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Relação de Ajuda e Cuidado
Relação de Ajuda e Cuidado
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Diversos profissionais têm se debruçado para estudar o tema das relações de ajuda e
cuidado, dentre os quais, podemos citar Collins, 1996; Boff, 1999; Friesen, 2000, 2007;
Benjamin, 2002; Feldman e Miranda, 2004; Rodrigues, 2004; Silva, 2004(b); Oliveira e
Heimann, 2004; Poujol, 2006; Souza, 2007; Souza e Roldão, 2007. Este trabalho busca fazer
dialogar as disciplinas Teologia e Psicologia sobre essa temática.
Ferreira (s/d), em seu Dicionário da Língua Portuguesa, define ajuda como: dar ajuda,
auxiliar, socorrer, favorecer, facilitar, propiciar, fazer alguma coisa, prestar auxílio, socorrer-
se, prestar auxílio a si mesmo, auxiliar-se reciprocamente. O mesmo autor define cuidado
como: atenção, precaução, cautela, desvelo, encargo, responsabilidade, conta, inquietação de
espírito. Define cuidar, dentre outros significados, como: tratar, aplicar a atenção, o
pensamento, a imaginação.
Ao pensar em relações de ajuda e cuidado não se pode esquecer o aspecto de
reciprocidade e de conexão com um “outro” que o termo expressa. Isso implica, como destaca
o Dicionário 2001 do Homem Moderno (MIRANDA, 1976, p. 930), em algum sentido de
interdependência. Ninguém sai ileso de uma relação. Ninguém sai de uma relação do modo
como entrou nela, pois toda relação é movimento de conexão, onde sempre ocorrem „trocas‟
de idéias, valores, percepções, conhecimentos, energias, emoções.
Em muitos casos [porém nem sempre!], ao mesmo tempo em que o ajudador auxilia o
ajudado, ele também se torna de alguma forma ajudado. Isso não é uma regra, e nem sempre é
possível que seja assim, pois quando se estabelece uma relação de ajuda e cuidado, o ajudado
- aquele que buscou ajuda, deve ser o principal beneficiado. Porém numa relação que ocorre
em um contexto de amizade, ou no contexto familiar, não raramente há uma ajuda e um
cuidado recíprocos. Mesmo quando estas relações se dão num contexto profissional, por vezes
o profissional que cuida e ajuda, além de dar e doar os seus conhecimentos e muito de si
mesmo, também recebe do ajudado alguma ajuda em alguma área da sua vida, embora esse
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Mestre em Psicologia. Graduada em Teologia. Professora do Curso de Teologia da Faculdade Evangélica do
Paraná.
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não deve ser o objetivo2. Isso ocorre especialmente quando o profissional consegue
estabelecer com o seu ajudado, seja ele um estudante, um paciente, um cliente, um
paroquiano, uma relação do tipo pessoa a pessoa, tal como destacada por Tournier (s/d); ou do
tipo “Eu-Tu”, como fala Buber (1979), ou simplesmente uma relação que envolve
autenticamente dois sujeitos.
Quando um ser humano entra em comunicação com outro através do diálogo, ou das
diversas outras formas de comunicação não-verbal, estabelece uma relação intersubjetiva e se
constrói enquanto pessoa/sujeito ao se relacionar. Ele constrói, sobretudo, a sua identidade3,
pois ela está sempre em movimento. Isso é parte do seu modo de ser e existir. Como diz
Ciampa (1996), identidade é movimento, é metamorfose, é história, é vida. Esse processo de
construção, dentro de uma perspectiva psicológica [conforme a Psicologia Sócio-Histórica ou
Sócio-Cultural] é chamado de internalização. Vygotsky (1989, p. 63), um dos pais da
Psicologia Sócio-Histórica, assim se refere ao processo de internalização: “Chamamos
internalização a reconstrução interna de uma operação externa”.
Conforme a abordagem do psicólogo González Rey – um dos teóricos
contemporâneos que tem trabalhado dentro da abordagem sócio-histórica, mas que substitui o
termo internalização por outros que veremos a seguir - não há uma dicotomia entre externo-
interno, pois, “... a superação da dicotomia intrapsíquico-interativo passa, precisamente, por
uma representação dialética da tensão necessária que existe entre elementos contraditórios em
um mesmo sistema, que é a subjetividade humana” (2001, p. 33). Em sua perspectiva, relação
externo-interno não ocorre de um modo mecânico do âmbito externo para o interno, mas trata-
se de uma “constituição” (2001, p. 52-53), uma “produção” (2003, p. 79), uma “configuração”
(2000, p. 10) que apresenta um novo nível qualitativo. Ele usa estes termos no lugar do termo
internalização.
O fato é que nesta abordagem, diferenciações compreensivas e terminológicas
deixadas a parte, destaca-se o processo de integração/constituição do externo [o social] no
interno [a subjetividade]. Assim, as experiências sociais vivenciadas pelos seres humanos são
integradas em sua própria constituição subjetiva. Daí que teóricos desta abordagem tal como
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Todas as pessoas sempre necessitam receber algo, e por sua vez, todas têm algo que podem compartilhar.
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Para aprofundar o assunto remeto o leitor a minha dissertação de mestrado: BALMANT, F. D. R. B. Vivências
em atividades artístico-expressivas e a construção da identidade: um estudo com jovens e adultos-idosos.
Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2004.
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orientá-lo nas ações rumo a solução de suas questões. O ajudador: sintoniza, responde,
personaliza e orienta. O ajudado deve: envolver-se com o problema, explorá-lo,
compreender as diversas relações entre a sua vida, o problema e a sua responsabilidade
diante dele, e agir em direção a resolução do mesmo. O ajudado envolve-se, explora,
compreende e age.
Percebe-se que tal modelo é bastante pré-determinado e linear. Assim, indaga-se:
Consegue ele dar conta da complexa dinâmica de uma relação de ajuda, considerando que
toda relação humana abriga sempre em seu constante vir-a-ser o inesperado, tanto da parte do
ajudado, quanto da parte do ajudador? Considera-se interessante as diretrizes por ele
oferecidas, entendendo que elas têm um valor didático e não linear. Destaca-se que o
elemento inesperado e a complexidade, sempre fazem parte das relações humanas e precisam
ser considerados. Também se entende que as influências nas relações humanas, são sempre
intersubjetivas e de mão dupla, e nunca de mão única. Embora necessitem ser lidas e filtradas
pelo profissional que faz o papel de ajudador, no caso das relações de ajuda prestadas no
âmbito profissional.
Buscando assumir um caminho mais flexível nas relações de ajuda, considera-se
importante o profissional buscar criar caminhos próprios nas relações únicas que se estabelece
com cada ajudado. Criatividade, imaginação e espontaneidade, são categorias fundamentais
ao se pensar em relações de ajuda e cuidado.
Quanto ao contexto, há diferentes contextos nos quais podem ocorrer as relações de
ajuda e cuidado. Elas podem acontecer dentro de um contexto profissional, educacional,
familiar, eclesiástico, de lazer, ou de amizade. Oliveira e Heimann (2004, p. 80) ao abordar a
questão “Quem são os cuidadores?” delimitam estes contextos em três, e destacam três
grandes grupos de cuidadores. O primeiro contexto destacado é o das relações de afeto, cujos
cuidadores são os familiares em geral. O segundo contexto é o das relações solidárias, o qual
engloba cuidadores voluntários que ajudam sem receber remuneração pelo serviço ou auxilio
prestado. Por fim, destacam o contexto das relações profissionais, comerciais e burocráticas, o
qual é chamado “terceirização do cuidado”, e do qual fazem parte os diversos profissionais.
Parece importante destacar, entretanto, a idéia de Codo (apud MENEZES, 2004, p.
36), de que “todo trabalho envolve algum investimento afetivo”. É justamente este
envolvimento, que no caso dos ajudadores e cuidadores, implica entre outras coisas, em
estabelecimento de vínculo, que por sua vez implica sempre para ambas as partes [o ajudado e
o ajudador] em um investimento afetivo, e em um risco. Mas para que se estabeleça uma
relação de ajuda ou cuidado, esse risco precisa sempre ser enfrentado.
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“Este cuidado é mais que um fazer, é buscar na ecologia interna do ser humano, a
arte de viver em equilíbrio consigo próprio, com os que o rodeiam e com a natureza
que lhe ambienta. Mas o cotidiano de cuidar, apesar desse envolvimento e da
sustentação científico-técnica que o ampara, muitas vezes estabelece situações que
nem sempre são almejadas. Ao invés de resolvermos os problemas do nosso cliente,
somos capazes sim é de gerá-los, e o tão esperado resultado deste cuidado torna-se
indesejável.”
Do lado do ajudador, considerando que toda relação implica em uma mútua conexão e
influência, muitos estudos em relação a profissionais de diversas áreas de ajuda (MELEIRO,
1998; SEBASTINI, 2002; OLIVEIRA, 2004, VASQUEZ-MENEZES, 2004) tem alertado,
para a sobrecarga à qual estes estão expostos continuamente. Tal sobrecarga gera um risco de
esgotamento constante ao próprio profissional. Se este não atentar para o fato de que antes de
cuidar do outro, precisa cuidar de si próprio, pode sofrer muitas complicações e sofrimentos
advindos deste esgotamento, dentre as quais, chamamos a atenção para a Síndrome de
Burnout, sobre a qual falaremos mais a seguir.
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As expressões entre colchetes são nossas.
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Segundo o Dicionário 2001 do Homem Moderno (MIRANDA, 1978), o termo abuso significa: mal uso, uso
errado, excessivo ou injusto de alguma coisa. Considera-se que o sacerdote e o levita, ao verem o samaritano
caído no chão quase morto, e não lhe prestarem socorro, tem uma atitude abusiva diante dele, pois percebem sua
necessidade, têm a possibilidade de ajudar, mas não o fazem, omitindo-lhe socorro.
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Terapia é um termo que vem do grego therapéia. Conforme GINGER (1995, p. 144) “therapéia, em grego,
significa cuidado religioso, culto aos deuses. Therapêutris é uma religiosa (...), ou seja, uma mediadora
encarregada de manter uma boa relação entre os homens e os deuses, (...) entre a matéria e o espírito.
Therapeuticos, é aquele que presta cuidados aos deuses ou a um mestre, ou seja, o servidor devoto, serviçal (...)”.
NOÉ (2003, p.10) ao desenvolver o conceito de terapêutica escreve: “O termo „terapêutico‟ deriva-se do verbete
grego therapeuo, que é traduzido no Novo Testamento como sarar ou curar, trazendo a idéia de levar a efeito a
recuperação da doença física ou mental. No grego profano, porém, therapeuo tem o significado de servir ou
„estar a serviço a‟ (...)”.
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BOFF entende que “a atitude é uma fonte, gera muitos atos que expressam a atitude de fundo” (1000 , p. 33).
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Considera-se aqui a importância de entendermos a pessoa como um ser integral: bio-psico-socio-espiritual.
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(...) Pelo olhar passam as grandezas todas e todas as vilezas do ser humano,
pois os olhos sempre revelarão algum estado de nosso mundo interior
Sergio Farina10
Optou-se por iniciar essa subdivisão com a epígrafe acima, pelo fato dela falar sobre a
revelação que é trazida a tona por um olhar. O olhar como instrumento de revelação 11 é algo
que se pretende utilizar aqui.
As práticas de ajuda e cuidado cristão admitem muitas possibilidades de abordagens.
Aqui, intenta-se direcionar o olhar, elencando abaixo algumas categorias teóricas importantes
de serem colocadas em destaque ao se falar em relações de ajuda e cuidado, considerando que
há muitos outros olhares possíveis:
1) A questão da identidade;
2) A centralidade da comunicação e narrativa;
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A esse respeito indica-se também a leitura do texto de ROLDÃO, F. D.; MÉIER, M. J. Percepção e
Comunicação na Oficina dos sentidos com acadêmicos de um curso de teologia: um relato de experiências.
(texto encaminhado para publicação). E _____. Vivências em Atividades Artístico-Expressivas como estratégia
para uma reflexão grupal sobre os conceitos saúde e doença. Trabalho apresentado no VII Congresso Nacional
de Psicologia Escolar e Educacional. Curitiba, 2005.
10
FARINA, Sérgio. O olhar. In: Novo Olhar. Ano 2. n. 2. mar. 2004.
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Conforme o dicionário 2001 do homem moderno revelar significa: tirar o véu, descobrir, denunciar, fazer
conhecer, indicar, mostrar, declarar, manifestar, fazer conhecer o sobrenatural.
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REFERÊNCIAS
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