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A EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A

SOCIOEDUCAÇÃO COMO FATOR DE INCLUSÃO

FABIANOVICZ, Ana Cristina 1- SEED/PR

SILVA, Cássia Cristina Moretto da 2- IFPR

Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

A Constituição Federal de 1988 dedicou especial atenção ao Direito à Educação,inserindo-a


no âmbito da categoria dos direitos fundamentais, mostra-se como corolário ao princípio da
dignidade da pessoa humana no âmbito constitucional. Ao direito à educação, atribuiu-se a
missão de prepara o cidadão para a vida em sociedade, seja no aspecto laboral seja no que se
refere ao exercício da cidade. Por sua vez a socioeducação, inclui transformações de condutas
e de valores sociais que reconhecem o adolescente como protagonista de sua própria história,
procurando canalizar construtivamente suas energias como agente de mudança pessoal e
social. A educação como fator de inserção social dos adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa representa a garantia do interesse superior da criança consagrado pela
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, segundo a qual, o adolescente como sujeito
em desenvolvimento, não é capaz de construir sozinho sua autonomia, ao cometer ato
infracional, compromete sua socialização e seu futuro. O Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (CONANDA) através do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), dispõe sobre os parâmetros da gestão pedagógica no atendimento
socioeducativo que estão organizados por eixos estratégicos, dentre estes está o eixo da
Educação. De acordo com a normativa, o eixo Educação deve consolidar parcerias com
Órgãos executivos do Sistema de Ensino visando o cumprimento do disposto no capítulo IV
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, sobretudo, a garantia de regresso, sucesso e
permanência dos adolescentes na rede formal de ensino. A função do judiciário é estabelecer
o diálogo permanente entre a justiça e a educação em favor do interesse do adolescente e da
sociedade.

1
É Formada em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Especialista em Formação Pedagógica do
Professor Universitário pela PUCPR. É aluna regular do Programa de Mestrado em Ciências Humanas da
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) na linha de pesquisa denominada Cultura e Insituições. É Professora do
Centro de Socioeducação São Francisco em Piraquara – PR.
2
É formada em Direito pela Universidade Federal do Paraná. É pós-graduada em Gestão Escolar: Coordenação
Pedagógica pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). É aluna regular do programa de
Mestrado em Ciências Humanas da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) na linha de Pesquisa denominada
Cultura e Instituições. É Professora do Instituto Federal do Paraná, atuando em cursos técnicos regulares
integrados, cursos técnico regulares subseqüentes e também cursos superiores.
18563

Palavras-chave: Direito à Educação. Direitos Fundamentais. Socioeducação.

Introdução

O trabalho em questão tem por escopo analisar o tratamento constitucional dedicado


ao direito a educação no âmbito de nossa Constituição Federal de 1988 enquanto direito
fundamental, bem como destacar o papel da socioeducação enquanto mecanismo apto a
realizar inclusão social do educando em nossa sociedade.
Inicialmente, tratar-se-á sobre o que vem a ser uma constituição, sua finalidade e
importância dentro do ordenamento jurídico brasileiro para, na sequência, desenvolver-se, de
forma mais aprofundada, o conceito de socioeducação e sua função enquanto ferramenta de
atribuir o sentimento de pertença à sociedade pós-moderna por parte do educando.
Em seguida, passar-se-á a análise da correlação dos dispositivos constitucionais que
cuidaram em assegurar o direito a educação e o papel inclusivo atribuído a esfera educacional
no Brasil contemporâneo.
Como pessoa em desenvolvimento, a educação que reconhece as diferenças constrói a
justiça a partir do princípio da isonomia proposta em nossa Lei maior, a Constituição Federal,
para que, de acordo com Mello (2000, p.35) sejam tratadas igualmente as situações iguais, e
desigualmente as desiguais, na medida de suas desigualdades.
A justiça penal de crianças e adolescentes devem considerar duas exigências, segundo
Youf (2009, p. 209), uma exigência social de justiça e uma exigência ética de
responsabilidade penal, dessa forma é necessário equilibrar os interesses contraditórios do
autor, da vítima e da sociedade.
A educação como ato eminentemente social pressupõe o educar para o coletivo. Nesse
sentido, a socioeducação inclui transformações de condutas e de valores sociais que
reconhecem o adolescente como protagonista de sua própria história, procurando canalizar
construtivamente suas energias como agente de mudança pessoal e social.
As ações educativas exercem uma influência edificante sobre a vida do adolescente de
modo que, a proposta apresentada por Costa (2004, p. 71) é a de que, assim como existe a
educação geral e educação profissional, deve existir socioeducação no Brasil, cuja missão é
preparar os jovens para o convívio social sem quebrar aquelas regras de convivência
consideradas como crime ou contravenção. E, portanto, para esse autor a socioeducação como
práxis pedagógica propõe objetivos e critérios metodológicos próprios de um trabalho social
18564

reflexivo, crítico e construtivo, mediante processos educativos orientados a transformação das


circunstâncias que limitam a integração social, a uma condição diferenciada de relações
interpessoais, e, por extensão, à aspiração por uma maior qualidade de convívio social.

A Constituição Federal de 1988 e o Direito à Educação

A compreensão sobre as regras contida em uma Constituição apresenta-se como ato de


crucial importância para o entendimento do modelo de Estado adotado, por determinada
sociedade, em um determinado momento histórico.
Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt (2007, p. 18) conceitua juridicamente a
Constituição como sendo “o sistema de normas jurídicas que definem a estrutura do Estado,
forma de governo, modo de aquisição, exercício e limitação do poder, bem como a instituição
de direitos e garantias fundamentais ao cidadão”.
Do conceito aqui posto, pode-se verificar a relevância das normas constitucionais, já
que as mesmas disciplinam desde as formas pelas quais os Estados se organização, passando
pelo modo pelo qual o poder político se estrutura e também é exercido, chegando às premissas
básicas asseguradas aos seus cidadãos (direitos e garantias).
A atual Constituição Federal do Brasil foi promulgada em 1988, fruto do poder
legiferante da assembléia constituída com fins a instituir, em âmbito nacional, um Estado
Democrático de Direito, definido por José Afonso da Silva (2003, p.112) nos seguintes
termos:

O Estado Democrático de Direito reúne princípios do Estado Democrático e de


Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque, em
verdade revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um
comportamento revolucionário de transformação do status quo.

Há que se mencionar também que já nos primeiros artigos de tal diploma legal resta
clara a configuração do estado Brasileiro como sendo um Estado que adota a República como
forma de governo, a Federação como forma de Estado, e como sistema de governo o
presidencialismo e dota como fundamentos de sua organização os seguintes princípios: a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa e o pluralismo político. Todo o poder exercício então no âmbito da República
Federativa do Brasil tem povo como titular que pode exercê-lo de forma direta ou por
intermédio de representantes.
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Veja-se que ao consagrar como fundamento de sua existência e organização o


princípio da dignidade da pessoa humana percebe-se por parte do legislador constituinte a
preocupação com o elemento humano no âmbito da configuração estatal.
Para Walter Ceneviva (2003, p. 49), diante desta configuração estatal adotada no
Brasil, “Os fins visados pelo Estado brasileiro compreendem a construção do que a Carta
Magna denomina uma sociedade livre, justa e solidária, em primeiro lugar.”
A educação enquanto matéria humanista por excelência foi tratada em dispositivos
específicos na Constituição Federal de 1988. Sendo que no Título II quando trata dos Direitos
e Garantias Fundamentais ao cidadão, acabou por incluir o direito à educação como sendo um
dos direitos sociais inerentes à condição dos cidadãos brasileiros.
Na sequência, mais artigos foram destinados à educação, podendo-se elencar como
normas constitucionais que tratam desta matéria os seguintes dispositivos: art. 5º, IX, art. 6º,
art. 23 III a V, art. 24, VII a IX, art. 30, IX e art. 205 a 217. Porém, é no Título VII de nossa
Lei Maior, quando esta trata “Da Ordem Social”, especificamente em seu Capítulo III, que
tem como título “Da educação, da cultura e dos deporto”, que se tem o estabelecimento de
importantes premissas, a serem seguidas, tanto pelo legislador infra-constitucional, como pelo
Estado enquanto gestor educacional, motivo pelo qual será dedicada inteira atenção a este
tópico.

A educação como direito fundamental do cidadão

Conforme foi colocado, a Constituição Federal de 1988 incluiu o direito à educação no


rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Tal tratamento legal possui extrema
relevância, dado ao significado, a valorização e a priorização que os direitos fundamentais
gozam dentro do ordenamento jurídico.
Quanto ao significado do que se entende por direitos fundamentais, José Afonso da
Silva (2003, p.178), afirma que estes se referem “[...] aquelas prerrogativas e instituições que
ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre, e igual de todas as pessoas. [...]”.
Tratam-se, portanto, de enunciados maiores, presentes em uma Constituição, com vistas a
garantir uma segura e saudável convivência entre os homens.
Interessante destacar que no âmbito internacional os direitos fundamentais são
designados como direitos humanos e sua adoção, pelas diferentes nações, foi recomendada
18566

pela Declaração Universal dos Direitos do Humanos promulgada pela Organização das
Nações Unidas (ONU).
Quanto as características inerentes aos direitos fundamentais José Afonso da Silva
elenca as seguintes: historicidade (sua construção e concretização ocorreu a partir de fatos
históricos), inalienabilidade (não podem ser comercializados), imprescritibilidade (o decurso
do tempo não obsta o seu exercício), irrenunciabilidade (o seu titular não pode deles abrir
mão), pessoalidade (não se transmitem entre gerações por herança), relatividade (não são
absolutos, diante do caso concreto pode-se relativizar a aplicação de outro direito
fundamental), concorrência (em uma mesma situação poderão ser aplicados mais de um
direito fundamental ao mesmo tempo), universalidade (devem ser declarados por todos os
estados e para todos os indivíduos), irretroabilidade (uma vez concedidos pelo Estado, não
poderão, em qualquer hipótese, retirados do ordenamento jurídico). (SILVA, 2003, p. 180-
182).
No Brasil, os direitos fundamentais estão dispostos no Título II de nossa Carta Magna,
distribuídos em cinco capítulos, a saber: capítulo I - versa sobre direitos e deveres individuais
e coletivos; capítulo II – trata dos direitos sociais; Capítulo III - estabelece regras sobre a
nacionalidade; capítulo IV - dispõe sobre direitos políticos e capítulo V que dedica especial
atenção aos partidos políticos.
O direito à educação, enquanto direito fundamental que é, encontra-se inserido no
capítulo II, art. 6º nos seguintes termos:

São direitos sociais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o


lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Quando o legislador constituinte deu à educação status de direito fundamental no


citado dispositivo, automaticamente lhe atribui todas as características inerentes a esta
condição, de sorte que, como direito fundamental, deve ser assegurado a todos os indivíduos,
ninguém dele pode abrir mão, e em qualquer idade, eis que, toda pessoa, independente de seu
estado físico ou desenvolvimento mental, tem direito à educação.
Foi a partir desta premissa constitucional, que elevou o direito à educação a categoria
dos direitos fundamentais, que as demais regras constitucionais pertinentes à educação foram
estipuladas.
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Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 dedicou Seção I (arts. 205 – 214) do
capítulo III, do Título VIII, a configuração do direito a educação e estabeleceu as premissas
básicas para efetivação eficaz deste. O que, para, José Afonso da Silva demonstra a concepção
de educação tutelada pelo legislador, entendida a educação como “[...] processo de
reconstrução da experiência é um atributo da pessoa humana, e, por isso, tem que ser comum
a todos. [...] direito de todos e dever do Estado.” (SILVA, 2003, P. 812)
Assim, no próximo tópico pretende-se este entendimento sobre a educação como
direito de todos e como dever do estado e da família.

O direito à educação, dever do estado e da família

O artigo 205 da Constituição Federal do Brasil assim dispõe:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua
qualificação para o trabalho.

A educação assegurada constitucionalmente no Brasil se constitui um direito precípuo


a todos os cidadãos e não se coaduna ao entendimento de se tratar apenas de uma mera
instrução, é muito mais ampla, eis que tem como objetivos possibilitar o pleno
desenvolvimento das capacidades e potencialidades humanas, habilitar o indivíduo para o
exercício das atividades inerentes a sua condição de cidadão e ainda, preparo e instruí-lo para
a prática laboral.
Há que se destacar, também, que o direito à educação apresenta-se como um dever que
em primeiro momento é atribuído ao Estado, mas que se estende a sociedade como um todo,
especialmente, à instituição familiar.
Nesse sentido escreve Elias de Oliveira Motta (1997, p.168):

O papel do Estado na ação educativa inicia-se com a obrigação de construir,


organizar e manter escolar, proporcionando a democratização e a gratuidade do
ensino, especialmente no nível constitucional de obrigatoriedade, bem como zelar
pelo respeito às leis do ensino, para avaliação das instituições e pelo
desenvolvimento do nível de qualidade do ensino.

A colaboração da sociedade também se faz necessária, principalmente para suprir as


deficiências do Estado na promoção e incentivo a educação. [...]
18568

Porém inegável é papel do estado neste contexto, responsável, em grande escala por
possibilitar o acesso a todos os cidadãos, tanto que Marcos Vinícius Bittencourt é categórico
ao afirmar que “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, sendo o
não oferecimento do mesmo pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, acarretar
responsabilidade da autoridade competente.” (BITTENCOURT, 2007, p. 271).
É com base então na concepção de educação aqui colocada, que, o legislador
estabelece os princípios e preceitos afetos à educação e ao ensino, a configuração das
universidades e também as políticas de desenvolvimento educacional a serem engendradas
pelo poder público.

A Ação Socioeducativa

No Brasil, todos os direitos humanos reconhecidos internacionalmente às crianças e


adolescentes foram assimilados pela Constituição Federal de 1988, como pode ser observado
no seu artigo 227:

Artigo 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Este dispositivo constituiu uma síntese do conteúdo da Convenção da Organização das


Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, configurando, assim, o conjunto de direitos
fundamentais a ser promovido pelo Estado, pela família e pela sociedade em três áreas
básicas: o direito à sobrevivência (vida, saúde, alimentação); o direito ao desenvolvimento
pessoal e social (educação, cultura, lazer e profissionalização) e, o direito à integridade física,
psicológica e moral (dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária).
Acrescente-se, ainda, que os entes corresponsáveis devem proteger as crianças e adolescentes
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi promulgado no Brasil pela Lei n° 8.069,
de 13 de julho de 1990 no percurso de um processo de abertura política, após duas décadas de
regime ditatorial e quase 60 anos de tentativas de reformulação do Código de Menores de
1927, a partir de pressupostos da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre
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os Direitos da Criança (1989) a Constituição Federal, consagrou a Doutrina da Proteção


Integral.
Desde a implantação do Estatuto não se usa mais a palavra “menor”. Pessoas em idade
inferior a 18 anos são sempre crianças ou adolescentes, independentemente de sua condição
jurídica. O Estatuto da Criança e do Adolescente partiu da concepção de “sujeito de direitos”,
prevendo, assim, a garantia ampla dos direitos pessoais e sociais de crianças e adolescentes.
Importante ressaltar que a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente
passa a ser dever de todos conforme o artigo 227 da nossa Constituição: a família, a sociedade
e o Poder Público, nesse novo contexto, passam a ser corresponsáveis, assumindo papel
essencial. O “sistema de garantia de direitos” compõe dois terços de seus artigos (livro II) e
definem uma série de mecanismos voltados à efetivação desses direitos.
Alguns dos instrumentos e instâncias desse sistema são, por exemplo, a descentralização das
políticas públicas na área da infância e da adolescência, que foram municipalizadas; a criação
de Conselhos de Direitos, para formulação, deliberação e fiscalização de políticas; a criação
de Conselhos Tutelares, para atendimento às crianças e aos adolescentes; e o surgimento da
ideia de co gestão entre Estado e sociedade civil.
No campo jurídico, há o surgimento do sistema de responsabilização penal do
adolescente autor de ato infracional (estabelece um modelo de responsabilidade penal juvenil
para adolescentes a partir dos 12 até os 18 anos de idade) e das ações civis públicas como
instrumentos de exigibilidade dos direitos da criança e do adolescente3.
A atuação do sistema de Justiça não tem mais o viés assistencial, passando a ser
responsável exclusivamente pela composição de conflitos. Foram retiradas da esfera do
Judiciário as questões relativas à falta ou carência de recursos materiais, estas atribuições
tutelares se deslocaram para a esfera do Poder Executivo Municipal. Ao regulamentar a
Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes, o Estatuto promoveu uma ruptura
com o sistema menorista anteriormente vigente, baseado na doutrina da situação irregular.
Porém, a simples alteração legislativa não basta para mudar antigos hábitos consolidados sob
a cultura do menorismo. O grande desafio é a aplicação do ideal presente no Estatuto da
Criança e do Adolescente e a busca pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes
nele previstos.

3
O artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente define criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.
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“Exclusão social” e a inconveniente “inclusão”

Ao tratarmos de Educação como fator de “inserção social” é necessário em um


primeiro momento conceituar esta expressão. A partir do discurso político a respeito das
ações de inclusão, percebem-se o privilégio da classe dominante em detrimento aos menos
favorecidos, abrindo o espaço muito mais à exclusão do que a inclusão4. Assim, à noção de
exclusão estaria implícita a noção de inclusão como uma positivação em relação a uma
problemática social5.
O conhecimento que se tem de pobreza é observada através do conceito do que é ser
pobre, ou como ela pode ser percebida pela população em geral. Elementos que são
considerados como característicos estão relacionados ao rendimento familiar, poder de
compra, expectativa de vida, analfabetismo, reveladores de parâmetros capazes de identificar
a condição social do indivíduo. Para Bauman (2008, p.75):

Na sociedade de consumidores, os “inválidos” marcados para a exclusão são


“consumidores falhos”. De maneira distinta dos considerados inadequados à
sociedade de produtores, não podem ser concebidos como pessoas necessitadas de
cuidados e assistência, uma vez que seguir e cumprir os preceitos da cultura de
consumo é algo considerado permanente e universalmente possível.

Dessa forma Bauman descreve como excluídos aqueles que possuem poder de compra
reduzido, ou pior, não consomem, algo que na modernidade líquida é inconcebível. Da
mesma forma, para Castel (2006, p.63):

Os excluídos não constituem, propriamente, um grupo homogêneo. São mais


precisamente conjuntos de indivíduos separados de seus atributos coletivos,
entregues a si próprios, e que acumulam a maioria das desvantagens sociais: pobreza
falta de trabalho, sociabilidade restrita, condições precárias de moradia, grande
exposição a todos os riscos da existência, etc.

Além disso, é preciso refletir a respeito da qualificação de “grupo social” e


“pertencimento” tendo em vista a existência de conjuntos de indivíduos que compartilham de
condições de vida comuns. Castel (2006, p.76) considera que:

4
Para Pinheiro, 1997, a combinação de uma falta de controle democrático sobre as classes dominantes e a
negação dos direitos para os mais pobres reforça as diferenças sociais hierárquicas, fazendo com que os direitos
e o império da lei sejam pouco mais que uma cortina de fumaça para uma terrível dominação. Para a maioria de
pobres e destituídos, o poder intocável continua a ser a face mais visível do Estado.
5
O Brasil, de acordo com Pinheiro, 1997, a exemplo de outros paises latino americanos, é uma sociedade que se
baseia na exclusão, uma democracia sem cidadania.
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Esta qualificação de “grupo social” para coleções de indivíduos para os quais se


sublinha geralmente o isolamento e a separação em relação às pertenças coletivas só
é chocante se guardamos o hábito de pensar os grupos sociais como atores coletivos
portadores de uma dinâmica positiva, representação que estava no âmago da
representação clássica das classes sociais. Se analisarmos, contudo, grupos sociais
em declínio, compreende-se que podem existir também formas de pertença coletiva
que reúnem mais características negativas (a pobreza, a estigmatização, a inutilidade
social, o ressentimento, etc) do que atributos positivos.

Porém, existem aspectos a serem considerados os quais sugerem a adaptabilidade


social do indivíduo, como é o caso do trabalho. Nesse sentido, o trabalho como mecanismo de
produção de rendas é entendido como elemento de inserção social. Portanto, considera-se a
“inserção social” como a possibilidade de acesso dos indivíduos de uma sociedade, aos bens e
produtos oferecidos.
Bourdieu (1985) estuda a influência da herança cultural e social da desigualdade
escolar. Em sua obra “Les heritiers” o autor apresenta a escola como instrumento democrático
de mobilidade social, e também de legitimação de desigualdades de oportunidades diante de
uma sociedade onde se privilegia o mérito e os dons pessoais. A influência das desigualdades
econômicas, o papel da herança cultural se constitui em um patrimônio favorável as classes
dominantes, transformando-se em um produto social.
Critérios que auxiliam o indivíduo a acessar os meios de produção através da instrução
e da capacidade técnica aprendida são desenvolvidos no espaço escolar. Para Bourdieu é
função da escola não apenas consagrar a distinção das classes cultivadas, mas, separar através
do saber que ela transmite os que a recebe do restante da sociedade, mediante um conjunto de
diferenças sistemáticas, de modo que,

Aqueles que possuem como “cultura” a cultura erudita veiculada pela escola
dispõem de um sistema de categorias de percepção, de linguagem, de pensamento e
de apreciação, que os distingue daqueles que só tiveram acesso à aprendizagem
veiculada pelas obrigações de um oficio ou que lhes foi transmitida pelos contatos
sociais com seus semelhantes (Bourdieu, 2005, p.221).

Considerar a educação como fator de inserção social, sobretudo quanto aos


adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa é perceber como o indivíduo aprende
a pensar e agir pelas influências do seu meio e ao mesmo tempo intervir. As influências
positivas ou negativas da educação que recebe, e dentro dela, as formas de avaliação a que é
submetido, poderão interferir no seu modo de ser cidadão, carregando então as consequências
da escola para a sociedade.
18572

O que impulsiona a aprendizagem é por um lado a contradição entre as tarefas teóricas


e práticas resultantes dos atos de ensinar, pesquisar e aprender e de outro, o nível de
conhecimentos e a capacidade dos alunos.
Tratar as formas de inserção social através do paradigma da escolarização sugere
transformações nos conhecimentos, nas atitudes e nas práticas do professor, bem como dos
estudantes e de suas relações com as aulas como espaço de diversidade e emancipação.
O desafio é religar o que era considerado como separado. Ao mesmo tempo, é preciso
aprender a fazer com que as certezas interajam com a incerteza. Este religar permite
contextualizar corretamente, para refletir e tentar integrar o saber a vida. Essa prática deve ser
assumida como um processo formativo e político, que busca muito mais que resultados
numéricos que quantificam e classificam os alunos, mas um caráter de denúncia e de
emancipação.
No entanto, para que haja a mudança é necessário considerar objetivos políticos que
venham a proporcionar essa prática, assim como princípios científicos e metodológicos que
traduzam coerentemente o novo sistema de educação, para que nosso país reescreva a sua
história.
De modo que, é imprescindível o preparo do profissional da educação quanto a uma
proposta de inserção social. O professor consciente destas expectativas tem na ação
pedagógica inovadora o instrumento para a produção do novo conhecimento, para que possa
formar sujeitos com autonomia, o que é sem dúvida uma forma de promoção do ser humano,
significado essencial da educação.
É através da superação dos condicionantes tidos como barreira para educar, que se
realiza uma política orientada pela democratização de oportunidades de educação,
evidentemente dentro de um processo nacional mais amplo de respeito a dignidade do
indivíduo.
A ação educativa é o reflexo do compromisso de mudança na condição de sujeito que
sobrevive aos sistemas de reprodução da desigualdade e a difusão de ideias que legitimam a
opressão. É pela elaboração de competências e o preparo do profissional que se consolida a
criação da igualdade entre os homens e a pregação da liberdade.
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Considerações Finais

O presente trabalho preocupou-se em analisar o tratamento conferido ao Direito à


Educação pela Constituição Federal de 1998, especialmente no que refere a condição de
fundamental, bem como o papel da socioeducação como fator de inclusão social.
Do trabalho aqui engendrado, verifica-se que o legislador constituinte de 1988 elevou
o direito à educação à categoria dos direitos fundamentais o que implica dizer, que este deve
ser tratado cuidadosamente por cada um dos entes políticos que tem o dever de concretizá-lo,
isto é, União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Para tanto, foram estabelecidos preceitos básicos a serem observados pelo Estado no
que diz respeito ao direito à educação, a forma segundo a qual os sistemas de ensino devem se
organizar, o modo pelo quais as ações estatais educacionais serão financiadas, e, por fim, o
que se pretende com o estabelecimento da política educacional constitucional.
Pois bem, todo o regramento analisado, tem por finalidade última priorizar a formação
humana, intelectual e cultural do cidadão brasileiro, de forma plena e eficaz.
A Constituição Federal de 1988 foi muito feliz ao cuidar com extremo zelo do direito
à educação, nenhuma outra carta anterior dedicou tamanha atenção ao ensino, a educação e ao
ser humano como um todo como fez o legislador constituinte de 1988.
Veja-se que as regras ora analisadas preceituam ações estatais que visem concretizar
um direito à educação universal, prioritário, com parcelas de investimentos consideráveis já
pré determinadas, tudo em plena sintonia com o Estado Democrático de Direito
Contemporâneo, entendido este como o modelo de Estado que além de pautar-se na
participação popular, produz leis, e, ao mesmo tempo, se submete a elas.
Dessa forma, de acordo com o disposto na Constituição Federal, bem como legislação
infraconstitucional, ECA e demais elementos normativos, a aplicação das medidas
socioeducativas não podem acontecer isolada do contexto social, político e econômico em que
está envolvido o adolescente. Antes de tudo é preciso que o Estado organize políticas públicas
para assegurar, com prioridade absoluta os direitos infanto juvenis. Somente com os direitos a
convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, e demais
direitos universalizados, será possível diminuir significativamente a prática de atos
infracionais cometidos por adolescentes.
Em continuidade às políticas sociais básicas, cabe aos serviços de assistência social a
garantia de proteção aos mais vulneráveis e vitimizados por meio de programas de proteção,
18574

como por exemplo: apoio socioeducativo em meio aberto, abrigo, apoio sociofamiliar e
demais programas previstos no ECA.
Por fim cabe aqui destacar-se que, o direito à educação carece neste momento de
maior efetivação. Conforme se percebe da análise aqui realizada, regras, princípios e nortes
normativos estão presentes de forma cabal em nossa Lei Maior, cabendo aos gestores
políticos encamparem ações específicas e concretas objetivando o atendimento educacional de
qualidade acessível a todos os cidadãos brasileiros.

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YOUF, Dominique. Juger et éduquer les mineurs déliquants. Paris: Dunod, 2009.

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