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Regime"
No ano de 1660, uma revolta no Rio de Janeiro motivada por insatisfação de súditos
locais com as ações do governador Salvador Correia de Sá tomou proporções que levaram a
tomada de decisões drásticas do oficial régio como a condenação à pena capital de Jerônimo
Barbalho, um dos líderes do movimento.
A presente comunicação objetiva tratar da negociação que levou o evento a ter tal
desfecho à luz das práticas punitivas nas sociedades de Antigo Regime europeias, colocando
assim em questão concepções historiográficas que consideram à repressão violenta como
mero resultado de uma inclinação natural de agentes destas Coroas em reprimir movimentos
de questionamento de forma violenta.
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Doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense e
professor do Colégio Pedro II. Bolsista CAPES.
ainda começava a preocupar os conselheiros da monarquia lusa, mas eventos como a Revolta
da Cachaça vão marcar e influenciar as posições dos oficiais da monarquia. Entender,
portanto, o peso deste evento nas discussões sobre a melhor forma de administrar o Estado do
Brasil e, principalmente, sua relação com a cultura portuguesa que começava a questionar o
perdão como instrumento de negociação com revoltosos também se apresenta aqui como
questão fundamental e cerne para compreender tal levantamento em um quadro mais geral de
movimentos de insatisfação registrados no Império Ultramarino Português.
Tal manifestação, porém, teve pouco sucesso, a começar pela recusa do próprio
coroado em assumir o trono que lhe ofereciam. A pendenga, no entanto, tinha outras bases
que apareciam de forma recorrente nos conflitos políticos da Capitania de São Paulo e,
posteriormente no Rio de Janeiro, a saber, o uso da mão-de-obra indígena e a conduta de
determinados oficiais régios.
Dentre tantas questões que podiam resultar em manifestações de insatisfação por parte
dos súditos cariocas, no entanto, poucas chamam tanta a atenção quanto o descontentamento
com o governo de Salvador Correia de Sá e a sua indisposição com determinados grupos
políticos da capitania do Rio de Janeiro. Não à toa, costuma-se atualmente referir-se à Revolta
da Cachaça como Insurreição de Jerônimo Barbalho, um dos protagonistas do movimento.
Em sua terceira passagem pelo governo da capitania, Salvador já era um personagem
com imagem desgastada entre os súditos da região. Herdeiro de vastas propriedades em
função da atuação de seus antepassados desde a fundação do Rio de Janeiro, o que nos
permite constatar, segundo Antônio Pereira Caetano, “que seus antecessores construíram um
verdadeiro império na capitania do Rio de Janeiro, transformando essa cidade em uma espécie
de reduto dos Sá,” (CAETANO, 2008. p. 14) Salvador já havia enfrentado em seus dois
primeiros governos (1637-1642 e 1648) motins com as mais variadas reivindicações como a
utilização da mão-de-obra indígena, o valor do soldo militar e, principalmente, contra a
oligarquia construída em torno da família Sá, praticamente detentora de um monopólio na
distribuição dos principais postos de governo, do qual questionavam também os gastos e a
gestão dos recursos.
É bem verdade que o senso comum nos sugere que a condenação à pena capital de um
líder de um movimento de insatisfação contra um oficial da Coroa portuguesa fosse uma
conduta normal e corriqueira por parte dos responsáveis por sua repressão. A própria
legislação portuguesa sugeria que tais punições fossem comuns, afinal a quantidade de crimes
que poderiam ser punidos com a morte dos responsáveis era tamanha que, como bem salienta
António Manuel Hespanha, construía situações como a do rei “Frederico o Grande, da
Prússia, [que] ao ler o livro V das Ordenações, teria perguntado se, em Portugal, ainda havia
gente viva”. (HESPANHA, 1998. p. 273)
É bem verdade que Pinho da Costa também enfatizava que fosse justo “castigar os que
erram” (COSTA, 1655. p. 29), ainda que fosse recomendável “perdoar as injúrias” (COSTA,
1655. p. 29). Tal conselho reproduzia aspectos importantes da teoria escolástica, como o culto
a benevolência, e que legitimavam, por exemplo, a luta pela Restauração portuguesa alguns
anos antes, por ser entendido como direito dos povos a luta contra a tirania. É para evitar esta
acusação, aliás, que Pinho da Costa recomenda a cautela no uso das penas, destacando ainda
que agir com moderação no uso das penas reproduzia a vontade de Deus. Segundo o teórico:
é tão agradável a Deus o homem piedoso que se está em graça se lhe faz nova
mercê pelo merecimento, que com ela ganha, satisfazendo também pelas penas
que deve e se está em pecado mortal inclina muito a divina Misericórdia para
lhe dar tal ajuda, que saia da culpa e venha em sua amizade. Assim o nota o
Angélico Doutor São Thomas. (COSTA, 1655. p. 30-31)
Mesmo com o perdão concedido por Correia de Sá, a Insurreição não cessou. Tal
manifestação é a prova cabal de que os revoltosos não pareciam dispostos a ceder no
movimento enquanto o governo seguisse de posse do então governador. A revolta, porém,
circunscrevia-se no Rio de Janeiro e regiões vizinhas e o objetivo posterior à proclamação de
Agostinho Barbalho por parte dos revoltosos passou a ser angariar apoio dos paulistas ao
levantamento.
Com sua autoridade enfraquecida, porém, Correia de Sá resolve atacar. Com tropas
pessoais, o governador invade o Rio de Janeiro, depõe a junta de governo e condena Jerônimo
Barbalho Bezerra, a principal liderança do movimento, à morte, acreditando que com isto
“não só conseguira quietação, mas um geral exemplo as conquistas de Vossa Majestade.”
(SÁ, 1661. p. 195-196)
É possível concluir, a luz dos debates políticos presentes em Portugal naquele período,
que Correia de Sá interpretasse, tal qual os pensadores mais associados ao pragmatismo, que o
castigo fosse à forma mais eficiente de conter movimentos persistentes de insatisfação.
Poucos anos depois, Sebastião César de Meneses demonstraria a difusão deste pensamento em
Portugal “em 1666, no livro Sugillatio Ingratitudinis (no qual) aponta a submissão dos
súditos como pilar fundamental para a manutenção do bem comum” (XAVIER, 1998. p.
133)
Antônio Caetano afirma que tal postura mostrava que “a coroa portuguesa reconhecia
a superioridade destes homens para a manutenção do mundo ultramarino português”
(CAETANO, 2009. p. 197) Mais que isto, que D. Luísa, ao atender os anseios dos revoltosos,
confirmava “o discurso de teólogos medievais de que residia no povo à salvaguarda do poder
real.” (CAETANO, 2009. p. 197) No entanto, não podemos desprezar que o mesmo considera
que o perdão promulgado durante o processo de negociação era mero expediente para ganhar
tempo na repressão ao movimento.
A discordância desta conclusão se manifesta ao perceber a recusa da Coroa em apoiar
a ação do governador, afastando-o do cargo logo em seguida. Mais que um blefe de Salvador
Correia de Sá, o perdão parece ter sido também uma tentativa de resolver as disputas sem
recorrer ao uso da força, afinal de contas é improvável que o governador desconhecesse que o
uso da força não gozaria de prestígio na Corte.
Referências bibliográficas
BOXER, Charles. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686. São Paulo:
EDUSP, 1973.
CAETANO, Antônio Filipe Pereira. Entre a Sombra e o Sol: A Revolta da Cachaça e a crise
política fluminense (Rio de Janeiro, 1640-1667). Maceió, Gráfica. 2009.
COSTA, Antônio de Pinho da. A verdadeira nobreza. Lisboa: Officina Craesbeeckiana, 1655
HESPANHA, António Manuel. “Disciplina e punição”. In: MATTOSO, José (org). História
de Portugal: O Antigo Regime. 4º vol. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.
“Notícia de um motim no Rio de Janeiro enviado à rainha regente, D. Luísa de Gusmão por
Salvador Correia de Sá. Rio de Janeiro, 10 de Abril de 1661.” Arquivo Nacional da Torre do
Tombo. Códice 10563/83. p.195-196
XAVIER, Ângela Barreto. “El Rei aonde póde, & não aonde quer...” Razões da política no
Portugal seiscentista. Lisboa: Colibri, 1998.