. Diversas armas lhe abriram linhas na carne,
na parte superior do peito, deixando um intrincado desenho de pêlo negro e cicatrizes
brancas sobre seus impressionantes peitorais. Imediatamente debaixo, as costelas se
perfilavam com espantosa claridade.
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Rindo as gargalhadas, David rodou por sua cama e esmurrou o travesseiro com
entusiasmo. Nunca em sua vida esqueceria a expressão que tinha transformado o
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—Bem, foi uma sensação um tanto estranha estar com o corpo limpo sobre lençóis
limpos e um quarto só para mim, mas suspeito que seja fácil me acostumar.
—Sim, é agradável ter o corpo limpo. —Apoiou o tecido sobre um banco, junto à
lareira, e disse com particular ênfase— Também é mais agradável para as pessoas que
lhe rodeiam. O sol está saindo. Está na hora de cumprir seus deveres.
O sorriso de David decaiu.
—Meus deveres?
—Sem dúvida, quer conversar com sir Walter hoje, e eu lhe disse que você deve
gozar de liberdade de andar por onde queira e de falar com quem lhe agrade.
—É generoso de sua parte minha senhora.
Sem fazer caso nem da frase nem do tom irônico, Alisoun desdobrou uma túnica de
linho vermelho e uma sobreveste de lã azul arroxeado.
—Parece-me que esta ficará bem e será apropriada para suas cores.
Perplexo, repetiu:
—Para minhas cores?
—Um homem corpulento como você, com olhos e cabelo castanhos, e pele
bronzeada, tem que vestir-se de modo que não se pareça com o tronco de uma árvore.
David observou duvidoso, o desdobramento de cores que a dama tinha nas mãos.
—Possivelmente seja uma vantagem parecer um tronco de árvore quando espreita
o perigo.
—Eu pensei nisso. —Com um estalo, estendeu uma capa negra, bordeada de
verde— Não acredito que lhe exponha ao perigo à luz do dia e, nas primeiras horas da
manhã e as últimas da noite, esta capa o abrigará e o protegerá de ser visto quando não
houver necessidade. Levante da cama. Quero cortar seu cabelo.
A noite anterior, antes de sair do quarto, deixou as tesouras ali, mas não as
esqueceu. Por que insistia tanto em lhe cortar a juba? Seria como o banho, uma espécie
de cerimônia quando a gente ingressava na casa de lady Alisoun?
—Antes, deixe que me vista.
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A porta estava aberta, mas Alisoun estava sozinha e, pela primeira vez, David se
perguntou por que. A senhora da casa jamais deveria rebaixar-se a carregar com sua
roupa, mas talvez a donzela principal tivesse sido castigada por ter rido e por ter dito
que a senhora o achava atraente... Quando estava limpo.
Nu como chegou ao mundo, apoiou os pés no banco junto à alta cama e logo baixou
ao chão, sem afastar a vista de Alisoun para espiar sua reação.
—Trouxe calça?
A dama levantou dois cilindros de lã negra e os mostrou.
—Ponha os calções — lhe ordenou— Depois, sente-se no banco. Você não gostaria
que a túnica ficasse cheia de recortes de cabelo.
Enquanto fazia o que lhe indicou, observou-a atentamente procurando sinais de
interesse ou intriga: não os encontrou. Tinha estendido uma toalha sobre a mesa que
estava junto ao banco, provou as tesouras, colocou as mãos unidas diante de si e ficou
de pé esperando que ele se sentasse.
Ocorreu-lhe que era uma mulher calma. Essa falta de expressão que tanto o
frustrava a convertia em uma companheira agradável. Por outro lado, o fazia desejar
provocá-la para ver nela alguma reação. Sentou-se e, enquanto o envolvia com um pano
sobre os ombros, David lhe disse:
—Perguntava-me... Por que foi embora ontem à noite?
Viu que ela estendia a mão por trás dele, recolhia um pente de marfim e logo se
retirava. O pente se fincou no cabelo da frente, e logo se deslizou pelo cocuruto.
Enganchou-se em um enredo, e se deteve dando um puxão à altura do pescoço.
— Ai! —Apoiou com força a mão sobre a dela, que puxava para desenredar os fios—
Ai! Ai! Chega com isso!
Flutuou sobre ele uma cálida risada afogada, lhe acariciando os ouvidos, e tentou
girar para ver brotar esse milagre de emoção da dama. Só o que conseguiu foi que o
pente se fincasse mais, e que ela o empurrasse de volta a sua posição.
—Sempre se queixa? Se for assim, não queria estar perto quando lhe feriram,
realmente.
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Alisoun soprou para lhe tirar o cabelo cortado da orelha, e David estremeceu, mas
não de medo.
—Impressionou-me muito.
Cortou a frase tão abruptamente como as tesouras cortavam o cabelo.
Ficou satisfeito, e pediu:
—Não corte muito.
—Não confia em mim?
Por mais estranho que parecesse, quando não se distraía contemplando-a, lhe era
mais fácil perceber seus estados de ânimo. Sua voz a traía mais do que teria gostado, e
suas mãos já não se moviam com tanta graça quando se exasperava.
—Você não confia em mim!
O pente e as tesouras se detiveram:
—O que quer dizer com isso?
—Ainda não me disse qual é a ameaça. Para isso estou aqui, não é certo? Para lhe
proteger de certa ameaça.
O pente e as tesouras reataram seu trabalho, e ela respondeu, com relutância:
—Alguém não gosta de mim.
—Até o ponto de lhe disparar flechas?
—Parece que sim.
—Por quê?
—Não sei.
David decidiu que isso era mentira.
—Quem?
—Não sei.
Outra mentira. Entretanto, o que lhe havia dito era quase tão interessante como o
que não lhe dizia, e mais interessante ainda, o motivo pelo qual não o dizia. Começava a
ver que, quando quisesse obter alguma informação de Alisoun, teria que puxar um
assunto que ela queria evitar, como por exemplo, o modo em que reagia ao corpo dele, e
depois deixar que falasse de um tema alternativo, como a perseguição que sofria.
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—Por que não vai ao rei e apresenta queixa contra esse lorde que tanto lhe
persegue?
Alisoun penteou as mechas dos lados sobre o rosto dele. Eram tão compridos que
passavam do nariz, e lhe faziam cócegas. David os soprou, e a senhora o repreendeu:
—Não faça isso, também tenho que cortar estes.
Caminhou por cima do banco e ficou diante dele.
Seios! Alisoun tinha seios que empurravam contra o fino tecido azul. A queda reta
da túnica que usava ocultava o resto de suas formas, mas os seios rogavam que os
beijasse. Quase os ouvia chamando-o por seu nome, e quis apoiar o ouvido ali para
escutar melhor. Talvez estivessem afogados ali dentro. Possivelmente... Possivelmente
fosse preferível que dominasse outra impressionante exibição. Resmungou, com voz
rouca:
—O rei?
—O rei Enrique sempre tenta exercer mais autoridade sobre mim que a lei ou a
tradição lhe permite. Não quero envolvê-lo em uma questão que me deixaria em dívida
com ele.
Respondeu sem vacilar, como se não soubesse que seus seios se exibiam ante o
rosto dele. Talvez seus peitos fossem ingovernáveis como os pênis, e ela não tivesse
controle sobre seu comportamento. Mas ele sabia o que seu pênis estava fazendo... Por
acaso ela ignorava o que esses peitos impertinentes faziam?
—Compreendo sua preocupação com respeito ao rei Enrique, mas se tivesse um
homem que cuidasse de você...
Uma bola de cabelos aterrissou na boca aberta.
Alisoun deu um passo atrás retirando os peitos de seu alcance, e o observou cuspir,
salivar, e logo espirrar. Quando acabou, lhe disse:
—Não preciso de um homem.
—Como sabe? —Afastou a cortina de cabelo meio cortado do rosto, para poder
observá-la— Suas donzelas lhes chamam a mais velha das viúvas virgens da Inglaterra.
Como era seu costume, não manifestou nenhuma reação.
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—Quero dizer que não preciso de um marido para me proteger. Foi mais fácil
contratar você.
A David não passou despercebido que não negou sua virgindade.
—O que quero dizer é que poderia receber um homem em sua cama para descobrir
o que está perdendo.
—Suponho que está pensando em algum candidato.
Exibindo seu sorriso, garantido para fazer às moças derreterem, retorceu a mecha
de cabelo que ficava.
—Por que não eu?
—Porque é um barão e um latifundiário pobre. O que poderia me brindar?
—Prazer.
A crueldade da resposta a fez afogar uma exclamação, mas a realidade foi em sua
ajuda.
—E um filho dentro de nove meses. Então, teríamos que negociar um acordo de
matrimônio, e você não teria nada que igualasse o que eu tenho aqui.
— Do meu ponto de vista, o mais importante é, o que poderia você me brindar? —
Teve a satisfação de ver que ela baixava o queixo — Certamente, sua riqueza vai além
de minhas mais loucas fantasias, e essa é uma vantagem sobre mim. — Exalou um
violento suspiro — Os clérigos dizem que o dinheiro não faz a felicidade, e eu queria ter
uma oportunidade de provar.
— Então, admite. Quer-me só por minha riqueza, como outros mil cavalheiros.
Teve vontade de dançar de contente: não o descartou com uma gargalhada. Sua
pequena truta estava a ponto de morder a isca de peixe.
— Absolutamente. Suas terras são magníficas, mas você também é bastante
atraente. — Alisoun abriu a boca para replicar, e David acrescentou — Quando está
calada. O problema é que isso não acontece com bastante frequência.
Alisoun fechou a boca de repente.
— Sou um homem gentil. Demonstrei ser o melhor guerreiro da Inglaterra. —
corrigiu-se, embora lhe doesse — O melhor de todos, menos um. Mas não preciso
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demonstrar que sou mais forte que uma mulher. Eu não pego às mulheres. Jamais bati
em minha esposa e se uma mulher... Bom, pode perguntar a minha gente. Não pego aos
mais débeis, seja qual for à provocação, nem minha dignidade sofre menos se a língua
de uma mulher a açoita. — Apoiando a mão sobre a mesa, inclinou-se para ela — Minha
senhora, comigo, embora você tivesse sempre razão, não me incomodaria.
— Tenho razão todo o tempo — disse ela, embora em voz vacilante.
— Vê? — Tirou-lhe as tesouras da mão — Para um homem seria fácil assassinar
uma mulher como você. Por seu bem, seria preferível que se casasse com alguém que
respondesse a seus sarcasmos com inteligência, e não com golpes.
Cortou sua última mecha.
— Não! — tornou-se para diante — Oh, não, olhe o que fez.
— O que fiz?
— Cortou torto. — Penteou, dividiu, separou, e meneou a cabeça — Agora terei que
cortar toda a testa outra vez, até que esteja nivelado. Se não, os habitantes do castelo
acreditarão que perdi a mão.
— Não pode fazer tudo sozinha. Não pode ser castelã, cavalheiro chefe e barbeiro,
tudo em uma. É muita carga para uma só pessoa suportar. Acredite, eu sei. — tocou-se o
peito — Eu também tentei fazer tudo sozinho. Juntos, poderíamos compartilhar as
tarefas.
— E duplicar as preocupações.
O mais provável era que o novo corte de suas tesouras não nivelasse o cabelo, e
David se consolou pensando que voltaria a crescer.
—O rei quer que se case, e se casará. Perguntou pelas vantagens. Bom, não seria seu
marido um homem sobre o qual você tem todas as vantagens?
Com os olhos arredondados, Alisoun contemplou sua tarefa. Penteou outra vez,
apoiou uma mão sobre as mechas dos lados para sustentá-los para baixo, e se inclinou
para o rosto dele. As tesouras o tocaram de novo, e agora estavam mornas pela
constante manipulação dela.
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—Quando uma mulher se casa, é a castelã de seu marido. Não pode fazer nada sem
permissão dele. —Cortou outra vez, retrocedeu e observou um sorriso felino lhe curvou
os lábios, que desapareceu quando percebeu a fixidez do olhar dele— Toda vantagem
se perde com a assinatura do contrato matrimonial.
—Não se faz justiça. Como é justo, tenho intenções de lhe demonstrar as vantagens
que terá, e conservará, comigo lady Alisoun. —Riu forte— Venha.
—O que?
Deu um cauteloso passo atrás e, para ele, essa foi uma flagrante demonstração de
alerta.
—Necessito de ajuda para pôr a roupa e a cota, e não tenho escudeiro.
—Eu lhe atribuirei um.
David inclinou a cabeça.
—Ficarei muito agradecido.
Alisoun vacilou um momento mais, e logo se adiantou e se deteve ante ele.
—Enquanto isso lhe ajudarei.
Pelos Santos, era uma mulher valente!
Estúpida, mas valente.
—Se sua faca está afiada, lhe barbearei antes de lhe vestir — lhe disse. Recordou a
implícita ameaça das tesouras. E ela pretendia lhe pôr uma faca na garganta...!
Entrecerrou os olhos:
—Não, obrigado.
Obsequiou-o com um breve sorriso, e David recordou a destreza com que o pôs em
seu lugar. Mesmo assim, nobres maiores tentaram mantê-lo em seu lugar.
Circunstâncias mais pesadas o oprimiram, e ele saiu reforçado, mais flexível, melhor.
Sua vida difícil lhe ensinou muito e lhe dava vantagem sobre esta dama de boa criação.
Tinha que recordar isso.
Enquanto ele tirava o pano dos ombros e limpava o pescoço, Alisoun estendia a
túnica e a sobreveste sobre a mesa. Com a mesma vivacidade com que teria se dirigindo
a um menino que demorava, ordenou-lhe:
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—Levante os braços.
David obedeceu, flexionando os músculos ao esticar-se.
—Acha que estou muito magro?
—Sim. —Ajeitando a túnica com gestos impacientes sobre o corpo dele, baixou-a até
a cintura para cobri-lo— Mas se continuar comendo como ontem à noite, muito em
breve recuperará sua robustez. —Examinou-o, e David viu no olhar dela um brilho de
satisfação—Então, recuperará seu título. E será outra vez o maior mercenário da
Inglaterra.
Se tivesse lhe aberto o ventre, teria sido mais piedosa. Desde que chegou, David
tinha procurado afundar sua derrota no fundo de sua mente, ignorar a lembrança dessa
derrota. E agora, ela a mencionava de maneira tão casual como se não houvesse dúvidas
de que ele recuperaria o título que reteve tanto tempo. Ele sabia que não era assim.
Sabia que sua destreza declinava, antes até de ter ganhado Mary e suas terras, além do
que, após, viveu mais como granjeiro e pastor que como guerreiro. Só sua astúcia e
experiência na batalha evitaram uma derrota e uma humilhação imediatas ante o rei.
Esse era o preço de ganhá-la? Teria que voltar a converter-se no legendário
mercenário David? Porque isso era impossível. Ele sabia que era impossível.
—O que? —disse a dama, como se estivesse ouvindo seus pensamentos.
Ao que parecia, Alisoun não compreendia o muito que o machucava sua luminosa
confiança nele. Mas em seu semblante não havia um ápice de dúvida. Claro que
tampouco havia um ápice de emoção.
Olhou mais a fundo: Alisoun tinha fé nele. Conviria que se casasse com ela o mais
rápido possível, antes que descobrisse a verdade a respeito dele... Ou que sua maldita
honra o obrigasse a dizer-lhe.
—Onde está sua cota? —perguntou Alisoun.
Sua camisa de cota de malha, seu orgulho e sua alegria, foi parar no encarregado das
armaduras de Alisoun para ser lubrificada e reparada, mas a senhora não sabia. O que
queria era não ter que tocá-lo.
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corpos quase se igualavam em altura. E embora quisesse gozar da óbvia surpresa que
lhe provocou sua manobra, a experiência lhe advertia que era preferível aproveitar
imediatamente a vantagem.
Passando um braço pelas costas dela, a fez inclinar-se.
—Alisoun?
Completamente surpreendida, a dama elevou a cabeça e ele a beijou.
Os lábios frios e secos o impressionaram por sua curiosidade. Embora não o
admitisse, Alisoun queria experimentar, e era evidente que ainda não o tinha feito.
Cortou o beijo.
—Ninguém a beijou até agora?
—Nada para recordar.
Depois de digerir essa informação, David disse:
—Um desafio. —inclinou-se outra vez sobre ela— E o legendário mercenário David
sempre aceita um desafio.
Alisoun pareceu pensar melhor, porque afastou a cabeça, mas David não se
importou. Sua bochecha atraía-o, assim como sua testa e suas pestanas. Notou que essas
pestanas eram escuras, e se perguntou de novo se na realidade teria cabelo vermelho.
Tudo nela cheirava bem, com um toque de urze. Seguia lhe negando os lábios, mas como
não lhe arranhava o rosto nem dava joelhadas na virilha, soube que não a repugnava, e
confiou que esse interesse lhe brindava uma possibilidade. Tocou-lhe os lábios com a
língua, e logo a retraiu. O corpo de Alisoun se esticou contra o seu, e a ouviu fazer uma
brusca inspiração.
—Não seja tão covarde — lhe sussurrou. Ela o olhou carrancuda, sem falar. —Mas
não é covarde. Só quer saber. Eu não conto. Não contarei. Use-me. —Sorriu-lhe— Por
este serviço não te cobrarei.
De certo modo, ao lhe recordar que era ela quem mandava, liberou-a da rigidez que
estava. E embora não lhe retribuiu o sorriso — ainda não tinha perdido a compostura
até esse ponto— agitou as pálpebras, fechou-as, e se afrouxou apoiando-se nele.
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Talvez esse fosse o único som capaz de fazê-lo voltar para a superfície: uma risada
contida. Uma risada aguda de moça.
Levantou a cabeça, inalou uma baforada de ar, abriu os olhos, e se encontrou
olhando-se nos olhos inquietos de Alisoun. A risada que chegava do grande salão se
cortou de repente. Nenhum servente, nem homem armado espiava dentro de seu
quarto, mas o dano já estava feito. Ou o resgate? Teriam estado aproximando-se de um
cataclisma, sem orientação e sem ter pensado de antemão? Antes que pudesse ordenar
seus pensamentos, no rosto de Alisoun se instalou a fachada de calma.
—Agradeço-lhe isso, sir David. É bom saber que contratei um homem com
experiência em todos os campos.
Irritado, só atinou a lhe cravar a vista enquanto ela se livrava do abraço. Como o
fazia? Como podia estar tremendo em seus braços e, no momento seguinte, parecer tão
indiferente? Teve vontade de segurá-la e sacudi-la até que a máscara caísse de novo. Em
troca, viu se afastar dele com seu habitual aprumo. Quase se deu a volta para não vê-la.
Quase perdeu, mas viu que, ao passar pela porta, ela cambaleou e se segurou no marco.
Deu-lhe um olhar envergonhado.
David fingiu não ter visto, mas já sabia qual seria seu plano. A partir deste momento,
a cortejaria e a conquistaria com bondade e paciência. Adulá-la-ia e seduziria, e antes
que ela se desse conta estaria presa nas garras desse disparate romântico.
Talvez, no fim das contas, teria que se barbear.
Capítulo 07
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—Não o faça muito fino — lhe advertiu Alisoun, enquanto pensava como responder.
Dava a impressão de que cada habitante do castelo tinha uma teoria a respeito do
súbito chilique de sir Walter nessa manhã. Com uma calma que não sentia, disse—
Parece que sir Walter foi testemunha do entusiasmo com o qual aceitei o abraço de sir
David pela manhã, e reagiu mal. Agora entendo que não devia deixar a porta aberta.
Os olhos de Edlyn brilharam de excitação.
—Philippa diz que, se tivesse fechado a porta, ainda estariam ali dentro.
A mão de Alisoun fez um gesto brusco. O fio se rompeu, o fuso caiu ao chão, e todos
os que estavam no grande salão se voltaram para olhar.
—Disse isso? —Para dissimular o rubor que lhe subia pelas bochechas, inclinou-se
para recolher o fuso— E qual foi à reação a isso?
Como tinha as mãos livres, Edlyn as levou a peito.
—Dizem que seria muito romântico que o maior mercenário da Inglaterra
cortejasse e conquistasse à bela virgem de George's Cross.
Tomada pela surpresa, Alisoun esteve a ponto de soltar uma gargalhada.
—Pensei que não conhecia a reputação de sir David.
—Eles me contaram isso.
Eles. Todos os habitantes do castelo estiveram fazendo comentários a respeito de
David. Sir David, corrigiu-se Alisoun. Já conhecia o risco de pensar nele de maneira
muito familiar. Ele respondia também do mesmo modo.
A própria Alisoun lhes deu mais material para comentar e, pelo que sabia de David,
ele alimentaria esses rumores até obter seu objetivo ou até que ela o jogasse para fora.
E não podia jogá-lo.
Tirando a meada quase terminada do eixo, disse:
—Sou viúva, e permiti que um homem me beijasse. Não acredito que esse seja um
fato insólito.
Edlyn riu entre dentes.
—Para ninguém, salvo para você, minha senhora.
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viúva mais velha da Inglaterra. Edlyn voltou para o tema original, com a tenacidade de
um cachorrinho lutando com um osso com carne.
—Sir Walter não se mostrou tão respeitoso como estava acostumado a ser, desde
que Philippa...
Alisoun levantou a vista.
Sua expressão de advertência cortou Edlyn, que ficou a refletir. E depois disse
desafiante:
—Bom, faz já muito tempo que não lhe trata muito bem.
Alisoun tinha a esperança de que ninguém o tivesse percebido. Estava convencida
de que era preciso que seus superiores mostrassem unidade de propósitos para que seu
povo se sentisse seguro. Não lhe cabia a mínima dúvida de que ela, como senhora do
lugar, devia ser a mais elevada autoridade.
Retrospectivamente, compreendeu que depositou sua confiança no homem errado.
Ela escolheu sir Walter, elevando-o de sua posição de cavalheiro inferior. E depois, ele
se acreditou autorizado a criticá-la, e não pôde fazer nada para o qual ela acreditava
apto. Quando começaram os assaltos, e lhe exigiu uma solução, sir Walter sugeriu que
permanecesse dentro dos muros do castelo. Para uma mulher cujas responsabilidades
exigiam que fosse até a aldeia, aos campos, a suas outras propriedades, semelhante
solução só demonstrava uma coisa: que sir Walter era um incompetente. Teria que
deixá-lo a um lado, até que o tema estivesse resolvido, pelo menos.
Contudo, Alisoun não sabia se alguma vez resolveria algo. Mesmo que sir David
conseguisse manter seu verdugo a raia, ela temia —sabia— que jamais estaria segura
de sua tranquilidade. Mas o fato, feito estava. Deus querido, que alternativa tinha?
—Edlyn recebi carta de seus pais. —Não tentou infundir entusiasmo a seu tom, pois
sabia que, desse modo, só conseguiria assustar mais à moça— Escolheram o marido.
As mãos de Edlyn tremeram. Esteve a ponto de deixar o fuso cair, e Alisoun ouviu a
exalação que lançou, embora recuperasse a compostura com uma velocidade que a
orgulhou.
—Eles disseram quem é?
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Alisoun pensou que esteve praticando. Esperava escutar isto, e tinha praticado
como reagir ante a notícia.
—Trata-se de Lawton, duque de Cleere. É muito bom candidato para ti.
—Cleere? —O fuso começou a girar com muita rapidez— Onde está Cleere?
—No sul da Inglaterra.
—A que distância?
—Em Wessex.
A pele de Edlyn ficou da cor do marfim; os lábios, quase azuis, mas não disse nada.
Com o coração dolorido, Alisoun disse:
—Eu o conheço; é um bom homem.
—Tem terras mais perto da... —Edlyn tragou—... Daqui?
—Não que eu saiba, mas pode que sua família lhe dê uma parcela como dote.
Edlyn cravou a vista em Alisoun até que esta afastou a sua.
—Minha família tem seis filhas. Não podem permitir-se entregar parcelas com cada
matrimônio. Assim... É duque. Vou me casar com um duque e minha família não tem
nada para me dar. Lady Alisoun.
—O que?
Alisoun respondeu como devia, sem nenhuma emoção. Quase sem emoção.
—O que o duque de Cleere tem de mau? —perguntou Edlyn.
—Não tem nada de mau. —Alisoun compreendeu que hesitava, enquanto Edlyn
agonizava de ansiedade— É um pouco mais velho do que eu teria preferido.
A voz de Edlyn se elevou uma oitava.
—Mais velho que David?
Que Deus amparasse a esta moça: David lhe parecia velho.
—Mais velho que dois David.
—Vou fugir para um lugar afastado, e talvez nunca volte a ver você nem a minha
família, e para ser a esposa de um homem que... Não tem dentes? —Edlyn adivinhou a
resposta na expressão da senhora— Nem cabelo?
—Tem cabelo — Alisoun se apressou a dizer.
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—Não, mas todos sabem que os caçadores furtivos são muito velozes para fugir, e é
improvável que algum deles admita ter disparado uma flecha que acertou à senhora.
Tinham destruído o bosque em todos os lados do castelo para não deixar
esconderijos para possíveis atacantes, embora fosse impossível tirar as rochas
gigantescas que se elevavam sobre a terra como os ossos de uma fratura exposta.
—Por que alguém iria querer disparar na senhora?
—Lady Alisoun não quer escutar a... —David girou, apoiou o ombro contra a pedra
coberta de musgo, e viu que sir Walter adotava um semblante lastimoso— Bem, talvez
tenha notado que é uma mulher decidida. Em muitas ocasiões, adota decisões
impopulares, mas não acredito que alguém tenha disparado de propósito. Penso que foi
um disparo desviado.
David exalou um murmúrio dúbio. Encaminhou-se para a torre mais próxima ao
castelo. Olhava para o mar, e a paisagem que se divisava mais à frente passava dos
suaves tons bolos a intensas manchas de cor. As nuvens paradas se refletiam no mar. Os
animais marinhos cavalgavam sobre a nevada espuma das ondas, saltando com seus
lombos castanhos e cinzas, sem a menor cautela sobre as negras rochas molhadas. Que
contraste, pensou David. Por um lado, a serena domesticidade da aldeia e dos campos,
por outro, a ferocidade do oceano. Lady Alisoun pertencia ao lado doméstico do castelo,
assim como esse lado pertencia a ela.
Tinha crescido no castelo, e a fortificação abraçava o oceano, aproveitando seus
escarpados acidentados como defesa natural. Alisoun tinha ouvido romper as ondas em
cada tormenta, cheirado o sal e tremido no vento indômito. Forte como era, teria
resistido o poderio do mar? Ou acaso o mar constituía essa parte oculta dela que se
estremecia de êxtase?
—Você gostaria de visitar os estábulos? —Sir Walter deu uma palmada e esfregou
as mãos entre si— Poderia ver como acomodamos rei Louis. É um cavalo muito famoso,
e nos sentimos honrados de tê-lo ao nosso cuidado.
—Sim? Ainda não lhes cuspiu no olho?
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Foi abrir a porta, e um menino caiu dentro da sala como se tivesse escutando pela
abertura. David o levantou pela parte de trás da túnica, e o sustentou no ar enquanto o
examinava. Um moço pequeno, de dez anos, possivelmente, todo cotovelos e joelhos, de
grandes olhos azuis no rosto fraco. Esperneou com vigor enquanto David o sacudia e o
depositava sobre seus pés.
—Quem é você? —perguntou o cavalheiro.
—É um dos pajens, e não deveria estar aqui.
Sir Walter agarrou uma mecha de cabelo do menino, mas David lhe capturou o pulso
antes que pudesse retorcer-lhe. Deus, como odiava aos homens irreflexivamente cruéis!
Eram piores que os outros, os que o eram com consciência. Os homens como sir Walter
jamais imaginavam que um golpe doía mais quando dado em um menino que tentava
fazer o melhor, ou que as palavras pronunciadas por um ídolo podiam abrir uma ferida
que jamais cicatrizava.
—Não fez nada de mau.
—Não deveria...
—Sim, devo — interrompeu o menino, sem ter a menor noção do perigo que
corria— A senhora me enviou.
Carrancudo mas contido, sir Walter disse:
—Então, dê sua mensagem e vai.
—Não. A senhora me disse que ficasse.
As mãos de sir Walter tremeram.
—Ficar... Aqui, por quê?
—Vou ser o escudeiro pessoal de sir David.
—Escudeiro? Pessoal? —Sir Walter cravou a vista no menino— Você? —Voltou à
vista a David e se pôs a rir— E eu achei que a senhora gostava de você!
David tentou formar um punho, mas ainda segurava o pulso de sir Walter.
A risada se cortou de repente, e o mordomo saltou para trás.
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—Eu gosto de treinar meus escudeiros desde o começo. Como quase todos os
cavalheiros, eu gosto de cuidar de minhas armas e minha armadura de um modo
particular, tenho minhas preferências com respeito ao modo de trinchar a carne, minha
maneira de... —esfregou o queixo— me barbear. Se já foi escudeiro de muitos homens,
deduzo que adquiriste maus hábitos.
Fez gesto de dar a volta, e sentiu o choque que se produziu quando Eudo lhe
pendurou no cinturão.
—Não!
—O que?
—Eu...
David contemplou os grandes olhos azuis de expressão angustiada, e se conteve
para não sorrir ante a luta que se refletia neles.
—Não é exato que tenha sido escudeiro de dúzias de homens.
—Meia dúzia?
Eudo escorregou um pouco para baixo pela perna de David, como se temesse uma
cabeçada no cocuruto.
—Uns poucos.
—Muitos.
David fez tentativas de separá-lo dele, mas sem muita força.
—Um!
Inclinou-se e segurou o queixo de Eudo para que não seguisse escorregando até o
chão:
—Quantos?
Eudo inspirou profundamente, tratou de falar, e por fim resmungou:
—Roguei tanto à senhora que me enviasse a você com instruções... Sou só um pajem,
e se você quiser outro escudeiro mais perito, ela o agradará, com gosto.
—Essa é a verdade?
—Sim, senhor.
—Toda a verdade?
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Eudo assentiu, e David o olhou. As lágrimas tinham formado um filme sobre os olhos
do moço, e os músculos do pescoço se crispavam revelando o esforço por tragar os
soluços. Afastando-lhe o cabelo da testa, David declarou:
— Eu gosto de você.
Por um momento, Eudo não respondeu, e logo limpou o nariz com a manga.
—Sim?
—Servirá muito bem para ser meu escudeiro. —Soltou-lhe o queixo e Eudo se
levantou. Remexendo-se para acomodar o cinturão, David disse— É homem de dizer a
verdade sem lhe importar as consequências.
Eudo ergueu seus magros ombros.
—De agora em diante, sempre me dirá a verdade, não?
—Sim, senhor.
—Jura?
—Sim, senhor.
A imediata resposta fez David ficar carrancudo e se ajoelhou para que os olhos de
ambos estivessem no mesmo nível.
—A palavra é a posse mais preciosa de um homem. Quando um homem falta com
sua palavra, ninguém volta a acreditar mais nele. Por isso quero que pense muito bem;
jura me dizer sempre a verdade, embora te signifique uma surra, embora me doa,
embora temas as consequências?
Desta vez, Eudo vacilou. Sua mão larga e sardenta esfregou o traseiro, como
rememorando a dor. Logo, olhou outra vez a David no rosto, e algo que viu ali o
convenceu.
—Meu senhor juro-lhe que o obedecerei em tudo e que sempre, sempre, lhe direi a
verdade.
—É um bom homem.
O sorriso de Eudo floresceu, e David compreendeu por que Alisoun se deixou
convencer por seus rogos. Tinha covinhas nas bochechas, sua boca parecia cheia de
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dentes, e seu sorriso se estendia de orelha a orelha. Era difícil resistir. David ficou de pé
e lhe deu uma palmada no ombro.
—Me mostre os contornos do castelo.
—Oh, obrigado, meu senhor. - Eudo saltou no ar.
Saíram à chuva, e Eudo correu diante pelo caminho do parapeito, e logo voltou.
—Protegerá à senhora de todo dano?
—Em efeito.
—Bem. —Assinalou um desordenado montão de penhascos— O arqueiro se
escondeu ali quando disparou em minha senhora. - Sua segurança surpreendeu a David.
—Como sabe?
—Depois, fui olhar. Explorei em todos os lugares, e naquele encontrei pequenos
pedaços de plumas das flechas e um arranhão recente.
David mediu com a vista o ângulo e a distância das pedras até a entrada. Ali um
bandido poderia se esconder, disparar, e logo fugir sem dificuldades para o bosque, e
ninguém poderia vê-lo.
—Disse a sir Walter?
Eudo fez uma careta.
—Sir Walter não me escuta, por isso fiz o que pude para proteger minha senhora.
Fascinado, David lhe perguntou:
—E o que foi que fez?
—Plantei espinhos na terra das fendas.
David o olhou incrédulo.
Encurvando os ombros, o menino murmurou:
—Foi o melhor que me ocorreu.
Com um puxão, David o levantou no ar e o fez girar.
—Que homem tão inteligente é. —Deixou-o no chão e o sacudiu— Se eu tivesse dez
aliados como você, conquistaria a França.
—Sério? —Eudo tentou conter o sorriso, mas não pôde— Gostou?
David lhe deu uns golpezinhos na têmpora.
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—Fez o melhor que pôde com recursos limitados. Qualquer cavalheiro errante
aprende a fazê-lo, e você o fez antes e melhor que a maioria.
Resplandecendo ante o elogio, Eudo correu para as escadas que davam ao recinto
interior com tal rapidez que escorregou pelos últimos quatro degraus de pedra, e caiu
de joelhos. Imediatamente, olhou atrás com ar envergonhado, mas David o levantou do
barro e lhe disse:
—Melhor tomar cuidado. Não me serve de nada um escudeiro com uma perna
quebrada.
—Oh, nunca quebrei nada — disse Eudo, corajoso. Evidentemente, recordou seu
juramento, porque gaguejou— Quero dizer, uma vez quebrei. O dedo. Mas foi só um
dedo e a senhora me curou isso, e está bem. Vê? —Elevou-o e o flexionou— E uma vez,
necessitei que a senhora me costurasse o traseiro porque caí sobre uma espada que
alguém tinha deixado no chão. —Pensou— Bom, na realidade, não era uma espada. Mas,
uma adaga. Ou uma faca. Era uma faca. E fui eu quem a deixou no chão. Mas agora sou
cuidadoso. Pode perguntar a qualquer um. Bom, não o pergunte a sir Walter, porque ele
ainda se refere a essa vez que eu...
Sentindo um golpe de dor, David lhe tampou a boca com a mão. A longa complicada
e sincera explicação recordou subitamente a Bert, e a saudade por sua filha cada dia lhe
era mais dolorosa.
Ela também sentiria sua falta? O teria esquecido para quando ele pudesse retornar
ao lar? Quis encerrar Eudo em seus braços e estreitá-lo forte, mas não cometeu o
engano de pensar que ao menino teria gostado de semelhante afronta a sua dignidade.
Em troca, disse:
—Pedi que dissesse a verdade, não que tenha que confessar cada engano cometido.
Eudo se soltou.
—E só tenho que dizer-lhe se você me perguntar isso?
—Só tem que me dizer o que acha que deve me dizer.
—Como saberei o que é que devo dizer?
—Como sabe o tem que dizer ao sacerdote em confissão?
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Eudo adotou uma expressão preocupada, dispôs-se a falar, e logo se conteve. Baixou
a cabeça e murmurou:
—Sim, sir David.
Ficando na defensiva, David perguntou:
—O que tem de mal nisso?
Olhando-o de soslaio, Eudo disse:
—Eu o vi esta manhã.
—Esta manhã?
—Beijando a senhora.
—Ah. —David se pôs a andar para o estábulo— Isso também é algo que ela censura?
—Não. Quero dizer, não sei. —Eudo o seguiu de perto, ansioso por lhe informar do
que sabia— Ainda não comentou comigo o tema dos beijos, mas me pareceu que
gostava que você a beijasse.
Na indignação de David irrompeu uma faísca de compreensão.
—Foi algo para desfrutar.
—Philippa diz que minha senhora não beija por acaso. Ou seja, que, se beijou a você,
foi algo muito sério.
David relaxou, ao tempo que entrava na penumbra do estábulo. A chuva de fora
fazia que o aroma do feno fosse quase mofado, mas como, misturado com o aroma das
escovas e do esterco criavam em conjunto uma fragrância paradisíaca. Ocorreu-lhe que
se não podia estar em seu lar, queria estar ali, entretendo-se em examinar os animais
que ocupavam os estábulos de Alisoun. Os cavalos eram rebeldes e brutos, e tendiam a
absurdos ataques de ciúmes, e ele os entendia muito melhor que às mulheres.
Contemplou as costas magras de Eudo, que saltava diante dele.
—Beijar a senhora foi um assunto muito sério para mim. Como meu escudeiro,
compreende que meus segredos são sagrados e que não devem ser divulgados?
Eudo assentiu.
—Quero cortejá-la.
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—Foi o que pensei. —Eudo voltou e, caminhando para trás, observou David com
tanta atenção quanto ele tinha feito antes com ele. Parecia como se fosse o pai de
Alisoun, julgando a um possível candidato— Se quiser, eu posso lhe ajudar.
Uma das primeiras coisas que o mercenário descobriu foi que uma fonte de
informação do interior de um castelo sitiado podia cortar grandemente o tempo do
lugar. Tinha encontrado essa fonte, e quase não podia conter seu entusiasmo.
—Dependo de ti.
—É muito difícil cortejar a senhora.
O moço falava com solenidade, embora tropeçasse com um tijolo e caiu para trás.
David o levantou, sacudiu-lhe o pó, e o sustentou.
—Como ela é?
—Por exemplo?
—O que a faz feliz?
—Feliz. —Eudo o pensou— Não sei se a senhora é feliz alguma vez. Gosta quando
não me coço. Gosta quando digo minhas preces todas às noites sem que me recorde
isso. Gosta quando escrevo a meus pais sem que tenha que me recordar isso. Quando
me banho na primavera sem que me recorde isso.
—O que gosta para si mesma?
Inclinando a cabeça, Eudo olhou fixamente David, intrigado.
—Não gosta de nada para si mesma. É uma dama.
—Alguma vez ri forte?
—Não!
—Nem sorri?
—Sim, isso sim! —As feições de Eudo se suavizaram e adquiriu uma expressão
distante, como se estivesse apaixonado— Quando sorri, é linda. —Logo, ficou severo—
Mas os homens não a fazem sorrir, porque só gosta quando trabalham e cumprem com
seus deveres sem queixar-se. Diz que não há muitos homens que façam isso.
David abriu a boca para negar e descobriu que não pôde.
—Possivelmente não.
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—Diz que os homens tentam atribuir-se mais direitos dos que lhes correspondem, e
indicar a ela como tem que organizar sua casa e plantar seus campos e vender suas
mercadorias, sem ter em conta que ela sabe mais que dez homens juntos.
—Certamente que é assim.
Eudo, que sem dúvida tinha refletido bem a respeito das táticas de David, com uma
sabedoria que ia além de seus anos, disse:
—Penso que gostaria de um homem que a respeitasse, que lavasse o rosto todos os
dias e que fizesse o que se supõe que deve fazer, sem que tenham que dizer-lhe.
—Penso que tem razão.
—E, talvez... —Eudo ficou tímido— ... Poderia beijá-la como esta manhã.
David pensou.
—Eu acredito que poderia reservar meus beijos.
—Né?
—Para uma emergência — explicou David ao perplexo menino— Para quando
realmente os necessitar. —Fazendo Eudo voltar-se, o fez caminhar entre as baias— Mas
farei com que você corte meu cabelo direito e me barbeie, e se ver eu me coçar...
—Sim, senhor?
—Me açoite com a correia.
Capítulo 08
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O ouro frio se enfraqueceu com seu contato quando ela o passou de sua mão a dele.
David o reteve em sua mão seguindo o contorno das moedas, e logo a olhou
profundamente nos olhos e sorriu:
—Todos os dias levo Eudo e percorro a propriedade a cavalo procurando possíveis
dificuldades, mas não achei rastros de nenhuma atividade mau intencionada. Fora
disso, não fiz mais nada. Nada absolutamente.
Sua voz agradável não passava impaciência. Seu queixo barbeado exibia uma
covinha no meio. Acabava de tomar outro banho... Que Alisoun ajeitou para não
presenciar, mas cujos resultados apreciava. E advertiu, alarmada, que estava zangado.
Olhando mais de perto, observou o modo em que flexionava a mandíbula quando
apertava os dentes, as linhas entre as sobrancelhas, a curva hipócrita dos lábios. Em
efeito, estava zangado, mas por quê? Avaliando-o, disse-lhe:
—Fez muito. Descobriu o lugar de onde disparou o arqueiro.
—Eu não, minha senhora —Empilhou as moedas sobre a mesa— Isso quem
descobriu foi um menino de onze anos. Talvez fosse útil se eu realmente soubesse que
tipo de ameaça enfrento.
—Absolutamente! —Alisoun se crispou para si, ao perceber a veemência de seu
tom— Têm feito muito sem saber. Do que lhe serviria saber?
—Ajudar-me-ia a planejar um ataque.
—Já reforçou as defesas ao redor do castelo.
—Sim, é verdade que fiz isso com tanto êxito que seu intruso desconhecido
escapuliu sigilosamente sem um gemido.
A dama compreendeu perplexa, que ele se queixava porque não tinha feito nada.
Não lhe ocorreu que a inatividade o deixasse nervoso.
Talvez quisesse responder os constantes sarcasmos de sir Walter com algo mais que
as brincadeiras que estava acostumado a empregar. Talvez estivesse pensando em
partir... E isso não podia permitir. Com o mesmo tom que utilizava para reanimar seus
amadrinhados nostálgicos, disse-lhe:
—Isso era o que eu queria. Manteve o perigo afastado de George's Cross.
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—A maior parte das pessoas não é o que os outros acham — concedeu David.
Seus dedos eram tão longos, que Alisoun sempre pensava que pareciam um pouco
monstruosos. Enquanto ele roçava cada um deles ao longo, dissimulou seu embaraço
tagarelando precipitadamente.
—Mas as pessoas são formadas por seu lugar na vida e suas obrigações e, portanto,
uma mulher prudente sabe o que esperar e como dirigi-lo.
O movimento da mão do homem sobre a dela cessou, e lhe esquadrinhou o rosto
com a vista.
—Se isso fosse certo, todos os vilãos seriam iguais, todos os reis seriam iguais, todos
os cavalheiros o seriam.
Tanta era a diversão e a lucidez que via nos olhos dele, que Alisoun teve vontade de
retorcer-se. Teria aprendido, no torvelinho de sua vida, coisas que ela não teve ocasião
de aprender? Certamente não. Alisoun tinha vivido de acordo com suas crenças, e sua
vida teve bastante êxito. David não tinha motivos para minar sua confiança.
Ao ver que guardava silêncio, David arqueou uma sobrancelha.
—Por que há quem nasce na pobreza e permanecem nela, e outros se elevam por
cima de seu nascimento e se convertem em alguém um pouco mais importante?
Referir-se-ia a si mesmo? Teria se elevado ele sobre as circunstâncias de seu
nascimento? E se assim era, poderia acontecer que ela descesse da dela? A conversa de
David lhe provocava a sensação de que o quarto se fechava sobre ela, além disso, o fato
de que segurasse sua mão como se fosse uma vasilha sagrada.
—E o que me diz da rebelião? —perguntou o homem.
Alisoun não acreditou que se referisse à política. Observando-o durante esse mês,
tinha visto que se rebelava contra todas as formalidades da vida, tal como ela as
conhecia. Todos os dias falava com as pessoas simples. Subjugava-os, dava-lhes ânimos
e, no lapso de uma lua, Alisoun tinha observado os resultados dessa intervenção.
Para falar a verdade, pareceu-lhe estranho que o velho Tochi respondesse com tanta
confiança a suas perguntas sobre o pomar, mas não se importou muito. Não havia
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ninguém na propriedade que soubesse mais que Tochi a respeito das ervas; por que,
então, não se mostraria radiante quando lhe mostrava os semeados brotados?
—E a risada? —perguntou David.
Alisoun fingiu não perceber como se burlava da pomposidade de sir Walter. O fazia
a este tão responsável pela morte de seu gato e do rapto de Edlyn como a si mesma.
Culpava-o porquê ele tinha sido descuidado. Culpava-se a si mesma porque, em última
instância, ela era a responsável pela segurança de George's Cross, e não percebera o
complacente, até insolente que sir Walter se tornou.
A voz de David se fez mais profunda, seus olhos castanhos se acenderam de
pequenas faíscas, e um sorriso caprichoso repuxou seus lábios.
—E os sonhos?
—Sonhos?
—Sim, sonhos. —lhe elevando a mão, David a levou aos lábios e pronunciou com
claridade, para comunicar-se através do contato, além disso, do som— Os sonhos são as
formas que aparecem na mente quando alguém dança ao som do que poderia ser.
Alisoun sabia que isso era um absurdo.
—Os sonhos são uma perda de tempo — replicou com firmeza.
—Se eu possuía sonhos, possuía a verdade. —Observou-a com algo próximo à
piedade— Não era mais que o filho menor, jogado ao mundo com um escudo e uma
espada. Ganhei rei Louis em meu primeiro torneio francês, e jamais olhei atrás. Só para
frente, tentando divisar esse lugar onde meus sonhos tomariam forma.
Se alguma vez Alisoun tivesse sonhado com um homem e ansiasse tê-lo, esse
homem seria David. Era como se, em certo modo, tivesse reunido tudo o que ela
admirava em um homem e o tivesse forjado dentro de si mesmo.
—Radcliffe é esse lugar, e agora sonho com o dia em que será tão próspero como...
—olhou-lhe a mão, que repousava sobre a sua— ... George's Cross.
Coisa curiosa: a dama sentia falta de seu humor um pouco grosseiro, suas reações
sinceras, e repreendeu a si mesma por isso. Ela não era uma tonta que não conhecia
suas próprias necessidades: ela era a senhora de George's Cross.
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Se não se agarrasse nele, cairia para trás, sobre o tamborete, e por isso se agarrou.
Claro que para proteger sua dignidade. E porque David a esquentava como um braseiro,
porque emitia um calor que a acendia até os ossos.
Segurando-lhe a cabeça entre as mãos cavadas, David a fez inclinar-se e lhe explorou
sob a orelha. Seu fôlego e o contato de sua língua lhe provocaram um estremecimento
que lhe sacudiu as costas.
—Tem frio? —murmurou ele.
—Não — sussurrou ela, sem saber por que sussurrava. Por que, de repente, tinha
vontade de fechar a porta? Por que sempre se beijavam a vista de qualquer um que
decidisse dar uma olhada dentro?
—Fria durante muito tempo.
Não entendeu do que falava. Seguiu com os lábios o contorno da touca ao redor da
bochecha de Alisoun, e até a testa.
Logo, inclinou-lhe ainda mais a cabeça e contemplou seu rosto perplexo.
—Confia em mim o suficiente para fechar os olhos? - Confiava? — Confiou o
bastante para que eu me ocupe de cuidar de sua propriedade — lhe recordou— Acaso
cometeu um engano?
Alisoun fechou os olhos.
Rindo entre dentes, David a beijou nos lábios. Alisoun não entendia por que a
agradava fazê-lo sorrir, se depois de tudo, estava rindo dela. Mas não o fazia com
crueldade e, embora ria dela, estava segura de que riria de si mesmo com idêntica
frequência. Então a beijou mais profundamente, e Alisoun não registrou o instante em
que parou de rir. Não notou nada exceto o cuidado com que a manipulava: o lento
abraço, a suave sondagem da língua, as pausas frequentes para deixá-la respirar e para
tranquilizá-la.
Este não foi como esse primeiro beijo faminto e cheio de fogo e de decisão. Este
beijo lhe dava consolo e reafirmação. E Alisoun se irritou ao compreender que
necessitava consolo e reafirmação, que gostava desta proximidade, e a delicadeza com
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que David a saboreava. Contudo, ela era uma mulher que tinha provado um gole de
paixão embriagadora, e queria mais.
Liberando os braços, Alisoun pôs suas mãos a ambos os lados do rosto de David e o
reteve até que ele abriu os olhos.
—Não está fazendo direito.
Em tenro tom zombador, ele disse:
—Você deve saber.
—Sei mais do que imagina.
Assustou-se de sua própria audácia: como podia dizer que sabia algo?
Entretanto, David assentiu complacente.
—Para falar a verdade, você sabe melhor que eu o que é o que te dá prazer.
—Às mulheres... —pensou um instante, logo concluiu—... Nós gostamos de coisas
diferentes.
—O que você gosta?
Essa sim era uma pergunta que fazia este demônio sair em seu próprio proveito.
Para descobrir o que gostava, teria que experimentar, e para isso o único disponível em
George's Cross era... David.
Alisoun pensou que deveria hesitar. Saber que ele fazia isso por causa dessa ridícula
proposta de matrimônio, para obter a custódia desses doze sacos de lã e tudo o que ia
com eles. E, entretanto, um momento antes se convenceu de que ele se esquecera por
completo disso, e o benefício para ela parecia muito real. O consolo que lhe
proporcionava era real, e sua necessidade... Isso também o era.
Muitas perguntas, sem respostas aceitáveis para ela.
Observando-o, viu que a boca dele tinha uma suspeita tensão, que suas sobrancelhas
riscavam uma curva interrogante, e se perguntou o que pensaria e também, o que isso
importava a ela.
Os braços de David a estreitaram, e lançou um breve suspiro.
—Tanto controle não faz bem a um homem.
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Acreditando que se referia a ela, que ela sofria de um exagerado controle e que ele
não desdobrava nem um pouco, tentou corrigi-lo, mas as mãos de David desceram mais,
até o traseiro dela, estreitou-a mais contra si, e se esfregou contra ela. Alisoun gostou
que se esfregasse, e respondeu do mesmo modo, ondulando contra ele para aumentar a
sensação. O gemido baixo e as chamas douradas que iluminaram os olhos do homem lhe
indicaram que ele também gostava.
David a levantou, sem respeito por sua pessoa nem por seu título. Atirando o livro
de contas, depositou-a sobre a mesa e quando tentou pôr objeções a beijou... Desta vez
como era devido. Aproveitou-se de sua boca aberta e lhe colocou a língua dentro e logo
a tirou. Alisoun tratou de falar de novo e ele repetiu a ação uma e outra vez, até fazê-la
compreender.
Não queria que falasse. Queria beijá-la e, talvez, algo mais. Alisoun estava
completamente apoiada sobre a mesa, e David a fez deslizar sobre a tenra superfície e a
fez estender-se até que sua cabeça ficou apoiada sobre as tábuas.
—Agora, não poderá escapar — disse, e ela percebeu o nítido tom de satisfação em
sua voz.
Alisoun estava segura de que ainda tinha o controle. A final de contas bastar-lhe-ia
gritar e as criadas que trabalhavam no solar acudiriam correndo. Mas a mesa dura lhe
raspava as costas, e David se inclinava sobre ela, apanhando-a entre os braços. Agora a
beijava com algo mais que a boca, os dentes e a língua. Em certo modo, seu ardor tinha
depositado sobre ela o peso do desejo. As pernas da mulher se moveram inquietas, as
chaves tilintaram no quadril, e David notou. Para apaziguá-la, inclinou-se mais sobre a
mesa e apoiou seu corpo contra o dela. Com uma das pernas separou as dela, e com uma
mão lhe acariciou a coxa, deslizando-a para o lugar que Alisoun realmente queria que
tocasse, e logo a afastando.
A ignorância do homem a exasperou — não era ele quem tinha experiência?— e,
livrando-se do beijo, aferrou-lhe a mão e a apoiou onde queria que estivesse.
—Aí! —Olhou-o nos olhos, carrancuda— Por acaso tenho que fazer tudo?
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David entrecerrou os olhos e sorriu. E esse não foi um de seus sorrisos agradáveis,
alegres, mas como o de um grande lobo feroz, disposto a devorar uma menina inocente.
Pior ainda: esse sorriso a cativou. Cativou-a e a assustou ao mesmo tempo.
—David?
—Um homem poderia recrear-se em ti.
Quis lhe replicar, mas David apertou a palma com firmeza sobre a união de suas
coxas, retirou-a, pressionou outra vez. Alisoun se agarrou nos ombros dele e arqueou os
quadris procurando mais, e ele a brindou. Doíam-lhe os peitos, lhe oprimia o estômago,
lhe agitou o fôlego. Fechou os olhos, abriu-os, voltou a fechá-los. David lhe deu um beijo
na boca, mas desta vez suave, e sussurrou:
—Quem está te fazendo isto?
As mãos de Alisoun o agarraram, imitando seu ritmo.
David retirou sua mão hábil.
—Quem?
—David!
—Assim é. —Beijou-a de novo, acariciou-a de novo, e Alisoun soltou um gemido,
pugnando por retê-lo atrás dos lábios apertados— Por todos os Santos, é quente e doce
como mel sobre o fogo.
Com a mão livre lhe arrancou a touca, e Alisoun o ouviu dizer:
—São Miguel seja louvado — mas essas palavras não significaram nada para ela.
Só compreendia o que o corpo dele dizia ao dela. A pressão do peito de David contra
o seu, a da virilha sobre seu quadril, o puxão da mão do homem em seu cabelo: tudo
isso provocava dentro dela uma sensação de resistência. Algo nela pugnava por sair.
Algo que não era correto. Algo selvagem e indiscriminado, que se metia de cabeça em
sua propriedade e a sacudia, utilizando seu corpo como campo de batalha.
O pior era que ela estava do lado dessa coisa selvagem e queria lhe conceder
liberdade, mas, simplesmente, não podia.
David deve ter percebido sua luta, porque murmurou:
—Virgem.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Tirou a mão dentre as pernas da mulher e pôs o corpo. E para não esmagá-la contra
a madeira, sustentou-se sobre os cotovelos e os joelhos, e só deixou que persistisse o
contato das partes importantes. As quais, quando se uniam, formavam um tudo. Alisoun
tinha que esforçar-se para elevar as pálpebras e poder olhá-lo, e quando o fez lamentou.
Dava a impressão de ser violento. Tinha o rosto avermelhado, manchado onde se
barbeou, e estava carrancudo. Mesmo assim, quase sem mover os lábios, sussurrou:
—Você é meu sonho.
E Alisoun não acreditou, nem por um instante, que se referisse a suas terras.
Alisoun sentia as roupas picarem, as de David cobria muito. Se pudesse usar as
mãos, teria lhe tirado até o último fiapo, mas David começou a investi-la e ela esqueceu
tudo o que não fosse esse algo selvagem que ele tinha descoberto dentro dela.
Concentrando-se nas sensações, movia-se sem cessar. Tentou levantar as pernas, mas
David estava apoiado sobre suas saias e tinham ficado presas. Alisoun movia a cabeça e
segurava os cabelos, apertando-os no punho, em seu esforço por achar alívio.
Com o cotovelo levantado golpeou a bolsa de couro, e ouviu um claro miado,
seguido de um som de arranhões. Nenhuma das duas pessoas que estavam sobre a
mesa prestou atenção, mas a criatura, fosse o que fosse, ficou frenética. Os dois seres
humanos levantaram a cabeça e fixaram a vista na bolsa. Alisoun estava tão irritada que
tinha vontade de gritar, e perguntou:
—O que há aí?
David posou a mão sobre a bolsa e, pelo jeito, essa pressão aplacou ao morador.
Com um suspiro de algo que se assemelhava ao alívio, perguntou-lhe:
—Na realidade quer falar disso agora?
—Não, mas... Não. —Pôs-lhe outra vez os braços nos ombros— Depois.
Entretanto, não a beijou por mais que ela o convidava a fazê-lo, sem dúvidas.
—Escuta.
Ouviram os passos de uns pés calçados com botas sobre o piso do solar, e Alisoun
recordou precipitadamente que pediu a sir Walter que fosse realizar uma consulta com
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
David. Pareceu-lhe apropriado tentar unir os dois homens em uma causa comum, mas
depois, como qualquer donzela frívola, esqueceu. Tinha perdido o controle.
—Mãe Santa!
Tratou de escapulir e David não o impediu. Alisoun recolheu a touca da mesa, e
prendeu uma mecha de cabelo solto. Não foi nada fácil dominá-lo, e David tentou ajudá-
la, mas não foram o bastante rápidos e, quando sir Walter apareceu na entrada, ainda
estavam entrelaçados sobre a mesa como amantes culpados.
E isso teriam sido se não fosse a interrupção de sir Walter.
Alisoun fez uma inspiração profunda e se convenceu de que podia dirigir as coisas.
Esteve em piores situações! Nesse preciso momento não as recordava, mas estava
segura de que se viu em piores. Sentou-se, despojou seu rosto de toda expressão, e se
converteu na dama de George's Cross, impermeável às críticas.
Então, David disse em voz alta:
—Já não têm esse piolho em seu cabelo? - Alisoun paralisou de horror. Esse homem
estava louco? David se ajoelhou sobre a mesa e, com gestos eficientes, terminou de lhe
acomodar a touca sobre o cabelo, e assentiu, com ar judicioso. —Estou seguro de que
não terá mais problemas. —Voltando-se para sir Walter, disse— Tinha um piolho no
cabelo. Eu o tirei.
Caminhou por cima dela, desceu da mesa e se acomodou no tamborete, com
expressão angelical.
O movimento provocou outro miado dentro da bolsa de couro, mas Alisoun não
podia lhe prestar atenção. Um piolho? Havia dito que ela tinha um piolho no cabelo?
Devia supor que ela, que jamais teve um inseto em toda sua vida, o tinha pegado em seu
próprio castelo? Não podia acreditar.
Sir Walter, tampouco. Ficou olhando, com expressão pétrea. Sem dúvida, pensaria
que tinha lhe estendido uma armadilha ou, pior, que não podia controlar suas paixões.
Podia? Tinha esquecido suas obrigações por David.
Ao lhe dar um olhar, compreendeu que era possível sentir irritação e desejo ao
mesmo tempo por um homem. Não lhe importava o que David tenha dito: teve vontade
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de que prendesse sir Walter no calabouço, para que ela pudesse seguir procurando esse
estranho e louco prazer nos braços dele.
Sir Walter esclareceu a voz. Alisoun continuava sentada sobre a mesa de seu quarto
de contabilidade, com as saias revoltas, os lábios avermelhados pela pressão de tão
magníficos beijos, e aqueles dois homens a olhavam para não olhar entre si.
Ainda jovem Alisoun descobriu que seu semblante de dama imperiosa podia vir
abaixo se aparece um pouquinho que fosse de cor em suas bochechas e também
aprendeu a ignorar aquelas emoções que podiam fazê-la ruborizar-se. Mas, ao que
parecia, este pudor não estava sujeito ao seu controle, e se ruborizou tão intensamente
que se acreditou capaz de iluminar a sala. Sem a menor graça, desceu da mesa. As
chaves se balançaram emitindo um som forte, alegre, que pareceu sublinhar mais sua
mortificação. Sentou-se no tamborete, inclinou-se para recolher o livro de contas caído,
e viu que lhe tremiam os dedos. Apressou-se a colocar os pergaminhos sobre a mesa, e
uniu as mãos para dissimular sua agitação. Perguntou, em tom razoável:
— Sir Walter, pode explicar a sir David o que pretende dele?
Sir Walter realizou uma espasmódica inclinação de cabeça.
— Você e sir David deveriam conversar entre si, pois é óbvio que se entendem as
maravilhas.
Ressonaram suas botas, cada passo mais forte que o anterior, até que saiu do solar e
fechou de uma portada. Então, Alisoun se voltou para David:
— Por que disse semelhante coisa?
— Que coisa?
Imitou-o:
— Já não têm esse piolho em seu cabelo? Acaso pensa que ele é tolo? Não tenho
nenhum animal. Com sua atuação, condenaste-nos.
— Perdão, minha senhora. Supus que queria que ele permanecesse na ignorância de
nosso...
Titubeou, e Alisoun lhe perguntou, em tom gelado:
—Sim?
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Alisoun apertou os lábios. Ninguém desafiava sua arrogância, porque no fundo ela
sabia que estava melhor sem ninguém perto. Mas sir David não opinava o mesmo. O
maior guerreiro que a Inglaterra produziu desdenhava a veneração dos inferiores. Em
certo sentido, era um homem humilde, e um sujeito dessas características não se
negava a treinar um grupo de jovens que o adoravam, seguiam cada um de seus
movimentos com olhares ansiosos e se ajoelhavam aos seus pés para recolher as
pérolas de sua sabedoria.
—Você gostará de treinar Eudo.
—É só um menino. —Profundamente ensimesmado, David coçou a barriga— Não
sabe muito.
—Não quer treiná-los porque sabem muito?
—Hugh é um homem. É melhor lutador que... Bem. —Certamente, os calções deviam
ter afrouxado, porque os acomodou— Logo será cavalheiro.
—Foi para Hugh a armadura que comprei quando estava em Lancaster. De todo
coração, eu gostaria de amadrinhar sua consagração como cavalheiro, mas...
Balançou a isca, com a esperança de que ele a mordesse.
O evidente estratagema provocou uma careta desdenhosa em David, mas de todos
os modos a mordeu:
—Qual é o problema com Hugh?
—Dirige a espada de maneira exemplar, não tem dificuldades em atender aos
cavalos do estábulo, é um terror com a lança e o machado, mas se nega a trabalhar com
a faca.
—Por quê?
—Afirma que um cavalheiro honrado não tem motivos para lutar com faca.
—Suponho que também quer que ensine Andrew e Jennings.
—Tinha a esperança...
—O que fará sir Walter enquanto eu me ocupo de todas suas responsabilidades?
A petulância de David fez com que a voz de Alisoun se afinasse.
—Tinha a esperança de que o assistisse.
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Alisoun se crispou.
—O que faz você com ele?
—Trouxe-o para você. Eudo me contou que mataram a sua gata e...
—Oh, não. —Agitou as mãos— Não quero outro gato.
Deixando o animalzinho sobre a mesa, David disse:
—Achei que você gostasse dos gatos.
—Eu gosto. —Observou ao pequeno animal que brincava de correr e aparecia pela
borda, olhando para baixo— No lugar apropriado.
—No estábulo?
Segura de que se tentasse saltar se quebraria, empurrou-o para trás.
—Sim.
—Consegui resgatá-lo de debaixo dos cascos de Louis.
O gatinho tratou de espiar outra vez sobre a borda, e Alisoun voltou a empurrá-lo
para trás.
—Já vejo por que.
—Por que o resgatei? Sim, é adorável.
—Não, por que estava sob os cascos do Louis? É uma estupidez. - David suspirou.
—Se não o quiser, pode deixá-lo no chão. Talvez sobreviva entre os cães e os outros
gatos e, mesmo assim, sua vida será melhor que no estábulo.
Alisoun viu como o gato perambulava para uma das velas acesas, e então viu que
David também perambulava, mas para a porta.
—Espere! Leve isso. - Depois, com atraso— aonde vai?
—Treinar seus escudeiros. —Apareceu a cabeça— Poderia utilizar outra vez seu
mensageiro para mandar o dinheiro a Radcliffe?
—Certamente, mas, quanto ao gato...
—Bendita seja, minha senhora.
Desapareceu, mas o ouro e o gato ficaram sobre a mesa.
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Capítulo 09
Sir David emergiu do solar de minha senhora sem notar minha presença nem a de
nenhum outro. Tinha os lábios bem apertados e o rosto avermelhado, mas eu não
distingui nele os sinais do prazer interrompido. No geral, eu sabia que falar com os
homens quando estavam curando uma frustração era receber um pescoção ou algo pior.
Eu não acreditava que sir David se incomodasse em fazer algo tão corriqueiro como
montar em uma mulher. Certamente que eu ansiava que esse homem ao qual idolatrava
se casasse com lady Alisoun, minha senhora feudal, mas jamais me ocorreu pensar que
essa união terminaria com dois corpos retorcendo-se sobre uma cama.
Ao tempo que sir David ia a pernadas para a porta, eu coloquei uma grande parte de
pão na boca e corri atrás dele. Precisava saber se minhas indicações deram resultado,
pois, para minha mente de onze anos, o único que se interpunha entre o amor de lady
Alisoun e sir David era o comportamento deste último. Através da força de convicção e
as instruções, o cavalheiro grosseiro, comum, converteu-se em um galante cavalheiro, e
esperava que minha recompensa fosse à feliz novidade do compromisso deles dois.
Em troca, sir David mostrava os dentes como um velho gato.
—Ponha botas. Vamos sair.
E quando tentei lhe dizer que não precisava de botas no verão, olhou-me de um
modo que me precipitei em obedecer. Enquanto tentava embutir meus pés, que
cresciam rapidamente, em umas botas que me apertava, ele vadiava no grande salão e
brincava com Heath de uma maneira bastante normal, enquanto brincava com a
pequena Hazel de esconderijo.
Agora, Philippa permitia. Já não tratava sir David como se fosse uma víbora de
língua bífida, mas tampouco deixava à menina só com ele.
Quando por fim calcei as botas, corri para sir David. Ele secou com delicadeza a baba
do queixo da pequena, saudou-a com a mão, e eu lhe perguntei:
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chegar a sua própria decisão com respeito a ele, ao tempo que inclinava a balança em
seu favor.
Eudo esteve muito tempo calado, e comentou:
—O que vamos fazer?
—Treinar escudeiros — respondeu David, mordendo as palavras, e Eudo voltou a
refugiar-se no silêncio.
Assim David esteve preso no diminuto quarto de contabilidade durante uma hora,
falando de esperanças e de sonhos como um monge castrado, enquanto ela não dizia
nada. Pelo pouco que compreendeu, daria no mesmo se estivesse falando consigo
mesmo. A única coisa inteligente que fez foi abraçá-la, porque isso lhe demonstrou que
pensou nele mais do que ele imaginava e, certamente, mais do que ela gostaria.
Para sua desgraça, ele também esteve pensando nela. E pensava com um órgão
muito ativo, perguntando-se se ela seria tão boa como parecia ser.
Não se seria boa na administração de sua propriedade, ou com seu povo, mas sim se
seria boa na cama. Tinha chegado a esse ponto em que temia tocá-la com qualquer
motivo, pois quando isso acontecesse, não poderia parar. David podia escapulir dentro
da vila e deitar-se com qualquer das mulheres disponíveis, e Alisoun não saberia, mas
não queria. Sonhava com as mãos longas e frias dela sobre seu corpo, e seu corpo alto e
morno movendo-se sob o seu sobre a cama... Ou sobre uma mesa.
David tinha iniciado um fogo sobre essa mesa, e eles dois eram as lenhas. Um moço
de dezessete anos teria mais controle. Se conhecia algo de mulheres — e embora seus
conhecimentos fossem meio antigos, não acreditava que as mulheres tivessem mudado
muito— quando acontecesse o seguinte encontro, ela reforçaria suas defesas.
—Mas tem cabelo vermelho — disse em voz alta.
Eudo inclinou a cabeça:
—Como diz sir David?
—O cabelo de lady Alisoun é vermelho.
—Não é tão mau — disse o moço, na defensiva.
—Mau? —David aferrou Eudo pelo ombro e o deteve— Quem diz que é mau?
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—O sacerdote diz que o cabelo vermelho é sinal de que ardem os fogos do inferno.
Para mim, a senhora teria que substituí-lo, mas como é velho e esteve aqui sempre, não
acredito que o faça.
Em efeito, teria que substituir o sacerdote de rosto crispado que dava a missa todas
às manhãs. Era completamente surdo, estava meio cego, e tinha um caráter azedo que
se manifestava de maneira imprevista, enquanto rondava pelo castelo. Recordando que
foi confessor de Alisoun na infância, sua desaprovação explicava por que ela apagava a
chama de sua cabeleira com tanta severidade. A David isso intrigava mais ainda, pelo
modo em que ela desfrutava quando o soltava.
De um salto, Eudo se adiantou e abriu a porta do estábulo. Quando David passou,
fechou com cuidado, e o homem compreendeu que o menino esperava que surgissem
problemas. É obvio, estava certo, mas o problema não seria de Eudo, mas todo de David,
e por Deus que Louis ia compartilhá-lo.
Ao aproximar-se da baia de Louis, ouviu um forte e grosseiro bufo e uns golpes, e
viu que um cavalariço saía voando sobre a borda de um dos estábulos. Louis mostrou a
cabeça sobre a borda e mostrou ao moço os dentes amarelados, e o moço o olhou com
expressão furiosa, enquanto ficava de pé com esforço.
—Aí está — disse David, aproximando-se de seu cavalo e permitindo que lhe
cheirasse o braço— estiveram te cuidando bem?
Louis resmungou, com ruídos que retumbavam em sua barriga e que mantiveram
Eudo e o outro moço afastados.
—Deixa de chutar os cavalariços cada vez que se aproximam para te dar de comer
ou para lhe escovar — lhe advertiu David— e não terá mais queixa.
O moço disse hostil:
—É malvado.
Eudo se voltou para ele, hasteando os punhos.
—É Louis, o legendário cavalo de guerra. Não pode dizer que é malvado, Siwate.
Siwate ficou em pose de briga.
—Sim, posso.
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—Não.
—Posso te dizer o que quiser — replicou Siwate, depreciativo— Não é mais que um
pequeno bastardo, que minha senhora recolheu por caridade.
David freou Eudo, que se lançava ao ataque. Segurando seu escudeiro que se
debatia, assinalou o cavalariço:
—Certamente, pode dizer o que quiser de Louis, mas ele entende cada palavra que
pronuncia, e não lhe agradam as ofensas relacionadas com seu caráter.
Siwate empalideceu e retrocedeu, e Eudo exclamou:
—Viu!
David seguiu:
—Para que não se preocupe, informo-te que Louis já não é sua responsabilidade.
Agora, Eudo o cuidará.
Eudo paralisou, e Siwate replicou:
—Viu!
—Eudo é meu escudeiro e não tem medo de Louis.
David ouviu ao seu lado a voz trêmula de Eudo murmurando:
—Sir David, me fez jurar que diria a verdade...
David levantou Eudo e o sentou sobre as altas pranchas que rodeavam a baia de
Louis.
—Louis é um cavalo razoável. Adora aterrorizar aos que não conhece, mas aceitará
a ti.
David estendeu a mão através da cancela para oferecer ao animal o duro queijo
amarelo que tinha reservado. Ao vê-lo, Louis esticou o pescoço e roçou com grande
cuidado os dedos de David. Amaldiçoando, o cavalheiro deixou-o cair, e Louis o
recolheu do chão e o mostrou a David, descobrindo os dentes.
Siwate correu. Eudo retrocedeu tanto que caiu para trás sobre um montão de feno.
David também mostrou os dentes a seu cavalo, e logo disse:
—Louis é um animal razoável. — Louis comeu o queijo e lançou o aroma no rosto de
David. —Depois de que se exercitou.
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David tirou as rédeas da parede e entrou na baia. Eudo espiou sobre o tabique, viu
que o cavalo aceitava o arnês que seu amo lhe colocava, e se levantou. Louis esticou a
cabeça e farejou os pés de Eudo. Este se segurou nas tábuas com tanta força que os
nódulos ficaram brancos, mas não se moveu, enquanto o cavalo ia subindo por sua
perna.
—Este é seu moço — lhe explicou David— Cuida-o, e ele cuidará de ti. — Louis fez
girar os olhos. —Não pode mordê-lo, isso não seria justo. E tome cuidado de não pisá-lo,
porque seus ossos ainda são jovens e finos. —David sorriu a Louis e lhe disse em tom
confidencial— Já quebrou um dedo.
Louis empurrou com o focinho a mão de Eudo, e o moço, ainda vacilante, acariciou-
lhe a cabeça.
—É bom — disse atônito.
—É o pior cavalo que já teve a desgraça de conhecer. —David abriu a cancela e
conduziu o cavalo para a porta— Mas agora está convencido de que lhe pertence, e ele
protege o que é dele.
Eudo desceu de um salto e os seguiu, cuidando de manter-se longe dos cascos de
Louis.
—Inclusive os meninos bastardos?
David e Louis trocaram um olhar pormenorizado, e o cavalheiro disse:
—Aos meninos bastardos em especial. Por acaso pensa que os pais de Louis
estavam casados? - produziu-se um instante de silêncio, e logo houve uma risada
infantil contida. David o chamou: — Vem aqui, Eudo.
Quando o moço se aproximou, David o levantou uma altura suficiente para instalá-lo
sobre o arreio. Embora ainda fosse cedo para que demonstrasse semelhante tolerância,
Louis ficou quieto e logo avançou, permitindo que Eudo se habituasse ao seu passo.
Eudo conseguiu soltar a juba o tempo suficiente para saudar Siwate com gesto de
superioridade e, enquanto saíam do estábulo, Louis deixou cair por seus quartos
traseiros sua opinião sobre o que o habitava, fazendo com que o cavalariço retrocedesse
a toda pressa.
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Eudo seguia rindo entre dentes enquanto David conduzia o cavalo para o pátio de
treinamento, mas ao ver que os outros escudeiros se paralisavam, ergueu-se. Sir Walter
também ficou imóvel, com a mão estendida, em gesto de desventurar Andrew com a
espada de madeira.
Sentindo-se tolo, David fez uma amável sacudida de cabeça.
—Vim para treinar os escudeiros.
—Pela manhã terminarei com as contas — disse lady Alisoun, ajoelhando-se entre
as fileiras, obsessivamente limpas, de salsinha e de sálvia— Depois de tudo, não é que
esteja faltando aos meus deveres. Também é necessário atender os maços de ervas. —
Seus longos dedos seguraram com firmeza uma erva daninha, e puxou dela para cima—
Maldição — murmurou.
Deixaria a erva daninha onde estava, pois antes de retirar-se, Tochi lhe proibiu
especificamente uma tarefa tão incompetente.
Philippa segurou Hazel pela camisa e a reteve uns momentos, para permitir que o
gato escapasse dos dedos da menina.
—O sol te fará bem.
Do pátio próximo ao pomar, que era o orgulho e a alegria de Tochi, as duas
mulheres ouviam o sussurro dos ramos dos salgueiros que parecia uma cortina de
cetim. Dentro, o alto muro de pedra criava um mundo íntimo. Alisoun tinha levado o
gato ali, e este não tinha demorado em aconchegar-se em sua saia e adormecer.
Entretanto, incomodavam-no os lentos avanços que ela fazia entre as filas de mudas, até
que ao fim se esticou e saiu correndo, explorando tudo com a atitude de aventura
própria de uma criança. E Hazel engatinhava atrás dele, os olhos alerta, as fraldas
sacudindo-se.
Utilizando uma enxada, Alisoun se dedicou a liberar a raiz da terra. O aroma da terra
úmida subiu pelo nariz, insistindo-a a deleitar-se com o verão e a promessa da colheita.
—Nunca capinei, mas meus pais me fizeram aprender todos os aspectos da
administração da terra, e por isso agradeço as instruções de Tochi.
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Deu uma olhada a esse retalho de pele negra que tanto se aderiu a ela, mas tinha
desaparecido, e se alegrou disso.
Além disso, não existiam muitas possibilidades de que se fizesse mal em um jardim
rodeado de muros de pedra.
—Muito bem — replicou Philippa— Está ficando uma solteirona.
Pasmada, Alisoun tentou brincar.
—Sou a viúva virgem mais velha que existe.
Mas, nem a Philippa isso pareceu divertido, porque balançou uma fileira de contas
de cores ante os olhos de Hazel, e continuou como se a outra não tivesse falado.
—Sua conduta é rígida. Não acredito que algum homem possa te mudar. Tinha
grandes esperanças depositadas em sir David, mas ele fracassou, de modo que não fica
mais que esperar um filho.
Endireitando-se, Alisoun esfregou a parte baixa das costas, que doía.
—Do que está falando?
—Precisa ter um filho.
Olhando fixo a Philippa, Alisoun tentou deduzir se seria um novo tipo de
brincadeira... Que ela não entendia. O certo era que nem os Santos podiam entendê-la.
Mas Philippa lhe devolvia o olhar, sincera como nunca a tinha visto. Com lógica
impecável, preparou sua resposta:
—Não estou casada.
—Não é o matrimônio que faz filhos — lhe esclareceu Philippa— Deitar-se com
alguém é que o faz.
—Sei. —Ao ver que Philippa sorria com ironia, Alisoun compreendeu que isso foi
uma brincadeira— O que quero dizer é que sou a senhora de George's Cross. Não posso
ir e tomar um amante, e...
—Por que não? —perguntou Philippa— Do que serve ser a senhora de George's
Cross se não poder fazer uma só coisa má? —Aborrecida com as contas, Hazel as jogou
no mesmo lugar onde tinha jogado a abobrinha, e se apoderou de outro punhado de
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terra. Enquanto lutava com ela, a mãe adicionou— Talvez devesse dizer: outra coisa má
mais.
—Minha consciência está tranquila. Confesso meus pecados ao sacerdote todos os
dias, e cumpro as penitências que me atribui.
—O clérigo é surdo — repôs Philippa, exasperada— Se não fosse assim, toda a
aldeia estaria excomungada.
Alisoun reprimiu o sorriso que pugnava por escapar e disse, com ar virtuoso:
—Os caminhos de Deus são inescrutáveis.
—Sim, Ele enviou sir David! —Philippa teve que elevar a voz sobre os protestos
indignados de Hazel— Me dê as chaves.
Alisoun tocou o grande anel de ferro com chaves que levava a cintura.
—Por quê?
—Porque como Hazel não deveria ter as chaves, se lhe der algo proibido, se sentirá
feliz.
Para Alisoun pareceu que isso seria abrir um precedente perigoso, que se
recompensava a uma criança que chorava lhe dando o que não deveria ter, transformar-
se-ia em um hábito, mas não falou porque pensou que Philippa já tinha coisas
suficientes para preocupar-se. Sem um marido, tinha que amar à pequena, discipliná-la,
preocupar-se com ela, tudo sozinha. Sobre tudo, preocupar-se com ela. Philippa não
emagreceu como acontecia com Alisoun quando se preocupava. Estava mais roliça, mas
nada podia apagar as linhas que lhe marcavam a testa.
Alisoun lhe jogou as chaves, que aterrissaram com ruído surdo sobre o maciço de
melissa, desenterrando uma planta alta. O cítrico aroma aumentou o horror de Alisoun,
e Philippa se apressou a enterrar as longas folhas amassadas e a voltar a plantar a
planta.
—Talvez Tochi não note — disse, sacudindo as chaves ante o rosto de Hazel. Os
olhos da menina se dilataram assombrados; esticou-se, ansiosa, para o chaveiro, e
Philippa o pôs sobre seu colo. Contente de que a menina estivesse entretida, voltou-se
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outra vez para Alisoun— Sir David te daria lindos filhos gordinhos que poderia
embalar.
—E então, iria embora.
—Possivelmente, se você mandasse. Mas não acredito que te rejeite se lhe propõe
matrimônio.
—Para que iria querer um homem como ele? Não temos nada em comum.
—Não sei. —Um sorriso brincou no rosto de Philippa, e recolheu um par de ervas do
chão— Por que você o quer?
—De onde tira que o quero?
—Fui eu quem espantou os curiosos da porta de seu quarto de contabilidade.
Ocorreu a Alisoun uma réplica cortante, mas logo a desprezou, recordando que essa
era Philippa. A ela podia dizer a verdade.
—É horrível. Ri dos costumes e do protocolo que é correto e apropriado.
—Ainda está zangada porque foi à cozinha e convenceu à cozinheira de por essas
rãs vivas no bolo, e quando você o abriu, saltaram fora e você gritou.
—Não, isso não é o mau. —Alisoun limpou a mão no avental— Eu tive vontade de
rir.
Philippa foi a que riu nesse momento.
—Ainda resta esperança para você, Alisoun.
—Esse homem é uma influência perversa para mim. —Philippa se limitou a sorrir
irônica, e a sacudir a cabeça, e Alisoun tentou demonstrar os resultados diretos da
personalidade de David sobre ela— Uma noite, fiquei conversando com ele pelo prazer
de sua companhia, e nem sequer me ocupei de ter meus trabalhos à mão.
—Uma noite — se burlou Philippa.
—Uma vez que uma pessoa começa a escorregar pelo caminho descendente da
preguiça, é difícil voltar atrás e reatar o caminho reto e estreito.
—Sempre tem que me citar lady Francês? —queixou-se Philippa.
— Ela foi à dama que nos educou!
—Foi uma mulher velha e malvada, que lhe extraía toda a alegria da vida.
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esmagou umas folhas de manjerona em sua mão, e as levou ao nariz— Manjerona para
a felicidade. Quero que seja feliz.
De um modo estranho, a sugestão de Philippa começava a ter sentido, e Alisoun
temeu que fosse porque ela também tinha pensado na possibilidade de deitar-se com
sir David. Apesar disso, disse em voz alta:
—Não é tão nobre quanto eu e, sem dúvida, nem de perto tão rico.
—Todos os homens que se assemelham a ti em nobreza e riqueza são uns sujeitos
velhos e desagradáveis.
Philippa arrancou uns matos que havia entre a melissa.
—O casamento não é para desfrutar.
—Eu sei.
Alisoun desejou não tê-lo dito, vendo que agora Philippa arrancava as más ervas
com raiva, e umas rugas lhe crispavam a testa. Mas as palavras não podiam retirar-se, e
Alisoun acrescentou:
—E o rei se zangaria.
—Frente ao feito consumado se resignaria, não acha? Não seria a primeira vez.
Como é se não deseja o casamento, está bem. Isso eu compreendo. Mas precisa um filho.
—Para que?
O gatinho rondava entre as fileiras de salsinha, castigando um ramo que parecia
estar provocando-o.
—Para que herde suas terras.
Alisoun liberou o gato da verde refloresta antes que destroçasse as melhores mudas
de Tochi.
—É por isso que você acha que preciso de um filho?
Pelos lábios de Philippa caminhou o fantasma de um sorriso.
—Eu acredito que precisa de um filho para amá-lo.
—Tenho a este estúpido gato fraco, de dentes afiados.
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—Você não tem pai para sua filha, e se sente assustada e desventurada. Acaso quer
que eu seja como você?
Philippa tomou bruscamente Hazel e a estreitou contra seu peito, enquanto a
menina lutava para soltar-se.
Alisoun se sentiu imediatamente esmagada por sua própria reação, e gaguejou:
—Não sei por que disse isso. É que... Sempre pensei que se vivia de maneira lógica e
bem organizada, teria a vida que desejava. Mas não pude planejar o que aconteceu a ti, e
isso fez com que analisasse a mim mesma, e compreender que... —arrancou o gato de
seu ombro e o abraçou, quase como sua amiga o fazia com a filha— ... O que tenho, na
realidade, são objetos, e não existem motivos para cuidá-los enquanto não há ninguém
para desfrutá-los.
—Não chore!
Alisoun não sabia, mas suas lágrimas estavam regando as plantas de Tochi.
—Oh, Alisoun. —Sem soltar Hazel, Philippa se aproximou de joelhos e abraçou sua
senhora— Não tinha intenção de te alterar. É que...
—Bom, não posso. Não posso ter um filho. Isso é inaceitável. Entretanto, quando
penso, parece-me que...
—Sei. —Philippa limpou o nariz na manga— Eu sinto o mesmo.
Hazel se removeu entre as duas, e Alisoun lhe deu um beijo vacilante. Como a
pequena não chorou, deu-lhe outro, e apoiou a cabeça sobre o escasso cabelo da
menina. Sentia os finos fios como seda sob a bochecha, com Hazel reclinada sobre ela e,
por um instante, conjurou ideias sediciosas, a de ter seu próprio filho e obter que a
amasse.
Que ideia tão tola. Que tentadora. Lamentou-se:
—Todos esses planos brilhantes que tínhamos, toda nossa juventude que já se foi,
desperdiçaram-se...
A cancela se abriu, e as duas mulheres se separaram bruscamente. Entrou sir
Walter, com passos decididos, e se deteve ao ver aqueles dois rostos sulcados de
lágrimas.
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—Lady Alisoun?
—Estamos ajudando Tochi, tirando o mato — respondeu a dama.
Observando o dano feito, o homem respondeu cortês:
—Claro.
Alisoun olhou ao redor, viu o mesmo que ele, mas não deu nenhuma explicação.
—Queria algo?
Sir Walter não sorriu, mas algo em sua pose transmitia pedante superioridade.
—Há uma coisa que acredito que deveria ver.
Capítulo 10
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Edlyn também se dirigiu agilmente ao castelo, e Alisoun soube que tinha recordado
suas obrigações.
Ninguém falou desnecessariamente. Ninguém brincou com respeito à derrota de
David. Quase não suportavam olhá-lo, e Alisoun quase não podia suportar olhar sir
Walter.
Então, olhou Philippa. Coberta pela terra do jardim, levando sua filha em seus
braços, parecia plácida ali, de pé do lado de fora da arena, mas Alisoun percebeu o
temor que se reavivava dentro dela. Percebeu, porque era igual ao que sentia ela
mesma.
—É como eu suspeitava há muito tempo. —Sir Walter procurou captar sua atenção -
Por isso pedi a sua "lenda" que me assistisse. Nenhum cavalheiro mantém sua destreza
sem constante prática, e sua lenda não tinha posto um pé em um campo de treinamento
desde que chegou. Supus que seu domínio dessa arte, se alguma vez o teve, na
realidade, desvaneceu-se, e eu não podia seguir suportando que enganasse a você.
Alisoun seguia sem poder olhá-lo no rosto.
—Me enganar? Você não desejava que seguisse me enganando?
Sir Walter falou em tom alto para que todos os que estavam perto o ouvissem, e teve
até a audácia de apoiar a mão sobre o ombro da senhora, com gesto paternal.
—Sei que é doloroso descobrir que a tomaram por tola, minha senhora, mas...
Por fim, Alisoun se permitiu pronunciar as palavras que a obcecavam:
—Não compreende o que têm feito? —Controlou suas feições, o volume de sua voz,
mas nada foi capaz de dissimular o açoite de seu tom— Minha gente se acreditava a
salvo, protegida por sir David de Radcliffe. Agora vivem outra vez no medo, porque meu
inimigo saberá do fracasso de sir David e o aproveitará. — A mão de sir Walter se
afastou. —Sir Walter, se deseja permanecer em George's Cross, se mantenha fora de
minha vista. Eu cumprirei com meu dever. Sempre o faço. —Olhou-o, observou aquele
estúpido cavalheiro de mandíbula apertada e olhos saltados— E, de agora em adiante,
confie em que saberei qual é esse dever.
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Deu-lhe as costas e se uniu a Mabel, que repreendia sir David porque tentava
levantar-se, embora fosse evidente que não estava em condições. Quando colocaram
David sobre a prancha e o elevaram, sir Walter já tinha desaparecido.
David podia ter entrado caminhando no castelo, mas uma olhada a Alisoun o
dissuadiu. O mandaria embora assim que pudesse partir, e a humilhação já lhe
queimava nas vísceras como um rescaldo.
Foi derrotado. Outra vez. A última foi bastante má, diante do rei e de toda a corte, e
aquele asno pomposo que demonstrou ser superior a David extraiu dele até a última
fibra de humilhação por tê-lo derrotado. Todos os que presenciaram o combate se
foram convencidos de que tinha sido severamente castigado.
Mas, desta vez...! Foi derrotado por um mucoso, que ainda nem sequer tinha sido
renomado cavalheiro. Que talvez não tivesse sido sangrado. Que não tinha nascido
ainda, quando David começou sua carreira. Derrotado ante todos os habitantes do
castelo. A vergonha era tanta que o fazia querer dobrar-se, sair correndo, não voltar a
ver esses rostos jamais.
Se fosse por ele, teria se levantado, montado Louis e partido, sem olhar atrás. Mas
não podia. Seu povo, sobre tudo sua filha, dependia das moedas que ganhava neste
posto.
E o último mês chegou a pensar que também Alisoun dependia dele. Não só pela
defesa, embora fosse provável que sua reputação — ou sua antiga reputação— lhe
tivesse vindo bem. Além disso, era a mulher mais solitária que tinha conhecido, e não
sabia sequer. Mantinha-se tão atarefada que jamais aprendeu a rir, a demonstrar afeto,
a divertir-se. As estações definiam sua existência através dos deveres que lhe
impunham, e não pelo ritmo de vida que cantavam, e David temia que um dia
despertasse e compreendesse que sua juventude tinha ido e não tinha nada. Apesar
disso, não compreendia por que sentia que ele era o encarregado de modificar isso.
Talvez sua avó pudesse explicar-lhe. Só o que sabia era que cortejava Alisoun por suas
terras, por sua riqueza, e pela estranha joia de seu sorriso.
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Por isso permitiu que os homens o carregassem sobre uma prancha e o subissem ao
seu quarto, depositando-o sobre sua cama sem muita gentileza. Não conteve um gemido
ante trato tão desconsiderado, e se admirou pela repreensão que Alisoun os propiciou,
mas não imaginou nem por um instante que a crise tivesse passado. Tinha que pensar, e
rápido. Tinha que fazer algo mais que lamentar a perda de sua condição de lenda —
uma condição que desprezou enquanto teve e que sentia falta amargamente agora que
se desvaneceu— para reter sua vantagem.
Fechou os olhos enquanto o despiam, e se dispôs a ouvir as exclamações
compassivas de Alisoun ao ver seus machucados.
Não lançou nenhuma exclamação. Não disse uma palavra.
A cervejeira ordenou aos homens que aproximassem a mesa ao lado da cama, de
modo que ela pudesse acomodar seus remédios ali, suas bandagens e a água morna.
Manipulou-o com certa brutalidade enquanto o lavava, porque era uma mulher
conhecedora, e sabia que não estava tão gravemente ferido. Mas a dor de cada
respiração lhe indicava que tinha uma costela trincada, e a mulher lhe enfaixou
apertadamente o peito com tiras de linho.
Continuando, jogou sobre ele uma manta de lã leve, foi, e David ficou sozinho... Ou
isso acreditou.
Abriu os olhos e deu um salto: Alisoun estava de pé, perto da cama, observando-o.
Não podia acreditar que estivesse tão perto e tão silenciosa. Muito.
O instinto lhe disse que tomasse cuidado, e sempre ouvia seu instinto. Disse em tom
baixo, gentil:
—Minha senhora.
A mulher não respondeu. Limitou-se a olhá-lo fixamente, e isso lhe pareceu
estranho.
Se não soubesse a realidade, David teria se convencido de que Alisoun não
compreendia as consequências de sua derrota. Mas compreendia; tinha-a ouvido
repreender sir Walter. Então, por que o olhava — contemplava seu corpo delineado sob
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Alisoun o olhou e umedeceu os lábios. David podia ver a palavra formando-se: não.
Diria que não.
Mas não o fez. Alisoun disse:
—Sim, pode ficar se praticar todos os dias com Hugh. Mas só até depois do mercado
de primeiro de agosto. Falta menos de um mês para isso, e se então não melhorar, então
terá que ir, e eu... —Tremeram-lhe os lábios um instante— Terei que organizar eu
mesma a defesa de George's Cross. Talvez devesse ter começado por aí, teria sido mais
eficaz.
A reação do ferido foi instintiva e imediata:
—A defesa é tarefa de homem!
—Tive dois homens para cumpri-la, e os dois falharam. - David se ruborizou e
voltou à cabeça. —Peço-lhe que me perdoe. —Apoiou-lhe a mão outra vez, mas no
ombro— Têm feito o que eu esperava, mantendo o perigo afastado só com sua
presença, mas já não podemos seguir dependendo disso. A estas alturas, todos na aldeia
sabem que Hugh lhe derrotou. Farão comentários com todo mercador que passar por
aqui, e logo, toda Northumbria saberá. Certamente, eu não uso armadura, mas minha
segurança depende da organização, e a minha demonstrou ser superior a de qualquer
homem.
David tomou a mão dela que estava em seu ombro e a empurrou para ela.
—Minha senhora, e se teve êxito, para que necessita a um homem? - Desta vez viu,
soube: uma chama de interesse, de ardente intenção. E depois, Alisoun lhe acariciou as
costelas com a mão.
—Está muito dolorido?
Isso não era uma resposta, e David repôs cortante:
—Posso cumprir meus deveres.
—Bem. —Os dedos de Alisoun roçaram o quadril dele, e depois se afastaram— Bem.
Quando a dama saiu do quarto, David ficou olhando o vaivém de seus quadris, com
ar pensativo.
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Sempre haveria um motivo para que uma mulher necessitasse de um homem e, pela
expressão de lady Alisoun, David teria jurado que ela havia resolvido explorar as
possibilidades.
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O moço estava furioso, e era ardiloso em sua maneira de atormentar David. Fez-lhe
recordar a sua própria filha e, pela primeira vez desde que caiu do cavalo, o ânimo de
David se aliviou.
—É um equilíbrio difícil, certo? Bom, não importa o respeito. - Então, Eudo
respondeu com regozijo:
—Não quero comer com você.
—Ah. —David lubrificou outra fatia de pão com queijo - Isso é duro. É difícil manter
a hostilidade quando se compartilha uma bandeja. Por isso, quando dois inimigos
compartilham a mesa, acaba-se toda animosidade, embora só durante essa noite. Agora,
vem e come, e amanhã poderá voltar a me odiar. —Afundando o pão na sopa, David o
lambeu ruidosamente— Que gosto bom tem isto! —Voltou a fazer o mesmo, e logo,
cravando uma fatia de cordeiro, agitou-o para que o aroma flutuasse até Eudo, e disse
em tom cantante— Claro que isto também está saboroso.
Com expressão colérica, Eudo sopesou a situação, mas já não tinha alternativas. Era
pajem, era dos últimos a comer, e estava crescendo. Quando David colocou a carne
dentro do pão e deu uma dentada, deu-se por vencido. Subiu à cama, sentou-se em
frente a David, e este cortou a fogaça, meteu-a em uma terrina e lhe serviu. Prudente, o
homem guardou silêncio até que os dois tiveram acabado com tudo o que havia na
bandeja.
Eudo foi aquietando-se, e David aguardou a primeira pergunta, mas como, ao
parecia, não estava em condições de falar, foi David quem rompeu o silêncio.
—Cuidou de Louis depois de minha queda?
Aliviado, Eudo assentiu com veemência.
—Sim, e se comportou bem comigo. Os outros cavalariços não podiam acreditar, e
Siwate tentou fazê-lo encabritar-se enquanto eu estava na baia, e Louis o mordeu.
—Disse-te que Louis cuidaria de ti.
—Então, Siwate disse... —Eudo tomou fôlego — ...que, certamente, esse não seria o
rei Louis.
—Quem é então?
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—Siwate disse que talvez não seja... É realmente o legendário mercenário sir David
de Radcliffe? —perguntou Eudo.
David se considerava preparado, mas nada o tinha preparado para a dor que o moço
lhe provocou com essa simples e sincera pergunta.
—Que outro poderia ser?
—Não sei. —Eudo encolheu os ombros— Siwate disse que você o matou no caminho
e roubou seus pertences para que todos acreditassem que fosse ele.
—Será conveniente para Siwate que isso não seja certo, pois poderiam encontrar
seu pequeno corpo sepultado sob as tábuas do chão. - Falou David. Mas ao ver que Eudo
se encolhia, lamentou — Na verdade, sou sir David de Radcliffe. Só estou um pouco
mais velho do que conta a lenda.
—Não está em condições de proteger nossa senhora se sai voando do cavalo cada
vez que enfrenta a outro... Cavalheiro.
David leu a mente do menino: "E Hugh não é cavalheiro, sequer". Ocultando seu
rosto no guardanapo, David limpou a boca até poder falar sem mostrar sua angústia.
—Sei como ser o melhor. Só preciso praticar um pouco. Pela manhã, estarei outra
vez no campo de treinamento.
—E quando sairemos a cavalo a percorrer a propriedade para ver se há algum
problema?
—Quer ir comigo como sempre?
Eudo o pensou, e logo respondeu:
—Sim.
—Então, iremos amanhã pela tarde, mas teremos que fazê-lo a diferentes horas
cada dia. Se alguém que pretende fazer mal a lady Alisoun está nos observando, não
devemos mostrar hábitos regulares, e menos agora. Agora, depois de minha... Derrota.
—Pronunciou a palavra com firmeza, e esse lucro o animou, lhe fazendo pensar que ia
sobreviver a esta humilhação. Entregou o guardanapo a Eudo e disse— Limpe o rosto.
Eudo obedeceu, e logo o espremeu e o deixou sobre a bandeja.
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—Parece que essa pessoa sabe o que acontece dentro do castelo. Alguns criados
pensam que está dentro. E agora, saberá que você não é tão maravilhoso como
tínhamos acreditado.
As suspeitas de David com relação a sir Walter se reavivaram, mas só disse:
—Se estiver no castelo, será fácil capturá-lo quando atacar outra vez. Necessito que
alguém esteja atento no grande salão. Observará para ver se alguém parece suspeito?
—Sim! —Ao advertir que devia parecer muito ansioso, Eudo se deslizou da cama e
levou a bandeja. Em tom mais moderado, disse— Esse me parece um bom plano. Posso
fazer algo mais por você antes que durma?
—Apaga as velas. —David observou como Eudo fazia o indicado— Todas, menos
esta que está junto à cama. E fecha a porta ao sair. Não quero ouvir a conversa no salão.
—Ao ver que Eudo enrugava o rosto, compreendeu o difícil que seria a noite para ele—
Você tampouco tem por que ouvir, moço. Vai depressa terminar suas tarefas e volta
aqui com seu colchão.
—Sim, sir David.
Eudo lhe dirigiu um valente sorriso e se foi ao grande salão, fechando a porta e
ficando fora do amparo que representava para ele a quarto de David.
David relaxou repleto e em paz consigo mesmo, agora que já tinha um plano.
Praticaria com Hugh até recuperar seu prévio estado de lutador, e não se preocuparia
com aqueles que depositavam seu orgulho e sua segurança no êxito dele. Nem por
Eudo, nem por Alisoun. Nem sequer por... Si mesmo.
De súbito, arderam-no as lágrimas, e apertou os olhos com o polegar e o índice, para
cortar essa corrente não desejada. Como podia preocupar-se com sigo mesmo quando
havia tanta gente que dependia dele? Mas se preocupava. Sentia na boca o sabor
amargo da derrota, e faria tudo para apagar essa tarde de sua memória. Durante anos,
homens mais jovens, melhores lutadores, estiveram lhe mordendo os pés, mas ele
sempre se saía bem, encerrado na bolha da lenda. E agora, essa bolha estourou e ele
caiu em terra com estrépito. Durante todos esses anos de competir em torneios e
batalhas, sempre teve por diante suas metas. Terras, um lar, uma família. Não
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Capítulo 11
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David já tinha tido sonhos como este, nos quais uma mulher ia a sua cama,
inclinava-se sobre ele e dizia: "Quero-te", com voz rouca de paixão. Este devia ser outro
desses sonhos prazerosos, mas que, em última instância, frustravam-no.
Entretanto, esta moça se comportava de maneira diferente ao habitual nos sonhos:
era silenciosa até inquietante. Não sorria sedutora. E não utilizava a experiência que as
mulheres de seus sonhos estavam acostumadas a manifestar.
—Volta a deitar — lhe ordenou ela— Está ferido. Eu terei que fazer todo o trabalho.
Isso o tirou do sonho: só Alisoun usaria esse tom quando visitasse um homem em
sua cama, vestida só com uma camisa de gaze.
—O que está fazendo aqui? —perguntou-lhe.
—Aprendendo a fazer amor. —Dava a impressão de estar perplexa, e logo,
abatida— Se você estiver de acordo, certamente.
Sim, era Alisoun. Só Alisoun seria capaz de cobrir o cabelo com uma touca e de
manter o lençol sobre os quadris dele. Só Alisoun poderia ordenar a um homem que
ficasse quieto, enquanto ela usaria seu corpo para entregar-se à libertinagem. Só
Alisoun iria querer conservar a supremacia.
Só Alisoun carecia da experiência necessária para fazer frutificar seu desejo.
Era uma situação que requeria muita reflexão. Precisava entender por que Alisoun
estava ali nesse momento, ao final do dia que ele teve, mas, mais que nada, Alisoun
necessitava imediata reafirmação. Apoiando-lhe uma mão no pescoço quando ela se
sentou sobre o colchão, disse-lhe:
— Sou teu, faz comigo o que quiser.
Aparentemente, isso foi tudo o que precisava ouvir. Arrumou com presteza os
travesseiros sob a cabeça de David, ao tempo que ele tentava entender porque lhe tinha
brindado esta súbita bênção. Alisoun não parecia ter noção de seu corpo nem dos
efeitos que causava nele, por que David podia lhe ver os peitos movendo-se através do
fino tecido da camisa! Um dos mamilos lhe roçou o ombro, e elevou a mão para tomá-lo
em uma reação involuntária.
Absorta, Alisoun retrocedeu antes que se concretizasse o contato.
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e David teria jurado que viu o extremo dessa fita meneando-se para ele, lhe rogando
que tomasse e o liberasse.
Teve que esclarecer a voz antes de falar.
—Philippa é uma mulher sábia.
Alisoun baixou lentamente os braços aos lados.
—Você gosta disto?
Corrigiu-a:
—Eu gosto do que está debaixo.
Alisoun quase sorriu, e a seguir disse, com certa vivacidade:
—Bom, sigamos com isto. O que você gostaria que fizesse primeiro?
Se Alisoun fosse uma mulher mais segura de si mesma, David teria estalado em
gargalhadas. Mas em baixo dessa superfície confiada, percebia a insegurança em si
mesma própria da virgem.
—Eu sempre gosto de começar com uns abraços.
—Abraços?
David se aplaudiu o peito.
—Ponha a cabeça aqui e descansa.
—Não vim aqui para dormir!
Ele também podia ser obstinado.
—Assim é como eu gosto.
—Como queira. —abateu-se sobre ele— Mas não era isto o que eu esperava.
Não podia ficar quieta. Como um pássaro que arrebatasse um alimento, quase o
tocou com a mão e depois a retirou com brutalidade. Sentou-se junto a ele, e logo se
afastou. Pôde tocá-lo para lhe acomodar as ataduras, mas não em uma manifestação de
afeto. Por fim, David teve que lhe perguntar:
—O que era o que esperava?
—Philippa disse que os homens sempre têm pressa.
David lhe replicou:
—Isso é porque Philippa nunca se deitou comigo.
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—Na realidade, suponho que Philippa não sabe muito. - Compreendeu que Alisoun
queria fazê-lo, mas lhe faltava coragem. Seguiu tagarelando: — Só teve experiência com
um, embora acredite que falou com várias mulheres.
Tomando a mão, David a apoiou em seu peito, perto do pescoço, onde não havia
ataduras.
—Nesse caso, talvez Philippa saiba que os homens apressados deixam a suas
mulheres com vontades.
Os dedos da mulher se afrouxaram.
—Com vontades do que?
David fez mão de Alisoun deslizar para seu ombro do lado contrário, e então não
precisou mais que uns mínimos movimentos para que ela ficasse de lado, com a cabeça
apoiada sobre o peito dele. Mas Alisoun não relaxou; seguia rígida, erguida, incômoda,
apoiada no outro cotovelo.
—Te abrace a mim e eu te mostrarei.
—Philippa diz que a satisfação é um mito. —Fez escorregar o cotovelo pelo lençol
até que seu ombro encaixou sob a axila de David e sua cabeça se abateu sobre o ombro
dele— Philippa diz que a maioria das mulheres sopram quando lhes pergunta se
gozaram.
—Isso significa que nenhuma delas esteve em minha cama, então. —lhe apoiando a
mão na orelha, empurrou-a com suavidade até que sua cabeça se apoiou. O braço de
Alisoun se movia inquieto sobre o colchão, procurando uma posição cômoda, e
mantinha uma distância prudente entre os corpos dos dois. No momento, isso o satisfez.
Agasalhando-a com o lençol, disse— Não tem por que preocupar-se. Eu te satisfarei.
Surpreendida, Alisoun disse:
—Jamais duvidei.
A adulação, porque assim o considerou, era das que podiam subir à cabeça a um
homem. Esticando a mão, arrancou-lhe a touca da cabeça e a jogou.
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—Te deite. — Deve ter utilizado um tom bastante autoritário, porque Alisoun lhe
obedeceu. Mas não respondeu sua pergunta, e David pensou em repeti-la depois...
Quando não estivesse tão nervosa. — Agora, simplesmente ficaremos assim, deitados.
E isso fizeram. Com a cabeça apoiada no ombro dele, o braço do David lhe rodeando
as costas, sua mão se posava no quadril de Alisoun e, a intervalos irregulares, aplaudia-
a. Ao princípio, Alisoun estava tão tensa que não se movia. Depois, sem querer, começou
a relaxar e, quando ele movia a mão, ficava rígida de novo. Logo, ao ver que não ocorria
nada embora ele movesse a mão, e que Alisoun seguia relaxada, começou a esfregá-la
com uma pressão lenta e constante, perguntou-lhe:
—Isso é tudo?
—Por agora. —Deslizou a mão até a base da coluna e lhe massageou os músculos
dessa zona— Se esta noite não fizermos mais, sempre haverá um amanhã.
Alisoun ia falar, mas ao compreender que ele tinha chamado suas palavras,
acomodou-se junto a ele. Sem dúvida, devia estar pensando em terminar com este
assunto de maneira eficiente, porque no outro ombro David sentiu que os dedos dela se
curvavam. Conteve o fôlego e sentiu que ela capturava a articulação e apertava com
suavidade, usando a palma para massagear os músculos. Lentamente, foi descendo pelo
braço, logo para cima outra vez, através do peito, e até o pescoço. Ali, roçou com as
pontas dos dedos a pele até a orelha, debaixo do queixo, e ao longo da garganta.
David deixou sua própria mão em suspense sobre as costas da mulher. Por ser
novata, tinha muito bons instintos, e não lhe convinha subestimar a inteligência dela.
Tampouco, deixá-la tomar a iniciativa. Neste aspecto, ao menos, estava decidido a
conservar o controle.
Moveu-se um pouco, para deslocar as plumas do colchão, e Alisoun rodou para ele.
Os dedos da mulher deixaram de acariciá-lo, e David pensou que tinha deixado de
respirar. Todo o corpo dela repousava contra seu lado, e embora ela ainda usasse a
camisa, ele não usava outra coisa que a bandagem.
Esse era o tipo de intimidade a que Alisoun mais precisava acostumar-se. Era o tipo
de intimidade que o fazia esquecer, só por um momento, que ele era o que dominava.
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—Embora fosse divertido ver como vai sair depois de ter passado tanto tempo aqui.
Certamente cessariam todas as conversas no grande salão.
—Todos os que se deitam no salão estão dormindo!
—Alguma vez já dormiu no grande salão? —Levantou o lençol sobre sua cabeça, e a
olhou. Alisoun negou com a cabeça, e David sorriu— O sono é ligeiro, sobre tudo
quando há intrigas em desenvolvimento, e quando a dama de George's Cross visita seu
mercenário derrotado durante a noite: essa é o melhor tipo de intriga.
—Farão comentários a respeito de mim?
—E de mim, senhora. Acaso não pensou em minha reputação?
—O que acontecerá com sua reputação?
—Suponho que se enaltecerá. —Soltou o lençol e deslizou as mãos em volta dos
quadris dela, fazendo-a estender-se de costas— Portanto, será melhor que nesta
batalha brinde evidências para que todos possam ver.
—O que quer dizer?
—Amar-te-ei de tal modo, que ninguém duvide de seu prazer.
Com gesto repentino, Alisoun se envolveu com o lençol até o pescoço, e David riu
entre dentes, à luz difusa que ficava debaixo. Esse gesto de recato próprio de uma
donzela não fez outra coisa que apertá-lo mais contra aquele corpo comprido e esbelto.
Como um homem faminto ante um banquete, tinha intenção de saborear cada bocado, e
de desfrutá-lo.
Apertando a anágua contra o oco do umbigo, viu como se afastava quando ela
afundava a barriga. Outra vez estava alerta, e se lhe propunha de novo que se
abraçassem, Alisoun se levantaria da cama para não voltar jamais. Não, agora tinha que
seguir adiante com os procedimentos... Demonstrar certa eficiência, embriagá-la com
sua habilidade, convencê-la de que estava fazendo o que ela queria quando, na
realidade, estava lhe arrebatando a autoridade.
Quase não sentia a dor nas costelas.
Apoiando a cabeça sobre a coxa da mulher, soprou com suavidade nesse vértice,
onde desejava estar.
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—O que está fazendo? —perguntou Alisoun com vivacidade, embora sem levantar o
lençol.
—Estou esperando que afrouxe as pernas. Não posso fazer o que pede sem sua
colaboração, como compreenderá, sem dúvida.
Compreendia, mas sua mente fria não tinha o controle absoluto sobre os impulsos
de seu corpo. Por mais que desejasse o contrário, seguia sendo uma virgem
inexperiente com seu primeiro homem, e não podia ordenar aos seus joelhos que se
separassem.
Sentiu-a tremer ao tentar, e lhe disse:
—Me permita te ajudar. —Colocou o polegar no espaço entre as coxas, e empurrou
até tocar no lugar onde sabia que gostaria— Assim. —Esfregou-a— Mais relaxada?
Estava tão tensa, que David temia que se fizesse lascas. Seria mais difícil do que
tinha imaginado. Levantando a cabeça, pressionou com sua mão sobre o diafragma dela.
—Respira — lhe indicou.
Alisoun fez uma funda inspiração ofegante, e assim David soube que esteve
contendo o fôlego. Quando teve absorvido suficiente ar, perguntou-lhe:
—O que está fazendo?
—Te dando prazer. —Voltou a esfregar— Está dando certo?
—Não sei. Só o que sei é que me faz desejar... - Moveu as pernas, e David assegurou
sua posição com o joelho.
—O que?
—Saltar e correr, ou voar, o... Não posso pensar quando me faz isso.
—Bem.
Com a mão livre, enrolou a camisa da panturrilha até o quadril. Beijou um lunar que
aparecia à direita da pélvis de Alisoun, e voltou a beijá-lo porque gostou.
O movimento de seus lábios sobre a pele a fez levantar-se pela metade.
—Eu gostaria que saísse de abaixo desse lençol! —exclamou a mulher em tom
zangado, embora lhe tremesse a voz.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
—Por quê? —David colocou a cabeça fora das mantas, e sorriu ante o rosto
indignado e avermelhado da dama— É o lugar onde sonhava estar desde que te
conheci. Levanta os quadris.
Alisoun abriu a boca para discutir, mas a fechou e fez o que lhe ordenava. Livre do
peso dela, a camisa se enroscou ao redor da cintura, deixando a parte de abaixo nua, e
ela procurou cobrir-se outra vez com o lençol.
—Formosa.
Inclinando a cabeça, David tentou inundar-se outra vez, mas ela o aferrou do cabelo.
—Isto não é o que eu tinha planejado.
—Se voltar a te estender sobre os travesseiros e me beijar, farei tudo o que me
disser — lhe prometeu.
—Jura?
—O que me disse — repetiu David.
Viu que estudava sua afirmação, tentando descobrir uma armadilha, mas não se
imaginou tão dominada pela paixão para não poder falar ou pensar sequer, de modo
que voltou a estender-se sobre os travesseiros e cruzou as mãos sobre o peito. Com
sorriso torcido, David tomou as mãos e as apoiou sobre seus próprios ombros.
—É para que pareça que estamos fazendo-o juntos.
Alisoun não compreendeu a brincadeira, e quando tentou pedir uma explicação,
David a beijou.
Os beijos ela compreendia. Já tinham se beijado antes, e por sua reação, soube que
desfrutava do contato de seus lábios, a lenta penetração de sua boca, o primeiro sabor...
David gemeu quando a língua dela penetrou em sua boca, e desejou ardentemente
colocar-se em cima dela. Mas antes... Enredou a mão nos laços de sua camisa. Já fazia
muito que estavam provocando-o, e desfez o nó e abriu o pescoço do objeto com a mão.
Não gostava dessa camisa, e não sabia por que lhe havia dito o contrário. Era muito
larga, muito reveladora, e intrometida. Queria tirar-lhe e quando lhe pôs a mão no meio
do peito, o batimento do coração de Alisoun lhe deu coragem. Alisoun separou os lábios
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
quando ele cavou a mão sobre ela, mas David insistiu e recapturou-a. Não se debateu,
começou a acender-se facilmente, e David começou a ter esperanças.
Foi evidente que a familiaridade a ajudou a esquentar-se, e David soube que tudo o
que o fazia tinha que repeti-lo. Uma vez, para mostrar-lhe a segunda, para incitá-la.
Aproximando-se pouco a pouco, abriu toda a camisa. Deixou um ombro ao descoberto,
logo o braço, depois a mão. Elevando-a com o braço sobre os ombros dela, tirou-lhe a
camisa e a jogou longe.
Alisoun lutou, recuperando parte de sua lucidez.
—David.
Mas ele não queria escutar seu mandato, e a tocou como a havia tocado quando
estava debaixo do lençol. Alisoun se removeu e gemeu, jogando a cabeça atrás sobre o
travesseiro, o cabelo vermelho esparso como chamas retorcendo-se.
Estava certo. Estava certo. Bastava com que a acostumasse a cada movimento, e ela
o seguiria. Poderia fazê-lo. Podia fazer tudo duas vezes.
Tudo, exceto... Bom, para então, ela estaria tão apanhada pela paixão que não o
advertiria. Estava seguro de que era virgem, mas, nas noites prévias às batalhas, os
homens trocavam histórias, e ele tinha ouvido dizer que uma virgem de avançada idade
se abrandava. Que, com a atividade, os músculos se relaxavam e as barreiras se
rompiam.
Penetrou-a com o dedo, tentando provar a verdade dessas afirmações. Parecia
apertada, e David franziu o cenho. Então, Alisoun estremeceu, e David lhe olhou o rosto.
Esforçava-se por recuperar o controle, para poder avaliar esse primeiro contato. David
retirou rapidamente o dedo e a acariciou como antes, para vencer sua retração. As mãos
de Alisoun lhe aferraram os ombros, e as unhas recortadas cravaram na pele. Iniciou
uns movimentos rítmicos, como o convidando a entrar, e ele a animou com um beijo tão
íntimo que lhe fez saltar as lágrimas.
O corpo de David cantarolava triunfal, gratificado, carregado de pura energia carnal.
Alisoun era dele. Agora já sabia como manipulá-la. Era dele, e ardia em desejos de estar
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dentro dela... E seus dedos se afundaram profundamente nela, como por vontade
própria.
Observou-a, e viu que abria os olhos, mas não os enfocava. Toda sua atenção se
concentrava em seu próprio corpo, em suas próprias reações.
Era uma maneira egoísta de fazer amor a primeira vez, mas David estava seguro de
que, em outra ocasião, lhe devolveria o favor, e dificilmente poderia repetir o que sentia
nesse momento.
Alisoun estaria pronta? Ele estava. Tanto, que temia confiar na úmida evidência que
lhe transmitia sua mão. Em volta das fogueiras de acampamento, tinha ouvido dizer
outra coisa que, naquele momento não compreendeu. Diziam que entre uma virgem
mais velha e uma jovem a diferença consistia em que a mais velha prosseguia com
cautela, enquanto que a jovem se precipitava para novas aventuras.
Isso David o tinha confirmado, e agora abrigava a esperança de que a outra parte
dessa sabedoria fosse verdadeira.
Levantou-se, colocando-se em cima dela, separou-lhe as pernas e se balançou contra
ela.
Desta vez enfocou a vista, viu-o, e ficou quieta, adaptando-se à posição dominante
do homem. David se apoiou nos cotovelos sustentando seu peso, para não assustá-la, e
não se moveu, lhe dando tempo a pensar em como se sentia e no que ia acontecer.
Logo, balançou-se outra vez contra ela, repetindo a ação até que a carne sensível da
mulher começou a responder. Colocou-se lentamente em posição, mantendo-se em
suspense, esperando que, em qualquer momento, a voz lógica de Alisoun lhe desse
instruções. Mas, embora permanecesse calada sem expressar seu prazer, o corpo da
mulher reagia a cada uma de suas investidas com as próprias, primeiro tímidas, depois
mais seguras.
—Assim — a arrulhou no ouvido— Quando estiver dentro de ti, faz exatamente isso.
Imaginou que não deveria ter dito nada. Não queria que nada a distraísse, mas ele
estava muito perto, e tudo ia ser tão bom, tão fácil...
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Penetrou-a, e ela se ajustou a ele muito apertadamente, se isso era possível. David
tremeu, contendo-se, movendo-se com lentidão. Então, encontrou a virgindade de
Alisoun, que não respondeu não a seus suaves movimentos.
Os homens comentavam que as virgens velhas eram fáceis porque não conheciam
Alisoun. Nessa ocasião, Alisoun era à inversa do comum, e sempre seria.
Permaneceu quieto com esforço. Abriu os olhos com inapetência, e contemplou o
rosto da mulher.
A paixão já não a tinha presa em suas garras. Estendida debaixo dele, muito
composta, esperava mais dor.
—Alisoun... —gemeu David.
—Não se preocupe. Não me fez um grande dano, e estava preparada para isto. —
Afastou-lhe as mãos dos ombros, cruzou-as sobre o peito, e fechou os olhos— Continua
e termina.
David quis gritar, esmurrar o travesseiro com os punhos, espernear como um
menino de três anos fazendo uma manha de criança. Mas não queria assustá-la, e a
segunda vez... Moveu-se com força e Alisoun gritou, expressando o que sentia sem
censuras... A segunda vez estaria acostumada, e seria tudo o que ele tinha sonhado.
Capítulo 12
A pequena cova de calidez que rodeava Alisoun provocou desejos de esticar-se, mas
quando moveu as pernas cada músculo deslizou sobre os ossos, e a fizeram gemer.
—Dolorida? —A voz de David soava cálida e segura, e sua mão, que esteve apoiada
sobre suas costelas, caminhou para sua coxa— Permita-me... —Moveu os dedos sobre a
pele, massageando, primeiro com suavidade, logo com mais profundidade— Melhor?
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Presa de uma momentânea covardia, Alisoun não quis olhá-lo de frente, mas isso era
uma estupidez. No dia anterior, depois da conversa com Philippa, decidiu sentir prazer
com ele, e agora não podia ocultar-lhe nada, depois das intimidades da noite passada.
Abriu os olhos com cautela, e se encontrou com o rosto dele. Estava abrigada porque o
corpo de David estava pego ao seu lado esquerdo, e uma de suas pernas passava sobre
as dela.
Talvez devesse fingir que dormia até que ele se levantasse... Embora David ficasse
na cama até a manhã seguinte.
—Bom Dia.
Os olhos castanhos pareciam dourados quando David sorriu, mas sua expressão era
vigilante, e seu sorriso, mais estudado que exuberante.
À primeira luz da manhã, Alisoun viu a cicatriz em uma orelha que testemunhava
sua condição legendária, embora o pêlo do queixo e a mandíbula tinha brotado negro e
duro, como em qualquer homem. Mas ela nunca esteve tão perto de um homem. Pensou
que deveria dizer algo, lhe demonstrar que era a mesma lady Alisoun do dia anterior, e,
entretanto não se sentia a mesma. Sentia-se quase assustada, como se tivesse estado
suspensa sobre um precipício e se salvou no último momento.
Ele também esteve suspenso com ela, e saiu por si mesmo. Lá em baixo estava
escuro. Não via o que a aguardava abaixo, e imaginava penhascos abruptos e
quebrados, onde se faria pedaços... E o que aconteceria se David não a segurasse
quando caísse?
E se a segurasse?
David recolheu uma comprida mecha de cabelo avermelhado e o encaminhou para
as costas.
—Alisoun.
Sacudindo-se, Alisoun deixou de lado essa tola fantasia e disse:
—Bom dia. Sim, a massagem me faz bem. Meus músculos não estão acostumados à
semelhante atividade, e por isso... —David seguia sorrindo, massageando-a, e Alisoun
começou a perder o fio de seus pensamentos— Já estou melhor, assim poderia deixar
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de fazê-lo. — Seguia sorrindo, sorrindo. —Sério, acredito que deveria deixar de fazê-lo,
pois vamos perder a missa e o sacerdote se irritará. - Sorria. —Se irritará mais que de
costume.
Não sabia que mais dizer.
David esperou, e quando ela acabou de tagarelar — ela, Alisoun, condessa de
George's Cross, tagarelando!— separou-se dela e jogou as mantas a um lado.
Desesperou-se e gemeu em voz alta. Soavam muito diferentes dos sons que tinha
emitido de noite — os da noite foram mais baixos e mais intensos— mas fizeram
Alisoun tremer, e percorreu todo o corpo dele com seu olhar. No dia anterior, quando o
depositaram sobre a cama, Alisoun o viu como possível companheiro e pai de seu filho.
Alegrou-a perceber que o regime regular de comidas o ajudou a ganhar algo mais de
carne; seus músculos já não se estendiam como cabos sob a pele. Mas os hematomas
recentes estavam de um arroxeado intenso, salvo onde branqueavam as antigas
cicatrizes.
Todo homem que tinha prosperado como cavalheiro mercenário demonstrava ser
ardiloso e rude. Um homem que se converteu em lenda poderia ser seu par.
A baleia o engoliu, ou ele engoliu a ela?
—Eu também estou dolorido — disse David— Certamente, mais por ter caído do
lombo de Louis que por estar em cima de ti, mas como eu perdi minha virgindade faz
anos, para mim esta noite foi puro prazer.
Como devia responder a isso? Eu também gostei? Chame-me sempre que precisar
de hospitalidade? Alisoun conhecia os refinamentos da etiqueta, mas ninguém a
ensinou como devolver um elogio desse tipo. David a observou, e logo se levantou nu,
em toda sua glória. Alisoun puxou as mantas para cobrir-se, enquanto ele procurava
entre as roupas de cama, e quando emergiu com a camisa dela na mão, Alisoun ficou
olhando-o.
—Sente-se. —Lhe pôs a mão nas costas— Vai querer se vestir.
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Queria, mas não que ele a vestisse. David amontoou a borda da anágua, tal como
fazia Philippa com os vestidos de Hazel. Então, o passou pela cabeça e a ajudou a
colocar os braços pelas mangas.
—Isto é ridículo — disse Alisoun— Eu posso me vestir sozinha.
—Sim, mas não acredito que te dê tanta satisfação quanto me dá. —Atou-lhe a fita
do pescoço e logo lhe deu um beijo na testa. Alisou-lhe o enredado cabelo com os
dedos— Ainda não posso acreditar que seja vermelho.
—Tampouco eu — replicou sarcástica.
—É glorioso.
—É pecaminoso.
—Se puder considerar o amanhecer pecaminoso, então sim. Se as margaridas
podem ser pecaminosas, talvez. Se as criações de Deus dão prazer à vista, quem se
atreve a queixar-se? —Enroscou a ponta de uma mecha no dedo— Arrancarei a barba
de qualquer homem que disser que o cabelo de minha esposa é pecaminoso.
Alisoun caiu para trás, e como David segurava o cabelo, o movimento lhe fez voltar à
cabeça com brutalidade.
—Ai!
—Cuidado. —Desenredou a mão e esfregou o lugar dolorido no couro cabeludo de
tal modo que era como se reclamasse sua propriedade— Agora é minha, e não quero
que saia machucada.
—Tua? Eu não sou tua.
David sorriu com evidente complacência, embora um véu de preocupação ainda lhe
sombreasse os traços.
—Entendo que para uma mulher como você, isso pode não lhe agradar, digamos,
então, que... Eu sou teu. Isso te parece melhor?
—Tampouco você é meu. Não nos pertencemos. Não vamos...
Os lábios de David seguiram sorrindo, mas os olhos se entrecerraram.
—... Não vamos... Casar-nos?
—Não... Não nos... Casaremos.
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Um momento. Na realidade, David não havia dito nada. Acusá-la de tê-lo usado
porque ela sofreu uma humilhação na corte não faria outra coisa que incitá-la ao
desprezo. Ergueu-se, corajosa.
—Simón de Goodney jamais poderia ter prejudicado mi... - Fez uma inspiração,
debatendo-se contra as correntes desencontradas de ira, dor e embaraço que
ameaçavam lhe arrebatar a autoridade.
—E acha que vai dar a luz a meu filho e que eu, alegremente, o deixarei em suas
mãos incompetentes?
—Incompetentes? —Estupefata pela acusação, Alisoun ficou de joelhos com
movimentos torpes— Eu não sou incompetente.
—Não tem ideia das necessidades de uma criança. —Alisoun tentou interrompê-lo,
mas ele seguiu— Água, alimento, roupa... Sim, sei que lhe dará tudo isso. Mas, e o afeto?
Elevará ao pequeno nos braços quando chorar? Cuidará quando estiver doente?
Ensinará a ele algo que não sejam seus deveres? Duvido minha senhora. Duvido que
compreenda, sequer, uma palavra do que estou dizendo.
—Por que teria que me importar? Imaginei que estaria feliz em te liberar das
consequências desta noite. Sei que os homens até batem nos pequenos, simplesmente
por chorar.
David se tornou para trás.
—Que tipo de homens conhece?
Não deveria dizer algo assim. Isso foi como uma traição e Alisoun saiu da cama.
—Simplesmente... Homens — disse, esperando que seu tom fosse despreocupado.
—Se essa foi sua experiência, não me surpreende que tenha encontrado defeitos em
cada pretendente.
—Não achei defeitos porque os temesse, mas sim porque não eram apropriados
para minha posição, a minha riqueza, ou porque não levavam a sério suas
responsabilidades.
—Qual desses sou eu?
Ficou de pé e tirou o lençol da cama.
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Alisoun lá encima emoldurada pela janela com David. Alguns fizeram uma reverência,
outros saudaram com a mão, outros puxaram o chapéu em sinal de respeito. A quem
respeitariam? Apostava a que não a ela, mas a David.
David, nu e desavergonhado. David, o homem que convenceu a todos de que tinha
conquistado o controle sobre ela por meio do simples ato animal de lhe arrebatar a
virgindade.
—Isso foi desprezível — lhe cuspiu.
—Por quê? —David apareceu e respondeu às saudações— Todos estão felizes.
—Eu não.
David se meteu dentro e se voltou para ela.
—Você esteve.
—Não, eu...
—Por um momento.
Alisoun se ruborizou. Como podia evitar? Nos olhos castanhos brilhava a certeza do
prazer dela, embora tivesse sido breve. Ele sabia muito mais que ela. Sabia muito mais
sobre ela que a própria Alisoun.
—Ao atribuir tão pouco valor às paixões da noite, comete injustiça conosco. —
apoderou-se da fita que fechava o pescoço da anágua, e lhe deu uma série de pequenos
puxões decididos— Eu te pus a camisa, e agora lhe tirarei.
—Não há tempo para isso! Tenho coisas que fazer, e nós...
—Alisoun, há ocasiões em que manifestas uma incrível estupidez.
Desfez o laço e afrouxou o pescoço da camisa. Alisoun lhe segurou a mão, mas ele
era muito forte e ela estava muito perplexa. O que pensava estar fazendo? Era um
homem racional: ela viu o resultado de seu pensamento. Por que, então, estava lhe
tirando a roupa quando o que precisava era colocá-la e preparar-se para a jornada?
Sobre tudo em um dia que prometia ser como esse.
—David, deve saber que este comportamento é inaceitável na senhora de George's
Cross e em seu mercenário.
—E o que fizemos ontem à noite foi aceitável?
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—É muito, Alisoun?
Imediatamente, as carícias se fizeram mais leves, acalmando a irritação,
substituindo-a por uma sensação sedativa. Alisoun se esticou um instante, pensando
que devia resistir, mas as pálpebras lhe fecharam e suas costas se afrouxaram contra as
pranchas de madeira.
Prometeu-se que seria só por um momento. Deixá-lo-ia fazer até que se apaziguasse.
Era inevitável que a ilusão de sua aceitação acalmasse a ira do homem.
Deixá-lo-ia fazer o que queria. Os dedos calosos resultaram ser assombrosamente
brandos lhe acariciando o estômago, as coxas, e tudo o que havia entre eles. As
sensações da noite passada eram muito novas para que pudesse analisá-las, e agora
compreendeu que, quando lhe acariciava a pele, primeiro a aquietava, e logo lhe
provocava tensão, quase estimulação. O que fazia lhe provocava vontade de que lhe
fizesse mais, e girou a cabeça sobre as pranchas, em instintiva negação.
Não era possível que quisesse mais. Sem dúvida, a loucura não o alienava em
momentos inconvenientes, mas tinha a impressão de que, essa manhã, custava menos a
David excitá-la.
Abrindo os olhos, lutou com os braços para levantar-se na mesa.
—Isto o demonstra.
—O que?
—Se a gente perder uma vez o controle começa a deslizar pelo largo pendente da
dissipação.
O rosto bronzeado pareceu sinistro. Certamente seria um truque da luz. David lhe
disse:
—Te deslize mais rápido, minha senhora. Deslize-te mais rápido.
Qualquer outro homem estaria olhando o que ela mostrava de forma imprudente.
David lhe olhava o rosto. Alisoun estava convencida de que aprendera a ocultar bem
suas emoções, mas, ao que parecia, ele considerava a oportunidade de seu ataque
julgando pelas emoções dela.
—Agora temos que nos deter.
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—David.
Como queria sua carne, mordeu-lhe o ombro: tinha um gosto salgado.
David se sobressaltou, riu baixo, investiu mais forte.
Alisoun quis tudo dele, na forma egoísta e ávida de uma menina. Queria-o porquê o
queria, porque a fazia mover-se, aferrar-se, e sentir... E estremecer, e gritar, e... Caiu
para trás e David a sustentou e a apoiou na mesa. A fria superfície a fez arquear as
costas para ele. Tentou segurar-se em algo, de encontrar um sentido à sensação, mas só
existia David e, em último termo, ela mesma. Gritou o nome dele. Uma gigantesca
convulsão que sacudiu seu universo a fez elevar-se da mesa.
Perdeu o controle.
E David se inclinou sobre ela lhe pedindo mais.
Mas não podia fazer mais. Não entendia o que acabava de fazer.
Então, David disse:
—Mais.
E o som áspero de sua voz, a carícia de seu fôlego e o contato de seus lábios,
provocou-no de novo.
—Por favor.
Alisoun gemeu, tentando evitar o êxtase e achando-o, ao mesmo tempo.
David subiu à mesa junto a ela, e se abateu sobre ela, de joelhos. Segurou-lhe os
quadris enquanto a investia com mais força, para lançar uma exclamação exultante
quando acabou.
Alisoun não entendia. Não entendia nada. Mas não teve tempo de pensar. David a
estreitou contra ele. Seu peito subia e descia com os ofegos, e lhe acontecia o mesmo.
Sentia o coração do homem galopar sob seu ouvido, como um eco do próprio.
Ao longo de sua vida, tinha chegado a acreditar que homens e mulheres não se
assemelhavam em nada, e, entretanto, neste ato reagiam de maneira similar.
Possivelmente por isso a Igreja santificasse o matrimônio: para celebrar essa única
ocasião em que homens e mulheres ficavam de acordo.
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Capítulo 13
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E quando me levantei pela manhã, todos os servos estavam rindo! Como não
entendia, perguntei a Hugh. Ele me abraçou pelos ombros e me disse que tudo estava
bem. Perguntei a Andrew. Ele sorriu e me ignorou. Por último, perguntei a Jennings e
ele, voltando para mim sua superioridade de quatorze anos, disse-me:
—Estúpido patife! Ontem à noite, seu precioso sir David se deitou com lady Alisoun,
e acaba de jogar o lençol ensanguentado pela janela para demonstrá-lo. —Entrecerrou
os olhos— E você é seu escudeiro. —Deu-me um pescoção na orelha e murmurou—
Deveria ser eu.
Eu estava atônito: sir David se deitou com lady Alisoun? Eu tinha planejado ajudar e
fomentar a pretensão do cavalheiro, mas saiu tudo mal. Acreditei que podia ser como
uma dessas histórias que cantavam os histriões. Pensei que sir David cortejaria lady
Alisoun, salvá-la-ia do perigo, e que eles seriam a celebração de um amor puro. Em
minha mente jamais existiram lençóis manchados e corpos suados. Mas antes que
pudesse retroceder e me ocultar em um canto, sir David saiu de seu quarto como uma
exalação e fechou a porta com força atrás dele.
Todos lançaram exclamações de regozijo. Parecia que a derrota do dia anterior
jamais ocorrera. Aos seus olhos, ele tinha obtido o impossível: conquistar lady Alisoun.
Os hurras o fizeram deter-se em seco. Varreu com a vista a sorridente congregação,
e os olhou com uma fúria para acabar com a demonstração. Os criados baixaram a
cabeça e se apressaram a reatar suas tarefas. David assinalou com o polegar Philippa, e
logo seu próprio quarto.
—Quer te ver — lhe disse.
Philippa entregou a menina a uma das outras donzelas, e colocando a cabeça entre
os ombros, apressou-se a obedecer.
Então, sir David captou minha expressão horrorizada e pareceu compreender como
me sentia.
—Bom — me perguntou— ainda é meu escudeiro?
Tinha alternativa? Claro que sim, e sabia que não podia abandonar meu cavalheiro
por nenhuma razão. Respondi:
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—Só lhe disse que tínhamos passado muito tempo na cama e que ele tinha
desordenado meus horários.
Pelo semblante de Philippa cruzaram várias expressões e, em um tom que Alisoun
não soube compreender, disse-lhe:
—Não sei por que se incomodou.
—Eu tampouco. —Philippa estalou a língua, desgostosa, e desta vez, Alisoun
reconheceu sua exasperação— Por que isso o teria incomodado?
—Os homens são estranhos nesse aspecto.
Philippa fez Alisoun girar, e abriu mais a abertura do pescoço da camisa.
—O que está fazendo? —perguntou Alisoun.
—Não tem machucados.
Esticando o pescoço para olhá-la, Alisoun replicou:
—Já disse que não os tinha. Por que teria que te mentir?
—Porque, às vezes, é embaraçoso reconhecer que o homem que alguém escolheu é
tão... Descuidado.
—A palavra seria brutal.
Philippa se encolheu.
—Pode ser. Quer uma camisa limpa?
—E minha roupa de trabalho. Estou decidida a seguir adiante com a jornada como
se nada tivesse acontecido — A mente de Alisoun já estava em seu funcionamento
normal. Enquanto Philippa voltava para o quarto da senhora para procurar sua roupa,
esta decidiu empurrar a conduta de sir David para o fundo de seus pensamentos. Não
podia lhe permitir que interrompesse sua vida cotidiana tanto de dia quanto de noite.
Mas quando Philippa voltou com os braços carregados de objetos, não demorou em
violar sua resolução, resmungando— Está zangado pelo filho.
—Isso eu temia. —Philippa deixou a roupa sobre a cama e verteu água em uma
bacia para que Alisoun se lavasse— Os homens não gostam que um filho nos distraia
das necessidades deles.
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—Não, refiro-me a ele dizer que eu não saberia como criar seu filho. - Alisoun se
inclinou sobre a bacia e aguardou, em suspense, o veredicto de Philippa.
—Isso não é certo — replicou a amiga com firmeza— Você ama tão profundamente
como qualquer outra. — Animada, Alisoun se salpicou com água fria. —O que acontece
é que não demonstra. Alisoun se deteve e esperou temerosa. —E, em efeito, as crianças
florescem com os abraços e os beijos.
Alisoun recebeu a toalha que Philippa lhe alcançava.
—Ou seja, me incitou a me deitar com sir David com a intenção de que tivesse um
herdeiro, e não me acha capaz de adquirir as habilidades necessárias para criar um
filho?
—Não disse isso. É que recordei como sir David entretinha Hazel, e nem se queixou
quando lhe babou toda a camisa.
—Por que o babou?
—Porque está nascendo os dentes — explicou Philippa, paciente.
—Quanto tempo faz que está lhe acontecendo isso?
—Desde antes que ele chegasse aqui.
—Tanto tempo para um dente?
Philippa deu um passo atrás e olhou Alisoun como se não a achasse muito
inteligente.
—Hazel já tem quatro dentes. Estou começando a desmamá-la, lhe ensinando a
beber de uma taça.
—Mas é muito pequena!
—Ao que parece, é o melhor momento para que saiam os dentes nas pessoas.
Alisoun não podia compreender semelhante pressa. Parecia-lhe que tinha sido
ontem que Hazel nasceu. Havia se sentido impotente, sem poder dormir em toda a
noite, nem comer sem que o estômago lhe doesse. E agora se sentava, sabia rodar, e lhe
saíam dentes. Enquanto Alisoun se distraía, Hazel cresceu e já não era uma recém-
nascida. Transformou-se em uma menina e, pela primeira vez, Alisoun compreendeu a
preocupação de sir David. Ignorava tudo a respeito das crianças, e corria o risco de
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trás, a Philippa, e viu que lhe sacudiam os ombros no esforço por conter a risada.
Alisoun murmurou:
—Isto não é divertido!
A porta de fora se abriu bruscamente, e golpeou contra a parede. Sir Walter
irrompeu no grande salão, olhando carrancudo ao redor, e Philippa se endireitou
bruscamente.
—Tem razão: não é divertido.
Alisoun estava confusa com respeito a muitas coisas, mas havia uma da qual estava
segura. Havia dito a sir Walter que se mantivesse afastado dela, e agora ele avançava
para ela a grandes passos, ignorando a ordem por completo.
Não lhe importava o que tinha acontecido durante a noite. Não lhe incomodava que
David tivesse jogado o lençol no pomar. O único que lhe importou foi que sir Walter a
desobedecia. Saiu-lhe ao encontro, gritando de longe:
—Por que está aqui, se eu falei que...?
—Ele a machucou? —Sir Walter lhe passou o braço pelos ombros, como se ela
necessitasse sustento— Esse mercenário lhe forçou? Porque juro que se o fez, seja
quem for, o matarei minha senhora.
Alisoun cambaleou, sentindo que perdia o equilíbrio mental além do físico.
—Claro que não me forçou.
—Pode me dizer minha senhora. Terá que ter em conta que você não tem irmãos,
nem pai que lhe protejam.
—Não necessito amparo — repôs Alisoun, firme— Pelo menos, não de sir David.
—Como aconteceu? A prendeu, o...? —pareceu afogar-se de puro embaraço— ... Lhe
seduziu?
—Acredito que... Eu seduzi a ele.
O braço de sir Walter caiu a um lado. Olharam-se, os olhos dilatados, sem
hostilidade mútua pela primeira vez desde há meses. Os dois estavam confusos, e se
esforçavam por compreender as mudanças que tinham varrido George's Cross.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Alisoun não podia conceber George's Cross sem sir Walter, inclusive com os
desacordos entre ambos. Fora um valioso servidor; era mais fácil tentar compreender o
descontentamento do sujeito em lugar de sofrer o incômodo de treinar um novo
mordomo. Disse-lhe:
—Se isso lhe agradar, podemos conversar.
—Aí — disse-lhe, assinalando um banco em um canto.
Foram juntos para o banco, e se sentaram. Olharam em volta do grande salão, e os
criados que os observavam com tanta curiosidade se voltaram para lhes conceder
intimidade. Na verdade, queriam escutar, e procuraram ficar o mais perto que se
atreveram a estar.
Sir Walter não fez conta. Sentado, rígido, custava-lhe falar.
—Sir David foi... Escolhido por você?
Alisoun se sentia igualmente incômoda.
—Tenho que ter a alguém para... Né... —Como lhe explicar o que pensava se nem ela
mesma estava segura do que pensava? Pensou em como apresentá-lo de maneira que
ele pudesse compreendê-lo— Quero um herdeiro. O... Ou melhor, queria um herdeiro,
embora sir David exija que me case com ele se conceber um filho, assim...
Sir Walter se reclinou e exalou um suspiro de alívio.
—Pelo menos há alguém que pensa com claridade.
A surpresa a fez ultrapassar o pudor.
—Você deseja que me case com sir David?
—Minha senhora não têm alternativa! O fato está feito. Deitaste com ele, e não há
dúvida de que a notícia já chegou a Londres.
—Exagera.
—Parece-lhe? —Sir Walter se inclinou para ela, os punhos sobre os joelhos— Sabe o
que dizem na aldeia? Que você é a causa da seca dos dois últimos anos, porque como
sua feminilidade estava secando-se, os Santos não aprovavam esse desperdício.
Atônita, a senhora balbuciou:
—Me... Culpam-me pela seca?
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
—Antes não. Até agora, não o tinham feito. Suponho que foi esse condenado peru de
Fenchel quem começou. É o que sempre encontra sinais, e diz que começou a chover o
dia que sir David chegou, e que após choveu a quantidade justa. Não houve densos
aguaceiros que arruinassem as colheitas nem lavassem o chão, nem tampouco períodos
de seca em que as plantas se abatem e amarelam.
—Assim, sir David é quem pôs fim à seca.
—Não, dizem que foi você. É a senhora, a que eles veneram como a alma de George's
Cross. Dizem que a chegada de sir David renovou sua juventude, e que estava se
convertendo em uma bruxa murcha e agora é outra vez uma deusa fértil.
—Isso é paganismo.
—Sim, já sabe que são meio pagãos. —Lançou uma espécie de bufido, e jogou um
olhar aos criados que trabalhavam— Foi sacrificada a virgem, feito o sacrifício de
sangue, e agora, a prosperidade de George's Cross está garantida.
—Que Santa Ethelred nos proteja — disse a senhora em tom desacordado.
—Se Fenchel estiver certo, foi concebido um menino, e você têm que se casar com
sir David, minha senhora!
—Acreditei que você não aprovava sir David. Certamente, fez o possível para
devastar sua boa reputação.
—Temo que meu desagrado tenha pouco a ver com sir David. Ontem à noite não
pude dormir, e durante a noite pensei muito e a fundo. —Sir Walter deixou a cabeça
cair— Peço perdão por ter demonstrado sua incompetência a George's Cross. Estava
tão cegado pela fúria, porque você o trouxe para me substituir, que jamais pensei que
tivesse um plano, e que esse plano fosse tão simples que dependesse da reputação dele
como lenda. Minha senhora, esse foi um plano de gênio, e eu deveria ter acreditado
mais em você, em lugar de pensar que havia contratado um mercenário sem prová-lo.
—Me olhe — lhe ordenou. Esquadrinhando o rosto dele, procurou prova de
sinceridade, e as achou nas linhas de preocupação em sua testa e na tensão do queixo—
Aceito suas desculpas, mas devo lhe dizer que eu... Eu também estive zangada. —Falou
com lentidão, tentando entender o labirinto de maus entendidos e velhos pleitos— Faz
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
muitos anos que me conhece. Alguma vez lhe dei motivos para me considerar instável
ou exageradamente emotiva?
—Só em questão de...
—Shh!
Deu um olhar em direção aos serventes, e o mordomo baixou a voz.
—Só em uma coisa, minha senhora, e nela é entristecedora a carência de reflexão
inteligente...
Suspirou como aquele que é submetido a duras provas. Alisoun lhe apoiou a mão no
ombro, e o olhou nos olhos.
—Tudo o que tenho feito antes, todos os anos de sensatez e apego ao dever, são
varridos por uma questão em que não estamos de acordo. Pensei que entenderia que
sopesei com objetividade as consequências deste ato precipitado, mas você não
entendeu assim. —Geralmente, pensava bem o que ia dizer, antes de fazê-lo, mas por
uma vez, a prudência a abandonou. Sir Walter tinha sido seu mais fiel conselheiro
durante anos, e sua falta de confiança nela a enfurecia— Passei de ser sua judiciosa
senhora, a que jurou lealdade, a ser só uma tola, e não deixou dúvidas sobre sua
opinião, não só ante mim, mas também ante meus serventes, meus aldeãos, meus
homens armados.
—Rogo que me perdoe minha senhora. Confesso que foi uma estupidez.
—Já lhe disse que o que tenho feito, fiz porque acreditei que, se não o fizesse, seria
injusta com você... Mas não porque procurasse sua aprovação.
—Jamais pensei que necessitasse de minha aprovação para algo que faça, embora
confesso que entesouro as ocasiões em que solicitastes minha opinião. —dirigia-se a ela
com respeito e, ao mesmo tempo, com a familiaridade de um antigo amigo— Penso que
me perturbou que me comunicasse uma decisão tão importante, sem lhe importar nada
a minha opinião. —Lançou uma gargalhada como um latido— Suponho que me tornei
complacente neste emprego, e me considerei por cima de minha situação. Você me
colocou ao seu lado por própria vontade, porque não têm família, e por isso imaginei
que mais que um mordomo era como um irmão. —Escorregou lentamente do banco e
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se ajoelhou junto a ela— Minha senhora não sou mais que um rude cavalheiro, e lhe
pertenço. Rogo que perdoe minha presunção, e volte a confiar em mim.
Contemplando o cocuruto da cabeça inclinada de sir Walter, Alisoun recordou que
ele não tinha renovado seu voto de fidelidade fazia anos. Esse tinha sido seu próprio
engano, e sem dúvida não era o primeiro.
—Eu também entesourei seus conselhos, e cheguei a lhe considerar mais que um
mordomo, e mais que um amigo.
Sir Walter elevou a cabeça, sorriu-lhe, agradado com a confidência, e a olhou com a
franqueza que ela reconhecia de tantos anos de companheirismo.
—Sigo sem aprovar seus atos, mas apesar disso é minha senhora e não faria nada
que lhe prejudique.
—Sei que é assim.
—É por isso que rogo que se case com sir David. Concedo que sempre foi uma dama
de infinita sensatez, exceto na questão em que não estamos de acordo, e acredito que o
casamento com sir David obrará em favor de eliminar o perigo que a ameaça.
—Por que diz isso?
—Esse canalha que lhe lança flechas vacilaria em fazê-lo se um homem cujo único
interesse consiste em lhe manter com vida o ameaçasse, minha senhora.
—Sir David não tem dinheiro. Não tem linhagem.
—E esse é, precisamente, o motivo pelo qual seria capaz de lutar até morrer para
que você siga viva. Não lutará por ter direito a suas riquezas.
A senhora riu, surpreendida.
—O que quer dizer é que sir David é ideal pelas mesmas razões pelas que rejeitei
aos meus outros pretendentes?
—E porque é o pai de seu filho.
—Você acredita nessa absurda história da seca e de minha fertilidade? —Sir Walter
encolheu os ombros com ar submisso, mas não respondeu— Acredita!
—Na verdade, não, minha senhora, mas me pediu que confie em seu bom
julgamento, e o faço. Se levou sir David a sua cama, depois de ter rejeitado a tantos...
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Capítulo 14
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—Bom, sim. Melhora dia a dia. Até sir Walter diz que está melhor agora, em nada
mais que em um mês.
Alisoun deu um olhar ao queixo levantado de Edlyn e teve vontade de suspirar.
—Mas sir David não é melhor que Hugh.
Nesse momento, a cor de Edlyn foi idêntica a de Alisoun.
—Hugh é mais jovem e mais corpulento, e sir David diz que nunca viu um homem
tão destro.
Apoiando o fuso sobre o banco, Alisoun passou seu braço pelo de Edlyn.
—Diz isso porque não pode derrotá-lo.
—Hugh de Florisoun é especial — disse Edlyn.
A adoração que soava em sua voz provocou em Alisoun vontade de chorar. Os
preparativos para as bodas de Edlyn seguiam sua marcha enquanto a noiva suspirava
por outro homem... Que jamais percebia sua presença, exceto para beliscá-la sob o
queixo e lhe sorrir. Mesmo que Hugh tivesse notado Edlyn, não lhe teria servido de
nada. Ambos eram pobres; embora surgisse uma relação entre os dois, não estariam em
condições de casar-se. Era preferível que Edlyn partisse logo para Wessex, pensou
Alisoun com tristeza, enquanto recolhia toda a lã e a punha em seu cesto. Edlyn a fez
ficar de pé.
—Sir David e Hugh estão subministrando muito entretenimento para todos os que
foram ao mercado.
—Eu não gosto de te expor ante tantos estranhos — disse Alisoun— Temo que o
mercado de Lammas atraia personagens mais que desagradáveis.
—Eu não desço ao mercado — protestou Edlyn.
—Não tem por que. Eles vêm a nós. Jamais tinha visto tanto tráfico entre o castelo e
a aldeia.
Quando saíram, Alisoun viu que outra vez havia uma multidão apertada contra o
muro, ao redor do campo de treinamento: seu próprio povo, e muitos desconhecidos.
Alisoun nunca sabia a quem veria quando saísse por sua porta. Criadores de ovelhas se
mesclavam com as criadas do castelo, que empregavam os fusos para manter a raia aos
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
homens quando ficavam muito atrevidos. Fenchel se mantinha perto de seus amigos da
aldeia. Avina se meneava entre os mercadores, com a intenção de atrair a algum dos
mais ricos. Ivo estava, como sempre, com os braços cruzados sobre o peito, em uma
atitude desdenhosa para os esforços de sir David. Gunnewate fechava os olhos, como se
as atividades o aborrecessem. Mas quando Alisoun se aproximava, os dois ficaram
alerta.
Normalmente, teria repreendido a sua gente por ociosidade, mas desta vez não. Ao
que parecia às tarefas de verão se desenvolviam, e o tempo que dedicavam a observar
os combates teriam dedicado a vadiar no mercado. Além disso, precisavam assegurar-
se de que sir David de Radcliffe realmente podia protegê-los.
Estavam convencendo-se. David tinha justificado a confiança de Alisoun. Todos os
dias, todo o dia, trabalhava com todas as armas, sem fazer caso da dor de sua costela
trincada e dos hematomas que se pulverizavam por toda a superfície de sua pele. Sua
transformação inspirava assombro, e se não fosse por Hugh, sua reputação teria
recuperado todo seu esplendor.
Os homens lutavam com espada até que os dois caíam ao chão, ofegando. Brigavam
a cavalo, com machado, lança e escudo. Usavam suas armaduras até nos dias mais
calorosos, para acostumar-se ao seu peso.
Mas Hugh sempre derrotava sir David.
Andrew e Jennings os imitavam, enquanto o pequeno Eudo desenvolvia as pesadas
tarefas de escudeiro para todos eles. Alisoun comprovou com agrado, que a constante
cortesia de David para o moço tinha inspirado atitudes semelhantes em outros, e não
escutou nem uma vez que lhe lançassem o apelido de "bastardo". O próprio sir Walter
tinha a prudência de manter a boca fechada no que se referia aos ascendentes de Eudo.
Agora, vendo-o no pátio de treinamento, Alisoun suspirou:
—Sir Walter fez tentativas de ser o mais gentil dos cavalheiros.
—Tentou — comentou Edlyn com presteza— Oxalá sempre o obtenha.
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A irritação que se transluzia na voz do mordomo lhe indicava que David esteve
provocando-o outra vez.
Sem lhe dar tempo de apaziguar a ofensa, sir Walter elevou a mão, com a palma para
cima.
—Não me importa minha senhora. Tento não me ofender por sua hostilidade,
porque temo que o feri profundamente quando o expus ao ridículo ante seu povo.
—Certamente que essa poderia ser a causa de sua grosseira animosidade
desnecessária, mas eu espero mais de meu... —titubeou.
—Consorte — se apressou a finalizar sir Walter.
Edlyn riu com dissimulação.
Alisoun ficou carrancuda.
Estendendo o dorso da mão, sir Walter olhou para o céu.
—Suspeito que logo tenhamos chuva.
Alisoun não podia brincar a respeito disso. Não podia brincar com uma lenda em
que, ao que parecia, todo seu povo acreditava.
Sir Walter compreendeu, porque sua expressão passou da brincadeira à compaixão,
e disse:
—Minha senhora, rogo que me perdoe. Minha intenção era aliviar seu desconforto
com relação à lenda, mas não voltarei a mencioná-la.
Alisoun assentiu, agradecida, e mudou de tema com certa estupidez.
—O que Ivo e Gunnewate opinam com respeito à melhoria nas habilidades de sir
David?
A expressão do mordomo mudou imediatamente, e repôs com aspereza.
—Não peço opinião aos guardas armados.
Alisoun pensou que, embora sir Walter pudesse ter procurado a reconciliação
humilhando-se ante ela, seguia tendo boa opinião de si mesmo. Um caranguejo não
guardava as pinças, mas sim as exibia como uma demonstração de força. Sir Walter era
como um caranguejo.
Ignorando o humor da senhora, continuou:
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aconteceu logo, embora supusesse que tinha relação com o cotovelo de David, porque
Hugh se dobrou em dois e se afastou rodando, gemendo.
David se levantou, inclinou-se sobre Hugh e lhe disse algo; a julgar pela careta que
dirigiu ao moço que se retorcia no chão, foi evidente que não se tratava de um elogio.
—Minha senhora posso ir junto a ele? —perguntou Edlyn.
Por um instante de ciúmes, Alisoun pensou que Edlyn pretendia ajudar David. Mas
recuperou o bom senso, e compreendeu que a moça se referia a Hugh. Respondeu
cortante:
—Não. Vai lá dentro e peça a Philippa que te ajude com a fiação. —Edlyn não se
moveu, e Alisoun girou para ela com brutalidade— Já!
Edlyn saiu correndo, lançando um breve soluço, e Alisoun viu o horror que se
refletia no semblante de sir Walter, quando percebeu o amor da moça. Quase lhe
pareceu ver as palavras formando-se na ponta da língua do mordomo: Está dando mal
exemplo à moça, mas se conteve.
Sabia que estava dando mal exemplo, mas não tinha alternativa. Em diversas
ocasiões, a consciência lhe ardia, e tentou trancar a porta de seu quarto ou negar-se a
ter relações carnais com seu amante, mas David não aceitava a negativa por resposta.
Sir Walter lhe perguntou baixo:
—Já disse ao seu herói por que o contratou para que lhe protegesse?
—Não é necessário que ele saiba — respondeu no mesmo tom— Só que o faça.
—É um homem duro. —Sir Walter observava David aproximar-se deles— Por que
pensa que ele opinará de maneira diferente de mim, nessa questão?
Alisoun quis dizer que assim seria. Na verdade, a vida endureceu David, e,
entretanto, todos os dias demonstrava compaixão: para com Eudo, para com os criados,
a todos os que não tinham sua força. Mas era homem e, que homem a teria apoiado em
seu proceder?
Ao ver a dúvida refletida no rosto da senhora, sir Walter se sentiu satisfeito e sorriu,
embora sem humor.
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—Sim, mas poderia perder tudo por lhe ajudar. Aquilo que custou o esforço de toda
sua vida. Pensou em como se vingará de você por isso?
David apareceu sobre o ombro de sir Walter. Tinha o rosto manchado de sangue e
de terra, e era evidente que não lhe agradava a conversa particular que tinha
interrompido, mas se inclinou ante a senhora em amostra de respeito.
—Minha senhora.
—Sir David.
Inclinou a cabeça com graça, somando-se ao jogo como devia. Alisoun pensava que
era absurdo serem tão formais quando sir David desaparecia em seu solar todas as
noites e nunca partia até a manhã, mas pelo jeito, queria que todos soubessem que
seguia respeitando sua pessoa e sua categoria.
Também saudou com a cabeça sir Walter, e este lhe respondeu.
—Bom trabalho — disse, em tom resmungão, assinalando com o polegar Hugh, que
seguia retorcendo— Refiro-me ao moço ali.
—Sim. A prática vai bem. Hugh melhora a cada dia. —dirigiu-se para Alisoun— Eu
também.
—Agrada-me tanto os progressos de Hugh quanto os seus.
A resposta foi automática, em honra ao esforço que ele fazia cada dia para que seu
corpo recuperasse a condição anterior. Alisoun admirava a perseverança de David com
todas as fibras de seu ser, como também seu senso de humor ante ocasionais fracassos
humilhantes.
Se se comportasse de maneira similar a de outros homens em todo sentido, lhe
custaria menos rejeitar suas pretensões. Se à manhã seguinte se pavoneasse e gabasse,
em lugar de mostrar-se irritado... Com ela! Como se lhe tivesse negado algo ao qual
tinha direito.
—Os outros escudeiros também estão progredindo bem.
Enquanto David falava, Eudo cruzava o campo arrastando um balde cheio. David
aceitou uma terrina com água que o moço lhe alcançava, e bebeu com avidez. Logo,
tomou um trapo branco da mão de Eudo e o passou pelo rosto, em um desanimado
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esforço por limpar-se. Alisoun se crispou ao ver passar o pano sobre velhas cicatrizes e
novas feridas.
—E Eudo é um constante companheiro.
David lhe sorriu, fazendo abrir outra vez um corte no lábio, que começou a sangrar.
Alisoun não pôde suportar mais. Caminhou através dos travessões do muro,
arrebatou-lhe o pano da mão, e o inundou no balde.
—Sente-se — disse a David e, enquanto Eudo arrastava um tamborete para seu
amo, disse— Eudo ultrapassa todas minhas expectativas a respeito de seu trabalho,
tanto no campo como no castelo. E agora, sente-se, sir David.
David assentiu diferente.
—Como ordena minha senhora.
Sentou-se no banco, elevou o rosto para ela e fechou os olhos, esperando seus
cuidados.
Alisoun olhou em torno: todos, em especial sua gente, inclinavam-se sobre o muro e
aguardavam com ávida atenção que ela o tocasse. Não se podia dizer que jamais tivesse
curado outra ferida. Ela era a senhora, e a tradição lhe exigia que atendesse aos feridos.
Entretanto, seu povo via nisto algo especial, um sinal de suas emoções.
Não era assim. O que não suportava era ver a sujeira. Eles sabiam. E nenhuma
mulher com um ápice de compaixão teria deixado a um homem sangrar.
Então, a aldeã Avina disse:
—Vai lavá-lo com água do céu.
Zangada, Alisoun apertou os dentes, mas sir Walter disse:
—Claro que vem do céu, cabeça de pássaro. De onde mais viria?
—É água de chuva — precisou Fenchel— Não provém de um lago nem de um arroio.
Curará mais rápido, porque a união deles a atraiu do céu.
David abriu os olhos de repente.
—Do que estão falando?
Não tinha ouvido essa história absurda, e Alisoun não queria que soubesse. Olhou
sir Walter lhe pedindo auxílio. Em voz alta e cordial, sir Walter disse:
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—Ivo, notou que com a senhora e sir David não há nada dessas brincadeiras que
acompanham às uniões recentes?
A seu modo, meio grosseiro, tentava ajudá-la a mudar de assunto, mas David franziu
o cenho. Todos os habitantes do castelo e da aldeia estavam atacados pela delicadeza.
Nenhum fazia menção às visitas noturnas de David às habitações da senhora, porque
David não permitia que o nome dela andasse na boca de ninguém. Ao mesmo tempo em
que fazia a reputação de Alisoun em migalhas, defendia-a.
—Acredito que se deve a esse cenho — comentou sir Walter, como se esperasse que
David se desgostasse, e ao mesmo tempo retrocedeu— Quando quer, sir David pode
mostrar-se feroz, como se tivessem soltado a uma besta perigosa entre nós.
Sir Walter não estava melhorando a situação a não ser piorando-a. Mas seguiu:
—Estamos lhe jogando nossa senhora como um tributo, porque tememos nos
interpor em seu caminho.
David fechou os punhos.
—Feche a boca — lhe ordenou.
Ao que parecia, Fenchel não ouviu David, e corrigiu com gentileza sir Walter.
—O que acontece é que os dois juntos fazem chover. A senhora se entrega a ele
porque deve ajudar ao seu povo.
Dirigindo a Alisoun um olhar premente, David perguntou:
—Se submete a mim por dever? Que estupidez é essa?
É obvio que era uma estupidez. Quando a deixou sentada sobre a mesa, quase nua e
indefesa, David lhe fez uma promessa. Tinha jurado ir a sua cama e fazer com que ela o
recebesse agradada.
Após, todas as noites cumpria sua palavra sem ser convidado, sem lhe importar o
aspecto nem os desejos de Alisoun. Entretanto, sempre convertia em seus os humores e
os desejos de Alisoun. E bem poderia dizer-se que se submetia porque devia fazê-lo,
mas não mentia. Submetia-se porque ele a excitava, porque o que lhe ensinava não
poderia aprender com nenhum outro homem. Às vezes, enquanto a beijava, abraçava-a,
brindava-lhe prazer, as horas passavam sem as sentir. Em outras ocasiões, tratava-a
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Capítulo 15
Enquanto via Alisoun afastar-se, David não sabia se se afligia ou gritava de alegria.
Uma e outra vez pensava que se acostumara a ele, até que ela se afastava como um
pássaro silvestre, e então compreendia que não estava mais perto que antes de
entender-se com ela. Era um enigma permanente, mas ultimamente David começava a
suspeitar que tivesse a Deus e a todos os Santos do seu lado, e que ganharia esta batalha
como tinha ganhado todas as outras: com uma mescla de destreza, inteligência e boa
sorte.
Ficou de pé, inclinou-se sobre o balde e se lavou, até que Eudo lhe indicou que já
tinha tirado o mais grosso da sujeira. Continuando, recolheu o trapo úmido e foi atrás
de Alisoun. Não teve dificuldades em segui-la. Todos os que encontrava lhe indicaram
aonde tinha ido. Só quando transpôs os muros do castelo, teve que recorrer a suas
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—Imagino.
Passou o trapo pelos machucados sangrentos, e David se encolheu.
—Ai, com suavidade!
—Se o fizer com suavidade, não tirarei a terra destas feridas. —Com incomum
entusiasmo, esfregou-lhe a parte machucada da testa— Hugh foi inovador ao usar a
terra como arma.
—Tudo o que sabe aprendeu de mim - murmurou David, enquanto ela apertava o
trapo contra seu lábio cortado.
—Fez milagres.
—Suficientes milagres para justificar outro mês de salário?
O trapo, cobrindo a mão, açoitou o nariz já dolorido de David e, quando ele gritou,
Alisoun se desculpou em tom moderado. Se não sentisse dor, David teria rido: quem
teria imaginado, dois meses atrás, que a correta lady Alisoun desceria a vingança tão
minúscula?
Alisoun lhe disse:
—Receberá seu pagamento no dia do balanço, não antes.
—Me alegro. —Sentou-se, arrebatou-lhe o trapo da mão e o jogou longe— Quero te
proteger de tudo que te faça brandir o punho quando pensa estar sozinha. —Alisoun
uniu as mãos sobre o colo, e as olhou— Ainda não quer me contar isso - incitou-a.
Alisoun negou com a cabeça.
A desilusão aguçou o tom de David quando disse:
—Não é meu dever me ocupar de que esteja a salvo em todo momento? Em minha
opinião, este passeio está longe de ser prudente.
—Até poderia se dizer que é uma tolice. —Olhou ao redor, em volta do prado
aberto— Segue ocultando-se. Quase desejo que volte para poder acabar com isto.
Sua intensidade surpreendeu David. Embora fosse certo que a repreendesse, quase
esqueceu a razão pela qual exigia submissão a seu corpo todos os dias. A recompensa
que recebia todas as noites afastava o perigo de seus pensamentos. Agora, ele também
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ele, mas cuidando que não pudesse ver nenhum vislumbre de sua pele, nem nenhuma
parte que pudesse excitá-lo, pois esse dia queria esquecer as intimidades da noite
passada. Que lástima que ele não pudesse permitir tal intimidade.
—Por que correu para cá?
Alisoun titubeou, e David soube que queria fingir que não recordava quão
repentinamente fugiu. Entretanto, a diferença da maioria das pessoas que conhecia
Alisoun sempre confrontava os problemas.
—Até agora, tudo o que temos feito, temos feito na intimidade de nossos quartos, e
embora todos saibam o que está acontecendo, na realidade nunca viram.
—Com exceção do lençol — lhe recordou.
—Sim, exceto isso. —As aletas do nariz lhe tremeram de desgosto, como cada vez
que a fazia recordar do lençol— Mas quando quis fazer algo tão simples como te curar
uma ferida, minha gente me observou como se fosse um evento, alguma indicação de...
Algo.
—Como o afeto?
Deve ter tocado uma zona sensível, porque Alisoun se ergueu sobre os calcanhares e
retorceu as mãos sobre o colo.
—Eu sinto afeto por ti! Se não fosse assim, não poderia te receber em minha cama.
Que não mostre cada emoção não significa que seja fria ou insensível. O que significa é
que aprendi que nós mulheres somos mais bem obedecidas quando reprimimos nossas
emoções.
Assombrado por sua veemência, David o admitiu.
E a dama prosseguiu:
—Desde meu nascimento, meus pais me explicaram as dificuldades que teria como
herdeira, sem parentes varões próximos. Meus padrinhos me ajudaram a compreender
minha posição, e que haveria quem tentaria aproveitar-se dela. Todos me formaram em
um comportamento apropriado, e me temperaram, mantendo a distância justa. O fato
de que seja reservada não significa que careça de sentimentos.
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—Sei. —Falou em voz baixa, um pouco temeroso de que fugisse outra vez, quando
advertisse o que tinha revelado— Sempre soube que há em ti mais do que se vê.
Alisoun se tornou outra vez de costas no chão.
—Sim, como a riqueza, por exemplo.
A fria insinuação escandalizou e indignou David, até que recordou o que o
impulsionou a cortejá-la ao princípio. Sim, queria o dinheiro, a terra, a influência dela.
Necessitava tudo isso, mas não era a única razão pela qual seguia cortejando-a, e
desejava dizer-lhe no eloquente idioma dos trovadores. Em troca, tragou saliva, e disse:
—Há mais que isso.
—Mais, sim, mais. Mais tempo, sobre tudo.
—Tempo?
—Tempo entre meu nascimento e o presente. Sou velha.
David riu. Não deveria tê-lo, mas comparada com ele, era uma menina, uma pequena
que não tinha experimentado a angústia nem a luta.
Então a olhou, e viu como ela o olhava com os lábios apertados e o cenho franzido, e
se apressou a dizer:
—Rogo que me perdoe. Sua experiência no que se refere à diplomacia e
administração excede em muito a minha, e, entretanto, sua beleza jamais foi tocada pela
geada. —Como a adulação não conseguiu apaziguá-la, suspirou— Minha senhora...
Alisoun... Já pensou que, ultimamente, nas últimas duas semanas, perdeste a serenidade
em mais de uma ocasião?
Indignada, Alisoun replicou:
—É por sua culpa! Não aceita outra coisa que minha participação completa.
—Sim, na cama. —Tomou a mão e a acariciou— E, já te falei o quanto que me faz
feliz na cama?
Alisoun ficou mais tensa ainda.
—Mencionou, e não acredito que devamos ter esta conversa ao ar livre, à luz do sol.
David se inclinou para diante e sussurrou:
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
—Eu te faço feliz na cama? —Alisoun olhou ao redor, como esperando ver
materializar-se severos censores de seu comportamento que a repreendessem, e David
elevou a voz para recuperar sua atenção— Eu te faço feliz na...?
—Sim.
Apertou os dentes com força, como se essa admissão doesse.
David lhe beijou a mão e voltou a deixá-la sobre o colo. Deixou aí sua mão, lhe
esfregando as coxas através do tecido da saia. Essa fricção a avivou embora tentasse lhe
afastar as mãos sem êxito, e se afrouxou um pouco. David lhe disse:
—Observei que, às vezes, ri em voz alta.
—Não com frequência.
—Não com frequência — concedeu— Mas é surpreendente. Agradável mas
surpreendente.
—Não o farei mais.
—Não deixe de fazê-lo: pôs a todos mais alegres. Não notou?
—Pode ser.
Até um reconhecimento tão pequeno lhe era difícil de conceder.
—Também te vi piscar para afastar as lágrimas.
Alisoun afastou a cabeça de forma tão repentina que bateu contra o tronco da
árvore, embora não sentisse a dor. David notou o pânico em sua voz ao lhe perguntar:
—Quando?
—Na outra noite, os músicos a fizeram chorar com essa balada a respeito dos
irmãos que eram piratas rivais e se afundaram mutuamente os navios.
—Não tenho simpatia por piratas.
—Por isso me surpreendeu te ver chorar.
Nesse momento, os olhos de Alisoun se encheram de lágrimas, embora não o
admitisse, e David se compadeceu. Estava vivendo uma variedade de emoções pela
primeira vez, e padecia os sofrimentos como qualquer adolescente. Mas não podia
consolá-la. Já não. Era muito tarde para isso. Alisoun tinha que enfrentar isso com
lógica, como lady Alisoun, e pouco a pouco conseguiria adaptar-se a esse novo papel.
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se atreve a discutir porque sou a senhora e tenho língua afiada. E agora, um rude
mercenário se senta a minha mesa e me diz o que opina de mim, de minha
administração e de nosso mundo, sem render-se constantemente a minha condição
superior.
Sentiu-se castigado por essa língua e reprimiu seu ressentimento.
—Não sabia que a tinha ofendido.
—Não me ofende. —ficou lentamente de pé, ajudando-se com as mãos no tronco da
árvore— Eu gosto. Este companheirismo exerce um poderoso encantamento, e você o
usou para destruir o funcionamento eficiente de meu cérebro.
Tinha-o classificado como bruxo, e David, sem poder acreditar, disse:
—Isso se chama sinceridade, minha senhora, e se te viu tão pouco exposta a ela para
qualificá-la de encantamento, lamento por ti.
—Lamenta? Inveja-me. Quer casar comigo. Quer usar este filho para controlar
meus... Meus doze sacos de lã. Para controlar minha vida!
—Seu dinheiro? Sua vida? —Essa mulher o confundia, enfurecia-o. Acaso não sabia
o que era importante?— O que estamos falando é de uma criança. Em efeito, quero me
casar contigo, e embora saiba que disse...
—Falei que não o faria, e eu jamais mudo de opinião.
Os olhos de Alisoun estavam cinza como uma lâmina, duros e frios como tal, e David
perdeu o controle de sua ira. A final de contas tinha fracassado na maior aposta de sua
vida.
—Disse que não o faria, mas, de noite, quando te cobri, pensei que tinha encontrado
uma mulher, a verdadeira mulher que foi. Estava errado. Usou-me do mesmo modo que
eu uso Louis para cobrir uma égua, e agora, minha tarefa está concluída.
—Não tem por que esperar o dia de pagamento. —Procurou com estupidez as
chaves e sacudiu ante ele a que era da caixa forte— Te darei o ouro imediatamente.
—Duplica a quantidade. —Ele também era capaz de ferir— Ouro por ser seu
mercenário e por ser seu reprodutor.
—Enviarei Eudo com ele e depois poderá ir.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
—Envia Eudo com a metade. Guarda a outra metade para meu filho, e lhe diga que é
seu patrimônio, que pode usá-lo quando desejar viajar a Radcliffe e estar comigo, seu
pai. —Destacando o peito com o dedo, disse— Talvez possa afastar meu filho de mim,
mas não pode me tirar isso. Sou seu pai, e sempre o serei.
—Então, vai.
—Não ficaria embora me implorasse isso.
Enfrentaram-se, olhavam-se, ofegando, como se tivessem deslocado uma corrida e
esgotado toda sua energia. Alisoun tinha a touca torcida, as bochechas acesas, e
cheirava a enxofre. David imaginava que não devia ter melhor aspecto, e por um
instante sentiu arrependimento, quis que por um momento ela visse o mercenário sir
David de Radcliffe, o legendário.
Mas a ira e a dor o despojaram de toda pretensão. Alisoun sacudiu a cabeça e se
afastou, pondo entre eles a maior distância possível no menor tempo que podia. David
girou sobre os pés e arrancou na direção oposta.
Tinha andado uma curta distância quando a consciência o fez deter-se de repente.
Não podia deixá-la atravessar o bosque sozinha. Seu mês de custódia não tinha
terminado ainda. Em silêncio, para que Alisoun não percebesse e tirasse falsas
conclusões, seguiu-a através do bosque, e se deteve a sombra das árvores. Dali a viu
atravessar a clareira e somar-se à corrente de pessoas que iam da aldeia ao castelo.
Em nenhum momento olhou para trás.
E não lhe importou. Lançando uma maldição, golpeou com os punhos no tronco de
uma árvore, e logo apertou os nódulos doloridos e golpeou com mais força ainda.
Maldita mulher! O fazia fazer estupidez, por motivos estúpidos. Voltou a meter-se no
bosque, sugando as feridas que sangravam. Não quis perder o controle, mas, pelos
braços de San Miguel, que não estava disposto a voltar e lhe pedir perdão, depois de ser
ela quem insistiu em seguir adiante com seus absurdos planos. Circulou entre as
árvores. Em efeito, Alisoun o tinha advertido, mas ele acreditou que compreenderia a
conveniência de se casar com ele. A julgou uma mulher inteligente, e deveria saber que
eram termos mutuamente excludentes. Quando um homem...
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—Deus...
David se deteve e inclinou a cabeça. Parecia um animal sofrendo.
—Por San Juan... Socorro...
Um animal que gemia. Um animal falante. De repente, seus sentidos se alertaram.
Esquadrinhou a zona, notando os ramos do mato e umas gotas de certa substância
escura que manchava as folhas. Inclinou-se para ver melhor.
Sangue. Voltou a sentir a ardência de antes, a sensação de ser observado, e deu um
olhar em volta do verde enclave. Não via ninguém, mas ouviu de novo essa voz
quebrada.
—Ajuda... Por favor.
Decidido embora cauteloso, seguiu o rastro de gotas escuras. O ruído de uma
respiração trabalhosa se fez mais forte, e então o viu: sir Walter. Uma ferida lhe
sangrava onde estava a boca. Os olhos fechados de tão inchados. Os ossos das pernas
torcidos em um insólito ângulo.
—Pelo corpo de Cristo! —David saltou sobre a barreira de arbustos e se ajoelhou
junto ao homem golpeado— O que ocorreu?
Sir Walter hesitou.
—David?
—Sim, sou eu. —Mediu o corpo de sir Walter com a intenção de ver se havia mais
feridas, e as encontrou— Preciso ir procurar ajuda.
—Não! —Sir Walter se aferrou ao braço de David— Ajuda. - David olhou em torno.
—Ajuda — insistiu o ferido.
David entendeu: se deixasse sir Walter, o que ficaria dele quando voltasse com a
ajuda? Segurou o robusto homem com cuidado e o carregou sobre os ombros. Sir
Walter não emitiu um gemido, e David admirou sua força. Endireitou-se com cuidado e
acomodou o peso do ferido para aliviar sua dor.
Então, sir Walter exalou um gemido, impulsionado por um golpe de dor. Ou isso
acreditou David, até que captou o nome:
—Alisoun.
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David entendeu que alguém tinha atacado sir Walter e o tinha golpeado
brutalmente. Se tinha feito isso a um guerreiro curtido, o que podia fazer a uma mulher
sozinha?
—Alisoun — sussurrou.
Onde estaria Alisoun? A última vez que a viu se dirigia ao castelo, mas, teria seguido
seu caminho? Começou a trotar.
Sir Walter começou a ofegar, como se estivesse morrendo, mas quando David
diminuiu o caminho, insistiu-o:
—Se... gue.
Saíram do bosque e entraram na zona aberta que rodeava o castelo. Foram pelo
caminho da aldeia para o castelo, aldeãos e visitantes que iam ao mercado. Vendo o
mercenário e sua lúgubre carga, ficavam olhando-os com a boca aberta, e se faziam a
um lado para evitá-los, mas David não lhes prestou a menor atenção. Caminhando
diretamente para a ponte levadiça, vociferou:
—Lady Alisoun! Onde está lady Alisoun?
A princípio, ninguém lhe respondeu. Os criados ficavam transfigurados enquanto ele
seguia sua marcha apressada para o recinto interior, e o castelo.
—Retornou? Onde está lady Alisoun? — No descanso dos degraus havia duas
mulheres, e lhes gritou: —Hei vocês, vacas estúpidas! Onde está sua senhora?
—Aqui estou. —Era Alisoun, da porta da leiteria, e David virou nessa direção. A
expressão da senhora era tão fria como a primeira vez que a viu, e seu olhar, gelado
como um vento invernal. Em um tom capaz de lhe congelar a medula dos ossos,
começou a dizer— Como se atreve a retornar depois do que...? —Então, seus olhos se
dilataram e conteve uma exclamação horrorizada— Que Deus salve sua alma é sir
Walter! —Sem uma pausa, correu para o castelo gritando— Traga meus utensílios
médicos! Água quente e mantas. Preparem o solar, pois o poremos ali. —Voltou junto a
David e estendeu a mão, com gentileza, para o ferido. Tocou-lhe a cabeça e lhe falou em
tom acariciador— Meu bom sir Walter, quem lhe fez isto?
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Sir Walter não respondeu. Só David sentiu o suspiro de alívio que estremeceu o
corpo machucado do guerreiro e o transformou em uma carga comatosa, depois de ter
sido um saco de sofrimento.
Ao ver que não lhe respondia, Alisoun afastou a mão e pulverizou o sangue que lhe
tinha ficado nos dedos.
—Leve-o acima — disse a David— Quero curá-lo antes que recupere a consciência.
Subindo as escadas do castelo, a carga puxava David para baixo. As mulheres tinham
desaparecido e, como por milagre, o corredor parecia livre de obstáculos. Fazia uns
momentos, David acreditou que não voltaria a ver o grande salão, e agora com muita
dificuldade lhe deu um olhar enquanto se encaminhava para o solar. Alguém manteve a
porta aberta, e houve mãos que o ajudaram a baixar o ferido e deitá-lo sobre o leito.
Então, Alisoun o fez a um lado, e ele se afastou para o canto mais afastado da cama,
onde podia estar fora do caminho e ao mesmo tempo observar os procedimentos.
Não os desfrutou, e menos ainda quando Alisoun acomodou o osso de uma perna e
logo o da outra. Foi necessário que alguns servidores segurassem sir Walter, que já
estava consciente, e seus gritos fizeram com que o poderoso Hugh saísse correndo do
quarto para vomitar lá fora. O rosto de Alisoun tinha a cor do pergaminho, mas puxou,
limpou e entalou, e só então se afastou da cama.
Se David tinha alguma dúvida com respeito à força de Alisoun, sua coragem à vista
do sangue e a dor a dissiparam. Nenhuma das vicissitudes da vida derrotaria esta
mulher.
Quando desceu do soalho, cambaleou, e David se apressou a aproximar-se para
assisti-la.
Algo o golpeou por trás, afastando-o a um lado. Deu a volta, os punhos em alto, e se
encontrou de mãos a boca com lady Edlyn.
—Não a toque! —gritou a moça— Todos sabem o que fez.
Todos estavam inteirados da rixa no bosque? Olhou a Alisoun, e a viu tão perplexa
como ele.
—O que é que fiz?
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—Você fez isso isto a sir Walter. —Lady Edlyn retrocedeu, como se ele fosse um
animal disposto a atacar— Brigou com ele, seguiu-o ao bosque, e o...
—Espera! —Alisoun se equilibrou à refrega— Sir David não fez mal a sir Walter.
Dizer isso é absurdo.
Philippa, de pé na entrada, abraçava sua menina.
—É um homem perigoso, furioso.
—Ele esteve comigo — repôs Alisoun.
—Todo o tempo que esteve ausente? —perguntou Philippa.
—Não, mas...
—E que outro tem a destreza para golpear sir Walter?
No silêncio que seguiu David olhou em volta do quarto. Em um círculo de caras
sombrias, os serventes o observavam. Alguns pareciam confusos, mas outros brandiam
facas e paus.
Alisoun os olhou e afirmou:
—Isto é ridículo.
—Eu não fiz nada — disse David.
Desprezando a objeção com um gesto, Philippa disse:
—Ele brigou com sir Walter, e quando você retornou ao castelo, ficou claro que
havia brigado contigo. Não está a salvo, Alisoun, e já sabe como são os homens.
David tragou o protesto instintivo. Jamais esqueceria esta cena. Como no clímax da
paixão, era como o ápice de um dia desventurado. Esse momento se fixou em sua
memória, realçado por intensas emoções. De algum modo, em algum ponto desse
pântano de medo e acusações, residia o nó dos fatos que explicariam sua presença ali e
o perigo que ameaçava à senhora.
Alisoun não se moveu, deixando girar ao redor de si as emoções esquentadas, e
serenou a sua gente com sua tranquilidade.
—Tenho uma fé absoluta em sir David. É certo que estava zangado, mas goza de
uma reputação impecável, e sempre me tratou com honra.
Lady Edlyn fez um gesto para ele.
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—Olhe minha senhora! Tem as mãos arranhadas e sangrando. Como fez isso, se não
foi golpeando sir Walter?
David elevou as mãos e as flexionou pesaroso. Todos o viram e os criados
retrocederam, resmungando.
—David! —Aproximando-se dele, Alisoun tomou as mãos— Não fez isto praticando.
Temendo sentir a espetada da faca no pescoço, David retrocedeu ao tempo que ela
puxava ele, atraindo-o para a luz.
—Não é nada.
Com uma voz constrangida pelo medo, lady Edlyn disse:
—Lady Alisoun, por favor, se afaste dele.
—É preciso enfaixá-lo — disse Alisoun.
—Estão bem. —Tentou soltar-se. Outra vez, os serventes se aproximaram
levantando as armas, e David acabou com toda resistência. Teria que dizer a Alisoun o
que tinha feito, admitir sua estupidez, e seus ombros se abateram— Golpeei uma
árvore.
As mãos de Alisoun apertaram as suas.
—O que?
—Golpeei uma árvore.
Desta vez, todos o ouviram. Alisoun o olhou como se estivesse louco.
—Então que... Chocou-te contra uma árvore com os punhos?
Philippa disse:
—Minha senhora, não acreditará nisso, não?
—Por que golpeou uma árvore? —perguntou Alisoun
—Para não golpear a ti, a sir Walter nem a uma das criadas, nem chutar a um cão ou
qualquer das outras encantadoras maneiras que um homem escolhe para descarregar
sua cólera. —Varreu com um olhar acusador os homens, e um ou dois deles tossiram e
removeram os pés— Eu não golpeei sir Walter.
Então, Alisoun fez o que ele tinha sonhado a vida toda.
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—Isso eu sei. —Apoiou-lhe a mão no peito, olhou-o nos olhos, com expressão calma,
segura e confiada— Jamais duvidei.
E sir David de Radcliffe se apaixonou.
Capítulo 16
O solar se encheu de um silêncio que envolveu a todos, e David soube que calavam
pelo encantamento e a reverência que ele tinha manifestado. Foi então, quando Alisoun
lhe demonstrou sua confiança, quando compreendeu que estava vivendo a lenda que
sua velha bisavó tinha lhe contado.
—David? —Alisoun elevou uma mão para lhe tocar o rosto— Bateu a cabeça?
Bateu a cabeça? Esteve a ponto de rir. Sim, Alisoun tinha que pensar algo
semelhante. A verdade era que padecia todos os sintomas que sua bisavó havia
descrito: uma força desacostumada, uma sensação de equidade, um resplendor interior.
Não era necessário, sequer, que estivesse perto de Alisoun para sentir os efeitos. A avó
os chamou os sinais de um grande amor.
—David, ninguém vai te fazer mal. Não tem motivos para estar tão... —Inclinou a
cabeça, sem saber como descrevê-lo— ...preocupado.
A avó os tinha entretido, a ele e aos outros meninos, nas noites de inverno, e o
melhor relato, que sempre pediam, era o que falava do avô e a avó, de como tinham
passado pelas provas e a tristeza, até atracar a um lugar especial, a um sentimento
especial, que experimentavam unicamente um pelo outro. Não eram todos os que o
sentiam, havia dito a avó. A maioria das pessoas jamais era testemunha de semelhante
fenômeno em toda sua vida, e sim brilhava nas atividades cotidianas dos avós. Tinha
enfraquecido a toda a família, a todos os criados, a todos os servos. Tinha sido precioso,
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inviolável, e tinha feito milagres. Inclusive depois da morte do avô, a avó levou a tumba
esse resplendor.
—Penso que será melhor que se sente.
Alisoun tentou levá-lo para um tamborete, mas David lhe tirou a mão de seu braço e
a reteve.
Sim, esse foi seu conto preferido, mas ele já tinha crescido. Já quando tinha oito
anos, tinha compreendido as tolices que resmungava a avozinha. Não era nem sua avó,
mas sua bisavó, tão velha que acreditava em sua mãe quando afirmava que a avozinha
tinha sobrevivido a quatro reis. A avó não recordava o que tinha comido um par de
horas antes. Não recordava o nome do bisneto nem o de sua mãe, nem mesmo o de sua
própria donzela. Não era mais que uma velha dama que relatava absurdas histórias
antigas, e David já quase não se lembrava dela desde o dia em que morreu.
E agora, não podia esquecê-la, porque ele estava vivendo aquele relato que ela
contava. Sua união com Alisoun era quase mística, como se tivessem sido separados há
muito tempo, perdendo-se no tempo e no espaço, e agora voltassem a unir-se formando
um só ser.
—Gostaria que minha bisavó estivesse viva para ver isto.
David levou a mão de Alisoun aos lábios, beijou-a com respeito, logo deu volta e lhe
beijou a palma com a paixão de um amante.
O cenho da dama se alisou; deve ter captado algo no semblante de David que lhe
dava uma ideia de seus pensamentos, porque se aproximou mais e lhe apoiou outra vez
a mão no peito.
—David?
O contato fez o coração de David palpitar, e seu resplendor interior se refletiu nos
olhos dela. Aproximaram-se mais e mais, presos nesse precioso instante de
reconhecimento e devoção... Até que sir Walter tossiu.
Alisoun se separou de David imediatamente, e ele a deixou ir, sem objeções. Logo
haveria tempo e lugar para isto. Agora, sir Walter necessitava cuidados, e Alisoun
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levava a sério essa responsabilidade. Foi junto a ele, tomou a mão, e logo se inclinou
sobre o rosto inchado, machucado.
—Sou lady Alisoun. Chamou-me?
Os sons que saíam dos lábios de sir Walter não eram palavras, na realidade, mas
falou com intenção premente, como se lhe urgisse fazer-se ouvir.
Alisoun se encolheu, e tomou um pano gelado para colocar-lhe sobre os olhos
inchados.
—Sir Walter, rogo que não fale se isso lhe causa dor.
—Devo!
Impulsionado pela urgência dessa única palavra, David também se aproximou.
—Tumba.
Confundidos, David e Alisoun se olharam.
—Não entendo. De que tumba está falando?
O fôlego de sir Walter emergiu por uma traquéia tão machucada que quase não
funcionava, mas ele conseguiu articular:
—A tumba.
Alisoun ficou alerta, e se inclinou tão perto dos lábios dele que quase o tocava.
—A tumba? A que está no pátio da igreja?
—Aberta.
David viu que na testa de Alisoun se marcavam umas veias azuladas, e seu rosto
ficava desprovido de cor.
—Aí é onde ele o encontrou? —perguntou. Dentre as pálpebras inchadas do ferido
escapou uma lágrima que desceu pela bochecha.
—Estúpido.
Alisoun se sentiu oprimida por uma grande pressão, e se sobressaltou como quem
acordada.
—Não, não é estúpido. Não esperávamos que ele suspeitasse. Agora, durma e se
cure. Quando estiver melhor, necessitarei de seus serviços.
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Deu-lhe uma leve palmada na mão e a deixou sobre as mantas. Continuando, voltou-
se e inspecionou o quarto. Ninguém, salvo ela e David, tinha ouvido as palavras de sir
Walter, foram pronunciadas em voz baixa, e as feridas as tinham feito quase
inarticuladas. De todos os modos, submeteu a exame a cada servo, a cada donzela, lhes
solicitando discrição sem dizer uma palavra. Foi evidente que contava com sua
completa lealdade.
Perto da porta, Philippa e Edlyn se aconchegavam juntas, vítimas do temor que
havia trazido consigo essa violência. A senhora lhes disse:
—Esquentem sacos com areia e ponham aos lados de sir Walter, tragam mantas e o
mantenham abrigado. Que não se esfrie esta noite e, se piorar, me chamem.
—Aonde vai? —interrogou-a Philippa com vivacidade, como se tivesse direito a
fazê-lo assim.
—Vou ordenar que se façam mais patrulhas, e encontrar um modo de que volte a
haver segurança em George's Cross.
—O que sir Walter disse?
Alisoun lhe passou um braço pelos ombros,
—Eu me ocuparei disso. Você te ocupe de sir Walter.
Foi para a porta e Philippa a seguiu, mas David a segurou antes e fazendo-a voltar-
se, lhe disse em tom áspero:
—Eu me ocuparei dela.
Philippa o olhou, tragou com esforço, e assentiu,
—Alisoun. — Alcançou-a quando tinha chegado à metade do grande salão— Lady
Alisoun temos que falar.
A dama seguiu caminhando com uma serenidade que desmentia suas intenções.
—Tenho que repartir instruções aos guardas armados para que vigiem a aparição
de estranhos, que estejam mais atentos.
—Isso me corresponde.
Sem olhá-lo, perguntou-lhe:
—Ficará?
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Em gesto repentino, ele estendeu a mão e a segurou pelo cotovelo. Girando sobre os
pés, aproveitou o movimento para frente para fazê-la voltar-se para sua própria
antecâmara.
—Não poderia me afastar.
Tentando soltar-se, Alisoun disse:
—Preciso organizar os guardas.
—Para que eles também sejam feridos? Qualquer um que tente te proteger está em
perigo. —O horror que se refletiu no rosto da dama lhe demonstrou tudo o que pôde
desejar— A estas alturas não há ninguém em George's Cross que não saiba o que
aconteceu a sir Walter. Não duvido que serão cautelosos, eu não queria estar na pele de
um novo mercador que vá esta noite ao mercado. Não terá um lugar onde alojar-se.
—Sim. —ergueu-se ante eles a porta do quarto, e Alisoun parou no marco e tentou
segurar-se— Sei que isto será mau para nossa prosperidade, mas o que posso fazer?
David a fez passar e fechou a porta atrás deles. Apoiando-se contra a porta, disse:
—Vem comigo a Radcliffe.
Alisoun girou para ele.
—O que?
—Radcliffe — repetiu— É pequeno, não há mercado, e nenhum desconhecido que
chegue passa despercebido, o apontam e o tratam com suspicacia.
—Não posso ir a Radcliffe contigo.
—Poderia se casasse comigo.
Alisoun se afastou.
—Já falamos nisto.
—Não foi uma conversa, foi um concurso de gritos.
Incômoda, Alisoun moveu os ombros.
—Ninguém mudou desde esta tarde.
David riu entre dentes.
—Oh, Alisoun.
—Salvo sir Walter!
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—Aqui, não posso te manter a salvo. Não posso cuidar de sua gente aqui. Tem um
mercado, e um centro povoado com muito movimento. Aqui chegam camelôs,
camponeses e granjeiros que souberam de sua prosperidade e procuram algo para si
mesmos. Não posso seguir a cada desconhecido todo o tempo que esteja aqui.
Tampouco podem fazê-lo seus homens, e este cruel ataque a sir Walter porá seus
aldeãos na defensiva contra pessoas que venham comercializar com eles.
—Isso já sei. —apoiou uma mão na barriga e outra na cabeça— Não sei o que fazer.
David se aproximou mais, e a apressou para que tomasse uma decisão.
—Pode correr um risco com eles? - Alisoun não se moveu. —Presenciei no caminho
roubos e surras menos selvagens que a sofrida por sir Walter. —Apoiando uma mão
dele sobre a que ela apoiava em sua barriga, adicionou— Pode correr o risco com a
criança?
Alisoun o olhou e, pela primeira vez, apareceu em seu rosto todas às emoções:
medo, confusão, angústia. E David desejou recuperar a velha Alisoun. Queria para ela
essa serenidade. Queria que tivesse tempo para gozar de seus lucros, suas habilidades,
sua gravidez. Mas queria que o fizesse junto com ele, e devia lhe fazer entender que o
matrimônio entre eles já não era uma simples opção: era uma necessidade.
Embora não teve a intenção de consolá-la até que não se desse por vencida, não
podia suportar vê-la tão alterada. Estreitando-a em seus braços, balançou-a contra ele.
Girando a cabeça sobre o peito dele, Alisoun gemeu:
—Sinto-me muito envergonhada.
—Envergonhada? —Retirou-a um pouco— Por que envergonhada?
—Fracassei em minha responsabilidade de cuidar de sir Walter.
—Pelo corpo de Cristo. —Elevou-a e a levou até a cama. Fê-la sentar-se no meio e
lhe disse— Se algo impede de dormir a sir Walter esta noite é que ele fracassou em sua
responsabilidade para ti.
—Não, eu...
—Alisoun.
Beijou-a.
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—Teria que...
Beijou-a de novo.
—Não fiz...
Beijou-a outra vez. E outra. Eram beijos suaves, doces, que adormeciam os sentidos
da mulher e que, por fim, conseguiram aliviar a infinita ronda de recriminações a si
mesma. David saboreou as lágrimas dela e as tirou das bochechas com sua manga.
—É a melhor senhora que qualquer súdito poderia ter. E você sabe que o é. —
Alisoun apertou os lábios e sorveu pelo nariz. —Admite-o. —Beijou-a— Admite-o.
—Sou.
A resistência a admitir deu vontade de sorrir, mas o que mais tinha vontade era de
beijá-la. Nesse momento, Alisoun necessitava seus beijos, necessitava consolo e
segurança. Contornou-lhe os lábios com a língua. Quando se separaram, percorreu com
ela o bordo acidentado dos dentes. Alisoun ficou estendida mole, e David se convenceu
de que não faria outra coisa que absorver um pouco de paz de seu abraço e de seu afeto,
mas quando lhe colocou a língua na boca, lhe saiu ao encontro.
Pressionou com mais força, unindo os lábios dos dois. Alisoun lhe rodeou o pescoço
com os braços, e ele se encarapitou ao colchão junto a ela.
Apoiavam-se sobre os travesseiros, e as mantas. Os pés dos dois golpeavam contra o
tabuleiro aos pés da cama. David tinha procedido com estupidez, mas a princípio não
tinha outra intenção que a de consolá-la. Não tinha planejado este súbito golpe de
desejo nem a pronta resposta dela. Seguia querendo consolá-la, mas quando lhe tocou a
bochecha, beijou-lhe o peito... E viu que tirava a touca, soube que ela também o
desejava.
Levou uma por uma das mechas de cabelo aos lábios, e logo as dispôs em volta de
seu rosto como raios de sol. Alisoun permaneceu em repouso, os olhos fechados, lhe
deixando fazer o que queria. Alguns homens se ofenderiam. O próprio David poderia ter
recordado a sua esposa, morta muito tempo atrás, que ficava fria como um pescado
quando ele a acariciava. Mas no caso de Alisoun, a mesma falta de movimentos era uma
confissão. Tinha-lhe cedido o poder, e confiava em que não abusasse dele.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
—Assim quer falar comigo. —Frisou com o dedo as curtas mechas de cabelo diante
das orelhas— Você acha que te enfeitiço quando te digo o que penso.
Alisoun se esticou e acomodou os ombros.
—Não diz as mesmas coisas que outros homens.
—Por exemplo?
—Outros nobres falam de si mesmos, do forte que são, de como mataram a um javali
com suas próprias mãos. —Lançou um bufo e pôs os olhos em branco— Como se eu
acreditasse.
David lhe passou os dedos debaixo do pescoço e massageou os músculos tensos.
—Pretendem te impressionar.
—Por quê? Por que um homem pensa que impressiona uma mulher lhe dizendo
mentiras?
—Há mulheres que não são tão perspicazes como você.
—Há mulheres que fingem acreditar.
Imaginando a cena, David sorriu: um lutador respeitado, inventando suas
qualidades para impressionar à fria mulher que tem junto a si. E essa mulher fria que o
interroga, até que o relato se embrulha. Agora compreendia por que tinha permanecido
solteira.
Baixou a vista para ela e viu que o olhava fixamente.
—Você não inventa.
David encolheu os ombros.
—Eu não matei nenhum javali com as mãos ultimamente. —Passou essas mesmas
mãos pelo seio dela, e afrouxou os laços que fechavam o vestido.
Quando alargou a abertura, roçou-lhe com as mãos os seios, ainda cobertos pela
camisa. Alisoun estremeceu e sentiu a pele arrepiar.
—Não acredito que tenha perdido tempo em uma coisa tão corriqueira. Estava
muito ocupado...
Sustentou os seios em suas mãos, e Alisoun aspirou uma grande baforada de ar.
—Estava muito atarefado te convertendo no legendário sir David.
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O rosto de sir David se abateu sobre mim, que dormia sobre um colchão de palha no
salão grande, e me sacudiu pelo ombro.
—Te levante Eudo. Necessito-te.
Jamais me cruzou a ideia de questionar a ordem. Levantei-me, vacilante, esfregando
os olhos, e pus a capa curta sobre a roupa. Acredito que ele me ajudou... Ninguém
acorda um menino de onze anos depois de um dia exaustivo sem ter que lutar contra os
ressaibos do sono.
Os outros que dormiam no salão se separaram de nós, mas ninguém protestou. Sir
David tinha recuperado sua reputação legendária, e todos sabíamos que nossa
segurança dependia de sua experiência.
As tochas piscavam no muro com ar fantasmal, enquanto ele me levava pela mão
para a porta exterior, e ao fim saímos fora, e nos achamos em meio da noite mais escura
que tinha visto. O ar fresco me despertou de repente, e sir David me perguntou:
— Já pode caminhar?
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—Salvo o sujeito que feriu sir Walter e que tentou ferir a senhora.
Minha voz baixa vacilou de maneira abominável, mas sir David me ouviu.
—Então, você acha que ele também está louco?
—Isso espero, senhor — falei, fervoroso— Espero que esteja completamente louco,
porque não queria pensar que é alguém que anda entre nós, sem ser notado.
—Bem dito.
Entretanto, sir David não me disse nada tranquilizador.
Ao perceber, comecei a caminhar outra vez pego aos seus pés.
—Me diga o que aconteceu com a duquesa de Framlingford.
Escavei em minha memória. Em realidade, não tinha prestado muita atenção e,
naquela época de minha vida, o inverno anterior parecia ter acontecido há séculos.
—Lembro que a duquesa era amiga de minha senhora e tinha vindo fazer uma visita
a Beckon. Esse é outro dos castelos da senhora.
—Por quê?
—Não sei senhor.
—Pensei que talvez tivesse ouvido falatórios.
—Não há muitos falatórios com respeito a minha senhora. Nunca antes deu motivo
de comentários.
—Antes de mim, quer dizer?
Eu sabia que não devia responder a isso, e sir David não parecia desejar uma
resposta.
Refletiu, e logo perguntou:
—Por que vieram aqui lady Alisoun e a duquesa? Esperavam-na?
—Não, senhor, surpreendeu-nos que viajassem estando tão avançado o inverno, e
quando chegaram, a duquesa e sua filha já estavam doentes.
—A filha?
—Assim disseram. Eu nunca vi nenhuma das duas. A senhora temia que tivessem
levado o contágio ao castelo, e as atendeu sozinha, para não pôr em perigo a ninguém
mais. Quando morreram, ela preparou os corpos e os pôs juntos no ataúde.
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—Esse louco de que estamos falando poderia estar por aqui, assim quero que me
cuide as costas.
Meus dentes batiam muito para responder.
Sir David se aproximou mais do ataúde, e nesse momento a luz da lua refletiu sobre
os troncos das árvores aproximando-se, como se quisesse iluminar o cadáver que havia
dentro da gaveta. Ouvi o raspar da madeira contra a madeira, quando ele afastou a
tampa por completo. O aroma da decomposição flutuou até meu nariz. Cravei a vista nas
árvores e na zona que rodeava o cemitério, esquadrinhando com tanta força que me
doeram os globos dos olhos, me perguntando se passaria vergonha, se me dariam
arcadas de medo e de horror.
Sir David se manteve silencioso tanto tempo que, por fim, arrisquei um olhar para
ele.
Ficou de pé, com os braços apoiados nos quadris, contemplando o interior do ataúde
como se jamais tivesse visto um cadáver podre, embora eu soubesse que tinha visto
enforcados em todo cruzamento de caminhos. Reunindo coragem, gritei-lhe:
—Sir David, falta muito para terminarmos? - Não me respondeu, e me aproximei
com sigilo. —Sir David. —Seguiu sem responder, e me voltei para olhar o ataúde de
cheio— Sir David!
Nesse momento, a lua subiu sobre as árvores, e a luz iluminou plenamente o que
havia dentro da gaveta. Uma pele podre de curto cabelo negro cobria todo o corpo. Um
focinho que mostrava uns dentes de aspecto canino. Quatro patas terminadas em garras
curvas. E uma versão menor da besta, colocada debaixo de sua barriga.
Soltei a faca, abandonei sir David e corri o mais rápido que minhas pernas podiam
me levar de retorno ao castelo, onde me escondi junto à ponte levadiça, até que chegou
meu amo para me resgatar.
Capítulo 17
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Alguém se metia sigilosamente no quarto dela. Alguém que lhe desejava o mal.
Alisoun tentou abrir os olhos, mas só pôde ouvir o sussurro de passos que se
arrastavam pelo chão. Tentou se mover, gritar, mas o pesadelo a prendia. Perto, em um
lugar impreciso, algo raspava como uma lâmina sobre uma pedra de afiar.
Essa coisa retornava da tumba. Tinha a intenção de sair com as primeiras luzes e
cobri-la outra vez com terra, mas era muito tarde. O lobo que tinha colocado no ataúde
se arrastava para ela nesse momento, reavivado pela terra sagrada em que ela o tinha
posto. Queria David, mas ele a abandonara. Queria sir Walter, mas ele estava muito
ferido. Estava sozinha, débil, indefesa... E algo lhe saltou à garganta.
Levantou-se, gritou, afugentou o intruso, e aquele gato malfadado saiu voando do
colchão e aterrissou no chão com um chiado indignado.
—Oh, não! —Alisoun se levantou torpemente da cama, levantou o gato e o
embalou— Machuquei-te?
O gato afundou as agudas garras em sua pele e se aferrou a ela. Alisoun o acariciou,
arrulhou-o, revisou-o procurando feridas, e o animalzinho se acomodou e ronronou.
Alisoun sentiu vontade de rir. De chorar. Quis que tudo fosse como antes, quando
ela conservava o controle de sua vida e de seu destino. Pela primeira vez em sua vida,
queria negar as consequências de suas ações. Vista em retrospectiva, pareciam-lhe
ações estúpidas, e inclusive assim não via alternativa. Teve que ajudar sua amiga, teve
que contratar sir David, teve que recebê-lo em sua cama... Suspirou. Bom, não, não tinha
nenhuma obrigação de lhe dar boas-vindas em sua cama, e tinha a absoluta certeza de
que, quando fosse velha, recordaria a intrusão de David em seu mundo seguro como a
melhor coisa que já lhe aconteceu.
O ruído de arranhado se ouviu outra vez.
Alisoun se paralisou, e logo levantou a cabeça e olhou ao redor.
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Ali estava David sentado à mesa, com a vela junto a seu cotovelo, escrevendo. Então,
ela identificou o ruído: era a pluma aguçada raspando sobre o pergaminho. Mas, o que
era tudo isso? E por que a ignorava?
—David?
Ele elevou a cabeça e lhe cravou a vista.
—Alisoun.
Seu pai estava acostumado a olhá-la de uma maneira bastante parecida quando
tentava fazê-la chorar por seus defeitos. Mas o semblante de David gritava sua autêntica
desaprovação para ela. Envergonhada, levantou-se e voltou a deslizar-se na cama,
sustentando o gato como se fosse seu único amigo verdadeiro. Metendo-se sob as
mantas, perguntou:
—O que está escrevendo?
—Estou redigindo nosso contrato de matrimônio. —sacudiu umas bolinhas de terra
da manga com a pluma— Para que o firmes, com que frequência tenho que aceitar me
banhar?
Não lhe ocorreu uma resposta. Não podia pensar em nada.
—Eu... Jamais me ocorreu que essa fosse uma questão para ser incluída em uma
coisa tão solene como um documento de matrimônio.
—Não quero mais surpresas em nossa união. —Sem sorrir para aliviar sua atitude,
sugeriu— Sempre pensei que uma vez ao ano era suficiente no esquema normal da
vida. Mas suspeito que não seja bastante para ti.
—Ehh... Não.
—Duas vezes ao ano.
Por que estavam falando de banhos?
—Uma vez ao mês? — David levantou a faca e raspou o pergaminho. —Uma vez ao
mês, então.
Fez-se silêncio entre os dois, esse tipo de silêncio que congela as palavras em sua
fonte. Inclinou-se sobre a escritura com absoluta concentração, e Alisoun se concentrou
no gato.
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O animal pulava sobre as mantas, e quando Alisoun movia o pé, o fazia saltar como
se esses movimentos desafiassem sua supremacia. Alisoun voltou a movê-lo, e o gato
grunhiu e saltou. Não pôde conter uma gargalhada, e deu a David um olhar culpado. Ele
observou as cambalhotas do gato com um semi-sorriso, e Alisoun relaxou. Se podia
sorrir ao gato, ela poderia falar com ele sem temor a reprimendas, embora ele jamais a
tivesse maltratado, em modo algum. Não entendia por que se preocupava. Observando-
o com mais atenção, anunciou:
—Terá que te banhar antes do que eu previa. Está sujo.
David olhou as unhas cheias de terra.
—Saí.
—A esta hora da noite? Aonde...?
Então, soube. Soube por que estava tão sombrio. Soube aonde tinha ido.
—Estive apresentando meus respeitos aos mortos.
O tom frio e o olhar inexpressivo lhe provocaram arrepios.
—Viu-o?
—Sepultei-o de novo.
O alívio superou o horror de Alisoun.
—O ataúde estava...? — David elevou uma sobrancelha em gesto inquisitivo. —
Aberto?
—Isso assustou tanto a Eudo que se converteu em uma gelatina trêmula.
Alisoun não tinha pensado que poderia piorar, e agora estava vivendo o pesadelo
que a tinha assustado.
—Eudo o viu?
—Não dirá a ninguém.
Uma capa de suor lhe cobriu todo o corpo, e secou o lábio superior com o lençol. O
gato se aconchegou e olhou, e os quartos traseiros lhe tremeram.
—Como sabe?
—Ordenei-lhe que guardasse silêncio e, além disso, está envergonhado.
—Envergonhado?
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—É por uma boa causa — disse ele— Quando pode estar pronta para te mudar a
Radcliffe?
Em um ano qualquer, Alisoun passava um tempo em cada um de seus castelos, e
mudava seu lar com ela. Mudar-se a Radcliffe, em troca, exigiria mais preparativos
porque não tinha ideia das circunstâncias com que se encontraria ali. Penteou com os
dedos a pele que havia sobre as mantas, e o pensou:
—Quatro dias.
—Que eficiente. —Fez uma careta, e se pareceu um pouco mais ao homem cândido e
demonstrativo que ela conhecia— Não teria esperado nada menos. Assim, três dias
para anunciar as admoestações e negociar o contrato de matrimônio. Casaremos ao
quarto dia, e sairemos imediatamente depois da cerimônia. —levantou-se e deixou a
pluma e o pergaminho em um canto— Outra coisa, Alisoun. —Ficou tensa, ansiosa,
esperando uma nova exigência. —Esse gato está te espreitando.
Alisoun baixou a vista para o animal, no preciso momento em que saltava para seus
dedos inquietos. Conteve uma exclamação. David se pôs a rir. O gato lhe pendurou da
mão e a lambeu até que pôde soltar-se e descer da cama.
—Já pôs um nome? —perguntou David, com um interesse que ia além do casual.
Alisoun objetou automaticamente:
—Não, não tenho interesse em lhe pôr nome. —Contemplou a pequena criatura e
observou como dissimulava sua natureza, mas não podia ocultar sua vulnerabilidade—
O que poderíamos fazer é levá-lo conosco a Radcliffe.
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—Minha mãe está preparando minhas núpcias neste momento. Está guardando um
par de lençóis no baú, um vestido novo em cima deles, em cima uma touca nova, uns
molhos de ervas para as curas. Meu pai estará escolhendo seu melhor cavalo do
estábulo, e reforçando a carreta para a longa viagem. Estabelecerão contato com o
monastério para que um monge nos acompanhe. Não me necessitam para isso. Quando
chegar, oferecer-me-ão um jantar de boas-vindas e despedida, e me porão rapidamente
no caminho: necessitam o dinheiro que o duque de Cleere pagará por mim, de modo
que não é preciso atrasar-se. —Edlyn se inclinou adiante e apoiou uma mão fria sobre a
de Alisoun— Mas eu quero me demorar, embora só seja um pouco. Deixe-me ir.
Alisoun ansiava conceder seu desejo a Edlyn, e a horrorizava sua própria vacilação
em cumprir com o que era correto. Possivelmente a gravidez tinha afrouxado os laços
com que ela continha suas emoções. Possivelmente suas próprias dúvidas com respeito
ao matrimônio a assaltavam, e por isso desejava o apoio daqueles que a amavam.
Talvez, queria brindar a Edlyn o dom de um mês mais de virgindade. Fosse qual fosse o
motivo, disse:
—Sir David diz que a fome de sua gente é grave, e que necessito a alguém para que
coordene a tarefa de empacotar mantimentos para Radcliffe.
Edlyn apertou as mãos.
—Eu posso fazer isso!
—E alguém que distribua os mantimentos quando chegar.
—Sabe que eu posso, pois você me ensinou a distinguir aos que mais necessitavam
ajuda.
—Sim, eu lhe ensinei isso. —Tinha ensinado a Edlyn as questões práticas, e
albergava a esperança de que a moça tivesse absorvido a suficiente cota de estoicismo
para aliviar seu transcurso ao novo lar. Mas ainda não. Alisoun assentiu com lentas
sacudidas de cabeça— Se viesse conosco...
—Sim. Sim!
—... Tranquilamente poderia deixar aqui Heath. Sentir-me-ia melhor se ela ficasse
para cuidar de sir Walter, e se estiver comigo, a tarefa de Philippa será mais leve. —
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Edlyn tomou como uma permissão e, não querendo ouvir mais, tentou afastar-se
correndo, mas Alisoun a segurou antes que pudesse ir— Só por um mês. Depois, seja
qual for minha situação, terá que ir para a casa de seus pais. —Suspirando,
acrescentou— Quando se conhecer esta minha deficiência, nenhum pai enviará seu
filho para que o amadrinhe.
—Eu sim. —Os olhos de Edlyn resplandeceram— Se algum dia tiver uma filha, não
vou querer que nenhuma outra pessoa a amadrinhe.
Depois de semelhante promessa, Edlyn escapou temerosa de que Alisoun mudasse
de ideia, e esta, com o coração pesado, viu-a ir. Reatou a tarefa de fazer a bagagem, e
explicou às peles:
—Depois de tudo, não a deixarei aqui onde tem a tentação por perto.
Deu um olhar para o solar, onde sir Walter repousava. Tinha sobrevivido dois dias e,
com a ajuda dos Santos, viveria uma longa vida. Mas George's Cross necessitava outro
chefe de guarda, e David tinha renomado Hugh.
Hugh, que tinha jurado de joelhos proteger o feudo de Alisoun. Hugh, que tinha
celebrado dormindo com a metade das donzelas. Hugh, que destroçou o coração de
Edlyn, sem reconhecer sequer sua existência.
—Além disso... —Alisoun envolveu a maior de suas fontes de prata em um pano
suave — ...o que pode importar ao duque de Edlyn outro mês mais?
—Radcliffe não se parece com o que você está acostumada. É pequeno e escuro.
No transcurso dos cinco dias que levavam no caminho, David quase não se afastou
de Alisoun. Cavalgavam na frente da coluna, da qual também formavam parte lady
Edlyn, as donzelas de Alisoun encabeçadas por Philippa, os carros e, é obvio, Ivo e
Gunnewate com os homens armados. Nesse lapso, David tentou prepará-la para o
desastre que seria seu lar. Alisoun não sabia se na realidade era tão mau como ele dizia
ou se pretendia que o tranquilizasse, mas sim sabia ser amável.
—A maioria de minhas outras residências não estão tão bem acondicionadas como
George's Cross.
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—Para falar a verdade, pode ser que ofenda seus sentidos. Pelo que estou seguro é
de que não está, nem de longe, tão limpo como você gostaria.
O sol matinal se filtrava entre as folhas, salpicando o rosto de David, e Alisoun
gostava de como as sombras suavizavam a aspereza de sua pele bronzeada e a barba
incipiente que lhe cobria o queixo sem barbear. Parecia mais jovem, com certa distinção
pícara.
—Não tão limpo como gostaria — insistiu— Mas, o que é?
Tomando o comentário como uma permissão, Alisoun deixou vagar o olhar pelo
corpo de David. Parecia-lhe o melhor corpo de homem que tinha visto. Oh, era certo que
não voltaria a lhe crescer o lóbulo da orelha nem o dedo perdido, mas tinha grandes pés
sobre os quais plantar-se sobre o chão, e uma altura que o elevava para as nuvens. Seu
marido era uma agradável mescla de desenvoltura e extravagância.
—Mas tem um solar muito agradável, com uma janela com cristal.
—Cristal? —Surpreendida, Alisoun afastou a atenção do corpo dele— Isso é uma
surpresa para mim, se pensar que foi tão maltratado pela seca.
—Oh, os primeiros tempos, quando tomei posse do castelo, tivemos uns anos bons,
e... —sua voz se converteu em um grunhido— minha esposa insistiu.
A costa noroeste era, com muito, a zona menos civilizada da Inglaterra, com bosques
que invadiam os estreitos atalhos e davam um intenso tom verde à luz do sol. Os lados
dos carros roçavam os ramos a ambos os lados, e mais de uma vez os homens armados
tiveram que unir seu esforço ao dos bois, e cortar a madeira para que pudessem passar.
David havia se sentido desventurado quando viu os baús que Alisoun tinha preparado
para a mudança, e a cada dia que passava se sentia mais desventurado ainda.
Alisoun o compreendia, pois não só os ladrões eram frequentes nesse caminho. No
dia anterior, uma manada de lobos tinha deslocado paralela à caravana através do
mato, e os observavam atentamente. Ao vê-los, o jovem Eudo se desmoronou, e soluçou
de medo. Essa noite, depois de instalar o acampamento, Alisoun tinha preparado uma
beberagem de vinho e ervas para acalmá-lo, e se sentou a seu lado até que dormiu.
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Mas foi inútil. Na metade da noite, quando só aparecia entre as árvores uma fina
fatia de lua, levantou-se e encontrou David e seus homens tirando ramos ardendo do
fogo e os agitando nos confins da clareira. Lady Edlyn, Philippa e as outras donzelas se
aconchegaram perto de Alisoun para proteger-se, ao tempo que a filha de Philippa
despertou e ria do feroz desdobramento.
Alisoun, em troca, não sentia nenhuma apreensão. Embora David já não vencesse
todo rival nos campos de torneio, sua experiência compensava isso com acréscimo.
Combinava a destreza de um lutador curtido com os instintos de predadores de um
lobo ao ataque. E embora David não soubesse, a natureza os protegia como nada era
capaz de fazê-lo.
Esse covarde canalha que a espreitava andava sozinho. Não queria que outro
homem conhecesse as profundidades de sua depravação, e não os seguiria ali com suas
sacanagens, onde seus esforços poderiam acabar quando os lobos o devorassem.
Portanto, a decisão de ir a Radcliffe tinha sido atinada, e a Alisoun não ocorria que
nada do que houvesse ali pudesse fazê-la desventurada... Se conseguisse apaziguar
David.
—Certamente, estarei agradecida das comodidades que tenha acrescentado sua
esposa a Radcliffe.
David se removeu sobre o arreio até que rei Louis girou a cabeça e manifestou seu
desagrado com um relincho de desaprovação. David tirou o chapéu e lhe deu um golpe
com ele entre as orelhas, ao tempo que dizia:
—Não te queixe! Estamos indo ao nosso lar, não?
Louis lançou uma forte exalação, voltou outra vez à cabeça adiante e acomodou
outra vez seu caminho ao palafrén de Alisoun.
—Entende tudo o que lhe diz? —perguntou Alisoun.
—Quase tudo. —Deu um olhar furioso ao cavalo branco, mas Louis, com seu ar
régio, ignorou-o— Suspeito que o resto finge não ouvir.
Sua expressão sombria fez a risada subir aos lábios de Alisoun e, como sempre, esse
regozijo inesperado a pegou de surpresa. Não lhe tinha ocorrido que poderia desfrutar
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—Recorda que sou uma mulher prática. Não posso pretender que tenha passado
sem alivio antes que nos conhecêssemos.
—Em efeito, é prática.
Inclinando-se para fora, David tomou a mão, tirou-lhe a luva de couro que a
protegia, e levou lentamente os dedos dela à boca. Beijou-os um por um, logo voltou à
mão e apertou os lábios no centro da palma. As costeletas lhe fizeram cócegas, a língua
a acariciou, e Alisoun fechou os olhos para perceber melhor a sensação.
—Minha senhora asseguro-te que se tivéssemos tido um momento de intimidade
durante esta viagem, não teria te entretido nessas reflexões.
Prática repetiu-se Alisoun. Sou prática.
—Foi uma noite de bodas bastante lamentável.
David começou a riscar círculos com o polegar na carne entre os dedos, até que a
pele de Alisoun se arrepiou. A sensação lhe subiu pelo braço e lhe provocou um
estremecimento no coração.
—Quando chegarmos a Radcliffe prometo-te demonstrar que serei um marido tão
devoto como fui amante. —Voltou a lhe pôr a luva e murmurou— Embora desejasse ter
a oportunidade de me unir a ti antes que cheguemos.
Alisoun abriu os olhos de repente.
—O que acontece em Radcliffe?
—Melhor que sigamos adiante — repôs David— Os carros nos alcançarão e não nos
convém que devam deter-se estando tão perto de nosso destino.
—Estamos perto?
—Muito perto. Se cavalgar até o topo dessa colina, terá o primeiro vislumbre de
Radcliffe. Embora o castelo não cobre suas expectativas, acredito que o vale te parecerá
uma paisagem digna de olhos reais.
Ao ver seu sorriso tenro e orgulhoso, Alisoun acreditou compreender o que tentava
lhe dizer. A amante de David não era nenhuma mulher a não ser essa terra que tinha
ganhado com tantas dificuldades, e que entesourava com cada fôlego. Isso podia
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a ele. Ou, possivelmente, a alegria de David fosse contagiosa: era algo que estava
acostumado a lhe ocorrer.
Certamente que não cantou nem riu forte, mas sim sorriu e se inclinou adiante,
desfrutando do vento no rosto e do sol que brilhava sem obstáculos. A final das contas,
era um preço pequeno para assegurar a David de que seu lar lhe parecia aceitável,
convenceu-se Alisoun.
Os aldeãos os viram e correram dos campos, e quando chegaram à pequena praça,
estavam esperando-os homens, mulheres e meninos.
Alisoun se deteve segura de que os aldeãos esperariam a respeitosa distância
enquanto David pronunciava um discurso formal de saudação. Mas David a
contemplava como se ela fosse à encarnação da beleza, e os aldeãos gritavam umas
tumultuosas boas-vindas.
—Que alegria que tenha retornado meu senhor.
—Formosa dama, meu senhor.
—Agora entendo por que não retornaste antes.
—Eu tampouco teria retornado se tivesse semelhante companhia.
As pessoas se mostravam respeitosas, mas Alisoun ficou rígida. Certamente, nem
sempre tratariam a seu senhor com semelhante impudicícia. Disse a David:
—Não vai lhes dar uma reprimenda?
David deixou de contemplá-la, e percorreu com a vista os rostos sorridentes que
tinha ao redor.
—Lhes dar uma reprimenda? Parece-me que têm direito. —Agitando os braços,
pediu-lhes silêncio e o agradaram com gosto— Boa gente de Radcliffe, trago-lhes lady
Alisoun, de George's Cross, como sua nova senhora e para que seja a luz que guie a
nossa aldeia.
As bocas se abriram em uníssono.
Abatida por essa reação, Alisoun os saudou:
—Como estão boa gente?
Alguém, um dos homens sujos que tinham vindo correndo dos campos, disse:
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—Está brincando, meu senhor. Casaste com lady Alisoun de George's Cross?
David pegou sua mão.
—Aqui está.
Todos os olhares a examinaram da cabeça aos pés.
Uma das mulheres disse:
—Está seguro de que é a mesma? Ouvimos falar de lady Alisoun, e dizem que é
rígida, excêntrica, e que se fixa muito nas maneiras.
Alisoun tentou acomodar os cabelos de novo dentro da touca.
David riu entre dentes.
—Assim era... Antes de me conhecer.
Alisoun notou que os aldeãos riam exageradamente da triste brincadeira de David.
David os assinalou com um dedo.
—Antes que acabe o verão, ela obterá que todos se comportem como é devido. —
Alguém se queixou. —Sobre tudo você, Alnod. —David não teve necessidade de olhar,
sequer, ao queixoso— E todos cooperarão com a nova senhora.
—E se não quisermos nos comportar como é devido? —perguntou o chamado
Alnod.
—Os aldeãos dela obedecem, e ela lhes tem feito ganhar uma grande prosperidade.
Não passaram fome nem sequer o inverno passado.
Os aldeãos se olharam entre si. Todos eles estavam muito fracos, e nenhum vestia
outra coisa que farrapos.
Já sem rir, David afirmou solene:
—Ela é a dama de meu coração.
Alnod assentiu, e outros o imitaram.
—Então, trataremo-la como se fosse à senhora dos nossos.
—Não posso pedir mais — repôs David.
—Farei o máximo possível para ser a senhora que merecem — disse Alisoun, e se
sua afirmação levava consigo um matiz de cólera, ninguém pareceu notá-lo.
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Sentindo-se orgulhoso dela, David rumou para o castelo. Desta vez, ela o ignorou, e
avançou com dignidade e graça. Sua experiência na aldeia de Radcliffe demonstrava que
quando um nobre deixa de lado o orgulho, as pessoas do povo não lhe rendem o devido
respeito.
Para sua surpresa, David respeitou seus desejos e guiou o cavalo dela enquanto ela
se arrumava, embora desse constantes olhares ao castelo. Seu falatório cessou;
cavalgava como quem se contém, embora tenha pressa.
Alguém deve ter estado observando dos muros do castelo, pois, enquanto se
aproximavam a ponte levadiça começou a baixar. Não chiou, as cadeias não fizeram
ruído. Deslizou-se com facilidade para baixo, indicando que estava em perfeito estado
de manutenção. Era o lar de um mercenário, e isso deu a Alisoun a indicação do que era
importante para David no que se referia às reparações. Quaisquer que fossem as
condições em que encontrasse o castelo, as muralhas externas deviam ser invulneráveis
ao lugar ou ao ataque.
Possivelmente por isso, embora os aldeãos tivessem aspecto de pessoas com fome,
exibiam uma confiança quase jactanciosa. E também explicava que David tivesse
insistido em que fossem a Radcliffe para garantir a segurança de Alisoun.
—Aqui estamos. —David soltou a brida do cavalo de Alisoun— Olhe.
Alisoun viu um menino que corria pela ponte baixo, e a um homem que corria atrás
dele.
Alisoun protegeu os olhos.
—Quem é?
Rei Louis bailoteou, em aparente demonstração de entusiasmo equino.
—Certamente, não é Guy de Archers. Nenhum homem de sua destreza correria atrás
de um menino de uma maneira tão pouco digna.
David saltou do arreio.
—A menos que esse menino seja...
David pôs-se a correr de uma maneira que tampouco manifestava a menor
dignidade.
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—... Teu.
Capítulo 18
David correu para Bert, e o choque com o pequeno corpo da menina lhe arrancou
lágrimas. Levantou-a em alto, logo a atraiu para si absorvendo calor e amor, sentindo-a
retorcer-se, e gozando do êxtase de abraçar uma vez mais a sua saudável, ativa,
obstinada filha.
—Papai. —A menina lhe empurrou a cabeça com a mão— Quero te ver.
David se tornou atrás para que a pequena pudesse vê-lo, e ele a ela, e pela primeira
vez advertiu a assombrosa transformação. Era evidente que o ouro que ele enviou
serviu para alimentá-la, porque a via sã e muito longe de estar gasta. Mas tinham lhe
cortado o cabelo muito curto e se arrepiava em volta do rosto magro. Tinha uma crosta
sobre uma sobrancelha e outra no queixo.
—O que fizeram com você? —perguntou-lhe.
—Serei um guerreiro, como você.
Afastando-a outra vez de si, contemplou-a, enquanto a menina agitava inutilmente
os pés no ar.
—O que é o que está vestindo?
—Um uniforme de pajem. —Os olhos castanhos faiscaram— Assim posso praticar
com a espada.
—Essa é sua espada?
Assinalou com um gesto da cabeça o pau de madeira que lhe pendurava do cinturão.
—Eu mesma a fiz. —Girou a cabeça e olhou carrancuda, a Guy, que estava a um lado
— O tio Guy não queria fazer isso, dizia que eu não tinha nada que fazer como
guerreiro, mas eu vou ser um mercenário como meu papai.
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Seu castelo... David se encolheu, pensando na diferença entre o dela e o seu. A capela
era pequena e escura. O grande salão, a cripta e a galeria também lhe pareciam
lamentáveis. O único que se aproximava das pautas de Alisoun era o solar, e David
esperava que a impressão dissipasse a consternação que, certamente, sua mulher devia
estar experimentando.
Enquanto a contemplava, uma súbita voz infantil lhe chegou de abaixo:
—Papai? —Aguardou—Está furioso comigo?
—Não tenho motivos?
Bert removeu os pés no pó.
—Ela achou que eu fosse um menino.
—É compreensível. Tem o cabelo curto, está vestida de modo incorreto. —Tomando
entre dois dedos a borda da breve túnica, sacudiu-a, fazendo voar o pó— Pelos braços
de San Miguel, está suja.
—E?
Contendo um sorriso, David compreendeu quanto começava a parecer-se com
Alisoun. Antes, não teria sequer notado a imundície de Bert.
—E que não pode te converter em guerreiro!
—Eu quero. Eu quero. —As lágrimas estavam a ponto de transbordar, e a menina se
abraçou à perna de seu pai— Quero ir contigo a próxima vez que vá.
—Aahh. —Agora entendia. Afastou-lhe os braços e se ajoelhou ante ela— Não quer
que eu parta de novo?
—Não — sorveu Bert.
—Acaso Guy não te cuidou bem?
—Sim, eu gosto de Guy. —limpou o nariz na manga— Quase todo o tempo. Mas não
é você.
—Por isso tem que ser amável com lady Alisoun — disse David— Casei-me com ela
para não ter que ir.
As lágrimas que alagavam os olhos de Bert se secaram imediatamente.
—Por que não?
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—Odeio-te. —Bert olhava Alisoun sobre a borda de uma banheira de água da qual
brotava vapor, sob os olhares ávidos dos criados de David— Lamento que meu papai se
casasse contigo!
—E eu lamento saber isso. —Alisoun arregaçou as mangas enquanto Philippa e as
outras donzelas instalavam biombos ao redor do fogo aberto do grande salão de
Radcliffe— Mesmo assim, tomará um banho.
Esmigalhado pela dúvida entre explicar a sua filha a situação e apoiar sua esposa,
David deu um caminho fora da plataforma, logo subiu de novo, depois baixou outra vez.
Guy, que estava sentado em um banco, junto a uma mesa de cavalete onde tinham
servido a comida da tarde, advertiu-lhe:
—Deixe-as sozinhas.
—Tenho que intervir antes que cheguem às mãos.
—Eu diria que lady Alisoun está controlando bem a situação — repôs Guy.
Bert lançou um chiado, como desafiando a afirmação de Guy.
—Meu papai não te quer aqui.
—Controlando bem a situação — murmurou David. Baixou outra vez, e se
aproximou do fogo. Em um tom severo que estranha vez usava com sua filha, disse—
Bert, lady Alisoun tem razão. Disse-te que...
—David. —Sem olhá-lo, Alisoun disse com voz clara e fria— Não intervenha. —
David ficou com a boca aberta, e se deteve. —Estou segura de que Bertrade e eu nos
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entenderemos bem quando tivermos medido uma à outra. —Agora, os olhos cinza
giraram para ele— Por isso deve nos deixar sozinhas. Philippa ponha o último amparo.
Não quero que uma corrente de ar esfrie à pequena Bertrade.
David ficou olhando fixamente um alto biombo. Retrocedeu, e voltou a sentar-se
ante a mesa de cavalete que estava sobre a plataforma. Guy lhe serviu uma jarra de
cerveja e a empurrou para ele, e David bebeu esforçando-se por adotar um ar
desinteressado... Mas não se comprometeu na conversa, se por acaso surgisse um
motivo para que se levantasse.
Os criados se aproximaram dos biombos tirando as esteiras do chão sem grande
dedicação, e orvalhando-o com uma mescla de urina e vinagre, sem deixar de prestar
ouvidos a rixa.
O castelo não estava no estado de sujeira catastrófica que David tinha temido — a
final de contas, fazia menos de três meses que ele partiu— mas Alisoun já tinha posto às
pessoas a trabalhar para acabar com as moscas que rondavam por toda parte. Tinha
dado as ordens e, ao ver que os serventes de David eram lentos para responder, pôs sua
própria gente a trabalhar.
Lady Edlyn tinha demonstrado sua capacidade acossando aos criados e dando
ordens aos cozinheiros ao mesmo tempo. Philippa atuou como reforço, controlando que
se cumprissem as ordens de sua senhora uma vez que fossem repartidas.
David se irritou ao ver seu pessoal esperando o resultado da briga, como se fosse
exercer algum efeito sobre a obediência que eles deveriam a sua nova senhora. Quis
dizer algo, lhes ordenar que seguissem com suas tarefas, mas lady Edlyn levou um dedo
aos lábios, fez um gesto afirmativo e sorriu: ao que parecia, estava segura de que sua
senhora triunfaria. David desejou ter a mesma certeza.
De trás dos biombos chegou um ruído de salpicadura, seguido de um berro que
parecia de dor.
—Molhaste-me! —gritou Bert.
—Assim é muito melhor.
Alisoun soava tão serena como de costume, e isso enfureceu ainda mais a Bert.
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—Não é? Eu diria que é e, por outra parte, muito atraente. —David negou com a
cabeça, embora não convenceu Guy— Lady Alisoun deixou bem claro que deveres
espera que cumpra cada um, se espera seguir comendo assim. Eu adicionaria que são
expectativas razoáveis, e mesmo assim, seus criados parecem seguir debatendo-se
entre o alívio e o ressentimento.
—Se não fizerem o que ela lhes diz, cravarei suas orelhas a um poste.
Guy deu um olhar à porta do estábulo, e logo, ao indignado David.
—Demos uma volta, antes de entrar para ver os cavalos.
David assentiu, sabendo que sua inquietação não sentaria bem aos animais, que
ainda estavam adaptando-se as novas baias.
Ao tempo que iniciavam a volta em torno do desmantelado edifício de madeira, Guy
retomou o tema.
—Lhes cravar as orelhas não resolverá nada. Ela mesma tem que ganhá-los e não sei
se esse bando de pilantras folgazões e harpias lhe responderão ao saber que te casaste
com ela por sua fortuna.
Segurando Guy no pescoço, David lhe espetou.
—Não é verdade!
Guy deu um murro no estômago de David e, quando David o soltou e cambaleou
para trás, perguntou-lhe:
—Então, por que disse isso a sua filha?
—Não disse. Ela supôs... E eu gostaria de saber de onde tirou isso. - Carrancudo, deu
um olhar significativo ao homem que se ocupou de sua filha durante esses meses.
—Quando foi ela se sentiu perdida, e corria de um a outro tentando surrupiar ideias
para obter que voltasse antes. Um par de homens lhe disse que deveria ter a prudência
de te casar com uma herdeira. Um par de mulheres, que iria melhor se tivesse um
escudeiro ao seu lado. Como não podia fazer nada com respeito à herdeira, decidiu
converter-se em moço e ser seu escudeiro. —Guy esfregou a cabeça como se doesse— É
uma pequena muito inteligente.
David também sentiu que a cabeça começava a doer.
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—Assim é ela. Achei-a dura e fria, e te parece fácil ver através dela, e logo
transforma todo seu universo.
Guy apoiou a mão na testa de David.
—Está doente?
Rindo, David o separou de um tranco e entrou no penumbroso estábulo, silencioso
salvo pela inquietação dos cavalos de casa e os bufos nervosos dos novos.
—Alguma vez te falei de minha avó?
Indo atrás dele, Guy disse cauteloso:
—Sua avó?
—Estava acostumada a falar daqueles casais que compartilhavam um grande amor.
—Você e Alisoun compartilham um grande amor?
O tom de Guy era exageradamente cético, e David decidiu não lhe fazer caso.
—Ela ainda não sabe.
—Compartilham um grande amor, mas ela ainda não sabe?
David se deteve para acariciar um dos cavalos de George's Cross.
—Não queria se casar comigo.
—E por que o fez? —perguntou o amigo, suspicaz.
—Pela mesma razão pela qual me contratou. Amparo. —Franziu o cenho— Mais
ainda, temos que fazer correr a notícia de que devem me informar imediatamente assim
que vejam qualquer desconhecido rondando por aqui.
—Do que precisa ser protegida?
—Não sei. —Embora não se via muito naquela penumbra, David pôde distinguir a
expressão estupefata de Guy, e disse— Quer dizer, tenho certa ideia, mas ainda não sei
nada. Logo me dirá isso.
—Certamente, quando souber que compartilham um grande amor.
—Certamente. —Entrando em uma das baias, David inspecionou cascos e esporões
do reprodutor— Este colocou a pata em uma fossa desse condenado caminho, e desde
esse momento coxeia. Direi ao cavalariço que esquente um emplastro e o aplique.
Guy o observava com intenso interesse.
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Diante deles, algo voou por cima da porta de uma baia e aterrissou no corredor.
Depois disso, outra coisa aterrissou em cima, e em um surpreendente silêncio, essas
duas coisas rodaram e giraram. Como a luz não bastava para distinguir detalhes, David
correu para ali.
Dois moços, brigando ante a baia de Louis. O grande cavalo os observava estóico e
David capturou a um, Guy ao outro, e os arrastaram pelo corredor para a porta.
—Eudo! —David sacudiu o menino, logo olhou ao que Guy segurava, e reconheceu
seu próprio pajem de Radcliffe— E Marlow! O que estão fazendo?
Eudo estendeu um dedo trêmulo.
—Ele começou!
—Tentou atender Louis. —Marlow chutou a terra para Eudo— Corresponde-me
atender Louis. Diga sir David.
—Sim, diga sir David. —Eudo destacou o peito com o polegar— Você quer que eu
seja quem atende Louis.
David ficou olhando, estupefato, aos dois moços, e Guy disse sarcástico:
—Ah, sim, um grande amor. Calidez e resplendor. Todos contentes. —Os olhares de
David e de Guy se encontraram, e o segundo balançou sua grande cabeça— Mais vale
que seja logo.
Essa noite, durante o jantar, ninguém falou muito. Abatida por ter perdido a briga,
Bertrade adormeceu sobre o banco, e a tinham levado. Os serventes de David
mantinham uma atenta vigilância, e Edlyn e as donzelas manifestavam evidentes
mostra de fadiga.
Alisoun se alegrava. Por mais que odiasse reconhecer sua falta de cortesia, teria se
visto em apuros se fosse obrigada a sustentar uma conversa cortês.
A viagem tinha sido fatigante, difícil a instalação no novo castelo, a menina Bertrade
tinha apresentado um gênio desafiante, e Alisoun se viu forçada a confrontar os fatos.
Tinha acontecido o que ela temia.
Casaram-se com ela por seu dinheiro.
—Quer que te corte uma fatia de pão?
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David se inclinou para ela o mais que pôde. Como compartilhavam um banco, podia
apertar-se contra ela, ficando em contato, joelhos, quadris e braços, e sua faca se abatia
sobre a rodela posta ante eles, sobre a larga mesa.
Alisoun fez uma graciosa inclinação de cabeça.
—Ficaria agradecida.
A folha começou a mover-se atrás e adiante, atrás e adiante, e Alisoun fez uma ideia
de quão duro devia ser o pão. Mas Edlyn tinha dado uma olhada aos fornos do padeiro e
lhe exigiu que os limpasse antes de assar alguma outra coisa, de modo que, por essa
noite, jantaram com pão velho e agradeceram por isso.
Tinha sido uma estupidez da parte de Alisoun acreditar que David podia casar-se
com ela por outro motivo que não fosse sua fortuna. Podia sonhar que o tinha feito por
carinho para o filho ainda não nascido, ou pelo prazer que lhe brindava na cama, mas só
podia rogar que a valorizasse por si mesma.
Mas a verdade permanente e eterna era que David cobiçava seus doze sacos de lã, e
todos os bens que os acompanhavam.
Ah, não podia culpá-lo. David tinha uma filha que adorava. Alisoun tinha ajudado a
dar um banho em Bertrade e a menina, embora sã, distava de ser roliça. Alisoun
compreendia que tivesse decidido casar-se para atender às necessidades de sua filha.
—Como o pão está rançoso, ordenei a sua criada que o esquentasse. —Empurrando
a fatia quente para a mão dela, David disse— Fiz bater uma gema de ovo com vinho
branco para que o molhe nela. Também será bom para o menino.
—Agradeço-lhe isso outra vez. —tocou a barriga, ainda plana— É sempre muito
considerado.
Se fosse menos sincera, Alisoun asseguraria que se casou com David para dar um
nome ao seu filho. Mas sabia que se casou com o homem inapropriado nada mais que
pela companhia e porque o desejava. Era tão tola quanto qualquer outra mulher que
conhecia, que se casou com seu amor sonhado e só achou um cinturão que lhe rasgava a
pele e um pau que lhe moía os ossos.
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—Sei.
—Dormirei contigo no leito matrimonial.
O via muito firme, muito calmo, decidido, Alisoun quis lhe replicar, mas não podia
respirar. Sentia-se como se cordas estivessem lhe apertando a garganta. Só agora
adquiria consciência da fachada que tinha erguido em volta de suas emoções. Não
estava tranquila. Não estava serena. Estava completamente furiosa.
Só o que pretendia era lhe pôr a mão no peito. Na verdade que sim.
Mas o empurrou com tanta força que o fez cair para trás. E não gritou somente
porque não podia. Em tom baixo, disse-lhe:
—Serei a mãe de seu filho. Serei a senhora de seu povo. Serei o cofre de dinheiro
que subministre prosperidade, e o farei com agrado. —Deu outra palmada no peito de
David, e desta vez ouviu seu gemido de dor— Mas não serei um corpo disponível em
sua cama. Vai e busque uma amante.
Embora os serventes de David não pudessem ouvi-los, observaram com avidez a
cena, e a humilhação feriu seu orgulho, tal como Alisoun pretendia. Em uma amostra de
exasperação, explodiu:
—Bem! Sei onde encontrar dez amantes, e estarão bem desejosas. - Com sorriso
tenso, Alisoun lhe fechou a porta no rosto. Pesaroso, David olhou as mãos, notando mais
que nunca a falta de um de seus dedos. —Bom pelo menos nove amantes.
Capítulo 19
—Homem, pelos dentes de Deus, tem que fazer algo com respeito à lady Alisoun. —
Guy abriu caminho entre a multidão que rodeava David no pátio do castelo— Se não o
fizer, vai me deixar louco.
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David elevou a cabeça e ficou olhando seu mordomo com os olhos injetados em
sangue.
—E por que você teria que se salvar?
Olhando ao redor, Guy viu as expressões zangadas nos rostos de todos os que
trabalhavam no castelo, mas não lhe inspiraram a menor simpatia.
—Supõe-se que ela tem que fiscalizá-los.
Os servos murmuraram, irritados, e Guy os ignorou.
—Mas a guarda não é assunto dela. É minha responsabilidade, e me incomoda que
envie seus dois símios treinados para me ensinar o que já sei.
David lhe deu a razão, com um suspiro.
—Não deveria fazê-lo. Falarei com ela. —Observou aos membros de seu pessoal
doméstico— Falarei com ela a respeito de vocês também.
—Faça meu senhor — disse uma das mulheres— Antes que ela chegasse nos
arrumávamos bastante bem.
David franziu o cenho e pôs um dedo sob o nariz da mulher.
—Bastante bem não é suficiente, e descobri que lady Alisoun sempre tem razão. Se
ela afirmar que há mais coisas que fazer, então trabalharão até que pareçam. Eu não
intervirei mais que para sugerir que dispense aos que provocam dificuldades, e que
ajude aos mais ambiciosos.
A mulher retrocedeu evidentemente assustada.
—Desse modo, trabalharão para um de vós, e não para uma desconhecida de
George's Cross. E inclusive assim, estarão trabalhando para retribuir o alimento que
lady Alisoun subministrou, asseguro-lhes isso. Mesmo assim terão que trabalhar.
Quando se afastou de seus trabalhadores, David não ouviu nenhum som. Tinha lhes
dado o que pensar, e lhe pareceu melhor que refletissem por sua conta. Ao que parecia,
Guy concordava com ele porque ouviu seus passos que se apressavam a alcançá-lo.
—Desta vez, falou como é devido a esses pilantras folgazões — disse Guy—
Estiveram vadiando de propósito.
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—Sei. —David moveu os ombros tentando livrar-se das cãibras provocadas por
dormir no chão do grande salão— Estive esperando a oportunidade de lhes advertir de
que isso aconteceria. Agora advirto a ti também. Se a senhora te apresentar uma
sugestão para melhorar algo, deve escutá-la com mente aberta.
—Tem o cérebro de uma enguia! O que uma mulher sabe de defesas?
—Soube o suficiente para contratar a mim. —Guy se pôs a rir, e David o
empurrou— Você conhece as melhores formas de defesa e, se a escuta, saberá que ela
respeita isso. Mas é tão organizada que não existe operação que ela não possa melhorar.
—Se você diz... Entretanto, asseguro-te que tem seu modo de obter que eu a
respalde.
Desta vez foi David que riu.
—Sim, ela tem isso, e aqui há tantas pessoas não acostumadas a essa eficácia, que
alienou a todos de uma vez.
—Aos criados. A mim. A meus homens. Se não fosse porque Philippa me acalmou
depois de que lady Alisoun saiu da casa do guarda, estaria mais zangado ainda. —Guy
sorriu pela metade— É uma dama encantadora.
—Alisoun?
—Philippa.
—Não é... —David se deu por vencido. Se Guy queria considerar Philippa uma dama,
não lhe incomodava— Por desgraça, Philippa não segue Alisoun a todas as partes,
porque a metade da aldeia esteve se queixando.
Guy esperou e, ao ver que David não continuava, disse:
—E Bert?
—Bert se esconde dela. Só sai para tomar suas aulas de guerreiro, e suspeito que
faça isso só para saber usar uma espada de verdade... Com Alisoun.
—Está treinando-a junto com seu escudeiro, não?
—Com Eudo? Sim, estou treinando-os juntos.
Guy se deteve junto à base das escadas.
—O que ele acha?
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de lã que emergia de seus fusos, enquanto riam e conversavam. Ao vê-lo buscando, uma
delas exclamou:
—Lady Alisoun está no solar, meu senhor.
Sozinha? O coração de David deu um tombo. Por fim a surpreenderia sem esse
grupo que a rodeava constantemente? Não pode lhe falar a sós desde que lhe fechou a
porta do dormitório no rosto, duas semanas atrás.
E suas nove amantes foram insatisfatórias. Queria sua esposa. Desejava-a com
ardor.
Ao princípio, sentiu-se furioso e jurou não falar se ela não o fizesse antes. Mas
Alisoun invalidou seu juramento saudando-o pela manhã com palavras corteses e
sorriso gentil, e David se convenceu de que ela sempre fazia o correto.
Entretanto, dormir com o marido era o correto e, ao que parece, isso não lhe tinha
ocorrido.
O aborrecimento de David se esfumou. Manifestou-se sua vontade de beijarem-se e
reconciliar-se. Alisoun, em troca, só manifestou sua vontade de reconciliar-se. Os beijos
estavam estritamente proibidos, embora fossem os beijos que ele ansiava. Eram beijos
o que lhe roubaria... Se a encontrasse sozinha no solar.
Sacudiu o pó da roupa com a mão. Caminhou pelo lavabo e lavou o rosto e as mãos.
Umedeceu o cabelo e passou os dedos, desejando ter tempo para um banho completo.
Não havia tortura o bastante grande que não suportasse para recuperar a boa vontade
de Alisoun.
Nervoso, cravou a vista na porta aberta do solar até que as risadinhas das donzelas
o fizeram avançar. Levantou a mão para golpear no marco, mas mudou de ideia no
último momento: depois de tudo, estava em sua casa.
Entrou com o sorriso mais encantador no rosto, e comprovou que era afortunado.
Ela estava sentada sobre a cama, de costas a ele, apoiada contra os pés da cama. Para
não lhe dar ocasião de escapar, ansioso de ver nela uma emoção verdadeira,
aproximou-se com sigilo desde atrás e lhe passou os braços pelos ombros.
Ela gritou. Não foi um grito tênue, mas um grito de horror.
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milímetros. Olhou-o com franqueza nos olhos, e seus lábios se aproximaram dos dele
quando protestou— Intervi na preparação da comida para os guardas armados... —
baixou a vista para o ombro dele, como se olhá-lo a perturbasse —... A que horas
deviam comer.
Estavam tão perto, que David acreditava saboreá-la.
—Por que se preocupa?
Ela também o notou. Coloriu-lhe o rosto, lançou-lhe um rápido olhar, e logo falou
outra vez como se dirigindo a seu ombro.
—Me ocorreu que talvez pudéssemos lhes levar a comida das cozinhas, de modo
que não tivessem que preparar eles mesmos nesses braseiros.
— Não explicou isso a ele.
—Sou a senhora. Não dou explicações.
David só podia lhe ver o cocuruto e a abertura da camisa, e o primeiro não podia
competir com o segundo por sua atenção.
—Sempre achei que quando chega uma nova senhora e muda a forma em que
vinham fazendo as coisas ao longo de gerações, há quem poderia resentir-se e não
cooperar como deveriam.
Enquanto pensava, o seio de Alisoun subia e baixava, e David ansiou pesar esses
seios em suas mãos, para ver se tinham crescido.
Então, ela o olhou, e o fez esquecer-se de seu corpo pelo prazer que lhe dava
contemplar seu rosto.
—O que sugere?
—Sabe quem de meus servidores deve dar ordens?
—Sim, claro.
—Suas donzelas trabalhariam para eles?
—Minhas donzelas farão o que eu lhes diga.
—Ao contrário de sua senhora. — Alisoun girou outra vez para frente e reatou a
costura que tinha deixado. —Designa as tarefas a meus serventes, e faz suas donzelas
trabalhar nas filas deles. Diga-lhes que elas sabem como quer que se dirija a casa, e que
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ladies Edlyn e Philippa se ocuparão de vigiar que sigam fazendo as coisas como você
indicar.
—Por que acha que farão caso de lady Edlyn e Philippa se se negam a seguir minhas
ordens?
—Sabem que é a senhora, e que nos salvaste de um mês de fome, pelo menos, até
que possamos recolher nossas colheitas. Mas não lhes agrada que os seus sejam
despojados de autoridade e substituídos por seu pessoal. —elevou os ombros— Penso
que é assim com todas as pessoas do povo.
Alisoun seguiu costurando até chegar ao final da costura, cortou o fio com os dentes,
e disse:
—É um homem inteligente. Eu deveria ter compreendido.
Modesto, David guardou silêncio.
—Contudo, deveria aplicar essa inteligência à educação de sua filha. Não é
apropriada.
David ficou rígido.
—Como?
—É uma menina, e está educando-a como se fosse um varão.
—O que tem de mal com o que os varões fazem?
—Tem sete anos. Não sabe limpar, costurar, fiar nem cozinhar.
—Haverá tempo para que aprenda.
—Agora é o momento para que aprenda.
—Por iria querer aprender? Disse-me abertamente que o trabalho dos homens é
muito mais interessante que o das mulheres.
Alisoun olhou o tecido com ar pesaroso.
—É obvio que tem razão. Limpar uma chaleira não é nem um pouco tão apaixonante
como domar um cavalo selvagem.
David observou como chupava o fio, passava-o pelo buraco da agulha, e começava a
bordar um desenho no pescoço.
—Você gosta de costurar?
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Olhou-o de soslaio.
—Por que pergunta?
—Está sempre o fazendo. Todas as mulheres o fazem constantemente. Eu pensei
que...
—Que o gostássemos? —Alisoun lançou uma brilhante cascata de risadas, e Philippa
e lady Edlyn se uniram a ela— Manter aos habitantes de todo um castelo vestidos,
ocupa todos os momentos disponíveis, pelo resto de minha vida. E também pelo resto
das vidas de meus servidores.
David as olhou assombrado.
—Isso quer dizer que tem que fazer sempre algo que detesta.
—Eu não detesto. —Levando a menina nos braços Philippa se aproximou da mesa—
Nem sempre.
—Eu odeio fiar — disse lady Edlyn hostil, com os braços cruzados sobre o peito.
David se afastou um pouco de Alisoun. O instante de intimidade tinha passado, mas
não lhe importava muito: tinha restabelecido o contato e isso, no momento, era
suficiente.
—E você, Alisoun? —Estendeu os braços à pequena Hazel, e a menina se jogou
neles— Odeia costurar?
—Tento não pensar nisso. —Com gesto decidido, deixou a agulha— Mas está
evitando a pergunta. Bertrade é herdeira. Pelo menos terá Radcliffe como dote.
David pôs Hazel sobre a mesa, e a menina riu ao provar essa nova posição de pé.
Quando aconteceu que Bertrade passou essa etapa tão simples da vida? Quando tinha
passado de ser uma menina cheia de covinhas a ser uma menina cabeça dura?
Sem advertir as preocupações paternais, Alisoun seguiu falando, obrigando-o a
confrontar os fatos.
—Haverá pais que pedirão sua mão em nome de seus filhos, e vão querer desposá-la
aos doze anos. Acaso quer que vá ao seu futuro lar em estado de ignorância, que nunca
possa assumir sua posição como senhora?
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—Não, claro que não quero isso. —Esticou a mandíbula. Guy tinha lhe advertido que
sua lealdade entraria em conflito. O que não lhe advertiu foi que teria que conspirar
contra sua própria filha— Mas aos doze anos é muito pequena para casar-se.
—E aos sete é muito grande para não preparar-se nas tarefas das mulheres.
Deu-se por vencido. Não tinha alternativa.
—Prepara-a, então. —Uma umidade suspeita obscureceu as fraldas de Hazel, e
David disse a Philippa— me dê a roupa, que eu a trocarei. — Philippa tentou negar-se,
mas David não quis lhe ceder o cuidado da pequena. Queria ter à menina nos braços,
tocar sua pele suave, evocar a primeira infância de Bertrade. —Já fiz isso antes. —Olhou
a Alisoun com expressão significativa— E voltarei a fazê-lo.
Alisoun observou sem comentários, o modo possessivo como retinha à menina, mas
não se separou do tema de Bertrade.
—Eu não posso treiná-la: foge.
Unindo as mãos, Alisoun esperou que lhe desse uma solução, mas David se
concentrou em Hazel. Estendeu-a sobre a mesa e desembrulhou a fralda, fazendo
brincadeiras para entretê-la, e disse:
—Desde o começo, Bert esperneava e lutava cada vez que eu a trocava. Esta menina,
em troca, ri e ronrona. Hazel faz o que eu acredito que uma menina pequena deve fazer.
Mas Bert quer mover-se e fazer, e foi assim desde que nasceu. —Hazel meteu o pé na
boca e o mordiscou, enquanto olhava o homem com ar pensativo, convencendo-o de
que entendia tudo o que ele dizia— Não posso imaginara Bert sentada costurando, mas
é boa com a espada. Tão boa quanto pode ser um menino ou uma garota de sete anos.
—Do que serviriam essas artes cavalheirescas a ela? —perguntou Alisoun— Em
meu caso, jamais me serviram para nada.
—Não sei — repôs David— Se soubesse fincar a faca nas costelas de um homem, eu
não teria que interrogar a cada estranho que aparece em minha aldeia. —Desentupiu o
traseiro da menina, passou a fralda molhada a Philippa, e tomando uma seca a deslizou
debaixo de Hazel— Se soubesse fincar a faca em um homem... —repetiu. Uma ideia
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súbita brotou em seu cérebro. Pôs uma mão na barriga de Hazel para evitar que caísse,
e se voltou para Alisoun— Já sei!
—O que?
—Isso é o que pode fazer com Bert: tomar lições com ela.
—O que?
—Pela manhã, vá tomar uma lição de luta junto com Bert.
—Está louco?
—Ao contrário, sou brilhante. Se pudesse ver você aprendendo a fazer algo que ela
já sabe, compreenderia que tem que passar o mesmo processo pelo qual passa todo
mundo para ser competente. Já não acredita que você seja uma... Bom! —inclinou-se
outra vez sobre a pequena— E, entretanto, não acredito que uma mulher em seu estado
deva empreender algo tão novo.
—Não ocorre nada com meu estado. —Disse entre dentes— Mas tampouco sou uma
jovem que tenta escapar do destino. Sou uma mulher que já usa habilidades aprendidas,
e me nego a...
David fez voltar o traseiro da menina para a luz.
—... Pôr-me em evidência só para estabelecer contato com uma moça que deveria
ser mais respeitosa...
—O que é isto que Hazel tem aqui? —Tocou a marca vermelha com o dedo— Parece
uma queimadura.
O silêncio alagou a sala. Ninguém pronunciou uma palavra. David olhou Alisoun no
rosto enquanto esfregava a pele enrugada, e Alisoun contemplava esse dedo com uma
fascinação próxima ao horror. David olhou a Philippa: estava pálida. A única que
conseguiu mover-se foi lady Edlyn, que se aproximou rapidamente dele. Esticando o
pescoço, olhou a mancha e, em um tom aparentemente natural, muito alto, disse:
—Ah, isso, é uma marca de nascimento.
—Marca de nascimento? Parece uma marca vermelha. —Esfregou outra vez a
mancha vermelha— Ao tato também.
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Olhou outra vez para Alisoun que, a sua vez, cravava a vista em lady Edlyn com uma
expressão parecida com perplexidade.
Enquanto isso, Philippa entrou em ação.
—É só uma mancha de nascença.
David não conseguia acreditar nisso.
—Tem uma forma perfeita.
—Eu também tenho uma — disse Philippa, tocando a parte posterior do ombro.
—Uma marca de nascimento que parece... —cravou a vista no traseiro da
pequena—... Um carneiro? —Incrédulo, elevou as sobrancelhas e olhou para Alisoun—
Viu isto?
—Farei — disse.
David não entendeu:
—O que?
—Aprenderei a usar a espada, ou o que seja que você queira que faça.
Alisoun o empurrou a um lado, e terminou de arrumar as fraldas de Hazel.
David observou como Alisoun envolvia rapidamente à pequena no tecido seco, e viu
que ficava pendurando e que cairia assim que alguém elevasse Hazel. Teria apostado
que era a primeira fralda que Alisoun trocava na vida. Mas queria distraí-lo, e ele a
deixaria fazê-lo. Depois de tudo, conseguiu o que queria. À manhã seguinte, a marca
seguiria ali, se ele queria fazer mais perguntas a respeito.
—Vai treinar com Bert? —perguntou-lhe.
—Foi o que eu disse.
Elevou à menina e a entregou a Philippa.
Como David supôs, a fralda deslizou e Philippa a segurou antes que caísse de tudo.
—Obrigado, minha senhora.
Pareceu excessiva gratidão por uma fralda má posta. Mas Alisoun tomou David pelo
braço sem deixá-lo pensar mais, e disse em tom decidido:
—Estarei ali pela manhã.
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Capítulo 20
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ansiando chorar, livrar-se de toda essa água, e não podem. Por algum motivo, retêm-na.
Sua nova mãe é assim. Suas lágrimas são dessas que se guardam dentro, e você sabe o
muito que isso dói.
—Como quando você me deixou aqui, e eu sabia que devia ser valente, mas sentia
muito a sua falta?
—Assim.
Bert pensou, enquanto arranhava o queixo, e logo disse:
—Ela não quer o gato que você lhe deu de presente. Nunca o acaricia nem nada.
Jamais lhe fala. —As linhas da boca desceram— Nunca lhe dá um beijo de boa noite.
David compreendeu que Bert não se referia ao gato. Não lhe importava se o gato
recebia seu beijo de boa noite, e o ego frágil da menina não compreendia o afeto
hesitante de Alisoun. Os intensos sentimentos de Bert demandavam uma mãe que a
abraçasse, beijasse-a, agasalhasse-a na cama, e não que lhe falasse do que era próprio,
de fiar e de banhos. Ajoelhando-se junto a sua filha, David falou escolhendo com
cuidado as palavras.
—Tem medo de amar o gato. Queria tanto ao outro que tem medo de que matem a
este também.
—Isso é uma tolice. Você não vai permitir que ninguém lhe tire o gato e o machuque.
Ninguém igualava a fé que Bert lhe tinha... Nem mesmo Alisoun.
—Ela não me tem confiança.
Bert enlaçou os roliços braços ao pescoço de seu pai.
—Mas você é meu papai!
Abraçando-a forte, David lhe explicou:
—Ela não compreende o que isso significa. Não compreende que eu sou capaz de
fazer tudo para proteger a ela e a ti. Você é minha filha. Ela, minha esposa. Somos uma
família, e nossa família é o mais importante do mundo para mim.
—Tem que dizer-lhe.
—Estou demonstrando-lhe. Deixarei que venha e aprenda as destrezas de um
guerreiro contigo e com Eudo. — Bert ficou sem argumentos, e essa experiência insólita
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Não fazia nenhum favor com suas dúvidas. Alisoun olhou atônita à menina, e disse
em voz tênue:
—Certamente, esse é um bom motivo.
—Sim!
Eudo sorriu. Guy, que ensinava arquería, tinha assegurado a David que o moço
possuía um talento natural. Ainda muito pequeno para ter vantagem na luta corpo a
corpo, Eudo descobriu que o voo musical de uma flecha equiparava suas possibilidades
de vitória, e desfrutava de cada instante que passava com o arco na mão.
—Sim! —exclamou Bert, imitando Eudo.
Tinha seu próprio arco em miniatura, e praticava durante horas, tratando de igualar
as habilidades de seu herói.
—Escudeiros, coloquem os alvos. —David levantou um arco de treinamento e um
alforje com flechas— Eu instruirei lady Alisoun.
Bert cravou os pés na terra e ficou carrancuda.
—Quero que instrua a mim!
Eudo a empurrou para trás.
—Meu senhor nos disse para colocarmos os alvos.
—É meu pai.
—Um bom escudeiro não discute com seu senhor. —Eudo se encaminhou ao abrigo
onde se guardavam as armas de treinamento, e gritou sobre o ombro— As garotas não
podem seguir indicações.
—Eu posso. —Bert correu atrás dele— Eu posso.
—Eudo não gosta que me treine? —perguntou Alisoun.
David lhe deu o arco.
—Segure isto enquanto eu te coloco os amparos do pulso e do dedo. —Sabia que ela
teria que aprender sozinha, mas queria ter a ocasião de tocá-la, de lhe acariciar a pele
com os dedos— Não, não está ressentido contigo, mas com Bert. — Deu um olhar as
crianças, que arrastavam os alvos e discutiam sobre sua localização— Agradará-te
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saber que Eudo tampouco está de acordo com o treinamento de combate para minha
filha.
—Por que acha que isso pode me agradar? —Sua vista não se separava das mãos de
David que colocavam o amparo de couro em seu pulso— Ensinei Eudo a respeitar seu
senhor e a obedecer todas suas ordens.
—Obedece-me.
—Com alegria?
—Não, isso não — admitiu, enquanto colocava a corda do arco— Mas, às vezes, Bert
faz as coisas difíceis. Possivelmente se você... Não, não importa, é uma estupidez.
—O que?
—Sério. —situou-se atrás dela e lhe pôs o arco na mão— Não é nada.
—Meu senhor, eu não penso que suas ideias sejam nada.
Fez uma inspiração profunda quando os braços de David a rodearam.
Tomando a mão, mostrou-lhe como rodear a corda com os dedos.
—Tenho a impressão de que se demonstrasse afeto e respeito a Bert enquanto
trabalhamos aqui, possivelmente Eudo se comportasse do mesmo modo.
—Eu sempre trato com respeito a todas as criaturas de Deus.
David não disse nada.
Com inapetência, Alisoun perguntou:
—Que tipo de afeto?
—Vi que quando elogia Eudo, põe-lhe uma mão no ombro.
—Bert não quer que a toque.
—Porque só a toca para limpá-la. Estou falando de um gesto de reconhecimento.
Alisoun se manteve relaxada no círculo de seus braços enquanto pensava, e logo fez
uma sacudida de cabeça afirmativa.
—Posso fazê-lo.
—E lhe pedir que te conte seus progressos nos estudos.
—Até onde sei, não realiza nenhum estudo. Nunca toma um livro nem aprende as
artes femininas.
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—Sustente no alto! Que a tensão seja mais precisa! Mantenha! —David olhou de
esguelha ao ver que o arco tremia entre as mãos de Alisoun— Agora, solta-a!
Riscando um sulco na terra, a flecha foi aterrissar sobre um arbusto de grama a
menos de um metro e meio diante de Alisoun. Os meninos a olharam, em confuso
silêncio.
David disse a Alisoun.
—Já pode abrir os olhos.
Abriu-os.
—Não me dava conta de que os tinha fechado.
Olhou ansiosa os alvos.
A gargalhada de Bert explodiu com um bufo, e Eudo a sufocou com a mão. Perplexa,
Alisoun os olhou, e logo voltou a olhar os alvos. David lhe fez girar a cabeça para baixo,
até que pôde ver a maltratada e suja flecha.
—Não apontou o bastante alto.
—Ah. —Olhou outra vez aos meninos, que já tinham controlado sua hilaridade— O
farei de novo.
David podia dizer uma coisa de Alisoun: não se rendia facilmente. Houve mais
pontas de flecha mordendo o pó que em toda sua história de treinar escudeiros. Por fim,
disse:
—Por agora, é suficiente. Se não o deixar agora, lhe incharão os pulsos.
—Quase consegui. —Seu queixo adquiriu um ângulo obstinado— Só mais uma.
Colocando o entalhe da flecha, levantou o arco, soltou-a... E voou sobre o campo de
treinamento, sobre o abrigo das armas, e se perdeu de vista.
David, Alisoun e os meninos ficaram imóveis, esperando, duvidando.
Ouviram um grito. Um só grito, e logo nada.
—O que eu fiz? —sussurrou Alisoun.
Uma das cuidadoras de gansos saiu correndo de atrás do abrigo, segurando um
ganso morto pelas patas.
—Quem fez isto? —gritou— Meu melhor reprodutor morto por uma flecha!
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até as espadas gastas como estas mereciam atentos cuidados. Também as de madeira
foram cuidadosamente polidas e se conservavam para que os mais jovens praticassem.
Com mãos reverentes, Bert acariciou uma das lâminas de ferro.
Tomando-a pelo pulso, David disse:
—Será uma boa ideia trabalhar com as espadas. —Pôs uma de madeira na sua
mão— Com esta.
A menina se zangou, sabendo que não ia conseguir o que queria, mas decidida a
tentar.
—Já sou o bastante grande para uma espada de verdade.
—Não é.
—Me deixe provar.
Elevando sua própria espada curta, Eudo disse:
—Um verdadeiro escudeiro não roga como uma menina.
As orelhas de Bert se coloriram, e David via as pontas que se sobressaíam do cabelo
massacrado. E a menina fechou a boca de repente. David se dirigiu a Alisoun.
—Você também começará com a espada de madeira.
Bert viu a oportunidade de descarregar sua frustração em outra pessoa.
—Não lhe fará elevar a espada escocesa?
—Hoje não. —David disse a Alisoun— Segura o punho com ambas as mãos...
—Me fez levantar a espada larga primeiro — disse Bert com voz cantarina—
Sempre faz que os novos levantem essa espada.
Zangado, David repôs:
—Não, Bert.
— O que tem de entretido em levantar essa espada larga? - Alisoun acariciou o
punho da folha maior.
Bert fez uma careta.
— Alguma vez levantou uma?
— É tão menina — disse Eudo, com evidente desgosto.
— Ela não vai levantar uma espada escocesa — insistiu David.
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—Acha... —David deu uma olhada aos meninos e baixou a voz—... Que a criança foi
machucada?
—Acredito que a criança está mais fofa que eu — respondeu no mesmo tom baixo, e
esfregou o cóccix.
Uma voz miúda os interrompeu:
—Sinto muito. — David não girou a cabeça, mas Alisoun sim. —Papai, realmente
sinto muito. Não sabia que cairia tão forte.
Pela primeira vez, David se sentiu furioso com sua filha. Conservando com muita
dificuldade um tom civilizado, disse-lhe:
—Bert, não me peça perdão. Peça a sua madrasta. É ela a que se machucou.
—Rogo que me perdoe minha senhora. —Bert continha as lágrimas— Não quis lhe
fazer mal.
—Só estou machucada, Bertrade, e é obvio perdoo-te. —Passando sobre o ombro de
David, aplaudiu a cabeça da menina, e nesta ocasião lhe resultou fácil— A final de
contas, em boa parte é culpa de seu pai.
—Minha culpa? —David se tornou atrás— Por quê?
—Não é essa a brincadeira que gasta a todos os escudeiros?
Tentando ser equitativo, David proclamou:
—Dá-lhes uma ideia de quanto têm que trabalhar para ser nomeados cavalheiros.
—Me parece cruel.
David teve vontade de retorcer-se.
—Por que sua filha não ia querer que eu brindasse o mesmo entretenimento que
brindaram outros escudeiros? —Moveu a cabeça, com expressão reprovadora— David
temo que você tenha que aceitar o mérito disto. E agora, me ajude a levantar-me e nos
poremos a trabalhar.
Quando ele se converteu no que precisava receber ensinos? Tentando recuperar o
controle da prática, David disse:
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—Agora, praticaremos com facas. —Bert começou a protestar, e a olhou até que
fechou a boca, e logo acrescentou— O mais provável é que seja sua mais adequada
forma de defesa, minha senhora.
Eudo levou as espadas, enquanto Bert tirava as facas de madeira e os punha sobre a
mesa sem tocá-las e sem pedir para tocar as folhas verdadeiras, com seus agudos fios.
Os dois meninos fizeram ornamento de seu melhor comportamento, sem dúvida porque
sabiam que David tinha chegado ao seu limite.
Admitiu com pesar que tinha chegado muito rápido. Se tivesse compartilhado com
regularidade a cama de Alisoun, talvez houvesse se sentido o bastante seguro para
escutar suas recriminações sem ficar na defensiva.
Bert o puxou pela borda da túnica:
—Usarei a folha de madeira, papai.
—Bem.
O pai assentiu.
A mão de Eudo revoou sobre os punhos.
—Meu senhor, que folha quer que lady Alisoun use?
—A mais leve — respondeu David.
Eudo a estendeu a Alisoun tomando-a pela folha, e a dama a recebeu com um
gracioso sorriso.
—Foi muito bondoso ao permitir que eu interrompesse sua verdadeira instrução.
Bert se meteu entre eles.
—Também é minha verdadeira instrução. — Eudo pôs os olhos em branco. Sem
olhá-lo sequer, Bert insistiu — Bom claro que é!
—É mais duro do que eu esperava. —Alisoun embalou a faca nas palmas— Deve
estar muito orgulhosa de suas habilidades.
Inveteradamente sincera, Bert não pôde menos que admitir:
—Ainda não sou boa, mas sou melhor do que era. Já verá. Você também progredirá.
Algo se afrouxou dentro de David. Talvez a sessão de treinamento tenha sido
lamentável, mas sua intuição foi certa: Bert falava com Alisoun. Via-a como uma pessoa
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que tinha que aprender, crescer, alguém a que fazia muito esforço para obter sua
aparente perfeição, e que estava disposta a aprender com aqueles que sabiam mais que
ela... Até com Bert.
David puxou uma das tranças soltas de Alisoun fazendo-a voltar-se para ele.
—Bert é uma de minhas melhores alunas, e com o engenho de Eudo, será o novo
cavalheiro legendário da Inglaterra.
Eudo se ruborizou, Bert sorriu e Alisoun gesticulou entusiasmada, com a faca:
—Longa vida a Bert e Eudo!
De repente, o extremo de sua trança ficou pendurada nas mãos de David.
David ficou olhando-a. Logo, olhou a trança, que foi cortada em vários centímetros.
Olhou à boquiaberta Bert, a Eudo com os olhos dilatados e, por fim, a Alisoun, muito
estupefata para falar ou mover-se.
O instante se congelou no tempo.
Um som leve rompeu a paralisia. Alisoun se afogava.
—Não chore — lhe rogou David, tirando a adaga da mão.
Afogou-se outra vez.
Bert enroscou uma de suas mechas mutiladas em um dedo.
—Voltará a crescer.
—Não é tão mau, minha senhora — disse Eudo— Ainda fica muito cabelo.
Alisoun riu. Não muito forte, mas riu.
Depois de um momento, Bert seguiu-a, e logo Eudo.
Sorrindo aos seus três guerreiros, David meneou a cabeça.
—Até agora nunca tinha fracassado com um escudeiro.
Alisoun riu de novo. Bert, rindo, apoiou-se contra ela, e Eudo ficou sério, até que seu
rosto voltou a crispar-se em uma nova explosão de hilaridade. Quando Alisoun se
recuperou, estendeu-lhe a outra trança:
—Bem poderia cortar esta também.
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David tomou, enquanto ela levantava o cabelo cortado para o outro lado. A corda
que o segurava tinha desaparecido, cortado pela faca, e a trança se desfazia em grandes
ondas pesadas.
David mediu uma com outra, e logo as igualou com um talho limpo.
Alisoun elevou o rosto para ele, com o sorriso ainda lhe tremendo nos lábios.
—Desculpo-me por ter sido uma aprendiz tão difícil.
O esforço, as risadas, o companheirismo, tinham apagado a rigidez de seu rosto,
deixando-a aberta para que David pudesse lê-la. Ou ele estava se tornando mais perito
em decifrar os pensamentos dela?
—Uma discípula difícil, sim. E para que vá com uma lição útil, me deixe que te fale
da adaga. — Tomando uma das facas de madeira — já não queria correr riscos com as
de verdade— ia apontando a distintas partes do corpo dela à medida que falava. —Se
precisa te defender ou atacar a outro, aponta aos olhos, a garganta ou as tripas.
—Não ao coração?
—O coração é o melhor ponto, mas o mais provável é que dê nas costelas, e em
minha opinião, para ti o melhor é o menos difícil.
Desta vez, Eudo riu sem conter-se, e quando David olhou ao redor, viu que os
meninos os observavam com as cabeças inclinadas, os olhos brilhantes de interesse.
—Mamãe, virá amanhã para praticar outra vez conosco? - Embora Bert falasse com
certa fibra de culpa, David teve vontade de apertar o coração e de gritar de alegria ao
mesmo tempo. Alisoun conseguiu conquistar sua filha sem sequer tentar, e duvidava
que ela soubesse como o tinha obtido.
Sim sabia o bastante para não demonstrar surpresa por seu novo título.
—No castelo há muitas coisas que exigem minha atenção, e temo que não tenha
tempo para praticar estas habilidades tanto quanto preciso. —Suspirou— Se tivesse
mais ajuda...
Eudo se adiantou.
—Um escudeiro deve conhecer todo tipo de coisas em um castelo, e por isso me
sentirei honrado de que você me ensine tudo o que sabe.
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—Sim, esse sou eu: o mercenário famoso, que brigou contra o dragão e ganhou.
—Acho que está se confundindo com são Jorge — respondeu séria— Mas, sério, com
a prática que tem feito em George's Cross e sua experiência, apostaria a que, no
presente, é o melhor mercenário da Inglaterra.
—Viu o jardim de ervas?
Abriu a cancela e a convidou a entrar com um gesto.
—Sim. —Alisoun entrou— Está muito bem cuidado.
David titubeou. Não queria entrar com ela no jardim. Menos agora, quando o cabelo
lhe pendurava solto, pelas costas. Quando o bom humor lhe suavizava a curva da boca.
Mas ela seguia falando, e não se atrevia a cortar a comunicação, depois de tantos dias e
noites onde só existiu conversa cortês.
—Já não crê que é o melhor mercenário?
David entrou e deixou a porta aberta atrás dele.
—Não. Já não. —Alisoun abriu a boca para discutir, mas ele negou com a cabeça—
Para ser lutador precisa muito mais que destreza, força e experiência. Nunca mais
combaterei como o fazia antes, porque perdi a vontade de matar.
Alisoun tinha se inclinado para partir um ramo de hortelã e, ao ouvi-lo, levantou a
vista.
—Sério?
Apoiado na parede, David a via arrancar folhas e cheirar.
—A batalha é jogo de homens jovens e só aqueles que não respeitam a morte podem
enfrentá-la com equanimidade.
Alisoun provou a hortelã, e ele quase a saboreou junto com ela.
—E agora respeita a morte?
—Vi a dor que pode causar. Perdi a camaradas queridos por motivos tão fúteis
quanto outro cavalheiro do circuito cobiçava sua armadura e se entregou com muito
entusiasmo à refrega. — O suave gemido de simpatia o consolou, e se aproximou dela.
—Agora tenho muito que perder. Tenho uma esposa e um filho... Dois filhos! —corrigiu-
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se, e a mulher se acariciou a barriga— Penso que há melhores maneiras de reter o que
ganhei que lutar até ficar coberto de sangue.
—É por isso que se casou comigo?
Afastou-se enquanto formulava a pergunta em tom desinteressado, como se a
resposta não lhe importasse para nada.
David suspeitava —tinha a esperança— de que lhe importava. Soube que teria que
escolher as palavras, cuidando para não assustá-la com emoções desmedidas ou com
algo inferior ao bom sentido.
E, entretanto, falou com o coração.
—Senti que te devia amparo, mas o que te devia e o que queria te dar eram duas
coisas diferentes. Devia-te segurança.
Alisoun se deteve. David se deteve. Como não concluiu lhe perguntou:
—O que queria me dar?
—Amor.
—Amor? —Girou sobre si e lhe cravou a vista— Amor? Isso não é mais que uma
estupidez romântica. O amor não existe!
—Eu sempre pensei o mesmo. —Deu um passo comprido e se deteve junto a ela—
Mas jamais pensei que existia alguém como você.
—Primeiro me diz que decidiu ser o tipo de guerreiro cuja sensatez o converte em
um companheiro desejável, e eu acredito que lhe posso contar tudo isso e entenderá. E
logo diz algo tão louco como...
David lhe apertou os braços.
—Me conte.
—Não posso.
—Me conte.
—Não posso, porque não é meu segredo.
—Mas é você quem está em perigo.
Os olhos da mulher se encheram de lágrimas e moveu os lábios, mas não pôde
emitir nenhum som.
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onde. Foi a algum amante? Está em um de seus outros castelos? Enviaste-a a França? —
Alisoun tratou de sacudir a cabeça. —A ignorância é perigosa, Alisoun, ao menos neste
caso. Framlingford é perigoso. Ao menos me diga onde está ela, para que eu possa...
—Enviá-la de volta?
—Tem má opinião de mim, né? —Não lhe deu oportunidade de replicar— Eu tenho
amigos, e te asseguro que Framlingford não os conhece. Se eu pudesse enviá-la com
eles, ele jamais a acharia, e você ficaria ignorante de todo conhecimento a respeito de
seu paradeiro.
—Como conseguirá que com isso deixe de me perseguir? —Queimou-o com a
fogueira de sua frustração— Ele não estará contente até que me faça sofrer como fez
sofrer... A minha amiga.
—Eu não permitirei que te faça mal.
—Como vai impedir se diz que já não gosta de matar?
—Bom, mas ao Osbern sim.
Pálida de desgosto, perguntou-lhe:
— Sabe que matou a um dos pajens confiados a seu cuidado?
—Ouvi sobre isso. —David não permitiria que sua compaixão pelo moço morto o
desviasse de seu propósito. Precisava proteger Alisoun e a todos os que estavam
relacionados com ela, e por isso disse— O moço não tinha relações... Osbern manipula
sua crueldade como um esporte a sangue frio.
—Um esporte. —Alisoun assentiu— Sim.
—Você tem relações. Podemos ir ver o rei e...
—Philippa é uma herdeira. O rei a casou com Osbern. Se o rei soubesse que eu a
ajudei a escapar de seu marido, me...
—Philippa? — Alisoun levou a mão à boca. —Disse Philippa? —Sentiu que a raiva
percorria seu corpo como um vento frio, lhe congelando o sangue e subindo de ponto
seu terror— Pelo corpo de Cristo, e agora ela está neste castelo?
Agarrando-lhe o braço, Alisoun lhe disse:
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—Tinha que tê-la comigo. A menina acabava de nascer, e não me atrevi a submetê-la
a uma viagem longa.
David seguia sem captar todo o alcance da traição de Alisoun.
—Ela está aqui? Jamais a afastou de ti?
—Ninguém suspeitava que ela fosse outra coisa que uma prima pobre com sua filha
ilegítima.
—Em meu próprio castelo. Estou escondendo à esposa de Osbern em meu próprio
castelo.
Fechou os olhos, afligido pela imensidão do desastre.
—Osbern vigiava George's Cross. Eu tinha medo de enviá-la a qualquer lugar porque
temi que a apanhasse.
—É óbvio que suspeitava, porque abriu essa tumba.
—Ele sabia o quanto eu o desprezava. Uma vez, quebrou as duas pernas de minha
amiga. —Sacudiu-o com força— Foi essa vez quando a deixou grávida.
A dor retorceu as vísceras de David. Sim, ele conhecia Osbern. Desprezava-o. Mas
tinha uma filha, e uma esposa que levava em si o filho de ambos. Osbern sabia que sua
esposa estava viva em algum lugar, e ele jamais cederia até lhe pôr a mão em cima outra
vez. Alisoun tinha recuperado certa calma. Sabia o que seria preciso fazer, mas era
incapaz de compreender o perigo.
—Prometi que manteria Philippa e à menina a salvo, e com sua ajuda poderei fazê-
lo.
—Não me deu alternativa.
Alisoun o envolveu em um abraço.
—Logo compreenderá que é a única atitude justa. Sei que entenderá.
Mas se equivocava. David jamais compreenderia. Menos ainda quando ao sair do
jardim de ervas ouviram a saudação dos visitantes que estavam ao outro lado da ponte
levadiça.
—Osbern, duque de Framlingford, que vem visitar seu querido amigo, sir David de
Radcliffe.
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Christina Dodd Série Cavalheiros 1 Amor No Castelo
Capítulo 21
Vivi toda minha vida em castelos, e nunca soube como começa. E, entretanto vi
acontecer muitas vezes: os rumores relacionados com o senhor e a senhora viajam a
velocidade de uma maré primaveril. E aquele dia não foi à exceção.
Momentos depois do desaparecimento de sir David e lady Alisoun no jardim de
ervas, todos sabiam que algo importante tinha ocorrido no campo de treinamento. De
algum modo, o senhor e a senhora tinham chegado a um acordo. Uma vez mais, as
chuvas nutririam os semeados, os servos já não brigariam mais... E os recém casados
voltariam a compartilhar o leito.
Admito que talvez eu tenha algo que ver com a difusão daquele rumor, e não por
algo que falei, mas sim por minhas ações. Foi algo insignificante: tomei uma maçã de
uma árvore e a dei a Bert. Vendo sir David e lady Alisoun, parte de minha intolerância
adolescente para com as meninas embromeiras e pegajosas se abrandou e a metade das
pessoas do castelo que tinha encontrado alguma desculpa para entreter-se observando
o jardim perceberam.
Por isso, quando chegou à chamada do outro lado da porta de entrada, anunciando
que o duque de Framlingford pedia permissão para entrar, todos se zangaram. E nem
tanto porque soubessem que tinha um caráter desagradável. Todos sabiam quem era;
sua reputação era conhecida em toda a Inglaterra. Mas era um homem muito altivo para
incomodar-se com os servidores de lady Alisoun, e Radcliffe jamais tinha tido a
suficiente importância para receber visitas, até então. E, entretanto, ali estava, no
preciso momento em que queríamos que o senhor e a senhora tivessem uma
oportunidade de consolidar a paz entre eles.
312
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E em troca, sir David saiu com lady Alisoun do jardim como um pai furioso com o
mau comportamento de seu filho. A senhora tentou soltar-se, mas ele pôs-se a andar
mais rápido e, quando a senhora me chamou , tive que correr para alcançá-los.
Agarrou-me e me arrastou com eles.
—Vai ao interior do castelo — me disse— diga a minhas donzelas que chegou
Osbern, duque de Framlingford. Se assegure de que todas fiquem sabendo, e lhes diga
que preparem um banquete digno de nosso honrado visitante.
Seu tom era premente. Sir David estava sombrio. Eu assenti e saí correndo.
Bert correu comigo.
"Por que agora?", pensava Alisoun, desesperada. Necessitava de tempo para que
David se acostumasse com a ideia de quem Philippa era na realidade, e não tinha. O
portão aberto e a ponte levadiça baixa deixavam a via aberta para qualquer que
decidisse entrar em Radcliffe durante as horas do dia, mas Osbern, com um floreio
cortês, esperava fora que lhe outorgassem permissão. O que podiam fazer? Tinham que
deixá-lo entrar, lhe brindar hospitalidade, e fingir que nada aconteceu.
A ocultação a fazia sentir-se mau. Parecia-lhe injusto pedir a David que a
compartilhasse, e a julgar pelo cenho que levava, ele se sentia do mesmo modo. Em tom
baixo, humilde, disse-lhe:
—David?
David avançou para o portão, e não a olhou. Não pareceu ter captado o rogo em sua
voz de maneira nenhuma.
—Temos que receber o nosso hóspede.
—Rogo-lhe isso, David...
Deteve-se e a olhou de frente. Apertava-lhe com força o braço. O negro de suas
pupilas tinha devorado toda a ternura de seus olhos. Quando falou, sua voz chiou como
se passasse sobre pedras brutas.
—Não farei nada. Você assumiu a responsabilidade quando trouxe Philippa a meu
castelo, e por isso eu me limitarei a esperar que o desastre não se abata sobre nós. —
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Avançando outra vez, arrastou-a atrás dele— Mas quando Osbern partir, você e eu
falaremos.
Alisoun só teve um momento para compreender que tinha subestimado a
intensidade da fúria dele, e depois seus pés golpearam com ruído oco sobre as pranchas
da ponte.
—Senhor! —David saudou a pequena comitiva de homens a cavalo que esperavam
no caminho— Bem-vindos a Radcliffe.
O rosto de Osbern se iluminou a vista de seus anfitriões, e Alisoun teve que fechar os
olhos ante a onda de fúria e angústia que a invadiu.
Com seu liso cabelo negro e seus olhos faiscantes, Osbern era a encarnação da
beleza masculina. A pelagem de seu cavalo igualava a cor de seu cabelo, e o fundo de seu
brasão igualava ao de seu cavalo. Movia-se com azeitada fluidez, e se mantinha em
ótima condição de briga. Em síntese, parecia o cavalheiro perfeito.
Ele e seu escudeiro se separaram de seus homens para aproximar-se ante Alisoun e
David. Osbern desmontou e se adiantou para lhes estreitar as mãos.
—É certo o que se diz? —perguntou— Estão casados?
—Lady Alisoun me concedeu a graça de aceitar converter-se em minha esposa —
respondeu David, amável.
Os dedos de Osbern apertaram a mão de Alisoun até lhe provocar incômodo.
—É um homem afortunado — disse a David.
—A fortuna não teve nada a ver com isso. —David sorriu com fingida comodidade—
O que acontece é que fui o melhor pretendente.
Osbern estalou em sonoras gargalhadas, jogando a cabeça atrás.
—Nada de falsa modéstia, né?
—Nem a mais mínima. —David se livrou do apertão de Osbern e assinalou o
portão— Mas entrem, e tomem algum refresco. Não acontece com frequência que
Radcliffe receba um hóspede tão honrado como o duque de Framlingford.
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—Será melhor que se habituem sir David. —Agora, apertava os dedos de Alisoun até
lhe fazer machucar— Com lady Alisoun como esposa, o próprio rei encabeçará a
marcha.
David tomou a mão livre de Alisoun e a beijou.
—Sim, casei-me com um tesouro nacional.
—Isso é o que têm. —Osbern beijou a mão que retinha, e em um tom para que só ela
o ouvisse, disse— Mas que frios tem os dedos... E em um dia de verão como este...
Soltou-a, aproximou-se de David e ombro a ombro entraram no pátio, deixando
Alisoun com a vista cravada em suas costas.
De modo que assim era como se comportavam os homens. Enganosa cortesia,
falsidades sorridentes, camaradagem viril, e sob tudo isso, o que atormentava a todos. A
certeza da existência de Philippa.
Teria Eudo informado Philippa da aparição de Osbern? Alisoun caminhou em amplo
círculo ao redor de David, Osbern e o estábulo, que parecia ter captado a atenção dos
homens. Abrigou a esperança de que se entretivessem olhando os cavalos enquanto ela
entrava no castelo e tomava a precaução de ocultar Philippa.
Ouviu atrás dela o ressonar dos cascos dos cavalos quando os cavalheiros de Osbern
cruzaram a ponte, e logo o tinido dos arreios quando entravam no pátio. Soavam como
se estivessem aproximando-se dela. Até como se estivessem perseguindo-a. Olhou
atrás.
Teve a impressão de que os cavalos iriam pisá-la. Atônita, deteve-se e os olhou. Os
cavalos seguiram movendo-se. Sob os cascos, os armados cavalheiros sorriam.
Então, Osbern gritou:
—Roger!
Os cavalheiros se detiveram, e o que levava a dianteira desmontou. Caminhou para
Alisoun com a mão sobre a espada. David correu para eles.
—Roger! —voltou a gritar Osbern.
Levantando as mãos, o cavalheiro tirou o capacete e sorriu, com seu único dente
faiscando a luz.
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Não viu Philippa em nenhum lugar. Que Deus fosse louvado: Philippa tinha se
evaporado. Alisoun perguntou bruscamente:
—Senhor, o que lhe traz a Radcliffe, tão longe do rei?
Era grosseiro perguntar o motivo da visita antes que se alimentasse, mas ela tinha
fama de fria. Que lhe servisse de algo nesse momento.
Como era de esperar, Osbern se limitou a rir entre dentes e, empurrando-a,
caminhou junto a ela dirigindo-se para o fogo. Deixando vagar suas largas vistas pelo
salão, jogou no chão a capa e as luvas e não prestou a menor atenção às criadas que se
apressaram a recolhê-los. Sua voz retumbou:
—Detecto em seu lar a boa mão de lady Alisoun, sir David.
David também caminhou junto a ela.
—Em efeito, Osbern. Pendurou tapeçarias a primeira manhã que chegou, e após
esteve atarefada.
Alisoun admitia que o grande salão tivesse um aspecto mais impressionante. Essa
mesma manhã tinha posto um dos artesãos de David a trabalhar no muro que havia
atrás da plataforma. Sob a direção de Philippa, o homem pintou sobre o vermelho linhas
brancas que fingiam ser blocos de pedras, e em cada um tinha desenhado uma flor.
Philippa o fiscalizou. Aonde teria ido?
—Uma magnífica mulher, e melhor agora que tem um homem que a guie.
Osbern observou Alisoun, que avançava pelo imenso recinto. Alisoun o ouviu
perfeitamente. Como não ia ouvi-lo, se ele projetou a voz para que chegasse a ela?
Perguntou:
—Sir David, você a guiará, não é assim?
—Descobri que lady Alisoun necessita muito pouca guia — respondeu David— Sua
sabedoria é famosa em todo o país.
—Sua sabedoria, como em todas as mulheres, está coberta pela emoção.
David dilatou os olhos.
—Está dizendo que minha senhora é emotiva?
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Depois de aceitar a taça de cerveja que Eudo lhe tinha servido, Osbern bebeu e logo
respondeu:
—Lady Alisoun não manifesta suas emoções como as demais mulheres, mas
acredito que as tem, e que são profundas.
Um calafrio correu pelas costas de Alisoun.
Osbern contemplou o interior de sua taça como se em suas profundidades pudesse
ler a verdade.
—Nada pode mudar o curso de suas emoções. Nem as ordens de um simples
homem, nem as do rei, nem as de Deus. É uma inimizade sonhada, porque se lhe odeia,
o odiará até ter lhe apagado da superfície da terra. —Olhou-a, com os olhos
brilhantes— Assim como seria capaz de sacrificar tudo por uma boa amiga.
Controlando sua expressão, Alisoun disse:
—Você vê algo que não existe senhor.
—Verdade? Pode ser. —Osbern percorreu a borda da taça com seu comprido dedo,
e seus numerosos anéis faiscaram com a luz do fogo— Mesmo assim, penso que um
marido lhe será útil. A final de contas, o homem que se casou com você teria lavrado sua
posição com sigilo e atrevimento, com valentia e audácia. E não iria querer perder, por
nenhum motivo, o fruto de seus esforços.
Osbern sempre sabia onde atirar o golpe certeiro. Burlava-se dela porque tinha sido
enganada, induzida a casar-se por um mestre, e só por sua fortuna. Insinuava a David
que o complô de sua esposa para proteger Philippa poderia lhe conduzir a perda dessa
fortuna.
Philippa. Alisoun tinha que controlar-se, pelo bem de Philippa.
—Ainda não nos disse por que está aqui.
—Ah. Moço me ajude a tirar a armadura. —Eudo acudiu imediatamente em ajuda de
Osbern, enquanto ele continuava— Tinha o capricho de viajar pelo campo, e me
encontrei em George's Cross com minha tropa. Ali descobri uma interessante situação.
Sir Walter estava de cama, muito golpeado, aconselhando a esse jovem... Como se
chama?
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Alisoun lhe indicou o lugar onde tinham posto o sal, e Osbern o ocupou com a graça
de quem está acostumado a que ninguém o preceda no lugar de honra.
—Papai?
A voz de Bertrade fez Alisoun perder a frágil compostura. O que diria Osbern ao ver
o extravagante traje de sua enteada, e seu comportamento? Como se burlaria dela?
Sir David sorriu:
—Bertrade, que encantadora está.
A menina subiu à plataforma, aproximou-se do pai, colocou sua mão na dele, e
Alisoun deu à menina um rápido olhar. Então olhou de novo, com atenção, e a cabeça,
deu voltas do alívio.
Bertrade tinha lavado e escovado o cabelo. Tinha posto um vestido. Parecia uma
menina, e sorria a Alisoun de um modo que recordava a David em sua atitude mais
maliciosa.
Alisoun lhe devolveu o sorriso, e então advertiu a presença de lady Edlyn, que
aparecia no fundo. Alisoun adivinhou que ela tinha ajudado à menina e a moça sorriu
com gravidade quando lhe agradeceu movendo os lábios.
Osbern disse:
—Têm uma filha! Sir David, uma filha. Que encantadora.
Algo em seu tom, em seu evidente prazer, revolveu o estômago de Alisoun, e o
sorriso de David se desvaneceu. Bertrade, que observava Osbern com seu olhar
penetrante, fez-lhe uma reverência, e depois foi ocupar seu lugar entre lady Edlyn e
Guy.
A partir desse momento, Osbern ignorou Bertrade, mas Alisoun estava segura de
que não tinha esquecido sua existência... E David tinha recordado a vulnerabilidade de
sua filha.
Os servidores levaram a comida, sentaram-se e o jantar começou em um clima de
cordialidade.
Falsa cordialidade. Alisoun estava tensa, por Philippa. Osbern vigiava Alisoun. E
David comia com toda a aparência de ser dono de si mesmo.
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—Por que não deixa que seus cães o comam? —perguntou Osbern.
Com sua vozinha melodiosa, Bertrade disse:
—Minha nova mamãe não quer que dê comida aos cães durante as refeições. Diz
que não é civilizado.
—Sério? —disse Osbern, arrastando as palavras— E lhe agradam as regras que sua
nova mamãe impõe?
Bertrade o inspecionou com a confiança de qualquer criança que se sabe bem
amada.
—Não de todas, mas meu papai diz que devemos agradá-la até que se esqueça.
Uma onda de gargalhadas percorreu o salão, e Alisoun deu um breve olhar a David.
Prodigalizando esse agradável sorriso cheio de dentes, Osbern disse:
—Sir David já vejo que têm tato para dirigir lady Alisoun.
—Há poucas esperanças de fazer isso... —olhou a sua filha—... Agora.
—Acredito que eu sabia que lady Alisoun proibia dar de comer aos cães durante as
comidas. —Osbern limpou a faca e a meteu no cinturão, dando a entender que tinha
finalizado a comida— O jovem Hugh me contou isso quando visitei George's Cross.
O pajem que recolhia as bandejas sujas de molho para os pobres chegou com seu
grande recipiente e o sustentou ante Osbern.
—Sua esposa converteu este lugar em um lar.
Osbern levantou a bandeja de pão onde tinham lhe servido o guisado. Pesava muito,
embebida em molho, e a jogou a um dos grandes cachorros que havia no fundo do salão.
Ao ver que os outros cães se equilibravam, tentando obter sua parte, Alisoun se
encolheu. Seus grunhidos quebraram o tom amável da conversa, e o desprezo de
Osbern para seus anfitriões e para as regras da proprietária da casa provocou um
incômodo silêncio.
—Eu não gosto desse homem — a voz de Bertrade ressonou através de todo o salão,
e lady Edlyn a fez calar.
Osbern não pareceu captar.
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—Hugh me falou muito de você, lady Allisoun. Talvez conviesse lhe advertir que
nem todos os visitantes têm intenções benévolas, e que não deveriam revelar certos
segredos que preferiria manter ocultos.
Hugh, claro. Sabia muito de combate e quase nada a respeito das pessoas, e Osbern
pôde ter guiado a conversa como desejava. Hugh teria mencionado Philippa?
Perguntou-se Alisoun.
—Sim, sir David, como o invejo. Têm uma filha inteligente, uma esposa perfeita,
muitas casas, gente que o ama.
Hugh a tinha entregado. Sim, isso explicava a súbita visita de Osbern e as ameaças
que foram fazendo-se mais audazes. Cravava as flechas da dúvida e do medo, acertando
no coração de David.
Enquanto o sujeito falava, os serventes e escudeiros de David e de Alisoun se
olhavam entre si, aos seus pratos ou ao chão. O tom ameaçador era muito evidente, e
todos compreendiam bem que o poder de Osbern podia voltar-se contra eles.
—Muita gente depende de você, sir David. —Osbern acariciou a mão de Alisoun
antes que ela conseguisse arrebatar-lhe. — O que lhes aconteceria se lhes desafiassem a
combate e morresse? O que lhes aconteceria se alguém descobrisse que abrigas uma
fugitiva, desafiando as leis de Deus e do rei? Estremeço-me ao pensar...
Uma difusa figura solitária apareceu na sombreada entrada do solar e, antes que
Alisoun pudesse mover-se, Philippa disse:
—Aqui estou Osbern.
Capítulo 22
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—Queridíssima!
Alisoun avançou para interpor-se, mas ele saltou a mesa.
David a segurou pelo braço.
—Deixa-o ir.
—Vai machucá-la.
—Agora não.
Depois de uma breve vacilação, Philippa abraçou Osbern e afundou o rosto em seu
peito.
Guy correu junto a eles.
—O que está acontecendo?
—Não vê? —perguntou David— Osbern achou sua esposa, que perdeu faz muito
tempo.
—Philippa? —Guy empalideceu— Philippa está casada com esse caipira?
David assentiu.
—Assim parece.
A voz de Guy era tão constrangida que dava a impressão de que alguém estava
estrangulando-o.
—Temos que resgatá-la.
—Ela saiu por sua própria vontade — disse David.
—Minha esposa! —Osbern fez Philippa girar para o grande salão, e enxugou uma
lágrima— A esposa que acreditei morta retornou a mim. É um milagre. Um milagre!
Os homens de Osbern lançaram vivas e no rosto de Philippa se desenhou um sorriso
trêmulo.
—Por isso falava em voz tão alta — disse Alisoun— Sabia que ela estava escondida
em algum lugar.
—É provável. —Tentou aproximar-se deles de novo, mas David a reteve com tanta
força que a machucou— Mas ela tomou sua decisão.
—Claro que saiu. —A indignação de Alisoun era tanta que lhe custava falar— É
minha amiga, e ele nos ameaçou.
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—Morreu Osbern. —Os olhos de Philippa brilhavam de lágrimas, mas sua voz soou
forte e sincera— Estava desmamando-a, contagiou-se de uma febre, e... E morreu.
—Esta foi uma febre de verdade? —Osbern viu David e esporeou seu cavalo, que
empreendeu um breve galope, e logo o freou de repente diante da escadaria— Minha
esposa recuperada diz que nossa filha morreu. Diga-me, sir David, é certo?
Enquanto olhava fixamente Osbern, tão cheio de si mesmo e com tal ar de triunfo, e
a sua esposa suplicante, contrita, que a David pareceu que o sol se apagou. Com firmeza,
sem um pingo de hesitação, mentiu:
—Sua filha morreu faz duas semanas. Todos choraram sua morte. - Embora nada
parecesse mudar em Philippa, David sentiu sua gratidão como uma recriminação.
—Realmente, é uma pena. —Os olhos de Osbern faiscaram— Mas essa menina era
pequena, e não era mais que uma menina. Sempre poderemos fazer outro filho.
Philippa se encolheu.
Sacudindo-lhe o ombro, Osbern insistiu:
—Não é certo que podemos Philippa?
A mulher respondeu obediente:
—Naturalmente que sim, meu senhor.
—Não duvide de ter feito o correto, sir David. —Osbern elevou a mão como
saudação e, nesse momento, David o viu. Um anel de ouro, um comprido ovalóide com o
timbre da casa Osbern gravado no metal.
Um carneiro. David sabia que o símbolo do duque de Framlingford era um carneiro.
Cravou a vista no anel, e o amarelo intenso do ouro gravou a fogo no cérebro.
Osbern se afastou com seu cavalo, e seus homens o seguiram. O pátio ficou de novo
em silêncio.
E David seguia vendo o anel.
Mediu o fecho, abriu a porta e entrou a tombos no castelo. O corredor para o grande
salão lhe pareceu mais escuro que de costume. O ruído que faziam os criados limpando
os restos do jantar parecia longínquo e estranho.
Esse anel. Esse maldito anel.
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Nem o próprio Osbern poderia ter feito isso a uma criança. A uma recém-nascida.
Hazel não tinha um mês ainda quando Philippa fugiu dele. E Philippa, essa mãe amante,
tinha abandonado sua filha para ir com o marido. Que outro motivo podia ter tido, se
não fosse o de proteger sua filhinha?
As pedras lhe raspavam os dedos quando avançou tateando junto à parede. A
angústia lhe raspava a mente enquanto procurava provas da verdade.
Acaso Osbern teria esquentado seu anel de selo, e marcado a tenra pele do traseiro
de Hazel? Poderia ter sido tão perverso, tão retorcido, tão cruel?
A entrada do grande salão parecia um grande bocejo que se abria ante David. Quis
estar com Alisoun. Precisava reconfortá-la, apagar de seu rosto essa expressão perdida.
Precisava falar com ela, descobrir a verdade e fazer frente como pudesse. Necessitava
orientação, e Alisoun era a que podia prover-lhe.
Primeiro um dos criados caminhou apressado junto a ele, carregando uma pilha de
pratos sujos, e não dirigiu a palavra a seu amo. Logo, uma donzela caminhou junto a ele
levando uma confusão de roupa suja, e outra com uma pilha de lençóis para lavar. Pelo
interesse que despertou, foi como se não estivesse ali.
Talvez ansiasse tanto estar em qualquer outro lugar que se tornou invisível.
Distraído, tocou o rosto: estava ali. O desejo não tinha mudado nada.
Assim que entrou no grande salão, compreendeu que os atarefados serventes só
constituíam a borda de um grande redemoinho. Ali, a atividade girava em círculos cada
vez mais amplos. No centro daquele redemoinho estava Alisoun, rodeada de baús
abertos.
Sentia-se doída e sacudida pela dor de ter perdido Philippa? Se fosse assim, não o
demonstrava. Ali estava, de volta, a Alisoun que ele tinha conhecido: controlada,
decidida, responsável. Escutou-a dar indicações às donzelas para preparar os baús para
viajar, e pouco a pouco digeriu o fato de que se dispunha a partir.
Partir. Avançou a grandes passadas, perguntando em voz alta:
—Aonde acha que vai?
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—Enviarei sua cota todos os meses — disse Alisoun— George's Cross seguirá sendo
minha residência principal, e quando estiver instalada ali talvez pense em me enviar
Bertrade.
David olhou sua filha. Estava sentada em um tamborete, os ombros caídos, os
joelhos levantados, com o gato de Alisoun no colo. O vestido que tinha usado com tanto
orgulho estava torcido de lado, convertido em um apertado círculo enrugado. Guy
estava de pé atrás dela, reclinado contra a parede, a vista fixa na menina.
—Ofereci-lhe levá-la comigo agora, mas não quer vir. É obvio, ainda guarda afeto
por ti.
—Que generosa — murmurou.
Alisoun não o olhou, sequer, e foi para Bert. Ajoelhando-se junto à menina, falou-lhe
com suavidade, acariciando o gato sobre o colo de Bert, até que o animal se esticou
sensual. Sorrindo, trêmula, Bert lhe respondeu, mas, ao dar uma rápida olhada ao seu
pai, seu sorriso se esfumou.
Alisoun ficou de pé, ordenando:
—Envia-a quando puder. Merece uma educação apropriada.
David pensou em discutir, em lhe dizer que ela não tinha experiência para educar
apropriadamente sua filha, mas os serventes o distraíram fechando os baús e atando-os
com correias de couro. Isso ia muito rápido.
—Não pode ser que já tenha empacotado tudo.
—Você necessitava quase tudo o que trouxe para Radcliffe, de modo que o deixo
aqui. O que tenho em George's Cross me bastará até que possa enviar alguém ao
mercado outra vez.
Ivo e Gunnewate elevaram cada um um baú sobre os ombros e passaram junto a ele,
lhe prestando menos atenção que a uma barata.
Desesperado por deter a procissão, David disse:
—Necessita amparo no caminho, e estes dois já demonstraram ser inúteis.
—Meus homens são suficientes para os vagabundos normais, ladrões e
saqueadores. —Edlyn ajudou Alisoun a colocar a capa— Agora, ninguém me espreita.
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—Com um bufo pouco digno de uma dama, disse— Possivelmente poderia dizer que
tem feito aquilo para o qual te contratei: separou essa ameaça de minha vida. —
Caminhou para a porta, seguida por suas donzelas. Ao chegar, girou pela metade—
Adeus, sir David. Desejo-lhe saúde, vida e felicidade no futuro.
—Espera! —Correu para ela e se encontrou bloqueado por um cacho de irritadas
donzelas. Esticando o pescoço, gritou— E nosso filho?
—Enviar-te-ei uma mensagem quando nascer e, se quiser, poderá ir visitá-lo. Além
disso, não tem nenhum direito.
Capítulo 23
Odiava ficar, mas, o que poderia fazer? O mundo dessa menina se derrubou sobre
ela e na realidade, ela não entendia por que. Não era que eu gostasse. Bert era uma coisa
estúpida, fraca, toda joelhos arranhados e grandes olhos, mas sabia que seu pai tinha
cometido um grave engano.
Por isso, quando sir David entrou aos tombos no grande salão, depois da partida de
lady Alisoun, só três pessoas ficavam para lhe fazer frente: Guy de Archers, Bert e eu.
Sem esperar que ninguém falasse, sir David perguntou:
— O que queriam que fizesse? Deixar que Osbern assassinasse Bert e destruísse a
todos?
—Eu não disse uma palavra — respondeu Guy, sem necessidade. Tinha posto em
evidência sua opinião quando se separou da mão que sir David lhe estendia.
Sir David vacilou, e depois deixou cair à mão.
—Não tinha alternativa.
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—Se não se importa — disse Guy— tenho coisas que fazer na torre sul com os
homens. Embora logo abaixo fique o esgoto, inclusive lá o fedor é menos intenso que
aqui.
Saiu do grande salão, e soubemos quando chegava fora porque fechou a porta com
tal força que fez as pedras tremerem.
—Bom, ao demônio com ele também. —Sir David se derrubou em sua cadeira e
olhou ao redor— Bert! Ao menos você não quis ir com ela, não?
—Não.
Mas sua voz não soava muito segura, e se inclinou sobre o gato que tinha no colo.
Sir David observou o modo como acariciava o animal, e soprou.
—Até deixou o gato que lhe dei de presente.
—Eu pedi. —Bert arranhou o bichinho sob o queixo— Recorda a minha nova
mamãe, porque se tentar machucá-lo te arranhará, mas se você for bom com ele, é todo
suave, limpo e mimoso.
David contemplou sua filha com ar aflito.
—Papai.
Embora Bert murmurasse David a ouviu.
—O que, tesouro?
—Você não foi bom com minha nova mamãe?
—Fui sensato. Acreditei que lhe agradava os homens sensatos, mas acredito que me
equivoquei. —Juntava e separava as mãos— O que é o que te disse?
— Quando?
—Quando se ajoelhou e te falou, antes de partir.
—Falamos do nome do gato — respondeu a menina— Ela queria que tivesse nome,
de modo que eu pudesse lhe contar coisas quando lhe escrevesse cartas. —Levantando
o gato, o esfregou contra a bochecha e o bichinho ronronou tão forte no salão vazio, que
eu pude ouvi-lo— Gostou do nome que eu escolhi.
Como sir David parecia incapaz de falar, eu perguntei:
—Que nome escolheu?
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—Como é branco e negro, o chamei de Clover, como uma das vacas. —Bert me
olhou, radiante, entre o cabelo revolto— Lembra-te?
—Pôs nome no gato. —Sir David esfregou as têmporas com as mãos, e se levantou
com uma espécie de rugido— Necessito cerveja. Onde está a cerveja?
Corri a procurar-lhe e essa foi à última frase coerente que ouvimos dele durante os
oito dias seguintes.
Alegrei-me de ter ficado por Bert.
Sir David de Radcliffe abriu os olhos e olhou. Dessa vez sabia onde estava. Aqueles
objetos grandes, horizontais, com aspecto de árvores, logo se definiriam como as
esteiras que cobriam o chão do grande salão. Os beijos carinhosos que caíam em seu
ouvido eram manifestações de seu melhor cão de caça, e o ofego que o rodeava só
provinha da matilha amontoada a seu redor, em procura de calor. Despertou muitas
vezes em meio de semelhante cena e os mesmos sons, e já não podia confundir-se.
Gemendo, tentou levantar do chão, segurando a cabeça com as mãos. Não pôde. Ou
se levantava ou segurava a cabeça, mas não podia fazer as duas coisas. E precisava
sentar-se, porque tinha vontade de vomitar.
—Eudo — gemeu— Guy.
Ninguém respondeu. Possivelmente estavam muito desgostados com ele para
permanecer na mesma sala. Por que não foram embora? Nem ele mesmo se suportava.
—Bert?
Ela também se foi. Graças a Deus pela presença de Eudo. Sir David não recordava
muito, mas sabia que Eudo tinha entretido Bert enquanto seu pai tentava encontrar a
paz no fundo de uma jarra de cerveja.
Uma pena que cada vez que olhava dentro da jarra, via o rosto de Alisoun ali,
olhando-o fixamente.
Claro que era pior quando fechava os olhos. Então via a pobre, patética Philippa
partindo, prisioneira de seu próprio marido.
Estaria viva, ainda?
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—Não!
Elevou as mãos para espantar esse pensamento, e o movimento fez subir seu jantar.
Rodou, e esperou que a sala deixasse de girar. Segurou-se em um banco, levantou-se, e
foi cambaleando para a porta. Abriu-a de par em par, saiu fora e piscou cegado pela luz.
Desde o verão passado o sol não era tão brilhante e tão quente, e esse sol teve a culpa
de que ele errasse o primeiro degrau, levantasse, e errasse outra vez, e rodasse escada
abaixo. Estendido no pó seco compreendeu que se não tivesse estado tão bêbado, teria
se matado.
Queria ver Bert, dar explicações a Guy, e converter-se de novo em herói aos olhos de
Eudo. E a seus próprios olhos. Isso era o que mais importava.
Prestou atenção, ouviu vozes, e ficou de pé uma vez mais, encaminhando-se ao
campo de treinamento. Deu volta à esquina e viu Eudo rodeando Bert com os braços,
lhe ensinando como disparar um arco. Essa cena o fez deter-se de repente.
—Sir David! —Eudo se separou de um salto da menina, com expressão culpada— Só
estava lhe ensinando...
Bert lhe cravou a vista como se tivesse ficado louco, e David compreendeu que
enquanto para o moço era um consolo abraçar Bert, para ela era só bondade. Disse:
—Bem. Agradeço-lhe isso. Entreteve-a sem lhe fazer mal. Não esquecerei. —sentou-
se em um toco e lhes fez um gesto— Sigam. Vejamos o que aprendeu.
Eudo ajudou Bert a colocar a flecha na corda, e David recordou que ele tinha
abraçado Alisoun do mesmo modo, lhe demonstrando como se fazia para disparar uma
flecha, ao tempo que absorvia sua vitalidade. Agora, essa vitalidade tinha desaparecido
de sua vida, e ele não podia culpar a ninguém mais que a si mesmo.
Se não fosse por Osbern, ele jamais teria sabido que sentia falta dela. Esse parasita
inútil tinha tentado matar Alisoun antes que David sequer a conhecesse. Tinha a
atormentado, esmurrado sir Walter, assustado às pessoas de Alisoun, e David não fez
nada para vingá-la. Não podia pensar em nenhuma outra coisa.
Tinha levado oito dias tentando justificar-se ante si mesmo. Alisoun fazia o justo, e
não o correto. E ele tinha feito o correto, mas não o justo. Tinha enviado Philippa de
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volta com o marido e, possivelmente, à morte, porque era um covarde que só cuidava de
si mesmo, porque temia a ira do rei, porque se apegava a suas posses, até a custa de sua
confiança.
Tinha que dar uma lição em Osbern. A sua, já a tinha aprendido.
—Viu papai? Viu-o? —Bert pegava seu rosto ao dele e assinalava o alvo— Dei-lhe
muito perto!
—Tem-no feito! —A flecha tremia cravada na cerca, atrás do alvo, e David lançou
um bufo de orgulho— É a menina valente do papai, e me alegrou, porque tenho que te
dizer uma coisa. Tenho que dizer uma coisa a todos, em Radcliffe. —Fez um gesto a
Eudo— A ti também, mas, onde está Guy?
Os meninos se olharam.
—Guy? —Eudo afastou o olhar— Bom, acredito que foi a cavalo... A algum lugar.
—A algum lugar?
—A algum outro lugar.
David não necessitou mais explicações. Guy tinha partido de Radcliffe.
—Muito bem — disse— Guy se foi, e eu também vou.
—Vai?
Bert, sua indomável Bert, pôs-se a chorar.
Sentando-a em seu colo, David lhe disse:
—De todos os modos, desde que Alisoun partiu, não estive realmente aqui.
—Sei, mas todos se vão.
Bert apoiou a cabeça no ombro e rompeu a soluçar.
Embora David não acreditasse que pudesse sentir-se pior, aconteceu. Acariciou sua
filha e se perguntou se Eudo também começaria a chorar. O escudeiro também se
debatia contra suas emoções, e David se encontrou dando explicações a um menino e a
uma menina.
—Cometi um engano. E agora, vou repará-lo.
Bert cessou de chorar e começou a escutar. Eudo inclinou a cabeça e entrecerrou os
olhos.
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—Vou arrancar Philippa de seu marido. Imagino que o único modo de obtê-lo é... —
estremeceu ao recordar o resultado do último enfrentamento —... Matá-lo.
Já contava com a absoluta atenção dos dois meninos.
—Há muitas probabilidades de que morra na tentativa. - Esperava ouvir Bert gritar,
mas a menina permaneceu muda, e ele pensou que possivelmente não tivesse
compreendido.
Eudo gaguejou de entusiasmo.
—Preparar-me-ei para ir com você.
—Ir comigo?
—Sou seu escudeiro.
—Não entende? Eu disse que talvez... —Notou a ansiosa tensão do moço e não teve
coração para terminar a frase— É meu escudeiro, e lamento te deixar aqui, mas
dependo de ti para algo muito mais importante que me passar às armas.
Eudo pareceu murchar, e David pôde ler seus pensamentos. Era sua primeira
possibilidade de participar do combate, e David a negava.
—O que necessita de mim, sir David?
—É uma exigência tremenda a que depositarei sobre ti, e rogo que seja digno de
minha confiança.
—Sou digno!
Falando com lentidão e claridade, David disse:
—Se eu não retornar, confio em ti para que leve minha amada filha a George's Cross,
com lady Alisoun.
Eudo olhou de soslaio para Bert, deixando transparecer seus sentimentos: o que
queria era participar da batalha, não se fazer de babá.
Tomando-o pelo ombro, David se inclinou para ele e tentou impressioná-lo com a
importância de sua responsabilidade.
—Eudo, você recorda a viagem até aqui. Estava escuro, e abundavam os perigos.
Havia lobos, e dois meninos a sós atrairiam os ladrões.
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Desta vez, Eudo entendeu: a menção dos lobos o fez empalidecer, e levou a mão à
faca.
—Mas Guy se foi, e eu temo que se Osbern me matar, mandará alguns homens para
levar Bert... —David estreitou mais sua filha —... E não pode permiti-lo.
Indignada, Bert se debateu.
—Não deixarei que me levem papai.
—Sei Bertie, mas deixará que Eudo te ajude. —Elevando uma sobrancelha, David
indicou a Eudo a responsabilidade que depositava sobre ele, que não era só a viagem,
mas também ocupar-se de Bert— Eudo, não há ninguém mais que possa fazê-lo.
Quando Osbern os enviar, seus cavalheiros primeiro divulgarão minha derrota, e logo
tentarão subornar meus homens. Um deles aceitará entregar Bert. Por isso confio em ti,
Eudo, e não neles. Você me demonstrou sua honestidade.
A boca jovem de Eudo adquiriu uma linha firme, e para David já não importou que
ainda não tivesse costeletas, nem que sua voz se quebrasse de vez em quando. Saber
que Eudo cuidaria de Bert aliviou sua preocupação.
—Terá que estar atento, preparado para te escapulir sem ser visto. —Tomou uma
das mãos do moço entre as suas— Isto será muito, muito pior que aquela vez no
cemitério. Estará permanentemente assustado, mas, recorda as urtigas que pôs sobre as
rochas para proteger lady Alisoun do arqueiro?
Eudo assentiu.
—É esse tipo de estratégia que ajudará Bert a chegar a George's Cross.
—Levá-la-ei a George's Cross, senhor. Juro que o farei.
—Sei que o fará. Quando estiver ali, lady Alisoun cuidará de ti.
Nesse momento, Bert interveio, demonstrando o pouco que tinha compreendido.
—Papai, vai lutar contra esse homem mau para trazer Philippa de volta?
—Vou lutar com ele. —A lembrança da última batalha perdida se ergueu para
acossá-lo. Fez uma profunda inspiração e tratou de aquietar o súbito palpitar de seu
coração— Vou tentar matá-lo, porque merece. E vou obter que Philippa possa ter de
novo com ela sua filha.
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—Até quando? —Alisoun tentou sorrir, mas lhe tremiam muito os lábios— Até que
Hazel se acostume comigo e me aceite como mãe? Até que nasça meu filho? Até... Até...
Quando?
—Está tão só — estalou Edlyn— Heath não pode substituir Philippa. Hazel não pode
substituir a mim. E sir Walter...
Titubeou. Ninguém falava o nome de David na presença de Alisoun desde que
partiram dessa terra de amarguras que era Radcliffe. Com uma compostura que já não
lhe resultava espontânea, Alisoun disse:
—Não, sir Walter não pode substituir sir David, ao menos quando necessito
companhia.
—Parecia ser o homem que podia lhe agradar — exclamou Edlyn— O esquecerá
algum dia?
—Não.
Essa única palavra, simples e definitiva.
—Queria...
—Eu também, mas querer não pode reparar uma cerca quebrada. —Alisoun lhe
tocou o ombro— De todos os modos, quando te levei comigo a Radcliffe, disse-me que
seu prometido não ia notar outro mês de demora, mas tem que viajar ao sul antes que
chegue o inverno, porque acredito que sim notaria um ano.
—Na sua idade, o que é um ano a mais?
Alisoun não pôde evitá-lo: a expressão zangada de Edlyn a fez rir. Então, a moça
também riu, e aceitou um pouco melhor seu destino.
—Hei!
Um grito de homem as interrompeu, e o rosto de Edlyn se iluminou.
—Hugh.
O nome foi uma simples exalação, mas a alegria que vibrou em sua voz contagiou
Alisoun. Resplandecendo de juventude e de ânimo, Edlyn agitou a mão, entusiasmada,
ao homem que amava com paixão não correspondida.
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Ali estava, alto, corpulento, jovem estúpido que não pensava em outra coisa mais
que na segurança de George's Cross, em sua prática de todos os dias no campo de
treinamento e em suas ambições. Sem saber, esmagou as esperanças de Edlyn:
—Parte hoje? Não sabia. —Envolvendo-a em um abraço fraternal, disse-lhe— Que
Deus abrevie sua viagem, e te desejo a maior felicidade com seu novo marido.
—Obrigado — lhe disse Edlyn a suas costas que se afastava.
—Leva muito a sério seu dever de proteger minha propriedade. - Alisoun se
surpreendeu apresentando desculpas para apagar a expressão nostálgica do rosto de
sua pupila.
—O que fará quando sir Walter estiver em condições de reatar seus deveres? —
perguntou Edlyn.
—O faremos cavalheiro. —Alisoun imaginou esse futuro dia em que tivesse que
tomar a decisão, e lhe pareceu que era outra carga que pesava sobre suas costas por
culpa da perfídia de David.
—Suponho que irá em busca de aventuras e de fortuna.
—Suponho que sim. E que nunca voltarei a vê-lo. E que assim é melhor.
A silenciosa agonia de Edlyn ao despedir-se de seus sonhos infantis rasgou o
coração de Alisoun. Tentou pensar em algo que lhe dizer, em algo que aliviasse sua dor,
mas sua experiência com essas emoções era recente. Como podia ajudar Edlyn se nem
sequer podia ajudar a si mesma?
Cruzando os braços sobre o peito, Edlyn sussurrou:
—Voltarei a lhe ver?
Alisoun só podia lhe oferecer uma débil esperança.
—Possivelmente um dia eu vá a Londres com meus filhos e possamos nos encontrar
ali.
—Não pode levar a filha de lorde Osbern onde possa ser vista, e você não a deixaria.
Não pôde discutir.
—Então, jamais voltarei a lhe ver.
—Deixaremos isso em mãos de Deus.
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também quis proteger a ela. Admitiu a seu pesar. Fez tudo o que pôde para mantê-la a
salvo: levou-a a Radcliffe, mobilizou suas forças ali, protegendo-a mesmo que ela se
negava a compartilhar a cama com ele.
Possivelmente houvesse certa justificativa para as ações de David.
Mas quando recordava as cicatrizes de Philippa, suas angústias, seus temores,
quando recordava a essa pequena sozinha, lá no segundo andar do castelo, que chorava
por sua mãe... Então já não acreditava justificado e queria fazer algo, algo para
modificar a situação.
Ouviu atrás dela um passo lento, miserável, e o tamborilar de uma muleta sobre as
pranchas de madeira, e ao voltar-se viu sir Walter.
—Não deveria ter caminhado até tão longe — o repreendeu— E menos, descer as
escadas do castelo.
—Não vim todo o trajeto caminhando. Já não podia suportar mais estar dentro, e Ivo
me levou nas costas. —Os machucados de sir Walter se apagavam, as cicatrizes se
fecharam, formando linhas vermelhas e brancas através de seu rosto, e se movia com
grande dificuldade. Deu um olhar para a aldeia, onde se via a figura diminuta de Edlyn, e
disse— Sentiremos falta dela, não, minha senhora?
—Muitíssimo.
Guardando com dificuldade o equilíbrio, o mordomo puxou o braço.
—Venha para dentro. Ainda não estou convencido de que o duque de Framlingford
não se vingará de você, e eu não gosto que esteja aqui, neste lugar tão exposto.
Alisoun não queria ir, embora soubesse que ele tinha razão. Não havia dúvida de
que Osbern refletiria sobre o prejuízo que lhe tinha conduzido, e algum dia voltaria
para cobrar vingança.
Mas só quando tivesse acabado com Philippa.
Gemeu brandamente, mas sir Walter a ouviu.
—Ajude-me, por favor, minha senhora? Ultimamente, canso mais do que esperava.
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Sir Walter sorriu. O ataque sofrido tinha lhe deixado poucos dentes e uma boca
torcida a um lado, mas sua alegria foi evidente para Alisoun.
—Essa é uma verdadeira bênção, minha senhora, e me regozija que o menino seja
legítimo.
A lembrança de seu matrimônio arrancou uma careta de dor na senhora.
—Não quis lhe faltar o respeito — acrescentou o mordomo— Só duvidava de seu
apego a sir David, embora devia ter compreendido sua sensatez.
—Sensatez.
Alisoun riu com amargura de si mesma.
—Minha senhora, suas ações sempre são sensatas e bem pensadas.
—Eu também estava acostumada a pensar o mesmo.
—Até arrebatar Philippa de seu marido foi um ato apoiado na sensatez.
—Agora me dá sua bênção?
—E, se o pensar, verá o sensato que seria se abandonar a angústia pelo fato de que
tenha sido apanhada outra vez. —Alisoun se tornou atrás, mas o homem a puxou pela
mão— Não poderia fazer nada a respeito. Não poderia fazer nada mais. Uma esposa
pertence a seu marido, e você sempre soube que um dia ele a recuperaria.
—Suponho que sabia, mas tinha a esperança de que sir David...
—Não pode culpar o homem por reconhecer o impossível da situação e por fazer o
melhor que pôde.
—Ele não é quem eu pensei que era.
—Quem acreditava que era?
—Uma lenda.
—Ele nunca disse que fosse uma lenda.
Alisoun não respondeu, porque sabia que ele tinha razão.
—Você, senhora... Estava acostumada a pensar com claridade. Que solução lhe
ocorre que poderia afastar lady Philippa do marido dado por Deus?
Tomou com seriedade a pergunta.
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—Pensei e pensei. Não posso subornar Osbern. Mesmo que necessitasse meu
dinheiro, é o tipo de homem capaz de reter Philippa pelo prazer de torturá-la, sabendo
que a dor dela me faz sofrer. Não posso ir ao rei, pois ele mesmo arrumou esse
matrimônio, e jamais interviria entre marido e mulher.
—E pense em suas propriedades. Seu primeiro dever é para elas.
—Vivi toda minha vida por estas propriedades, e agora sei que sempre haverá
alguém para cuidá-las. São muito cobiçadas para que alguém as deseje durante muito
tempo. —Quase para si, adicionou— Sem dúvida, a vida de Philippa é mais valiosa que
qualquer terra.
—Serene seu coração, minha senhora! Possivelmente lorde Osbern tenha aprendido
a lição durante a longa ausência de sua esposa, e agora a trate com a honra que ela
merece.
Alisoun lançou uma gargalhada amarga.
Sir Walter não demorou a abandonar essa fantasia.
—Só um homem desesperado a quem não importasse nada de sua própria vida e de
sua família poderia tentar o resgate de lady Philippa.
—Ou uma mulher desesperada.
Deu a impressão de que o dizia antes de ter sequer pensado.
—Uma mulher? Há. —Sir Walter tratou de ficar de pé, e Ivo correu a ajudá-lo— Com
o devido respeito, minha senhora, as armas de uma mulher são inúteis contra o poderio
do rei e da Igreja.
Ela estava desesperada.
—Agora irei ao barraco de guarda e logo me retirarei.
Mas, o que tinha que fazer Alisoun? Sir Walter lhe aplaudiu a mão.
—Se me permitir à audácia aconselhar-lhe-ia que se resignasse ao destino de
Philippa e desse ao seu marido sua completa submissão.
Usar uma armadura e ir ao resgate de Philippa ela mesma?
—Ah, vejo essa faísca em seus olhos. —Sir Walter sorriu, com um sábio gesto dos
lábios— Alegro-me de que tenhamos tido esta conversa.
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Capítulo 24
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David odiava brigar. Cada vez que se encontrava suando sob a cota, tentando ver ao
redor do protetor de nariz, aferrando uma espada em uma mão e um escudo na outra...
Bom, sabia o estúpido que era em realidade o combate.
Claro que isso acontecia enquanto ainda tinha medo, antes que a euforia da batalha
o tivesse dominado. E cada vez que lutava, sempre temia que a glória passasse de
comprimento, e ele se visse obrigado a lutar em frio, com essa covardia que ninguém
admitia.
Sobre tudo agora. Sobre tudo de cara com Osbern. Osbern o tinha derrotado antes, e
isso lhe dava uma grande vantagem sobre David.
Osbern também sabia. Em um tom empregado para dominar os gritos da multidão,
perguntou:
—Sua esposa lhe obrigou a vir?
David economizou o fôlego e parou com o escudo o golpe da espada do rival.
Osbern não se incomodou com o silêncio de David, e seguiu tagarelando com
ligeireza.
—É uma mulher poderosa, eu lhe adverti isso, e a menos que a treinem
apropriadamente do começo, não terá paz em toda sua vida. —Perdeu o tom cordial—
Ah, mas eu esqueci: como hoje morrerá, não tem por que se preocupar.
A espada de Osbern investiu para o pescoço de David, mas este se fez a um lado e, no
último minuto, o aço assobiou no ar.
Isso irritou o competidor, que disse:
—Uma solução um pouco drástica para um matrimônio desventurado, não é assim?
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A multidão gritou quando se lançou e a ponta de sua folha deslizou sob o escudo de
David e enganchou a meia por cima do joelho. Não tinha atacado com força suficiente
para perfurar a cota de malha, mas a joelheira saltou para um lado e David caiu com
força sob o peso de sua armadura.
—Te renda velho! —gritou um dos cavalheiros de Osbern— É tão lento que estamos
nos aborrecendo.
Dando as costas a David, Osbern repreendeu o provocador:
—Que maneiras! E um de meus próprios homens. Não te ensinei a respeitar os mais
velhos?
Ao mesmo tempo em que a turba ria, David lançou a parte plana da espada atrás dos
joelhos de Osbern. Este tropeçou e caiu com um entrechocar das peças da armadura. Os
gritos do povo cessaram, e da multidão se elevou um coro de hurras.
David notou que, em sua maioria, eram gritos femininos. Observando a seu
oponente estendido, experimentou uma funda satisfação visceral, e soube que tinha
recuperado o gosto pela luta. Portanto, as provocações de Osbern tinham tido seu
proveito. Apoiando-se na espada, levantou-se.
—Meu senhor duque, pelo menos, posso deter sua língua.
Como David esperava, Osbern se levantou furioso.
—Pode ser senhor, pode ser.
Alistaram-se de novo para a briga, e desta vez David notou que a ponta da pesada
espada de Osbern tremia um pouco. Abrigou a esperança de que estivesse perturbado,
cansado, ou ambas as coisas. Logo, o impacto de absorver o primeiro golpe do rival
esteve a ponto de lhe romper o braço do escudo, e a esperança se esfumou.
Entretanto, a prática com Hugh estava dando seus frutos, porque parou os golpes de
Osbern com uma defesa flexível e até colocou alguns golpes. Poderia ter colocado mais,
mas esperou, porque já tinha lutado em outra ocasião contra Osbern e perdido, e agora
sabia qual seria sua estratégia.
Sim, conhecia-a, mas só o tempo diria se tinha a destreza e a força para rebatê-la.
—Tive-a, sabe?
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Todo seu plano dependia de que Osbern desempenhasse seu papel como tinha sido
antes.
—Olhem! —exclamou o duque. A multidão lançou urras e ululou— O antigo
campeão do rei, o legendário sir David, ajoelhado ante mim. —Lentamente, afastou a
vista de David, baixou a espada— Suplicando por sua vida! Devo conceder-lhe?
—Mas ainda não me desarmastes. - Movendo-se com cuidado, David tirou a adaga
da vagem. Osbern rompeu a rir tão estentóreamente como David o tinha feito antes.
—O que vai fazer? Esfaquear-me os tornozelos com isso?
—Não. —David colocou a ponta da adaga sob a cota de Osbern— Vou castrar-lhe.
Osbern se paralisou.
—Baixe isso.
A multidão fez silêncio.
—Você tem a espada, meu senhor duque. Têm a arma maior por que não a usa? —
Sentiu os músculos de Osbern tremer enquanto pensava— Certamente, eu cortarei até
que dê no osso, e possivelmente eu morra e você viva, mas a água fria já não lhe
inspirará nenhum temor.
Osbern se moveu.
—E o que pensa fazer? Ficar aí até que apodreçamos?
—Não, meu senhor. Você vai se render a mim.
—Está louco? —gritou.
Voltou a gritar quando David jogou seu peso para frente e pressionou a ponta,
aproximando-a do alvo escolhido.
—Não acredito, mas pode ser. Deve ter em conta que guardo certa esperança de que
utilize essa espada, e assim eu me converterei no objeto de louvor de todas as mulheres.
—Solto a espada. —A fina folha de aço caiu ao pó com ruído surdo— Estou me
rendendo.
—De verdade? —David comprovou que a adaga de Osbern seguisse em sua vagem,
mas não lhe exigiu que a entregasse. O que fez foi ficar de pé e levantar a adaga sob a
boina de cota de malha, e apoiou a ponta contra a garganta de Osbern— Tire o elmo.
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—Dura recriminação — comentou Enrique, lhe tocando o pulso— Mas sem dúvida
deve ser bom o castigo.
Ao fim, ficavam cinco cavalheiros fazendo frente a David e a Guy, e Alisoun
murmurou:
—Devem ser solteiros.
O rei riu.
Nesse momento, David e Guy assumiram caras mais agressivas, e os cinco
cavalheiros começaram a retroceder.
—Não chegarão muito longe — disse Enrique— Agora veremos um combate perito,
e inclusive sir David obterá resgate deles. Aprenderão uma lição que não esquecerão
facilmente.
Tal como Enrique predissera, David e Guy desarmaram a todos e cada um dos
cavalheiros. Guy tomou resgate de três dos cavalheiros, David de dois, dando-se por
satisfeitos com a vitória por esse dia.
Então, David tirou o elmo e, de repente, viu Ivo ao seu lado. Alisoun observou a
surpresa de David ante o oferecimento de ajuda de seu guarda armado. Viu que olhava
ao redor, e soube quando a tinha visto, porque seus olhos se entrecerram até converter-
se em duas apertadas raias. Logo aceitou a ajuda de Ivo com evidente mostra de
gratidão.
Ao fim, Ivo o considerava digno de sua ama.
Com a cabeça descoberta, sem suas armas, mas ainda embelezado com a armadura,
David se encaminhou para o rei. A multidão lhe cedeu o caminho, e ele avançou com
solene dignidade, embora quanto mais perto estivesse do estrado mais rápido
caminhava. Quando esteve o bastante perto, perguntou a Alisoun:
—Minha senhora, o que está fazendo aqui?
Essa mulher não compreendia o modo como rugiram suas emoções ao vê-la e, com
essa voz afetada que tanto o enfurecia lhe respondeu:
—O mesmo você, ao que parece.
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—Duvido. —Saltou sobre o soalho, e sua vista se posou sobre a brilhante folha que
repousava sobre o braço da cadeira— Por que aponta com a espada ao nosso soberano?
Enrique lhe segurou o pulso antes que ela pudesse mover a folha:
—Fez de guarda de corpos enquanto distraía meus cavalheiros. —Despedindo-se de
seus humilhados cavalheiros com um gesto, adicionou— Não, não, lady Alisoun me
serviu admiravelmente durante sua ausência. Por agora, fique onde estão.
—Com sua permissão, meu senhor.
David tirou a espada dentre os dedos de Alisoun.
—É bom que um súdito me peça permissão — refletiu o rei— Sobre tudo em
questões de matrimônio.
Sabia. O rei sabia. David teve vontade de dar uma palmada na testa e de gemer, mas
em troca disse:
—Meu senhor, quando a gente quer apanhar a uma escorregadia raposa, um
guerreiro deve apoderar-se da presa assim que cai na armadilha, para que não se
machuque tentando escapulir.
—Eu não gosto de ser comparada com uma raposa — disse Alisoun com aspereza.
Enrique os interrompeu com risadas contidas. Voltando-se para Alisoun elevou três
dedos e contou:
—Riqueza, nobreza e devoção ao dever. Não eram essas suas exigências em relação
com um marido?
Um delicado rubor subiu pelas bochechas da dama.
—Meu senhor tenho descoberto que a devoção de sir David a seu dever
ultrapassava sua falta de... Né... Nobreza, e... —tossiu—... Riqueza.
O rei elevou as sobrancelhas.
—Portanto, casou com ele sabendo que não cumpria suas exigências.
—Assim é.
—Nesse caso, sir David, embora ofenda a sua senhora, aceito sua fábula da raposa e
o guerreiro.
David afogou uma gargalhada. Alisoun permaneceu imutável. Enrique suspirou.
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—Embora me compadeça por ter uma esposa que manifesta tão poucas emoções, sir
David.
A falta de percepção do rei impactou a David. Acaso não via, pelo ângulo de seu
queixo, que estava zangada? Que esse leve tremor dos dedos significava fadiga e alívio?
Que a umidade que se via nos cantos dos olhos pressagiava a tormenta de sua dor ante
a perda de Philippa?
Mas Enrique não captava nenhuma dessas coisas. Só via duas pessoas muito
diferentes, ligadas pelo leito matrimonial, e havia resolvido divertir-se em lugar de
zangar-se por essa união não consagrada.
—Aplicar-lhes-ei uma multa — disse— Nada mais.
David se encolheu, conhecendo a permanente necessidade de Enrique de contar
com recursos para financiar seu equipamento de guerra. Mesmo assim, sabia que tinha
se saído bem, e sondou uma vez mais ao rei:
—Serei encerrado na prisão por ter matado seu primo?
—A quem? —Enrique se assombrou— Ah, Osbern. Não, não. Foi um desafio justo, e
ele tentou matar a você quando já havia se rendido. Não se preocupe. —Ao notar o
modo fixo em que David o olhava, inclinou-se para diante e lhe confiou— Que Deus dê
descanso a sua alma farei rezar missas por ele, mas ele era mais velho que eu, e quando
fomos meninos me atormentava constantemente. Talvez fosse obsequioso depois de
minha coroação, mas eu sabia o tipo de homem que era. Sua família é rica e influente, e
nunca me atrevi a fazer nada em seu contrário, mas o reino está muito bem sem ele... E
vocês jamais ouviram semelhante opinião de minha parte.
David fez uma reverência, sentindo lutar dentro de si a estupefação e o alívio, e lhe
afrouxaram os joelhos em um repentino ataque de debilidade. O rei considerava que lhe
tinha feito um favor. Todos seus temores: o de perder sua filha, sua esposa, suas terras e
sua vida, tinha sido em vão. Fazia o justo, e era recompensado por isso.
Olhou Alisoun. Bom, não exatamente recompensado, mas conservaria sua esposa.
Nesse momento, sua mulher disse:
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David não queria ficar. Não lhe importava estar faminto ou cansado, só queria levar
Alisoun a um lugar privado e lhe perguntar se alguma vez perdoaria sua estupidez. O
corpo de Osbern já tinha sido levado à capela do castelo, onde repousaria sem
perturbar as atividades reais. Entretanto, certamente Alisoun iria querer pronunciar
umas preces por Philippa, e assim como ela seguiu ao rei, que desceu do estrado, David
a seguiu subindo a escada, ao interior do castelo, até a mesa real posta sobre um soalho.
Os outros nobres guardaram distância, como tinha ordenado o rei, e os criados se
apressavam a desempenhar suas tarefas. Osbern tinha morrido, mas nesse momento
seu falecimento causou pouca comoção.
O rei disse a Alisoun e David:
—Quero ter um a cada lado quando comermos. Penso que é apropriado que a
condessa de George's Cross e o campeão do rei por duas vezes ladeiem ao rei, quando
brindarmos por sua condição de recém casados.
Alisoun aceitou muito composta, mas David quase não pôde falar. Jamais tinha
comido à mesa do rei. Não era mais que um cavalheiro, e embora fosse capaz de lutar,
ninguém o tinha considerado jamais digno de outra coisa que um respeito básico. E
agora, graças a Alisoun, o rei o sentava a sua mão direita.
Quando o escudeiro se aproximou com uma bacia de água para lavar-se, David
inundou a cabeça e se esfregou até que o sal do suor e o pó do caminho desapareceram.
Ao voltar-se, percebeu que um insólito silêncio se apropriou do salão. Secando o cabelo
com a toalha, aproximou-se de Alisoun.
—O que acontece? —perguntou.
Alisoun lhe apertou a mão como se nada tivesse acontecido entre eles... Ou como se
não soubesse o que fazia. Disse-lhe baixo:
—Os criados afirmam não saber nada da morte da Philippa, e um deles...
Alisoun se interrompeu ao ver que a porta da cripta se abria.
David, que estava observando-a, viu que lhe dilatavam os olhos e que, dando um
grito, precipitava-se para a maltratada figura que aparecia no vão.
—Philippa. —Estreitou a amiga nos braços— Philippa está viva!
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Capítulo 25
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—Esse era um amor fatal, caprichoso, então. —Alisoun reteve a mão da amiga
contra sua pele, agradeceu de novo a Deus por sua milagrosa sobrevivência— Te teve
todo o tempo no calabouço?
—Disse que tinha que me castigar por ter fugido. Não me importava o que fizesse
enquanto eu soubesse que Hazel estava a salvo.
—Ela está bem — repetiu Alisoun.
—Partirei para vê-la assim que a viagem esteja preparada. —Voltando o rosto para
cima, permitiu que a donzela lhe aplicasse compressas de água gelada sobre o olho
inchado— Hoje. Partirei hoje.
Alisoun pensou por um instante no rei e sua corte que aguardavam abaixo, no
grande salão, e logo os desprezou.
—Disporei de um carro. Não acredito que esteja o bastante forte para montar.
Philippa se dispunha a discutir, mas pensou melhor.
—Poderemos encontrar uma escolta?
—Ponha um vestido limpo, e eu irei falar com David a respeito. Ele encontrará
alguém.
Abriu a porta.
Guy de Archers caiu dentro como se tivesse estado escutando. Endireitou-se e disse:
—Eu o farei.
Confusa, Alisoun lhe perguntou:
—O que?
—Escoltarei a dama. Será para mim uma honra contribuir para que se reúna com
sua pequena.
Alisoun ficou olhando-o, perplexa, e logo a Philippa, que lhe sorria tranquilamente
de seu lugar junto ao fogo.
—Esteve escutando atrás da porta? —perguntou.
Guy não deu a impressão de ter ouvido Alisoun. Só via Philippa, só lhe falava.
—Minha senhora, agradar-lhe-ia que eu lhe escoltasse?
Philippa lhe estendeu a mão.
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—Você e eu não podemos ir. - David a tirou pela porta. Alisoun tentou cravar os
saltos. —Devemos esperar ao rei!
David não a soltou enquanto desciam a escada e entravam no grande salão.
—Ele nos autorizou a ir.
—Instigado por ti!
David encolheu os ombros e abriu a porta que dava ao exterior para que Guy e
Philippa passassem.
—É obvio. Disse que lady Philippa necessita uma forte escolta até George's Cross,
porque eu sentei o precedente de que um cavalheiro pode casar-se com uma viúva rica.
—Guy riu com dissimulação enquanto descia a escada, e David sorriu muito orgulhoso
de si mesmo— O rei Enrique quase desmaiou ante a perspectiva de perder o domínio
sobre outra de suas herdeiras.
—É um homem mau — disse Philippa, com voz carregada de admiração.
—Como pode aprová-lo? —perguntou-lhe Alisoun. O carro estava preparado, os
cavalos selados, Ivo e Gunnewate, estóicos, esperavam a partida. Sem dúvida, David
tinha agregado suas ordens às dela— Sempre é preferível render comemoração ao rei
quando é necessário assegurar-se seus bons favores.
—Os bons favores do rei me deram Osbern por marido. Já não procuro o favor real.
O estalo de Philippa deixou Alisoun atônita e muda, e David aproveitou para instalá-
la sobre seu palafrén, ao tempo que dizia a Guy:
—Cavalgaremos juntos rumo ao norte, até George's Cross, e logo, lady Alisoun e eu
iremos a Radcliffe.
—Faremos isso? —perguntou Alisoun— Mas eu queria ficar em George's Cross para
atender Philippa.
—Queria?
Na realidade, não. Suas bem ensinadas donzelas afligiriam Philippa com seus
cuidados, em sua volta triunfal. O que acontecia era que Alisoun tinha medo de ficar só
com David.
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—Far-se-á como minha senhora ordene — disse, com um rosto largo que desmentia
suas palavras— Como Philippa, anseio ver se minha filha está sã e florescente.
—Acaso Bert está doente? —perguntou Alisoun.
—Não, mas quando me despedi dela lhe disse que existia a possibilidade de que
fosse a última vez que nos víamos, pois era provável que cavalgasse para minha morte.
—Sorriu nostálgico— Agora tenho que ir tranquilizá-la.
—Oh.
Tinha cavalgado para uma morte muito provável. Quando Alisoun pensou no perto
que esteve à adaga de Osbern, um terror atrasado lhe fez sentir-se mau. Ao pensar em
Bertrade, lhe oprimiu o coração.
Podia ficar em George's Cross sem David. Claro que podia. Mas não mencionou essa
possibilidade, porque Guy e Philippa mereciam estar sozinhos.
Então, perguntou-se aonde teria ido parar sua antiga personalidade... A que não
teria aprovado o romance entre uma duquesa viúva e um simples cavalheiro.
Deduziu que Osbern tinha matado à antiga lady Alisoun, porque de todos os homens
que conhecia só ele satisfazia todos os requisitos de um marido perfeito. Tinha riqueza,
era nobre, e tinha sentido de dever, mas suas maldades tinham deixado marcadas em
Philippa e em Hazel e, por último, tinham conduzido a sua própria morte.
Nas mãos de David. Olhou seu marido. Agora que ela tinha arriscado sua vida por
outra pessoa, entendia os medos anteriores dele. Tinha apontado à garganta do rei com
sua espada — e a seu peito, sua barriga e suas regiões remotas— ameaçou-o, e durante
todo esse tempo os joelhos tremiam e os dentes batiam. Sabia que bastaria um grito do
rei para que a matassem, e Alisoun chegou à conclusão de que não poderia lhe cravar a
espada mesmo que isso tivesse salvado a vida de Philippa.
Não podia matar ninguém. Era uma covarde.
Mas David matou Osbern, convencido de que ele também morreria se não às mãos
do rival, vítima da vingança do rei.
Quis dizer a David o muito que o respeitava por sua valente defesa da justiça, mas
não pôde.
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Louis girou a cabeça para olhar David com expressão de equino desgosto. Logo, com
uma sacudida de cabeça muito humana e conspirativa, deteve-se por completo. David
permaneceu com as rédeas frouxas nas mãos.
—Está dolorido? —perguntou Alisoun— Acha que perdeu uma ferradura? Estará...?
Advertiu que David a observava, que captou o momento em que deixou de
preocupar-se com Louis e começou a preocupar-se com ele, o que lhe diria, e pelo que
diria a ele.
—Tenho uma pergunta que te fazer. —Tentou falar sem muita ênfase— Você me
ama?
Aparentemente, não teve muito êxito porque Alisoun se atirou para trás, e o
palafrén se afastou uns passos.
—Se eu o que?
—Ama-me?
David compreendeu que ela esperava que lhe falasse de lealdade, honestidade ou
dever. Isso era o que ela entendia. Com isso tinha experiência. Ele, em troca, fazia uma
pergunta que lhe era completamente estranha.
—Se te amo? —manteve-se com as costas erguidas como um poste, sobre o arreio
— A que tipo de amor se refere? Admiro-te. Valorizo suas excelentes qualidades.
O desassossego dela aumentou a confiança dele.
—E o que me diz de meus defeitos?
—Bom, não os admiro.
—Mas me ama por eles
—David. —tornou-se todo o possível para trás— Não acredito que ninguém admire
outra pessoa por seus defeitos.
—Não quero que me admire. Quero que me ame. —Franziu a testa, sabendo que
teria que esforçar-se para que o compreendesse. Inclinando-se para fora, estendeu-lhe
a mão e ela tomou vacilante. Então, perguntou-lhe— Como se sentiu quando eu deixei
que Osbern levasse Philippa?
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—Como soube? Eu não sabia. E como soube que tinha que me dizer isso?
—Só pensei que, como foi preciso te dizer que teria nosso filho, também poderia
precisar que te dissesse que estava apaixonada por mim.
Bert e eu deixamos de praticar com as flechas quando ouvimos o primeiro
retumbar do trovão. O céu tinha estado espaçoso e, de repente, estava nublando-se!
Bom, olhamo-nos.
—Voltaram! —disse a Bert.
—Disse que meu papai ganharia — disse.
Quis sacudi-la, mas não tive tempo. Subimos os degraus até o topo do muro, e
olhamos além da aldeia. Ali vimos rei Louis, o cavalo de guerra de sir David, galopando
para o castelo, e o palafrén de lady Alisoun correndo atrás e, ao longe, as duas pequenas
figuras corriam para refugiar-se no bosque enquanto a chuva avançava para eles.
—Espero que os lobos não os alcancem — falei.
As primeiras gotas caíram sobre o nariz de Bert e ela sorriu, mostrando um grande
oco onde faltavam mais dois dentes.
—Não comerão ao meu papai porque ele tem espada. E não comerão a lady Alisoun
porque é muito brava.
Bert tinha razão. Quando cessou a chuva, sir David e lady Alisoun chegaram
caminhando até o castelo. Logo comeram, tomaram um banho, e se foram à cama
durante muito, muito tempo.
Esse ano, em toda Northumbria se recolheram tais colheitas que arrebentaram os
celeiros. Na primavera lady Alisoun deu a luz a um par de saudáveis varões: gêmeos! Sir
David esteve a ponto de estalar de orgulho, e contava a qualquer que queria ouvi-lo a
história que relatava sua avó sobre o grande amor, que enfraquecia a todos os que
estavam perto.
Nós não precisávamos escutar a história: estávamos vivendo-a.
Fim
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Série Cavalheiros
1 – Amor no Castelo
2 – Paixão na Abadia
GRH
Grupo de Romances Históricos
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