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Pedagogia do Piano no ensino à distância: uma experiência

Daniel Lemos Cerqueira

UFMA/UEMA/UNIRIO/FAPEMA, dal_lemos@yahoo.com.br

Resumo: Este breve resumo expandido, proposto para o Workshop Comemorativo de 20


anos de EaD na UEMA sob a temática “Práticas educativas amparadas por inovações
tecnológicas”, constitui um relato de experiência da disciplina Iniciação Instrumental Piano do
Curso de Licenciatura em Música à distância da UEMA como professor conteudista. São
apresentadas referências atuais sobre o ensino de instrumentos de teclado à distância,
sucedidas da explanação do método e resultados da disciplina ministrada. Conclusões
apontam para dificuldade em trabalhar a corporalidade no ensino de instrumento musical.

Palavras–chave: Pedagogia do piano. Instrumentos de teclado. Ensino à distância.


Performance Musical. Práticas Interpretativas.

INTRODUÇÃO
Apesar de termos algumas experiências de sucesso, conforme apontam Rosas e Starosta
Neto (2009), Rosas e Westermann (2009), Rossit e Oliveira (2012), Ribeiro (2013), Costa
(2013), Pike In: Barancoski (2014), Rossit (2014), Santos e Nunes (2014), Costa e Marins
(2015), o ensino à distância ainda apresenta muitos desafios para o professor de instrumento
musical. Algumas perguntas que nos fazemos são: como se certificar sobre o controle motor
e a sensação tátil que o estudante está tendo no instrumento apenas por vídeos? Como saber
se a sonoridade está sendo bem conduzida no ambiente somente por meio do áudio captado
e transmitido? E como oferecer acesso eficiente a estas competências, que se mantiveram
vivas entre gerações de professores e estudantes através da tradição oral e ainda não podem
ser documentadas pela tecnologia atual? Nesse breve trabalho, pretendemos apresentar as
estratégias pedagógicas desenvolvidas para o ensino de piano, teclado e outros instrumentos
de teclas no contexto do curso de Licenciatura em Música à distância da UEMA.

METODOLOGIA
No projeto pedagógico do curso de Licenciatura em Música, há cinco disciplinas voltadas à
prática de instrumento harmônico em sequência: Iniciação Instrumental, Instrumento Básico,
Instrumento Elementar, Instrumento Avançado e Instrumento Superior, sendo que o estudante
pode optar por piano ou violão. Ressaltamos que o presente relato de experiência contempla
a disciplina que inicia essa sequência, ou seja: Iniciação Instrumental. No Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA) da UEMAnet, as disciplinas foram estruturadas com as seguintes
avaliações/verificações: um fórum virtual; um trabalho presencial e outro à distância; e provas
presenciais de primeira e segunda chamadas, com possibilidade de recuperação e final caso
o estudante não tenha obtido a média final. Destacamos, ainda, que o curso possui polos em
20 municípios, totalizando 40 tutores (dois por polo, sendo um presencial e outro à distância).
Cada polo possui uma turma de até 30 estudantes, havendo atualmente 549 matrículas. Para
definir as competências e abordagens a serem adotadas, houve uma parceria entre os
professores de piano e violão, pois os critérios de avaliação deveriam ser os mesmos para
ambos os instrumentos – somente o conteúdo, a bibliografia e as videoaulas específicas de
cada instrumento seriam diferentes. Assim, combinamos as seguintes avaliações: no fórum
virtual, cada estudante faria um relato de sua experiência de estudo; o trabalho presencial
consistiria em um debate sobre questões vivenciadas na prática instrumental; o trabalho à
distância seria o envio de um vídeo tocando uma peça estudada no semestre; as provas de
primeira e segunda chamadas envolveriam a interpretação de duas peças, enquanto as de
recuperação e final contemplariam três peças. Na bibliografia definida para piano,
disponibilizamos livros didáticos – “métodos” – conhecidos em língua portuguesa, voltados a
habilidades específicas: acompanhamento, leitura à primeira vista ou interpretação de

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repertório solo. Não trabalhamos inicialmente o ensino em grupo. Além disso, elaboramos um
e-book de caráter introdutório (CERQUEIRA, 2018), contemplando: 1) história e organologia
dos instrumentos de teclado; 2) hábitos e estratégias de estudo; 3) breve análise dos livros
didáticos disponibilizados; e 4) introdução à prática nos instrumentos de teclado, com
ilustrações sobre postura, corporalidade e o conceito de dedilhado lógico. Sabendo da
provável escassez de pianos acústicos nas cidades do interior maranhense, disponibilizamos
materiais que também servem para o estudo de piano digital e teclado eletrônico – indicamos
que esse último deveria ser preferencialmente do tipo sensitivo. Reforçamos ainda no e-book
e junto aos tutores a importância dos estudantes definirem um cronograma semanal de
estudos, pois endossando o que dizem Rosa e Neto (2009, p. 9), a prática é fundamental: em
disciplinas práticas, não é possível “estudar no dia da prova”, pois o cérebro precisa de tempo
para assimilar as habilidades motoras. Para os estudantes que não possuíam o instrumento,
sugerimos fazer uso ou pedir emprestado a pessoas ou instituições em sua cidade que
dispusessem do mesmo. E para aqueles que não possuíam um teclado do tipo sensitivo,
disponibilizamos uma videoaula que trata sobre as diferenças interpretativas no órgão, cravo
e piano, estimulando-os a explorar os recursos oferecidos pelo instrumento que possuíssem
em mãos.

RESULTADOS
Baseamos o diagnóstico dos resultados obtidos em dois tipos de dados: 1) os vídeos que os
estudantes enviaram para o trabalho à distância; e 2) o feedback solicitado aos tutores
presenciais e à distância no fórum de capacitação da disciplina. Do total de 549 estudantes,
158 (28,8%) enviaram vídeos tocando uma peça em instrumento de teclado, enquanto 182
(33,2%) o fizeram para violão – 249 (45,3%) não entregaram. Para nossa surpresa, havia
estudantes interpretando peças em um pequeno órgão e em um harmônio, instrumentos
ligados à prática musical na Igreja Católica. A grande maioria apresentou peças provenientes
dos métodos indicados – deixamos em aberto a possibilidade de contemplar uma peça de
livre escolha, caso o estudante já tivesse afinidade com instrumentos de teclado fora do curso.
Ao analisar mais qualitativamente os vídeos, percebemos que praticamente todos estavam
demonstrando excesso de ativação muscular de mãos, antebraços e braços durante a prática,
inclusive aqueles que já tinham experiência em instrumentos de teclado. Com relação ao
feedback dos tutores, os mesmos disseram que os estudantes não gostaram do e-book da
disciplina: sentiram falta de um livro com estudos e exercícios, assim como ocorre nos
“métodos” tradicionais para estudo de instrumento musical. Foi sugerida, ainda, a
disponibilização de gravações em áudio e, principalmente, vídeo das peças dos livros, para
que os estudantes possam ter melhores referências musicais das mesmas. Com relação aos
estudantes, os tutores afirmaram que a maioria deles teve dificuldade em definir um
cronograma de estudos, devido ao acúmulo de tarefas cotidianas dos mesmos.

DISCUSSÃO
Com relação ao excesso de ativação muscular, há o risco dos estudantes adquirirem o que
Kaplan (1987, p. 92-94) chama de “vícios motores”: memorizar e automatizar movimentos que
fazem uso de ativação muscular em demasia. Mesmo através de vídeos, não foi possível
abordar essa questão com maior profundidade, especialmente porque o tutor presencial teve
apenas quatro encontros com a turma e o tutor à distância apenas um. A presença física do
professor continua sendo uma estratégia crucial para trabalhar a corporalidade no ensino e
aprendizagem da Performance Musical, segundo as conclusões de Zorzal e Lorenzo Quiles
(2017). Essa é uma das questões mais relevantes da Pedagogia da Performance Musical à
distância. Sobre o cronograma de estudos, inserimos no e-book uma tabela com os dias da
semana e turnos (matutino, vespertino e noturno) para que os estudantes se organizassem.
No entanto, o contexto do ensino à distância exige por natureza uma maior independência
dos mesmos, que tomam decisões acerca do instrumento escolhido, do repertório, do
cronograma e das estratégias para estudo e da busca por referências. Nesse sentido, é
fundamental que o professor adote estratégias de ensino capazes de estimular, além da
motivação (KAPLAN, 1987), também a autodeterminação (RIBEIRO, 2013) nos estudantes.

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Já o estudante precisa ter consciência de que nos cursos à distância, sua postura deve ser
mais ativa, para assim buscar os conhecimentos e habilidades de seu interesse. Logo, o
ensino à distância nos aproxima muito da autoaprendizagem (GOHN, 2003).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de já termos experiências significativas, ministrar disciplinas essencialmente práticas
continua sendo um desafio no ensino à distância. Os recursos multimídia, amplamente
utilizados nos métodos científicos da pesquisa artística (BORGDORFF, 2012), contribuem
sensivelmente para trabalhar informações visuais e desenvolver a percepção musical. No
entanto, não encontramos maneiras efetivas de trabalhar o controle motor e o mecanismo
cinestésico-tátil. Com relação ao e-book da disciplina, optamos por elaborar uma apostila para
a disciplina posterior da sequência, baseada na abordagem pedagógica tradicional do ensino
de instrumento musical. Apesar de termos necessidade de refletir sobre os procedimentos
didáticos e buscar inovações, essas transformações precisam ser lentas, pois caso contrário
corremos o risco de perder a comunicabilidade com os estudantes – objetivo final de todo o
trabalho.

REFERÊNCIAS
BARANCOSKI, I. As inovadoras possibilidades do ensino de piano a distância – Entrevista
com Pamela D. Pike. AlcanCead, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 44-52, 2014.

BORGDORFF, H. The Conflict of the Faculties: Perspectives on Artistic Research and


Academia. Amsterdã: Leiden University Press, 2012.

CERQUEIRA, D. L. Iniciação Instrumental Piano. São Luís: UEMAnet/UAB, 2018.

COSTA, H. S. B. A Docência Online: um caso no ensino de teclado na licenciatura em música


a distância da UnB. 2013. Dissertação (Mestrado em Música). 140f. PPGM, UnB, Brasília.

COSTA, H. S. B.; MARINS, P. R. A. A Docência On-Line: Um Caso no Ensino de Teclado na


Licenciatura em Música a Distância da UnB. EaD em Foco, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 280-
297, 2015.

GOHN, D. M. Auto-aprendizagem musical: alternativas tecnológicas. São Paulo: Annablume,


2003.

KAPLAN, J. A. Teoria da Aprendizagem Pianística. 2 ed. Porto Alegre: Movimento, 1987.

RIBEIRO, G. M. Autodeterminação para aprender nas aulas de violão a distância online: uma
perspectiva contemporânea da motivação. 2013. Tese (Doutorado em Música). 239f.
PPGMUS, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre.

ROSAS, F. W.; STAROSTA NETO, M. O E-book Teclado Acompanhamento no Curso de


Licenciatura em Música a Distância. CINTED-UFRGS, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 1-11, out-
2009.

ROSAS, F. W.; WESTERMANN, B. Método de Teclado e Violão à Distância com a utilização


das novas TICs. CINTED-UFRGS, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 1-9, out-2009.

ROSSIT, F. H. A. Educação Musical a Distância: Base de Conhecimento Docente para o


ensino de teclado. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação). 135f. PPGE, Centro de
Educação e Ciências Humanas, UFSCar, São Carlos.

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ROSSIT, F. H. A.; OLIVEIRA, M. R. G. Educação Musical a Distância: os saberes docentes
relacionados ao ensino de teclado. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO À
DISTÂNCIA, 1, 2012, São Carlos. Anais... São Carlos: UFSCar, 2012. p. 1-7.

SANTOS, C. E. F.; NUNES, H. S. O ensino de teclado acompanhamento por EaD: um modelo


de inovação tecnológica e educacional na formação de professores de música para a escola
básica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENSINO SUPERIOR À DISTÂNCIA, XI, 2014,
Florianópolis. Anais... Florianópolis: UNIREDE, 2014. p. 507-517.

ZORZAL, R. C.; LORENZO QUILES, O. Teacher-student physical contact as an approach for


teaching guitar in the master class context. Psychology of Music, Londres, v. 46, p. 72, 2017.

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