Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Dave Adams
Hilgram
Como descrevi na primeira postagem, esta série tem como objetivo desmitificar
o assunto introduzindo um pouco mais de conhecimento técnico. O primeiro
tópico a ser abordado serão os pneus. Se os seus interesses automobilísticos são
maiores do que a necessidade unidimensional de acelerar em linha reta, discutir
curvas no dinamômetro, instalar neon e colar adesivo de fixa/choraboy no
vidro, vamos aos negócios.
Peter Bromley
Automóveis, em geral, têm duas funções básicas, duas coisas que devem fazer,
não importa o preço que custem ou a aplicação para a qual foram desenvolvidos.
Eles devem transportar pessoas e coisas, e também devem se comunicar com o
condutor. O condutor pisa no acelerador, o carro acelera. O condutor pisa no
freio, o carro freia. O condutor vira o volante para a direita, o carro inicia uma
curva para a direita. O carro deve sempre se comunicar com o condutor,
respondendo às ações dele atrás do volante.
Lamborghini
Imagino que todos já tenham percebido que um carro acelera, freia, vira pra um
lado e vira pra outro, às vezes faz tudo isso ao mesmo tempo, e que alguns
carros fazem curvas melhores que outros, alguns freiam e aceleram melhor do
que outros. Por quê? Existem inúmeros aspectos a serem considerados nessa
resposta. Muitos mesmo. O que posso adiantar é que a peça mais importante no
quebra-cabeça que é a dinâmica de um carro é o pneu, sem dúvida.
UM POUCO DA QUÍMICA DOS BORRACHUDOS
Um veículo dito de solo se move e se direciona por meio de reações com o solo.
Automóveis, bicicletas, triciclos e veículos similares são considerados únicos
na maneira em que essas reações são geradas e limitadas, pois estas reações
ocorrem através da interação dos pneus com o solo. Grande parte dos assuntos
relacionados à dinâmica veicular lida com características dos pneus, como a
forma construtiva, compostos utilizados na banda de rodagem, entre
outros. Pneus são feitos de diferentes compostos de borracha, que é um
polímero, mais precisamente um elastômero.
O que significa o pneu ser composto de um elastômero? Significa que ele tem
propriedades viscoelásticas. O que significa ele ter propriedades viscoelásticas?
Significa que ele se deforma de um jeito e retorna ao seu formato original de
outro, geralmente com um atraso no retorno à forma original.
UTA
Hoje em dia se fala bastante dos pneus com baixa resistência à rolagem. O que
é isso? É um pneu que não perde tanta energia por histerese quanto os pneus
projetados mais antigamente. Quando um pneu está parado, ele tem uma
distribuição de pressão simétrica, porém, quando está rolando, devido à
compressão dos sulcos até a linha de centro do pneu e devido à extensão a partir
desta mesma linha, o pneu perde energia por histerese, o que acaba afetando a
distribuição de pressão, causando um momento contrário ao aplicado no pneu,
daí o nome de resistência à rolagem.
Maior força vertical (vertical load) à frente da linha de centro do pneu causando o momento contrário ao
movimento do pneu
Gillespie (adaptado)
OS DESLIZES
Dave Wong
Notem que a roda está apontando para uma direção e o pneu para outra. A
diferença entre a trajetória, o caminho que a roda seguiria é diferente da
trajetória que o pneu seguiria. Ao ângulo formado entre estas duas trajetórias
distintas é dado o nome de ângulo de deriva (slip angle em inglês).
Gillespie (adaptado)
Strange Vehicles
Isso acontecia com o Camaro Z28 da geração passada nos testes de frenagem.
No vídeo abaixo o pessoal da GM explica com mais detalhes e também mostram
como eles resolveram o problema.
ALGUNS NÚMEROS
Bom, pneus precisam se deformar para gerar uma reação, mas qual a
intensidade dessa reação? Quanto ele se deforma para gerá-la? Isso depende de
vários fatores, perfil do pneu, tamanho da área de contato, composto do pneu,
pressão interna, e varia de pneu para pneu, mas todos eles tem características
similares.
Milliken (adaptado)
A imagem acima ilustra uma curva de performance de um pneu, com o ângulo
de deriva em função da força lateral, para uma força vertical aplicada, no caso
1800 lb, e 31 psi de pressão interna. Se mudarmos a força vertical aplicada, a
curva muda, se mudarmos a pressão, a curva também muda. Do mesmo jeito
que pode-se colocar em um gráfico a força lateral, pode-se colocar a força de
frenagem, força de tração e outros parâmetros, como momento de auto-
alinhamento (explicarei o que é isso em outro momento).
Quando entramos forte em uma curva mas ainda assim conseguimos manter o
controle do veículo é porque estamos na fase transitória, e como pode-se
observar, haverá um momento no qual o pneu se desprenderá, e começará a
deslizar, ainda assim o pneu estará gerando força lateral, como pode-se observar
no gráfico, após 6,5° de ângulo de deriva. É por isso que fazer curvas de lado,
como em um drift, às vezes é possível. No vídeo abaixo é possível ver como os
pneus são abusados em uma situação de pista e o quanto chegam a se deformar.
Outra coisa interessante sobre a deformação dos pneus é que quanto mais
material o pneu tem, menor será o desgaste. Um exemplo, se você tem que
escolher pneus para uma corrida de longa duração e tem duas opções do mesmo
composto, um de seção 205 e um de seção 265, o de 265 vai durar mais voltas,
e, se combinado com a estratégia de combustível, vai fazer o carro parar menos,
ter menos pit stops.
OS COMPONENTES DO PNEU
Como escrevi anteriormente, pode-se plotar (colocar em um gráfico) diferentes
valores em função do ângulo de deriva, como a força lateral, força de frenagem
e força de tração. Também mencionei acima que o mecanismo de reação de um
pneu é o mesmo para todos os sentidos, ele se deforma e gera forças do mesmo
jeito tanto indo pra frente quanto indo pro lado. Pois bem, então todas as curvas
deveriam ter a mesma forma e os mesmo valores, não? Não. Acontece que,
apesar de o material do pneu se deformar e gerar reações por causa disso
independentemente do sentido, o pneu não é feito somente de borracha.
Michelin
PST
Reparem que o sentido das fibras deste cardã é diferente do guidão do vídeo
acima. Para tentar clarear um pouco mais essa questão da direção das fibras,
quando um material é tracionado, por exemplo quando estamos puxando um fio
de cobre, ele vai resistir mais do que quando sofre flexão, ou seja, quando esse
mesmo fio for dobrado. Aplicando esse raciocínio no pneu, isso quer dizer que
pneus radiais, por terem as fibras na mesma direção das forças laterais, são
menos sensíveis à mudanças de cambagem, quando comparados com pneus
diagonais (estes últimos com as fibras inclinadas em relação às forças laterais).
Todos esses diferentes componentes requerem um controle de qualidade nos
seus respectivos processos de fabricação e também no processo de fabricação
do conjunto final, o pneu. Como é comum em linhas de produção, as coisas se
parecem, mas não são iguais e saem do controle de vez em quando. Na
fabricação de pneus, se as cintas não estão simétricas, ou se a borracha não está
balanceada o pneu adquire uma conicidade, que é responsável por gerar uma
força lateral quando o pneu rola. O que isso quer dizer? Quer dizer que seu pneu
pode rolar de lado, em vez de rolar em linha reta por causa dessa conicidade,
ou seja, se este pneu for colocado no seu carro, mesmo sem você fazer nada na
direção, seu carro pode ter tendência a ir para um lado por causa dessa
conicidade do pneu.
Euro Stance
Ainda sobre as características construtivas dos pneus, pneus de perfil baixo
tendem a ter paredes e ombros mais reforçados, menos propensos à flexão, o
que resulta em menos deformações, ângulos de deriva menores. Há
desvantagens, pneus de perfil baixo não se conformam bem às ondulações das
ruas, sendo menos confortáveis e mais sensíveis à mudança em amortecedores.
Rodas maiores em conjunto com pneus de perfil baixo podem pesar mais do
que rodas menores e pneus de perfil maior, isso é ruim para a performance pois
o conjunto fica com uma inércia maior, requerendo mais torque para vencer esta
inércia. Pneus de tala menor do que as rodas ficam com as paredes esticadas,
estilo hellaflush, e terão menor deformação também (ocorre um efeito
semelhante a uma pré-carga de mola), mas existe um risco muito maior de
detalonamento (pneu se soltar da roda).
UM POUCO DE ENGENHARIA
OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS
Bonny