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As tecnologias da informação e da comunicação na formação de professores

As tecnologias da informação e da comunicação


na formação de professores

Raquel Goulart Barreto


Glaucia Campos Guimarães
Ligia Karam Corrêa de Magalhães
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Educação

Elizabeth Menezes Teixeira Leher


Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde

Contextualização ção, mas por compreender território difícil de deli-


mitar, caracterizado por muitos deslocamentos de
Este texto corresponde a um recorte do estado centro e margens, relacionados à objetivação das tec-
do conhecimento em educação e tecnologia, produ- nologias mesmas e da sua incorporação educacio-
zido a partir de 331 documentos (242 dissertações, nal, bem como aos espaços de lugares e de fluxos
47 teses e 42 artigos) elaborados entre 1996 e 2002.1 envolvidos (Oliveira, 2001). Cabe registrar que, nes-
Ainda que, nos limites deste artigo, as múltiplas di- sa área, por conta das discussões paradigmáticas, a
mensões do estudo mais amplo não sejam objeto de própria noção de mapeamento pode ser objeto de
discussão, dois aspectos parecem necessários à com- contestação. Diante desse quadro, a alternativa foi
preensão do presente recorte. buscar traçar uma panorâmica, apontando tendênci-
O primeiro deles está relacionado à própria con- as que possam vir a favorecer a consolidação dos
figuração do estudo. De um lado, a condição de es- estudos marcados pelo movimento de aproximação
tado do conhecimento suscita a expectativa de ma- de educação e tecnologia, mais precisamente das
peamento de uma área de saber. De outro, a área tecnologias da informação e da comunicação (TIC),
específica (educação e tecnologia) torna mais com- implicando modos de recontextualização das últi-
plexo o atendimento a essa expectativa, não apenas mas na primeira (Bernstein, 1990).
por ser nova, por estar em processo de configura- O segundo aspecto, indissociável do primeiro,
diz respeito à presença da quantificação, notadamen-
te no que tange à freqüência de elementos e relações
1
Pesquisa financiada pelo Instituto Nacional de Estudos e nos documentos pesquisados. Por sua vez, os aspec-
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e realizada pela tos quantitativos, em si, imprescindíveis ao mapea-
ANPEd, em 2004, por equipe integrada pelas autoras deste artigo mento de tendências, não podem dar conta das dife-
e Nilda Guimarães Alves, da qual resultou um relatório a ser pu- rentes questões envolvidas. São importantes porque
blicado pelo INEP. referidos a uma matriz interpretativa a que, a rigor, a

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própria coleta dos dados já responde. Em outras pala- presencial, a distância (EAD),2 e virtual;3 e os usos
vras, os aspectos quantitativos sustentam os movimen- específicos, traduzidos em aplicações tópicas, na
tos analíticos que materializam a abordagem da di- medida em que centrados em determinados suportes,
mensão qualitativa do estudo. necessidades ou conteúdos.
Para explicitar o modo de construção do objeto É possível verificar que, em termos de freqüên-
no estudo aqui recortado, é oportuno o registro dos cia, as T&D analisadas tratam especialmente das TIC
seus vários movimentos: levantamento no portal da no ensino. São 186 estudos (64% do total), elabora-
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní- dos a partir de focalizações que podem ser sintetiza-
vel Superior (CAPES); desenvolvimento de estraté- das na incorporação das TIC: à formação de profes-
gias de acesso aos textos propriamente ditos, sores (FP), nas suas mais variadas configurações:
viabilizado em mais de 90% dos casos; elaboração de inicial e continuada, presencial e a distância, como
resumos ampliados, com base no modelo da Red formação e capacitação; e às práticas desenvolvidas
Latinoamericana de Documentación e Información en nos diferentes espaços pedagógicos, seja na condição
Educación (REDUC), a partir da leitura dos textos; de ferramentas ou instrumentos, seja na perspectiva
discussão dos pontos de entrada no conjunto da pro- do redimensionamento, seja, ainda, em propostas de
dução; e identificação de elementos e de relações virtualização dos processos mesmos, privilegiando a
definidoras das tendências buscadas. aprendizagem por meios eletrônicos.
Os dois últimos movimentos não obedeceram a Em busca dos sentidos atribuídos à presença das
uma seqüência necessariamente linear no processo TIC, abrangendo desde as novas possibilidades agre-
de construção, marcado por idas e vindas, ratifica- gadas às práticas pedagógicas, à reconfiguração des-
ções e retificações. Apenas estão assim sistematiza- sas práticas e do conjunto de reflexões sobre elas, fo-
dos neste artigo visando a favorecer a sua leitura. ram assumidas duas questões inextricavelmente
Com o mesmo objetivo, é importante antecipar que relacionadas: os modos pelos quais as referidas práti-
foram buscados os seguintes elementos: tecnolo- cas são objetivadas nas T&D; e as relações entre edu-
gias privilegiadas; tipos de estudo; contextos de apli- cação e tecnologia que lhes dão sustentação.
cação; modalidades de ensino; abordagens; e refe-
rências bibliográficas. Para tentar dar conta das O recorte
relações entre eles, foram analisados: os focos
constitutivos das produções individualmente consi- Desse conjunto de 186 T&D, recortamos as 88
deradas; as referências teórico-metodológicas espe- (11 teses e 77 dissertações) centradas na incorpora-
cíficas; as palavras-chave como pontos de entrada ção das TIC na/para a formação de professores, cor-
no conjunto da produção; e os cruzamentos dos itens respondentes a 30% do total (289) e quase à metade
anteriores. (47%) dos estudos voltados para a incorporação das
Cabe ainda explicitar que os focos foram estabe- TIC às práticas pedagógicas. O elevado número de
lecidos pela aplicação de critérios sucessivos, sendo T&D acerca da FP, verificável no percentual que re-
o primeiro deles o de amplitude. Nesse primeiro mo- presentam no conjunto dos estudos em que se baseia
mento, foram identificados três blocos de teses e dis- o presente recorte, pode atestar a relevância da temá-
sertações (T&D): as discussões em nível macro, ob- tica privilegiada. Mais ainda, são os sentidos dessa
jetivando as políticas e propostas de inserção das TIC,
subdivididas em concepção de sociedade e paradigma
educacional; as várias inserções das TIC no processo 2
Designando educação a distância e ensino a distância.
de ensino-aprendizagem como um todo (denomina- 3
Em termos gerais, compreendida como aprendizagem por
das TIC no ensino), distribuídas pelas modalidades: meios eletrônicos.

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representação que merecem destaque, já que se trata O que foi lido nas teses e dissertações acerca
da formação dos profissionais da educação e já que das tecnologias da informação e da
as T&D, como já foi dito, focalizam as diferentes con- comunicação na formação de professores
figurações dessa formação.
Em se tratando dos sentidos postos em circula- O lugar e as condições do dizer a respeito deste
ção nas/pelas T&D, é importante explicitar que as mapeamento das T&D que tratam das TIC na FP são
buscas assinaladas ao final da seção anterior reme- introduzidos pela sua distribuição ano a ano:
tem a uma dimensão discursiva. O conteúdo das T&D,
compreendido pelas questões nelas encaminhadas, não Gráfico 1 – Distribuição das T&D por ano
deixa de circunscrever um discurso pedagógico: das ç p
30
e sobre as práticas em que as TIC são incorporadas. 29
25
As escolhas lexicais, por exemplo, materializam, na
23
superfície lingüística, os movimentos de configura- 20

ção dos estudos na área, que, no caso, pode ser iden- 15 17

tificada como educação e tecnologia, nos termos da 10


adição como marca da distância e das tentativas de 8
5
5
aproximação de áreas distintas, ou como tecnologia(s) 3 3
0
na educação, pensando a sua objetivação em contexto 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
específico. Do ponto de vista deste artigo, a escolha
está marcada no título: na formação de professores. Nesta primeira aproximação, é digno de nota o
Além disso, também é importante assinalar que aumento das T&D no período recortado. De 1996 a
este estudo não teve a pretensão de dar conta da aná- 1999, estão apenas 19 dos documentos analisados,
lise dos discursos das T&D, individualmente e em enquanto de 2000 e 2002 eles são 69. A rigor, um
conjunto. Pistas lingüísticas foram seguidas no sen- aumento previsível, considerando pelo menos duas
tido de dimensionar o seu conteúdo, assim como as condições contextuais: o fato de que o período é mar-
referências contextuais foram buscadas para situar cado pela presença crescente das TIC no conjunto das
as questões nelas detectadas, partindo de dois pres- práticas sociais e pela implementação de políticas vi-
supostos: 1) a linguagem não é transparente; e 2) o sando à sua incorporação educacional.
movimento dos sentidos é dimensionado pela relação Os marcos em que esse aumento significativo está
linguagem-história ou, nas palavras de Fairclough inscrito, notadamente no que tange à FP, são caracte-
(2001), nas relações entre discurso e mudança so- rizados por Fonseca (1998, p. 41): “o ano de 1995
cial. pode ser visto como um divisor das recomendações e
Assim como André (2002), no estudo relativo à ‘condicionalidades’ para a concessão de créditos e a
formação de professores no Brasil (1990-1996), in- aplicação de sanções pelo seu descumprimento”. En-
troduziu a análise de conteúdo empreendida pela ex- tre elas, estão as propostas de formação de professo-
pressão: “o que dizem as dissertações e teses”, bus- res a distância.
camos um subtítulo que expressasse a trajetória Também em 1995 é criada a Secretaria de Edu-
empreendida, partindo da delimitação do lugar e das cação a Distância no Ministério da Educação (SEED/
condições do nosso dizer: o que foi lido nas teses e MEC), cuja nomeação traduz o privilégio de um modo
dissertações acerca das TIC na FP. Com ele, a preten- de incorporação educacional das TIC, na condição de
são é ratificar que o dito aqui se baseia nas T&D, sem estratégia de formação pela via do EAD, prevendo
desconsiderar os processos de negociação de senti- programas específicos para esse fim. Em março de
dos que constituem a leitura (Barreto, 2002). 1996, entra no ar a TV Escola. Em 1997, é criado o

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Programa Nacional de Informática na Educação especificamente as possibilidades representadas pela


(PROINFO). Ainda em 1997, é instituído o Programa sua utilização no ensino presencial.
de Apoio à Pesquisa em Educação a Distância O quadro é completado pelas T&D que, não se
(PAPED), em parceria com a CAPES, com o apoio detendo em tecnologias específicas, trabalham aspec-
da Organização das Nações Unidas para Educação, a tos do próprio movimento de recontextualização das
Ciência e a Cultura (UNESCO).4 TIC na FP. São as menos numerosas, ainda que tam-
Esses marcos apontam para condições bastante bém marcadas por destacado aumento em 2001, cer-
favoráveis à elaboração de estudos das TIC: progra- ca de quatro ou cinco anos após a criação da SEED/
mas em âmbito nacional para a incorporação das TIC MEC e a implantação dos seus programas principais.
ao ensino (TV Escola e PROINFO) e apoio financei-
ro para a realização de pesquisas, configurando, sob Como as T&D abordam as TIC na FP
os auspícios dos organismos internacionais, deman-
da induzida. É evidente a predominância da abordagem qua-
litativa (85%), tendência que pode ser verificada nas
De que tecnologias tratam as T&D ciências humanas como um todo. São extremamente
raras as abordagens quantitativas (2%). Como uma
Gráfico 2 – As tecnologias privilegiadas tentativa de síntese das anteriores, foram analisados
estudos que se afirmam quanti-qualitativos e/ou quali-
20
quantitativos (13%), com a denominação marcando a
15 ênfase posta e, nesses termos, indicando que a síntese
Informática
ainda está por ser alcançada.
10 TV e vídeo
TIC em geral Quanto à configuração teórico-metodológica as-
5 sumida, é importante observar que quase a metade
das T&D corresponde a estudos de caso, embora essa
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 denominação algumas vezes pareça esvaziada, na
medida em que indiscriminadamente utilizada, che-
Nesse gráfico, é possível confirmar a hipótese gando a sugerir uma espécie de “guarda-chuva” para
de trabalho de que as tecnologias da informática são abrigar os mais diversos estudos pontuais. Também
as mais presentes e descrevem curva sempre ascen- são freqüentes movimentos de pesquisa-ação e estu-
dente. Com o pico das produções localizado no ano dos avaliativos. Em relação às demais possibilidades,
de 2001, esse é o único aspecto em que não há de- a dispersão é bastante grande, conforme o gráfico a
créscimo em 2002. seguir:
Televisão e vídeo aparecem em um crescendo até
2000, apresentando queda significativa nos anos sub- Gráfico 3 – Percentual: Tipos de estudo
seqüentes. Em sua maioria, as T&D tratam da TV
Escola e de outros programas voltados para a utiliza-
ção de televisão e vídeo, com vista à formação de
professores a distância. Apenas duas delas trabalham

4
Datação que também pode explicar, pelo menos em parte,
o pico de 2001, considerando os prazos para a integralização dos
cursos de mestrado e doutorado.

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Cabe ainda observar que essa classificação foi de ensino e pela recontextualização redutora das TIC
feita com base nas afirmações constantes das T&D. proposta pelo MEC, ao criar a SEED para dar conta
Somente nos casos em que não havia, por parte dos desse movimento. A distribuição representada anterior-
autores, identificação clara do tipo de estudo empreen- mente parece dar conta da demanda induzida referida,
dido, foi verificada a sua correspondência/pertinên- já que são 52 T&D, em um universo de 88 (cerca de
cia a um dos tipos listados. 60%), centradas nas TIC para a FP a distância. Contu-
do, também parece corroborada a tendência de superar
As referências assumidas nas/pelas T&D a identificação restritiva das TIC à EAD, igualmente
indicada na nova caracterização do PAPED,5 ainda que
Na esmagadora maioria das T&D, predominam a sua denominação original permaneça.
as referências nacionais (91%), suscitando a discus-
são de pelo menos dois aspectos, estreitamente rela- Tabela 1 – Distribuição das
cionados à dispersão caracterizada anteriormente. Por T&D na FP – 1996-2002
um lado, a existência, no Brasil, de expressiva produ-
Focos Ano 19961997 1998 19992000 2001 2002 Total
ção consolidada na área. Por outro, os fatores ligados
TV escola 0 0 0 2 4 4 3 13
à acessibilidade das produções, incluídas aí as possí-
PROINFO 0 0 0 0 2 5 4 11
veis barreiras lingüísticas. Outros
EAD – FP 1 1 2 2 2 5 1 14
As referências bibliográficas mais presentes são: programas
TIC no
Cursos
Lévy, Morin, Schaff, Castells, Piaget, Vygostky, ensino
específicos
1 1 1 2 3 5 1 14
Papert, Babin, Freire, Valente, Kenski, Pretto e Ferramentas 0 0 0 1 0 1 4 6
Presencial Redimen-
Belloni. Como é possível verificar, alguns autores ci- 0 1 1 1 3 6 2 14
sionamento
tados se caracterizam pela abordagem das TIC dentro Virtualização do ensino 1 0 1 0 3 3 8 16
e fora dos contextos educacionais. Outros, sequer Total 3 3 5 8 17 29 23 88
abordam questões relacionadas às TIC, até por im-
possibilidade histórica, como Piaget, Vygostky e Nessa mesma tabela, é possível verificar que, a
Freire. No caso, suas obras são tomadas para a anco- despeito do privilégio atribuído à EAD, está configu-
ragem das TIC na educação, tendo por base as con- rado significativo espaço do ensino presencial e que,
cepções acerca de aprender-ensinar. neste, a tendência aponta no sentido da incorporação
das TIC para o redimensionamento do processo ensi-
As focalizações que caracterizam as T&D no-aprendizagem, sugerindo superação da perspecti-
va tecnicista, centrada na concepção das TIC como
Tomando o conjunto das T&D agrupadas em TIC ferramentas e instrumentos. Nessa distribuição, o foco
no ensino, a partir da aplicação do critério de abran- mais freqüente nas T&D corresponde à incorporação
gência, foram produzidos desdobramentos que, por das TIC para o redimensionamento do processo de
sua vez, resultaram em novos subgrupos, concernen- ensino-aprendizagem, sugerindo, mais do que uma
tes às modalidades de ensino e, finalmente, aos con- simples presença favorecedora da consecução dos
textos de aplicação (EAD) e/ou aos sentidos atribuí- mesmos objetivos, a possibilidade de que sua recon-
dos à inserção das TIC (ensino presencial). textualização instaure diferenças qualitativas no pro-
Da aplicação dos novos critérios, resultou a dis- cesso de formação globalmente considerado.
tribuição ano a ano que constitui a Tabela 1.
As T&D centradas nas TIC na/para a FP eviden-
ciam a ênfase na formação a distância, que pode ser 5
Cf. <http://www.capes.gov.br/capes/portal/conteudo/10/
explicada pelo investimento maciço nessa modalidade PAPED.htm>.

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Em contrapartida, os números absolutos parecem As palavras e expressões foram destacadas como


não expressar a tendência mais atual dos estudos na as escolhas lexicais dos autores das T&D e, portanto,
área. Nos últimos anos do período pesquisado (2000- como pontos de entrada para os modos de objetiva-
2002), adquirem relevo propostas de “virtualização” ção das TIC no ensino e, mais especificamente, para/
do ensino, expressando a aprendizagem por meios ele- na formação de professores. Do ponto de vista quan-
trônicos, redimensionando as categorias tempo- titativo, foram levantadas a partir da sua recorrência
espaço e, nesses termos, apontando para a ruptura com nas três modalidades de ensino identificadas: EAD;
a demarcação da sala de aula e da escola, pelo menos presencial; e virtual, ou tendente à virtualização. São
na configuração histórica conhecida por todos. elas:
Esse movimento está representado no Gráfico 4, Educação a distância, a mais recorrente das ex-
a seguir. pressões, refere-se à EAD para a formação continua-
da de professores para os mais diversos níveis, da
Gráfico 4 – Foco das T&D por ano educação básica ao ensino superior, sendo defendida
como: alternativa metodológica; garantia de forma-
21
ção com qualidade; formação em serviço que visa à
18
articulação teoria-prática; e formação cooperativa.
15
EAD Outras palavras recorrentes são: capacitação,
Nº de T&D

12
Presencial
atualização, qualificação e treinamento, referindo-
9 Virtualização
se a cursos de formação continuada, sejam estes pre-
6
senciais ou a distância. As três primeiras remetem a
3
discussões sobre pressupostos situados na área se-
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 mântica da incapacidade; treinamento, por sua vez,
aponta para uma perspectiva restritiva do que seria
A partir da leitura das T&D, foram identificadas a formação.
as características definidoras do chamado ensino vir- Multiplicador, facilitador, tutor e animador são
tual, em um movimento de dupla diferenciação: (1) termos que substituem professor, redefinindo suas
da EAD pela (ao menos suposta) ruptura com a lógi- funções em perspectiva igualmente restritiva, nesse
ca distributivista; e (2) do ensino presencial pelo contexto em que a expressão trabalho docente tam-
modus operandi, tanto no que concerne à mediação bém cede lugar a tarefas e atividades docentes. Nes-
do professor, quanto aos ambientes em que pode ser ses termos, o que as formulações acerca das TIC na
desenvolvida. EAD tendem a sugerir é uma espécie de facilitação
Para chegar a essa definição, foram analisadas dos processos “formativos”.
as palavras-chave na/da leitura das T&D. No que se refere aos produtos, a palavra compe-
tência, ainda que menos freqüente, aparece como cha-
As palavras-chave na/da leitura das T&D ve importante, tendo em vista que presente como:
noção, por vezes com a reivindicação do estatuto de
No que diz respeito às palavras-chave, é preciso conceito; princípio de organização curricular; e me-
esclarecer que, do ponto de vista analítico adotado, canismo para a certificação.
não se restringem às definidas pelos autores e regis- O desenvolvimento de competências e habilida-
tradas no banco de dados da CAPES, mas incluem des está diretamente ligado a outras palavras-chave
expressões que podem esclarecer as tendências a se- presentes nas T&D: os meios e os recursos. As tecno-
rem analisadas, com base nas leituras que sustenta- logias interativas são apontadas como responsáveis
ram a produção dos resumos analíticos. por mudanças estruturais na FP. Dentre os meios e

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recursos, são destacados: o rádio, a televisão, o vídeo duas tendências diretamente ligadas às modalidades
e, principalmente, o computador. Neste, merecem des- de ensino e aos contextos de aplicação das TIC: o
taque: chat, correio eletrônico, hipermídia/hipertexto, privilégio da abordagem da formação de professo-
home page, Internet, lista de discussão e videoconfe- res por meio da EAD; e a proposta da virtualização
rência, trabalhados como métodos de instrução, apoio do ensino, como movimento expresso pelas propos-
e suporte às tarefas docentes. tas verificadas na construção dos objetos de estudo
É possível observar a ausência de referências às ou, ainda, nas conclusões e recomendações dos tra-
tecnologias há muito apropriadas pela escola, a ponto balhos.
de serem ditas “educacionais”, mesmo quando as T&D
se reportam ao ensino presencial. Parece que estas A abordagem da EAD
foram simplesmente descartadas, apagadas e substi-
tuídas pela informática, pelos multimeios e pelas no- No que se refere à tendência de focalizar a FP a
vas mídias, em nome da atratividade e da interativi- distância, que soma mais da metade (55 em 88) das
dade. Em geral, as chamadas novas tecnologias são T&D, a consideração inicial é a sua vinculação à pro-
associadas a mudanças estruturais e, ao mesmo tem- posta do MEC para a incorporação das TIC, explici-
po, desvinculadas das condições materiais dos con- tada na seção anterior. A partir daí, é preciso interro-
textos educacionais, mesmo quando a EAD é defen- gar a EAD de que tratam as T&D.
dida como única alternativa de acesso às TIC. Retomando a Tabela 1, é possível verificar que
O acesso, a inserção, a implantação e, mais ra- os estudos estão centrados em programas com a chan-
ramente, a apropriação das TIC estão postos no sen- cela ministerial (TV Escola e PROINFO), em progra-
tido de inovar/modernizar os processos educacionais, mas outros, sejam eles mais ou menos relacionados
em geral, e os de formação docente, em particular. aos primeiros, e, ainda, em cursos específicos. Se esse
Na maioria das vezes, o acesso às TIC é a tônica as- é, por assim dizer, o conteúdo das T&D que tratam da
sumida nas T&D, sem o questionamento dos modos EAD na formação de professores, é preciso investi-
e dos sentidos do acesso. gar a contextualização desses programas e cursos nes-
As redes são uma metáfora-chave, especialmen- se processo.
te na abordagem das produções relacionadas à Algumas das T&D localizam programas e cur-
virtualização do ensino, na medida em que sustentam sos na formação inicial dos professores, como de-
as concepções de colaboração e cooperação, ultrapas- monstra o Gráfico 5:
sando projetos elaborados por especialistas e distri-
buídos em broadcasting (Pretto, 2002). Gráfico 5 – Relação entre modalidades
Finalmente, ambientes de aprendizagem estão de ensino e formação inicial
referidos a: laboratório de informática, laboratório de
EAD, espaço virtual, ambiente web, comunidade vir- 5

tual, ciberespaço. É essa a expressão que, nas T&D, 4


sustenta a proposição de outros espaços de aprendi-
3
zagem, na ruptura com o conceito físico e na consti-
tuição fora dos limites da sala de aula e da escola. 2

1
Uma análise de tendências
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
A leitura das T&D defendidas no período recor- EAD Presencial Virtualização
tado (1996-2002) permitiu identificar pelo menos

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Já a grande maioria se refere ao contexto da for- cial. Em ambos os casos, sugerem que a EAD inclua
mação continuada:6 momentos presenciais.
As T&D voltadas para a EAD contemplam a aná-
Gráfico 6 – Relação entre modalidades lise de programas, mas empreendem movimentos di-
de ensino e formação continuada versos. Algumas objetivam os programas em si, des-
tacando aspectos relativos à sua concepção, incluindo
18 seus pressupostos, ao modus operandi projetado, aos
15 materiais que os sustentam etc. Outras incluem dis-
12
cussões relativas a lacunas entre o discurso moderni-
9
6 zador que justifica esses programas e a ausência de
3 condições objetivas que favoreçam a sua implemen-
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
tação. Todas incluem críticas mais ou menos siste-
máticas aos programas analisados, distinguindo-se
EAD Presencial Virtualização
pela presença ou ausência de sugestões de reformula-
ção. Dito de outro modo, as T&D inscritas nessa li-
Neste ponto, vale lembrar que podem ser levan- nha tendem a enfatizar as contribuições dos progra-
tadas algumas objeções à caracterização de progra- mas de EAD para a “capacitação” de professores,
mas como o TV Escola e o PROINFO como sendo de ainda que sugiram a reformulação dos aspectos “frá-
EAD. No entanto, as T&D não as assumem. Algumas geis” detectados.
até as registram, mas seguem na direção da sua análi- É digno de nota, ainda, o movimento de funda-
se como EAD. mentar a FP, inicial ou continuada, em competências,
Assim, é importante caracterizar as trajetórias na condição de princípio de organização e critério de
empreendidas nas T&D centradas na EAD para a FP, avaliação. Em outras palavras, as T&D tendem a pen-
compreendendo pressupostos, abordagens e conclu- sar as TIC na EAD com base nas competências e habi-
sões e recomendações. Nesse sentido, é possível lidades que, somadas, apontam para (em alguns casos
mapear duas trajetórias que, no limite, demarcam pó- a idéia é a de que “garantem”) o desempenho docente
los opostos, sem deixar de reconhecer a existência de projetado.
nuanças no entremeio. A trajetória oposta parte do pressuposto de que a
A primeira dessas trajetórias parte do pressupos- EAD reduz a FP à capacitação, qualificação, atualiza-
to de que a EAD, desde que tecnicamente bem elabo- ção e ao treinamento, sendo, portanto, insatisfatória.
rada, pode sustentar o desenvolvimento de “progra- As T&D aí agrupadas, em número inferior às da traje-
mas de capacitação” economicamente mais viáveis tória anterior, tendem a apresentar argumentos políti-
do que os presenciais, permitindo o crescimento cos em nível macro, como a concepção dos programas
exponencial do número de formados, capacitados, de EAD no contexto de uma proposta de “globaliza-
qualificados, atualizados e/ou treinados. Nessa linha, ção” excludente e do atendimento às exigências do
os trabalhos geralmente concluem ou sugerem que a mercado. As conclusões que apresentam dizem respei-
EAD seja uma alternativa metodológica viável para a to ao fato de que, ante as múltiplas dimensões da FP
formação continuada e, em menor escala, para a ini- (seja inicial ou continuada), não há como reduzi-la à
EAD, explicitando que o alvo deve ser a formação pro-
priamente dita, não reduzida a uma capacitação que,
6
É de se esperar que pesquisas futuras indiquem mudança por sua vez, signifique apenas certificação.
neste quadro, considerando a atual política de disseminação da As T&D aí agrupadas sugerem maior investimen-
formação inicial a distância. to na formação inicial, destacando a qualidade impli-

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cada no conceito mesmo de formação e apontando no gências que sustentaram a proposta de caracterização
sentido da superação da razão instrumental, tecnicista, e a sua denominação.
no trabalho com as TIC. Tendem a concluir pela ne- A primeira convergência diz respeito à afirma-
cessidade de fortalecimento da dimensão didático- ção do distanciamento da escola em relação às de-
pedagógica da formação, de modo que favoreça uma mais práticas sociais e à necessidade de buscar alter-
postura crítica e consciente diante das TIC, visando, nativas de aproximação. A partir desse ponto, fica
em última análise, à sua apropriação e ao conseqüen- configurada uma divergência nas T&D. Enquanto um
te redimensionamento do trabalho docente. Indicam grupo propõe a incorporação das TIC às práticas pe-
a possibilidade de diminuir o descompasso tempo/ dagógicas desenvolvidas na escola visando à possibi-
espaço entre as práticas sociais e escolares, apontan- lidade de mudanças significativas, outro grupo põe
do em direção oposta à substituição tecnológica. em xeque essa possibilidade, argumentando que es-
As recomendações presentes nesse conjunto de sas mudanças encontrariam obstáculos no sistema
T&D podem ser sintetizadas na promoção das condi- regular, representados por questões de ordem para-
ções objetivas para a apropriação visada, com base digmática e por resistências diversas.
em duas críticas: à ausência de recursos alocados na Ambos os grupos tendem a abordar questões re-
formação inicial presencial, impedindo que os pro- lativas à presença das resistências, mas o fazem par-
fessores formados tenham uma história de apropria- tindo de concepções diferentes e assumem encami-
ção das TIC e, em alguns casos, sequer de acesso a nhamentos diversos. Um primeiro grupo, reunido em
elas; e às simplificações que têm marcado a forma- torno da proposta de redimensionamento do ensino
ção a distância, quer inicial, quer continuada, em que presencial, argumenta que resistências às TIC não
a presença das TIC pode ser valorizada como um fim podem ser dissociadas do fato de que estas têm sido
em si mesma, desconsiderando os modos de acesso impostas como soluções verticais que não levam em
viabilizado. Em suma, enquanto alguns podem não consideração as condições, a complexidade, o coti-
ter sequer acesso às TIC, outros podem tê-lo em con- diano, a experiência, os saberes dos professores e alu-
dições bastante restritivas, obstaculizando o redimen- nos, a cultura da escola. Assim, esse grupo tende a
sionamento do trabalho realizado com elas. propor que as condições concretas dos contextos de
utilização das TIC sustentem todos os encaminhamen-
As relações entre ensino presencial e virtual tos nesse sentido, também como alternativa para evi-
tar que as inovações sejam encerradas em práticas
Também é importante focalizar outra tendência antigas, em movimentos de modernização conserva-
relacionada às modalidades de ensino, apontada na Fi- dora e de mistificação tecnológica. Assume o contex-
gura 4. Como é possível verificar, no final do período to escolar como locus da apropriação das TIC, e re-
contemplado por esta investigação os estudos sobre a presenta mais de 20% das produções analisadas.
EAD apresentam acentuado decréscimo, maior, inclu- Um segundo grupo, reunido em torno do ques-
sive, do que os referentes ao ensino presencial. Enquan- tionamento da possibilidade referida, argumenta que
to isso, apenas os relativos à virtualização são repre- as TIC não podem produzir mudanças significativas
sentados por curva ascendente. na educação regular, ante a orientação “instrucionista”
Portanto, a sistematização dos encaminhamen- da escola. Nesse sentido, afirma que as TIC são in-
tos concernentes às modalidades de ensino deve in- corporadas apenas como ferramentas, pois a escola,
cluir a reflexão acerca das relações entre o ensino como instituição, não dá conta dos novos regimes
presencial e o aqui chamado ensino virtual ou em pro- cognitivos, ainda que alguns avanços possam ser ob-
cesso de virtualização. Para desenvolver esta refle- servados, como a substituição da lógica cartesiana
xão, é preciso assinalar as convergências e as diver- do conhecimento em árvore pela lógica do conheci-

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 31 jan./abr. 2006 39


Raquel Goulart Barreto et al.

mento em rede. Em outras palavras, as TIC são pen- destinação expressa nas políticas oficiais,7 e também
sadas como possibilidades de ruptura que, no entan- como demanda induzida de estudos acerca da moda-
to, não “cabem” nos limites da escola instituída. Daí lidade a distância. No outro extremo está a produção
a sua localização em ambientes de aprendizagem ex- de alternativas cada vez mais plurais e sofisticadas,
tra-escolares, em diferentes propostas de educação para múltiplos fins. Entre as fronteiras, está o ensino
on-line que, somadas, chegam quase a 20% das T&D presencial, não apenas contando com novas ferramen-
recortadas. tas ou instrumentos para a realização de seqüências
Na tentativa de sistematizar as duas tendênci- de ensino-aprendizagem, mas com possibilidades de
as, é possível afirmar que a referida ao ensino redimensionamento do processo.
presencial propõe: o redimensionamento do ensino A demarcação, por sua vez, suscita questões con-
presencial, sem mencionar outro lugar ou modalida- cernentes às relações entre as modalidades de ensino
de que extrapole as instituições educativas regula- focalizadas, aos possíveis limites entre elas. Longe
res; o investimento na interação professor-aluno, seja de serem simples, esses limites são tornados mais com-
na perspectiva afetiva, seja na do compartilhamento plexos pela possibilidade de utilização de critérios di-
da objetividade social; e o fortalecimento do binômio versos. Em uma tentativa de síntese, é importante su-
ensino-aprendizagem. Em contrapartida, a tendên- blinhar critérios derivados: dos meios utilizados e dos
cia à virtualização aponta para: o deslocamento da fins da sua utilização, nas suas relações com os dis-
dimensão presencial para a virtual; uma nova rela- cursos sobre as modalidades de ensino.
ção educativa na comunidade virtual, estabelecida Portanto, esta conclusão é marcada pela retoma-
de “modo espontâneo”, rompendo com a assimetria da das relações entre as modalidades. As referentes a
presente na escola; e a quebra do binômio ensino- ensino presencial e virtual foram, à semelhança da
aprendizagem, privilegiando apenas o segundo ele- tipificação ensino presencial e a distância, assumidas
mento do par, pensado como “auto-aprendizagem”. a partir do locus da utilização. Ambiente foi a pala-
Finalmente, é possível dimensionar as diferen- vra-chave aqui assumida como definidora das pro-
ças entre as tendências por meio do deslocamento postas de virtualização do ensino, na medida da
de um mote conhecido: de não se aprende somente extrapolação do espaço físico da sala de aula e da
na escola para não se aprende na escola. Pelo me- escola, e, nesses termos, uma objeção pode ser feita.
nos não da maneira que é possível aprender fora dela, Ela refere-se ao fato de que, também na medida da
através das TIC. O que implica reconhecer que as ruptura com o espaço de lugares, em direção ao de
T&D voltadas para a proposição do ensino virtual fluxos, o ensino virtual poderia, não só mas também,
assumem uma relação peculiar entre educação e tec- ser localizado na escola. Entretanto, as T&D que pro-
nologias, que não passa exatamente pela recontex- põem a virtualização reivindicam uma outra “distân-
tualização das últimas, mas pela reconfiguração da cia” da escola: a dos padrões assimétricos de interação.
primeira. Em outras palavras, não é apenas uma questão de lu-
gar e de meios, mas de outro fim, sustentado por ou-
Da formação de professores a tra concepção de educação, centrada na “auto-apren-
distância às propostas de e-learning dizagem”.
A expressão referida parece remeter a uma espé-
Essa representação do território que compreen- cie de negação do ensino, em atitude coerente com a
de a incorporação educacional das TIC tem algumas proposta globalmente considerada. Afinal, trata-se de
fronteiras demarcáveis. Em um dos extremos, está a
alternativa produzida nos anos de 1990: a que res- 7
Cf. Plano Nacional de Educação. Disponível em: <http://
tringe as TIC a estratégias de EAD para a FP, como portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf>. Acesso em: 28 out. 2005.

40 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 31 jan./abr. 2006


As tecnologias da informação e da comunicação na formação de professores

proposta de ruptura com os padrões criticados na es- indiferenciação parece promover a necessidade da ad-
cola, da possibilidade de contar com novos dispositi- jetivação cada vez mais constante dos substantivos
vos pedagógicos, da criação de redes comunicacio- da área educacional.
nais de colaboração e cooperação, como forma de É importante verificar que a história recente da
viabilizar novas práticas. Trata-se, em outras palavras, adjetivação dos substantivos relacionados ao ensino
de paradigma educacional emergente, constituído a (presencial, a distância e virtual) parece ter sido leva-
partir da tecnologia informática como propiciadora da ao limite, até que superada pela sua supressão, em
de novos regimes cognitivos, apontando para múlti- nome da aprendizagem. Extrapolando o espaço da
plas possibilidades de aprendizagem, muitas das quais escola, em direção a novos ambientes de aprendiza-
baseadas em movimentos espontâneos que parecem gem, acaba-se por adjetivar a educação mesma: aca-
não caber no ensino, ante a intencionalidade e, por dêmica e corporativa.
conseguinte, a assimetria que o constituem. Vale destacar que toda essa modalização discur-
Quanto aos limites entre ensino virtual e ensino siva, considerando seus pressupostos e implícitos,
a distância, até podem parecer resolvidos, na medida torna cada vez mais complexa a tarefa de organizar a
em que o segundo tende a ser mais formalizado, des- produção acerca das TIC na FP. Ainda que haja ten-
tituído de caráter espontaneísta, associado a progra- dências, aproximações e distanciamentos detectáveis,
mas de estudo a serem cumpridos com disciplina, o que está em jogo são concepções diferentes de so-
perseverança e atributos afins, além de englobar pro- ciedade e de educação, paradigmas distintos, modos
gramas oficiais, alguns deles concebidos e implemen- diversos de objetivação, propostas pedagógicas
tados na esfera ministerial. Mas esses limites tornam- díspares, modalidades variadas, contextos de aplica-
se mais tênues por conta da crescente sofisticação ção específicos.
tecnológica e da sua configuração discursiva. Finalmente, a perspectiva assumida neste mapea-
Do ponto de vista discursivo, uma expressão tem mento, expressa pelo subtítulo “O que foi lido nas te-
promovido o apagamento das fronteiras aparentemen- ses e dissertações acerca das tecnologias da informa-
te nítidas: e-learning, como uma forma de aprendiza- ção e da comunicação na formação de professores”,
gem em que a mediação tecnológica é destacada. Em implica uma indagação: Que outras leituras poderiam
português, tem sido traduzida como “educação a dis- ser feitas? É uma pergunta que, ficando sem resposta,
tância via Internet” e, de novo, provoca a necessida- traz consigo um convite a outras cartografias.
de de distinguir os dois critérios em jogo: os meios
utilizados e os fins da sua utilização.
Na aplicação do critério definido a partir dos Referências bibliográficas
meios, EAD e e-learning podem-se tocar e vazar para
o entorno de uma configuração “neotecnicista”, atra- ANDRÉ, Marli E. D. Afonso de (Org.). Formação de professores
vés da articulação do que há de mais avançado nas no Brasil (1990-1998). Brasília: MEC/INEP/COMPED, 2002 (Sé-
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Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 31 jan./abr. 2006 41


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LIGIA KARAM CORRÊA DE MAGALHÃES, mestre em
tores Associados; Rio de Janeiro: ANPEd, n. 18, p. 101-107, set./
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formação e da comunicação nas políticas de formação de profes-
RAQUEL GOULART BARRETO, doutora em educação pela sores: os sentidos da reconfiguração de trabalho-formação docen-
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é professora da te”. Últimas publicações: Programa TV Escola: o dito e o visto
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Ja- (In: BARRETO, R. G. (Org.). Tecnologias educacionais e educa-
neiro (UERJ). Coordena o grupo de pesquisa Educação e Comuni- ção a distância: avaliando políticas e práticas. 2. ed. Rio de Janei-
cação, no qual está realizando a pesquisa: “As tecnologias da infor- ro: Quartet, 2003. p. 105-119); e em parceria com Raquel Goulart
mação e da comunicação nas políticas de formação de professores: Barreto, Modos de incorporação das múltiplas linguagens na for-
os sentidos da reconfiguração de trabalho-formação docente”, fi- mação de professores (In: ALVES, N.; OLIVEIRA, I. B.;
nanciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e BARRETO, R. G. (Orgs.). Pesquisa em educação: métodos, te-
Tecnológico (CNPq). Publicou recentemente: Formação de profes- mas e linguagens. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 131-141). E-
sores, tecnologias e linguagens: mapeando velhos e novos mail: ligiakaram@gmail.com
(des)encontros (São Paulo: Loyola, 2002); Tecnologias educacio-
nais e educação a distância: avaliando políticas e práticas (2. ed.
ELIZABETH MENEZES TEIXEIRA LEHER, doutora em
Rio de Janeiro: Quartet, 2003); Tecnologia e educação: trabalho e
educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do
formação docente (Educação e Sociedade, n. 89, p. 1.181-1.201,
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, da Universidade
set./dez. 2004); organização em parceira com Nilda Alves e Inês B.
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integra o grupo de pesquisa Edu-
de Oliveira, Pesquisa em educação: métodos, temas e linguagens
cação e Comunicação. Pesquisa em desenvolvimento: “As tecnolo-
(Rio de Janeiro: DP&A, 2005). E-mail: raquel@uol.com.br
gias da informação e da comunicação nas políticas de formação de
professores: os sentidos da reconfiguração de trabalho-formação
GLAUCIA CAMPOS GUIMARÃES, mestre em educação docente”. Últimas publicações: em parceria com Raquel Goulart
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutoranda Barreto, Imagens das tecnologias: a questão do sentido hegemôni-
em educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), co (In: ALVES, N.; OLIVEIRA, I. B.; BARRETO, R. G. (Orgs.).
é professora assistente da UERJ, atuando na Faculdade de Forma- Pesquisa em educação: métodos, temas e linguagens. Rio de Janei-
ção de Professores, em São Gonçalo. Integra o grupo de pesquisa ro: DP&A, 2005. p. 13-22). E-mail: eleher@uol.com.br
Educação e Comunicação, no qual participa atualmente da pes-
quisa “As tecnologias da informação e da comunicação nas políti-
cas de formação de professores: os sentidos da reconfiguração de Recebido em setembro de 2005
trabalho-formação docente”. Últimas publicações: TV e escola: Aprovado em dezembro de 2005

42 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 31 jan./abr. 2006


Resumos/Abstracts/Resumens

rando a necessidade de se repensar o educación, entendidas en el plural, y The technologies of information


sistema educacional, principalmente de éstas con las tecnologías de la and communication in the training
no que diz respeito às questões curri- información y comunicación (TIC). of teachers
culares. Destaca a importância do mo- Aborda los progresos de las TICs y This text aims to discuss how
vimento do software livre, enquanto los movimientos de concentración en technologies of information and
portador de filosofia centrada na coo- la propiedad de los medios de communication (ICT) are used in the
peração e no trabalho coletivo, ressal- comunicación de masa, hace su críti- teachers’ education. Based on theses
tando a importância desse movimento ca, y presenta las propuestas en and dissertations, defended between
para a educação. estudio en la Facultad de Educación de 1996 and 2002, it analyses discrete
Palavras-chave: tecnologia educacio- UFBA, para la formación de elements and relations with the aim of
nal; educação e comunicação; informáti- profesores, considerando la necesidad mapping three trends in the
ca educativa; Internet; tecnologias da de repensar en el sistema educacional, incorporation of ITC: (1) as a strategy
informação e comunicação (TIC); principalmente lo referente a las to develop diverse distance learning
software livre. cuestiones curriculares. Destaca la programmes; (2) as a possibility for
Technologies and new educations importancia del movimiento del improving teaching-learning proces-
This article analyses contemporary sofware libre, en cuanto portador de ses; and (3) as the key to e-learning.
society considering the transformations filosofía, centrada en la cooperación y Key-words: technologies; teachers’
that have taken place in the realms of en el trabajo colectivo, mostrando lo education; teaching modes
science, culture and education. It is importante que es este movimiento Las tecnologías de la información y
considered important to bring culture para la educación. de la comunicación, en la formación
and education back together and Palabras claves: tecnología educacio- de profesores
incorporate information and nal; educación y comunicación; infor- El artículo discute los modos de
communication technologies (ICT) into mática educativa; Internet; tecnologías objetividad de las tecnologías de la
them. We examine the progress of ICT de la información y comunicación información y comunicación (TIC) en
as well as the movement towards the (TIC); sofware libre la formación de profesores. Con base
monopolisation of the mass media and en tesis y disertaciones defendidas entre
present work being carried out in the Raquel Goulart Barreto, 1996 y 2002, analiza elementos y rela-
Faculty of Education at UFBA in Glaucia Campos Guimarães, ciones, direccionado a la descripción
training teachers. We consider it Ligia Karam Corrêa de Magalhães e de tres tendencias de incorporación
necessary to rethink the educational Elizabeth Menezes Teixeira Leher educativa de las TICs: como estrategia
system, curricular issues in particular. As tecnologias da informação e da para el desenvolvimiento de diversas
We highlight the importance of the open comunicação na formação de propuestas de enseñanza a distancia;
source movement as promoting a professores como posibilidad de perfeccionamiento
philosophy based on co-operation and O artigo discute os modos de objetiva- de la enseñanza presencial; y como ele-
collective work and therefore of great ção das tecnologias da informação e co- mento clave para la constitución de una
importance to education. municação (TIC) na formação de pro- enseñanza virtual
Key-words: teaching technology; fessores. Com base em teses e Palabras claves: tecnologías; forma-
education and communication; dissertações defendidas entre 1996 e ción de profesores; modalidades de la
computer education; Internet; 2002, analisa elementos e relações vi- enseñanza
information and communication sando ao mapeamento de três tendên-
technology (ICT); open source software cias de incorporação educacional das Tania Porto
Tecnologías y nuevas educaciones TIC: como estratégia para o desenvol- As tecnologias de comunicação e
El artículo analiza la sociedad vimento de diversas propostas de ensi- informação na escola; relações
contemporánea, a partir de las no a distância; como possibilidade de possíveis... relações construídas
transformaciones del mundo científico, aperfeiçoamento do ensino presencial; e Estamos diante de novas maneiras de
tecnológico, cultural, social y educati- como elemento-chave para a constitui- compreender, de perceber, de sentir e
vo, con el objetivo de hacer una crítica ção de um ensino virtual. de aprender, nas quais a afetividade, a
a este. Considera importante la Palavras-chave: tecnologias; formação imaginação e os valores não podem dei-
reaproximación entre la cultura y la de professores; modalidades de ensino xar de ser considerados. Apesar de a es-

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