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Embora todo mundo que consiga viver bem disso ou tenha essa

atividade como hobby pareça querer deixar nas entrelinhas o


contrário, dizendo que ama escrever e que as palavras são sua vida,
não seja tolo e não se engane: escrever é uma atividade difícil que
exige esforço e sacrifícios. Não importa se se trata de escrever um
post de blog sobre sua vida cotidiana, uma resenha de livro, uma
matéria de jornal, um artigo científico ou um livro de ficção, você vai
precisar passar boas horas sentado na frente de um computador
martelando uma matéria bruta que nem sabe muito bem de onde
vem.

Você sabe que aquelas palavras que se seguem umas às outras saem
de sua cabeça, mas não tem o menor controle de como e em que
ordem elas brotam. Você pode até saber o que quer dizer desde o
início, no entanto a materialização desta vontade e conhecimento na
forma textual nunca é tão simples quanto se imagina. Enquanto
idealização, dentro de nossas mentes, o texto parece sempre
agradável, há algum processo que ocorre em nosso cérebro que nos
dá uma visão geral de todos os nossos pensamentos e os organiza de
forma coerente. Porém a partir da primeira palavra escrita toda a
coerência que existia desmorona, a linguagem materializada opera
uma magia negra em que pepitas de ouro se transformam em pedras
sem qualquer valor. Algumas ideias deixam de soarem tão boas
quando você leva em conta o interlocutor e as palavras são tão
abundantes que parecem impossíveis de serem domadas.

Esse é um dos aspectos de qualquer atividade e não foge à escrita: é


uma atividade muito maçante. Não há glamour quando o escritor está
de frente com o seu objeto de trabalho. Serão tardes, manhãs e
noites cansativas batendo no teclado, criando paixão e ao mesmo
tempo desgosto por aquilo que você mesmo produziu. Quando tudo
parecer finalizado você vai questionar o resultado final e voltar ao
material dezenas e dezenas de vezes, reescrevendo pedaço por
pedaço cada folha e no fim irá fazer isso por incontáveis vezes. Por
anos você vai precisar sacrificar horas precisas do seu dia para
desenvolver alguma técnica para enlaçar a palavra certa e encaixá-la
na sequência que soa melhor. A fadiga cerebral de tal ação é tão
grande que é como se você tivesse de fato passado o dia todo
realizando uma atividade física.

Há outro aspecto da escrita que não sei se existe em outras


atividades com o mesmo impacto: ler é tão importante quanto
escrever. Observar como outros autores aprenderam a montar no
vocabulário, eliminar regras gramaticais absurdas ou se submeter à
sua ordem holística é tão efetivo quanto passar horas escrevendo.
Acho que mais do que isso, um escritor que não leu muito será
incapaz de se comunicar com seus possíveis leitores. Escrever é, de
certa maneira, se inserir numa comunidade que engloba os vivos e os
mortos.

Assim como toda comunidade a escrita tem suas tradições e seus


tabus. Existem aqueles que os desafiam radicalmente, mas
pouquíssimos, tais quais Mallarmé e Burroughs, sobrevivem ao feito.
A maioria desses rebeldes morre no anonimato ou chegam ao
extremo do suicídio corporal depois de terem sido expurgados pelos
milicianos da literatura.

Contudo também existe um outro lado, em que escrever é uma


espécie de meditação na qual você precisa encontrar um ponto de
equilíbrio entre aquilo que você é e aquilo que o outro será capaz de
compreender. E embora (assim como a escrita) todos achem que
sabem meditar, é uma parcela muito pequena a de pessoas que
conseguem transcender a própria consciência e se manter focados.
Às vezes basta uma respiração errada e você pode sair
completamente do estado favorável para a meditação, às vezes basta
um pensamento nebuloso e aquilo que você se convencionou a
chamar de inspiração parece desvanecer.

Para escrever é preciso coragem, pois nas horas que passamos diante
do teclado só temos um inimigo: nós mesmos. Precisamos atravessar
nossas dúvidas, precisamos engolir nossas fraquezas, precisamos
superar nossas angústias e, acima de tudo, precisamos nos aceitar
como somos. E somos todos fracos e vulneráveis. É aqui que meditar
e escrever se assemelham, você vai ficar diante de si mesmo e sem
quaisquer desculpas para não se enfrentar.

Escrever, portanto, não é sentar na frente de um computador e


digitar frases, umas seguidas das outras, com alegria. Desconfie de
qualquer pessoa que disser que ama escrever. É possível amar a
literatura, mas a atividade da escrita não tem nada de prazeroso.
Escrever é um sacrifício de tempo e esforço para nos superarmos
enquanto indivíduos e atingirmos uma comunidade de leitores,
marcando assim de maneira fútil o mundo.

(Eu comecei a escrever esse texto no intuito de comemorar o


lançamento do meu novo site de escritor, porém acabou saindo isso.
Veem como a gente tem menos controle do que escreve do que
supomos?).

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