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Súmula 607-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS
Majorante do tráfico transnacional de drogas e desnecessidade de transposição das fronteiras

Súmula 607-STJ: A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei nº


11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não
consumada a transposição de fronteiras.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/04/2018, DJe 17/04/2018.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João foi preso em flagrante delito, no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, na fila do check in do voo
da companhia aérea South African, com destino a Johannesburg/África do Sul, levando consigo cerca de
2kg de cocaína amarrada em seu corpo.
O agente foi denunciado pela prática de tráfico transnacional de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006),
com a incidência de duas causas de aumento previstas no art. 40, III e V:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato
evidenciarem a transnacionalidade do delito;
(...)
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais,
de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas,
esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem
espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de
drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

A defesa alegou que o agente não chegou a atravessar a fronteira de nenhum país, de forma que não
houve transnacionalidade. Logo, não deveria incidir a causa de aumento do inciso I. Essa tese é aceita pela
jurisprudência? Para incidir essa causa de aumento, é necessário que o agente atravesse a fronteira?
NÃO.
Para a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no inciso I do art. 40 da Lei de Drogas, é
irrelevante que haja a efetiva transposição das fronteiras nacionais, sendo suficiente, para a configuração
da transnacionalidade do delito, que haja a comprovação de que a substância tinha como destino/origem
localidade em outro País.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 377.808/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/09/2017.

A incidência da majorante, que tem como objetivo apenar com maior severidade a atuação do traficante
direcionada para além das fronteiras do País, não exige o transporte efetivo para o exterior, basta que se
identifique a intenção.
STF. 2ª Turma. HC 127221, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 25/08/2015.

Esse entendimento pacificado do STJ e STF foi agora sumulado.


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Vale mencionar uma súmula relacionada que adota o mesmo raciocínio:
Súmula 587-STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária
a efetiva transposição de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração
inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.

Súmula 528-STJ
A explicação da Súmula 607 do STJ acabou. No entanto, se você ainda tiver um tempo, vamos relembrar
um tema conexo, qual seja, a súmula 528 do STJ.
Súmula 528-STJ: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via
postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.

Vamos explicar a súmula 528 com o seguinte exemplo:


Pablo, que mora na Espanha, enviou de lá, por correio, uma caixa contendo droga. O destinatário da
encomenda seria alguém que mora em Londrina (PR) e que encomendou pela internet o entorpecente. Ocorre
que, ao chegar no Brasil, em um voo que veio de Madrid e pousou em São Paulo, a caixa foi levada para
inspeção no posto da Receita Federal e lá se descobriu, por meio da máquina de raio X, a existência da droga.

Qual foi o delito em tese praticado pela pessoa que seria destinatária da droga (que encomendou o
entorpecente)?
Tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006). Essa pessoa, em tese,
importou a droga.

A competência para julgar será da Justiça Estadual ou Federal?


Será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da CF/88 e art. 70 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
V — os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
(...)
Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado
ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

A competência será da Justiça Federal de São Paulo ou de Londrina?


Será da Justiça Federal de São Paulo (local da apreensão). Na hipótese em que drogas enviadas via postal
do exterior tenham sido apreendidas na alfândega, competirá ao juízo federal do local da apreensão da
substância processar e julgar o crime de tráfico de drogas, ainda que a correspondência seja endereçada
a pessoa não identificada residente em outra localidade.

Por quê?
O CPP prevê que a competência é definida pelo local em que o crime se consumar:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou,
no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

A conduta prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 constitui delito formal, multinuclear, sendo
que, para sua consumação, basta a execução de qualquer das condutas previstas no dispositivo legal.
No caso em tela, a pessoa que encomendou a droga, praticou o verbo “importar”, que significa “fazer vir
de outro país, estado ou município; trazer para dentro.” Logo, pode-se afirmar que o delito se consumou
no instante em que o produto importado tocou o território nacional, entrada essa consubstanciada na
apreensão da droga.

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Vale ressaltar que, para que ocorra a consumação do delito de tráfico transnacional de drogas, é
desnecessário que a correspondência chegue ao destinatário final. Se chegar, haverá mero exaurimento
da conduta. Também não importa, para fins de consumação e competência, se a pessoa que encomendou
a droga já foi identificada ou não pela polícia. A consumação (importação) ocorreu quando a encomenda
entrou no território nacional.
Dessa forma, o delito se consumou em São Paulo, local de entrada da mercadoria, sendo esse o juízo
competente, nos termos do art. 70 do CPP.

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