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Boa Ventura de Sousa Santos
Boa Ventura de Sousa Santos
DFCH
Objetivo do livro: “O presente livro parte da ideia de que vivemos uma fase de transição
paradigmática e procura definir o perfil teórico e sociológico daa forma de conhecimento que,
nesta fase, transporta os sentidos emergentes do paradigma da ciência pós-modernas. Com este
objetivo submete a uma crítica sistemática as correntes dominantes de reflexão epistemológica
sobre a ciência moderna, recorrendo para isso, a uma dupla hermenêutica: da suspeição e da
recuperação. ” (p.11)
“Em suma, a subjetividade social é cada vez mais o produto da objetificação científica. A
hermenêutica sociológica das condições de produção e apropriação do conhecimento é assim,
indispensável para saber como se constituem e distribuem socialmente os sujeitos sociais e seus
objetivos e, portanto, como se desenrolam os processos de potenciação e de degradação da
subjetividade social. ” (p.15)
Da Dogmatização à Desdogmatização da Ciência Moderna
Boa Ventura chama atenção para dois tipos de crises existentes na ciência: a crise de crescimento
e a crise de degenerescência.
Crise de crescimento: “As cries de crescimento tem lugar ao nível da matriz disciplinar de um
dado tramo da ciência, isto é, revelam-se na insatisfação perante métodos ou conceitos básicos
até então usados sem qualquer contestação na disciplina, insatisfação que, aliás, decorre da
existência, ainda que por vezes apenas pressentida, de alternativas viáveis. Nos períodos de
crises deste tipo, a reflexão epistemológica é a consciência teórica da pujança da disciplina em
mutação e, por isso, é enviesada no sentido de afirmar e dramatizar a autonomia do
conhecimento científico em relação as demais formas e práticas de conhecimento”. (p.18)
Crises de degenerescência: “São crises do paradigma, crises que atravessam todas as disciplinas,
ainda que de modo desigual, e que as atravessam a um nível mais profundo. Nestas crises que
são de ocorrência rara, a reflexão epistemológica é a consciência teórica da precariedade das
construções assentes no paradigma em crise e, por isso, tende a ser enviesada no sentido de
considerar o conhecimento científico como uma prática de saber entre outras, e não
necessariamente a melhor. (p.18)
Tendo feito essas definições Boa Ventura é levado a questionar se estamos passando por qual
das duas, pelo que, toma partido da última, aliás, segundo o autor, já defendida em outras obras:
“A crise da ciência é, assim, também a crise da epistemologia. ”
Dogmatização da ciência: “Tem seu apogeu com o positivismo, isto é, uma concepção de ciência
que vê nesta o aparelho privilegiado da representação do mundo, em outros fundamentos que
não as proposições básicas sobre a coincidência entre a linguagem unívoca da ciência e a
experiência ou observação imediatas, sem outros limites que não os que resultam do estágio do
desenvolvimento dos instrumentos experimentais ou lógico-dedutivos. ” (p.22)
Contudo, afirma o autor, ao mesmo tempo em que a ciência se dogmatiza, nasce um movimento
no sentido contrário, ou seja, o de desdogmatização, esse é dividido em 3 vertentes:
Em que se baseia o senso comum: “O senso comum é um “conhecimento” evidente que pensa
o que existe tal como existe e cuja a função é a de reconciliar a todo custo a consciência comum
consigo mesma. É pois, um pensamento necessariamente fixista e conservador. ”
Como se constitui a ciência: “A ciência, para se constituir, tem que romper com essas evidências
e com o “código de leitura” do real que que elas constituem; tem nas palavras de Sedas Nunes,
de “inventar um novo código” – o que significa que, recusando e contestando o mundo dos
objetos do senso comum (ou da ideologia), tem de constituir um novo ‘universo conceptual’, ou
seja: todo um corpo de novos ‘objetos’ e de novas relações entre ‘objetos’, todo um sistema de
novos conceitos e de relações entre conceitos” (p.32)
Reencontro da ciência com o senso comum: “Essa concepção pode ser formulada do seguinte
modo: uma vez feita a ruptura epistemológica, o ato epistemológico mais importante é a ruptura
com a ruptura epistemológica. O senso comum, enquanto conceito filosófico, surge no século
XVIII e representa o combate ideológico da burguesia emergente contra o irracionalismo do
ancien regime. Trata-se, pois, de um senso que se pretende natural, razoável, prudente, um
senso que é burguês, e que, por uma dupla implicação, se converte em senso médio e em senso
universal. “{...} (p.36)
“Se o senso comum é o menor denominador comum daquilo em que um grupo ou um povo
coletivamente acredita, ele tem por isso, uma vocação solidarista e transclassista. [...] porém
opô-lo a essas razões à ciência como quem opõe as trevas a luz, não faz sentido hoje por muitas
razões:
1° - “Se é certo que o senso comum é o modo como os grupos ou classes subordinados vivem a
sua subordinação, não é menos verdade que como indicam os estudos sobre as subculturas,
essa vivência, longe de ser acomodática, contém sentidos de resistência, que dadas as
condições, podem desenvolver-se e transformar-se em armas de luta.”
3° - “não é correto ter do senso comum uma concepção fixista. O seu caráter ilusório, superficial
ou preconceituoso pode ser mais ou menos acentuado, tudo dependendo do conjunto das
relações sociais cujo sentido ele procura restituir.”
4° - “A oposição ciência/senso comum não pode equivaler a uma oposição luz/trevas, a ciência,
como hoje se conhece e se verá adiante, nunca se livre totalmente deles, como por outro lado,
a própria ciência vem reconhecendo que há preconceitos e preconceitos e que, por isso, é
simplista avalia-los negativamente” (p.37-38)
Dupla Ruptura epistemológica: “De fato, a amplitude e a diversidade das redes de comunicação
que é hoje possível de estabelecer deixam no ar a expectativa de um aumento generalizado da
competência comunicativa. Sucede, contudo, que, entregue a sua própria hegemonia, a ciência
que cria a expectativa é também a que frustra. Daí a necessidade da dupla ruptura
epistemológica que permita destruir a hegemonia da ciência moderna sem perder as
expectativas que ela gera. [...] a dupla ruptura epistemológica é o modo operatório da
hermenêutica da epistemologia. Desconstrói a ciência, inserindo numa totalidade que a
transcende. Uma desconstrução que não é ingênua nem indiscriminada porque se orienta para
garantir a emancipação e a criatividade da existência individual e social, valores que só a ciencia
pode realizar, mas que não pode realizar enquanto ciência” (p.42)