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E a Desobediência
C· I·V·I·L
María Fernanda Salcedo Repolês
Mestre em Fi'losofia (UFMG)
Doutoranda em Direito (UFMGl
Professora do Centro Universitário lzabela Hendrix
E a Desobediência
C·I·V·I·L
Inclui Bibliografia.
ISBN: 85-87054-004-2
CDU: 340.1 11 .5
340.12
COPYRIGHT © 2003 BY
IMPRESSO NO BRASIL
PR/NTED IN BRAZIL
À minha avó Carmelita Passos Repolês (in memoriam)
por ser símbolo de fé, de força, coragem,
por representar o meu passado,
meu presente e meu futuro,
por me ensinar de onde venho.
AGRADECIMENTOS
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
1 O QUE É DESOBEDIÊNCIA CIVIL?
1 Tradução Livre para o português do original em inglês: "Unjust /aws exist: sha/I we
be conrenr to obey them, or slla/I we endeavor to amend rhem ar once? Men
generally. under suc/1 a government as this, thi11k rhar rhey oug/11 ro watt 11nril rhey
have persuaded rhe majoriry to alter rirem. They rhink rhar, if rhey sho11/d resisr, rhe
remedy 111011/d be worse rhan rhe evil. Ir makes ir worse. Why is ir 1101 more apr to
anticipate and provide for refom1? Why does ir not cherish its wise minoriry? Why
does iJ cry and resisr before ir is /111rt? Why does ir nor encourage citizens to be 011
the alert to point 0111 irs fa11/ts, a11d do better rhan lt would have them? Why does ir
a/ways cmcify Chris1, a11d excommunicate Copernicus and Luther, a11d pro1101111ce
Washillg1011 and Franklin reheis?"
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HABERMAS E A DESOBED l ~NCIA CIVIL
2 Tradução livre para o português do original em inglês: "lf tire lnj11stice lws a spring,
or a pu//ey. ar a rape, ar a crank. exclusively for itself. tlren perlraps yau may
cansider wlretlrer tire remedy will be warse tlran tire evil; bw if it Is of such a nacure
tirar it requires yo11 to be tire agent of injustice to another, then, I say, break tire /aw.
let your life be a cow1ter friction to stop the machine. What f have to do is to see,
at any rate, that I do not /end myself to the wrang wlrich I conde11111."
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INT ROD UÇÃO
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HABERMAS E A DESOBEOl~NCIA CIVIL
3 No original em inglês, o lc.nno utilizado é 'illegal '. que na tradição jurídica anglo-saxã
lem o sentido de antijurídico. Diferentemente, na tradição jurídica romano-
germãnica, um alo ilegal não é necessnrinrnente antijurídico. Optnmos por traduzir o
termo 'illcgal' por ilegal, j~ que assim apontamos para perspectivas teóricas interes-
san1es e muito aluais a respeito da desobediêncio civil Por exemplo, o grande debate
entre constitucionalistas norte-americanos gira em lorno dos limJ1es do reconheci-
mento da desobediência civil. No caso de um tribunal se pronunciar sobre a constitu-
cionalidade da lei ou ato administrativo questionado, ainda asssim poderia aceitar-se
a ação dos desobedien1es civis como legflima? Para compreender melhor esta
discussão ver: (Oworlcin, 1996); (Fortas, 1968); (Perry, 1988); (Bedau, 1969). As
referencias comple1as a estas obras se encontram na bibliografia deste crabnlho.
4 Como veremos ao longo deste trabalho, os princípios do Estado Democrático de
Direito, embora fervilhem de idealidade, não são precisamcn1e u16picos. Tnl
idealidade tem que ser compreendida como um dos pólos da tensão permanente
entre facticidade e validade.
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INTRODUÇÃO
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HABERMAS E A DESO BEDIENCIA CI VIL
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INTRODUÇÃO
2 DELIMITAÇÃO DA HIPÓTESE
3 JUSTIFICATIVA
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HABERMAS E A DESOBEDl ~NCIA CIVI L
11 Como por exemplo as leorias do Direito Natural. Para uma análise interessante
desta perspectiva ver: (Larenz, 1983).
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INTRODUÇÃO
12 Habermas discute que a tensão entre facticidade e validade já está presente mesmo
no contexto dessas teorias. por isso. o caráter descritivo não passa de uma
pretensão. Senão lembremos de Durkheim como exemplo dessa teoria sociológica
clássica que reivindica a objetividade e o caráter descritivo. Para este autor a
sociologia teria o papei de construção de uma sociedade melhor. Ou seja, será que
tal sociologia descreve um real ou será que ela na verdade age de forma a justificar
um determlnado modelo de sociedade? Ou ainda, podemos pensar no positivismo
e no papel legitimador que teve.
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INTRODUÇÃO
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4 CONTEXTUALIZAÇÃO
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INTRODUÇÃO
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INTRO DUÇÃO
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HAOERMAS E A DESOBEDl~NCIA CIVIL
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INTRODUÇÃO
5 METODOLOGIA
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INTRODUÇÃO
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INTRO DUÇÃO
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questão que se coloca é que o centro, tendo uma ligação com o poder
administrativo, em função da necessidade de tomada e implementa-
ção de decisões, tende a se afastar da periferia, de fonna a simplificar
os seus processos e tomar-se mais eficaz. Contudo, esse afastamento
gera uma crise de legitimidade, porque significa o afastamento tam-
bém do potencial do poder comunicativo. Em última instância, há,
igualmente, uma crise de eficácia, pois o centro - sem manter a
conexão com a periferia - toma decisões que não conseguem dar uma
resposta aos problemas de seu público alvo, que é a própria periferia.
Daf que, a partir do Direito, sejam institucionalizadas fonnas de
resolução de confütos dentro do sistema político que atendem à
necessidade de manutenção da conexão entre poder administrativo e
poder comunicativo, e entre centro e periferia. Dentre esses modos de
resolução de conflitos, há aqueles que Habennas chama de modos
"extraordinários"; entre eles, a Desobediência Civil.
O papel da Desobediência Civil no Estado Democrático de
Direito é o de medida extrema utilizada para pôr em evidência uma
situação de crise, isto é, de déficit de legitimidade, resultante de um
fechamento do processo decisório do centro em relação à periferia da
esfera pública. O ato de Desobediência Civil atualiza a relação do
princípio do discurso com a forma do Direito, em que este
institucionaliza juridicamente processos comunicativos que evidenci-
am os princípios basilares do Estado Democrático de Direito. A
Desobediência Civil é, por isso, direito fundamental à consolidação de
uma democracia procedimental.
Além disso, a Desobediência Civil põe em evidência a tensão
imanente entre facticidade e validade no Direito. Ela levanta a perple-
xidade de se conceber, no Estado Democrático de Direito, um orde-
namento jurídico positivo que a todo momento tem que ceder às
pressões decorrentes do déficit de legitimidade das decisões que são
tomadas. É por meio de ações de Desobediência Civil que a socieda-
de civil pode provocar, de forma mais radical, o sistema político e
questionar a legitimidade das decisões que são tomadas em seu
centro. É só pelo processo de constante construção de um Direito ao
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IN TRODUÇÃO
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Capítulo 1
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HABERMAS E A DESO BED l ~ N CIA CIVIL
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A TENSÃO IMANENTE ENTRE FACTICIDADE E VA LIDADE NO DIREITO
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HABERMAS E A DESOBEDl~NC IA CIVIL
13 Todas as expressões colocadas entre aspas são Lípicas da teoria dos sistemas. Ver:
(Corsl et al, 1996).
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A TENSÃO IMAN ENTE ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE NO DIR EITO
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A TENSÃO IMANENTE ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE NO D IREITO
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HABERMAS E A D ESOB EDl ~NCIA CIVIL
outro o que realmente pensa, que ele não está mentindo, pois cada
um quer que o outro acredite no que ele diz; 3) à correção normati-
va: eles pressupõem que o proferimento pode ser aceilo como justo,
que tem como referência normas e valores vigentes, intersubjetiva-
mente reconhecidos.
Todo contexto, isto é, toda fala que ocorre factualmente, pres-
supõe condições ideais, e é a partir delas que a fala pode ser
questionada. Isto é, falante e ouvinte visam entender-se sobre algo no
mundo, esse entendimento é um processo de obtenção de um consen-
so sobre a base pressuposta das condições de validade reconhecidas
por ambos. O consenso se constróe nos quatro nívei s: da
inteligibilidade, da verdade, da veracidade e da correção normativa.
Quando uma dessas condições fica em suspenso porque não se
atingiu um consenso sobre ela, uma das opções que falante e ouvinte
têm é de problematizar o ponto controverso passando a fazer um
exame discursivo da pretensão posta em suspenso. O sentido da
palavra Discurso na teoria de Habermas é justamente o de uso
reflexivo da razão comunicativa que permite a problematização.
Essa explicação sobre o uso da razão comunicativa nos discur-
sos e falas individuais é transposto no nível geral da organização das
sociedades modernas; elas também são estruturadas sob as bases da
linguagem cotidiana - como será explicado adiante - e é dela que
decorrem todas as interações e consensos que vão sendo formados
nessas interações. Por sua vez, tais sociedades, podem, usando suas
próprias bases, questionar os consensos nelas estabelecidos e mudã-
los. Uma tal ruptura fortalece e evidencia a tensão entre facticidade e
validade desde sempre jã presente na forma de concepção das
interações lingüístico-sociais. Daí Habermas dizer que:
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A TENSÃO IMANENTE ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE NO DIREITO
E ainda:
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HA BERMAS E A D ESOBEDl ~NCIA CIVIL
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"É nesse sentido que K.O. Apel14 vai dizer que a Filosofia
Primeira não é mais a pesquisa a respeito da natureza ou das
essênci as das coisas e dos entes (ontologia), nem tampouco a
reflexão sobre as representações ou conceitos da consciência
ou da razão (teoria do conhecimento), mas reflexão sobre a
significação ou o sentido das expressões lingüfsticas (análise da
linguagem). A superação da ingenuidade da metafísica clássica
implica, hoje, a tematização não só da mediação consciencial,
como se fez na filosofia transcendental da Modernidade en-
quanto filosofia da consciência, mas também da mediação
lingüística" (Oliveira, 1996:13-14).
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A TENSÃO IMAN ENTE ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE NO DIR EITO
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16 Este era o projeto do empirismo lógico. Ver os textos dos autores do Círculo de
Viena. (Caraap. R.. Hahn. H. e Neuralh, O., 1986)
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A TENSÃO IMANENTE ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE NO DIREITO
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17 Tradução livre do inglês "/1 still might seem 1ha1 my approach is simply, in
Sa11ss11riarr terms, a s111dy o/ "parole" rather 1lla11 "langue". I am arg11i11g,
however, tltat a11 adeq11a1e s111dy o/ speeclt acts is a st11dy o/ "langue" (...) Tltere are,
tlterefore, not two írreducibly distinct semantic sllldies, 011e a st11dy o/ tlte meani11gs
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A TEN SÃO IMANENTE ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE NO DI REITO
of sentences and one a study of the perfon11ances of speech acts (. ..) And for ali
these reasons a srudy of the meaning of sentences is not in principie distinct from
tlie study of speec/1 acts. Properly construed, they are tlie same study (... ) the study
of the meanings of semences a11d the s111dy of speec/1 acts are 1101 two i11dependent
studies but one st11dy from two dif!erent points of view."
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A TENSÃO IMANENTE ENTR E FACTICIDADE E VALIDADE NO DI REITO
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A TENSÃO IMANENTE ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE NO DIREITO
21 A esse respeito é ainda interessante ver a nota de pé de página que Kant foz
após esta passagem: "Se, por exemplo, se decretasse um imposto de guerra
proporcional para todos os súbditos, estes não poderiam. lá por ele ser
pesado, dü:er que é injusto, porque talvez a guerra, segundo a sua opi nião,
seria desnecessária: pois não têm competência para sobre isso julgarem; mas,
porque permanece sempre possível que ela seja inevitável e o imposto indi s-
pensável, é necessário que ela se imponha como legítima no juízo dos súbditos.
Mas se, numa tal guerra. certos proprietários fossem importunados por contri-
bulções, enquanto outros da mesma condição eram poupados, fáci l é ver que
um povo inteiro não poderia consentir em semelhante lei, e é autorizado a fazer
pelo menos protestos contra a mesma. porque não pode considerar justa a
desigual repartição de encargos."
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Capítulo 2
PROCESSO DE LEGITIMIDADE
DO DIREITO
A integração social, delineada no primeiro capítulo da obra, a
partir da tensão imanente à linguagem transposta ao Direito, é
radicalizada quando confrontada a ordens jurídicas concretas em
sociedades modernas e complexas. A questão agora é, portanto, mais
específica: como é possível a integração social em sociedades moder-
nas, com espaços de ação moralmente neutros?
Para desenvolver essa indagação, Habermas pretende fazer a
reconstrução da autocompreensão das ordens jurídicas modernas,
que parte dos direitos que co-associados jurídicos devem atribuir uns
aos outros conforme a hipótese por ele lançada:
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PROCESSO DE LEG ITIMIDADE DO D IRE ITO
21 Essa mesma tradição iníluencia em todos seus mat.izes a tradição jurídica brasileira.
que seguirá o mesmo cam inho na determinação do conceito de direito subjetivo.
Ver, nesse sentido, (Maua Machado, 1957).
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22 Sobre isso, ver o novo prefácio de Mudança Es1ru111ral da Esfera Pública , cm que
Habermas esclarece que essa distinção entre direito subJellvo e objetivo, privado e
público. garantiu um Estado Constitucional sem Democracia, na Alemanha; algo
inconcebível nos Estados Unidos.
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PROC::ESSO DE LEGITIMIDADE DO DI RE ITO
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PROCESSO DE LEGITIM IDADE DO D IRE ITO
24 Ainda sobre este ponto é possível traçar um paralelo com a Filosofia do Direito
brasileira. Ver: (Mata Machado, 1957).
25 Não cabe no contexto desta obra aprofundarmos mais sobre esse tema. Contudo,
gostaríamos apenas de apontar que o surgi mento de regimes totalitários nesse
período são um fenômeno aparte, com suas especificidades, e digno de um novo
livro. Nosso camlnho se concentra nas tradições político-filosóficas das democra-
cias de massa ocidentais. ·
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PROCESSO DE LEGITIMIDADE DO DIREITO
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certo, mas porque não quero que ajam assim contra mim. A visão de
Kant é contrária à de Hobbes porque, como ele próprio define (Kant,
1995: 57 et seq. ), a Constituição não pode ser tratada como um
instrumento de direito privado. Ela é, na verdade, instauradora de uma
ordem de cooperação entre sujeitos, sendo um fim em si mesma. Por
isso ela se funda no direito público e não no direito privado.
A partir dessas críticas é possível concluir que a autonomia
pública e a autonomia privada são definidas por Kant da perspectiva
moral porque, para ele, leis públicas aspiram legitimidade pela vonta-
de permanente de co-associados livres e iguais. As leis públicas
asseguram os direitos subjetivos numa perspectiva moral em que
todos atribuem reciprocamente esses direitos. O que garante a reci-
procidade é a universalidade da lei que compatibiliza as liberdades
subjetivas. Em termos contemporâneos, dir-se-ia que é a semântica
da lei uni versal que garante a reciprocidade porque compatibiliza as
liberdades de todos.
E agir moralmente quer dizer, em termos kantianos, agir confor-
me o dever. A diferença, para Kant, entre Direito e Moral se faz pelo
critério forma l da conformação da obrigação que cada um estabelece.
A moral se guia por uma boa vontade que é boa porque não está
submetida a nenhum parâmetro exterior, com vista a fins ou interesses.
Só o critério interno do dever é capaz de motivar uma boa vontade a
agir. Por isso, agir moralmente não é apenas constatar a coerência da
minha ação com o dever, mas também cumprir a norma movido
internamente apenas pelo dever.
Já, agir juridicamente, conforme à legalidade, requer apenas
que minha ação se mostre coerente com as leis, não importando se fui
compelido a seguir a norma por motivos externos de interesse ou fins,
ou se o que me motivou foi o dever. Daí a classificação da ação moral
como autônoma e da jurídica como heterônoma (Kant, s/d 1788).
26 " Do not that to another, which tirou wouldest not have done to thy selfe" (Não faça
ao outro aquilo que você não gostaria que fizessem com você).
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27 O liberalismo político remonta à tradição lockeana, seguindo por Kant, e boje John
Rawls. Ronald Dworkin, Robert Nozick.
28 O republicanismo remonta à tradição aristotélica e ao humanismo cívico renascen-
tista. acentando-se em Rousseau, em determinado aspecto, Hegel, e hoje, Charles
Taylor, Mac lntyre, Michael Waltzer.
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barreira. Por outro lado, tais direitos não podem ser instrumentaliza-
dos como requisitos funcionais para se atingir objetivos legislativos
estabelecidos na comunidade política.
A concepção liberal prioriza a esfera privada da propriedade e
da vida do indivíduo como espaço de realização da liberdade, garan-
tida por um sistema de direitos naturais devidos a todo ser humano em
virtude de sua humanidade, sustentados pela coerção autorizada, e
legitimados antes de sua diferenciação como direito positivo, na base
de princípios morais, e, portanto, independentes da autonomia políti-
ca, que só é posteriormente estabelecida no contrato social. Já o
republicanismo prioriza a esfera pública como único espaço possível
de realização do ser humano, na medida em que esse é parte integran-
te de uma comunidade política que se apropria conscientemente de
sua tradição e corresponde à vontade ético-política de uma coleti vi-
dade auto-atualizada.
A Teoria do Discurso reconhece o aporte de' cada uma dessas
tradições para o pensamento político contemporâneo; a teoria repu-
blicana nos ensina que o processo de auto-consciência é feito por
meio da solidariedade obedecendo a estruturas de comunicação
pública e ao diálogo envolvendo questões de valor; seu legado é, pois,
a discursividade. A tradição liberal nos mostra uma característica
fundamental do direito moderno que é a formalização e a procedi men-
talização.
A Teoria do Discurso quer recuperar tais aspectos de cada
uma dessas tradições, só que construindo um conceito de democracia
mais forte do que o conceito liberal, que reduz a democracia a um
mero jogo em que se quer tirar vantagens, levando em consideração a
pluralidade de éticas, valores e interesses; e um conceito de democra-
cia mais fraco que o da tradição republicana, em que não seja
necessário pressupor um bloco ético monolítico. Assim, a discussão
pública não se reduziria a um processo hermenêutico de auto-esclare-
cimento, como no republicanismo, e nem a razoabilidade dos proces-
sos polfticos poderia ser imposta externamente, como no liberalismo.
A proposta para trabalhar a Desobediência Civil a partir da
tensão do Direito entre facticidade e validade exige que se retome
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31 É chamado de princípio D.
32 Ver capítulo primeiro desta obra.
33 "Nas minhas pesquisas sobre élica do discurso, publicadas até o momento, não há
uma distinção satisfatória enlre principio moral e princípio do di scu rso"
(Habermas, 1997-1 : 1, 143).
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35 Note-se que uma tal teoria se contrapõe às teorias contratualistas modernas que
baseiam a validade das normas cm um ato de vontade. isto é. no contrato social.
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5 CO-ORIGINALIDADE E COMPLEMENTARIDADE
ENTRE MORAL E DIREITO
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Por outro lado, dizer que Direito e moraJ são distintos não
implica em dizer que eles sejam excludentes, assim, é necessário
esclarecer a relação de complementaridade entre ambos.
O Direito possui um caráter funcional que a moral não tem,
porque aquele requer a tomada de decisõe~ e a implementação das
mesmas em um nível institucional. Essa necessidade de chegar a uma
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38 Vale fazer um parênlese para explicar que a idéia de Direito, constituído pela
tensão entre facticidade e validade, vale dizer, entre imposição de suas normas e
pretensão de legitimidade das mesmas, e que toma possível compreender a relação
de moral e Direito como equiprimordiais. é defendida em Direito e Democraô"
entre facticidade e validade. A posição de Habermas sobre o Direito em obras
anteriores difere bastante. Em Teoria do agir comunicativo , em que ele trabalha
com a idéia de ·comunidade ideal de comunicação' . a explicação do que seja
Direito pode levar a uma interpretação com base cm uma dualidade platônica
entre ideal e real: ora o Direito se apresentaria como ação comunicativa, ora,
como sistema.
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39 Tradução livre do inglês: '' ... rhe rmiry o/ praclical reason ca11 be realized in a11
1111eq11ivocal manner 011ly 111ithi11 a rumvork of public f orms o/ com1111111icatio11 a11d
practices ln which the conditions of rational collective will formation /iave taken 011
concrete institucional fom1s".
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PROCESSO DE LEGITIMIDA DE DO DIREITO
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Capítulo 3
A DESOBEDIÊNCIA CIVIL
REDEFINIDA NO PARADIGMA DO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Nos capítulos primejro e segundo reconstruimos as bases da
Teoria do Discurso de Habermas e discutimos o processo de legitimi-
dade do Direito. Tendo feito esse fechamento a partir da questão da
validade do Direito, poderemos concluir que toda lei é questionável
porque democraticamente elaborada, sendo que esta elaboração se
dá a partir da inerente tensão ao Direito entre a construção do
sentimento de co-autoria e a conformação a procedimentos institucio-
nalizados.
Neste capítulo iremos aprofundar nessa perspectiva para com-
provar que a desoberuência civil, redefi nida no paradigma do Estado
Democrático de Direito, pode ser justificada dentro do marco do
próprio Direito. E mais, o tema da desobediência civil é capaz de
evidenciar a tensão permanente entre facticidade e validade presente
no Direito, demonstrando assim que o pararugma do Estado Demo-
crático de Direito é um projeto inacabado, pressupõe um processo
constante de aprenruzado e está em continua reestruturação. ·
Com o fim de comprovar tal hipótese, formulada desde a
introdução desta obra, começaremos o capítulo ruscutindo mais a
fundo o princípio da democracia e a instauração do processo legisla-
tivo, dando ênfase ao conceito de fonnação discursiva da vontade e à
institucionalização das condições de instauração do Direito.
Aprofundaremos no processo de constituição do sistema de direitos,
regulado pelo princípio da democracia, por meio da institucionaliza-
ção do processo legislativo. Depois adentraremos a relação entre
Direito e Política, delineada a partir de um modelo de circulação do
poder polfti.co adequado ao paradigma do Estado Democrático de
Direito, assim legitimado. Aprofundaremos no processo de legitimida-
de do poder político demonstrando, primeiro, a comunicação entre
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HABERMAS E A DESOBEDI ENCIA CIVIL
1 O PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA E A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO
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A DESOBEDl ~NCIA CIVIL REDEFINIDA NO PARADI GMA DO ESTADO ...
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HABERM AS E A DESOBEDl~NCIA CIVIL
42 Habermas alerta que esses passos teóricos se fazem à maneira de um artifício. parn
conseguir explicar a gênese lógica dos direitos fundamentais. "Ninguém é capaz de
lançar mão de um sistema de direitos no singular, sem apoiar-se em interpretações
já elaboradas na história" (Habermas, 1997-1: 1, 166) A gênese lógica é, pois,
apoiada em uma reconstrução dos 200 anos de história constitucional, que fornece
modelos e princípios para La!.
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A DESOBEDl~NCIA CIVIL REDEFINIDA NO PARADIGMA DO ESTADO ...
44 No Brasil, a nossa Constituição elenca muitos desses direitos no arl. 5º. Por
exemplo: arl 5º, caput "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, gara11ti11do-se oos brasileiros e aos estra11geiros residen-
tes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes". An 5º, IV "é livre a manifes-
tação do pensamento, sendo vedado o anonimato" ou art. 5°, VI "é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida. na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias" (Brasil. 1998).
45 Ver na Constituição o seguinte exemplo do arL 14, caput "A soberania popular
será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos." (Brasil. 1998).
46 Ver a nossa Consliluição como exemplo da primeira: art.5º, LXVID " conceder-se-
á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder" E do
segundo: art.5º, XXXV "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito" (Brasil, 1998).
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A DESOBEDIÊNCIA CIVIL REDEF INIDA NO PARADIGMA DO ESTADO ...
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Conclusões
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CONCLUSÕES
Assim, não basta que uma lei ou ato administrativo sejam produzidos
conforme os processos oficiais do poder admjnistrativo. Esses pro-
cessos têm que manter uma conexão com o poder comunicativo
gerado em outros níveis da esfera pública política para realmente
produzirem Direito.
Adicionalmente, a Desobediência Civil evidencia a tensão ex-
terna entre facticidade e validade no Direito, na medida em que coloca
a Constituição e os princípios do Estado Democrático de Direito nela
enunciados frente a frente com a realidade política e as forças históri-
cas e circunstanciais, de um lado, de um poder administrativo que
tende a se fechar e agir contra esse princípios, e, de outro, de uma
sociedade civil inerte. Dessa forma, os desobedientes civis
propugnam de maneira contrafactual a necessidade de se construir o
Estado Democrático de Direito e de se implementar a Constituição no
nível das práúcas cotidianas.
Por isso, a Desobediência Civil é mecanismo juríruco efetivo
que possibilita a atuaJização dos conteúdos normativos do Estado
Democrático de Direito, contrapondo à tendência de fechamento e
"cegueira" dos centros de decisão e elaboração de políticas púbUcas e
de leis.
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Bibliografia
Obras de Habermas
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Bibliografia secundária
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