O documentário “Criaturas que Nasciam em Segredo” nos expõe às
vidas de cinco pessoas pequenas, isto é, que possuem nanismo - embora sejam conhecidas como anãs, por conta do histórico de ridicularização associado a esse termo, em muitos contextos, utiliza-se, em substituição, “pessoas com nanismo” ou “pessoas pequenas”. A partir dos relatos dessas cinco pessoas, foi possível abordar importantes elementos de suas vidas, como infância, vida profissional, família, sexualidade, todos trazendo a discriminação e o preconceito que cerca essas pessoas. Em apenas trinta minutos, o documentário conseguiu explicitar problemáticas cruciais na vida de pessoas pequenas, referentes ao tratamento depreciativo que recebem da sociedade. Pessoas com nanismo são vistas como crianças, recebem apelidos maldosos e estão suscetíveis à violência (é relatada uma situação de apedrejamento). São obrigadas a cumprir o papel de alívio cômico para as pessoas de altura mediana; como bufões, na história antiga, e como personagens caricatos em filmes de comédia e programas de humor, na contemporaneidade. A construção e veiculação de uma imagem negativa e estereotipada das pessoas pequenas restringem-nas a posições de subalternidade na sociedade, dificultando a conquista de um emprego e/ou a ascensão social. Além disso, essa percepção limitante dessas pessoas ocasiona a falta de empatia e indiferença para com elas, naturalizando a violência que sofrem e provocando sua desumanização e, consequentemente, sua marginalização. Pelo relato de uma das mulheres com nanismo que diz que evitava se aproximar de outras pessoas pequenas e que não se imaginava se relacionando com outra pessoa assim, percebe-se que essa construção pode ser internalizada por essas pessoas, ocasionando a replicação dessa percepção negativa, na qual pessoas pequenas repudiam pessoas pequenas. A exotificação é um fenômeno bastante recorrente na vida das pessoas pequenas; ora elas provocam estranhamento por ser quem são, ora elas despertam fascínio pela mesma razão. Pessoas pequenas são vistas como um espetáculo, sendo tratadas como peças que podem ser exploradas economicamente ou sexualmente. Seus corpos atiçam a curiosidade, sendo alvos de fetiche, mas também são demonizados, sendo associados ao pecado e à sexualidade anormal e grotesca. Em consequência disso, podem ser impedidas de adquirir conhecimentos acerca do seu próprio corpo e de ter agência sobre ele, impossibilitando a plena e saudável vivência afetivo-sexual. Por conta disso, é reconfortante ser exposta ao casal de pessoas pequenas que engravidou e ao depoimento da mulher sobre sua vontade de gritar que estava grávida – algo que poderia ser lido como um grito de libertação. Um grito de libertação contra as baixas expectativas, a descrença, a desmotivação, a subestimação, a pressuposição de incapacidade, o local de falta de agência em que foram colocadas. Ainda que vida das pessoas pequenas, infelizmente, esteja marcada irrevogavelmente pelo estigma e pela exclusão, ao longo do documentário, somos apresentados não somente à privação de acesso a direitos básicos e à sua integração social precária as quais estão submetidas, mas também às suas potencialidades, seus desejos, suas conquistas, constituindo um retrato honesto de suas vidas, explicitando tanto as dificuldades quanto as possibilidades.