Você está na página 1de 103

0

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIENCIAS DA

RELIGIÃO

JOSÉ ROBERTO ALVES LOIOLA

Metodismo de imigração e afro-brasileiros:


Análise de alguns aspectos importantes da relação entre
imigrantes metodistas estadunidenses e população afro-brasileira
na região de Piracicaba no período de 1867 a 1930.

SÃO BERNARDO DO CAMPO, SP.


2011
1

JOSÉ ROBERTO ALVES LOIOLA

Metodismo de imigração e afro-brasileiros:


Análise de alguns aspectos importantes da relação entre
imigrantes metodistas estadunidenses e população afro-brasileira
na região de Piracicaba no período de 1867 a 1930.

Dissertação apresentada em cumprimento às


exigências do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, da Universidade Metodista de
São Paulo, para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Profa. Dra. Lieve Troch

SÃO BERNARDO DO CAMPO, SP.

2011
2

A dissertação de mestrado sob o título ―Metodismo de imigração e afro-brasileiros:


Análise de alguns aspectos importantes da relação entre imigrantes metodistas
estadunidenses e população afro-brasileira na região de Piracicaba no período de 1867 a
1930”, elaborada apor José Roberto Alves Loiola, foi apresentada e aprovada no dia 15 de
Março de 2011, perante a banca examinadora composta por Profa. Dra. Lieve Troch
(Presidente/UMESP), Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Edemir de
Carvalho (Titular/UNESP).

_______________________________________________
Profa.Dra.Lieve Troch
Orientadora e Presidenta da Banca Examinadora

_______________________________________________
Prof.Dr.Jung Mo Sung
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós- Graduação em Ciências da Religião


Área de concentração: Linguagens da Religião
Linha de pesquisa: Teologia das religiões e cultura
3

Ao meu Pai, Joaquim Loiola e

À minha mãe, Rosélia Alves que não cessam de orar mim,

Às minhas avós, Maria Ferreira (in memoriam) e Maria Loiola (in memoriam)

À Lisette Jung, minha companheira e cúmplice em todas as realizações

Aos meus queridos filhos, Samy e Saulo

Aos meus irmãos e irmãs Marcos, Rosana, Rita e Carlos.


4

―Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser
modificado se não for enfrentado‖.
James Baldwin, para o epitáfio de

Martin Luther King


5

AGRADECIMENTOS

Aprendi com a minha família desde cedo, que a nossa existência depende de uma enorme teia
de solidariedade ampliada na medida em que vamos compreendendo que somos incuravelmente
dependentes de outras pessoas. Na vida acadêmica não é diferente. Não se aprende sozinho. Trata-se
de uma experiência não apenas criativa, mas profundamente coletiva. Com efeito, minha gratidão vai
para:
A Profa. Dra. Lieve Troch, por sua amizade e orientações efetivamente decisivas, disciplinadas
e iluminadoras durante a elaboração da presente dissertação;
O Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, por suas palavras de incentivo que provocaram minha
decisão de iniciar os estudos;
O Prof. Dr. Cláudio de Oliveira Ribeiro, pelo incentivo na elaboração inicial do meu
anteprojeto de pesquisa e posterior motivação durante os estudos.
O Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth, por sua amizade e sugestões preciosas para a conclusão do
meu objeto de pesquisa;
A Profa. Dra. Sandra Duarte, por sua amizade e consistentes orientações metodológicas
durante o curso;
A minha companheira Lisette Jung com quem compartilho a vida, não apenas pelo incentivo,
ajuda nos trabalhos de correção e formatação do texto, pelos constantes questionamentos em relação
ao texto, mas, principalmente por sua compreensão.
A minha mãe, Rosélia Alves e meu pai, Joaquim Loiola, pelo grande incentivo e inspiração
para continuar os estudos;
Os amigos, Márcio Divino pelo grande incentivo para entrar no programa, mas também pela
solidariedade sempre disponível e surpreendente; Tarcísio e Paulo Nogueira pelo apoio e suporte
quando de minhas viagens à Piracicaba durante a pesquisa; Márcia, Rubens, Jefferson, Carlos José,
Fernando, Marcos David, Marcos Martins, Maryurí Grisales pelo estímulo e companheirismo durante
o curso.
O Grupo de pesquisa Netmall, pelas idéias e provocações ao meu projeto de pesquisa.
O Museu da Imigração de Santa Bárbara do Oeste e o Centro de Memória Martha Watts em
Piracicaba pelo acesso ao seu acervo.
Agradecimentos especiais ao Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião,
pela hospedagem de qualidade durante o curso e ao Sistema de Bolsas Capes, que através do
programa, tornou possível esta pesquisa.
A todos e todas que de alguma forma, contribuíram na elaboração desta pesquisa.
6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 10

CAPÍTULO I – O CONTEXTO HISTÓRICO DA IMIGRAÇÃO DOS


FAZENDEIROS ESTADUNIDENSES METODISTAS E A REALIDADE
DOS AFRO-BRASILEIROS EM MEADOS DO SÉCULO XIX.

1. Os metodistas estadunidenses e sua herança européia....................................................... 14


1.1. A chegada do protestantismo nos Estados Unidos e o surgimento dos
metodistas...................................................................................................... 16
1.2. Fatores que determinaram a imigração dos metodistas estadunidenses para o
Brasil....................................................................................................................... 22
1.2.1. Fatores econômicos........................................................................................... 26
1.2.2. Fatores políticos................................................................................................. 27
1.2.3. Fatores sociais.................................................................................................... 28
1.2.4. Fatores religiosos............................................................................................... 30
1.3. Outras influências protestantes .............................................................................. 31
1.3.1. Imigrantes alemães e a escravidão..................................................................... 32
2. O contexto histórico dos afro-brasileiros no século XIX................................................... 33
2.1. O colonialismo e o movimento abolicionista ........................................................ 34
2.1.1. A contribuição da mulher no processo da abolição........................................... 41
3. Contexto histórico político brasileiro no século XIX.......................................................... 43
3.1. Da chegada dos metodistas Confederados à abolição da escravatura .....................46
3.2. Os afro-brasileiros e o mercado de trabalho no século XIX................................. 49
3.3. A religião das populações afro-brasileiras............................................................. 50
3.4. Representações dos afro-brasileiros na imprensa piracicabana no Século
XIX........................................................................................................................ 52
4. Conclusão provisória.......................................................................................................... 55
7

CAPÍTULO II – OS AFRO-BRASILEIROS E A MISSÃO METODISTA


EM PIRACICABA DE 1867 ATÉ 1930.

1. As populações negras no imaginário metodista estadunidense........................................... 57


2. O papel da educação na missão metodista em Piracicaba................................................... 60
2.1 . ―Negro não entra na igreja: espia da banda de fora‖.............................................. 63
2.2 . Ecos da abolição na prática missionária dos metodistas......................................... 65
3. Confederados metodistas e afro-brasileiros: uma convivência tensa.................................. 67
3.1. A realidade dos afro-brasileiros em Santa Bárbara do Oeste ................................69
3.2. Relações inter-étnicas no contexto brasileiro do século XIX ................................ 71
3.2.1. Relações inter-étnicas em Piracicaba................................................................ 73
3.3. Imigrantes metodistas no imaginário dos afro-brasileiros de Piracicaba.......... 75
3.4. População afro-brasileira: conta vencida da missão metodista do século XIX...... 76
4. Conclusão provisória.......................................................................................................... 78

CAPÍTULO III – INSERÇÃO E ASCENSÃO DOS AFRO-BRASILEIROS


NA INSTITUIÇÃO METODISTA EM PIRACICABA ATÉ 1930.

1. Institucionalização do movimento metodista em Piracicaba.............................................. 80


1.1. As questões inter-étnicas e o jornal oficial da Igreja Metodista............................. 82
2. Afro-brasileiros(as) na história da Igreja Metodista Central de Piracicaba entre 1883 a
1930..................................................................................................................................... 83
2.1. Na membresia da igreja local................................................................................. 84
2.2. Como pastores e pastoras da igreja local................................................................ 86
3. Afro-brasileiros(as) na história do Colégio Piracicabano.................................................. 86
3.1. Corpo docente e administrativo.............................................................................. 87
4. Possíveis implicações de tensões inter-étnicas no processo de autonomia da Igreja
Metodista Brasileira............................................................................................................ 88
5. Limites e horizontes metodológicos................................................................................... 91
6. Conclusão provisória........................................................................................................... 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 97
ANEXOS..............................................................................................................................103
8

LOIOLA, José Roberto Alves. Metodismo de imigração e afro-brasileiros: análise de


alguns aspectos importantes da relação entre imigrantes metodistas estadunidenses e
população afro-brasileira na região de Piracicaba no período de 1867 a 1930. UMESP. São
Bernardo do Campo – SP. 2011.

RESUMO

Os imigrantes metodistas americanos que chegaram ao Brasil em meados do século XIX na


região de Piracicaba, são majoritariamente do sul dos Estados Unidos e, portanto,
escravocratas. Encontram aqui não apenas a oportunidade de reconstruírem suas vidas
devastadas pela guerra de secessão (1861-1865), como também uma nova possibilidade de
reviverem seus ideais escravocratas, num país ainda escravagista. Com efeito, a presente
dissertação versa sobre alguns aspectos importantes das relações destes imigrantes com a
população afro-brasileira, priorizando o recorte histórico entre 1867-1930 e procurando
destacar situações históricas na região de Piracicaba. Na tentativa de reconstituir possíveis
anseios de liberdade dos afro-brasileiros, sua resistência e luta pela abolição, a pesquisa
discute também o contexto de transição do país em face do liberalismo emergente na
economia e na política, o que facilitou em muitos aspectos a inserção do protestantismo. Em
face do exposto, a fundamentação teórica será feita a partir de autores como Boaventura de
Souza Santos (2006), Frantz Fanon (1968;2008), Abdias do Nascimento (1978), Eugene
Genovese(1983), Justus Gonzalez (2007), Antonio Gouveia Mendonça (2008), José Carlos
Barbosa (2002), Júlio Chiavenato(1988), Eugene Harter (1985), Peri Mesquida (1994), Judith
MacKnigth Jones (1967) entre outros. O distanciamento da missão metodista em relação às
necessidades das populações afro-brasileiras demonstra que os metodistas direcionaram sua
missão mais para si mesmos, como colônia e posteriormente, para as elites. As populações
pobres, incluindo os afro-brasileiros da região, não foram contempladas. Isso pode explicar a
ausência destes nas instituições metodistas até 1930 quando da autonomia da Igreja Metodista
do Brasil em relação à Igreja Metodista Episcopal do Sul dos Estados Unidos.

Palavras chaves:
Imigração – Tensão inter-étnica – Metodismo – Missão – afro-brasileiro
9

RESUMEN

Los inmigrantes metodistas americanos que llegaron al Brasil a mediados del síglo XIX, en la
región de Piracicaba, fueron en su mayoría del sur de los Estados Unidos y, por lo tanto, eran
favorables a la esclavitud. Encuentran aquí no solamente una oportunidad para reconstruir sus
vidas devastadas por la guerra de secesión (1861 – 1865), sino que también ven una nueva
posibilidad de revivir sus ideas esclavistas en un país en donde la esclavitud aún existía. De
esta forma, la presente disertación aborda algunos aspectos importantes de las relaciones con
la población inmigrante africano-brasileño, priorizando el período histórico comprendido
entre 1867-1930 y tratando de poner de relieve las situaciones históricas en la región de
Piracicaba. En un intento de reconstituir el potencial de la libertad de los afro-brasileña,
Llamando la atención para las ansias de libertad de los afro-brasileros, su resistencia y lucha
por la abolición, la investigación discute también el contexto de transición del país frente al
liberalismo emergente en la economía y en la política, lo cual facilitó en muchos aspectos la
entrada del protestantismo al país. Con base en lo expuesto, la fundamentación teórica contará
con la contribución de autores como Boaventura de Souza Santos, (2006), Frantz Fanon
(1968;2008), Abdias do Nascimento (1978), Eugene Genovese (1983), Justus Gonzalez
(2007), Antonio Gouveia Mendonça (2009), José Carlos Barbosa (2002), Júlio Chiavenato
(1988), Eugene Harter (1985), Peri Mesquida (1994), Judith MacKnight Jones (1967) entre
otros. El distanciamiento de la misión metodista con relación a las necesidades de las
poblaciones afro-brasileras demuestra que los metodistas orientaron su misión más para sí
mismos, como colonia, y posteriormente para las élites. Las poblaciones pobres, incluyendo
los afro-brasileros de la región, no fueron contempladas. Esto puede explicar su ausencia en
las instituciones metodistas hasta 1930, año en que se da la autonomía de la Iglesia Metodista
Episcopal del sur de los Estados Unidos.

Palabras clave:
Inmigración – Tensión inter-étnica – Metodismo – Misión – Afro-brasilero.
10

INTRODUÇÃO

A população do Brasil é majoritariamente negra, assim, nossa formação histórico-


cultural teve uma forte influência da cultura africana. Contudo, foi somente neste século que a
valorização da história e da cultura de origem africana tomou a forma de uma lei, a saber, Lei
nº 10.639/03. Esta lei obriga a inclusão no currículo das escolas públicas e privadas brasileiras
conteúdos tanto da história, quanto da cultura da África. Daí a relevância do tema.
Este trabalho pretende estudar alguns aspectos da relação dos imigrantes metodistas
estadunidenses e a população afro-brasileira da região de Piracicaba entre os anos 1867 e
1930. A pesquisa se desenvolve na perspectiva do método histórico, conforme a definição de
Eva Maria Lakatos (1983:14). O método oferece subsídios para o desenvolvimento da
presente pesquisa, na medida em que se situa no âmbito teórico da teologia e história,
pressupondo um diálogo com outras áreas do saber, especialmente das ciências sociais e
humanas.
A delimitação do tema se justifica tanto pelo fato de que a chegada dos imigrantes
metodistas se dá exatamente num período em que a escravatura ainda era legal no Brasil,
quanto pelo fato de que em 1930 a missão metodista se tornou uma instituição independente
dos Estados Unidos. Então, desde o segundo império, passando pela abolição da escravatura,
até a proclamação da república os metodistas Confederados tiveram que se relacionar de
alguma forma com os negros e negras africanos. A pesquisa propõe não apenas contribuir na
discussão da valorização étnico-racial, mas, principalmente explicitar como os primeiros
metodistas americanos que imigraram inicialmente para o Brasil se relacionaram com as
populações de origem africana.
É importante destacar que o metodismo brasileiro é apenas uma das várias versões do
cristianismo protestante que migrara para o Brasil em meados do século XIX. Além de ser
também uma segunda versão do metodismo europeu, originado a partir das idéias do padre
anglicano João Wesley (1703-1791).
Segundo José Carlos Barbosa (2002), após tentativas fracassadas em 1836 a 1841 o
movimento missionário metodista chega ao Brasil, via imigrantes do sul dos Estados Unidos.
11

Num primeiro momento, vêm em busca de novos horizontes econômicos, apostando inclusive
no escravismo dos negros. Posteriormente, as constantes imigrações passam a ter cunho
vocacional com a chegada do missionário Rev. Junius E. Newman em 1867 na região de
Piracicaba-SP. Autores como Jones (1967), Dawsey (2005), Harter (1985) dentre outros serão
referenciais chaves para abordagens mais específicas sobre os Confederados que migram e se
estabelecem em Santa Bárbara do Oeste e Piracicaba.
Reily (1984:86-87) ao recuperar o contexto histórico da guerra de secessão americana
(1861-1865), considera que o perfil dos imigrantes metodistas que vem para o Brasil em
1867; ―derrotados pelo Exército dos Estados unidos e arruinados financeiramente...‖. Isto
posto, a pesquisa suscita a discussão sobre o desenvolvimento do fenômeno religioso
metodista em meio aos principais desdobramentos da história dos afro-brasileiros no período
dado.
A propósito, o fenômeno religioso não apenas catalisa e modela a cultura, mas
também pode interferir na economia e no próprio jogo de poder de uma dada sociedade.
Portanto, a religião pode propor transformação ou a manutenção do status quo de uma dada
sociedade. Entretanto, de acordo com Mo Sung (2008:41), tal transformação ou estagnação se
deve mais aos sujeitos religiosos que às instituições em si, pois a história é feita por atos de
gente.
As idéias de Fanon (1968) serão muito úteis tanto para a explicitação do perfil
relacional dos afro-brasileiros em relação aos brancos, quanto na demonstração do papel da
religião cristã, no período dado. A importância desse referencial se dá em função de sua
pertinência para uma leitura crítica do período colonial na qual recupera a perspectiva dos
grupos silenciados, dando-lhes voz e protagonismo.
Para pensar as principais implicações da inserção protestante no Brasil, os autores
Duncan A. Reily (1984), Gonzalez (2007), Mendonça (2008), Salvador (1982) serão
fundamentais.
Atrás da história oficial do Brasil, há uma história negada e sobreposta, a saber, a dos
afro-brasileiros. Para explicitar o seu protagonismo na história brasileira do século XIX,
usaremos as idéias de Nascimento (1978), Carneiro (1997), Neves (1986), Genovese (1983),
Chiavenato (1988) entre outros.
A questão do negro relacionada à religião no Brasil subjaz à própria história da
colonização brasileira.
12

Em face do exposto, a presente pesquisa tem como problema principal a seguinte


questão: Há indícios de que houve uma tensão inter-étnica na relação entre imigrantes
metodistas estadunidense e a população negra na cidade de Piracicaba?
No primeiro capítulo, será discutido o contexto histórico da imigração dos metodistas
estadunidenses e os principais fatores que motivaram sua vinda para o Brasil. Será
investigado se os fatores foram exclusivamente missionários. Como pano de fundo serão
enfatizados aspectos da realidade brasileira no século XIX, no sentido de explicitar o
ambiente social e político quando da chegada dos Confederados. É propósito também nesse
capítulo, situar historicamente os afro-brasileiros, destacando suas condições sociais e
econômicas. Assim como sua resistência, luta, abolição e contribuições para a sociedade
brasileira. Finalmente, será discutido alguns estereótipos das populações negras na imprensa
de Piracicaba e em que medida, tais representações faziam parte do imaginário dos imigrantes
metodistas.
No segundo capítulo, a pesquisa propõe uma reflexão sobre possíveis tensões de
imigrantes Confederados metodistas e afro-brasileiros a partir do contexto de implantação da
missão metodista, limitando-se até 1930. Será discutida as possíveis representações dos
Confederados no imaginário afro-brasileiro. Sabe-se que entre 1867 a 1930, aconteceu o
processo de abolição. A intenção é tentar responder quais foram as principais contribuições
dos metodistas nesse processo? E Como estes receberam a proclamação da libertação dos
escravos? Para tanto, buscar-se-á identificar até que ponto a perspectiva racista do velho Sul
estadunidense esteve presente entre os Confederados e como esse imaginário aparecia nos
vários tipos de relacionamentos com os afro-brasileiros. Será também abordado no capítulo
em questão em que medida pode ser verificado na proposta pedagógica do colégio
piracicabano a preocupação com os afro-brasileiros.
Serão testadas as hipóteses de que os imigrantes metodistas Confederados não
migraram por motivos estritamente missionários; que o metodismo de imigração ignorou as
populações afro-brasileiras e que em função disso, é muito difícil identificar a inserção e
ascensão destas populações nas instituições metodistas no período de 1867 a 1930.
No terceiro capítulo, será demonstrado em que medida os afro-brasileiros foram
inseridos ou tiveram ascensão nas instituições metodistas em Piracicaba, a saber, Colégio
Piracicabano e Igreja Metodista. Após revisar o processo histórico de institucionalização da
missão em Igreja, será feita uma análise documental de recortes de jornais da instituição,
13

registros históricos de professores(as) e fotografias, priorizando o livro de rol de membros da


Igreja Metodista Central de Piracicaba e o acervo do Museu Martha Watts, buscando
visualizar a presença de afro-brasileiros, tanto no ambiente eclesiástico quanto na instituição
de ensino.
14

I. O CONTEXTO HISTÓRICO DA IMIGRAÇÃO DOS


FAZENDEIROS ESTADUNIDENSES METODISTAS E A
REALIDADE DOS AFRO-BRASILEIROS EM MEADOS DO
SÉCULO XIX.

Introdução

Este capítulo aborda a transição do metodismo estadunidense para o Brasil e os fatores


determinantes desta imigração. Ao tentar delinear o construto epistemológico desses
imigrantes metodistas que chegam inicialmente advindos de Juquiá, Iguape, Americana,
Santa Bárbara do Oeste até Piracicaba no final do século XIX, o capítulo abordará um breve
histórico do metodismo americano, e posteriormente, a história de origem e de luta dos negros
afro-brasileiros, procurando situá-los no Brasil do século XIX , a partir dos condicionamentos
sócio-econômicos, sob os quais viveram. Será dada maior ênfase aos afro-brasileiros1 da
cidade de Piracicaba.

1. Os metodistas estadunidenses e sua herança européia


A priori, é importante afirmar que o metodismo americano deve ser pensado no
contexto dos desdobramentos históricos do colonialismo euro-americano, tendo seu epicentro
na Inglaterra. A propósito da advertência de Santos (2006:40-41) que ao abordar sobre a
―essencialização e a provincialização da Europa‖, afirma que apesar de sua influência
subalternizante no mundo, ela não deve ser pensada como um ―ente‖ monolítico. Ou seja, não
se deve pensar o colonialismo apenas a partir da Inglaterra por exemplo. Todavia, do ponto de
vista metodológico parece ser mais adequado começar pela Europa, por ser de direito e de
fato, o arcabouço histórico-epistemológico dos imigrantes metodistas americanos.
1
Apesar de no século XIX, se utilizar o termo ―pretos(as)‖ para designar as populações negras, neste trabalho
será usado o termo afro-brasileiro. Além do termo afro-brasileiro há outras designações como: ―afro-
descendentes‖, ―negro/negra‖, construídos ao longo do processo histórico, ora, como fins de dominação ora,
como reafirmação da identidade. Tais categorizações sociais muitas vezes não correspondem a forma como as
pessoas às quais lhes são atribuídas se compreendem. Afinal, o ser humano vai além das categorizações sociais
ou culturais.
15

Em Santos (2006:53), há a convicção de que a recuperação da indignação mesclada à


memória-histórica dos atores silenciados que entraram para a história ―ilustrada‖ como
espectros, se constitui numa etapa fundamental para que na reinvenção do passado, seja
restituída a capacidade de explosão e redenção num presente ampliado.
[...] ―Articular o passado historicamente não significa reconhecê-lo ‗como
verdadeiramente foi‘. Significa apoderarmos de uma memória tal como ela
relampeja num momento de perigo ‖[...] tornando impossível o
inconformismo dos mortos, torna impossível o inconformismo dos vivos[...]
( BENJAMIN apud SANTOS, 2006. p54)
Assim como Santos (2006:54) chama a atenção, é com a intenção de acordar os
―mortos e os vivos‖ que será desenvolvido a seguir a incursão histórica, procurando explicitar
o ―espírito‖ epistemológico europeu, a partir do século XVI e a sua ―encarnação‖ histórica a
partir do século XVII na América. Nesse sentido, a presença de aspectos míticos, religiosos e
filosóficos nas narrativas historiográficas analisadas, lançam luz sobre a história de formação
da cultura norte- americana, amplificando as vozes e ações das populações afro-americanas
como denunciantes de um colonialismo europeu que na tentativa de sufocamento dessas
vozes, se utilizou ora do discurso da religião, ora do discurso hegemônico da ciência
moderna.
Acredita-se que a explicitação histórica da resistência e luta dos colonizados afro-
americanos e a sua influência nas transformações políticas econômicas e religiosas dos
Estados Unidos, corrobora a idéia de que as populações africanas em tempo algum, foram
passivas durante a instituição escravista, o que para Santos (2006), é uma precondição para
pensarmos uma teoria da emancipação social a partir do passado, e de algum modo, virarmos
as costas para um futuro supostamente predeterminado.
Nesse sentido, antes do início da investigação a respeito das causas motivadoras do
fluxo imigratório dos metodistas do sul dos EEUU para o Brasil de 1867, convém revisar um
pouco a história do protestantismo americano como fruto das transformações históricas da
Europa. A propósito, é fundamental sublinhar desde já, que o protestantismo americano é um
projeto de inspiração européia. E isso nos remete automaticamente ao mito Europa tão bem
explicado por Bauman (2006:7-20). Segundo ele, a cultura européia sempre se impôs como
―uma busca pelo infinito, uma verdadeira ―aventura‖.
Para Bauman, portanto, há um fio comum que atravessa essas histórias: a Europa não é
algo que se descubra, mas uma missão – algo a ser produzido, criado, construído. Nessa
16

mesma perspectiva, por sua vez Hinkelammert (2008:8) recupera o mito de Prometeu, O titã
que roubou o fogo dos deuses dando-o a humanidade. Que enganou a Zeus e que no seu
suplício no Cáucaso personificou a liberdade, a sabedoria e a serenidade. O mesmo é
eternizado na busca incessante pelo conhecimento e pelo aperfeiçoamento da vida, ainda que
sempre provisória. De certo modo, também pode ser comparado ao ethos do protestantismo
metodista estadunidense, quando relacionado à ―doutrina do destino manifesto‖.
Hinkelammert (2008) lembra-nos que a cultura ocidental foi alimentada pelo fogo e
pelos contraditos de Pandora, presentes do titã, descobrindo não apenas a ―consciência‖, mas
também o que é ―ser humano‖ e de sobra, aprendendo a manipular os deuses. E esse
conhecimento ou esse fogo esclarecedor faz emergir a ―era da civilidade‖ ou a civilização
européia. Para Hinkelammert, o cristianismo ocidental inverteu a proposição teológica: ―Deus
se fez homem‖ para; ―Homem se fez Deus‖ ou ―Deus se fez cristão‖, desenvolvendo um
teísmo prometéico, fundindo civilização ocidental com cristianização ocidental.
Posteriormente a doutrina do ―destino manifesto‖ irá refletir essa idéia, alimentando o
seguinte moto: Os Estados Unidos são brancos, protestantes e democráticos e é exatamente a
partir dessa perspectiva que as treze colônias se tornariam independentes da Inglaterra em
1776.

1.1. A chegada do protestantismo nos Estados Unidos e o surgimento


dos metodistas.
O século XVI coincidiu com a transição da idade média para a moderna, ocasião em
que novamente, o cristianismo se reconfigura e assume a agenda cultural vigente.
Inevitavelmente a reforma protestante se tornou emblemática para entendermos os primórdios
do modernismo que irá lançar as bases para o individualismo, a liberdade e a ampliação da
―cultura européia para todas as terras‖, em nome de uma ―missão‖. Todavia, convém atentar
para o que Weber (2004:30) afirma: ―a Reforma significou não tanto a eliminação da
dominação eclesiástica sobre a vida de modo geral, quanto a substituição de sua forma vigente
por uma outra‖. O autor exemplifica denunciando que a dominação do calvinismo em
Genebra e Escócia, na maior parte dos países baixos, além da Nova Inglaterra e da própria
Inglaterra no período do século XVI, foi o mais insuportável controle eclesiástico do
indivíduo.
17

Oportunamente, Weber demonstra como a ―consciência-doutrinária‖ protestante opera


associada à ideologia capitalista. Essa doutrina instauraria uma prática social que procura
refletir a visão de mundo retratada nela mesma. Desse modo, Weber (2004:29-83) procurar
construir conceitualmente ―o espírito capitalista‖ analisando as diferenças teológico-
doutrinárias entre o catolicismo e o protestantismo alemão identificando aspectos de alguns
tipos do protestantismo clássicos e suas conexões com as anotações de Benjamim Franklin.
Ao considerar a indicação de Gonzalez (1987:31), sobre a doutrina do ―Destino
Manifesto‖, surgida a partir de 1845 entre norte- americanos protestantes e a indicação de
Mendonça (2008:89-90) sobre a ―Doutrina da Igreja Espiritual‖, formulada a partir do velho
sul estadunidense como forma de racionalização teológica do escravismo, talvez seja possível
inferir, guardadas as devidas proporções do contexto histórico, uma razoável relação com a
tese weberiana.
Todavia, mesmo considerando algumas pertinências do pensamento de Weber, esta
pesquisa não o considera um referencial adequado para explicitar a consciência de ―rebeldia‖ 2
das populações afro-americanas e afro-brasileiras, acentuadamente abafadas pelos discursos
dominantes tanto na historiografia católica, quanto na protestante.
Com efeito, retomando a história do cristianismo, o protestantismo europeu, ao
contrapor-se ao ―monarquismo‖ preconizado pelo catolicismo, irá a partir do contexto
burguês, semear o que viria a ser o republicanismo e a democracia. A propósito, Cairns
(1995:288) indica a ―Paz de Westfália‖ em 1648, não apenas como o fim da guerra dos 30
anos, mas principalmente como um redesenhamento da cartografia européia na qual os
territórios da Holanda, França, Suécia e a Prússia seriam reconhecidos como independentes.
Esse fato, portanto, ajudou na superação do feudalismo e na instauração definitiva do laicismo
(separação da Igreja do Estado).
Segundo Cairns (1995:248-250), essa mudança de cosmo-visão irá provocar intensas
perseguições em particular às várias formas de protestantismos emergentes; luteranos,
anglicanos, radicais e reformados e os fluxos migratórios serão conseqüências dessas
perseguições; europeus que vão para a Holanda, Prússia, África do Sul e para as Carolinas do
Sul e do norte nos Estados Unidos. Conforme Mendonça (2008:75-76), antes mesmo da
imigração, o primeiro sermão protestante naquela região foi proferido por Francis Fletcher

2
O termo ―rebeldia‖ é usado aqui como atitude de indignação e contra-discurso de sujeitos silenciados pelos
discursos de dominação.
18

em 1579. Afirma que a Igreja Anglicana estabeleceu definitivamente os primeiros


protestantes na região de Jamestown, Virgínia e em 1607, em Maryland:
[...] mas os protestantes que iriam marcar o espírito do protestantismo
americano seriam os puritanos e os sucessivos desdobramentos do
puritanismo. Perseguidos por questões político-religiosas, os puritanos da
Inglaterra emigraram em grande número para terras da América. Em 1620,
os Pilgim Fathers atravessaram o oceano no Mayflower e fundaram a
colônia de Massachusetts. A emigração puritana foi muito intensa entre
1628 a 1640[...] (MENDONÇA; 2008 p.76).
Mendonça indica que os primeiros grupos protestantes presentes na América do Norte,
anglicanos, congregacionais e presbiterianos, teologicamente eram calvinistas. Os primeiros
missionários metodistas para a América começaram a chegar a partir de 1768.
De acordo com Gonzalez (2007:21), em fins do século XVIII, o governo britânico
começa a assumir mais formalmente o governo das colônias. Os colonos por sua vez passam a
reivindicar sua independência rejeitando tanto a presença dos regimentos militares britânicos
em suas terras, como se negando a pagar os altos impostos à coroa. Sucessivos conflitos
armados entre colonos e governo britânico irão apressar a proclamação da independência dos
Estados Unidos, em 4 de Julho de 1776.
Em face do exposto, parece que o metodismo inglês esteve associado aos mesmos
objetivos da colonização européia na América,
[...] John Wesley era partidário decidido da coroa, e exortou os metodistas
norte-americanos a obedecerem os editos reais. Depois da declaração de
independência, todos os pregadores metodistas ingleses, exceto Asbury,
regressaram à Grã-Bretanha. Por estas razões, os metodistas tornaram-se
impopulares entre os patriotas norte-americanos. Todavia, graças à
tenacidade de Asbury, o metodismo recuperou a sua própria forma e
independência e recrutou novos pregadores [...] (GONZALEZ, 2007. p 21).
Gonzalez (2007:19-23) registra o fato que entre o fim do século XVIII e por todo o
século XIX, novas ondas migratórias motivadas pelas mudanças radicais na Europa,
associadas às guerras Napoleônicas, convulsões sociais e as conseqüências da revolução
industrial levaram muitos europeus a ―abarrotar‖ não apenas as igrejas norte-americanas, mas
a aumentar significativamente a população dos Estados Unidos. Nesse contexto, o autor
destaca também uma imigração involuntária de escravos procedentes da África por conta da
19

necessidade de mão de obra barata, assim como o alto ―ônus‖ pago pelas populações
indígenas ao perder seus territórios, suas vidas, culturas e religião.
Para Boaventura de Souza Santos (2006:28), não se pode perder de vista ao analisar
sociedades colonizadas, os padrões discriminatórios latentes. A partir de Gonzalez (2007:19-
28) é possível inferir que no caso dos Estados Unidos, as constantes migrações durante seu
processo ―civilizatório‖, tanto provocou o ―encobrimento do outro‖3 no caso, os índios e os
negros, como ajudou também na construção de uma sociedade marcadamente fragmentada
cultural e religiosamente, o que explica as profundas tensões inter-étnicas na história
americana.
Nessa linha de pensamentos, um dos padrões discriminatórios muito presente na
história dos Estados Unidos foi a visão ―essencialista‖ que dicotomizou as relações entre
brancos e negros; indígenas e hispânicos, americanos e asiáticos. Não é gratuito, que o
―denominacionalismo religioso‖, tenha seu berço histórico nos Estados Unidos.
Gonzalez (2007: 20,37-42) ainda chama a atenção para o impacto da cultura
colonialista na religiosidade estadunidense:
[...] Boa parte da ideologia que serviu de base para o movimento separatista,
e para o estabelecimento da democracia capitalista norte-americana,
consistia de uma religiosidade ―ilustrada‖ e anti-dogmática, como a que
vimos surgir na Europa [...] A providência era, sobretudo um princípio de
progresso. A nova nação era prova palpável do progresso humano [...]
(GONZALEZ, 2007.p.20)
O autor entende que desde 1784, as relações polarizadas entre americanos nortistas e
sulistas irão explicitar cada vez mais os interesses antagônicos entre o sul agrário escravocrata
e o norte liberal com vocação cada vez mais industrial. Prova disso, foi a organização da
Igreja Metodista Episcopal do Sul, na Conferência de Natal e a exclusão simultânea dos
metodistas que insistiam em possuir escravos. Gonzalez indica que
[...] Tanto os metodistas como os batistas, a fim de atrair os brancos do sul,
amoldaram-se progressivamente ao fato da escravidão, até o ponto em que
em 1843, havia cerca de mil e quinhentos escravos nas mãos de mil e
duzentos ministros e pregadores metodistas [...] Outras denominações
adotaram posturas igualmente ambíguas [...] (GONZALEZ, 2007. p37).

3
Dussel, Enrique. ―1492 o encobrimento do outro‖. O autor analisa a origem do mito da modernidade como
legitimador da ―invasão‖ e a subseqüente ―colonização‖ excluindo da comunidade hegemônica ―rostos‖,
sujeitos históricos e oprimidos. Para ele os ―índios‖ e os ―negros‖ são a outra face da modernidade.
20

Ainda para este autor, a partir de 1845 o termo ―Destino Manifesto‖ irá consolidar a
formação ideológica americana a partir da combinação das idéias de progresso e liberdade
com a de superioridade do protestantismo sobre o catolicismo, reforçada pela atitude racista
com base no fato de que a raça branca era superior, o que fundamentava a instituição da
escravidão de pessoas negras e o saque dos territórios indígenas.
[...] Desde a chegada dos ―peregrinos‖ do Mayflower, existia a idéia de que
as colônias britânicas da América do Norte haviam sido fundadas com o
auxílio divino, para cumprir uma missão providencial. Para muitos dos
imigrantes posteriores, a América do Norte era uma terra prometida de
abundância e liberdade [...] (GONZALEZ, 2007.p.31)
De maneira muito visível o tema da escravidão dos negros é um fio que perpassa toda
a história dos protestantes e em especial dos metodistas americanos. Os Batistas,
Presbiterianos e Metodistas sempre estiveram divididos em torno da questão. Em 1844,
segundo registro de Reily (1984:86), os abolicionistas metodistas norte-americanos
conseguiram que a Conferência Geral condenasse o Bispo da Geórgia, Osgood Andrew, que
era dono de escravos. Este bispo nomearia o rev. Fontain Pitts em 1832 como missionário ao
Brasil. Bem, a decisão da Conferência provocou a saída dos metodistas sulistas do resto da
Igreja, oportunizando o surgimento da Igreja Metodista Episcopal do Sul em 1846;
[...] Em 1846, foi assim criada a Igreja Metodista Episcopal do Sul (IMES),
que aceitou Andrew como bispo e ainda elegeu bispo William Capers um
outro ministro sulista dono de escravos[...] (REILY, 1984. p86).
É evidente na história do movimento metodista americano o fato de que as tensões
inter-étnicas sempre foram conseqüências da assimilação da epistemologia hegemônico-
européia por parte do aparelho institucional e colocado em prática pelo pragmatismo
eclesiástico. A propósito, segundo Cobra (1999) nessa época as relações entre brancos e
negros tinham como referencial o racismo científico de Gobineau (1816-1882)4 e
Chamberlain (1855-1927). Portanto, pressupõe-se que os metodistas americanos do século
XIX, desenvolvessem esse tipo de mentalidade em suas relações inter-étnicas. Todavia, se

4
O referido autor postulava a superioridade da raça branca sobre as demais, e nesta distinguia os povos Arianos,
os alemães, representando o povo mais civilizado. Sustentou a teoria de que o destino das civilizações é
determinado pela composição racial, que os brancos, e em particular as sociedades arianas floresciam desde que
ficassem livres dos pretos e amarelos, e que quanto mais o caráter racial de uma civilização se dilui através da
miscigenação, mais provável se torna que ela perca a vitalidade e a criatividade, e mergulhe na corrupção e
imoralidade. Os dois autores racistas mais importantes na história da ciência foram Gobineau (1816-1882) e
Chamberlain (1855-1927). Suas obras inspiraram Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha, e movimentos
racistas contemporâneos do nazismo e do facismo em várias partes do mundo.
21

faz necessário esclarecer que a propósito das considerações feitas, não se está afirmando que
João Wesley tenha sido escravagista. Barbosa (2002:82-83) ao abordar o tema da
escravização negra, lembra-nos que Wesley se manifestou inúmeras vezes contrário à
escravidão:
[...] Em seu diário de 23 de abril de 1737, por ocasião de sua permanência
na América do Norte, ele registra a conversa amistosa que teve com uma
jovem escrava. Ao perceber o profundo interesse dela pelos ensinamentos
bíblicos que ele estava ministrando, J.Wesley anotou em seu diário o
seguinte: ― A atenção com a qual esta pobre criatura escutou os
ensinamentos é indescritível‖[...] (BARBOSA, 2002. p82).
Barbosa entende que além de Wesley se opor ao tráfico de escravos africanos,
demonstrou tacitamente seu interesse pelo trabalho catequético para admissão destes no
movimento metodista.
[...] As convicções de Wesley foram fundamentais à formação da
mentalidade antiescravagista do metodismo norteamericano. Os primeiros
Concílios metodistas nos Estados Unidos continuaram refletindo esse
compromisso. No Concílio de Baltimore, realizado em 1780 com a presença
de 17 pastores metodistas, foi redigida a seguinte declaração: ―A escravidão
é contrária às leis de Deus, do homem, da natureza e danosa à sociedade‖.
Nesse mesmo Concílio foi aprovada uma norma proibindo os membros da
Igreja Metodista de possuir escravos. Caso os tivessem, eles deveriam ser
alforriados, e não vendidos [...] (BARBOSA, 2002. pp82-83).
O supracitado autor entende que a Igreja Metodista americana originária tinha
posições bem contrárias ao regime da escravização negra. Lembra-nos dos tempos dos
grandes avivamentos quando muitos negros se tornaram pastores, pregadores e pregadoras
metodistas.
[...] Em 1786, primeiro ano de uma estatística distinguindo a raça dos
membros, entre um total de 18.791 metodistas havia 1.890 negros, portanto,
mais de 10%. Em 1790 esse número aumenta para 11.682 e, em 1797, já
havia 12.215, significando um quarto da totalidade dos seus membros [...]
(BARBOSA, 2002. p84)
Barbosa (2002:84-87) conclui que à medida em que o metodismo cresce no sentido
norte-sul dos Estados Unidos, as idéias de João Wesley começam a ser contestadas e já no
início do século XIX, o bispo Francis Asbury, em consenso com Thomas Cok e outros
22

líderes, passam a defender a ênfase da conversão espiritual do escravo e não a sua


emancipação sócio-econômica. E é no sul que esta perspectiva irá consolidar uma
fundamentação bíblica da escravidão. Assim, o protestantismo tem início usando essa ênfase
como uma estratégia para driblar os senhores de escravos. Depois, tal estratégia se transforma
em controle social do escravo, relegando sua emancipação para a divina providência, a partir
da famigerada doutrina da ―Igreja Espiritual‖. Esse, portanto, é o tipo de metodismo que
―arrumaria as malas para o Brasil‖.

1.2. Fatores que determinaram a imigração dos metodistas


estadunidenses para o Brasil
De acordo com Jarnagin (2005, apud DAWSEY, 2005:112), não se pode perder de
vista que a vinda dos confederados para o Brasil em 1867, cumpre uma agenda maior. Eles
são parte da mutação do capitalismo europeu emergente ampliado pelas dinâmicas
identificadas pela autora como ―expansão e contração‖, com o objetivo da anexação do Brasil
à economia americana, orientada pela lógica Centro-periferia.
Para Santos (2006:84), esse tipo de lógica capitalista global, neo-liberal e européia,
tende a privilegiar o centro em detrimento da periferia. O que leva o autor a concluir, que
nesse tipo de relação, não se leva em conta as ―diferentes circunstâncias e as aspirações dos
povos, classes, sexos, regiões, etnias, etc. Bem como as relações desiguais, de exploração e de
vitimização [...]‖. Isto posto, pode se afirmar que em seu turno, o processo da imigração de
metodistas estadunidenses no contexto brasileiro, não escapa à crítica ao colonialismo de
Santos (2006:85), quando este, ao contrastar o ―conhecimento-regulação versus
conhecimento-emancipação‖5, deixa claro que a principal conseqüência da hegemonia que se
utiliza da lógica centro-periferia é a falta de solidariedade.
Conforme bem registra Gonzalez (2007:37-41) no Grande Sul, os confederados
lutaram desde 1818 contra a emancipação dos afro-americanos. Lutariam em 1888 em favor
dos afro-brasileiros?

5
Boaventura de Sousa Santos, ao caracterizar o paradigma da modernidade como discurso dominante, entende
que uma crítica consistente ao colonialismo não deve prescindir da construção de imagens desestabilizadoras,
ou seja, há que se devolver a voz dos sujeitos silenciados pela colonização. Há que se desconstruir a lógica
centro-periferia, construindo uma ética da emancipação social, combatendo o conhecimento - regulação
enquanto se elabora o conhecimento – emancipação.
23

O pensamento hegemônico americano pode ser identificado também na crescente


importação de maquinários agrícolas que a partir do método da globalização econômica, aos
poucos foram determinando os rumos da economia brasileira. A propósito, posteriormente
Sarah Bellona Smith Turner Ferguson (1943, apud DAWSEY 2005:85), descendente de
confederados, iria narrar a história dos imigrantes sulistas, destacando a contribuição euro-
americana na modernização de um Brasil sem casas de tijolos, de uma agricultura tradicional,
e outros.
[...] Hoje, trens passam [...]e apitos invisíveis ecoam. As buzinas de
automóveis acelerados ressoam pelas estradas, enquanto aviões zunem nos
céus. E nem um eco sobrou para comemorar a existência dos trabalhadores,
acostumados à labuta, poeira e calor, cujos passos não são mais ouvidos.
Mas quem se importa?[...] Uma coisa é certa: essas coisas – condições –
ainda teriam sido as mesmas se a Inglaterra e outros países não tivessem
começado a construir ferrovias e a desenvolver os lugares. Se pudéssemos
dar uma olhada nas pessoas e seus costumes naqueles tempos, seria quase
inacreditável. O carroceiro, por exemplo, andava descalço, com a camisa
para fora; e a esposa, vestia-se numa chemise e braços expostos, uma saia
larga amarrada na cintura, também descalça e com a cabeça descoberta [...]
(FERGUSON apud DAWSEY, 2005. p85)
Laura Jarnagin (2005 apud DAWSEY, 2005:111-133), refletindo sobre a realocação
dos imigrantes no atlântico juntamente com o capital econômico mundial, afirma:
[...] Enquanto as características gerais do capitalismo mundial nos são
conhecidas, sabemos menos a respeito de como os indivíduos agiam no
sistema, perpetuando-o e facilitando sua expansão e mutação – em suma,
como as pessoas simultaneamente contribuíram para o seu dinamismo e
foram agentes, sem o saber, de forças muito além do seu controle, ou
mesmo do de qualquer país específico. À medida que o sistema se
aprimorou como é do nosso conhecimento, ele necessitou direta ou
indiretamente dos serviços de um amplo espectro de ocupações
especializadas: capitalistas proprietários de terra e fazendeiros prósperos ( e
sob muitos aspectos, eram cientistas, engenheiros e gerentes de negócios
amadores, reunidos em uma só pessoa); comerciantes de grande e pequeno
porte; advogados, banqueiros, engenheiros, médicos, educadores, membro
24

do clero, diplomatas, oficiais militares, estadistas e uma porção de outras


atribuições burguesas e de elite[...] (DAWSEY, 2005. p113)
Em termos políticos, o liberalismo dos imigrantes estadunidenses encontraria entre os
liberais tupiniquins brasileiros, uma aliança assaz estratégica. Mas, por ora, é importante se
manter o foco no contexto histórico do êxodo estadunidense a fim de que sejam claramente
explicitados os possíveis fatores causais.
Reconstituindo o contexto da emigração sulista para o Brasil, Dawsey (2005)6 entende
que
[...] Quando os exilados confederados deixaram os Estados Unidos, em
meados da década de 1860, eles estavam reagindo a uma combinação de
fatores e condições de ―atração e expulsão‖, alguns reais, outros imaginários
[...] essas condições muitas vezes envolviam teias complexas de
relacionamentos pessoais e institucionais que se estendiam pelas fronteiras
nacionais. O desapontamento em relação ao resultado da Guerra Civil foi a
razão principal para o movimento. A maioria dos imigrantes consistia de
pessoas que faziam parte do tecido social e militar do Velho Sul, pessoas
essas que, com grande lealdade para os ideais da Confederação, não
suportaram a idéia de se sujeitar ao domínio dos odiados yankees. Alguns
desses sentimentos foram mantidos no Brasil, conforme demonstrado pela
proeminência continuada da bandeira de batalha dos confederados na capela
americana do Campo, próximo de Santa Bárbara do Oeste [...] assim como
pelas inscrições enfáticas nos túmulos do cemitério ao lado dele: ―Uma vez
rebelde, duas vezes rebelde, para sempre rebelde‖[...] (DAWSEY: 2005.
p.49).
Essa informação pode ajudar não apenas a construção do perfil dos imigrantes,
considerando que eram na sua maioria famílias de militares e colonos escravistas, mas
também a inferência de sua conivência na instituição da escravização dos negros afro-
americanos. Afinal, um dos motivos principais da Guerra de secessão, teria sido a decisão
contumaz destes em manter a escravatura no sul dos Estados Unidos. Citando Goldman,
Mesquida (1994:34-35) pontua os principais:
[...] Para Frank Goldman, a história da emigração dos cidadãos do Sul norte-
americano teve a ver com quatro fatores fundamentais; a) o

6
Cyrus B.Dawsey e James M. Dawsey são descendentes de confederados e organizadores do livro; Americans:
Imigrantes do velho sul no Brasil, publicado pela editora da UNIMEP em 2005. pp.49-63.
25

desenvolvimento dos Estados Unidos, b) a expansão para o oeste, c) a


escravatura, d) o destino manifesto [...] ( MESQUIDA, 1994. p.34)
Destaca-se, portanto, o fato desses imigrantes terem vivido a tensão em torno da
abolição da escravatura em sua terra e virem para o Brasil num período em que a escravidão
ainda era legal, além da expressiva propaganda do Brasil feita por marinheiros e aventureiros
americanos. Daí, a nossa questão fundamental: como lidaram com os mesmos problemas aqui
em 1888 e como se relacionaram com as populações afro-brasileiras?
Parte dessas perguntas foi respondida por Barbosa (2002:94-95), ao contrastar a idéia
propagada entre os republicanos do Brasil da época de que os lavradores americanos viriam
praticar apenas o trabalho livre.
[...] Partindo-se de uma perspectiva diferente, pode-se considerar que a
proposta de imigração de sulistas norte-americanos ao Brasil tinha outra
motivação. Diferentemente da motivação alardeada pelos liberais
brasileiros, substratos sociais, conservadores, sobretudo do Sul dos Estados
Unidos, viam com otimismo a preservação e o respaldo dados pelo governo
imperial brasileiro ao regime e à grande propriedade escravocrata [...]
(BARBOSA, 2002. p.94).
A propósito, este autor cita um trecho da carta do rev. Richard Hennington, de 18 de
maio de 1867: ―O que mais chama atenção são os escravos negros, justo como em nosso país
antes da guerra. Tudo que existe por aí pode também ser encontrado aqui‖. Hennington ainda
teria dito que em suas terras poderia se obter escravos a 800 dólares.
Dawsey (2005: 115) admite essa possibilidade, mas ao mesmo tempo não a confirma
de todo.
[...] A continuação da escravidão também oferecia estímulos para, pelo
menos, alguns dos migrantes empreendedores, apesar de a história
subseqüente da população migrante revelar [...] que poucos compraram
escravos e, os que assim fizeram, aparentemente não ficaram com eles por
muito tempo. Esse aspecto da experiência confederada no Brasil tem
representado um certo dilema para os historiadores: teria sido a escravidão
um fator importante de atração, favorecendo a decisão de emigrar?[...]
(DAWSEY, 2005. p115).
Quanto à confirmação se compraram ou não escravos, leia-se os comentários de Judith
Mac Knigth Jones (1967:66) sobre a chegada do confederado metodista, Coronel William
H.Norris, no Brasil de 1865
26

[...] Levaram 15 dias na estrada até alcançarem Campinas, lá ficaram algum


tempo especulando terras, até lançarem suas vistas para a planície que se
estende de Campinas até a Vila Nova da Constituição, mais tarde
Piracicaba. Compraram terras da sesmaria de Domingos da Costa Machado,
alguns quilômetros antes da Vila de Sta Bárbara, onde as terras lhes
pareceram boas e planas para plantar algodão. Compraram os pretos Manuel
e Jorge para os serviços da terra e Olímpia, para servir dentro da casa na
falta da família. À custa de muita mímica e de muito esforço os escravos
conseguiram entendê-los e chegaram a falar inglês muito bem depois de
certo tempo [...] (JONES, 1967. p66)
Nesse sentido, é possível também notar que os imigrantes vêm em busca de sossego,
estabilidade econômica, além de estarem exaustos e traumatizados com a guerra em sua terra.
Portanto, dificilmente os imigrantes estadunidenses foram movidos por ideais missionários. A
seguir alguns possíveis fatores causais de sua imigração para o Brasil em 1867.

1.2.1 Fatores econômicos


Barbosa (2002:78-79) sugere que o antigo puritanismo inglês perdera paulatinamente o
fervor cristão face ao desenvolvimento econômico do sul estadunidense. Dentro desse
contexto, deve-se lembrar da influência da Inglaterra na cultura escravagista americana, o que
fortaleceu o comércio de escravos. Conforme nos lembra Reily (1981:166).
[...]―os marinheiros ingleses, atraídos pelo lucro fácil da venda de escravos
africanos para os colonos espanhóis na América do Sul, entraram no tráfico
no fim do século XVI. Quando a Inglaterra começou a colonizar a América
do Norte, a escravidão não tardou a aparecer lá[..] (REILY, 1981.p166).
Barbosa chama a atenção para o fato de que ainda em 1667 já se verificava a idéia de
que a concessão do sacramento aos escravos não significava sua libertação da escravidão.
Desde cedo, portanto, o sul iria aprender a racionalizar teologicamente o escravismo, a fim de
manter o status quo, negando inclusive acesso de escravos afro-americanos à educação.
Barbosa avalia que no século XIX as novas transformações econômico-sociais iriam acelerar
em muito a problemática em torno da escravidão. As novas dinâmicas migratórias não iriam
apenas inchar as cidades, ou reconfigurar as fronteiras. Iria também promover a corrida do
ouro, do petróleo e tornar possível a maior centralização de riquezas. Todavia, sem
progressos significativos para os escravos negros.
27

Nos Estados Unidos, a tensão em torno da escravidão tivera majoritariamente uma


motivação econômica, o que não quer dizer ausência de racismo. De acordo com Jones
(1967: 31-32), enquanto o desenvolvimento econômico do sul teria aumentado por conta do
aquecimento das exportações de algodão e tabaco para a Europa, a industrialização teria
sido o ―carro-chefe‖ da economia nortista, que com a fabricação de maquinário agrícola,
possibilitara também sua inserção no mercado da exportação. Todavia, como a base da mão
de obra no sul era escrava, os lucros do sul eram maiores.
Jones relata que 57% da exportação nacional era de algodão produzido no sul,
enquanto o norte precisava pagar a sua mão de obra. Somente depois de inúmeras incursões
políticas o norte consegue proteção aduaneira, enquanto o sul se vê em desvantagem no
senado, o que o levou à implementar a doutrina da soberania dos estados. De acordo com a
autora, desde 1820 a 1850 foram feitos vários acordos políticos a fim de equacionar a
situação norte-sul, todavia sem nenhuma aliança consistente.

1.2.2 Fatores políticos


Conforme Jones (1967:32-43), no cenário político, abolicionistas e escravistas
caminhavam cada vez mais para uma secessão dos estados. Finalmente, a partir de 1861
invocando a soberania dos estados, a Carolina do Sul, Mississipi, Flórida, Alabama,
Louisiana, Arkansas e Texas se separam da União, tornando-se estados confederados. Com o
fim do mandato do Presidente Buchanan e início do mandato do Presidente Lincoln, explode a
guerra. Jones registra passionalmente: ―Foi uma temeridade, coragem, audácia, loucura,
aqueles agricultores, só 25% dos quais possuía escravos, levantar-se numa guerra contra o
norte industrializado e com uma população três vezes maior‖ (JONES, 1964:43).
Nesse sentido, as divergências políticas e econômicas vividas entre o norte e o sul já
haviam demarcado no protestantismo americano duas características internas: uma
escravagista e outra abolicionista, conforme nos lembra Gonzalez (2007)
[...] Nessas circunstâncias, as igrejas do sul preferiram permanecer
separadas de suas supostas irmãs do Norte, e se tornaram porta-vozes da
causa perdida. Entre os brancos do Sul havia grande temor dos negros
libertos, e houve numerosos púlpitos dos quais se fomentou esse temor e até
se chegou a conclamar os brancos a tomar medidas contra os negros.
Quando esses temores deram origem à Ku Klux Klan e seus atropelos, não
faltaram pregadores que manifestassem o seu regozijo. De fato, até ocasião
28

bem avançada no século XX, boa parte dos membros do Klan eram também
membros de igrejas [...] (GONZALEZ, 2007. p.41).
Conforme já analisamos anteriormente, as idéias de Weber parecem ter eco em nossa
discussão, na medida em que se constata na história dos Estados Unidos uma relação
sistêmica entre doutrina religiosa e conduta política; protestantismo e movimento
republicano; metodismo e escravagismo; expansão territorial e evangelização. A propósito,
Mesquida (1994:102-103), lembra que desde a emancipação do metodismo americano da
Inglaterra, a Igreja Metodista americana é parte essencial da história dos Estados Unidos. O
autor corrobora citando discursos de alguns ex-presidentes americanos, A. Lincoln e
Roosevelt, nessa ordem.
[...] A Igreja Metodista... é, pelo número de membros, a mais importante
denominação americana...Não causa surpresa que a Igreja Metodista tenha
enviado mais soldados aos campos de batalha, mais enfermeiras aos
hospitais e mais orações aos céus que qualquer outra. Deus abençoe a Igreja
Metodista [...] Penso que em nenhuma parte do mundo a Igreja Metodista
desempenhou um papel tão importante e tão especial quanto nos Estados
Unidos. Sua história está indissoluvelmente ligada à história do nosso país
[...] (MESQUIDA, 1986.p 102).

1.2.3 Fatores sociais


Barbosa (2002:35) pontua que após a guerra de secessão, o saldo devedor coube ao
sul: ―bancarrota, miséria, desolação, fome, destruição e saque‖. O autor identifica duas
opções que o velho Sul tinha nessas condições: submeter-se ao norte ou emigrar.
Apesar da pouca cientificidade dos textos de Jones (1967:47-53) a autora nos fornece
informações que não se deve ignorar sobre os quatro anos de guerra civil devastaram o sul.
Em imagens7 que falam por si, conforme se vê nos Anexos 1 e 2, a guerra foi
incalculavelmente trágica tanto para os americanos do sul, quanto para os do norte. Harter
(1985:15-24) reproduz a letra de uma canção popular do Sul de pós-guerra que ilustra tanto as
atitudes dos confederados diante do exército da União, quanto aspectos de uma subjetividade
marcada pelo ódio, melancolia, frustração e orgulho. Os danos subjetivos foram tão reais
quanto os materiais para a população de confederados. Conforme já mencionado, a recessão

7
Imagens do acervo do Museu da Imigração em Santa Bárbara do Oeste, retratam as conseqüências da guerra
no sul estadunidense.
29

econômica e a baixa auto-estima do sul associado a uma profunda necessidade de se


reconstruir tanto política, quanto economicamente sob a liderança do norte, o forçaria a se
submeter a lideranças de ex-escravos e ianques (nortistas).
Impossibilitado de utilizar a mão de obra escrava, o sul, a médio e longo prazo, foi se
enfraquecendo e motivando uma significativa onda migratória para várias partes do mundo,
incluindo a América do Sul. Jones (1967:48) lembra que ―a nação foi levada à guerra, não
pelo desejo de libertar os escravos; foi levantada a libertar os escravos pelo desejo de ganhar a
guerra‖.
Contudo, conforme a mesma autora, vale salientar que durante o período da
colonização, tanto no norte quanto no sul a escravatura teria sido prática generalizada em
todos os Estados Unidos. Mas, por questões de ajustes climáticos e pouca rentabilidade, a
escravização dos negros foi deixando de ser viável no norte.
Quanto aos reais motivos da imigração, há que se pesquisar um pouco mais. Por
exemplo, Harter (1985:38, 76) admite os confederados estavam seduzidos pela possibilidade
de comprar escravos. E de fato muitos compraram; os Olivers, Witackers, Thatchers,
Fergusons, Halls, Harises, Lands e Coles. Os que não compraram, foi por não terem
condições financeiras, além do fato de muitos escravos alforriados acompanharam
voluntariamente os confederados. Todavia, o autor entende que o desejo dos americanos
imigrarem para o Brasil não se restringia ao interesse de escravizar, pois se assim fosse, os
confederados poderiam ter ido para Cuba, bem mais próximo e mais fácil de se estabelecerem
lá.
Segundo o autor, também não seria um motivo econômico. ―A oportunidade
econômica, sobretudo para os agricultores, estava bem próxima de seus quintais‖. Poderiam
ter comprado terra no Oeste a $1,25 o acre. Segundo o autor, fosse só a questão econômica, se
mudar para o Oeste seria bem mais rentável se comparado às despesas brutas com a
colonização no Brasil. Na perspectiva do autor, ―estavam envoltos na lembrança da guerra e
ressentidos com a proximidade dos ianques. Seu plano era isolarem-se e estabelecerem
comunidades que preservassem os costumes sulistas – uma confederação mental‖. Parece
mais razoável pensarmos na combinação de várias circunstâncias; pessoais, psicológicas,
econômicas, políticas, etc. Harter (1985:39) sugere que do ponto de vista político os sulistas
americanos teriam se identificado com o estilo de vida de D.Pedro II, em termos de um estilo
de vida pomposo.
30

1.2.4 Fatores religiosos


Apesar do grande despertar em fins do século XVIII promover milhares de conversões
de escravos e não escravos nos estados do sul, conforme Barbosa (2002:83-89), a convivência
entre brancos e negros nas igrejas ainda mantiveram a segregação racial.
Portanto, em busca de novos ares, protestantes sulistas migram para o Brasil,
motivados pela esperança de encontrar paz e prosperidade, ainda que considerada a
perspectiva do ―Destino manifesto‖, inicialmente não teria sido também o único motivo.
Todavia, do ponto de vista da religião, viriam influenciados por uma mentalidade religiosa
comparada à perspectiva fundamentalista que marcou o século XX.
Barbosa (2002:38-40) entende que após tentativas fracassadas entre 1836 a 1841, o
movimento missionário metodista finalmente passou a ter cunho vocacional com a chegada
do missionário Rev. Junius E. Newman, em 1867, na região de Piracicaba-SP. Contudo, as
evidências históricas demonstram até aqui que num primeiro momento, os imigrantes vieram
em busca de novos horizontes econômicos, apostando inclusive no escravismo dos negros
afro-brasileiros. Posteriormente, o metodismo de imigração irá se cruzar com o metodismo de
missão que por sua vez inspirado na "Doutrina da Igreja Espiritual‖ não irá considerar as
populações afro-brasileiras como alvo missionário. Conforme Andrade (1995:150)
[...] pode-se afirmar que, durante o período que a antecedeu, ou mesmo
depois da libertação ―libertação dos escravos‖, a Igreja Metodista jamais
chegou a defender oficialmente uma posição em relação à escravidão no
Brasil[...] nem mesmo John Cowper Grambery, o primeiro bispo metodista a
visitar o Brasil, fez qualquer referência à situação dos negros africanos no
Brasil. Sendo convidado a conhecer a missão metodista, teve a oportunidade
de viajar por várias cidades, a começar pela capital do país, Rio de Janeiro.
Conheceu também São Paulo, e diversas províncias no interior paulista,
como Santa Bárbara e Piracicaba (região de Campinas que era povoada por
colonos americanos e ainda conheceu a cidade mineira de Juiz de Fora, onde
pensou fundar uma escola. É difícil acreditar que, nas viagens e contatos que
realizou, o bispo não tenha percebido a realidade na qual se encontrava a
maioria da população negra deste país[...] (ANDRADE, 1995. p150).
O metodismo chega ao Brasil a partir de vários pontos geográficos; Rio de Janeiro, em
1832, com o Rev. Fontain E. Pitts; Belém do Pará, Manaus, Amazonas, com o bispo William
Taylor (1880) e Rev. Justus H. Nelson (1888-1895) e em Santa Bárbara do Oeste, com Junius
31

Newman, em 1867. Na verdade, o primeiro missionário oficialmente enviado pela Igreja


Metodista Americana foi o Rev. John J. Ransom, que chegaria em 1876 e no mesmo período
o Rev. James W. Koger, todos na região de Piracicaba, SP.
Apesar do foco desta pesquisa priorizar o metodismo de imigração, julga-se adequado
apresentar um breve panorama de como outras formas de protestantismos no Brasil podem se
inserir nesta discussão, afinal não foram somente os protestantes metodistas que vieram para
o Brasil.

1.3. Outras influências protestantes


Netto (2000:31) lembra em tempo, que já em 1630, protestantes calvinistas holandeses
sob a liderança do Conde Maurício de Nassau, fariam a primeira tentativa missionária no
Brasil no estado de Pernambuco.
[...] Nesse período, a pastoral calvinista, em processo de organização de sua
Igreja no Brasil, baseado no modelo das Igrejas Reformadas Holandesas,
decide pela concessão de liberdade religiosas, mesmo sendo exclusivas dos
holandeses, procurou respeitar a tolerância às diferentes religiões. Essa
liberdade religiosa e mesmo o trabalho livro dos escravos duraram pouco
tempo. Com o objetivo voltado mais aos seus interesses econômicos do que
aos pastorais, os calvinistas holandeses promoveram uma grande recaptura
de escravos para trabalharem nas lavouras de cana-de-açucar[...] (NETTO,
2000. p31)
Conforme Reily (1984; 09, 25, 26), ―o protestantismo brasileiro tem profundas raízes e
vínculos com a Grâ-Bretanha, a Alemanha e os Estados Unidos‖. A propósito, o autor indica
que o anglicanismo inglês, a partir de 1781 se beneficiou da abertura dos portos do Brasil
para os países amigos de Portugal. Estes iriam instalar Capelas no Rio de Janeiro, Bahia,
Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e no Belém do Pará.
Com relação ao Luteranismo, os primeiros luteranos segundo o autor, teriam chegado
em Nova Friburgo no Rio de Janeiro e principalmente no Rio Grande do Sul, nos idos de
1784-1864. A primeira igreja luterana no Brasil data de 1824 em Nova Friburgo. Conforme
Reily, no período de 1890 a 1891, cerca de 10.100 alemães e 39.000 russos, a maioria
descendentes de alemães, migraram para o Brasil.
32

1.3.1 Imigrantes alemães e escravidão


Sobre a relação dos luteranos com os escravos no Rio Grande do Sul, há um instigante
artigo escrito por Elio E. Müller (2001) onde ele relata resultados de sua pesquisa sobre o
então pastor Carl Leopold Voges (1848) através de depoimentos colhidos de pessoas idosas
da localidade, quando de seu pastorado nos anos 70. Ele constata que tanto o pastor como
vários outros colonos da época possuíam escravos e destaca a história, o papel e a influência
da escrava Maria, da nação Nagô, na comunidade.
[...] Com base no Registro Eclesiástico, verifica-se que o primeiro dono de
escravos na Comunidade Evangélica fora o próprio pastor Voges. Existe o
assentamento de que, no dia 18 de janeiro de 1848, ele batizara o menino
Anton, nascido em 18 de novembro de 1847, filho de Maria, da Nação
Nagô, escrava do pastor Carl Leopold Voges, constando como padrinhos
Magdalena Eigenbrodt e Catharina Jacoby[...]Conforme a tradição oral
(FHO nº 01), a compra de escravos por parte de pastor Voges tivera a
seguinte motivação: ao término da Revolução Farroupilha, o pastor Voges,
vendo que a construção que servia como igreja e escola estava decaindo,
propôs que se fizesse uma nova igreja, mais sólida, de pedra. Ele viajara
muitas vezes até a Vila de Torres e assim pudera observar que os católicos
da Colônia São Pedro também estavam com plano idêntico. Ele não
desejava ficar para trás. Os colonos protestantes receberam o plano com
satisfação. Porém, ninguém se dispunha a assumir o trabalho de talhar
pedras. Diziam que uma tal tarefa só poderia ser destinada a condenados ou
escravos[...] Na primeira viagem a Porto legre, ele seguiu até o mercado de
escravos[...] Adquiriu então alguns escravos[...] (MÜLLER, 2001. p.75-78).
Ainda conforme Reily (1987:102-103), os congregacionais teriam chegado com Robert
Reid Kalley, a partir de 1858. A propósito da escravidão, o autor reproduz um documento no
qual Kalley exorta sobre a escravidão. ―O que Deus dá ao escravo é para ser usado por ele, em
seu próprio proveito. É escravo? Ninguém tem o direito de fazê-lo escravo, roubando-lhe a
liberdade pessoal...‖.
Outro grupo mencionado pelo autor são os presbiterianos. Os quais teriam vindo
mesmo período em que vieram os congregacionais. Um pouco antes da Guerra civil
americana, Ashbel Grenn Simonton embarcou para o Brasil, celebrando o primeiro culto
33

regular no Rio de Janeiro em 1861. Reily também não tem dúvida sobre as expectativas
desses protestantes também oriundos do Sul dos Estados Unidos.
[...] Atraídos pela boa terra a preços acessíveis, pelo clima e pela ajuda do
governo imperial, e ainda a possibilidade de adquirirem escravos no Brasil,
o que não lhes era mais possível na sua terra de origem, estabeleceram
colônias em diversos locais do Brasil. A que mais prosperou foi a colônia
de Santa Bárbara do Oeste, onde foram constituídas Igrejas Presbiterianas,
Batistas e Metodistas[...] (REILY, 1987. p111).
Mendonça (2008:50) chamou atenção para o fato de os confederados de Santa Bárbara
terem servido de atração para os batistas, os quais também teriam sido escravocratas no velho
sul. O autor registrou a fundação da primeira igreja batista brasileira em 1º de Setembro de
1871, em Santa Bárbara.
A seguir será analisado o cenário histórico, político, social e econômico brasileiro,
quando da chegada dos imigrantes metodistas estadunidenses. Contudo, será priorizado
inicialmente um breve levantamento das origens e da história de luta dos negros afro-
brasileiros, buscando recuperar sua contribuição nos processos emancipatórios.

2. O contexto histórico dos afro-brasileiros no século XIX.


Como bem denuncia Franz Fanon (2008:103-126), o negro, mormente é pensado a
partir do período colonialista. É como se não tivesse história antes do regime escravocrata. A
imposição modernista da ―história única‖ tem emaranhado a real história das civilizações
colonizadas. Portanto, a história dos negros não começa no Brasil em 1503-1535 com a
chegada das primeiras ―peças‖ (escravos).
Netto (2000:21) indica que os negros escravizados que vieram para o Brasil são
oriundos de dois matizes culturais e lingüísticos muito diferentes, a saber, os bantos e
sudaneses. O primeiro grupo teria vindo do norte do continente africano ocidental e o segundo
teria vindo da parte sul do equador. Então, a partir dos bantos teríamos os cabindas, os
angolas, congos, benguelas e nagôs detentores de grandes conhecimentos da agricultura. A
partir dos sudaneses, teríamos os mandingas, haucás e nagôs, advindos de reinos africanos
riquíssimos, muitos islamizados e alfabetizados com o diferencial de terem maior habilidade
organizativa, mais rebeldes e por isso mais temidos pelos colonos.
34

Segundo a Universidade Emory8 de Atlanta/EUA, no período de 1501 a 1866, o Brasil


recebeu 4.864.374 escravos africanos. Há que se escrever ainda a história dos negros afro-
brasileiros.
Oportunamente, Fanon (2008) afirma que as várias histórias coloniais internalizaram
no negro sua inferioridade. Razão porque é muito importante a desconstrução do discurso
colonial e um contra-discurso valorizando as vozes silenciadas e histórias negadas como a
dos negros afro-brasileiros. Lembra-nos Fanon, que os judeus foram discriminados por sua
etnia e os negros, pela cor da pele. É de causar espanto o fato de na historiografia brasileira
não ser enfatizada o protagonismo e a contribuição do negro na formação do país que
ajudaram a construir.

2.1. O colonialismo e o movimento abolicionista


Conforme Santos (2006:182-183), a inferiorização dos índios e dos negros durante a
colonização no Brasil é parte da estratégia de dominação européia e se manifesta através da
―guerra‖, da ―escravatura‖, do ―genocídio‖ e do ―racismo‖. E é diante desse construto que se
torna urgente a recuperação das ―imagens desestabilizadoras‖ propostas por Santos (2006:81-
82) há que se recuperar o espanto e a rebeldia- rebeldia como um antídoto ao conformismo,
articulando ciência, ética, emancipação social e política.
Bernard Lepetit (1989,) ao discorrer sobre a micro-história, contrapõe-se à idéia de
totalização e nos desafia a recompor as partes fazendo o trabalho inverso, mesmo correndo
todos os riscos de certo positivismo histórico.
[...]As primeiras justificativas epistemológicas da microstoria atestam a
pregnância do modelo macroanalítico. De um lado, os micro-historiadores
pretendem se introduzir nos interstícios da análise serial e chegar até o
―vivido‖ e a experiência individual inacessíveis aos estudos agregados [...]
(LEPETIT, 1989.p84).
Numa pesquisa bibliográfica, pinçar biografias negadas não é tão simples, pois
esbarra-se com normas técnicas para se validar resquícios literários que nem sempre dispõem
das informações para cumprir as exigências da academia moderna. É preciso garimpar
autores, fatos, depoimentos, fragmentos literários, documentos, etc.

8
O arquivo que se encontra disponível no site www.slavevoyages.org, contém cópia de quase 35.000 documentos
originais acerca do tráfico transatlântico de escravos entre os séculos XVI e XIX, com listas de navios negreiros e
as respectivas regiões de destino.
35

Parafraseando Fanon (1968:38), pode se afirmar com base em Lepetit que os colonos
americanos que chegaram ao Brasil em 1867, faziam história e sabiam disso. E por isso se
referiam constantemente à história de sua metrópole natal. A partir das obras de Harter
(1985), Dawsey (2005) e Jones(1967) parece que os confederados estadunidenses
alimentavam a idéia de que o Brasil era o prolongamento dos Estados Unidos,uma espécie de
anexo. A propósito do colono, continua Fanon
[...] A história que escreve não é, portanto a história da região por ele
saqueada, mas a história de sua nação no território explorado, violado,
esfaimado. A imobilidade que está condenado o colonizado só pode ter fim
se o colonizado se dispuser a por termo à história da colonização, a história
da pilhagem, para criar a história da nação, a história da descolonização [...]
(FANON, 1968. p38)
Um claro exemplo disso é o caso dos protestantes anglo-saxões em sua experiência de
colonização na América nos idos de 1630, como já vimos anteriormente. O diagnóstico
fanônico pode ser aplicado a eles à medida que se estabeleceram a partir das treze colônias na
América, desterritorializando os índios e posteriormente escravizando os negros. Todavia, a
história de luta dos afro-americanos, prova que apesar de toda a domesticação e
amordaçamento que a religião possa provocar nas consciências dos colonizados, estes ainda
podem irromper sua descolonização. Segundo Genovese (1983:26-27), em fins do século
XVIII as revoltas de escravos tomaram outro sentido. Ao invés de ―assegurar a liberdade‖,
passaram a buscar tentativas de eliminar a escravidão como sistema social. Citando a revolta
de São Domingos, o autor chama a atenção para o caráter ―hemisférico‖ e quiçá, mundial
desses movimentos.
[...] As revoltas no Velho Sul, século XIX, formaram parte integrante da
transformação das relações de classe e de raça no Hemisfério Ocidental. As
revoltas de escravos mais importantes nos estados norte-americanos de fala
inglesa ocorreram na cidade de Nova Iorque, em 1712; em Stono, Carolina
do Sul em 1739; no sul de Luisiana, em 1811 e no condado de Southampton,
Virgínia, sob o comando de Nat Turner [...] (GENOVESE, 1983.p.27).
Para Merleau Ponty, segundo Santos (2006:82), se faz necessário não apenas recuperar
as interrogações e a rebeldia para uma nova teoria mais sustentável para a emancipação social.
Mas, também, junto com as imagens dos negros brutalizados recuperar suas ações históricas
de rebeldia. O autor está convencido da importância da raiva perdida e do espanto que se
36

congelou ―perante o realismo grotesco do que se aceita só porque existe. Urge uma
reinvenção do passado como negatividade, produto da iniciativa humana‖, pois é a partir desta
reconstrução que se pode ter interrogações viscerais e poderosas.
Genovese (1983:108) concorda que as revoltas negras contribuíram significativamente
para os novos tempos de liberdade e igualdade para as populações negras.
[...] À parte as formas de militância e ação guerreira negras, tais como elas
se manifestaram durante a grande guerra americana de 1861-1865, a eficácia
direta da insurreição escrava se faz presente mais notavelmente nas bem
sucedidas guerras quilombolas do Caribe e nas lutas quase insurrecionais
dos escravos, nas Índias Dinamarquesas Ocidentais e no Brasil, durante as
crises abolicionistas de 1848 e 1871-1889, respectivamente. Muito antes da
emergência do abolicionismo e da Era da Revolução, as guerras
quilombolas e as revoltas de escravos inibiram, mesmo moderadamente, a
expansão e consolidação da escravidão [...] (GENOVESE, 1983. p108).
Nesse sentido, a história de espanto das populações negras no Brasil e no mundo, pode
inspirar principalmente a tomada de consciência cidadã frente às várias formas de escravidão
ainda em curso. A propósito, o profetismo da religião cristã, apesar de suas profundas
contradições históricas, ainda pode ser viável a partir do seu legado revolucionário dos
hebreus a Jesus de Nazaré. O autor nos lembra que;
[...] O cristianismo dos escravos celebrava a liberdade e a salvação e fundia-
se facilmente com a mensagem política da guerra revolucionária. A religião
dos escravos, pelo menos durante o século XIX, normalmente evitava os
apelos à insurreição e seguia o caminho da sobrevivência a longo prazo,
num mundo de desigualdades sem esperanças, mas poderia voltar-se para
canais revolucionários em determinados momentos[...] (GENOVESE, 1983.
p122).
Em sua crítica ao colonialismo, Fanon expõe as fragilidades históricas da religião cristã
[...] Os costumes do colonizado, suas tradições, seus mitos, sobretudo seus
mitos, são a própria marca desta indigência, desta depravação
constitucional. Por isso é preciso colocar no mesmo plano o DDT que
destrói os parasitas, portadores de doença, e a religião cristã que combate no
nascedouro as heresias, os instintos, o mal. O retrocesso da febre amarela e
os progressos da evangelização fazem parte do mesmo balanço. Mas os
comunicados triunfantes das missões informam, na realidade, sobre a
37

importância dos fermentos de alienação introduzidos no seio do povo


colonizado. Falo da religião cristã e ninguém tem o direito de se espantar. A
Igreja nas colônias é uma Igreja de Brancos, uma igreja de estrangeiros. Não
chama o homem colonizado para a via de Deus, mas para a via do Branco, a
via do patrão, a via do opressor. E como sabemos, neste negócio são muitos
os chamados e poucos escolhidos [...] (FANON, 1968 p31)
A relação dos negros e a religião cristã no Brasil subjazem à própria colonização
brasileira. Antes dos protestantes americanos chegarem ao Brasil, os negros já tinham
experimentado a dissimulação católico-européia. Seria importante ressaltar Enrique Dussel
(1993:159-171) que procura lançar luz nos rostos encobertos pela colonização na América
latina, enquanto a Igreja Cristã laborou a evangelização; os pobres ( o índio, o negro, o
mestiço, o crioulo,os operários). E o que foi feito com eles, deles e para eles?
Beozzo (1993) chama atenção, segundo Netto (2000:27-28), para um relato atribuído a
Joaquim Nabuco sobre o panorama dos anos 1870-1880;
[...] Grande número de padres possuem escravos, sem que o celibato clerical
o proíba. Esse contato, ou antes, contágio que escravidão deu à religião
entre nós o caráter materialista que ela tem, destruiu-lhe a face ideal e tirou-
lhe toda a possibilidade de desempenhar na vida social do país o papel de
força consciente[...] nem bispos, nem vigários, nem confessores estranham
o mercado de entes humanos[...] ( NETTO, 2000 pp27-28)
Netto menciona ainda, evidências de que jesuítas, beneditinos e carmelitas, mantinham
a posse de escravos em São Paulo. A importância do sacramento do batismo, por exemplo, era
um rito de passagem dos africanos para a ―mão de obra escrava‖ na metrópole. A escravidão,
portanto, até os idos de 1870 era entendida como ―um meio de salvação‖.
Chiavenato (1988:76) alerta que, em tempos de Renascimento, ―os atos de dominação
precisam ser justificados ideologicamente‖, razão pela qual a Igreja decretou que o negro não
tendo alma, recebia uma, após o batismo. A Cristologia, defendida na época do Brasil Colônia
e império, fundamentava a dicotomia Branco-preto em que Jesus era concebido como branco,
a virtude cristã era branca e o mal e os demônios eram pretos. Pouco se tem sobre como os
negros pensavam sobre essa doutrinação religiosa. Não é gratuito, que sua religião de origem
fosse também demonizada.
Para Max Weber , segundo Roger Bastide (1971:465,473-480), um dos pioneiros na
abordagem sobre a questão do negro em conexão com a religião afro-brasileira, o espiritismo
38

com a doutrina do Karma reproduz a mesma discriminação do cristianismo católico, à


medida em que pressupõe que pessoas negras são consideradas de castas inferiores restando-
lhes a reencarnação como única possibilidade de se tornar filhos da luz.
Apesar de se referir a apenas um duplo catolicismo brasileiro, as idéias de Bastide
permitem a inferência de mais um tipo, ficando como segue: o catolicismo negro, catolicismo
do negro e o catolicismo branco. O primeiro seria uma reinterpretação do cristianismo a partir
de suas origens religiosas tradicionais. O segundo seria o catolicismo branco assimilado por
negros e o terceiro o catolicismo de viés branco. Então, a religião cristã foi experimentada
pelos negros, ora como um processo de assimilação via o controle eclesiástico e os
ensinamentos da Igreja, noutros momentos, o cristianismo foi reinterpretado pelos negros fora
dos centros urbanos e do controle eclesiástico como uma religião rebelde e de resistência.
Esse teria sido o tipo de cristianismo praticado pela comunidade do Quilombo de Palmares,
conforme Genovese (1983:71).
A propósito, Fanon entende que a religião através de suas narrativas pode ser utilizada
para legitimar o colonialismo:
[...] O colonizado consegue igualmente, por meio da religião, não ter em
conta o colono. Através do fatalismo toda a iniciativa é arrebatada ao
opressor, atribuindo-se a Deus a causa dos males, da miséria, do destino.
Dessa maneira o indivíduo aceita a dissolução decidida por Deus, avilta-se
diante do colono e diante da sorte e, por uma espécie de reequilíbrio interior,
chega a uma serenidade de pedra [...] Entrementes, porém, a vida continua, e
é através dos mitos terrificantes, tão prolíficos nas sociedades
subdesenvolvidas, que o colonizado vai extrair inibições para sua
agressividade; gênios malfazejos que intervêm todas as vezes que a gente se
move de travês, homens-leopardos, homens-serpentes, cachorros de seis
patas, zumbis, toda uma gama inesgotável de animalejos ou de gigantes
dispõe do colonizado um mundo de proibições, de barreiras, de interdições
muito mais aterrorizantes que o mundo colonialista [...] (FANON, 1968.
p41)
Campos (2007:71-84), ao analisar a prática missionária dos protestantes históricos
brasileiros, indica que estes reproduziram o mesmo discurso evangelizador colonialista,
aplicando aos seus adversários estigmas como ―demoníaco‖, ―diabólico‖ ―satânico‖,
―herético‖ ou ―subversivo‖.
39

Rejeitando o catolicismo brasileiro, o protestantismo não foge ao mesmo método da


Igreja Católica quando da sua empresa missionária nos países baixos sob a inspiração da
civilização e da cristianização. Por conseguinte, o protestantismo também vai diabolizar o
catolicismo brasileiro. A propósito, Mendonça (2008:122) lembra que a implantação do
protestantismo no Brasil, se deu com três ênfases: a) pela polêmica (principalmente com o
catolicismo); b) pela ação educacional (construindo escolas); e c) pelo proselitismo
(enfatizando o conversionismo). Assim, percebe-se que para consolidar o protestantismo no
Brasil, seria necessário negar não apenas o catolicismo, como também todas as outras formas
de religião nativa, incluindo a dos escravos negros africanos.
Daí, a importância da análise, ainda que geral, da realidade do contingente afro-
brasileiro no quadro sócio-político do Brasil, no século em que a religião protestante de viés
metodista se instala.
Como já vimos a partir de Bastide, a história de resistência dos negros no Brasil pode
ser também identificada sob a estratégia dos africanos na elaboração do sincretismo religioso
com o catolicismo,a fim de preservar sua identidade religiosa. Carneiro (1997:26-36) chama
atenção para o testemunho histórico dos quilombos do Itapicuru, do Mocambo, do Orobó e do
Urubu (Bahia) de 1632-1826, do Rio das mortes (MG) e de Mulanguinho (PE) em 1836, de
Manuel Congo (RJ) e do Cumbe (MA), em 1839,mas também houve muitos movimentos de
revolta contra a dominação colonialista. Ao falar das lutas do povo brasileiro, Chiavenato
(1988:5, 10) questiona
[...] Nos livros de história o povo quase nunca aparece. É D.Pedro I
gritando, Bonifácio propondo, Isabel ―abolicionando‖, Caxias puxando a
espada, um tal de ―quem for brasileiro, siga-me‖ ou ―morre um liberal mas
não morre a liberdade‖. Povo que é bom.... Será verdade?[...] Antes das
respostas, porém, vamos lembrar o óbvio: sem povo não há história. E
repetir o truísmo: a história tem sido escrita pelos vencedores.
Especialmente no Brasil, com raras exceções, sua interpretação é feita pelas
classes dominantes. Uma das características básicas da historiografia oficial
é negar ao povo qualquer participação profunda nas mudanças da sociedade
[...] (CHIAVENATO, 1988. p5).
O autor nos lembra que em 1823 o Brasil contava com 72,7% da população
representada por índios e negros. Desde 1630 na guerra contra os holandeses em Pernambuco,
já encontramos índios e negros envolvidos em lutas, mesmo que de certa forma, manipulados
40

pelos colonos. Como iria se repetir na guerra dos emboabas em 1700, quando índios e negros
são cooptados pelos paulistas em suas batalhas contra estrangeiros. Para Chiavenato
(1988:20), ―não há indícios ou documentos que demonstrem por que índios e negros lutaram
pelos interesses dos brancos, a não ser vagos depoimentos a posteriori sobre a ―abnegação e
fidelidade‖ dos escravos‖.
Contudo, Fanon explica porque isso acontece:
[...] O colono alimenta a cólera do colonizado e sufoca-a. O colonizado está
preso nas malhas apertadas do colonialismo. Mas vimos que no interior o
colono logra apenas uma pseudopetrificação. A tensão muscular do
colonizado libera-se periodicamente em explosões sanguinárias: lutas
tribais, lutas de sobas, lutas entre indivíduos [...] lançando-se
impetuosamente em suas vinganças, o colonizado busca persuadir-se de que
o colonialismo não existe que tudo se passa como antes, que a história
continua [...] (FANON, 1968. pp40-41).
Netto (2000) chama a atenção para o fato de que a diversidade étnica entre os
escravizados trazidos da África dificultou muito a resistência à escravidão, mas apesar disso,
muitos reagiram ao cativeiro.
[...] das mais variadas formas, na luta pela manutenção da identidade:
suicídio, aborto, boicote ao trabalho [...] Porém, as formas abertas de
rebelião foram muito freqüentes, apesar da rigorosa repressão[...] As fugas,
tanto individuais como coletivas, os assassinatos do fazendeiro ou do feitor
e as insurreições[...] Nas fugas coletivas, os escravos organizavam-se em
quilombos, por exemplo; Palmares, Sapucaí, Paraibuna, Inficionado,
Pitangui e Campo Grande-MG[...] (NETTO, 2000. pp23-24).
Chiavenato (1988:80-81) pontua a revolta dos Malês em 1835 na Bahia, negros
sudaneses, na sua maioria mulçumanos, que apesar de derrotada a revolta, exigiu todo o
aparato repressivo do exército branco.
Segundo Chiavenato (1988:22-25), no período entre 1838-1841, sob a liderança de
Cara Preta, Balaio e o negro Cosme, acontece também a guerra da Balaiada no interior do
Maranhão, um levante sertanejo contra os latifundiários da época, que também foi esmagado,
deixando um saldo de 12 mil combatentes mortos, numa época em que o Maranhão tinha
apenas 200 mil habitantes. Ironicamente, o autor pontua; ―É um povo que luta. E morre. Sem
saber bem por quê. Quando souber, o que fará?‖.
41

Para este autor, a historiografia oficial classifica as lutas dos negros africanos ―à
margem da história‖, tornando-as insignificantes e em meros casos policiais.
[...] Por que é assim? Essa falsificação histórica de preconceitos ideológicos
que preservam o mito de que a história é feita pelos ―grandes homens‖, ao
mesmo tempo que apresenta todo o processo de abolição como fruto de um
entendimento harmonioso e humanitário, onde o branco concede a liberdade
ao negro por se condoer de sua situação. Como os senhores eram bons e
sábios, faziam a história; como eram magnânimos, libertaram os negros.
Admitiam que um ou outro era cruel: seriam a exceção. É justamente contra
essas exceções que os escravos se rebelam. Portanto, na visão tradicional,
rebeliões negras não aconteceriam pelo desejo de liberdade dos escravos,
mas pela revolta aos maus tratos de alguns senhores [...] (CHIAVENATO,
1988. p74).
Ao criticar Nina Rodrigues9, Chiavenato chama a atenção para sua perspectiva
colonialista ao considerar que as revoltas negras não seriam ―casos de protesto social, mas
fenômenos de criminalidade multitudinária ou, na melhor das hipóteses, de regressão tribal‖.
Contudo, sabemos que tais falácias não subsistem no tempo histórico. Nascimento
(1978:59) ao reafirmar a contribuição dos negros na luta pela independência do Brasil, o autor
diz
[...] Muitos negros e mulatos imolaram suas vidas combatendo a tirania
portuguesa. E quando o Brasil em 1822 se tornou independente de Portugal,
continuou o mesmo país escravizador do africano [...] As insurreições
negras se espalhavam por todo o território do país desde o começo da
colonização, e permaneceram até às vésperas da abolição em 1888.Mais de
vinte quilombos, verdadeiras cidadelas reunindo africanos fugidos da
escravidão, se contam nas províncias do Rio de Janeiro, Mato Grosso,
Minas Gerais, Pará, São Paulo, A lagas, Sergipe, Bahia e Pernambuco[...]
(NASCIMENTO, 1978. p59).

2.1.1. A contribuição da mulher no processo da abolição


Em meio ao processo de luta dos afro-brasileiros pela abolição, esquecer de perguntar
pela contribuição das mulheres negras não é escusável. Em toda a história de lutas, elas

9
Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). Médico legista, psiquiatra e antropólogo brasileiro, defensor ardente
do racismo científico.
42

sempre estiveram presentes. A historiografia ocidental, a passos bem lentos, caminha cada vez
mais para explicitar a resistência feminina em relação aos desmandos tanto de machos negros
quanto de machos brancos ao longo da história brasileira e mundial. Certamente esta é outra
proposta de pesquisa. Chiavenato (1988:76-77) não se furta, mesmo que de maneira
―machista‖, de denunciar os maus tratos às mulheres negras pelas mulheres brancas e das
mulheres brancas pelos homens brancos.
[...] As negras jovens eram violadas pelos brancos. Essa violação, gerando
filhos mulatos, às vezes foi planejada porque o negro mais claro tinha maior
valor e, assim, estabeleceram-se alguns ―criatórios‖, produzindo-se mestiços
para vender como escravos domésticos [...] Numa sociedade fechada,
cinicamente moralista, como é peculiar no sistema colonial, a mulher das
classes dominantes era sexualmente reprimida, péssima parceira. Por isso os
senhores fartavam-se nas negras, provocando os ciúmes das sinhás, que se
vingavam cruelmente mutilando escravas: arrancavam-lhes dentes,
cortavam-lhes seios e furavam olhos. Há casos de sádica vingança: sinhás
que cozinham pedaços de negras, especialmente seios, e os servem a seus
maridos etc[...] (CHIAVENATO, 1988. pp.76-77).
Diante do exposto, elas foram iguais na luta durante as revoltas abolicionistas,
tornando-se fundamentais no processo de resistência contra a escravidão em todo o mundo.
Neves (1986:34-39)10 organizou as principais definições e conclusões sobre o papel da
mulher nas Américas ao longo da história de luta contra o escravagismo. Para ela, a
contribuição da mulher é indiscutível como ―doadora da vida, guarda principal e transmissora
das tradições religiosas e culturais, educadora de novas gerações‖.
Se para o homem negro a escravidão foi aviltante, para as mulheres negras a
escravidão teve impactos muito mais profundos. Consideradas inferiores por serem mulheres;
tanto na senzala quanto na casa grande, as mulheres foram usadas e abusadas de várias
maneiras. Carneiro (1997:8) chama atenção para o que era considerado ―normal‖ no Brasil do
século XIX. Em 1853, o Jornal do Comércio publicava: ―Ama de leite, a melhor que se pode
desejar, parida há 15 dias...‖ Apesar de aviltadas em seus corpos, mentes e em sua
maternidade, estas mulheres não entregaram seus espíritos de forma dócil como a
historiografia dominante, insiste em afirmar. Elas lograram êxito nas estratégias de lutas e no

10
Conclusões da Consulta sobre cultura negra e teologia na América Latina promovida pela ASETT (Associação
Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo) realizada em São Paulo de 6 a 8 de Dezembro de 1984.
43

auxílio a fugas. Estamos falando de Francisca E. Gonzaga, Francisca da Silva, das mães de
santo anônimas e tantas outras como as ―quituteiras‖ que com os seus tabuleiros nas praças
eram verdadeiras ―agentes secretas‖ da abolição.
Schumaher e Brazil (2000:33-34, 50,148,151, 530) resgata mulheres como Almerinda
Faria Gama, negra e pioneira na política brasileira. Nasceu em 16 de Maio de 1899 em
Maceió, foi advogada, feminista e líder sindical combativa e muito consciente abrindo o
caminho para as mulheres brasileiras na política nacional; Ana de Alencar Araripe (1789-
1874) cearence participante das revoltas liberais de 1817 e 1824; Outra mulher muito
importante foi a escrava quilombola Zeferina. Schumaher, afirma que ela participou de uma
revolta em 16 de Dezembro de 1826 em Salvador. Incentivando os negros do quilombo do
Urubu, Zeferina dava gritos de guerra que impressionava até os inimigos.
Oportunamente, Netto (2000:161) lembra que a primeira Igreja Pentecostal de
Piracicaba, foi fundada por uma mulher negra. ―em 4 de Abril de 1920, instala-se a primeira
igreja pentecostal de Piracicaba, depois denominada Congregação Cristã do Brasil. Iniciativa
coube à negra Maria Ventura, vinda do Rio de Janeiro. A primeira Igreja funcionou na rua
Benjamim Constant‖.

3. Contexto histórico político brasileiro no século XIX


Ao analisar o romance de José de Alencar e Machado de Assis, Roberto Schwarz
(1988:13-16) não apenas identifica aspectos racistas na literatura dos escritores, como nos
ajuda a traçar a fisionomia política do Brasil oitocentista, colocando Machado de Assis 11 na
―periferia do capitalismo‖.
Schwarz, ao avaliar ―as idéias‖ liberais ―fora de lugar‖, demonstra que o liberalismo
Europeu e Americano que chega ao Brasil em meados do século XIX tornara-se em mera
―comédia ideológica‖, por conta de sua disparidade em relação a sociedade brasileira.
[...] É claro que a liberdade do trabalho, igualdade perante a lei e, de modo
geral, o universalismo eram ideologia na Europa também; mas lá
correspondiam às aparências, encobrindo o essencial – a exploração do

11
Segundo Joel Rufino dos Santos, Machado de Assis era filho de um pintor negro com uma lavadeira
portuguesa. ―como todo mulato, Joaquim Maria era meio preto e meio branco. Perdera sua mãe cedo, foi criado
por uma preta doceira, Maria Inês. Conforme se tornou importante e admirado, na maturidade,os retratos de
Joaquim Maria foram retocados para esconder a pele escura,o cabelo, o nariz. Para chegar onde chegou – Pai da
literatura brasileira, presidente perpétuo da Academia Brasileira de Letras – Era natural que fosse branco‖ vide
em .www.carosamigos.com.br
44

trabalho. Entre nós, as mesmas idéias seriam falsas num sentido diverso, por
assim dizer, original. A Declaração dos Direitos do Homem, por exemplo,
transcrita em parte na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia
nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravidão [...] Como é
sabido, éramos um país agrário e independente, dividido em latifúndios,
cuja produção dependia do trabalho escravo por um lado, e por outro do
mercado externo. Mais ou menos diretamente, vem daí as singularidades
que expusemos [...] (SCHWARZ, 1988. p14)
Na medida em que o escravismo desmentia as idéias liberais, estas se
metamorfoseavam em epistemologia do favor. Então tínhamos o latifundiário, o escravo e o
―homem livre‖. Para Schwarz, ―o favor assegurava às duas partes, em especial à mais fraca,
de que nenhuma era escrava‖.
Mesquida (1994: 31,68-69) nos ajuda a entender que desde 1850 quando a monarquia
se consolidou, a economia passou crescer por conta do aumento da exportação do café.
Naturalmente, o Tratado de Methuen em 1703, tornava isso cada vez possível. A propósito, o
autor registra que em 1866, foi inaugurada a estrada de ferro, Santos-Jundiaí construída com
capital inglês. Enquanto isso, o capitalismo mundial nascente continuava a bater nas portas do
imperador. Cada vez mais ameaçado pela economia americana externamente e pelo Partido
Liberal internamente o império irá enfraquecendo até que em 1868,
[...] começou, concretamente, a desintegração do grupo dominante-dirigente
que sustentava o regime e era sustentado por ele. A ruptura da camada
sócio-política, constituída pelo imperador, os grandes proprietários rurais, a
Igreja Católica e o Exército, em nível nacional, e pela Inglaterra, em nível
internacional, provocou a crise do regime [...] Todavia, essa crise não
irrompeu espontaneamente. Foi estimulada e acelerada por atores e forças
sócio-políticas cuja identificação e descrição são importantes para se
compreender o contexto de tensão social, política, econômica e cultural
(desestruturação da sociedade) que tornou possível a presença [...] do
protestantismo missionário de origem norte-americana, particularmente, o
metodismo[...] (MESQUIDA, 1994. p70)
A iminente abertura do Brasil para a modernidade irá despertar a imigração
principalmente dos americanos que começaram a se movimentar na direção do Brasil.
[...] Foram fundadas associações no Sul dos Estados Unidos, como a
Southern Colonization Society, criada em outubro de 1865, com a finalidade
45

de enviar ―agentes‖ à Ibero-América para verificar se as condições


oferecidas pelos países do sul do continente eram favoráveis à imigração
norte-americana [...] (MESQUIDA, 1994.p.34)
As primeiras levas imigratórias de confederados do sul dos Estados Unidos para o
Brasil fazem parte desta agenda de abertura para o liberalismo americano e europeu. A
província de São Paulo foi a que mais recebeu americanos europeus e asiáticos. As
contradições levantadas por Schwarz (1988:16-20), em que os ideais republicanos do Partido
Liberal cada vez mais se afastava do modelo monárquico que de forma complacente mantinha
a instituição da escravatura, irá promover a inevitável ruína desta.
Curiosamente, os maçons e não necessariamente os metodistas maçons aceleraram o
processo da abolição segundo Mesquida (1994:79), a Convenção Republicana convocada em
1873 pelos maçons em Itu, foi um ato assaz concreto na direção da abolição da escravatura. A
maioria dos fazendeiros estava lá e coincidentemente às portas estava uma escrava, que foi
beneficiada com uma coleta para a compra de sua alforria.
Considerando que a Igreja Católica estava atrelada à monarquia e aos interesses do
imperador, abre-se cada vez mais o espaço para os protestantes na sociedade brasileira.
Para Mesquida (1994:57) as idéias liberais irão incentivar a criação de inúmeras
escolas; ―O período de 1860 a 1900 foi especialmente favorável ao desenvolvimento do
ensino privado e, portanto, protestante.‖ Como já abordamos anteriormente, a propósito do
―destino manifesto‖, a Igreja Metodista, em sua ênfase combativo-proselitista e pedagógico-
civilizatória, durante sua inserção histórica no Brasil, irá ajudar significativamente o
liberalismo-republicano.
Como bem registrou os Dawsey (2005:97), os sulistas estadunidenses se comportaram
como verdadeiros colonizadores. Recebidos com pompa no Rio de Janeiro, os imigrantes
foram acompanhados pelo governo brasileiro para conhecer terras na província de São Paulo
seu novo habitat.
Mesquida (1994) chama a atenção para a estratégia dos missionários metodistas ao
escolherem cidades do interior do sudoeste; Juiz de Fora-MG, Ribeirão Preto e Piracicaba em
São Paulo, onde se apostava no futuro político e econômico do país, a saber, Piracicaba.
[...] na Província de São Paulo. A única cidade de importância, onde os
presbiterianos não haviam ainda se estabelecido, distinguia-se:a) por
localizar-se próxima à colônia dos imigrados norte-americanos; b) como um
dos principais portos de onde partiam os paulistas que se dirigiam às minas
46

de ouro de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, pela via fluvial; c) como um
centro republicano e maçon, a frente de combate de Manoel e Prudente
Moraes de Barros[...] (MESQUIDA,1994. p124).

3.1. Da chegada dos metodistas Confederados à abolição da


escravatura
Conforme Nascimento (1978:49), a população negra afro-brasileira foi fundamental
para a organização econômica do país.
[...] Sem o escravo a estrutura econômica do país jamais teria existido. O
africano escravizado construiu as fundações da nova sociedade com a flexão
e a quebra de sua espinha dorsal, quando ao mesmo tempo seu trabalho
significava a própria espinha dorsal daquela colônia [...] (NASCIMENTO,
1978. p49).
Por sua vez, a política cordial das elites liberais não possibilitava nenhum senso de
urgência para a emancipação. Coincidentemente, Andrade (1995:117) lembra que ao fugirem
da Guerra Civil americana, os metodistas estadunidenses, encontram no Brasil praticamente
os mesmos problemas; conflito com o Paraguay (1865-1869), movimentos abolicionistas que
diuturnamente insurgiam-se contra a elite escravocrata, a promulgação da Lei do Ventre Livre
em 1871, a do Sexagenário em 1885 e por fim a assinatura da Lei da abolição dos escravos
em 1888. Entretanto, não há registros de que a missão metodista tenha de forma sistemática e
efetiva se envolvido no movimento abolicionista.
A verdade é que o protestantismo em geral passa de largo sobre a questão
abolicionista. Daí se vê, conforme diz Barbosa (2002: 146); que a teologia da ―Velha Escola‖
do sul estadunidense falou mais forte entre os protestantes no hemisfério sul, em especial os
metodistas. Segundo o autor,
[...]Desde o início de sua implementação no Brasil, o protestantismo
compreendeu que as discussões a respeito da escravidão poderiam se tornar
gradativamente perigosas, além de, principalmente, dificultar enormemente
o trabalho prioritário de instalação[...] (BARBOSA, 2002. p149)
Conforme bem nos lembra Salvador (1982:149), os protestantes de um lado,
estimavam o imperador e por outro lado, estavam ligados às idéias republicanas. Daí se vê
que estes não estiveram imunes à cultura do ―favor‖, que amalgamava idéias liberais e idéias
escravocratas, o que não significa que não houvesse atos de solidariedade à causa da abolição.
47

Todavia, ao falar do lançamento do jornal ―Metodista Católico‖ (atual Expositor Cristão) em


1886, sob a direção do rev. Ransom, o autor deixa claro que o tema da escravidão era
totalmente invisível em suas edições. De caráter moralista o periódico dava mais ênfases à
questões religiosas como polêmicas doutrinárias contra a Igreja Católica, eventos sociais,
lições da Escola Dominical e outros informes do mundo evangélico. Barbosa (2002:145),
comentando sobre um artigo publicado no ―Methodista Católico‖ como também foi chamado
o ―Expositor Cristão‖ diz: ― O texto, redigido pelo anônimo C.G.S.S., compara o trabalho aos
domingos com a escravidão dos negros e sustenta que trabalhar no ―Dia do Senhor‖ é muito
mais iníquo‖.
Quando os metodistas chegaram ao Brasil, o movimento abolicionista já estava em
andamento. Salvador (1982: 246-247) recorda que da Lei Eusébio de Queiroz em 1850 à Lei
Áurea em 13 de maio de 1888, houve intensos movimentos no país. ―Todavia, por motivos
que ignoramos, o Expositor Cristão guarda absoluto silêncio sobre o anti-escravismo‖.
Ironicamente, o autor supõe; ―Seria porque a lembrança da luta fraticida nos Estados Unidos
amargurava o espírito do redator?‖ Referindo-se ao Rev. J.L. Kennedy sucessor de Ransom
no jornal.
Tal fato demonstra o distanciamento ou a indiferença por parte, tanto do metodismo
de imigração, quanto do metodismo de missão das questões que afligiam os negros afro-
brasileiros no Brasil do século XIX. Não é exagero afirmar que os protestantes foram
reticentes e na maioria das vezes omissos no envolvimento nas questões abolicionistas.
Barbosa (2002:151) considerando a perspectiva teológica do missionário presbiteriano
Simonton lembra que ―sua teologia foi ajustada de modo a separar os assuntos políticos dos
essencialmente religiosos e espirituais‖. O mesmo teria acontecido com o comportamento da
missionária metodista Martha Watts. ―Também contrária à escravidão, ela evita, contudo,
tocar no assunto‖. O autor lembra que ao chegar em 1881 em Piracicaba, a missionária
alforria a escrava Maria Flora Blummer de Toledo (Ver Anexo 3)12 antes de contratá-la como
cozinheira no Colégio Piracicabano. Todavia, há um registro de Mesquita encaminhado ao
Professor Almir de Souza Maia na época de sua gestão na reitoria da UNIMEP (Universidade
Metodista de Piracicaba), que traz outros elementos históricos importantes associados à
saudosa Flora. Mesquita (ver Anexo 4)13 deixa claro que a escrava Flora teria pertencido à

12
Cópia da carta de Alforria cedida pelo Centro de Memória Martha Watts
13
Histórico de Zuleika Mesquita e comprovante de encaminhamento informativo sobre a história de Flora
Blummer ao Prof. Dr. Almir de Souza Maia, reitor da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba).
48

família Blummer que era luterana e que depois de comprada pela missionária metodista é
contratada pelo colégio Piracicabano. A propósito, Mesquita (2001:24) flagra a ortodoxia
típica do protestantismo da época, a partir do diálogo entre a missionária e uma pobre menina
negra
[...] No domingo uma garota negra veio à nossa porta com uma caixa de
enfeites para vender, e perguntou-me se queria comprar algum deles. Eu lhe
disse que era domingo, no que ela respondeu de maneira simples possível
que isso não fazia diferença. Atônita, repeti suas palavras, e lhe disse que
não comprávamos ou vendíamos no domingo, e que servíamos a Deus nesse
dia [...] (MESQUITA, 2001.p.24)
Conforme já mencionado anteriormente, o fato do Coronel William H. Norris,
confederado metodista que ao chegar ao Brasil em 1865 se encarregou de garantir a compra
de dois escravos para trabalhar em suas terras e ao se analisar o conteúdo do diálogo entre a
missionária Martha Watts e a menina negra, no mínimo é mais um exemplo que compõem o
contexto relacional contraditório entre os imigrantes estadunidenses e a população afro-
brasileira.
Nesse sentido, podemos afirmar com Barbosa (2002:154-155) que a ética protestante
foi ao mesmo tempo conservadora e paternalista, longe de propor algo libertário e
revolucionário. Estavam os confederados metodistas mais interessados em implantar suas
doutrinas e o fizeram de forma polêmica e dogmática, faltando-lhes a sensibilidade de captar
os rostos silenciados pela escravatura. Ensinaram uma religião que domesticava os escravos,
conformando-os à situação escravista sob o pretexto de orações e mensagens de consolo,
instando-os a serem pacientes e submissos. Cumpriram a agenda da doutrina da igreja
espiritual.
De fato, a abolição da escravatura no Brasil foi um exercício a partir da típica lógica do
conhecimento regulação, apontado por Santos. Os negros saíram de um colonialismo político
para um colonialismo social.
A liberdade dos negros levou-os a outra forma de colonização, a saber, a social. E isso
foi possível em função do capitalismo emergente do século XIX que a partir da
competitividade que impunha no mercado de trabalho, excluiu a população afro-brasileira.
49

3.2. Os afro-brasileiros e o mercado de trabalho no século XIX


Segundo dados estatísticos apontados por Chiavenato (1988:10), em 1823 a população
do Brasil era representada por 72,7% de negros e índios . Para Nascimento (1978:69-75), de
acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1872, tínhamos no
Brasil de 1872 61,86% da população representada por negros e pardos. O autor continua
comparando com o percentual de 56,03% em 1890 para demonstrar a tendência do declínio da
população negra brasileira por conta da estratégia ideológica do branqueamento da raça.
A revolução industrial transformara os modos de produção internacional. Conforme
Oliveira (1995:31), no Brasil ―ambos os governos, central e provincial, destinaram verbas
para subvencionar o movimento imigratório‖. Todavia, o novo sistema de produção
econômica iria fatalmente excluir o trabalhador nacional, a saber; o índio e o negro liberto.
Para a autora, ―o pressuposto das relações de mercado é a igualdade; a inaptidão para elas
caracterizará, necessariamente, a inferioridade‖. Segundo ela, as principais conseqüências
para os grupos pobres, índios e negros pautaram-se a exclusão social, já que foram
considerados desqualificados ou reprimidos, ―o sertanejo preguiçoso, o negro desorganizado e
perigoso, o índio selvagem e violento. Igual e apto para as trocas de mercado, só o imigrante
[...] honrado, laborioso, alfabetizado ordeiro, etc‖.
Netto (2001:25-26) concorda que a Lei Áurea no Brasil não foi tão ―áurea‖ como
alguns pensam. Os principais problemas permaneceram. Todavia, as populações negras
continuaram sua luta pela consolidação social de sua libertação diante da concorrência
desigual em relação aos imigrantes estrangeiros. Muitos permaneceram nas lavouras
alimentando a expectativa de emancipação social, objetivo que buscaram até o fim de seus
dias.
Nessa linha de pensamento, apesar da luta dos negros, o aparelho opressivo se
constituía ainda mais organizado e monolítico. A cultura do ―favor‖ e da ―harmonia entre
senhores e escravos‖ foi também um fator importante para a contínua dependência
psicológica e econômica entre ex-escravos e ex-senhores no Brasil. Fanon (2008:25-31)
lembra que o processo de desalienação do negro implica tanto na dimensão psicológica ,
quanto na dimensão social. O negro internacionalizou sua condição social real (sociogenia), o
que exigiria um processo de descolonização ou desconstrução psicológica, afinal, conforme
Fanon, a pessoa humana é construída também a partir das realidades econômicas. Assim, o
50

autor oferece-nos uma teoria assaz consistente para uma análise da construção da
subjetividade do negro.
No Brasil, o mito da democracia racial, paralelo às políticas de embranquecimento e a
sua introjeção no psiquismo do afro-brasileiro, é um dos impedimentos para a sua
emancipação social. Bastide (1971:419) nos lembra que o advento da urbanização no Brasil
não apenas destruiu a comunidade dos negros, mas também a reorganizou em uma
comunidade de proletários com a garantia de livremente ganharem a vida. Para Lowrie
segundo Batisde (1971:420-421), na livre disputa por emprego com os imigrantes (italianos,
japoneses, portugueses, alemães e americanos) restou aos negros apenas os empregos
subalternos reservados à mão de obra não qualificada. Bastide ressalta que em São Paulo, por
exemplo, a preferência por uma criadagem doméstica branca e japonesa irá justificar os
seguintes números; de 1000 carregadores, 997 são negros; de 1000 comerciantes, 2 são negros
ou pardos, razão pela qual, continua o autor, os negros estiveram sempre num baixo padrão de
vida, morando em zonas marginalizadas como cortiços ou favelas.

3.3. A Religião das populações afro-brasileiras


Não é possível conceber uniformidade nas várias expressões religiosas existentes no
Brasil oriundas da África, pois somos também uma multi-realidade cultural e religiosa.
Quando escravos negros trazem sua religiosidade para as Américas, intercambiam com outras
expressões religiosas transculturais. Por isso, avaliar as religiões afro-brasileiras como sendo a
originalidade da cultura africana no Brasil é inconsistente. A propósito, Laura de Mello e
Souza (1986) nos alerta:
A religião africana vivida pelos escravos negros no Brasil tornou-se assim
diferente da de seus antepassados, mesmo porque não vinham todos os
escravos de um mesmo local, não pertencendo a uma mesma cultura. Gegês,
Nagôs, Iorubas, Malês e tantos outros trouxeram cada um sua contribuição,
refundindo-as à luz de necessidades e realidades novas, superpondo ao
sincretismo afro-católico outro quase sincretismo afro. Para quê pedir
fecundidade às mulheres se, na terra do cativeiro, elas geravam bebês
escravos? Como solicitar aos deuses boas colheitas numa agricultura que
beneficiava os brancos, que se voltava para o comércio externo e não para
subsistência?[...] (SOUSA, 1986, p.94).
51

As religiões afro-brasileiras são acusadas de ―desejarem e fazerem o mal‖, invocando


as divindades. Para Bastide, segundo Souza (1986:94), ―Mais valia pedir-lhes a seca, as
epidemias destruidoras de plantações, pois colheitas abundantes acabariam se traduzindo em
mais trabalho para o escravo, mais fadiga, mais miséria‖. Segundo a autora esta foi à razão
pela qual no Brasil a religião africana abandonou as divindades protetoras da agricultura e
valorizou as da guerra – Ogum, Justiça; Xangô, vingança e Exu. Ou seja, o sentido da religião
entra em contradição com o contexto sócio-econômico fundamentado na escravidão.
De acordo com a Bíblia14, convém lembrar que os hebreus quando cativos na
Babilônia não tinham prazer algum em tocar e cantar a Javé, (sua divindade), pois estavam
fora de sua querida Jerusalém. Quando se lê na Bíblia os relatos do gênesis sobre o patriarca
Abraão15 que ofereceu sacrifícios e toda a história das tribos israelitas com seus abundantes
rituais de sacrifícios, estes não são demonizados como mormente se faz com os negros
africanos.
Considerando que o fenômeno religioso catalisa elementos culturais, sociais e
econômicos que estruturam a identidade do indivíduo, parece que as religiões de matiz
africana se aproximaram mais da religião pentecostal que do protestantismo histórico. Sendo
verdadeiro, é possível subentender possíveis resistências entre população negra e a população
imigrante de protestantes metodistas, por conta de certa intolerância religiosa.
A propósito, conforme Dawsey (2005:187-188), em Piracicaba, apesar do rev.
Newman revelar em alguns momentos apreço aos brasileiros, sua ação missionária não
contemplara os brasileiros por mais ―hospitaleiros‖ que estes fossem. A lógica mais comum
era a de um pastor americano atendendo imigrantes americanos ou alemães. A propósito, em
1875, Newman propõe à Igreja Metodista Episcopal do Sul dos Estados Unidos que enviasse
um missionário alemão para atender naturalmente, os alemães e americanos metodistas na
região de Piracicaba. A despeito dos desafios culturais e domínio do idioma, é consenso entre
autores como Barbosa (2002:154), Dawsey (2005) e Mesquida (1986:107) que a tendência
dos imigrantes confederados foi a de transplantar para o Brasil o ―velho sul‖ estadunidense.
Mesmo porque, quem são os brasileiros do Brasil no século XIX, se não, os imigrantes
estrangeiros como portugueses, italianos, japoneses, americanos, alemães e quiçá alguns
negros libertos disfarçados de pardos e mulatos? Deste modo, é possível inferir que a

14
O escritor hebreu, no salmo 137, ao lamentar o cativeiro babilônico, reafirma sua indiferença em relação à
cultura e à religião estrangeira.
15
O patriarca Abraão realiza ritual a Javé (Deus) à base de sacrifício de animais. Cap.15. versículos 10-12
52

indiferença dos imigrantes metodistas a partir de sua prática missionária em relação aos
negros afro-brasileiros se constitui um reflexo de tensão inter-étnica, pelo menos velada.
Bastide (1971:432-435) recorda que quando em 1863 o espiritismo chega ao Brasil,
consegue ser uma religião mais viável aos negros, por sua capacidade de ―tranqüilizar o
homem de cor sobre o seu próprio valor, mostrando-lhe que não é um ―primitivo‖, um ―semi-
civilizado‖, mas que pensa e sente exatamente como os demais membros da comunidade
brasileira‖, mesmo considerando que o espiritismo reproduzisse as mesmas representações
culturais negativas nutridas pelos protestantes, em relação aos negros.
Diante dessa realidade, explicam-se também os condicionamentos sociais impostos
aos afro-brasileiros na pós-abolição no século XIX.

3.4. Representações dos afro-brasileiros na imprensa piracicabana no


século XIX
Ao se referir à intenção moral do discurso científico, Wittgenstein (1965) segundo
Rubem Alves (2005:26) chama a atenção sobre como a filosofia se constitui ―uma luta contra
o feitiço que formas de expressão exercem sobre nós‖. Para Alves, a linguagem é uma forma
de feitiço. Ela pode nos dominar sem que nós nos apercebamos disso. Há que se ―desnudar‖ a
linguagem de certas ―vestimentas‖ sagradas. Há que se desconfiar de suas pretensões de
verdade. Como bem diz o autor, ―linguagens são construções da realidade‖.
Se aplicada essa teoria na perspectiva das representações sociais, há que se elaborar
perguntas inquietantes sobre os discursos dos sujeitos, documentos e práticas como sugere
Jodelete segundo Pereira Sá (1998:32); ―Quem sabe e de onde sabe?‖ ―O que e como se
sabe?‖ Sobre o que se sabe e com que efeito?‖A autora resume as condições de produção e
circulação das representações sociais a partir de três rótulos genéricos: a) ―cultura‖; b)
linguagem; e c) comunicação e sociedade.
Simões (2005:91), ao analisar reportagens de violência veiculadas no Jornal de
Piracicaba no período de 1888 a 1930, demonstra as várias imagens da população afro-
brasileira no imaginário da sociedade de elite piracicabana. Para o autor, a linguagem
jornalística utilizada ao tratar da realidade social da época estava permeada de estereótipos
sobre os imigrantes pobres, ciganos, ex-escravos e descendentes de escravos. Todos os
envolvidos em casos de violência registrados no jornal tinham adjetivos do tipo; ―preto‖,
―turco‖, ―italiano‖, ―espanhol‖, ―árabe‖, etc, Dentre os quais, os afro-brasileiros eram os mais
53

discriminados. Infelizmente essa mesma imprensa sequer abordava as causas da desagregação


social por conta do desemprego e as agudas dificuldades que a população afro-brasileira tinha
para encontrar emprego.
[...] As notícias onde os negros eram protagonistas da violência – fossem
eles vítimas ou os algozes – quase sempre reforçavam o estigma da cor da
pele dos indivíduos, qualificando-os enfaticamente como ―pretos‖. Também
substantivar a palavra ―preto‖ era muito comum quando se adicionava a ela
adjetivos como ―imundo‖, ―ousado‖, ―malvado‖ etc, o que significava
reforçar a idéia de que os negros faziam parte da súcia social.[...]
(SIMÕES,2005.p91)
Portanto, torna-se importantíssimo uma compreensão múltipla dos efeitos da
linguagem, assim como do seu funcionamento operacional, enquanto produtora de certas
culturas, enquanto organiza uma dada sociedade. ―Quem diz o quê, por que e para quê?‖
Quem detém o poder econômico? Quem define a doutrina e quem detém as decisões e as
interpretações religiosas? A população afro-brasileira piracicabana estava submersa num
imaginário em que a mesma se via como era pensada e vista pelo senhorio piracicabano. A
imprensa se encarregava de ―congelar‖ essa imagem, ou seja, a falsa imagem do povo negro
passou ser a realidade muitas vezes assimilada pelos próprios negros. Simões ilustra isso,
quando cita em sua tese 16 de doutorado, o recorte de uma matéria publicada em 1895 na
gazeta de Piracicaba.
[..] A origem dos negros – No Brasil alguns negros acreditam ter sido esta
a sua origem: Quando Deus formou o primeiro homem, Satanás movido de
inveja quis também formar um homem de barro. Porem como tudo que ele
toca se faz negro, resolveu Satanás ir lavar o seu homem no Jordão para
branquear; mas à sua chegada o rio horrorizado retirou as suas águas e o
espírito maligno não teve mais tempo que depor o seu homem sobre a areia
ainda molhada e é por isso que as palmas das mãos as únicas partes com que
a criatura de Satanás tocou na água, se fizeram brancas. O demônio irritado
com isto, deu tão grande punhada no rosto do seu homem, que lhe
esborrachou o nariz, d‘ahi vem terem os negros o nariz achatado. Agarrou-o
depois pelos cabelos para o arrastar após de si; e o calor das suas mãos

16
Sob o título: ―Escola para as elites, cadeia para os vadios: relatos da imprensa piracicabana (1889-1930)‖, a
pesquisa analisa entre outros grupos excluídos na sociedade de Piracicaba, como os negros se inscreviam no
imaginário local no período dado.
54

ardentes encrespou-lhe de tal modo o cabelo, que lhe ficou


encarrapichado[...] (SIMÕES,2005.p119).
Parafraseando Alves (2005:28), pela análise desse discurso a pesquisa pretende
colocá-lo à frente daqueles e daquelas que estão nele submersos, na expectativa de que
possam se ver enquanto falam e reproduzem o feitiço do racismo. Não é gratuito, que as
populações negras associadas a esse imaginário, causassem ―medo‖ às elites ―brancas‖.
Quais seriam os imaginários dos imigrantes metodistas estadunidenses em sua relação
com os negros de Piracicaba, especialmente entre 1867 a 1930? Eles pensavam
diferentemente? Quantos acordos silenciosos e inconscientes os metodistas de Santa Bárbara
e Piracicaba não fizeram com esse tipo de representação da pessoa negra?
Isso mostra-nos a razão de os jornais de Piracicaba, até a primeira república,
supervalorizarem ,conforme Simões (2005:134-135), notícias negativas que envolvessem os
negros piracicabanos. Eram presos por fazerem ―palhaçadas‖ ou por estarem embriagados.
Tudo que pudessem ligar o negro ao ridículo, ao mal, à violência privilegiava as seções
policiais. Os bastidores da oligarquia e a corrupção política não vendiam tantos jornais, pelo
contrário, a burguesia aparecia na imprensa de forma triunfal e auspiciosa sempre.
Netto (2000:63) confirma que ― a igreja metodista foi a terceira a ser instalada no
Brasil [...] Os Moraes de Barros – republicanos, anticlericais, maçons davam todo apoio à
iniciativa educacional dos metodistas em 1881‖. Entende-se que os mimetismos estrangeiros
eram reproduzidos sempre em detrimento da população afro-descendente, que alienada pelos
preciosismos do liberalismo político brasileiro, teimava sobreviver desnutrida, enferma e
obliterada em seu caráter e personalidade.
Isso tudo, à margem da mesma sociedade que ajudaram a construir. Após a abolição,
as populações afro-brasileiras de Piracicaba formaram os famosos ―bolsões‖ de miséria. A
propósito, os pesquisadores piracicabanos Terci e Oliveira (1991:3) estão de acordo em
relação ao sistemático encobrimento da história dos afro-brasileiros pela historiografia oficial
da sociedade de Piracicaba. Segundo os autores, desde a abolição em 1888, a população negra
em Piracicaba esteve sob uma cruel e sistemática discriminação. Não tinham o direito às
práticas culturais, religiosas e ao lazer. Até a abolição, essas atividades eram realizadas nos
liames da senzala.
Com a promulgação de sua liberdade, começam a tornar público seus valores
religiosos, culturais e artísticos. Os conflitos com a polícia e o desdém da elite branca de
55

Piracicaba durante os festejos da população negra desta cidade iriam forçar a organização da
sociedade beneficente 13 de maio, fundada em 1901 e conhecida como ―Sociedade Antonio
Bento‖, em homenagem ao abolicionista Dr. Antonio Bento de Souza e Castro. Terci e
Oliveira (1991:8) chamam atenção para o fato de que no dia da festa de S. Benedito, ―Santo
Branco‖, os negros encontravam uma oportunidade estratégica para reafirmarem-se diante da
sociedade que lhes negavam a cidadania no cotidiano.
Para Terci segundo Netto (2000:52), os ex-escravos permaneceram em Piracicaba após
a abolição, ainda que em situações insalubres. ―a libertação dos escravos não ocasionou a
saída em massa dos negros do município, houve apenas um deslocamento dos ex-escravos
com relação a mudança de patrões‖.

4. Conclusão Provisória
A cultura e a prática missionária dos primeiros imigrantes metodistas estadunidenses,
assim como a maioria dos protestantes que vieram para o Brasil na metade do século XIX,
estavam profundamente enraizadas no pensamento hegemônico europeu e na manutenção da
escravatura . As principais causas de sua imigração estão relacionadas aos desdobramentos
históricos, sociais, políticos e econômicos que tiveram como epicentro a guerra de secessão
americana em 1861, motivada pela questão da abolição da escravatura.
Aparentemente, migraram para o hemisfério sul e outras partes do mundo em busca de
estabilidade econômica, já que sua terra estivera assolada pela guerra.Nesse sentido,o Brasil
foi escolhido por ainda oferecer possibilidades de continuarem a mesma atividade econômica,
a saber, a agricultura ou provavelmente a escravatura.
A teologia predominantemente fundamentalista, os valores republicanos dos
imigrantes metodistas e a nova tendência liberal conservadora brasileira se harmonizaram
em torno da consolidação do projeto do estado republicano.
Diante do exposto, a aparente subserviência e invisibilidade da capacidade e cultura
da população afro-brasileira na historiografia brasileira não se sustenta diante da história de
luta e resistência e contribuição para a sua emancipação.
No tocante ao cristianismo em suas duas vertentes, católica e protestante, foi
significativamente omisso no envolvimento do abolicionismo brasileiro, a partir de seus
discursos dominantes e prática missionária voltadas às elites.
56

Neste capítulo, conclui-se que ―a doutrina do destino manifesto‖, cujo objetivo foi
Civilizar Educar e Evangelizar, explica tanto o silêncio do metodismo face às expectativas e
lutas das populações afro-brasileiras no século XIX, quanto em tempos posteriores.
Não obstante, há uma latente história protagonizada tanto pelos negros escravizados,
quanto pelos libertos, que foi dissolvida nos sulcos da historiografia oficial que ainda está
por ser explicitada ou captada.
57

II. OS AFRO-BRASILEIROS E A MISSÃO METODISTA EM


PIRACICABA DE 1867 ATÉ 1930.

Introdução
Este capítulo apresenta a análise das representações culturais e sociais dos negros e
negras no imaginário da sociedade piracicabana, incluindo os imigrantes radicados ali e como
esses imigrantes metodistas estadunidenses figuravam no imaginário das populações negras.
Aborda também os possíveis impactos da abolição entre os imigrantes metodistas e avalia a
perspectiva missionária metodista, procurando explicitar suas principais conseqüências para a
população de negros e negras em Piracicaba. Finalmente, verifica os possíveis indícios de
tensão na relação inter étnica no contexto do metodismo de imigração de 1888 até 1930.

1. As populações negras no imaginário metodista estadunidense


A história do metodismo no Brasil, em especial na região de Piracicaba, foi na verdade
uma metanarrativa. Não contemplou biografias nativas, pelo menos as biografias consideradas
marginalizadas, como as de origem africana. E quando estas aparecem na historiografia
metodista piracicabana, são representadas de maneira reticente e por vezes preconceituosa. A
análise de várias fotografias que retratam as principais atividades, tanto do colégio
piracicabano, quanto da Igreja Metodista em Piracicaba, confirma esta afirmação. O quantum
negro é quase invisível, não fossem a presença discretas de raríssimos ―mulatos‖17 nos murais
históricos visitados.
Barbosa (2005:33) destaca o primeiro sermão metodista em Piracicaba, em 29 de Maio
de 1881, o que pode ser considerado emblemático, pois o sermão pregado em inglês pelo rev.
J.W.Koger a uma assistência totalmente norte-americana ilustra adequadamente o foco
principal da missão metodista na região: atender as famílias de imigrantes. O autor recorda

17
No século XIX, o ―mulato‖ gozava de status de ―branco‖ na sociedade brasileira.
58

ainda que dez anos depois, uma nota no ‗Expositor cristão‘18 iria confirmar, por exemplo, que
o público alvo do Colégio Piracicabano organizado pela Missionária Martha H. Watts era
predominantemente de filhos(as) de latifundiários da região.
Conforme Mesquida (1994:104, 107), a perspectiva da missão metodista era calcada na
crença de que ―Deus elege nações para realizar projetos‖ nesse caso, os americanos seriam
essa ―nação de dirigentes‖. Lembrando um Pastor metodista americano, o autor afirma que a
noção do imperialismo americano seria uma ―resposta à voz de Deus e ao seu mandamento‖.
Sobre isso, já foi tratado mais detalhadamente no capítulo anterior, sendo retomado aqui
apenas com o objetivo de consolidar o entendimento de que a missão metodista, ao chegar ao
Brasil e mais especificamente a de origem estadunidense, sempre esteve mais preocupada
com seus próprios patrícios e com as famílias da elite brasileira.
O autor lembra que ‗ ―os metodistas estavam convencidos de que a ―vitória de Jesus
Cristo‖ nos Estados Unidos apelava aos americanos para serem os ―salvadores‖ da raça
humana decaída‖. ‘ Infelizmente, populações empobrecidas e marginalizadas não se tornaram
merecedoras desta redenção, pelo menos no plano social concreto. Como diz Bosch
(2002:483), ―o dualismo consistente de Deus-mundo, espírito-corpo, herdado de Agostinho e
dos gregos e reforçado pela mentalidade iluminista, destruiu o ideal do amor‖, necessário não
apenas para o combate da escravização dos negros como forma de resgate de seus direitos
humanos, como também reduziu as ações missionárias endereçadas a esse segmento
populacional a meros manifestos sentimentalistas, na sua maioria de forma privada e
raramente pública.
Mesquita (2001), ao reorganizar as memórias da missionária Martha H.Watts a partir
de suas cartas, demonstra várias narrativas onde podemos flagrar o imaginário dos
confederados metodistas em relação aos negros:
[...] Eu, diante desta situação, sentindo-me impotente e muda. Por trás desta
cena o drama da escravidão. O velho e bom proprietário desta escrava
morreu recentemente e a mulher e as crianças eram parte da herança de uma
de suas filhas dele, que não é boa pessoa [...] (MESQUITA,2001. pp37-38).
Como justificar o juízo da missionária, ao considerar o falecido dono de escravos a
partir da frase: ―o velho e bom proprietário desta escrava‖? Esse discurso denuncia uma visão
etnocêntrico-escravagista. A boa senhora branca e de fé, que sente muito pelo desespero

18
EC, 12 de Setembro de 1891, p.2
59

circunstancial das senhoras negras, é a mesma que reafirma a execrável instituição que as
dilacera. A propósito, não parece exagero pressupor que a política de conteúdo defendida
pela missionária no colégio piracicabano, provavelmente obedecesse a essa mesma lógica
aristotélica.
Em todo caso, a retórica discursiva da missão metodista no século XIX em Piracicaba,
estaria eivada de influências ideológicas dominantes, pelo menos é o que as evidências
encontradas puderam demonstrar no capítulo anterior. De fato, nesse tempo o Brasil vivia a
contradição de um liberalismo conservador, protagonizado por um capitalismo emergente e
que conjugava de maneira cínica, o slogan da fraternidade, igualdade, liberdade, honra, amor
e pátria, com discursos racistas. É nesse contexto que conviviam índios e negros, missionários
protestantes americanos e senhores de engenho.
Em situações desse tipo, o fenômeno da aculturação euro-americana ―domesticaram‖
os negros e os índios no Brasil. Oportunamente, Harter (1985:75,77), ao avaliar a situação do
negro no Brasil no século XIX, assinala que ser mulato configurava ―status‖ de branco na
sociedade da época, porém ― vários confederados de primeira geração nunca se acostumaram
totalmente a este hábito [...] Para eles, um homem com qualquer quantidade de sangue negro
era negro e devia ficar restrito à sua própria sociedade‖. O autor ressalta que mesmo quando
um negro era bem sucedido como o americano Columbus Watson que imigrara para o Brasil,
―ainda assim, muitos Confederados encontravam dificuldades para aceitar os negros como
iguais‖. A discriminação era tão aguda por parte dos Confederados que Harter registra que
―quando um senador se opôs à escravidão e foi assassinado às vésperas da emancipação
brasileira, os Confederados foram os primeiros suspeitos‖.
A propósito da mulatização do negro apontado por Harter, no Brasil, foi uma estratégia
lingüístico-social para reconhecer alguns cidadãos afro-brasileiros, mas ao mesmo tempo
reafirmar a sua inferioridade frente aos brancos.
Frantz Fanon (1968: 33-34) indica como a linguagem reforça o fenômeno da
aculturação a partir da construção cultural colonialista, que nesse caso estabeleceu uma
relação de superioridade entre confederados estadunidenses e os negros brasileiros . A partir
das idéias de Bakhtin19 conforme Comin (2010), pode se inferir que tanto a imprensa secular e
o discurso religioso dos missionários, quanto a perspectiva educacional do Colégio

19
Mikhail Bakhtin, filólogo soviético que revolucionou os estudos da Lingüística. Sua obra chegou ao Ocidente,
a partir da década de 1970, para ele, a linguagem é um dos pontos de maior destaque quando se objetiva
conhecer qualquer fenômeno humano.
60

Piracicabano foram fundamentais no processo de reafirmação das representações culturais e


religiosas sobre os afro-brasileiros, que já vigoravam na sociedade brasileira a partir da
ideologia do ―branqueamento‖ em vigor no século XIX.
A ideologia do ―branqueamento‖ do Brasil foi identificada por Nascimento (1978:69-
76) como um fenômeno genocida. Segundo o autor, as teorias cientificistas basicamente
forjaram o arianismo que conforme se supunha na época, extinguiria a etnia/raça negra.
Nascimento avalia que
[...] Desde o fim do século XIX, o objetivo estabelecido pela política
imigratória foi o desaparecimento do negro através da ―salvação‖ do sangue
europeu, e este alvo permaneceu como ponto central da política nacional
durante o século XX[...] (NASCIMENTO, 1978. p71)
Diante desse cenário histórico-cultural, os missionários metodistas aparentemente não
encontram um ambiente tão diferente em relação ao de suas origens. De certa maneira,
desfrutariam no Brasil da mesma perspectiva escravagista à qual já tinham sido formados no
velho Sul estadunidense.
A propósito, Terci e Oliveira (1991:10-13) apontam que a ―Sociedade Antonio Bento‖
sofreu fortes influências da ideologia do ―branqueamento‖, já a partir de 1902. Essa ideologia
se manifestava tanto por meio de entraves burocráticos para a provação do estatuto da
associação, quanto pelas divergências internas entre ―pretos‖ e ―mulatos‖, entre outros.
Segundo os autores, entre 1914 a 1921, além da sociedade já não se chamar mais ―Antonio
Bento‖, teria fugido totalmente do propósito original. A ideologia do ―branqueamento‖ que
ajudou a motivar o fluxo imigratório estrangeiro, também iria determinar principalmente as
políticas públicas para educação pública e privada.

2. O papel da educação na missão metodista em Piracicaba


Uma das principais estratégias missionárias utilizadas pelo protestantismo no Brasil foi
a educação. Até porque, como pontua Mendonça (2008:148) ―A carência de instrução vigente
também era um notável empecilho ao aprendizado da doutrina protestante, todo ele calcado na
leitura da Bíblia, livros, revistas e jornais‖. O autor destaca que o catolicismo se caracterizava
por uma filosofia de educação tradicional, sob a égide dos Jesuítas com ênfase mais no
controle que na reflexão. Reforçada por uma liturgia marcadamente ritualista e simbólica,
61

incentivando a informalidade ou a improvisação, a visão católica de educação se harmonizava


convenientemente com o conservadorismo de uma parte da elite ligada à Coroa.
O protestantismo, por sua vez, pressupunha uma filosofia de educação mais
progressista, tecnológica e bem mais afinada com o ideário do liberalismo brasileiro
emergente, além de liturgicamente, exigir a aquisição de um vocabulário mínimo para o
entendimento da pregação do Pastor, assim como para cantar os hinos. Desta forma, tornava a
alfabetização condição básica para o sucesso da missão protestante. Por essas razões, o
metodismo de imigração que é o foco desse trabalho, fugindo das polêmicas com os católicos
e do problema da escravização dos negros, foi extremamente zeloso na implantação de
escolas.
Mesquida (1994:132), a partir dos relatórios enviados aos Estados Unidos pelos
missionários, sintetiza algumas representações culturais básicas que ilustram como o
catolicismo se inseriu no imaginário metodista do século XIX. Se de um lado, o catolicismo
era: ―opressor, conduzia as pessoas à perdição, era falso e enganador, representante das trevas,
causa da ignorância e da superstição e causa do atraso do país‖, por outro, o metodismo era:
―libertador, anunciava a salvação, mostrava a verdade, fonte de luz, trazia a civilização pela
educação e a ciência e representava o progresso.
O autor chama a atenção para a arquitetura das escolas metodistas totalmente
diferentes em relação à arquitetura barroca das escolas católicas e às construídas pelo Estado
brasileiro. Em suma, tanto as aparências das escolas metodistas que lembravam construções
do velho Sul dos Estados Unidos, quanto ao conteúdo que veiculava a visão de mundo do país
de origem dos missionários, marcavam a primeira semeadura do capitalismo mundial
integrado no maior país da América do Sul. A propósito, nesse sentido, conforme analisado
no primeiro capítulo, é assaz pertinente o pressuposto weberiano de que a ética dos
protestantes apesar de não ser necessariamente a causa do capitalismo, se constituiu num
poderoso aliado para a profusão do mesmo.
O surgimento do Colégio Piracicabano foi, portanto, um sinal visível do pragmatismo
missionário americano no Brasil. Jones (1968:258) sugere que tenham sido as irmãs Annie e
Mary Newman as pioneiras. Em 1878 elas ―abriram uma escola em Piracicaba, internato e
externato, a qual começou com 10 alunos e terminou o ano com 40‖. Desde cedo, o objetivo
era ―oferecer melhores oportunidades aos filhos dos imigrantes sulistas, atrair brasileiros para
o evangelho e incentivar a tradução de hinos e literatura religiosa‖. Jones considera esta
62

primeira iniciativa uma possibilidade real para a construção de uma nova escola bem mais
estruturada e com ajuda da elite piracicabana, representada pela família do primeiro
presidente civil do Brasil, Prudente de Moraes Barros. Em março de 1881, chegaria em
Piracicaba após apelos do rev Newman, o rev. J. W. Koger e família, Miss. Martha Watts e
J.L.Kennedy. Martha Watts assume a direção do que veio a ser ―O Colégio Piracicabano‖,
funcionando por três meses com apenas uma aluna, Maria Escobar. Todavia, em 1886,
segundo Jones, o sucesso do Colégio iria justificar matérias de elogios na Gazeta de
Piracicaba;
[...] Livre do convencionalismo que caracteriza o ensino oficial, a instrução
almejada ali visa o alargamento do horizonte mental e espiritual e a
investigação científica, e não parando nos limites indicados para o ensino
obrigatório da religião, segue o caminho da verdade sem apreensões e medo
[...] (JONES, 1968.p.260)
Esse fragmento jornalístico ajuda-nos a identificar a filosofia que norteava a prática
pedagógica do Colégio Piracacibano, revolucionária para a época. Os autores De Luca (2003:
706)20, por ocasião do sesquicentenário da médica Maria Rennote, lembram o ano 1885 em
que a médica foi contratada pela missionária Martha Watts como coordenadora pedagógica e
Profa de Ciências Naturais. Conforme De Luca, o colégio piracicabano foi influenciado por
duas tradições epistemológicas: uma européia e outra americana; o intuicionismo, o
positivismo e as doutrinas evolucionistas a partir de referenciais como Rousseau, Pestalozzi,
Froebel, Comte e Spencer formavam o paradigma da época.
Em 1870, os presbiterianos organizam a Escola Americana, futura Mackenzie. Além
do Colégio Piracicabano, os metodistas organizaram outras escolas em várias partes do país:
Colégio metodista de Ribeirão Preto (1899), Colégio Bennett (1882) no Rio de Janeiro,
Colégio Isabela Hendrix (1897) em Belo Horizonte e o Colégio Noroeste de Birigui (1918).
Contudo, a política educacional se mantinha claramente elitista. No caso do Colégio
Piracicabano, com toda sua perspectiva educacional iluminista não é possível perceber com
nitidez nos vários documentos pesquisados, grandes preocupações com as classes mais
empobrecidas da população de Piracicaba em meados do século XIX. Mesquida (1994:140)

20
De Luca, João Bosco Assis e Leonora. Marie Rennotte, pedagoga e médica: subsídios para um estudo
histórico-biográfico e médico-social. História, Ciências e Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro, 2003. vol.
10(2):703-25, maio-ago. 2003.
63

indica a existência na época de um sistema de bolsas que atendia segundo ele ―aos mais
aptos‖. Certamente, por conta das várias representações negativas que os discriminava, os
negros e os índios não seriam alvos dessas bolsas. O autor aponta que ―se havia um sistema de
bolsas era porque os alunos pagavam por seus estudos. Isto o leva a constatar que a ação
educativa da Igreja Metodista [...] não representava uma obra desinteressada e democrática,
isto é, aberta a todos [...]‖. O autor considera, portanto, que esse sistema pressupunha tanto
uma discriminação econômica, quanto social. Conseqüentemente, isso explica a ausência de
alunos(as) afro-brasileiros(as) nas salas de aulas, atividades recreativas e sociais de acordo
com a iconografia piracicabana entre os anos de 1881 a 1930.
É óbvio que na época não havia por parte da escola ou das escolas emergentes uma
preocupação com um currículo multicultural e uma consciência de que os negros analfabetos
devessem ser contemplados por uma política da inclusão. Aliás, essa questão nos remete a
uma digressão histórica sobre a inserção do negro na escola no Brasil.

2.1 “Negro não entra na igreja: espia da banda de fora”


Essa frase é título do livro de Barbosa (2002) e nos convida a pensar sobre o processo
lento de inserção do negro tanto na história do protestantismo, quanto na história das
instituições de ensino da Igreja Metodista no Brasil. É certo que essa interdição não se
restringia ao contexto institucional protestante em geral ou metodista, pois, na história da
educação brasileira há testemunhos como o de Domingues (2003:31) ―desde 05 de Dezembro
de 1824, a Constituição brasileira proibia o negro e o leproso de freqüentarem escolas‖.
Na verdade, até 1879, os negros escravizados não puderam estudar em escolas
formais, sequer em período noturno. Esse cenário histórico de certa forma explica a
invisibilidade da população negra no educandário metodista em Piracicaba-SP, desde a sua
fundação em 1881 até 1930, conforme (Anexos 5-16)21. A missão metodista precisava
conquistar a sociedade da época de maneira simpática e não a partir de conflitos. Contudo,
não seria tão incomum se os metodistas agissem de forma diferente. Afinal, as idéias anti-
escravagistas de Wesley, os daria amplo respaldo teórico-teológico para empresa tão
significativa, a não ser que consideremos o fato desses confederados do velho ―Sul‖
estadunidense, estarem reproduzindo no Brasil a mesma epistemologia que sustentou a

21
fotos do acervo do Centro de Memória Martha Watts.
64

instituição da escravatura em seu país de origem, até 1865, o que se configura uma situação
paradoxal, já que os metodistas alimentavam ideais progressistas.
Mesquida (1994:173) confirma depoimento de João Sampaio, ex-aluno do Colégio
Piracicabano (1890), advogado e genro de Prudente de Moraes Barros, que em 1907,
reconheceu ser o colégio, ―a célula mater da reforma da instrução pública de São Paulo.‖
Infelizmente, os negros não fizeram parte deste projeto.
Florestan Fernandes (2008:268) ao analisar a integração do negro na sociedade de
classes, reproduz o depoimento de um homem negro na aurora do século XX:
[...] minha vida foi na rua, onde cresci, aprendendo a ler um pouco aqui,
outro lá. Cheguei a fazer tentativa de freqüentar escola. Via muitos meninos
com quem brincava irem à escola. Depois de rondar durante algum tempo
uma delas (Escola 13 de Maio, particular), indo muitas vezes esperar a saída
dos meninos conhecidos, acabei me apresentando à professora. Disse que
desejava ir à escola mas não tinha dinheiro para pagá-la. Propunha-me então
a prestar serviços a troco do ensino. Três meses depois a professora, que
viera do interior por causa de um noivo e montara a escola para se manter
aqui, tendo desmanchado o compromisso, fechou a escola e voltou para o
interior. Na última aula, ao despedir-se, deu-me alguns livros, aconselhou-
me a ir procurando ler e disse que uma das coisas que mais sentia era
deixar-me. Perante a classe, indicou-me como exemplo. Foi a minha grande
alegria dessa época [...] (FERNARNDES, 2008. p268).
Paralelo à exclusão das populações negras da escola no Brasil do século XIX, Barbosa
(2002:156-157) em significativa pesquisa, já demonstrou que o mesmo ocorreu em relação à
igreja protestante, até porque, para fazer parte do protestantismo, os negros precisariam
aprender a ler, no mínimo. Segundo o autor, apesar de alguns terem se convertido a algumas
igrejas protestantes, o número foi insignificante, o que não configura que alguns pastores
protestantes não alimentassem esse interesse. No entanto, o catolicismo também teve a sua
influência nesse processo; não esqueçamos que historicamente, os senhores de escravos no
Brasil império eram majoritariamente católicos. Portanto, conforme pontua Barbosa, ―as
chances de um escravo aderir ao protestantismo, sem que estivesse acompanhando ou
doutrinado por seu senhor, eram praticamente nulas‖.
Essa constatação também ajuda esclarecer as razões da ausência dos negros em
escolas protestantes, pois sendo estas escolas confessionais e o protestantismo um rival
65

importante do catolicismo, é razoável aventar a possibilidade de que o influxo de populações


negras às instituições educacionais metodistas seja uma conseqüência óbvia, afinal, o Colégio
teria sido inaugurado bem antes da abolição da escravatura ocorrida em 1888.
No entanto, se considerarmos o que Harter (1985:74,75,128-129) afirmou sobre a
presença de escravos nas fazendas de imigrantes protestantes e muitos deles metodistas, é de
se esperar que tais escravos tivessem acesso a religião de seus senhores Confederados. Tanto
parece possível que por ocasião da abolição, o autor defende a idéia de que muitos escravos
dos Confederados permaneceram nas fazendas, pois teriam se tornado protestantes além de
terem aprendido inglês, a exemplo de Manuel Britt, que segundo o autor, teria desenvolvido
uma relação tão amistosa com o seu senhor Edwin Britt que este antes de falecer doou todos
os seus bens para escravo.

2.2 Ecos da abolição na prática missionária dos metodistas


Reily (1984:120) registra a preocupação do missionário presbiteriano Emanuel Van
Orden pelas populações de negros ex-escravos, em palestra proferida no período pós abolição;
―[Agora que os escravos já obtiveram sua liberdade] temos que ter escolas para eles; temos
que ter professores para eles...Eles devem ter instrução...‖
Segundo Salvador (1982:247),―a missão metodista não podia ignorar o movimento,
como de fato não ignorou [...] Todavia, por motivos que ignoramos, o Expositor Cristão
guarda absoluto silêncio sobre o anti-escravismo.‖ Entende o autor que uma das principais
consequências da emancipação dos escravos promulgada em 13 de Maio de 1888, foi o seu
abandono à própria sorte: ―livres‖ mas, sem nenhum recurso material. ―Faltava-lhes tudo! A
essa gente as Igrejas deviam estender a mão‖. Para o autor, a liberdade completa dos escravos
somente se efetivaria após longos anos. Em sua visão, apesar das igrejas evangélicas não
alimentarem preconceitos racistas, uma vez que os negros ―[...] já vinham sendo admitidos, na
qualidade de membros, e até em condições adversas, mister se fazia agora, face à situação que
ser criara, devotar-lhe maior interesse‖.
Salvador (1984:255-256) cita ainda, uma reação formal dos metodistas do Rio de
Janeiro, logo após a publicação da liberdade dos escravos. Em conferência distrital
afirmaram: ―Os negros têm tanta capacidade quanto os brancos para entender e praticar o
Evangelho. Eles devem ser procurados até nas fazendas e receberem o nosso encorajamento e
66

a nossa ajuda‖. Continua o autor: ―Noutras palavras: as igrejas devem, para isso, oferecer-lhes
fraternidade e os meios para se sustentarem e progredirem‖.
Elencando mais um exemplo da percepção dos metodistas sobre a situação dos ex-
escravos negros, o autor cita a organização de uma ‗Sociedade Protetora dos Libertos do
Brasil‘ pelo metodismo rio-grandense. Todavia, de maneira concreta, os autores pesquisados
não identificam no período, nenhum projeto educacional ou similar, voltado para o público de
ex-escravos, além dos discursos e do papel.
Pergunta-se por que os metodistas confederados foram tão ambíguos em sua prática
missionária no Brasil? Como entender ex-escravocratas do sul dos Estados Unidos, tornando-
se ―progressistas‖ num Brasil escravocrata?
A propósito, ao se referir à intersecção dos imigrantes confederados metodistas com a
corrente do liberalismo no Brasil do século XIX, Dawsey (1995:248) esclarece que ―Se
alguns historiadores argumentam que muito do que os republicanos fizeram era para ―inglês
ver‖ (ou ―americano ver‖), talvez também seja verdade que os confederados eram americanos
para brasileiro ver. Aparentemente, falavam como ―americanos progressistas‖, todavia,
pensavam e agiam como ―defensores da escravidão‖. O autor aponta indícios de que os
confederados da região de Piracicaba representavam de certa forma uma ameaça ao
movimento abolicionista, pois, ―[...] quando um senador abolicionista foi assassinado, em
1888, as primeiras suspeitas em forma de boatos voltaram-se contra os imigrantes
confederados de Santa Bárbara‖.
Destarte, se havia na época esse tipo de receio, é razoável o entendimento de que os
confederados eram vistos como escravagistas na sociedade de Santa Bárbara do Oeste.
MacKnight Jones (1967:290) registra, por exemplo, a indiferença dos confederados em
relação ao aniversário do dia 13 de Maio: ―O 13 de maio de 1889, Libertação dos Escravos,
quase passou despercebido [...]‖ Harter (1985:128) assinala que nem mesmo no dia 13 de
1888, a colônia de Confederados também não tiveram reação comemorativa como as que
houve em várias partes do Brasil. Para eles, a única vantagem agora seria poder despedir o
negro quando quisessem.
Vale sublinhar o discurso da própria autora, reproduzindo a mesma indiferença em
relação a realidade dos negros: ―os pretos, por indolência ou insegurança, não mudavam
muito de patrão. Alguns chegaram a viver tantos anos em uma só casa que adquiriram o nome
dos patrões [...]‖. Certamente, Jones não considerou a fragilidade social do negro, num tempo
67

em que tinham que concorrer de maneira desigual com imigrantes europeus, americanos e
asiáticos por uma vaga no mercado de trabalho. É claro que uma vez empregado teriam que
se manter o máximo de tempo possível no emprego, a fim de garantir sua sobrevivência a
despeito de toda a insalubridade comum aos tipos de trabalho que lhes restavam.

3. Confederados metodistas e afro-brasileiros: uma convivência


tensa.
José Arthur Rios segundo Harter (1985:150) flagrou o assombro dos Confederados que
―consternados viram mulatos e negros no meio da sociedade, ocupando posições importantes
e, em conseqüência, deixando de ser olhados como negros‖. Essa ―igualdade negra‖ para os
imigrantes sulistas reflete diferenças profundas entre a realidade do negro no sul dos Estados
Unidos e no Brasil, conforme bem explica Harter (1985:75). Em termos de escravização, era
igual. O que diferenciava era o fato de que no Brasil a idéia da tolerância racial foi a base para
a construção do famigerado mito da ―democracia racial‖, que fazia do mulato, um quase
branco, ao passo que nos Estados Unidos, os negros estavam radicalmente separados dos
brancos. O autor recorda que de acordo com o Décimo Quarto Artigo Adicional da
Constituição, nos Estados Unidos, um negro liberto era livre parcialmente.
No Brasil, não havia uma definição sobre a questão da cor. O negro ao ser alforriado
em tese estaria livre, mesmo que no campo prático, não melhorasse em quase nada suas
condições de vida. O fato é que os Confederados estranharam essa aparente ―igualdade do
negro brasileiro‖. Conseqüentemente essa reação revela o imaginário sulista assaz
discriminatório para com as populações afro-brasileiras, especialmente nas regiões de Santa
Bárbara do Oeste e Piracicaba. Harter (1985:150-155) afirma que muitos imigrantes sulistas
retornaram para os Estados Unidos por não concordar com esta ―democracia racial‖. Outros
tantos, ao desembarcarem no Brasil, ficavam estupefatos ao verem o contingente de gente
negra. O desconforto dos Confederados era visível, segundo o autor, principalmente quando
percebiam que os negros costumavam olhar diretamente nos olhos deles e delas, ―jamais se
acostumaram à camaradagem que havia entre eles ou ao costume de se beijarem e abraçarem
ao se encontrarem‖. Nas reuniões sociais onde houvesse afro-brasileiros, o clima era tenso.
Continua Harter
[...] Para o total terror da primeira geração de Confederados (muitos dos
quais tinham combatido aguerrridamente em Manassas, Gettysburg e
68

Chickamauga para defenderem seus direitos inclusive o da propriedade de


escravos), alguns de seus filhos começaram a se casar com brasileiros,
alguns dos quais é claro, tinham sangue negro nas veias. Eles impuseram um
forte tabu sobre os casamentos com brasileiros, insistindo para que seus
filhos desposassem americanos preferivelmente aqueles que faziam parte da
comunidade dos Confederados [...] (HARTER, 1985 p154)
Jones (1967:225, ) está de acordo ao afirmar que ―o velho Cole [...] tinha escravos que
ficaram com ele anos depois de proclamada a Lei Áurea‖. Ao comentar sobre outra família, a
autora não só evidencia a prática de escravagismo dos confederados, como também deixa
escapar novamente seu próprio desprezo aos escravos negros afro-brasileiros.
[...] Em 1883 morre Minerva Ferguson, mulher de Green [...] acostumada
com escravos nos Estados Unidos chegou aqui e seu marido comprou
alguns. Longe estavam os escravos chucros daquele tempo, de fazer a
espécie de serviço que deles se esperava, muito menos entender o que os
seus amos queriam que fizessem [...] (JONES, 1967p. 269)
Jones (1867:287, 309) cita várias famílias de Confederados que possuíam escravos:
―Os Tanner tiveram escravos que falavam inglês e cantavam hinos‖. A Sra. Lizzie, moradora
de Santa Bárbara do Oeste, que sem filhos criara um mulato chamado Pedro a quem devotara
todo o seu afeto e dedicação,teria sido quase um filho. Segue a sua narrativa; ―Depois que ele
cresceu, num Natal ela lhe perguntou o que queria de presente e ele disse: ‗Uma sela e um
cavalo‘. Muito bondosa, fez seu gosto e deu-lhe o presente. Mas do que depressa ele montou,
foi embora e nunca mais voltou‖. Esse caso é emblemático porque tudo que os escravos
negros sempre quiseram ganhar nesse período do século XIX era ―uma sela e um cavalo‖, ou
seja, a sua liberdade.
Esse registro suscita no mínimo uma pergunta: Se o jovem Pedro fora tratado tão bem
pela Sra. Lizzie por que haveria de fugir? Talvez, pelo fato de ter sido apenas ―quase filho‖ da
ama Confederada!
Apesar de Jones (1967:222, 224, 228) afirmar que ―os americanos que tiveram
escravos foram muito bons para eles‖, registra mais dois fatos que não apenas questionam sua
própria afirmação como revelam uma amostra de possíveis tensionamentos cotidianos entre
Confederados e negros escravos; continua Jones, ―Wilber tinha um escravo com que se
entendia mais por meio de mímica, pois não sabia bem o português. Um dia o escravo reinou
demais e Wilber resolveu amarrá-lo a um coqueiro para castigá-lo‖.
69

Ademais, o assassinato do Cel. Oliver por seu escravo não parece um reflexo de
bondade de seu senhor: ―como tinha se aprontado mais cedo, resolveu dar uma volta a cavalo
pela roça; quando chegou à plantação de batatas doces, viu um escravo seu arrancando e
roubando suas batatas‖. Indignado, Oliver teria repreendido o escravo, que o atingiu com uma
enxada, matando-o. A autora chama a atenção para o fato de que casos como aquele não eram
novidade para os americanos do velho Sul, ou seja, de escravos matando seus senhores.
―Defenderam-se da maneira mais acertada para eles: os moços se reuniram e enforcaram o
negro numa árvore da própria fazenda‖, conclui a autora, informando os nomes dos moços
que executaram o escravo negro, a saber; Dick Crisp, Robert Mc Fadden e Bony Mc Alpine.
Com efeito, podemos inferir não apenas que os Confederados alimentavam
perspectivas racistas, como esse preconceito se traduzia no modelo de relacionamento que
iriam estabelecer com as populações afro-brasileiras, tanto em nível pessoal, como em nível
social por meio de suas iniciativas profissionais, educacionais e missionárias.
A situação dos afro-brasileiros era de intensa fragilidade na sociedade brasileira do
século XIX. E isso, conforme já vimos, em função de toda uma história de escravização.

3.1 A realidade dos afro-brasileiros em Santa Bárbara do Oeste


Conforme foto do acervo do Museu da Imigração (Anexo 16), o início da história de
Santa Bárbara do Oeste, data de 1817 e 1818, quando da chegada da Dona Margarida da
Graça Martins, filha do sargento-mor Manoel José da Graça, que tendo ficado viúva, adquiriu
uma sesmaria de duas léguas em quadra (174 km) e ao se transferir para a sesmaria traz
consigo filhos, parentes, agregados e escravos. Estima-se que cerca de 100 pessoas vieram
com D. Margarida povoar o território que seria chamado posteriormente de Santa Bárbara do
Oeste. Conforme arquivo do Estado de São Paulo datado de 1824 (ver anexo 17)22, não é
possível precisar o número de negros escravizados, mas o fato é que a cidade começou com a
prática da escravatura. A invisibilidade dos afro-descendentes nas fotos e registros do museu é
patente (ver Anexos 18-21)23. Até parece que intencionalmente esconderam os negros. Não
foi gratuito que quando os metodistas Confederados se instalaram em Santa Bárbara do Oeste,
por volta de 1866/7 compraram escravos.

22
Lista das pessoas que acompanharam D. Margarida da Graça e Castro, fundadora da cidade.
23
Fotos de Famílias de confederados, reuniões religiosas e outras atividades. Acervo do Museu de Imigração.
70

Gussi (1997:35) visualiza a Vila de Santa Bárbara nessa época como basicamente
dependente do plantio de cana-de-açucar e aguardente. O pioneiro Cel. William Norris,
Confederado, teria iniciado nesse período o plantio do algodão. Posteriormente, em 1875,
viria a estrada de ferro e o desenvolvimento econômico.
Uma das possíveis explicações para a dificuldade de se objetivar as tensões entre
imigrantes metodistas e afro-brasileiros também nessa cidade, é o fato de que as populações
afro-brasileiras não eram tidas como ―igual‖ . Aparentemente a condição social dos pobres,
em especial dos negros e negras, não justificaria provavelmente confrontos pelo menos no
campo das idéias, como acontecia entre protestantes confederados metodistas e católicos.
Todavia, ainda assim, fica evidenciada uma relação de tensão, pela negação da história e da
imposição do anonimato aos homens e mulheres negras, ficando aparente uma relação de
opressão. Talvez, por isso, o grito de liberdade dos negros a partir de 1888, não tenha
ecoado24 no ambiente da missão metodista do século XIX, pois eles não eram o principal
problema a enfrentar. A questão principal no momento seria as intermináveis réplicas e
tréplicas doutrinárias entre a religião protestante e a católica.
Com efeito, conforme registro do museu da imigração de Santa Bárbara do Oeste
(Anexo 22)25, entre os anos de 1868 e 1869, o impedimento para sepultar o corpo da esposa
do Confederado Cel. Thompson Oliver no cemitério público administrado pela Igreja
Católica, não apenas evidenciou as profundas tensões entre as duas religiões, como
oportunizou a organização de um cemitério para protestantes, conhecido como ―Cemitério do
Campo‖. E as populações afro-brasileiras, onde eram enterradas? Há pelo menos um registro
atribuído à Professora Jair Lopes, docente do Piracicabano na década de 30, de que o primeiro
sepultamento de uma pessoa negra no cemitério ―Campo Santo‖, em Piracicaba, se deu em 2
de Dezembro de 1872. Todavia, essa informação ainda é muito superficial em relação ao que
ainda pode ser pesquisado sobre a forma como os corpos de negros escravizados e libertos
foram tratados ao longo do século XIX.

24
De certa forma, o som que o grito da abolição produziu em 13 de maio de 1888, não foi percebido pelos
metodistas, pois, estes não produziram ―ecos‖ ou feedbaeck significativos. i,e não responderam
missionariamente.
25
Foto mostra histórico do cemitério criado pelos Confederados.
71

3.2 Relações inter-étnicas no contexto brasileiro do século XIX


Ortiz (1994:13-44) descreve o fim do século XIX como um período de construção
histórico-simbólica da identidade nacional brasileira, em que a noção de raça ou etnia é
intensamente discutida sob a perspectiva do ―positivismo de Comte, do darwinismo social e
do evolucionismo de Spencer‖. A questão fundamental no período era a definição de um
Estado Nacional por obra e graça de uma intelectualidade profundamente ligada a raciologia
científica. Num tempo em que a discussão da inter-racialidade estava restrita ao índio e ao
branco, mesmo quando o romantismo de José Alencar e Euclides da Cunha idealizava o
nativo como símbolo nacional, mantinha totalmente silêncio em relação às etnias negras que
povoavam significativamente o Brasil da época. A propósito, Ortiz chama atenção para a
idealização de Alencar no romance ―O guarani‖, onde o ―o ser nacional‖ estava restrito ao
índio e ao branco, sem falar da ausência do negro até nos estudos folcloristas pelo menos até
os anos de 1870.
Para o autor, é a partir de 1873 que o termo ―mestiço‖ entrará na categoria de reflexão
sobre a identidade nacional, assim como em ―O cortiço‖ de Aluízio de Azevedo em 1880.
Por conseguinte, a idéia de que, ―negro‖ era sinônimo de ―escravo‖, perdurou muito
tempo no Brasil, mas a abolição teria forçado a construção de um outro mito, segundo o autor,
―o mito das três raças‖, ou seja, o negro agora faria parte da constituição da identidade do
―ser brasileiro‖ e não apenas o branco e o índio.
E é dentro deste quadro histórico, que esta pesquisa se propôs a analisar a relação
―inter-étnica‖ entre metodistas americanos estadunidenses e população negra em Piracicaba,
considerando sua chegada em 1867 e a sua estabilização em 1930.
Inicialmente, apesar do termo ―inter-étnico‖ ser entendido como uma relação de trocas
entre duas etnias, pressupõe-se a possibilidade de que no caso da relação entre ―imigrantes
metodistas estadunidenses‖ e a ―população negra de Piracicaba‖, essas trocas não foram
necessariamente igualitárias, considerando que quando estes aqui chegam, o Brasil estava por
ser ainda inventado e os primeiros historiadores brasileiros começavam a alinhavar um
projeto identitário nacional, como se vê a seguir.
Vainfas (1999:1-12), ao resenhar os principais historiadores brasileiros entre 1840 a
1980, traz-nos à memória os principais discursos dominantes que alimentaram e consolidaram
o pensamento hegemônico europeu, tornando possível a criação do Estado brasileiro.
72

Segundo este autor, a historiografia brasileira possui dois referenciais basilares: Karl
Von Martius (1840) e Francisco Adolpho de Varnhagen (1854). O primeiro inaugurou a
discussão ainda que de maneira colonialista, da possível contribuição da ―raça‖ negra na
formação do Brasil. Contrariando Ortiz (1994), o autor insinua que questões como
miscigenação etnicorracial e mescla cultural já estavam postas em Martius.
Para Vainfas, é com Varnhagen que o historicismo branco, elitista e imperial
determinou o início da história do Brasil nos limites históricos de 1500 a 1808. Nesse caso,
antes dos metodistas chegarem à colônia brasileira, assinala que apesar de Capristano de
Abreu em 1907 perguntar pelos ―antecedentes indígenas‖, para o autor, a ―raciologia
cientificista‖ que lhe era peculiar, o incluía na clássica lista de narradores ilustrados, a saber
―intelectuais do porte de Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Silvio Romero, Mello Moraes,
Oliveira Vianna e outros que, como já se disse certa vez, eram ―racistas por ofício‖.
Outro construtor da historiografia brasileira foi Manoel Bonfim (1902), que tenta
trazer o negro para a lista de colaboradores na construção do Brasil. Todavia, conforme
Vainfas (1999), o mesmo ainda estava preso também à raciologia científica. Assim como
Paulo Prado (1928), cuja perspectiva o tornava um defensor do ―arianismo brasileiro‖, ou
seja, ―branqueamento‖ do negro como forma de civilização do Brasil e Gilberto Freyre
(1933), que não via preconceito na ação colonizadora dos portugueses e por fim, a visão
histórica nostálgica de Sérgio Buarque de Holanda (1936).
Essa breve resenha apresentada por Vainfas ajuda não apenas a visualização da
evolução histórica da historiografia brasileira como um discurso acentuadamente conservador,
como também possibilita a constatação do fato de como o preconceito inter-étnico que atingiu
principalmente os índios e os negros estava profundamente amalgamado na estrutura da
sociedade brasileira desde meados do século XIX e início do século XX.
As possíveis tensões entre imigrantes metodistas estadunidenses e população afro-
brasileira podem ser identificadas num primeiro momento, nos distanciamentos relacionais,
quer pela localização de moradia dos negros, normalmente nas periferias e em situação de
risco, quer pela não priorização dos afro-brasileiros como alvos missionários por parte da
missão metodista, e ainda pela pouca visibilidade destes nas instituições metodistas, e mais,
no silêncio da historiografia metodista brasileira em relação aos principais fatos em torno da
abolição da escravatura.
73

Num segundo momento, pode se inferir tensões inter-étnicas entre americanos e afro-
brasileiros, a partir do choque cultural, assim como a partir de perspectivas teológico-
religiosas. Isso tudo, aliado à idéia racista escravagista comum a época, parece determinar
objetivamente situações históricas onde operavam o desfavorecimento ou a exploração e a
dominação de uma etnia sobre a outra. Os termos ―exploração e dominação‖ podem ser
entendidos aqui, tanto como a manutenção de um discurso colonialista, quanto de uma prática
conservadora.
Ainda é possível aprofundar a análise das tensões inter-étnicas entre a população do
velho sul estadunidense e a população afro-brasileira, principalmente se perguntarmos sobre
quem detinha a propriedade na cidade de Piracicaba e região, ou ainda como sugerem Jones
(1967:375-408) e Harter (1985:149-156), se analisarmos entre 1910 a 1930, as histórias de
desavenças familiares em torno do casamento misto entre americanas e brasileiros, italianas e
americanos, entre outras.
Contudo, será que apesar de toda essa dinâmica histórica é possível visualizar os afro-
brasileiros inseridos na estrutura institucional da Igreja Metodista até 1930?

3.2.1. Relações inter-étnicas em Piracicaba


Sob o título ―mil preconceitos‖, Elias Netto (2000:54-55), lembra que a Piracicaba do
século XIX, se mostrara uma sociedade muito intolerante.
[...] os alemães protestantes eram vítimas de preconceitos religiosos [...]
Uma trovinha da época – relembrada pela historiadora Marly Perecin que a
ouviu de parentes – é reveladora da imagem que os ―brasileiros‖ tinham de
italianos; ―Italiano pé de chumbo/calcanhar de frigideira/quem lhe deu a
ousadia de casar com brasileira?‖[...] O preconceito contra os turcos era
expresso até mesmo nos jornais da época como se vê em texto de ―A
gazeta‖, de 17 de Outubro de 1888: ―Consta-nos que o senhor delegado de
polícia...tem tratado de por fora da cidade uns turcos que infestam,
ocupando-se unicamente no ocioso ofício de impingir bigigangas, o que e
mais, em perseguir crianças e roubá-las como tem feito em Campinas e
outros pontos[...] precisamos de gente para a lavoura e não de vendedores de
bugigangas e comedores de carne humana[...] (NETTO,2000. pp.54-55).
Todavia, nada se compara aos efeitos do preconceito impostos aos afro-brasileiros. A
propósito, segundo o mencionado autor, Piracicaba teria sido a terceira maior cidade de São
74

Paulo a ter o maior número de escravos negros na época. O autor ainda indica uma população
afro-brasileira em Piracicaba na ordem de cinco mil, superada apenas por Campinas e
Bananal.
Terci e Oliveira (1991:5, 14) recuperam algumas memórias da situação dos afro-
brasileiros em Piracicaba. Entendem que a relação dos negros com a elite branca de
Piracicaba ora, era de uma resistência ativa, reafirmando seus valores culturais, religiosos e
étnico, através do ―Clube 13 de Maio‖; resistiam mais passivamente, resignificando seus
valores a partir da ideologia da elite branca piracicabana.Todavia, é no arquivo do tribunal
judiciário de Piracicaba que o perfil relacional entre afro-brasileiros e brancos fica mais
evidentemente tenso.
No tocante a exemplos de processos, crimes e fugas de escravos, denúncia de fugas
com promessas de recompensas eram constantemente registradas por proprietários de
escravos como o de Anacleto (Anexo 23)26, que fugiu da fazenda do Dr. Antonio Rodrigues
do Prado, o qual reclamou sua posse em 1871.
O escravo Theodoro (Anexo 24)27 que matou a facadas seu patrão Antonio Fernando
de Barros em 1879. Outro processo registra outro crime envolvendo o escravo Anselmo
(Anexo 25)28, supostamente foragido, que é encontrado por seu senhor Antonio de Almeida
Barros e um amigo e que, ao abordá-lo reclamando sua propriedade, o mesmo se defende
matando o amigo do patrão a facadas. Esse fato se dá em 1881.
Ainda o processo da ex-escrava Preta Rosa (26)29 que protesta na justiça contra o fato
de seu nome continuar constando no edital de bens de seu falecido proprietário José Marçal
de Souza, uma vez que antes de sua morte, o mesmo já a tinha alforriado. Certamente, os
herdeiros a queriam mantê-la ou ainda, a mantinha como escrava da família, apesar da mesma
ter sido liberta. E finalmente, o processo em que a justiça intima Pedro A. Barros (Anexo
27)30, acusado de matar seu ex-escravo Filomeno.
Tais processos de crimes, assim como o caso de fuga, não apenas exemplificam a
condição concreta dos afro-brasileiros na sociedade piracicabana, como também questionam a

26
Anacleto, crioulo, cor fula, maior de 30 anos, 1871: 1º Of.43/A. Arquivo do Tribunal Judiciário de Piracicaba.
CCMW.
27
Theodoro escravo da herança de Antonio Fernando Barros, 1879:1º Of. 30/C. Arquivo do Tribunal Judiciário
de Piracicaba. CCMW.
28
Anselmo, escravo de Luis Antonio de Almeida Barros, 1881: 1º Of.36/D. Arquivo do Tribunal Judiciário de
Piracicaba. CCMW
29
Preta Rosa, 1884: 1º Of. 43/A. Arquivo do Tribunal Judiciário de Piracicaba. CCMW.
30
Pedro de Almeida Barros, 1888: 1º Of.45/C. Arquivo do Tribunal Judiciário de Piracicaba. CCMW.
75

idéia de que os escravos negros brasileiros eram conformados com a escravatura. Pelo menos
em Piracicaba, isso não é verdade. Aliás, todos os processos citados datam antes da abolição,
o que sugere a luta dos negros de Piracicaba por sua liberdade, mesmo que forma individual.
Isto posto, parece pouco provável que os Confederados estivessem alheios a esses
fatos, a julgar pela possibilidade desses imigrantes protestantes metodistas e não-metodistas,
residentes na região de Piracicaba, possuírem também escravos, como o Cel. William Norris e
a família Blummer já mencionados. Assim, infere-se que as mesmas tensões poderiam
acontecer no contexto dos metodistas que imigraram para Piracicaba.

3.3 Imigrantes metodistas no imaginário dos afro-brasileiros de


Piracicaba
Jones (1967:290) registra que certa vez, um ex-escravo negro de nome Benedicto
MacFadden se referindo aos demais negros, disse com desprezo: ―eles são negros pretos; eu
sou negro azul‖.
O Brasil do século XIX estava dividido entre senhores e escravos, brancos e pretos.
Bastide, segundo Domingues (2003:29), lembra que desde a escravidão, negros e brancos,
sempre estiveram separados tanto na Igreja diante de Deus, quanto nos cemitérios, diante da
morte. Para Bastide, segundo Domingues, a Igreja católica introjetou na alma dos negros a
―submissão aos brancos‖. Com efeito, num contexto onde é negado ao colonizado ou ao ex-
escravizado o direito à sua própria cultura e religião, e mais, num ambiente no qual toda
noção da dignidade humana, e status social e valores morais, religiosos, passam pela questão
epidérmica, a autonegação da etnia marginalizada torna-se meio de sobrevivência.
Portanto, a afirmação do negro Benedicto MacFadden citado anteriormente,
declarando ser ―negro azul‖, é exemplo factual da assimilação da ideologia do
―embranquecimento‖. Todavia, a assimilação da ideologia do ―embranquecimento‖ é
sintomática; não foi um fenômeno passivo. Pressupõe um conflito entre representações
culturais múltiplas e demonstra peremptoriamente a existência de tensão inter-étnica, mesmo
porque, conforme Fanon (1968:29, 30),―o olhar que o colonizado lança para a cidade do
colono é um olhar de luxúria, um olhar de inveja...‖ É fundamental a associação do
pensamento de Fanon ao fato de que a cidade de Piracicaba e região, foram um importante
destino para americanos, alemães, italianos, portugueses, estrangeiros vindos de várias partes.
E ao se sobreporem na cultura local, com a sua tecnologia e o seu estilo de vida americana,
76

impõem-se como ―a verdadeira‖ civilização, um paradigma a ser seguido por todos. Um novo
tempo de prosperidade e sabedoria.
Fanon diz que ―a despeito do sucesso da domesticação, malgrado a usurpação, o
colono continua sendo um estrangeiro [...] vem de fora [...] e não se parece com os
autóctones‖. Nesse caso, se a verdade vem de fora, resta aos autóctones, imitá-la. Destarte,
provavelmente os missionários metodistas confederados se situaram no imaginário das
populações negras em Piracicaba, não muito diferentemente dos colonos europeus em geral.
Dawsey (2005:234-236) ao descrever o americano que o brasileiro viu e o brasileiro
que o americano percebeu, fala do universo histórico de Piracicaba e região por ocasião da
missão metodista de imigração, como uma experiência de identidades contrastivas e
singulares, que reforçaram a binaridade do ―nós‖ versus ―outros‖.
Para o autor, houve certa ―fricção inter-étnica‖ na relação entre as populações nativas
de Santa Bárbara e Piracicaba e as famílias de imigrantes metodistas confederadas oriundas
do sul dos Estados Unidos em meados do século XIX.
Ao se admitir que as populações negras em Piracicaba viram-se nos olhos dos ―outros‖
(brancos europeus ou americanos) como prova da assimilação de estigmas e etnocentrismos
alheios, a idéia de que a ação da missão metodista no Brasil foi significativamente conivente
com esse imaginário, é reforçada.
Todavia, o autor problematiza o fato de que igualmente, os Confederados também
assimilaram a realidade brasileira, ou seja, um Confederado vendo-se como um nativo
brasileiro (negro ou índio). O autor defende a idéia de deslocamento de subjetividades, o que
equivale olhar para o negro Benedicto MacFadden e considerá-lo mais como um jogador
mimético, do que como um alienado. De fato, muitos ―gringos‖ se adaptaram à cultura
brasileira para tirar dela sua sobrevivência ou explorá-la.
Aliás, Dawsey (2005:241) se preocupa muito mais em dar voz à memória de seus
ancestrais confederados do Sul dos Estados Unidos do que aos nativos(negros e índios) a
quem chama de ―caboclos‖.

3.4 População afro-brasileira: conta vencida da missão metodista do


século XIX
Há um consenso entre os autores que referenciam esse trabalho que a missão metodista
em sua ―episteme‖ operou sob os critérios dos valores liberais pró-capitalistas. Mesmo
77

porque, o metodismo inicia no Brasil exatamente num período em que o país quer se auto-
afirmar na comunidade internacional como um país moderno, civilizado, um estado-nação,
apesar de ainda escravocrata. As políticas de incentivo de emigração estrangeira que
beneficiam a vinda das famílias de americanos confederados cumpriam, portanto, a agenda da
modernização da sociedade brasileira. É uma pena que a historiografia brasileira não vá além
dessa imigração ―branca‖, pois cerca de 300 anos antes, de maneira forçada, já tinha havido a
imigração de africanos negros, que prepararia o solo para a modernidade.
O que Dawsey (2005:98) precisava mencionar é que antes que o vapor ‗Marmion‘
saísse de Nova Orleans no dia 1º de Abril de 1867 com 260 imigrantes, centenas de navios
negreiros já tinham singrado e sangrado o oceano com famílias de imigrantes africanos negros
escravizados em direção ao Brasil. Se as condições de viagem para os emigrantes
confederados foram difíceis como lamenta umas das confederadas, Sarah Bellona Smith T.
Ferguson, segundo Dawsey (2005:69-82), o que dizer das condições dos homens, mulheres e
crianças nos porões dos navios ‗negreiros‘?
Dawsey comenta como os confederados foram recebidos no porto do Rio de Janeiro:
―Todos foram levados para um magnífico prédio, chamado Casa do Governo, ou Casa de
Saúde [...] Nessa mansão receberam comida e moradia, enquanto esperavam o transporte para
os novos lares no Juquiá‖. Todavia, não é justo esquecer de incluir na historiografia as
condições infames com as quais os negros africanos encontraram nos portos de Salvador, de
Pernambuco, Rio de Janeiro, Santos, etc, quando do seu desembarque. Quem receberam as
famílias de escravos africanos? Os mercados, os traficantes de gente, o sofrimento, a solidão,
a morte.Portanto, os confederados americanos metodistas participaram do processo de
colonização do Brasil, ainda que tardiamente.
Com efeito, Santos (2006:32) sublinha que nesse processo de dominação, a ausência
da ―solidariedade‖, presentificada pela ignorância colonialista que além de desperdiçar
conhecimentos alternativos, resulta na rejeição do reconhecimento do outro como igual e na
sua conversão em objeto, sob o rótulo de ―selvagem = não civilizado, estranho aos hábitos,
costumes, religião e cultura hegemônico-européia.
Tais considerações se encontram com a prática missionária metodista, na medida em
que o público alvo da missão no Brasil, no recorte histórico dado, foi basicamente, a ‗elite
brasileira‘. Além do que, o fato das colônias americanas se organizarem geográfica e
78

etnicamente de maneira uniforme, em micro-regiões isoladas da região de Piracicaba, explica


o distanciamento dos imigrantes metodistas das populações afro-brasileiras.
Desta forma, parece razoável a avaliação de que a missão metodista em sua evolução
histórica a partir de 1867, oscila de um metodismo de subsistência, i,e. Missão-Intra
(atendimento das necessidades espirituais, sociais e pessoais das famílias de colonos
confederados assentados na região de Piracicaba), para um metodismo civilizatório Missão-
Extra (prática mais proselitista entre a elite piracicabana).
Isso tudo faz sentido, quando associado ao fato de que no Brasil a riqueza sempre foi
‗branca‘ e a pobreza sempre foi ‗preta‘. Essa realidade tem o seu nascedouro numa provável
lógica, da população negra afro-brasileira não ser considerada parte dos ‗iguais‘ na sociedade
da época.

4. Conclusão provisória
Durante o processo de implantação do metodismo em Piracicaba, desde a imigração
até o estabelecimento do Colégio Piracicabano e da própria Igreja Metodista, uma perspectiva
etnocêntrica americana aliada à ideologia escravagista, encontra no Brasil do século XIX um
ambiente significativamente acolhedor. Apesar da ideologia do ―branqueamento‖ ter
favorecido as imigrações dos Confederados para o Brasil, estes tiveram muitas dificuldades
para aceitar o ―status‖ que a mulatização impunha sobre alguns afro-brasileiros.
Em pleno contexto de organização social e consolidação do Estado Brasileiro, os
fazendeiros metodistas trazem contribuições significativas; seja para agricultura, por meio de
inovações tecnológicas como o arado e outros implementos agrícolas. Seja na área da
educação, com as novas perspectivas pedagógicas que fizeram do Colégio Piracicabano um
importante centro de ―ciência e virtude‖ a partir de ênfases filosóficas pragmáticas e
compatíveis com o anseio da elite piracicabana do século XIX. Na política, o caráter
progressista do pensamento liberal não apenas fortaleceu o partido liberal brasileiro, como
também ajudou no aniquilamento do império de D. Pedro II.
Diante do exposto, os metodistas tiveram em Piracicaba um forte apoio da elite, em
especial do Presidente Moraes de Barros e sua família, principalmente na fundação do
Colégio Piracicabano.
Com efeito, não houve relações consistentes entre missionários Confederados e
abolicionistas brasileiros e tampouco com afro-brasileiros. Em Piracicaba, apesar das
79

populações negras terem sido relegadas ao anonimato e aparecerem na imprensa piracicabana


como ―preguiçosos‖, ―arruaceiros‖, ―vagabundos‖, ―violentos‖ e ―chucros‖, tinham vida
social intensa e uma organização cultural importante. A sociedade piracicabana entre 1867 a
1930 sempre se mostrou preconceituosa, intolerante e burguesa; não só discriminava os afro-
brasileiros, mas, os ―italianos‖, os ―turcos‖, e outros.
A relação entre Confederados metodistas e populações afro-brasileiras em Piracicaba
foi marcada principalmente pelo distanciamento cultural de ambos. Depois por conta das
concepções científico-racistas predominante na mentalidade dos fazendeiros do sul
estadunidense aliado a um forte senso de auto-preservação, fizeram que os Confederados
permanecessem bem distantes da realidade afro-brasileira.
80

III. INSERÇÃO E ASCENÇÃO DOS AFRO-BRASILEIROS


NA INSTITUIÇÃO METODISTA EM PIRACICABA ATÉ 1930

Introdução
Perguntar pela inserção e ascensão dos afro-brasileiros na Igreja Metodista no final do
século XIX permite a possibilidade de avaliação do trabalho missionário dos imigrantes
metodistas estadunidenses. Nesse sentido, este capítulo aborda o recorte histórico de 1867,
quando tudo começa, até a transição para sua consolidação institucional, em 1930.
A partir da análise nos arquivos da Igreja Metodista Central de Piracicaba e do Museu
Martha Watts, se procurará explicitar o rosto afro-brasileiro buscando sua presença no rol de
membros da igreja, nos quadros docente , discente e de funcionários do colégio Piracicabano,
assim como no quadro de pastores da Igreja Metodista em Piracicaba.
Finalmente, será feita uma abordagem das possíveis dificuldades metodológicas para
atingir esses objetivos.

1. Institucionalização do movimento metodista em Piracicaba


Desde 1867, com a chegada dos primeiros imigrantes metodistas na região de
Piracicaba, o movimento metodista progressivamente foi se consolidando como uma missão
cada vez mais organizada e promissora.
Conforme Henry Venn, segundo Reily (1981:24-25), em meados do século XIX,
período que coincide com a grande expansão das missões protestantes, havia o consenso de
―que a missão devia, naturalmente, se transformar em igreja autônoma‖. A filosofia
missionária da época pressupunha uma eclesiologia nos moldes das ―igrejas nacionais‖
oriundas da reforma protestante. Portanto, desde os primórdios em Santa Bárbara do Oeste, de
acordo com Salvador (1982:59), o Rev. Junius E.Newman tentara organizar uma igreja
metodista. Também os presbiterianos e os batistas estavam muito preocupados na fundação de
uma instituição que reafirmasse suas tradições religiosas do velho Sul. Quiçá, essa
81

característica muito denominacionalista tenha sido o primeiro obstáculo para uma eclesiologia
protestante brasileira mais inclusiva. Os americanos viveram uma experiência de esforço
comum na construção de um templo que se reuniam periodicamente, mas, apesar de todos
vierem do sul estadunidense, cada grupo professava uma tendência protestante.
Bosch (2002:334, 342) avalia esse tempo, identificando a missão protestante ―no
espelho do iluminismo‖, em que a missão praticada pelos missionários era ―em um grau
muito significativo, produto do iluminismo‖. Todavia, esse cristianismo ―iluminista‖ iria, a
partir de o segundo despertar, construir um senso de urgência que iria alavancar empresas
missionárias oriundas de várias igrejas protestantes dos Estados Unidos, para quase toda parte
do mundo. No caso da Igreja Metodista Episcopal do Sul, Salvador (1982:72) lembra que sob
a insistência do Rev. Newman, enviou seu primeiro missionário, a saber, o Rev. J. James
Ramsom.
Parece relevante perguntarmos pelo tipo de igreja que o movimento metodista iria
consolidar em Piracicaba no século XIX. A propósito, Bosch (2002:451, 452), ao analisar a
relação entre a igreja e o mundo, chama a atenção para o fato de que durante muito tempo, a
igreja passou a ser um mundo em si mesma e que ―o ministério e a vida cristã eram definidas,
exclusivamente, em termos de pregação, culto público, pastorado e caridade‖. Para o autor,
esse tipo de paradigma missionário reduz a missão a uma mera institucionalização, em que a
manutenção da freqüência regular de membros, muitas vezes tende a circunscrever-se a um
tipo de perfil étnico, social, cultural ou econômico, daí, conforme o autor teríamos um tipo de
igreja estática. Para Moltmann (1977) segundo Bosch (2002:453), ―a palavra final da Igreja
não é ‗igreja‘...‖ ou seja, a kerigma da igreja precisa transcender a mera institucionalização.
Parece que a igreja metodista instituída em Santa Bárbara do Oeste possuía esse perfil
estático; quem afirma é Salvador (1982:146): ―a reduzida congregação de Santa Bárbara,
ilhada na zona rural, com seus 35 membros de língua inglesa, pouco se esforçou no sentido de
evangelizar os brasileiros‖.
Para Bosch, ―a igreja não é o reino de Deus‖; pode ser um início deste. E tampouco
fazer missão é chamar pessoas para dentro da Igreja como se esta fosse uma sala de espera
para o céu. É por isso que a igreja não deve se manter alheia às demandas da sociedade e de
seus mecanismos estruturantes.
Quando se analisa alguns órgãos e ambientes institucionais da Igreja Metodista em
Piracicaba entre os anos de 1867 a 1930 o quê pode ser constatado? Em vista de suas
82

empresas missionárias motivadas pelo moto: ―espalhando a santidade bíblica por toda a terra‖,
numa terra em que a base econômica era o plantio de algodão e da cana de açúcar e a mão de
obra era escrava, seria plausível a expectativa de que a Igreja contemplasse em sua membresia
os afro-brasileiros. Todavia, não foi o que aconteceu.

1.1 As questões inter-étnicas e o jornal oficial da Igreja Metodista


De acordo com Barbosa (2002:171-175), bem antes dos metodistas Confederados
chegarem, os protestantes presbiterianos já publicavam panfletos e jornais. Com a criação da
Imprensa Evangélica fundada em 1864, tornou possíveis publicações como o ―Apóstolo‖, o
―Tabhor‖, o ―Catholico Scientífico e Noticioso‖. A Imprensa Evangélica viveu tempos de
parcimônia em relação aos temas relacionados ao abolicionismo. Publicou uma notícia em
1874, outra em 1879 e outra em 1881, retomando o tema apenas em 1884. Para Barbosa,
somente em 1885 é que a Imprensa Evangélica (jornal presbiteriano) oficializou sua opção
para defender a abolição da escravatura.
Conforme registro da Professora Jair Araújo Lopes (Anexo 28)31 ,no dia 29 de
Dezembro de 1885, J.J. Ramsom escreveu ―o projeto do Metodista católico‖ como era
chamado inicialmente o ―Expositor Cristão‖, um jornal que viria ser o órgão oficial da Igreja
Metodista, e teve a sua primeira edição publicada em 1º de Janeiro de 1886. Segundo
Salvador (1982:174, 175) o missionário J.J.Ramsom foi o fundador tanto deste periódico
quanto da Imprensa Metodista. O jornal metodista se ocupava além de abordar temas da moral
cristã, do papel da mulher, se dedicou durante muito tempo a combater o catolicismo romano.
Infelizmente, uma reflexão ou uma denúncia da situação das populações afro-brasileiras, ou
mesmo dos turcos e árabes, jamais iria ocupar as colunas do Metodista Católico. Salvador
(1982:176, 270) registra que certa ocasião o Imperador D.Pedro II indeferiu um pedido da
Câmara que objetivava a venda de loterias para alforriar escravos. ―O Rev. Ramsom deu
cobertura à decisão do governo‖.
Mais instigante parece ser a perspectiva de Salvador que, interpretando a posição de
Ramsom, continua: ―no entanto, em agosto, ao tratar do mesmo problema, chamava a atenção
para coisa mais grave ainda, qual a escravidão do pecado‖. Para o autor na época do Rev.
Kennedy então editor do Metodista Católico, o jornal tinha ―vistas largas‖ ao se propor a
informar informes da missão metodista, historietas para crianças, algumas notícias

31
Acervo do Centro de Memória Martha Watts
83

internacionais e principalmente a doutrina metodista, por meio dos catecismos menores e


maiores.
Por ocasião da promulgação da abolição da escravatura, 13 de Maio de 1888, há outro
registro da professora Jair Araújo Lopes de que somente no dia 15 de Maio, a notícia chegou
a Piracicaba. No meio metodista parece ter havido mais entusiasmo por ocasião da Lei do
Sexagenário em 1885 (Anexo 29) do que com a data da Abolição em 1888. Apesar de ser
uma notícia nacional e histórica, infelizmente não se tornou relevante a ponto de ser publicada
no jornal oficial da Igreja Metodista. Sobre isso comenta Salvador (1982:246-247) ―Todavia,
por motivos que ignoramos, o Expositor Cristão guarda absoluto silêncio sobre o anti-
escravismo. Seria porque a lembrança da luta fratricida nos Estados Unidos amargurava o
espírito do redator?‖
Certamente o autor intuiu muito bem. Essas evidências permitem a inferência de que o
Expositor Cristão desde a sua fundação, até 1930, se revelou assaz excludente em relação às
questões dos negros brasileiros, conforme aponta Barbosa (2002:177).
Felizmente há um registro de Barbosa (2002:191-211) de uma publicação datada
originalmente de 3 de Abril de 1886, na Imprensa Evangélica, atribuída ao Rev. Eduardo
Carlos Pereira que era presbiteriano, considerado o mais importante. Todavia, parece que a
notícia da Proclamação da República em 15 de Novembro gerou muito mais impacto entre os
metodistas que a Abolição da Escravatura.
Sobre o contexto de 1889, Salvador (1982:278) comenta a euforia metodista: ―os
metodistas, sobretudo, se rejubilaram face à mudança de sistema governamental, consoante
revela a documentação que possuímos‖. A propósito, as cores da bandeira brasileira
reproduzidas na pintura (Anexo 30)32 interna da Igreja Metodista de Piracicaba exemplificam
o grau de entusiasmo que os metodistas tiveram com o novo governo brasileiro.

2. Afro-brasileiros(as) na história da Igreja Metodista Central de


Piracicaba entre 1883 a 1930.
A dificuldade encontrada para visualizar os afro-brasileiros na historiografia do
metodismo em Piracicaba, reflete não só o seu lugar social dentro e fora da comunidade
metodista, que reproduz internamente a invisibilidades destes no cenário nacional, como
32
Rodapés do templo, assim como os vitrais nas cores da bandeira do Brasil. Fotos do acervo da Igreja
Metodista Central de Piracicaba.
84

também advém dos limites impostos pelos critérios de catalogação de dados da época.Em
Piracicaba, os modelos dos Livro de rol de membros permanente ou mesmo do colégio
piracicabano, não dispunham de campos específico indicando etnia/raça ou qualquer outra
explicação que pudesse dar visibilidade aos eventuais membros da igreja local , apesar de que
a quantidade de documentos analisada não é suficiente para uma conclusão definitiva tanto da
ausência, quanto da presença de afro-brasileiros nessas instituições. Nascimento (1978:74)
afirma que apesar dos dados do IBGE entre os anos 1872 a 1930 apresentarem uma crescente
diminuição da população negra no país, isso não condizia com a realidade concreta dessa
população. Pois, tal distorção fazia parte do projeto de ―embranquecimento‖ do Brasil,
política fortemente defendida no período. Essa ideologia que inclusive prognosticava o
enbranquecimento total do Brasil até o ano 201233, não apenas tentou esconder os afro-
brasileiros na historiografia e pesquisas do IBGE, como afetou significativamente sua relação
com a igreja metodista.

2.1 Na membresia da igreja local


Segundo Barbosa (2005:106,) um importante documento produzido pela Comissão
Especial para a evangelização eleita em Buenos Aires, em reunião da Igreja Metodista
Episcopal em 1889, chamado: ―A evangelização dos índios e dos libertos do Brasil‖,
contabilizou naquele ano, ―provavelmente, mais de um milhão e meio de pretos emancipados‖
no Brasil. Todavia, o rol de membros da igreja metodista em Piracicaba não refletia essa
realidade.
A Igreja Metodista de Piracicaba foi fundada em 1881 e de acordo com o seu Livro
(Anexos 31)34 permanente de membros, no dia 21 de Janeiro 1883, a primeira afro-brasileira,
a saber, Flora Maria Blummer de Toledo, foi admitida por pública profissão de fé, conforme
registro de número 14. Curiosamente, nesse mesmo dia foram admitidos membros da família
de Pedro Blummer, antiga proprietária da irmã Flora. Conforme registros de Zuleika Mesquita
e Isis F. Giannetti (Anexo32)35, Flora teria nascido em Porto Feliz em 1833 na Fazenda de
Matias Toledo. Teria sido vendida em 19 de Abril de 1875, a um protestante luterano,
chamado Pedro Blummer, o qual vendera à missionária Martha Watts que providenciara a sua

33
João Batista de Lacerda, teria predito no 1º Congresso Universal de Raças, acontecido em Londres em 1911
que a raça negra seria extinta do Brasil em 2012.
34
O livro de Rol de membros foi reescrito a partir de 1883. Acervo da Igreja Metodista Central de Piracicaba
35
Acervo do Centro de Memória Martha Watts
85

alforria, contratando-a como cozinheira no Colégio Piracicabano. A metodista Flora


permaneceu na igreja até 1892, quando morreu, causando muita comoção entre o alunato da
escola onde era conhecida como tia Flora.
Segundo Jones (1967:286), somente em 1887, o primeiro brasileiro começou a fazer
parte da Igreja do Campo. Em Piracicaba, no entanto, teríamos uma afro-brasileira entre os
primeiros membros da Igreja, pelo menos é o que Salvador (1982:150) avalia: ―os
missionários metodistas em Piracicaba, desde 1883‖ admitiram novos convertidos negros.
Talvez esteja se referindo especificamente à Flora Blummer. É interessante que ao considerar
a dificuldade de identificar negros na membresia da Igreja Metodista da época, o autor deixa
escapar uma perspectiva bem característica do ―mito da democracia racial‖. ―Os róis, via de
regra, não especificam a categoria social ou material dos crentes, porque na família de Deus
todos são iguais‖.
De fato, recuperar a história de grupos oprimidos é muito difícil. Normalmente os que
são da ―família de Deus‖ têm uma história, nomes completos, filiação, uma titulação, ―Cel.‖,
―Senador‖, ―soldado‖, etc. Por exemplo, Ludgero que teria sido admitido pelo Rev.J.l.
Kennedy (Anexo 33)36 apenas seu prenome aparece no mesmo rol permanente da Igreja
Metodista de Piracicaba e não consta a data de admissão, apenas a informação de veio a óbito,
mas sem data. Conforme Rocha (1967:61-63) a admissão de Ludgero na Igreja por profissão
de fé, teria sido em 12 de Outubro de 1884 e sua morte em 1892.
Felizmente, há uma anotação escrita a lápis quase invisível onde se lê: Ludgero Luiz
Corrêa de Miranda ao que tudo indica, confere com a informação de Salvador (1982:162) de
que em 1885 o Rev. Kennedy o recebera entre outros membros. ―Até 16 de março, Kennedy
recebeu três membros por profissão de fé: Miss Jane Van Giesen, Herman Gartner [...] e
Manuel Anselmo dos Santos. Por transferência: outro valioso cooperador, Ludgero Luis de
Miranda e também [...] Erasmo Fulton Smith [...] e Ella Crowe Ramsom‖. Nas Atas e
Documentos do concílio regional central que aconteceu entre os dias 12 a 18 de novembro de
1930, Guaracy Silveira segundo Rocha (1967:109) faz o seguinte relato: "Depois apareceu em
Capivari um pastor Ludgero de Miranda. Era moço de cor, de um comportamento exemplar,
recebido em casas de costumes rigorosos, e que nele confiavam de modo impressionante".

36
Com uma lupa foi possível identificar o nome completo de Ludgero, escrito a lápis já bem desgastado pelo
tempo na seção de observações do livro
86

No entanto, se for considerado autêntica a informação dada por Harter (1985:75) de


que os Confederados escravagistas eram representados pelas famílias dos ―Olivers‖,
―Harises‖, ―Witakers‖, ―Tatchers‖, ―Fergusons‖, ―Millers‖, ―Lands‖, ―Coles‖ e ―Halls‖,
mesmo que alguns deles não fizessem questão de serem membros das Igrejas metodistas na
época, como foi o caso de Hervey Hall, segundo Jones (1967:246), é mais fácil localizá-los no
rol de membros de Piracicaba do que possíveis escravos negros convertidos.

2.2 Como pastores e pastoras da igreja local


Segundo a galeria de pastores metodistas que passaram pela Igreja de Piracicaba, de
1883 a 1930 não houve nenhum pastor afro-brasileiro. Somente a partir de 1896 foi nomeado
para a Igreja o primeiro pastor brasileiro, a saber, o Rev. Guilherme José F. da Costa (1896-
1898) (Anexo 34)37. Em nível nacional, Reily (1984:93) aponta o gaúcho João da Costa
Corrêa de Jaguarão - RS, como o primeiro pregador metodista brasileiro. Por sua vez, Rocha
(1967:61-63, 109) torna possível a constatação de que o primeiro pastor e pregador metodista
afro-brasileiro foi o Rev. Ludgero Luiz C. de Miranda. Infelizmente, não será possível
aprofundar essa questão aqui. Merecendo, portanto, ser mais bem investigada a posteriori.
Contudo, da época dele até 1930, não se tem registro de outros. Parece que a Igreja Metodista
no Brasil precisou de tempo para se abrasileirar e de bem mais tempo para se africanizar.

3. Afro-brasileiros(as) na história do Colégio Piracicabano


Segundo Mesquida (1994:148-149) ―aos 13 de setembro de 1881, ex-Colégio Newman
reabriu as suas portas com o nome de Colégio Piracicabano‖. A propósito, o autor indica o
perfil provável do alunato que comporia o Colégio; ―depois das férias, as famílias dos
fazendeiros e dos homens do progresso‖, republicanos e maçons de Piracicaba, Santa Bárbara
do Oeste e da Província de São Paulo, começaram a matricular seus filhos, rapazes e moças,
no Piracicabano‖. Esses alunos iniciariam uma nova etapa da história do Colégio a partir de
fevereiro de 1882. Todavia, apesar da existência de inúmeras famílias afro-brasileiras em
Piracicaba, a iconografia (ver Anexos 35, 5, 6, 7 e 8)38 do colégio não demonstra, por
exemplo, alunos(as) afro-brasileiros(as) no período estudado. O que não se justifica face ao

37
Galeria de pastores da Igreja Metodista Central de Piracicaba
38
Nas fotos, é quase impossível identificar afro-brasileiros nas várias atividades sociais e acadêmicas do colégio
87

grande legado Wesleyano de ―Espalhar a santidade bíblica por toda a terra‖, incluindo todas
as pessoas e preferencialmente os excluídos.
Oportunamente, Heitzenrater (2006:167) lembra a percepção sócio-educacional de
John Wesley (1703-1791) que transformou uma antiga fábrica de fundição em escola no
contexto inglês do século XVIII. ―Wesley começou a equipar a Fundição para atender muitas
outras crianças que vagavam pelas ruas como ―potros selvagens‖, e seus pais não podiam
enviá-las à escola. Ele contratou dois professores para ensinar a ler, escrever, fazer contas‖.
Com essa mesma filosofia educacional, Cardoso (2003:227) indica que Wesley fundaria a
Escola ―Kingswood‖ em 1748.
A propósito, Barbosa (2005:57) cita uma escola alternativa criada pela Professora
Francis S.Koger, que muito provavelmente tenha alcançado os filhos de famílias afro-
brasileiras. Destaca que esse projeto teria sido resultado de sua percepção da realidade social
das famílias pobres da periferia de Piracicaba. Organizada no início de 1883 e encerrada no
final deste mesmo ano, a escola foi reaberta ainda em Dezembro do mesmo ano pelo
professor Severo Augusto Pereira. Kennedy afirma segundo Barbosa, que a escola tinha
muitas limitações financeiras, já que era um projeto basicamente beneficente e funcionou por
apenas 3 anos. Outro fator que ocasionou também o curto funcionamento da escola foi o fato
de não ter sido muito bem aceita pela clientela majoritariamente católica da periferia
piracicabana. Acredita-se que tal desconfiança, tenha sido alimentada ainda mais pelo tom
proselitista dos dirigentes da mesma.
Cardoso (2003:228-230) concorda que a ênfase do projeto educacional metodista
privilegiou o individualismo e a competitividade. No entanto, de acordo com Mattos (2000)
segundo Cardoso, ―podemos hoje discordar das premissas ideológicas missionárias, mas
temos de entender as circunstâncias históricas que acabaram condicionando a implantação do
metodismo no Brasil‖. Contudo, Cardoso entende que ―também é preciso reconhecer que tal
filosofia, elitista, não produziu mudanças estruturais na sociedade, apenas reforçou o status
quo característico do capitalismo liberal.‖

3.1 Corpo docente e administrativo


Conforme acervo do Centro de Memória Martha Watts e Elias (2001:90-300), durante
longos anos, missionárias americanas e seus parentes tanto administraram a escola, quanto
compuseram o corpo docente. Somente a partir da década de 30 é que o primeiro homem se
88

tornaria diretor do Piracabano, a saber, Cly de Lloyd, seguido de Mister Cooper, ambos
americanos. Em 1935, o professor Irineu Guimarães assumiria a o cargo de diretor da escola,
sendo, portanto, o primeiro diretor brasileiro. Quiçá, sejam encontrados afro-brasileiros tanto
no corpo docente, quanto na diretoria nas décadas subseqüentes, porque de 1881 a 1930 não
há registros.

4. Possíveis implicações de tensões inter-étnicas no processo de


autonomia da Igreja Metodista Brasileira.
Salvador (1982:279) chama atenção para certo ―senso de urgência‖ que tomou conta
dos metodistas brasileiros com o advento da proclamação da república, em 1889: ―todos os
nossos oito missionários reúnem-se logo após o 15 de novembro. Examinam a situação e
juntos subscrevem um apelo urgentíssimo e convincente à Igreja-mãe‖. Precisavam
regularizar os imóveis e oficializar juridicamente a missão metodista no Brasil.
Durante 22 anos a relação entre a missão metodista brasileira e a junta de missões da
Igreja Metodista Episcopal do Sul foi de fato de ―mãe e filha‖. Agora, a ―filha‖ dava os
primeiros sinais para o seu processo de emancipação. Reily (1981:22-24) considera que além
da filosofia eclesiológica e da maturidade missionária da Missão, houve alguns ―passos
específicos‖ dados sob não poucas tensões entre os metodistas nacionais e os secretários da
―General Board‖ da Igreja Episcopal do Sul, ―portanto nem sempre havia compreensão
mútua, identidade de posicionamento e perfeita harmonia entre as partes interessadas
(―Board‖, missionários e nacionais) sobre o ―como‖ e o ―quando‖ da autonomia. Reily
(1984:188) citando o incidente envolvendo o Colégio ―Granbery‖, quando da intromissão da
junta de missões em sua administração, ilustra não apenas como os americanos foram
unilaterais tantas vezes, como também demonstra o seu controle e os conflitos
experimentados por eles e os missionários nacionais.
Enfim, nesse aspecto, está configurada certa tensão durante o processo de emancipação
da Missão metodista brasileira e Igreja Metodista Episcopal do Sul. Ainda segundo Reily, ―a
autonomia não foi consumada, então, sem desentendimento ou rixa‖. Não se sabe o motivo
pelo qual o autor deliberadamente não se detém a esclarecer profundamente os motivos desse
tensionamento. Todavia, o fato dele mesmo ter sido um missionário americano no Brasil,
possibilita a hipótese de que procurou isentar-se de provocar mais tensões. Josgrilberg
(2005:44-48) ao relacionar o evento da autonomia ao contexto cultural do Brasil do século
89

XIX, amplia a discussão em termos da América Latina, chamando a atenção para um tempo
em que tanto a doutrina Monroe era vista pelo nacionalismo ―crioullo‖ com muita
desconfiança. O autor entende que essa desconfiança era visível nas discussões das ―grandes
reuniões missionárias‖. Josgrilberg (2005:49-51) considera que os missionários americanos
eram constrangidos nessas reuniões, por conta de um acentuado anti-ianquismo.
Curiosamente, apesar do autor achar que o nacionalismo latino emergente tenha contribuído
para a idéia de autonomia do metodismo brasileiro, sugere que isso não significou a
construção de um projeto missionário e eclesiástico com nítida fisionomia nacional. Ou seja, a
doutrina de Monroe prevaleceu na estrutura, organização, teologia e missão da Igreja
Metodista Brasileira. Para Josgrilberg, o projeto de autonomia para uma igreja brasileira
falhou. Ela não se ―abrasileirou‖. ―O perfil da Igreja continuou, depois da autonomia, uma
derivação do metodismo americano do sul‖.
Se consideradas as avaliação de Josgrilberg e Reily (1981:34-41) fazem da década de
vinte, mais especificamente quando Reily, destaca inclusive, o contexto da eleição do
primeiro bispo para atender a recém organizada Igreja Metodista brasileira, pode se inferir
que tais perspectivas e tensões mencionadas anteriormente pelos autores, ajudaram
provavelmente a definir o resultado das eleições episcopais. A propósito, o autor indica que
apesar dos dois candidatos brasileiros, Guaracy Silveira, César Darcoso Filho, parecerem os
―candidatos prediletos‖, H.C.Tucker e J.W.Tarboux ambos não-nacionais, foram os bispos
eleitos para a Igreja Metodista brasileira.
Se Guaracy Silveira e César Darcoso foram considerados ―prediletos‖ e o processo
eleitoral foi ―disputadíssimo‖ conforme pontua Reily, pelo menos um desejo latente de
reafirmação da identidade nacional pulsava nos corações dos conciliares brasileiros do
primeiro Concílio Geral, realizado de dois a nove de setembro de 1930. Prevalceu o
pensamento hegemônico americano mais uma vez sobre os nacionais? Essa hipótese parece
passar no teste. Todavia, não sem a resistência dos brasileiros. A propósito, Reily (1981:43)
admite ter havido ―desavenças e conflitos pessoais entre nacionais e missionários‖,
―arrogância de certos missionários‖ e ―inépcia de secretários da Board‖. Dentre as indagações
feitas pelo autor sobre o processo de autonomia, as questões, por que a Igreja Metodista
Episcopal do Sul, ―... mandou Mouzon e não Cannon como o bispo da Comissão sobre a
Igreja Metodista? Por que Cannon não participou da sagração de Tarboux?‖, parece que
90

foram respondidas por Josgrilberg (2005:14), quando afirma que Cannon era contra a
autonomia da Igreja Metodista Brasileira.
Na verdade, a autonomia não pressupunha independência total e imediata. Teria um
período probatório de 3 anos conforme assinala Oliveira (2005:61). ―A maioria das igrejas
optou pela autonomia, planejando alcançar o sustento próprio dentro de três anos. Elas
optaram pela forma de governo episcopal e por um bispo estrangeiro [...] Para as escolas e
colégios, optaram pelo status quo‖. Segundo o autor, Guaracy Silveira e César Darcoso Filho
não queriam uma independência radical da Igreja Metodista Episcopal do Sul, como queriam
principalmente. Autonomia para eles seria num controle financeiro pela conferência nacional,
todavia, mantendo uma certa dependência de recursos financeiros e humanos da IMES. Ferraz
avalia que desde 1896, muitos clérigos desejavam uma igreja nacional. Todavia, uns foram
mais enfáticos. Por exemplo, Oliveira (2005:66) registra que ―Em 1918 organizou-se um
grupo – denominado por Otilia Chaves de ―Ala da resistência‖ — constituído principalmente
pela primeira turma de diáconos formados no Granbery‖.
Com efeito, parece que na época essas questões eram mais urgentes que a questão da
inserção ou mesmo a evangelização dos afro-brasileiros. Pode se inferir que a questão
econômica e política está sempre determinando as pautas de discussão do metodismo
brasileiro não apenas no século XIX. Portanto, conforme se observa nas fotos (Anexo 36)39
desde a quinta Conferência anual brasileira em 1890, até a Comissão Constituinte da Igreja
Metodista do Brasil e finalmente entre os participantes do 1º Concílio Geral em São Paulo, é
peremptória a invisibilidade de afro-brasileiros(as) no contexto de consolidação da autonomia
da Igreja Metodista Brasileira.
Para Reily (1984:195), a eleição em 1934 do Rev. César Darcoso Filho, como o
primeiro bispo brasileiro, ―marcou um passo importante na nacionalização da Igreja
Metodista do Brasil‖. Contudo, o bispo J.W.Tarboux ainda foi eleito nesse mesmo Concílio,
em primeiro lugar. De fato, a Política missionária e eclesiástica desde 1867 esteve
definitivamente sob a direção dos missionários americanos. A possibilidade da eleição do
bispo César Darcoso Filho marcaria um momento de transição na política institucional, que
precisaria de muito mais tempo para incluir a possibilidade de um bispo afro-brasileiro.

39
Foto In: SOUZA, José Carlos. Caminhos do metodismo no Brasil: 75 anos de autonomia. São Bernardo do
Campo, Editeo, 2005.20.
91

5. Limites e horizontes metodológicos


A análise documental, apesar de suas limitações, demonstrou que a principal
preocupação dos metodistas no período dado estava voltada para a reafirmação institucional
do seu movimento missionário face ao catolicismo vigente. O metodismo brasileiro nascente
quer por razões teológicas, políticas e econômicas estava definitivamente comprometido com
o ideal republicano. Conforme Halbwachs (1990:78-79) ―para que a memória dos outros
venha assim reforçar e completar a nossa, é preciso [...] que as lembranças desses grupos não
estejam absolutamente sem relação com os eventos que constitui o (nosso) passado.‖
No século XIX, o ideal de ―nação‖ dominava as perspectivas tanto da classe política
liberal nacional, quanto das metas missionárias metodistas. Segundo o autor, ―há
acontecimentos nacionais que modificam ao mesmo tempo todas as existências‖. Logo,
perguntar por grupos específicos como as populações afro-brasileiras nesse período não
garantem respostas via metodologia bibliográfica de forma definitiva. Há que se mergulhar,
por exemplo, na perspectiva da história oral ou do método biográfico se quisermos
reconstituir de forma adequada. Parafraseando o autor, entre os americanos Confederados e os
políticos liberais entre 1867 a 1930, ―há muitos grupos, mais restritos do que esse que,
também eles, têm sua memória, e cujas transformações atuam muito mais diretamente sobre a
vida e o pensamento de seus membros‖. Logo, baseado neste autor, o grupo de imigrantes
metodistas estadunidenses e o grupo de intelectuais da elite de Piracicaba, ao produzirem suas
―memórias coletivas‖, não podem ser considerados os únicos construtores da história, pois
como diz Halbwachs (1990:85), ―há, com efeito, muitas memórias coletivas‖. Ainda há de se
inferir que mesmo dentro do grupo de imigrantes metodistas, houve várias memórias
coletivas, a exemplo dos nortistas (ianques) que vieram nas caravanas Confederadas, dos afro-
americanos libertos, do sul estadunidense, das mulheres, dos pobres, e outros.
Diante do exposto, uma dada historiografia em que aparece apenas um ou dois tipos de
memórias coletivas não pode pretender se constituir em história oficial, se não contempla
grupos subalternizados como as comunidades indígenas e os afro-brasileiras.

6. Conclusão provisória
A propósito, a narrativa histórica do ―órgão de comunicação oficial‖ da Igreja
Metodista de 1886 a 1930, não considerou, por exemplo, a realidade do segmento
populacional afro-brasileiro e tampouco a realidade interna da missão metodista brasileira.
92

Aliás, essa ignorância foi proposital e estava em perfeita harmonia com a ideologia burguesa
do século XIX e XX, o que demonstra que a transição movimento-instituição do metodismo
brasileiro, reproduziu o status quo.
A perspectiva positivista e pragmática americana foi determinante na organização
eclesiástico-administrativa do metodismo brasileiro, de forma que a catalogação de
documentos e prioridades temáticas, assim como os modelos de arquivos também não
favoreceu o registro da participação de afro-brasileiros. É possível que tenham inúmeros
membros afros no rol de membros da Igreja Metodista de Piracicaba no período, todavia não
foi possível identificá-los.
No que tange à inserção dos afro-brasileiros na instituição metodista, pode-se
inferir,provisoriamente, que a causa de sua invisibilidade deveu-se ao fato de não terem sido
alvo da missão metodista no século XIX. E em razão disso, os baixos índices de catecúmenos
afro-brasileiros nas igrejas locais e nas escolas metodistas explicam a ausência destes, tanto
no corpo pastoral ordenado da Igreja Metodista, quanto no corpo docente e administrativo do
Colégio Piracicabano, até 1930.
O processo histórico de autonomia do movimento metodista e de organização da Igreja
Metodista Brasileira no final do século XIX deveu-se a alguns atores e a algumas variáveis de
ordem política e administrativa. Conseqüentemente, pode-se pontuar que uma política
conservadora e marcadamente exclusivista foi um dos fatores que impediram a ascensão de
homens e mulheres brasileiros(as) e afro-brasileiros(as) na instituição metodista até o início
do século XX.
93

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de uma metodologia basicamente bibliográfica, a pesquisa produziu alguns


resultados conforme segue. A propósito do primeiro capítulo, foi possível demonstrar fortes
indícios de que uma das principais causas da imigração de metodistas estadunidenses para o
Brasil a partir de 1867 foi a guerra civil americana e suas consequências econômicas, sociais e
políticas para as famílias sulistas na sua maioria escravocratas. Poderíamos ter aprofundado
mais na questão subjetiva, qual seja; o fato desses Confederados não quererem submeter-se
aos vencedores nortistas. Com efeito, sem generalizações, a maioria das missões protestantes;
anglicanos, luteranos, presbiterianos, metodistas incluindo os batistas que vieram para o
Brasil no século XIX, oriundas tanto da Europa, quanto da América do norte, em especial do
sul estadunidense estavam indireta ou diretamente ligados à perspectiva escravagista. Muitos
compraram escravos quando organizaram suas propriedades no Brasil.
A pesquisa sugere em estudos posteriores uma análise comparativa entre as
abordagens da teologia católica e a teologia protestante face à escravidão. Pois, parece que
apesar dos protestantes chegarem contrapondo a teologia missionária do catolicismo vigente,
não agiram diferentemente da Igreja Católica, que desde 1500 já vinha legitimando a
escravização dos escravos no Brasil. Conseqüentemente esse quadro tende a esclarecer o
porquê tanto a historiografia brasileira, quanto a historiografia protestante e especificamente a
metodista é tão omissa em relação à história de resistência, luta e conquistas dos afro-
brasileiros(as).
A partir da proposta do segundo capítulo, encontrou-se muitas limitações
bibliográficas para se demonstrar uma efetiva ação missionária dos metodistas entre as
populações afro-brasileiras. Não houve envolvimento metodista no processo de abolição dos
escravos. Além de ter sido possível constatar algumas evidências de tensionamento entre as
famílias de Confederados metodistas e afro-brasileiros no contexto de implantação da missão
metodista em Piracicaba.
94

Ao investigar os possíveis impactos da missão metodista e a relação dos imigrantes


metodistas com a comunidade afro-brasileira, a pesquisa também demonstrou ser possível
inferir que houve significativo distanciamento relacional entre ambos. Parece que os
Confederados, assim como os demais imigrantes protestantes ou não, italianos, alemães,
transplantaram suas terras de origem para essas cidades, conseguindo não apenas manter os
afro-brasileiros distantes de si, como escondê-los da historiografia dita oficial.
Portanto, a pesquisa ajudou esclarecer que desde a chegada dos imigrantes metodistas,
os afro-brasileiros eram o ―óleo negro‖, que movia os engenhos de açúcar numa das
províncias mais prósperas do Brasil, a saber, São Paulo. E apesar de toda essa importância
econômica que se mantém teoricamente até 1888, lhes fora negado sua parte no processo de
formação do Brasil. Certamente ainda há muito que explorar na historiografia da escravização
dos negros e negras brasileiros. Infelizmente, alguns autores estratégicos não foram
consultados. Todavia esse trabalho propôs a reflexão de alguns aspectos importantes da
relação dos imigrantes com os afro-brasileiros para futuros aprofundamentos, a saber; será
possível explicitar possíveis tensões diretas entre imigrantes Confederados e afro-brasileiros?
Também foi alvo desse capítulo, a análise de alguns processos-crimes do arquivo
jurídico de Piracicaba, os quais revelaram que tensões inter-étnicas eram muito comum no
cotidiano da sociedade piracicabana entre os anos de 1867 e 1930. Na verdade, o arquivo do
Tribunal Judiciário de Piracicaba, consultado ainda que parcialmente, revelou um perfil da
sociedade piracicabana do século XIX como sendo escravagista e assaz preconceituosa, além
de pressupor muita intolerância não só contra as populações afro-brasileiras, mas contra
imigrantes turcos, árabes, etc. A principal contribuição dessa análise documental para
pesquisa foi demonstrar que os afro-brasileiros lutavam o tempo inteiro por sua liberdade.
Nesse contexto, alguns relatos da imprensa piracicabana no mesmo período, ao sugerir
inúmeros estereótipos para as populações negras no século XIX também ajudou não apenas
comprovar tal perfil, como sugeriu explicações consistentes para a invisibilidade dos afro-
brasileiros tanto na vida social da cidade, quanto na vida e missão da Igreja Metodista de
Piracicaba.
A propósito do terceiro capítulo, a ausência de registros sobre a presença e a
participação de afro-brasileiros nas instituições metodistas pelo menos até 1930 levantou a
suspeita de que o metodismo brasileiro nascente tenha sido marcadamente excludente e
burguês. Contudo, essa suspeita pode ser modificada em novas pesquisas e até pela
95

possibilidade de superação das dificuldades de se explorar de maneira adequada tanto os


registros do acervo do museu Martha Watts, quanto do museu da Igreja Metodista de
Piracicaba. Entretanto, não consta nas fontes pesquisadas por mim, como o livro de rol de
membros permanente, histórico iconográfico de pastores da Igreja Metodista Central de
Piracicaba, fotos e registros históricos do colégio piracicabano, que houve inserção e ascensão
significativa de afro-brasileiros nas instituições metodistas em Piracicaba no período
delimitado pela pesquisa. Em tempo, é possível também que a fidelidade das populações
negras às suas religiões de origem africana seja um fator plausível a ser considerado.
Quando se visita o museu da imigração e o museu Romi em Santa Bárbara do Oeste,
não se vê afro-brasileiros na história registrada, ainda que tais atores tenham contribuído
significativamente com o desenvolvimento da economia local, desde 1817. E as raríssimas
vezes que aparecem nas fotografias ou nos textos, não têm nome completo ou não tem
identificação alguma.
Nessa linha de pensamento, conclui-se que o moralismo cristão-burguês, em suas
versões tanto liberal quanto conservadora, depreciou a iconografia afro-brasileira em seus
jornais, romances, doutrinas políticas e teológicas, liturgias religiosas, não permitindo-lhes
que fossem parte dos ―iguais‖, fenômeno observado principalmente na cidade de Piracicaba,
na época, um dos principais centros da política nacional.
Outrossim, diante da análise bibliográfica realizada, foi possível perceber também que
a chegada do metodismo de imigração pode ser pensada a partir da emergente expansão
capitalista americana, alimentada pelo ideário do ―Destino manifesto‖ dos metodistas
Confederados. Tais pressupostos encontram eco tanto no anseio da classe intelectual nacional
que lutava pela organização do Estado do Brasil, quanto na ―esbranquiçada‖ política de
imigração preconizada por D.Pedro II. Se nos Estados Unidos, escravocratas são expulsos do
sul por conta do liberalismo econômico do norte, no Brasil, escravocratas são bem acolhidos
por ―liberais‖ que sonham com o desenvolvimento econômico da nação.
Em suma, ficou configurado que o modelo de relacionamento dos imigrantes
Confederados em relação aos africanos no Brasil, apesar de não ter sido o mesmo do velho sul
estadunidense, não esteve isento de choques culturais. Logo, as tensões inter-étnicas, tanto
pelo fato de alguns, supostamente metodistas escravizarem negros em suas fazendas em Santa
Bárbara e Piracicaba, quanto, pelo distanciamento que estes mantiveram das instituições e dos
alvos missionários da missão metodista, que priorizou os próprios americanos.
96

O processo de institucionalização do movimento metodista no Brasil parece ter


deixado na periferia a cultura brasileira, motivo pelo qual torna-se muito difícil visualizar os
afro-brasileiros tanto no rol de membros, quanto na galeria pastoral da Igreja Metodista de
Piracicaba. O mesmo parece ter acontecido no contexto do Colégio Piracicabano, quando se
pergunta pelos afro-brasileiros no alunado, na docência e na diretoria.
Finalmente, a pesquisa constatou que apesar de ter havido um movimento de
resistência ao paternalismo da Igreja Metodista Episcopal do Sul, o projeto nacional pró-
igreja independente, foi cooptado pelo pensamento hegemônico americano, que determinou
não apenas o processo de autonomia e organização da Igreja Metodista brasileira em 1930,
como também garantindo que na eleição episcopal do primeiro bispo da Igreja Metodista
brasileira, fosse um americano. Isso possibilita a idéia de que entre 1867 e 1930 o metodismo
estadunidense transplantado para o Brasil manteve a cultura brasileira na periferia de sua
história e com ela, afro-brasileiros e afro-brasileiras.
97

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Rubem. Religião e Repressão. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

ANDRADE, Ezequiel Luiz de. Metodismo e escravidão no Brasil (1835-1888): uma


abordagem histórico-cultural da Igreja Metodista frente à escravidão. 239 f. Dissertação
(Mestrado em Ciências da religião) – Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. São
Bernardo do Campo, 1995.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO – Documento Iconográfico. Maços de


População Freguesia de Santa Bárbara – 1824. Cedido pelo Centro de Memória Romi – Santa
Bárbara do Oeste. SP.

BARBOSA, José Carlos. Negro não entra na Igreja: espia da banda de fora, protestantismo
no Brasil império, Piracicaba, Editora UNIMEP, 2002.

____________. Salvar e educar: metodismo no Brasil do século XIX. Piracicaba: CEPEME,


2005.

BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil: Contribuição a uma Sociologia das


Interpretações de Civilizações. Editora Universidade de São Paulo: 2008. Vol.2. pp.465,473-
480.

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. Tradução de Maria Eloisa Capellato e


Olívia Krahenbuhl. São Paulo: Pioneira Editora, 1971. Volume 2. pp.243-347

BAUMAN, Zygmunt. Europa. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor ,2006. Título original: Europe( An Unfished Adventure ).

BÍBLIA SAGRADA. A. T. Salmos; Gênesis. Tradução de João Ferreira de Almeida. Revista


e Atualizada no Brasil, 2ª ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

BOSCH, David J. Missão Transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão.


Tradução: Geraldo Korndörfer; Luís Marcos Sander. São Leopoldo, RS: EST, Sinodal, 2002.

CAIRNS, Earle E. Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. Tradução:
Israel Belo de Azevedo. São Paulo: Vida Nova, 1995.
98

CAMPOS, Leonildo da Silveira. O demoníaco, as representações do mal, os sistemas de


acusação e de inquisição no protestantismo histórico brasileiro. In Estudos de Religião. ano
XXI. n° 33. pp. 59-107. jul/dez 2007.

CARDOSO, Luiz de Souza. Civilizar ou Educar: uma propostas educacional do metodismo


brasileiro. In: Caminhando: Revista da Faculdade da Igreja Metodista, v.8, n.12, 2º Semestre
de 2003. São Bernardo do Campo, SP: Editeo/UMESP. 1982. pp.226-235.

CARNEIRO, Edson. Ladinos e crioulos: estudos sobre o negro no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasileira. 1997.

CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes,


revisão técnica de Arno Vogel. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. pp.13-40.

CHIAVENATO, Júlio José. As lutas do povo brasileiro: do descobrimento a canudos. São


Paulo, Moderna, 1988.

COBRA, Rubem Queiroz - NOTAS: Vultos e episódios da Época Contemporânea. Brasília,


1999. Disponível em < http://www.cobra.pages.nom.br/fc-chamberlain.html> Acesso em: 22
de setembro de 2010.

COMIN, Fabio Scorsolini et al. A Interação em um ambiente Virtual de Aprendizagem


por meio do fórum de discussão: uma leitura bakhtiniana. Educação para Diversidade e
Cidadania. Intrudução para EAD e Ferramenta Moodle. Módulo I. CIAR: UFG. 2010 CD-
ROOM.

DAWSEY, John C. et al. (Org.) Americans: Imigrantes do Velho Sul no Brasil. Tradução;
Paulo Wisling, Piracicaba: Editora UNIMEP, 2005. Título original: The confederados, Old
South Immigrants in Brazil. The university of Alabama, 1995.

DE LUCA, Leonora; DE LUCA, João Bosco Assis. Marie Rennotte, pedagoga e médica:
subsídios para um Estudo histórico-biográfico e médico-social. História, Ciências e Saúde –
Manguinhos: Rio de Janeiro, 2003. vol. 10(2):703-25, maio - ago. 2003. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000200010>
Acesso em: 20 de agosto de 2010.

DOMINGUES, Petroni. História não contada: negro, racismo e branqueamento em São


Paulo. São Paulo: SENAC SÃO PAULO, 2003. Consultado no googlebooks.com. br em 13
de Outubro de 2010.

DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do ―mito da modernidade‖.


Tradução de Jaime A.Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993. pp.159-196. Título original
espanhol: 1492 El encubrimento Del outro. Hacia El origen Del mito de La modernidad.
99

ELIAS, Beatriz Vincentini. “... Viveram e ensinaram” (Colégio Piracicabano, 120 anos)‖.
Piracicaba: Editora UNIMEP, 2001.416p.

ELIAS NETTO, Cecílio. Almanaque 2000: Memorial de Piracicaba –Século XX, Piracicaba:
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba; Jornal de Piracicaba; UNIMEP,2000.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de José Laurênio de Melo. Coleção:


Perspectivas do Homem, vol.42, Série Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
Título original: Les Damnés de La Terre.

___________. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveeira.Salvador:


Edufba, 2008.

FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes: no limiar de uma


nova era, Vol. 2 São Paulo: Globo, 2008. Consultado no Googlebooks.com.br em 16 de
Outubro de 2010.

GENOVESE, Eugene Domenick. Da rebelião à revolução: as revoltas de escravos negros


nas Américas. Tradução Carlos Eugênio Marcondes Freitas. São Paulo: Global, 1983.

GIANNETTI, Isis F. Levantamento dos documentos históricos de uma instituição:


Instituto educacional ―O Piracicabano‖. Centro de Memória Martha Watts – Piracicaba - SP

GONZALEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo. Vol 9. A era dos novos
horizontes. Título original: Y hasta lo último de La tierra: Uma história ilustrada Del
cristianismo. Tomo 9: La era de los Nuevos Horizontes. Vida Nova, 2007.

GUSSI, Alcides Fernando. Os norte-americanos (confederados) do Brasil: identidades no


contexto transnacional. Campinas: Área de Publicações CMU/Unicamp, 1997.228p. (Coleção
Tempo & Memória, 2).

HARTER, Eugene. A colônia perdida da confederação: a imigração norte-americana para o


Brasil após a guerra de secessão. Tradução: Wilma Ronald de Carvalho. ISBN 85.7007091-
18. Editora Nórdica Ltda,1985.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo. Editora Vértice. Revista dos
Tribunais. 1990. Tradução de Laurent Léon Schaffter. Título Original: La Mémoire
Collective. 2ª Ed. Presses Universitaires de France. Paris. França. 1968.

HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o povo chamado metodista. Tradução: Cleide


Zerlotti Wolf. 2ª Ed. São Bernardo do Campo: Editeo; São Paulo: Editora Cedro, 2006.
100

HINKELAMMERT, Franz. Hacia uma crítica de la razón mítica: el laberinto de la


modernidad. México D.F: Editorial Dríada, 2008.

JONES, Judith Mac Knight. Soldado descansa: uma epopéia norte- americana sob os céus do
Brasil. São Paulo: Jarde, 1967.

JOSRILBERG, Rui de Souza. O movimento da autonomia: Nasce a ―Igreja Metodista do


Brasil‖In: SOUZA, José Carlos. Caminhos do metodismo no Brasil: 75 anos de autonomia.
pp. 12-15. São Bernardo do Campo: Editeo, 2005.

____________. A autonomia e a cultura brasileira. In: Caminhando: Revista da faculdade da


igreja metodista, v.10, n.2(16), 2º Semestre. São Bernardo do Campo, SP: Editeo/UMESP,
2005. pp.43-56. Disponível em: < https://www.metodista.br/revistas/revistas-
ims/index.php/CA/article/view/1274/1288> Acesso em: 15 de Janeiro de 2011.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo.
Atlas, 1983.

LEPETIT, Bernard. Sobre a escala da história. In: Jogos de Escalas: a experiência da


microanálise. Org. Jacques Revel. Tradução, Dora Rocha. São Paulo: Fundação Getúlio
Vargas.

LOPES, Jair Araújo. Setor de documentação e museu do metodismo: compilações de Jair


Araújo Lopes (1881- 1981). Centro de Memória Martha Watts – Piracicaba - SP

MENDONÇA, Antonio Gouveia. Celeste Porvir, a inserção do protestantismo no Brasil. São


Paulo: Edusp, 2008. pp. 122-138.

MESQUIDA, Peri. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil: um


estudo de caso. Tradução Celso Rodrigues Filho. Juiz de Fora: EDUFJF; São Bernardo do
Campo, 1994.

MESQUITA, Zuleika. Evangelizar e Civilizar: Cartas de Martha Watts, 1881-1908.


Piracicaba: Editora UNIMEP, 2001. 297p.

MÜLLER, ELIO E. Afro-descendentes da colônia alemã protestante de Três Forquilhas.


Estudos Teológicos 2001, vol. 41, n. 02 pp.75-78. Disponível em
<http://www3.est.edu.br/publicacoes/estudos_teologicos/vol41_2001/muellerET412.htm>.
Acesso em: 17 de Julho de 2010.

MO SUNG, Jung. Cristianismo de libertação: fracasso de uma utopia? In: Estudos


Teológicos. N. 1 Ano 48. EST – Escola Superior de Teologia. Instituto Ecumênico de Pós-
Graduação em Teologia. Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Editor: Wilhem
Wacholz. 2008. pp. 38-63.
101

NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo


mascarado. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978.

NETTO, Daniel Alves de Carvalho. Fé e Solidão: Uma releitura pastoral crítica da ação da
Igreja junto aos afro-descendentes do Brasil. 145 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da
religião) – Universidade Metodista de São Paulo - UMESP. São Bernardo do Campo, 2001.

NEVES, Amélia Tavares. Identidade Negra e Religião: consulta sobre cultura negra e
teologia na América latina. Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT).
Rio de Janeiro: CEDI/Edições Liberdade, 1986.

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5ªed. São Paulo: Brasiliense,
1994.

OLIVEIRA, Ana Maria Costa de. O destino (não) manifesto: os imigrantes norte-americanos
no Brasil. São Paulo: União Cultural Brasil-Estados Unidos, 1995.

OLIVEIRA, Cilas Ferraz de. Autonomia, independência ou status quo: o metodismo


brasileiro In: Caminhando: Revista da faculdade da igreja metodista, v.10, n.2(16), 2º
Semestre. São Bernardo do Campo, SP: Editeo/UMESP, 2005. pp.57-67. Disponível em
<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/CA/article/viewArticle/1297>
Acesso em: 15 de janeiro de 2011.

PEREIRA SÁ, Celso . A construção do Objeto de Pesquisa em representações Sociais.


Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.

REILY, Duncan A. História documental do protestantismo no Brasil. ASTE, São Paulo,


1984.

___________. Metodismo brasileiro e wesleyano: reflexões históricas sobre a autonomia.


São Bernardo do Campo, SP: Imprensa Metodista,1981.

ROCHA, Isnard. Pioneiros e Bandeirantes do Metodismo no Brasil. São Bernardo do


Campo, SP: Imprensa Metodista, 1967.

SALVADOR, José Gonçalves. História do metodismo no Brasil: dos primórdios até a


proclamação da república (1835 a 1890). São Paulo: Imprensa Metodista, 1982.

SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez, 2006.

SANTOS, Joel Rufino dos. O embranquecimento de Joaquim. História do Negro no Brasil.


Coleção Os Negros. Revista Caros Amigos. Fascículo 2. p. 36. ISBN 9788560814206.
102

SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até
a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios
do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1988.

SIMÕES, José Luis. Escola para as Elites, cadeia para os vadios: Relatos da Imprensa
Piracicabana (1889-1930). 2005. 264f. Tese (Doutorado em Educação). Universidade
Metodista de Piracicaba, 2005.

_________. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Editora


34, 2000 (Coleção espírito crítico).

SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico: Demonologia e colonização Séculos XVI –


XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. pp.21-46.

SOUZA, José Carlos. (Org). Caminhos do metodismo no Brasil: 75 anos de autonomia. São
Bernardo do Campo, Editeo, 2005. pp.11.

TERCI, Eliana Tadeu; OLIVEIRA, José Flávio de. Sociedade Beneficente 13 de Maio:
Memória e Cidadania. Piracicaba-SP: Editora UNIMEP. Universidade Metodista de
Piracicaba, Núcleo de Pesquisa e Documentação Regional, 1991.

UNESCO; MEC; ANPEd. Educação como exercício de diversidade. – Brasília: 2005. 476 p. –
(Coleção educação para todos; 6).

VAINFAS, Ronaldo. Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívocos e


tabus da historiografia brasileira. Rio de Janeiro: nº 08, Revista Tempo. pp.1-12. Agosto,
1999.< http://www.historia.uff.br/tempo/site/?cat=36> Acesso em: 22/11/2010.

WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” capitalista. Tradução: José Marcos


Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

SITE
<http://www.slavevoyages.org/tast/assessment/estimates.faces> Acesso em: 01 de Setembro
de 2010.

Você também pode gostar