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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

DFCH

Disciplina: Epistemologia das ciências Sociais

Professora: Marcela Pessoa

Discente: Marcos Carvalho Pacheco

Fichamento “Introdução à uma ciência pós-moderna” – Boa Ventura de Souza Santos.

Objetivo do livro: “O presente livro parte da ideia de que vivemos uma fase de transição
paradigmática e procura definir o perfil teórico e sociológico daa forma de conhecimento que,
nesta fase, transporta os sentidos emergentes do paradigma da ciência pós-modernas. Com este
objetivo submete a uma crítica sistemática as correntes dominantes de reflexão epistemológica
sobre a ciência moderna, recorrendo para isso, a uma dupla hermenêutica: da suspeição e da
recuperação. ” (p.11)

“A reflexão hermenêutica torna-se, assim, necessária para transformar a ciência, de um objeto


estranho, distante e incomensurável com a nossa vida, num objeto familiar e próximo, que, não
falando a língua de todos os dias, é capaz de nos comunicar as suas valências e os seus limites,
os seus objetivos e o que realiza aquém e além deles, um objeto que, por falar, será mais
adequadamente numa relação eu-tu (a relação hermenêutica) do que uma relação eu-coisa (a
relação epistemológica) e que, nessa medida, se transforma num parceiro da contemplação e
transformação do mundo”. (p.13)

“O círculo hermenêutico cumpre-se, desconstruindo um-a-um os diferentes objetos teóricos


que a ciência constrói sobre sí própria e, com eles, as diferentes imagens que dá de sí, a fim de
tornar compreensível porque razão foram construídos esses objetos e não outros, essas imagens
e não outras. ” (p.13)

A hermenêutica e sua aplicabilidade às ciências sociais: “tornar compreensível o que as ciências


sociais são na sociedade e o que elas dizem sobre a sociedade. E porque o conhecimento-social
é hoje um elemento constitutivo, tão íntimo quanto ignorado, do nosso dasein social, a
compreensão hermenêutica das ciências sociais é, em sentido preciso, a auto compreensão do
nosso estar no mundo técnico científico contemporâneo” (p.14)

“Em suma, a subjetividade social é cada vez mais o produto da objetificação científica. A
hermenêutica sociológica das condições de produção e apropriação do conhecimento é assim,
indispensável para saber como se constituem e distribuem socialmente os sujeitos sociais e seus
objetivos e, portanto, como se desenrolam os processos de potenciação e de degradação da
subjetividade social. ” (p.15)
Da Dogmatização à Desdogmatização da Ciência Moderna

Boa Ventura chama atenção para dois tipos de crises existentes na ciência: a crise de crescimento
e a crise de degenerescência.

Crise de crescimento: “As cries de crescimento tem lugar ao nível da matriz disciplinar de um
dado tramo da ciência, isto é, revelam-se na insatisfação perante métodos ou conceitos básicos
até então usados sem qualquer contestação na disciplina, insatisfação que, aliás, decorre da
existência, ainda que por vezes apenas pressentida, de alternativas viáveis. Nos períodos de
crises deste tipo, a reflexão epistemológica é a consciência teórica da pujança da disciplina em
mutação e, por isso, é enviesada no sentido de afirmar e dramatizar a autonomia do
conhecimento científico em relação as demais formas e práticas de conhecimento”. (p.18)

Crises de degenerescência: “São crises do paradigma, crises que atravessam todas as disciplinas,
ainda que de modo desigual, e que as atravessam a um nível mais profundo. Nestas crises que
são de ocorrência rara, a reflexão epistemológica é a consciência teórica da precariedade das
construções assentes no paradigma em crise e, por isso, tende a ser enviesada no sentido de
considerar o conhecimento científico como uma prática de saber entre outras, e não
necessariamente a melhor. (p.18)

Tendo feito essas definições Boa Ventura é levado a questionar se estamos passando por qual
das duas, pelo que, toma partido da última, aliás, segundo o autor, já defendida em outras obras:
“A crise da ciência é, assim, também a crise da epistemologia. ”

Dogmatização da ciência: “Tem seu apogeu com o positivismo, isto é, uma concepção de ciência
que vê nesta o aparelho privilegiado da representação do mundo, em outros fundamentos que
não as proposições básicas sobre a coincidência entre a linguagem unívoca da ciência e a
experiência ou observação imediatas, sem outros limites que não os que resultam do estágio do
desenvolvimento dos instrumentos experimentais ou lógico-dedutivos. ” (p.22)

Contudo, afirma o autor, ao mesmo tempo em que a ciência se dogmatiza, nasce um movimento
no sentido contrário, ou seja, o de desdogmatização, esse é dividido em 3 vertentes:

1° vertente, círculo de Viena: “...um dos debates no interior do círculo é de saber se as


proposições básicas têm um estatuto de cientificidade diferente do conhecimento científico que
pretendem fundar. Depois, é a defecção de Wittgenstein, a sua autocrítica em Philosophische
Untersuchungen (1971), e a sua luta contra a tentação de procurar na linguagem um
fundamento absoluto do conhecimento. Por último, é a modéstia do projeto epistemológico de
K. Popper (1968), ao estabelecer, como condição lógica das proposições científicas, a
falsificabilidade, e não verificabilidade, como antes era pretendido pelo círculo de Viena. ”

2° vertente: “A segunda vertente do movimento de desdogmatização da ciência reside na


reflexão sobre a prática científica, tendo esta decorrido de dois fatores: Em primeiro lugar, a
frustração a que conduziram sucessivas tentativas para encontrar os primeiros princípios
fundadores da ciência; em segundo lugar, a necessidade prática de dar respostas às questões de
conceptualização e de métodos suscitadas a cada passo pelo congresso vertiginoso das várias
disciplinas científicas a partir de finais do século XIX. [...] trata-se pois de uma reflexão que
procede pela intimidade com os processos concretos de produção de ciência, analisando-os no
que contribuem para fazer avançar ou bloquear a ciência, sem cuidar de saber se constituem
“desvios” a uma qualquer normatividade científica abstrata e hipostasiada. São representantes
dessa vertente: Ernrt Mach, Duhem, Poincaré, Einstein, Heisemberg, Godel, Bohr, V.
Bertalannfy, V. Weizacker, Wigner, Thom, Bateson, Monod, Piaget, Prigogine, etc.” (p.24)

3° vertente: “É caracterizadamente filosófica. Vem de várias direções mas converge numa


reflexão filosófica que não partilha o fetichismo do conhecimento científico e que se desenvolve
mediante categorias não subsidiárias da epistemologia e que, por isso, submete a ciência, não
ao tribunal da razão, como queria a filosofia transcendental de Kant, mas ao tribunal do devir
histórico do homem no mundo. O precursor sem dúvidas é Hegel, Wittgenstein, Heidgger e
Dewey. O pensamento desses filósofos está presente nas três reflexões mais brilhantes das
ultimas décadas sobre as relações entre ciência e filosofia: Habermas (1971; 1982), Gadamer
(1965; 19983) e Rorty (1980)” (p.25)

Ciência e Senso comum

1 – Ruptura: A primeira ruptura epistemológica:

Em que se baseia o senso comum: “O senso comum é um “conhecimento” evidente que pensa
o que existe tal como existe e cuja a função é a de reconciliar a todo custo a consciência comum
consigo mesma. É pois, um pensamento necessariamente fixista e conservador. ”

Como se constitui a ciência: “A ciência, para se constituir, tem que romper com essas evidências
e com o “código de leitura” do real que que elas constituem; tem nas palavras de Sedas Nunes,
de “inventar um novo código” – o que significa que, recusando e contestando o mundo dos
objetos do senso comum (ou da ideologia), tem de constituir um novo ‘universo conceptual’, ou
seja: todo um corpo de novos ‘objetos’ e de novas relações entre ‘objetos’, todo um sistema de
novos conceitos e de relações entre conceitos” (p.32)

Vigilância Epistemológica: ”O êxito da vigilância epistemológica é talvez mais problemático no


domínio das ciências sociais, mas Bourdieu considera que é possível, desde que a comunidade
científica se organize de modo a maximizar a comunicação livre entre os cientistas e o controle
cruzado dos resultados de suas investigações (1968: 109 e segs). É por isso que a sociologia da
sociologia é um instrumento indispensável do método sociológico e que todas as proposições
que a sociologia enuncia podem e devem aplicar-se ao sujeito que faz ciência” (p.33)

2 – Reencontro: a segunda ruptura epistemológica:

Reencontro da ciência com o senso comum: “Essa concepção pode ser formulada do seguinte
modo: uma vez feita a ruptura epistemológica, o ato epistemológico mais importante é a ruptura
com a ruptura epistemológica. O senso comum, enquanto conceito filosófico, surge no século
XVIII e representa o combate ideológico da burguesia emergente contra o irracionalismo do
ancien regime. Trata-se, pois, de um senso que se pretende natural, razoável, prudente, um
senso que é burguês, e que, por uma dupla implicação, se converte em senso médio e em senso
universal. “{...} (p.36)

“Se o senso comum é o menor denominador comum daquilo em que um grupo ou um povo
coletivamente acredita, ele tem por isso, uma vocação solidarista e transclassista. [...] porém
opô-lo a essas razões à ciência como quem opõe as trevas a luz, não faz sentido hoje por muitas
razões:

1° - “Se é certo que o senso comum é o modo como os grupos ou classes subordinados vivem a
sua subordinação, não é menos verdade que como indicam os estudos sobre as subculturas,
essa vivência, longe de ser acomodática, contém sentidos de resistência, que dadas as
condições, podem desenvolver-se e transformar-se em armas de luta.”

2° - “Mesmo não considerando que a função principal do senso comum é reconciliar a


consciência social com o que existe, o mesmo viés conservador tem sido assinalado em muitas
teorias científicas, e a sua eficácia social, porque caucionada pelo paradigma e pelo poder
institucional, tem sido muito superior.”

3° - “não é correto ter do senso comum uma concepção fixista. O seu caráter ilusório, superficial
ou preconceituoso pode ser mais ou menos acentuado, tudo dependendo do conjunto das
relações sociais cujo sentido ele procura restituir.”

4° - “A oposição ciência/senso comum não pode equivaler a uma oposição luz/trevas, a ciência,
como hoje se conhece e se verá adiante, nunca se livre totalmente deles, como por outro lado,
a própria ciência vem reconhecendo que há preconceitos e preconceitos e que, por isso, é
simplista avalia-los negativamente” (p.37-38)

Dupla Ruptura epistemológica: “De fato, a amplitude e a diversidade das redes de comunicação
que é hoje possível de estabelecer deixam no ar a expectativa de um aumento generalizado da
competência comunicativa. Sucede, contudo, que, entregue a sua própria hegemonia, a ciência
que cria a expectativa é também a que frustra. Daí a necessidade da dupla ruptura
epistemológica que permita destruir a hegemonia da ciência moderna sem perder as
expectativas que ela gera. [...] a dupla ruptura epistemológica é o modo operatório da
hermenêutica da epistemologia. Desconstrói a ciência, inserindo numa totalidade que a
transcende. Uma desconstrução que não é ingênua nem indiscriminada porque se orienta para
garantir a emancipação e a criatividade da existência individual e social, valores que só a ciencia
pode realizar, mas que não pode realizar enquanto ciência” (p.42)

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