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DA DESIGUALDADE À DIFERENÇA:

DIREITO, POLÍTICA E A INVENÇÃO DA


DIVERSIDADE CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

SEMINÁRIO DE SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA II


SÉRGIO COSTA
FORMAÇÃO ACADÊMICA
• Graduação em Economia pela UFMG (1985);
• Mestrado em Sociologia pela UFMG (1991);
• Doutorado na Universidade Aberta de Berlim (1996);
• Pós-Doutorado na Universidade Aberta de Berlim (2001);
• Livre Docência na Universidade Aberta de Berlim (2005).

TRABALHOS ATUALMENTE
• Professor titular de Sociologia na Universidade Aberta de Berlim;
• Pesquisador associado do CEBRAP.

LINHAS DE PESQUISA
Sociologia Política; Sociologia Comparativa; Teoria Social Contemporânea.

TEMAS DE ESPECIALIZAÇÃO
Democracia e Diferença Cultural; Desigualdade Social; Racismo e Anti-Racismo;
Movimentos Sociais; Política Transnacional.
INTRODUÇÃO
ANOS 1980: expansão das políticas de proteção aos direitos culturais;
 WILL KYMLICKA: internacionalização dos direitos de minorias sociais pela agenda do...

MULTICULTURALISMO LIBERAL: identidades culturais como entidades ancestrais reproduzidas por processos
endógenos às minorias, sendo anteriores à própria política. Interpretação essencialista de cultura.

PAPEL DO ESTADO: assegurar e proteger esses direitos criando “barreiras” entre e no entorno de grupos culturais
minoritários, permitindo que tais identidades sejam reproduzidas e não sofram com a assimilação e marginalização de seus
aspectos pela cultura dominante.

CRÍTICAS: partem de uma interpretação dinâmica de cultura!


1. Processo de constituição de identidades não é pré-político e endógeno;
2. Minorias sociais se articulam conforme a oportunidade política a partir de relações no seu entorno;
3. Minorias defendidas pelos direitos culturais só adquirem esse status via reconhecimento legal.
INTRODUÇÃO
QUESTÃO: minorias antecedem o direito e a política ou são constituídas por ambos?

 4 ETAPAS DA ANÁLISE DE COSTA:


1. Sumário do debate teórico do multiculturalismo;
2. Panorama da profusão de movimentos étnicos e culturais na América Latina;
3. Transformações trazidas Constituição de 1988 à proteção dos descendentes de quilombolas;
4. Principais críticas à expansão internacional do multiculturalismo liberal.

FOCO DE ANÁLISE: compreensão mais ampla e realista do impacto das medidas implementadas!
DAS IDENTIDADES CULTURAIS
ÀS ARTICULAÇÕES DE
NOVAS DIFERENÇAS
PARTE I
PARTE I
 MULTICULTURALISTAS LIBERAIS:
1. Diferenças culturais não possuem valor intrínseco;
2. Tradições e repertórios culturais;
3. Formação de preferências e autonomia individual.

• IMPORTÂNCIA DA PERTENÇA CULTURAL:


1. Direciona as escolhas a serem tomadas para assegurar bem-estar;
2. Espaço primário de identificação na constituição da identidade.

• FUNÇÃO DO ESTADO VIA POLÍTICAS PÚBLICAS:


Proteger e estimular a diversidade cultural e reconhecer direitos de grupos culturais minoritários para que
indivíduos constituam sua identidade e esta lhe confira sentido “operacional” e existencial.
PARTE I
 CRÍTICA PÓS-ESTRUTURALISTA:
• ML promove construções identitárias homogeneizantes que buscam “situar” a cultura!
• BHABHA, GILROY, HALL: expoentes dos estudos pós-coloniais, base teórica da crítica;
• Emprego do conceito de diferença – não como estoque, mas como fluxo;

 “Différance” – NEOLOGISMO DE JACQUES DERRIDA


1. Não traduzível no processo de significação dos signos;
2. Não operacionalizável nas polaridades identitárias;

DISTINÇÕES BINÁRIAS: modo ocidental logocêntrico de aprender o mundo;


elemento constitutivo na base das estruturas de dominação.

OBJETIVO: escapar da ideia de uma identidade fixa e essencial, impingida ou autoatribuída, desconstruindo discursos polares
que opõem eu/outro ou nós/eles!
PARTE I
 CRÍTICA PÓS-ESTRUTURALISTA:
• Colonialismo/imperialismo, nacionalismo e multiculturalismo e a diferença:
CORRESPONDÊNCIA: inserção sociocultural numa estrutura linguística pré-discursiva;
lugar enunciatório determinado no jogo linguístico e político.

• AUTORES: identificação como posição circunstancial nas redes de significação!

• MULTICULTURA: esvaziamento da força das adscrições culturais na determinação das posições


assimétricas de poder!

• COEXISTÊNCIA: ideal da convivência – “[...] experiências cotidianas de contato, cooperação e conflito


que atravessam a impermeabilidade das fronteiras de raça, cultura e etnia [...]” (COSTA, Sérgio. pp.
150)
PARTE I
 CRÍTICA PÓS-ESTRUTURALISTA:
• Momento de representação da diferença é simultâneo à sua construção/articulação;
• Inexiste ente social anterior à representação que surgisse e se marcasse politicamente;

ASCENSÃO POLÍTICA DAS MINORIAS: processo de junção circunstancial e contingente


do discurso identitário com um grupo que passa a articular suas diferenças em torno de tal discurso, que
pode ser variável conforme ocasiões distintas e bandeiras distintas.

REPRESENTAÇÃO INSTITUCIONALIZADA: esforço de fixidez e congelamento da diferença,


fundamentalmente móvel, flexível e variável!
CONSTRUINDO A DIVERSIDADE
NA AMÉRICA LATINA

PARTE II
PARTE II
 ANOS 1980: explosão da diversidade cultural na América Latina!

• TENTATIVAS DE CATEGORIZAÇÃO: reinvenção de identidades étnicas?


emergência de novas formas de “indigeneidade” ou de “negritude”?
processo de etnização de políticas ou politização de etnias?

 POR QUE SOMENTE A PARTIR DOS ANOS 1980?


• Papel da ideologia da mestiçagem, plástica e inclusiva;
• Historicamente países latino-americanos conseguiram acomodar diferenças culturais;
• Grande estabilidade nos laços de pertença simbólica entre membros.
PARTE II
 RAZÕES PARA A EXPLOSÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL:
1. Avanço da agenda cultural no âmbito internacional;
2. Democratização e institucionalização de políticas multiculturais;
3. Conexões entre desigualdade social e diferenças culturais;
4. Emergência de movimentos sociais, ONG’s, especialistas e ativistas políticos.

ANOS 1980: penetração do multiculturalismo na agenda das agências internacionais


Kymlicka definiu esse processo como “odisseia multicultural”

PRINCIPAIS AGÊNCIAS: Banco Mundial, ONU e OIT (mundial) e CIDH e OEA (América Latina)

PRINCIPAIS MECANISMOS: Convenção 169 da OIT (1989)


Conferência de Durban (2001)
Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007)
PARTE II
 REDEMOCRATIZAÇÃO DOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA NOS ANOS 1980
• Conquista de direitos sociais pelas minorias por meio de garantias constitucionais:
1. Demarcação e regularização fundiária de terras indígenas;
2. Programas especiais de acesso à saúde pública;
3. Oferta de educação bilíngue.

SIMULTANEAMENTE: Consenso de Washington (1989)


• Políticas de promoção da diversidade cultural como exceção aos cortes de gastos;

CONSEQUÊNCIAS: Maior acesso a oportunidades políticas incentivaram grupos sociais minoritários a se


rearticularem politicamente, enfatizando publicamente suas diferenças.
PARTE II
 REIDENTIFICAÇÃO ÉTNICO-CULTURAL ASSOCIADA ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS
• Assimetrias econômicas, políticas e legais;
• Adscrições de natureza étnica, racial e cultural.

STEWART (2000): conceitos de desigualdade horizontal e desigualdade vertical


• Interiorização de fronteiras entre grupos levadas a cabo pela desigualdade;
• Indivíduo pertencente a um grupo minoritário discriminado externa e internamente.

 SEGUIMENTO DE NORMAS INTERNACIONAIS PELOS GOVERNOS NACIONAIS


• Complexo processo de interpretação e agência política;
• Intermediários entram em cena para auxiliar as minorias a obterem seus direitos.
PARTE II
MARTÍ Y PUIG (2010): distinção entre atores “de baixo e de fora” e os “de cima”

• 1ª CATEGORIA: Igreja Católica e os antropólogos como grandes incentivadores de mobilizações


políticas por parte populações indígenas junto ao Estado.

• 2ª CATEGORIA: Ativistas em redes de promoção (advocacy networks). De diferentes partes do mundo,


constituíram ramificadas redes de ativismo, influenciando a configuração de movimentos indígenas e
articulando-os na defesa de outras causas.

CASO DO MOVIMENTO NEGRO: ONG’s, sociólogos e intelectuais negros responsáveis por decodificar
e traduzir dados e conclusões de pesquisas para formular argumentos políticos que incentivem a
mobilização.
LEI E LENDAS: UMA
EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

PARTE III
PARTE III
 CONSTITUIÇÃO CIDADÃ (1988): texto constitucional progressista!
• ARTIGO nº 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
• ARRUTI (2000) problematiza a noção legal do termo quilombo;
• Movimentação ainda incipiente de comunidades negras no Pará e Maranhão;

 POR QUE O ARTIGO nº 68 FOI INCLUÍDO?


1. Existência de diversas formas de posse de terras rurais sem estatuto legal;
2. Papel simbólico do quilombo como forma de resistência à opressão da escravidão.

ANOS 1990: pela atuação ativa de antropólogos, ativistas e religiosos, movimento das comunidades
remanescentes de quilombos passam a pleitear regularização fundiária.
PARTE III
2003: decreto presidencial implementa a regularização de terras das comunidades remanescentes de quilombos
• CRITÉRIO DE RECONHECIMENTO: autoidentificação
• OBJETIVO DO DECRETO: titulação de terras não aos indivíduos, mas às comunidades!
• TERRA passa a conferir valor enquanto TERRITÓRIO!

2004: Programa Brasil Quilombola


• Articulação de ações conjuntas de 23 ministérios e órgãos federais;
• METAS: acesso à terra, construção de moradias, escolas e postos de saúde, eletrificação, recuperação
ambiental, incentivo ao desenvolvimento local, cadastramento em programas de transferência de renda e
medidas de preservação e promoção cultural;
• 2011: 3.524 comunidades quilombolas reconhecidas legalmente.
COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MOCAMBO (SE)

• Fortemente conectada com a comunidade indígena xocó, sua vizinha;


• Historicamente ameaçadas por ocuparem de forma irregular terras públicas;
ANOS 1940/50: ingresso de moradores locais às ligas camponesas presentes na região;
• Dificuldade em estabelecer fronteiras étnicas entre as comunidades;
ANOS 1970/80: apoiado pelo CIM, os xocó assumem publicamente sua identidade indígena, o que lhes permite
por prerrogativas do direito indígena, regularizar as terras por eles habitadas.
MOCAMBO: mesmo estando em situação precária, os agentes pastorais ligados à Igreja Católica que trabalhavam
na região tiveram dificuldades em convencer os habitantes a seguirem o caminho dos xocó em também assumirem
sua identidade quilombola!
• POR FIM: depois de muitas discussões e disputas, os habitantes cedem às vantagens legais e passam a se
identificar publicamente como comunidade remanescente de quilombo.
• Ampliação dos interlocutores externos;
• Memória da resistência à escravidão reavivada pela ressignificação de cantos e danças;
PARTE III
 REFERÊNCIAS TRANSNACIONAIS NORTEIAM A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA:
• Alusões à diáspora africana;
• História global da escravidão;
• Solidariedade e resistência à opressão racial;

 NOVOS DIREITOS CULTURAIS: mecanismo catalisador da reidentificação étnica!


• Nexos entre desigualdade social e diferença cultural;
• NO PLANO NACIONAL: movimento negro, ativistas políticos e ABA;
• NO PLANO LOCAL: agentes pastorais, antropólogos individuais, militantes políticos e agentes de órgãos
estatais;
CONSIDERAÇÕES FINAIS

PARTE IV
PARTE IV
 ML: referência teórica e marco orientador de políticas públicas transnacionais!
• FUNDAMENTO TEÓRICO: preservação dos repertórios culturais é essencial para garantir liberdade e
sentido às escolhas individuais. Legitimidade dos direitos culturais das minorias não pelo valor intrínseco
das culturas, mas pelo exercício pleno da autonomia individual.
• NOÇÃO ESSENCIALISTA: identidade cultural entendida enquanto reflexo de estoques de representações
e modelos de pensamento e ação prévios às relações sociais.

 CRÍTICAS: identificações culturais são temporárias e não repetem continuamente supostos repertórios
culturais aprendidos!
• NOÇÃO PÓS-ESTRUTURALISTA: identificações culturais enquanto articulação de diferenças que
expressam a multiplicidade das formas culturais, permitindo selecionar aspectos culturais não pertencentes a
um mesmo conjunto de significados para construir identificações válidas para formas específicas de
interação social com outros indivíduos.
PARTE IV
 CRÍTICAS: “miopia” do ML para o nexo entre identificação cultural e desigualdade social!
• Minorias enquanto portadoras de repertórios culturais distintos da cultura majoritária?
• DIFERENÇA CULTURAL: não possui existência própria, exterior à política e relações de poder, sendo
enunciadas a partir de uma posição particular de grupos e indivíduos já situados numa estrutura local, nacional
ou global de desigualdades.

 ANÁLISE DAS POLÍTICAS CULTURAIS ADOTADAS NA AMÉRICA LATINA:


1. Profundas transformações nas culturas minoritárias pelo contato com a cultura dominante;
2. Multiplicidade de papéis políticos estranhos às tradições a serem preservadas;
3. Criação artificial de minorias culturais até então inexistentes.
• CONCLUSÃO: direitos culturais não podem ser dissociados de direitos sociais, pois caso contrário, os
primeiros convertem-se em substitutos precários na ausência dos segundos!
BIBLIOGRAFIA
COSTA, SÉRGIO. DA DESIGUALDADE À DIFERENÇA: DIREITO, POLÍTICA E A
INVENÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL NA AMÉRICA LATINA. REVISTA DE
SOCIOLOGIA DA UFSCAR. SÃO CARLOS, V.5, N.1, JAN-JUN. 2015, PP. 145-165.

Rafael Augusto Maricato Boemi – R.A.: 743964 – TURMA: A


Prof.ª Dr.ª Jacqueline Sinhoretto

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