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INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA UNIDADE 01 AULA 01

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

Breve percurso dos


estudos da linguagem

1  OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

„„ Conhecer, em linhas gerais, a evolução dos estudos linguísticos,


desde a Antiguidade até o século XX;
„„ Reconhecer a Linguística Histórica e Comparada como precursoras
da Linguística moderna e as contribuições dos neogramáticos.
INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Breve percurso dos estudos da linguagem

2  COMEÇANDO A HISTÓRIA
Inicialmente, gostaríamos de ressaltar que as tradições de estudos da lingua-
gem não seguiram necessariamente uma sequência cronológica, como se uma
abordagem substituísse a outra. Na realidade, foram estudos independentes,
cada um de acordo com a cultura e com os modos de pensar da época. A sua
sequenciação é dada apenas para entendermos de uma forma mais elucidativa as
contribuições desses estudos para a compreensão humana da linguagem.

Além disso, vale ressaltar que nem sempre as reflexões sobre a linguagem
ou mesmo sobre sua origem tiveram um caráter científico. Mitos e lendas foram
criados em diversas culturas e faziam parte do conhecimento popular.

Você se lembra do antigo mito da Torre de Babel?

Por isso deram-lhe o nome de Babel,


porque ali o Senhor confundiu a lin-
guagem de todos os habitantes da
Terra, e dali os dispersou sobre a face
de toda a Terra.
Figura 1: Torre de Babel. Gênesis, 11,9
Pintura: Mestre Flamengo
desconhecido, 1587.

Seria a diversidade das línguas um castigo de Deus sobre a humanidade?


Reflita sobre esse mito e tire suas próprias conclusões.

A Linguística, estudo científico da linguagem humana, estabeleceu-se


como ciência no século XX. Mas, a história dos estudos da linguagem começa
há aproximadamente quatro ou cinco séculos antes da nossa era. Sabe-se que,
no século IV a. C., os hindus se dedicaram ao estudo de sua língua, o sânscrito,
com o objetivo de evitar que seus textos sagrados, reunidos no Veda, sofressem
quaisquer alterações ao serem proferidos nos rituais religiosos daquela cultura.
Para isso, com base na observação empírica, descreveram minuciosamente o
sistema fonético e gramatical daquela língua.

O modelo de análise do sânscrito, desenvolvido pelo gramático hindu Panini


(século IV a.C.), foi descoberto apenas no final do século XVIII. Constituía-se
em um tratado de quatro mil regras ou sutras, cuja finalidade era descrever
e classificar os fatos linguísticos daquela língua, mas sem preocupações
explicativas. Essa descoberta mudou os rumos dos estudos linguísticos, como
veremos adiante.
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3  TECENDO CONHECIMENTO

3.1  Os estudos linguísticos na Antiguidade


Os filósofos gregos, já no séc. V a. C., discutiam, entre outras coisas, a origem
da língua e se havia ou não relação entre a palavra e a “coisa” representada por
ela, ou entre a palavra e o que ela significava.

O filósofo Platão (Atenas, 429-347 a.C.) desenvolveu suas primeiras reflexões


sobre a linguagem em seu texto Crátilo. Ele buscava saber se a língua tinha
relação direta ou natural com o mundo físico, material ou espiritual ou se era
algo totalmente arbitrário. Subjacente à primeira questão estaria a ideia de que
a língua é o espelho da realidade, sendo assim, investigá-la seria o caminho para
se chegar ao conhecimento da realidade. Em relação à segunda ideia platoniana,
se a língua não tinha uma relação direta com o mundo material ou espiritual, se
não era a representação da realidade, então, seu estudo se restringiria
meramente a ela mesma, portanto, seria pouco importante estudá-la.

Nos diálogos do Crátilo aparecem três per- Figura 2: Busto em


Mármore de Platão.
sonagens: Crátilo, Hermógenes e Sócrates. Eles
dialogam sobre a natureza da língua, mais pre-
cisamente sobre a relação entre o nome, a ideia
e a coisa denotada. O primeiro defende a posi-
ção de que a língua é o espelho do mundo ou
da realidade, pois era determinada pelas leis da
natureza. O segundo defende a posição contrá-
ria, qual seja, a de que não há nenhuma relação
direta entre as palavras e as coisas, logo, a lín-
gua é como é por convenção. O último, Sócra-
tes, defende uma posição conciliatória entre as
duas possibilidades.

De acordo com a posição defendida por Crátilo, entre as estruturas das


palavras e o que elas significam haveria uma motivação intrínseca, uma
espécie de relação natural. Os defensores dessa ideia passaram a ser chamados
de naturalistas, em razão da defesa da existência de uma motivação entre a
palavra e o que ela significava. Hoje sabemos que não há nada na estrutura das
palavras que se associe ao que ela significa. Este é o princípio da arbitrariedade
do signo linguístico 1. Os defensores desse princípio eram chamados de

1 Trataremos da noção de signo linguístico nas próximas aulas.


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convencionalistas. Basta verificarmos as diferentes línguas para constatarmos a


evidência deste princípio: um mesmo significado (construção para moradia) é
representado por diversas formas (casa, house, maison).

Os gregos entendiam que, se a língua era determinada pela natureza, ne-


nhum homem poderia violá-la, pois os princípios que a originavam eram eter-
nos e imutáveis. Por outro lado, se a língua era resultado do costume ou tradi-
ção de um povo, de um comum acordo entre os membros de uma comunidade,
um tipo de contrato social, logo convencional, então o homem poderia violá-la.

Essa discussão perpassava vários estudos sobre a origem da linguagem


e perdurou por vários séculos. Em decorrência disso, várias investigações
etimológicas começaram a surgir na Grécia antiga, instigando e provocando
outros estudos que “pesquisavam a verdadeira natureza de uma palavra, não
era sua forma original o que eles buscavam, mas seu significado original”
(WEEDWOOD, 2002, p.47). Colocando de uma forma simples, os gregos
entendiam que havia palavras cuja relação com a natureza ou com o que
denotavam era claramente recuperável. No caso de palavras em que não se
podia verificar sua estrutura natural, estas teriam sido malformadas ou alteradas
pelo tempo, corrompidas. Na visão platoniana, a língua, de um modo geral,
seria uma imitação imperfeita da realidade.

É importante salientar que os gregos não se interessaram por outras


línguas, pois eram convencidos de sua “superioridade intelectual”. Portanto,
sua gramática era voltada para finalidades práticas, para o uso da língua
propriamente, especificamente baseada nos textos clássicos gregos.

Os estóicos, por sua vez, preocuparam-se com a natureza da gramática ou as


regras subjacentes ao uso da linguagem. Das discussões daí decorrentes,


Havia os “analogistas” que sustentavam que a linguagem
é um sistema corrente governado por leis e indicando
tais categorias por tais formas. Em oposição a eles, os
“anomalistas” eram de opinião que a linguagem não
possui regularidades e está dominada pela arbitrariedade
(CÂMARA Jr.,1975, p.26).

A escola filosófica dos estóicos foi uma das mais importantes na Grécia
antiga. Grande parte de seus representantes eram anomalistas. Voltaram-se
para estudos epistemológicos e retóricos da língua. Os filósofos estóicos passam
então a analisar o enunciado significativo, a combinação de uma palavra com
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outra(s) numa relação significativa.

Weedwood (2002) ressalta que para eles interessava analisar a verdade


ou a falsidade das proposições com base em seus elementos constituintes.
Os estudos dos estóicos tinham como finalidade não só explicar a língua dos
autores clássicos, mas também garantir a preservação do grego da “corrupção”
por parte dos “ignorantes e iletrados”.

De base filológica, tinham como objetivo o estudo dos textos dos antigos
poetas. A ideia era a de encontrar o “texto original”. A escolha da língua literária
como objeto de análise e descrição não era casual, acreditava-se ser ela a forma
mais pura e correta da língua, inclusive modelo a ser seguido.

Foi Dionísio da Trácia, alexandrino, do século II a. C., que escreveu em latim a


primeira gramática do mundo ocidental. A sua gramática, na verdade, foi uma
codificação aperfeiçoada do sistema grego de análise linguística e passou a ser
considerada por muitos como a fonte da tradição gramatical no Ocidente2. Não
tratava da sintaxe, mas da classificação de todas as palavras gregas conforme as
categorias de gênero, número, tempo, voz, modo, caso etc.

3.2  Os estudos linguísticos em Roma


Em Roma, os estudos linguísticos dos gregos foram aplicados ao latim,
contudo, com uma perspectiva mais normativa. A semelhança entre as
estruturas das duas línguas, grego e latim, levou os gramáticos romanos a
acreditar que as categorias gramaticais, as “partes do discurso”, elaboradas
pelos gregos eram universais e necessárias.

A sociedade culta do Império romano vivia uma situação de bilinguismo,


falava-se e escrevia-se em latim e em grego, entretanto, existia um esforço
dos gramáticos romanos em adaptar as regras formuladas pelos gregos à
língua latina. Na verdade, como observa Weedwood (2002), tratava-se muito
mais de retomada e disseminação dessas regras, do que de qualquer tipo de
reformulação para essa adaptação.

Nesse contexto, destacaram-se Varrão (séc. II d. C.), cuja obra Da língua latina
apresentava forte influência dos estóicos gregos, Quintiliano (séc. I d. C.) e
Donato (séc. IV d.C.). Uma observação interessante sobre a educação romana,
nesse período, é a de que esta tinha como função a formação de oradores. As
crianças, depois de serem alfabetizadas, estudavam a gramática para analisar
2 Segundo Barbara Weedwood (2002), essa gramática era desconhecida no Ocidente. Somente a
partir de sua edição impressa em 1727, ela passou a fazer parte da tradição gramatical ocidental.
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textos literários e, ao final do processo, deviam escrever imitando a elegância


da linguagem literária.

Outro tipo de gramática se fez necessário naquele contexto do Império


Romano, em que o contato com outras línguas era inevitável. O Império vivia
seu momento de apogeu e as pessoas que pretendessem ascender em cargos
da administração imperial deveriam ser fluentes em latim. Nesse contexto,
destacou-se a obra de Prisciano (séc. V d.C.), considerado um dos trabalhos mais
completos sobre a gramática da língua latina, mas com finalidades práticas. É
importante ressaltar que, independente da gramática, a língua descrita pelos
gramáticos era a língua dos clássicos, dos “melhores escritores”, não havia
qualquer interesse pela língua de seu tempo, a língua falada pelo povo.

3.3  Os estudos linguísticos na Idade Média


Na Idade Média, o latim era a língua dominante, afinal era o idioma da Igreja
ocidental para manter o cristianismo e converter os estrangeiros no Império
romano. Os exemplos de nomes e verbos eram do vocabulário cristão, mas havia
também exemplos dos clássicos. O objetivo do ensino era levar os aprendizes
a escrever e compreender plenamente em latim clássico. As obras elaboradas
com esta finalidade foram consideradas as primeiras gramáticas sistemáticas do
Ocidente. Para Weedwood (2002), são elas “as ancestrais de nossas gramáticas
escolares tradicionais”. Acrescenta a autora, “como tal, é muito importante para
a Linguística a contribuição que elas deram – a passagem de uma gramática
primordialmente semântica e taxionômica para uma gramática descritiva,
baseada na forma” (p.51).

A gramática ganha uma nova estrutura. Agora dividida em ortografia,


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prosódia, etimologia e sintaxe, de onde provém a nossa moderna hierarquia


de fonética, fonologia, morfologia e sintaxe. Afasta-se dos preceitos universais
e semânticos, enfatizados na Antiguidade, e caminha para uma abordagem
descritiva de uma língua em particular, no caso o latim. Em decorrência desse
novo empreendimento, os estudos gramaticais do latim tiveram muitos
avanços nesse período.

3.4  Estudos linguísticos no Renascimento


O pensamento da Idade Média buscava o universal e o eterno como
a verdadeira fonte do conhecimento e não a transitoriedade do terreno.
Acreditava-se na existência de princípios inerentes aos fenômenos terrenos,
que serviam à observação empírica. Esses princípios seriam atingidos pelos
mesmos princípios da lógica e da matemática. Começa-se a delinear duas
correntes divergentes de abordagem: a “particular” e a “universal”. A primeira se
volta para os fenômenos físicos que diferenciam as línguas e a segunda para os
princípios universais subjacentes à linguagem.

Conforme Weedwood (op.cit.), nos séculos XVII e XVIII continuam as


preocupações dos medievais, mas se para eles a regularidade dos sistemas,
dos fenômenos do mundo físico, aparentemente arbitrários e irregulares, era
regida no plano celestial, na ordem do cosmo, no pensamento renascentista,
essa regularidade é buscada no plano físico, mas a busca pelo universal da
linguagem continuava.

Em 1660 é publicada a Grammaire Générale et Rasonnée de Port Royal, ou


Gramática de Port Royal, de Claude Lancelot e Antoine Arnauld que serviu de
modelo para várias gramáticas do século XVII. Era fundamentalmente baseada
em análises lógicas dos enunciados. O princípio era o de que a linguagem se
funda na razão e, sendo assim, é a imagem do pensamento. Logo, os princípios
de análise não se restringiam a uma língua em particular, mas serviam a todas
as línguas.

À mesma proporção cresce o interesse pelos aspectos individuais e


particulares que diferenciavam as línguas e não por aqueles que as transcendia.
Portanto, o interesse estava em encontrar, por meio dos aspectos físicos da
linguagem, a sua sistematicidade.

Entretanto, do contato com outras línguas entre os séculos XVI e XVII, por
conta das viagens de descobrimento, novos desafios foram impostos aos
europeus, como bem observa Weedwood,
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Agora que o espectro das línguas tinha se ampliado para


além da capacidade de imaginação de qualquer pessoa, o
caos prevalecia. Quem restituiria a ordem? A descoberta de
Babel, um problema que o século XVI legou ao XVII, suscitou
várias tentativas de solução, algumas de dentro da tradição
particular e algumas de dentro da universal (2002, p.77).

Crescia, portanto, o interesse pela grande diversidade das línguas


e, consequentemente, pela forma, pois nela estariam os aspectos que
diferenciavam uma língua da outra. Ganham mais espaço e são mais bem
desenvolvidos os estudos fonéticos e morfológicos e um novo interesse começa
a se instaurar: a possibilidade de recuperar o desenvolvimento histórico e a
filiação das línguas. Por mais que os estudiosos empreendessem esforços para
se chegar a essa recuperação, sem dúvida, a descoberta, no final do século
XVIII, do sânscrito, antiga língua dos hindus, foi determinante para o avanço
dos estudos linguísticos.

3.5  Os estudos comparatistas do século XIX

Figura 3:
William Jones
O século XIX caracterizou-se pelos (1746-1794).
Gravura feita por
estudos comparatistas e históricos da J.Pofselwhite em
1800.
língua. O inglês William Jones (1786),
ao verificar a semelhança entre as raízes
verbais e as formas gramaticais do
sânscrito com o latim e o grego, lançou a
tese de que estas línguas teriam derivado
de uma fonte comum que já não existia.

Essa descoberta desencadeou, na


Europa, estudos comparativos e históricos
que preconizavam a comparação e a
análise dos dados linguísticos de modo sistemático com base no princípio
de que as línguas mudam com o tempo, independentemente da vontade
dos homens, e de forma regular. Além disso, via-se a possibilidade não só de
relacionar, por meio das comparações, grupos de línguas que, em função de
suas semelhanças, demonstravam ter uma origem em comum, bem como
reconstruir estágios anteriores, não documentados, baseando-se não apenas
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em comparações, bem como em inferências.

Conforme Faraco (2009), esses estudos demonstravam as correspondências


entre as línguas por meio de determinados enunciados descritivos, tais como:

Dados os elementos a, b, c numa língua X e o contexto estrutural E, resultaram,


na língua Y ou na subfamília W, as mudanças p, q, r.

De acordo com o mesmo autor, o empreendimento dos estudos


comparatistas – daí a denominação gramática comparada – desenvolvidos,
trouxe à tona a ideia de imanência da língua, isto é, “da ideia de que fatos
linguísticos são condicionados só e, apenas, por fatos linguísticos” (p. 31). Desse
modo, a intuição predominante, que perpassa todo o século XIX, é a de que as
línguas humanas são totalidades organizadas.

A preocupação central era como as línguas evoluem, e não como elas


funcionam. A ideia era a de que as leis da linguagem se aproximavam das
leis físicas. O botânico alemão August Schleicher, por exemplo, adepto do
evolucionismo de Darwin, também estudioso das ciências naturais, cujos
trabalhos tiveram forte impacto na época, propunha que o desenvolvimento
da língua era comparável ao de uma planta – nasce, cresce, envelhece e morre,
segundo leis físicas ou princípios invariáveis. Logo, a língua seria um organismo
natural, vivo e com existência própria, ao qual se aplicariam as leis de evolução
de Darwin, portanto, independente dos seus falantes e, como consequência, a
Linguística pertenceria ao ramo das ciências naturais.

Foi com base no pressuposto de imanência da língua, portanto, que os


vários posicionamentos teóricos se debruçaram sobre a problemática da
mudança linguística, ora buscando meios de operacionalizar esse pressuposto,
ora criticando as tentativas de mantê-lo de qualquer forma.

Em 1795 é fundada a Escola de Estudos Orientais em Paris, um importante


centro de estudos histórico-comparativos, onde estudaram F. Schlegel e F. Bopp,
os precursores da gramática comparada. O trabalho de Schlegel Sobre a língua
e a sabedoria dos Hindus (1808) é considerado o ponto de partida dos estudos
comparativos germânicos e o de Bopp Sobre o sistema de conjugação da língua
sânscrita em comparação com o da língua grega, latina, persa e germânica (1816)
apresentou uma comparação detalhada da morfologia verbal de cada uma
dessas línguas que demonstrava a existência de correspondências sistemáticas
entre elas, portanto de parentesco, mas sem qualquer pretensão cronológica.
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A descoberta de semelhanças entre essas línguas e grande parte das


línguas europeias, por meio da comparação da morfologia verbal entre elas,
evidenciou empiricamente, na época, uma relação efetiva de parentesco e todos
os estudos desenvolvidos contribuíram para a criação do método comparativo,
fundamental para a linguística histórica.

EXERCITANDO

Vamos refletir:

Por que o português, o espanhol, o francês e italiano apresentam mais


semelhanças entre si do que com outras línguas, como o inglês e o alemão, por
exemplo?

Você já deve estar se perguntando: em que a linguística histórica difere da


linguística comparada? Vejamos então.

Um importante trabalho de gramática histórico- Figura 4:


Jacob Grimm
comparativa3 do ramo germânico das línguas
indo-europeias foi realizado por Jakob Grimm
(1822). Conforme Faraco (2009), foi a partir desse
trabalho que se iniciaram os estudos propriamente
históricos. Em sua obra Deutsche Grammatik, Jakob
Grimm constatou que entre os sons de palavras
com sentidos semelhantes do germânico, do
grego, do latim e do sânscrito havia regularidades
sistemáticas. A diferença de seu trabalho, em
relação aos dos estudos comparatistas, diz respeito ao fator cronológico.
Grimm utilizou dados de uma sequência de catorze séculos anteriores, o que
resultou na evidência de uma sucessão histórica das formas comparadas como
resultado de mudanças regulares no tempo. Essa constatação foi decisiva para
um novo redirecionamento dos estudos linguísticos nesse século.

3 Denominação também dada à Linguística do século XIX.


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EXERCITANDO
Vamos ver se você agora diferencia os estudos comparados dos estudos
históricos, apresentado essa diferença com suas palavras.

3.6  As contribuições dos neogramáticos


O método histórico-comparativo foi plenamente desenvolvido no século
XIX por vários estudiosos.

Foram os neogramáticos, uma nova geração de estudiosos ligados à


universidade de Leipzig que, no final do século XIX, lançaram “a tese de que
todas as mudanças no sistema fonético de uma língua, enquanto esta se
desenvolvia ao longo do tempo, estavam sujeitas à operação de leis fonéticas
regulares” (WEEDWOOD, 2002, p.106). Esta tese passa a ser o fundamento do
método histórico-comparativo que não apenas apresentou uma orientação
metodológica diferente, mas também um conjunto de postulados teóricos
para a compreensão do fenômeno da mudança linguística.

O marco inicial do chamado movimento neogramático se deu com a publicação


do primeiro número da revista Investigações Morfológicas, fundada por Hermann
Osthoff e Karl Brugmann (1878). Nela, de acordo com Faraco (2004), os autores
criticavam a concepção de imanência da língua e defendiam que as mudanças
linguísticas deveriam ser percebidas a partir do falante, instaurando uma
concepção psicológica subjetivista, pois era nele que as mudanças linguísticas
tinham sua origem. Além disso, os neogramáticos preconizavam que a apreensão
da natureza das mudanças, a partir das línguas atuais, deveria ser o objetivo dos
estudos histórico-comparativos e não o de se chegar à língua original hipotética,
o indo-europeu. Dessa forma, não interessava apenas reconstruir estágios
anteriores das línguas, mas principalmente verificar os mecanismos da mudança
e, a partir deles, se chegar aos princípios gerais dessas mudanças.

A crítica dos neogramáticos aos estudiosos da fase anterior recaía também


sobre o fato de estes considerarem as irregularidades percebidas no processo de
mudança como eventuais exceções. Para eles, tal postura significava dizer que as
línguas não eram suscetíveis de sistematicidade científica. Contrapondo-se a esse
posicionamento, os neogramáticos estabeleceram que toda e qualquer mudança
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sonora passava por um processo de “regularidade absoluta”. Como esclarece


Faraco (op.cit., p.35), “as mudanças afetavam a mesma unidade fônica em todas
as suas ocorrências, no mesmo ambiente, em todas as palavras, não admitindo
exceções (proposta que se substanciava nas chamadas ‘leis fonéticas’)”.

No caso de haver exceções, palavras que sofreram alteração sem estar de


acordo com determinadas leis fonéticas, duas explicações seriam possíveis: ou
o princípio regular efetivo ainda não tinha sido encontrado ou a regularidade da
mudança teria sido afetada por interferência do plano gramatical sobre o plano
fônico, no sentido de regularizar a mudança fonética, por meio da analogia.
Logo, as exceções seriam aparentes.

Um dos grandes estudiosos também do século XIX foi Wilhelm von


Humboldt. Suas ideias foram precursoras da linguística da primeira metade do
século XX. Diferentemente dos pensadores do seu tempo, Humboldt defendia
que a língua era algo dinâmico e não um produto formado por uma série de
enunciados prontos e acabados. Para ele a língua não é estática, pois, ao ser
falada, é criada, recriada, renovada constantemente pelo homem. Diferenciou
as formas “interna” e “externa” (os sons) da língua. A primeira seria a gramática e o
significado que, colocados na segunda forma, produziam as diferentes línguas.
Essa ideia de Humboldt vai ser retomada mais tarde, por Noam Chomsky, em
sua teoria gerativa e transformacional da linguagem.

Mas a linguística não havia se definido ainda como uma ciência


propriamente, afinal qual era o seu objeto de estudo: a língua escrita ou
falada? Qual a sua natureza? Social ou individual? Abordá-lo sob qual
perspectiva? Lógica, retórica, filológica, histórica?

É inegável a contribuição do legado de estudos que antecederam a


Linguística hoje, mas foi só no século XX, graças a Ferdinand de Saussure (1857-
1913) e à publicação de sua obra póstuma Curso de Linguística Geral, que o
objeto de estudo da Linguística foi definido e seu campo de estudo começou
a ser delineado. Só assim, pode-se falar de uma ciência da linguagem – a
Linguística 4, e novos rumos serão dados aos estudos linguísticos. Trataremos
desse assunto na próxima aula!

4 Faraco (2004) observa que a Linguística como ciência teve seu início com o trabalho de William Jones
(1786), enquanto a Linguística moderna foi fundada no século XX com a publicação da obra póstuma
de F. Saussure Curso de Linguística Geral.

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4  APROFUNDANDO SEUS CONHECIMENTOS

Neste livro Mattoso Câmara


Jr. apresenta-nos um panorama
histórico dos estudos de base fi-
losófica que antecederam e, ao
mesmo tempo, foram fundamen-
tais para a evolução dos estudos
propriamente linguísticos.

Figura 5

Barbara Weedwood, em seu li-


vro História concisa da linguística,
apresenta não apenas as ideias
que preconizaram a Linguística
moderna, mas vai além ao enve-
redar pelas diferentes vertentes
atuais desse ramo da ciência. A
leitura dos três primeiros capítu-
los é indispensável para aqueles
que se interessam pelo assunto
tratado aqui.
Figura 6

5  TROCANDO EM MIÚDOS
Nesta aula fizemos uma retomada dos mais importantes estudos realizados
anteriores à publicação do Curso de Linguística Geral e de suas contribuições
para o delineamento da linguística como uma ciência autônoma. Vimos que os
gregos discutiam se a língua tinha sua origem na natureza ou era produto de
uma convenção.
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INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Breve percurso dos estudos da linguagem

Essa discussão evolui para o embate entre analogistas e anomalistas, mas não
chegou a ser resolvido por aqueles estudiosos. Além disso, o objetivo de estudo
daqueles era o de estabelecer a língua dos clássicos e mantê-la como modelo
de superioridade em relação às outras línguas, afinal, consideravam-na superior
à língua de outros povos e culturas. O objetivo dos estudos da linguagem em
Roma também era o de manter o latim como língua dominante sobre os povos
conquistados, por isso a proliferação de gramáticas de caráter didático. Os
textos bíblicos e clássicos eram o objeto de descrição em detrimento da língua
falada pelo povo.

No século XVII, com o declínio do latim, cresce a atenção em torno das lín-
guas faladas por outros povos, mas é no século XIX que esse interesse se es-
tabelece mais efetivamente. A descoberta do sânscrito e de sua semelhança
com outras línguas foi decisiva para o desenvolvimento dos estudos histórico-
-comparativos. Prevalecia a ideia de imanência da língua. Até então, os estudos
realizados eram motivados por aspectos externos à própria língua.

6  AUTOAVALIANDO
Considera-se que, do séc. V a.C ao séc. XIX d.C., os estudos sobre a linguagem
passaram por três fases: filosófica, filológica e histórico-comparativa. A partir das
leituras realizadas por você, tente descrever, em linhas gerais, essas três fases.

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REFERÊNCIAS

FARACO, C. A. Estudos pré-saussurianos. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.)


Introdução à Linguística: fundamentos epistemológicos. Vol. 3., 4. ed. São Paulo:
Cortez, 2009.

_____. Linguística Histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas.


São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

MATTOSO CÂMARA JR., J. História da Linguística. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1975.

WEEDWOOD, B. História concisa da Linguística. 6. ed. São Paulo: Parábola


Editorial, 2002.

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