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GABUS MENDES: GRANDES MESTRES DO RÁDIO E TELEVISÃO | ELMO FRANCFORT

VERSÃO PARA IMPRENSA (NÃO AUTORIZADA A DISTRIBUIÇÃO PÚBLICA)

GABUS MENDES
GRANDES MESTRES DO RÁDIO E TELEVISÃO

Elmo Francfort
Colaboração: Marcela Bezelga

Textos especiais: Vida Alves

Prefácio: Mauro Alencar

Setembro, 2015

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GABUS MENDES: GRANDES MESTRES DO RÁDIO E TELEVISÃO | ELMO FRANCFORT
VERSÃO PARA IMPRENSA (NÃO AUTORIZADA A DISTRIBUIÇÃO PÚBLICA)

Prefácio
No Rádio e na TV, a genialidade de três gerações

Se na vida cotidiana, Tolstói, um dos pilares da literatura russa e universal, costumava lembrar à sua
legião de leitores que para ser universal era preciso primeiramente retratar a aldeia local, o histórico
artístico da família Gabus Mendes, consciente ou não, levou tal expressão ao paroxismo. Pelo menos foi
o que atestei por ocasião do VIII Congresso Mundial da Indústria da Telenovela e Ficção, em Lima, ao
ser convidado para prestar homenagem à trajetória de Cassiano Gabus Mendes na TV, em 2010. De um
lado, a plateia latino-americana identificava-se integralmente com as personagens de “Anjo
Mau”, “Locomotivas”, “Te Contei?”, “Marron-Glacé”, “Plumas e Paetês”, “Ti Ti Ti”, “Brega & Chique”... Do
outro, não menos atenta, a embaixada da Coreia, de forte presença no evento peruano, encantava-se
com o universo “capa e espada” de “Que Rei Sou Eu?” E, numa síntese de gêneros, todos se ligaram
também no melodrama clássico de “Meu Bem Meu Mal”, uma contemporânea mistura de “O Direito de
Nascer” com “Beto Rockfeller”.

Eu tinha 13 anos quando escutei pela primeira vez o nome de Cassiano Gabus Mendes. Foi na chamada
da novela “Anjo Mau”... Uma pequena revolução em nossa telenovela à época, 1976, pois trazia em seu
contexto uma dualidade "anjo e mau". Era a estreia do autor em novelas da Globo e somente bem mais
tarde, na Faculdade de Comunicação, em 1980, fui saber do talento revolucionário do criador da
atrevida babá que conquistou a audiência de norte a sul do Brasil. Muito antes, em 1968, já havia
apresentado à TV Tupi, como diretor artístico, a sinopse de “Beto Rockfeller”, que inaugura o "jeito
brasileiro de se produzir novela". Com um cargo executivo na emissora de Assis Chateaubriand,
Cassiano delegou a tarefa de escrever a novela a Bráulio Pedroso, um teatrólogo não menos
revolucionário que Cassiano, crítico, em particular, de nossa alta sociedade. Com Luis Gustavo à frente
do elenco e direção de Lima Duarte e Walter Avancini, a novela configura a primeira transformação de
linguagem na teledramaturgia nacional.

Por essa época, passeando com minha avó paterna pelo centro da cidade, deparei-me com mais uma
informação a respeito do talento da família Gabus Mendes: li numa placa próxima à Praça da República
o nome de Gabus Mendes. Minha avó informou-me então que a rua em questão homenageava um
grande radionovelista, Octávio Gabus Mendes, pai do autor do então sucesso “Anjo Mau”.

Cassiano teve um percurso histórico em nossa teleficção, iniciada com a produção da primeira peça
para a televisão: a adaptação do filme “A Vida por Um Fio”, em novembro de 1950, além da idealização
do “TV de Vanguarda” (com clássicos da literatura e do teatro), do seriado “Alô, Doçura!” e da novela “O

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Amor Tem Cara de Mulher”, trabalhos que muito bem poderíamos considerar como sementes de sua
futura obra na telenovela brasileira.

Com tantas histórias sedutoras, com tantas personagens a percorrer a nossa imaginação e realidade,
era natural que toda a trajetória de sua genialidade fosse registrada num livro. Não apenas a sua, mas
das três gerações da família Gabus Mendes. Das raízes, com o radialista Octávio Gabus Mendes
(também criador do programa “Cinema em Casa”); da implantação, sedimentação e modernização da
TV, com Cassiano Gabus Mendes; e da geração do audiovisual com Tato e Cassio, atores, filhos de
Cassiano.

Um talento que perpassa as três gerações, pois tanto Cassio quanto Tato vêm contribuindo
sistematicamente com trabalhos de inestimável valor, que contribuem diariamente para o sucesso de
nossa telenovela no Brasil e no exterior.

Cassio Gabus Mendes, ainda que mais jovem, iniciou a carreira na TV antes do irmão, em 1982,
com “Elas por Elas” e firmou seu talento com as personagens Franco (de “Pão Pão, Beijo Beijo”) e
Bruno, o ingênuo e atrapalhado auxiliar de mecânico, de “Brega & Chique”. Suas personagens, sua
entrega interpretativa, fazem dele nosso amigo logo à primeira vista. Parece que conhecemos suas
criaturas há muito, faltando apenas uma apresentação, como o gentil Afonso Roitman de “Vale Tudo”.
Suas envolventes personagens, a maneira como Cassio constrói suas figuras tão humanas - corpo e
alma - parecem saídas da escola clássica de Constantin Stanislavski.

Tato Gabus Mendes, chegando ao reino do faz de conta em 1985, com “Ti Ti Ti”, ao contrário do irmão,
parece pousar sempre um olhar crítico sobre as suas personagens. Foi assim com o republicano José de
“Sinhá Moça”; Maurício de “Brega & Chique”, o Alcebíades de “Quatro por Quatro” ou o Severo
de “Império”; além, é claro, de seu trabalho mais emblemático, o mendigo Pichot transformado no rei
Lucien de “Que Rei sou Eu?” olhando em perspectiva sua notável carreira de ator, Tato estaria de
acordo com a preconização artística proposta por Bertolt Brecht.

Tudo isto posto na mesa, nada mais justo que toda esta corrente artística receba e seja comportada por
mais um belíssimo registro histórico feito por Elmo Francfort, com seu habitual talento para investigar os
meandros dos labirintos televisivos e seu aguçado perfil de executivo de televisão. “Entre a Técnica e o
Artístico” (para utilizar o nome de um dos capítulos da obra literária em questão), Elmo capta a essência
da família Gabus Mendes, grandes Mestres do rádio e da televisão, e nos convida a embarcar na
História com luz, câmera e muita inspiração. Sim, Elmo, o privilégio é nosso de recebermos um convite
tão rico de informações e emoções. Certamente no trilho da Locomotiva comandada pela família Gabus
Mendes e contada por você, a vida será uma experiência ainda mais fascinante...

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Mauro Alencar
Doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana – USP
Membro da Academia Internacional de Artes e Ciências da Televisão de Nova York (EMMY)
Consultor e Pesquisador da Globo

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Índice

1. Dedicatória .......................................................................... 00

2. Prefácio, por Mauro Alencar ...................................................... 00

3. Apresentação, por Elmo Francfort ............................................... 00

4. Capítulos

I. Raízes ................................................................................ 00
 Texto especial: "Conheci Octávio Gabus Mendes", por Vida Alves
 O mapa da mina
 É menino
 Os Gabus Mendes
 O amor pelo cinema
 Uma coisa detestável
 O cineasta
 O esteio familiar
 A curiosidade
 Enfim, o rádio!
 "Rádio Record, a maior"
 Passagem rápida
 Após as flores, os frutos...

II. O filho de peixe ................................................................... 00


 Texto especial: "Teatrinho de Brinquedo", por Vida Alves
 Pequenos notáveis
 De pai para filho
 Unidas ou Associadas?

III. Do rádio à televisão .............................................................. 00


 Texto especial: "Minha vida de radioatriz", por Vida Alves
 A família Associada
 O apogeu

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 A barricada da Tupi
 A imagem no rádio
 Silêncio... no ar
 A cilada
 O retorno às Associadas
 Cinema tupiniquim
 A busca pela televisão
 TV para brasileiro ver
 E o artístico?
 A fase experimental

IV. A chegada da televisão .......................................................... 00


 Texto especial: "Vida agitada", por Vida Alves
 A tão esperada inauguração
 E o dia seguinte?
 Os primeiros tempos

V. O diretor artístico ............................................................... 00


 Texto especial: "O chefinho Cassiano", por Vida Alves
 A grande dupla
 A companheira
 O telejornalismo
 Rir, uma receita infalível!
 Uma televisão infantil
 A hora do esporte
 Os primeiros teleteatros
 O Grande Teatro Tupi
 Televisão à carioca
 O estrategista
 Um teatro de vanguarda
 Cassiano, o ator
 Depois do drama, a comédia!
 Alô, Doçura!
 O novelo da novela
 O Contador de Histórias
 O múltiplo

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 O interprograma
 Um ano estrelado

VI. Entre a técnica e o artístico ................................................... 00


 Texto especial: "Cassiano, o maior importante diretor de TV", por Vida Alves
 A direção de TV
 O espírito de equipe
 A TV conquista o cinema
 A experimentação
 A rede nacional
 O castelo de cartas
 Encontro de mestres
 "O rádio vai sumir"?

VII. A novela moderna .............................................................. 00


 Texto especial: "As novelas diárias", por Vida Alves
 Paixão nacional
 O espelho
 Eu também estou no 9
 A última esperança
 Sou Beto Rockfeller, meu chapa!
 Clima pesado
 As paixões de Cassiano
 O homem premiado
 A serviço da arte

VIII. O início do caos ................................................................ 00


 Texto especial: "Tempos difíceis", por Vida Alves
 A ruptura
 Lições de mestre
 Adeus, Sumaré

IX. Vida de novela ................................................................. 00


 Texto especial: "Novos horizontes", por Vida Alves
 Pintando o 7
 O grande Teatro 2
 Um caso especial

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 Não era "anjo", nem "mau"


 A locomotiva do sucesso
 Agora eu conto!
 Posso servir?
 Entre plumas e paetês
 Fofoca por Elas
 Um gole de mistério
 deu "ti ti ti" na audiência
 Nu com a mão no bolso
 O avô novelista
 O Rei Cassiano
 Eu quero melão!
 Novelas no exterior
 Créditos finais

X. A escalação ....................................................................... 00
 Texto especial: "Uma vez... Um chamado", por Vida Alves
 Homenagens a Cassiano
 Para sempre, Gabus Mendes

5. A criatividade, por Cassiano Gabus Mendes ................................. 00

7. Agradecimentos ................................................................. 00

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Apresentação

- Atenção, silêncio no estúdio! – se você já sentiu o friozinho quando um diretor falou isso, acredito que
estará comigo até o final desse livro. É uma obra que conta a evolução das comunicações no Brasil, de
modo geral, através de uma única família. Os principais personagens dessa produção são pai e filho:
Octávio e Cassiano Gabus Mendes. Eles passaram por quase todas as emissoras de rádio (e de
televisão, no caso de Cassiano).

Octávio Gabus Mendes, um dos maiores nomes do rádio brasileiro, foi inovador na maioria de suas
criações. Além do primeiro a fazer roteiros para televisão quando no país só se falava em rádio. É
também pioneiro no cinema mudo brasileiro – o que muita gente nem sabe que existiu.

Já Cassiano Gabus Mendes foi o primeiro diretor artístico de televisão do hemisfério Sul. Estava
dirigindo a pioneira TV Tupi muito antes dela ir ao ar. Foi o primeiro homem a estudar a estética da
televisão, indo aos Estados Unidos para desenvolver seus conhecimentos, a pedido de Assis
Chateaubriand. Depois criou praticamente todos os gêneros de nossa TV, assim como a base de nossa
teledramaturgia. “TV de Vanguarda”, “Alô, Doçura!”, “Beto Rockfeller” e tantas outras produções
desfilam por esse livro, assim com aqueles que junto dele concretizaram o sonho de dar aos brasileiros
a televisão. Cassiano foi o primeiro grande executivo de nossa televisão. Numa segunda etapa de sua
vida foi um consagrado novelista na Rede Globo, de tramas inesquecíveis como “Ti Ti Ti”, “Anjo Mau”,
“Locomotivas”, “Elas por Elas”, “Que Rei Sou Eu?”, “Plumas e Paetês”... São tantas novelas e com
tantos personagens insubstituíveis. Conheça aqui os bastidores dessas produções. Afinal, de onde
vieram as ideias? Descubra lendo.

Nesse livro, através de matérias antigas, depoimentos inéditos e de outros 140 (dados por grandes
personalidades do rádio e da televisão à Pró-TV), resgatamos a memória desses verdadeiros mestres,
grandes mestres, do nosso rádio e de nossa televisão. Entre os depoimentos, grandes nomes como
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), Silvio de Abreu, Lia de Aguiar, Benedito Ruy Barbosa, Goulart
de Andrade, Maria Adelaide Amaral, Luis Gustavo (também cunhado de Gabus Mendes), Elizabeth
Savalla, Lima Duarte, Laura Cardoso, Eva Wilma, Tony Ramos, Ana Rosa, Lia de Aguiar, Susana Vieira,
Tato Gabus Mendes e Cassio Gabus Mendes (netos de Octávio e filhos de Cassiano), Helenita Sanches
(viúva de Gabus Mendes) e um grande elenco estelar. Todos reunidos para contar a história que é de
todos que trabalham (em todas as áreas - dos artistas, passando por técnicos e produtores, indo até os
mais altos diretores), mas também de todos que assistem televisão, ouvem rádio e prestigiam o
cinema. Afinal, como sempre foi para os dois, o espírito de equipe está acima de tudo.

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A ideia desse livro não foi minha. Digo que foi do próprio Cassiano Gabus Mendes. Repetidas vezes
sonhei com ele dizendo que era necessário escrevê-la, com o apoio da Vida Alves, presidente da
Associação Pró-TV e colega de Gabus Mendes desde os tempos de rádio, quando crianças. Na segunda
metade de 2014, depois de um sonho forte, uma nova mensagem. Tive insônia, tomei coragem e
resolvi falar com Vida sobre o que se passava. Ela num primeiro momento assustou-se, mas depois
concordou. Demos prosseguimento ao projeto. Com a obra caminhando, Vida disse ser mais justo que
eu assinasse sozinho a autoria pelo estilo que eu imprimia. Agradeci, mesmo assim fiz questão de
manter seus textos especiais (que estão em outro cor, no início de cada uma das partes do livro). Como
ela diz: “dei minhas pitadinhas”. A ela dedico especialmente essa obra, como também a todos os
colegas que levantaram a bandeira - não apenas da Pró-TV, nesses 20 anos de existência
(comemorados em 2015), mas também a da nossa televisão. Curiosamente a ideia da associação
nasceu no velório de Cassiano. Vida é quem narrará essa história impressionante. Sobre ele,
acompanhei algumas de suas novelas e sabia de sua importância (meu tio foi um dos câmeras que ele,
como diretor de TV, ensinou tudo). Eu percebia a falta de justiça que havia com sua imagem - e ainda
mais com a de seu pai Octávio. A humildade de ambos acabou por sucumbir suas importâncias, num
mundo que é preciso gritar aos sete ventos o que se faz para ser valorizado realmente. Não basta
“apenas” fazer. Ainda assim, eles fizeram e criaram um respeito muito grande por parte dos colegas.
Como toda biografia há a vida pessoal, os bastidores de tudo, mas principalmente suas criações e o
progresso de nossa comunicação. Poderão ler sobre o nascimento do cinema, do rádio e da televisão
brasileira, obviamente sendo tratados pelo ponto de vista desses grandes mestres. De certa forma, foi
também assistindo às novelas de Cassiano, que também escolhi seguir na comunicação. Das diversas
áreas em que já estive, a que me dá mais prazer é criar roteiros, ter a arte de contar, de escrever
histórias. Cassiano, obrigado por me “escolher” aí de cima, para essa incrível missão.

Quero que você aí, que me lê, se surpreenda com as histórias que aqui estão. Eu também me
surpreendi ao descobri-las. Muitas inacreditáveis (pela presença de ambos em praticamente tudo que
hoje existe no rádio e na televisão). Felizmente não coloquei palavras na boca de ninguém, tudo é
sincero e verdadeiro. Eis agora, uma história que vai do início do século XX aos dias atuais. Luz,
câmera, inspiração. É a síntese da obra e o meu convite para embarcarem nessa história.
Elmo Francfort
Setembro, 2015

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I.
Raízes

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Conheci Octávio Gabus Mendes

Não me lembro a hora. Mas sei que era à noite. E era a Rádio Record. No auditório. Fui com minha
mãe, Dona Amélia, que gostava muito de música, de arte, de programas de auditório. E fiquei
encantada. Gostei não só do movimento, da alegria, dos participantes, mas sobretudo do apresentador.
Seu nome, lembro-me bem. Era Octávio Gabus Mendes. Sorridente, um pouco gordinho, menos de 40
anos, talvez uns 30. Não sei bem. Nos meus menos de 10 anos vi um homem maduro, mas
encantador. Tanto que a uma pergunta que fez ao auditório, tive coragem, me levantei e respondi. Ele
me pediu para ir ao palco. Imagine meu susto. Mas fui. Respondi, diante de todo mundo. E ganhei um
presente e um elogio do tal Octávio Gabus Mendes:

- Viram a garotinha? Que corajosa e bonitinha. Façam como ela. Venham. Venham.

Jamais me esqueci: Octávio Gabus Mendes. Quem era ele? Nem minha mãe sabia me explicar. E só
mais tarde fiquei sabendo e admirando cada vez mais, o importante radialista, que fez grandes
programas e teve grandes idéias. E que me chamou de bonitinha... Quanta emoção!

Não dá pra esquecer: Octávio Gabus Mendes.

Vida Alves

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O mapa da mina
São Paulo, Rua José Maria Lisboa. Era uma terça-feira, 17 de agosto de 1993. A campainha tocou...
Deu para ouvir bem, mesmo com todo aquele barulho de carrosvindo daRua Padre João Manuel, ali
perto. Ele se levantou de sua confortável poltrona vermelha e veio em direção à entrada do
apartamento. Logo encontrou uma equipe do jornal “O Globo”1. Tinha o alívio de ter escrito os últimos
capítulos de “O Mapa da Mina”, cumprindo mais aquela missão.A imprensa já queria saber seus planos
para o futuro... e a novela ainda estava no ar.

Qual era seu nome? Cassiano Gabus Mendes, 66 anos, filho do grande Octávio Gabus Mendes, além de
pai dos atores Tato e Cassio.

Lá vinha ele, com os óculos apoiados no peito, pendurados por um cordão. Levantou-os até o rosto para
enxergar com atenção a equipe, dizendo à repórter:

- Mas, você veio com fotógrafo? Não quero fazer fotos, passei o dia todo arrumando o escritório e nem
fiz a barba. Não quero aparecer assim para os meus fãs! - brincou.

A repórter tentou convencê-lo e logo começaram a conversar. Quais eram os próximos planos? Muitos!
Mesmo com problemas de coração, que já o atormentava há alguns anos, Cassiano queria mais. Era
incansável.

- Estou estafado por causa da novela. Vou agora descansar pelos próximos três meses. Depois, partirei
para uma nova criação, agora em teatro.

- Sobre o quê, senhor Cassiano?

- Me chame de Cassiano.

- Ok. Sobre o quê, Cassiano?

- Quero fazer uma comédia para teatro. Só fiz uma tentativa nesse sentido, em 1977. Adaptei a história
de "Te Contei?" para o Luis Gustavo, a Maria Della Costa e a Maria Cláudia encenarem em todo
país...mas não fez muito sucesso. Minha intenção agora é fazer algo mais original. Espero que consiga.

1
“O Mestre do Quiproquo” (O Globo, 19/08/1993).

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E continuaram a conversa, já estando Cassiano com a cabeça no futuro e esperando que o coração
fosse forte, como sempre foi. Queria ir adiante. Assim lembrava o pai Octávio, que uma vez ele
descreveu2:

- De grande capacidade criativa, era um homem que trabalhava de 16 a 18 horas por dia em cima de
uma máquina de escrever, ou nos microfones da Record, Bandeirantes e Tupi-Difusora.

O que era preciso para ser aquela fonte inesgotável de criatividade? Vamos então conhecer o “mapa da
mina”. Voltemos a 1927, para entender melhor sua genialidade.

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“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)

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É menino!

Era uma sexta-feira, dia 29 de julho de 1927. Octávio Gabus Mendes estava ansioso para saber as
novidades. Já tinha gastado as solas do sapato de tanto andar de um lado para o outro. O tempo
passava e nada, mas felizmente logo a notícia chegou:

- É menino, Senhor Octávio!

Viu-se então aquele homem, grande em tudo, alto e gordo, totalmente emocionado. O tamanho era
proporcional à sensibilidade daquele sujeito, amante das artes, mas também da família. Era seu
primeiro filho homem – que acabaria sendo o único, uma vez que os demais foram meninas. Naquela
ocasião só existia a pequena Maria Edith, que ainda engatinhava, quando Estherzinha engravidou
novamente de Gabus Mendes.

Octávio foi ao encontro da esposa e viu pela primeira vez aquele menino, chorando, com vontade de
viver. Ali decidiram:

- Seu nome será Cassiano, Cassiano como meu pai. – disse Octávio, numa homenagem que depois
emocionou sua mãe, a Vó Carolina, que enviuvou cedo.

Como era de costume na época, logo toda sociedade sabia da chegada do menino, nas publicações
que se faziam dos nascimentos em São Paulo. Assim escreveu, o Diário Nacional (página 4), do dia 31
de julho daquele ano:

“Com o nascimento do menino Cassiano, acha-se enriquecido o lar do Sr. Octávio Gabus Mendes e sua
esposa D. Esther Bueno de Moraes Mendes”.

A criança foi registrada como Cassiano Moraes Mendes, que no futuro usou o nome artístico de
Cassiano Gabus Mendes.

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O amor pelo cinema

Todos dizem que a televisão surgiu do rádio. Não está errado, afinal foram os radialistas que
implantaram a pioneira TV Tupi de São Paulo. Só que é preciso abrir um parêntese, pois já no rádio os
cinéfilos fizeram sua parte, estudando em profundidade o poder da imagem. Há dois grandes pilares
para se falar disso: Oduvaldo Vianna e, obviamente, Octávio Gabus Mendes.

Gabus Mendes foi, assim como Oduvaldo, considerado um dos grandes nomes do rádio brasileiro, mas
sempre deixou claro que a sua maior paixão – e a primeira – era o cinema.

A sétima arte chegou ao Brasil em 08 de julho de 1896, quando foram exibidos oito pequenos filmes,
cada um com cerca de um minuto, com cenas pitorescas do cotidiano europeu. O belga Henri Paillie
itinerava pela América divulgando o cinema. Foi o start para que aquela exibição, numa sala alugada
“Jornal do Commércio” (na Rua do Ouvidor, centro do Rio de Janeiro), fizesse com que o povo brasileiro
se apaixonasse pelo cinema. Um ano depois, na mesma cidade, foi aberta a primeira sala fixa de
cinema, dos irmãos Segretto, produtores dos primeiros filmes brasileiros. Aos poucos, bem aos poucos,
o cinema no Brasil foi se desenvolvendo. Ele ganhava novas salas e muitos adeptos...

- Meu Deus! A fotografia em movimento! Não vou assistir isso. Não tem som e é fantasmagólico.

Obviamente, nem todo mundo se adaptou... Felizmente era questão de adaptações e muitas eram elas.
Como se fazer cinema numa época em que nem o fornecimento de energia elétrica era algo tão
confiável? Em 1906 surgiram os primeiros filmes “posados” (de ficção) e dois anos depois, os primeiros
“cantados”, com os atores dublando ao vivo por trás da tela (o primeiro filme sonoro só veio em 1929,
com a comédia “Acabaram-se os Otários”). A maioria dos filmes eram pequenos documentários
(próximo aos anos 1920 surgiram os primeiros cinejornais), já tendo o cinema se expandido para várias
cidades, como São Paulo.Enquanto isso, noRio de Janeiro, a então capital federal, existiam 20 cinemas.
A partir de 1911, a imigração italiana em São Paulo trouxe da Europa novos apaixonados em fazer
cinema. Eles criaram as primeiras adaptações de livros, como os filmes “A Viuvinha” (1915), “O
Guarani” (1916, refeito também dez anos depois) e “Iracema” (1918).

É nesse ambiente que Octávio Gabus Mendes conheceu o cinema. Apaixonou-se de primeira e
fascinado, queria desvendá-lo. Passo a passo, analisando os detalhes como se fosse um bandeirante a
desbravar as matas. Imaginem como ele ficou ao descobrir o que eram fotogramas seqüenciais

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reproduzidos velozmente... Eles criavam movimento, ação... Sim. Mágica! Queria ver, ouvir, produzir,
criar e escrever sobre aquela arte tão fascinante!

Quando completou quinze anos herdou um bom dinheiro, após a morte de seu padrinho. O que fez
Octávio? Pegou a quantia, não depositou e entrou numa livraria, gastando tudo com livros sobre arte,
cinema e música.

Ele sabia onde aquilo ia chegar, acreditava na força da arte. Só que nem todos o entendiam,
começando por Carolina. Desde que ficou viúva, mudou-se para São Paulo e com o apoio dos irmãos e
cunhados conseguia se manter. Ao saber da compra de Octávio, bateu forte no garoto. Queria que ele
estudasse Medicina, conseguisse um emprego promissor e deixasse essa vida “boêmia”. A primeira
iniciativa foi conseguir um emprego para o filho no armazém de seu cunhado Horácio Mendes... mas
não era daquilo que ele gostava.

Octávio acabou conhecendo e se correspondendo com outro cinéfilo no Rio: Adhemar Gonzaga, que
tinha uma revista especializada chamada “Paratodos”. Foi lá que Gabus Mendes começou a escrever
suas primeiras críticas de cinema.Ele datilografava e mandava as notas pelo correio. Logo começou a
escrever também para “Cinearte”, a nova revista de Gonzaga.

Morava Octávio com sua mãe no bairro de Higienópolis, numa casa na Rua Baronesa de Itu, 458.
Carolina era muito religiosa e fazia parte da Irmandade do Santíssimo, que se encontrava na Igreja do
Coração de Maria. Quase sempre acompanhada do filho Octávio, foi lá que eles conheceram a senhora
Esther Moraes, que muitas vezes estava acompanhada de sua filha Estherzinha. De missa em missa,
procissão em procissão, Octávio e Estherzinha foram se encantando e se apaixonando, enquanto as
mães rezavam.

O boêmio Octávio começou então a investir na relação. Assíduo freqüentador da “Casa Bethoven”, o
point da juventude boemia paulistana, foi buscar ali alguns amigos. Fez serenatas à moça, que
debruçada na janela, se deslumbrava com Octávio.

A notícia correu solta e Carolina também ouviu as serenatas, afinal moravam perto. Sinal de novas
bordoadas. Não queria que um casamento atrapalhasse os estudos, muito menos com quem não tinha
(mais) dinheiro.

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Só que nada, nem ninguém, venceuos sonhos de Octávio. Ninguém ia tirar o cinema da vida dele, muito
menos o desejo de noivar com Estherzinha. A família de Octávio cedeu... Ele, Estherzinha e, claro, seus
amigos boêmios comemoraram. Assim relembra3 Maria Edith sobre o noivado dos pais:

- Para comemorar o noivado, Octávio reuniu a turma boêmia da cidade. Entre seus amigos estava
Zequinha de Abreu. Foi no piano da casa de Estherzinha (por mais pobres que fossem as moças da
época, tocavam piano) que Zequinha iniciou a composição de “Tico Tico no Fubá”, sendo essa a
história verídica da elaboração dessa famosa música, embora digam o contrário. Zequinha compôs
ainda uma valsa, “Eterno Enlevo”, dedicada aos noivos.

Naquela década de 1920, Octávio, já noivo, conseguiu reunir seus dois sonhos. Esther e o cinema.
Desacompanhados namoravam nos intervalos da projeção dos filmes ou ainda nas cenas mudas de
Rodolfo Valentino e Wilma Bank. Um beijo na tela, outro às escuras na plateia. As grandes orquestras,
que se apresentavam junto ao cinema mudo eram grandiosas. O público adorava. Ia ao cinema ver
filme, namorar... e ouvir música. Os noivos iam quase sempre ao Cine Royal, na Rua Sebastião Pereira,
perto do Largo de Santa Cecília. Depois logo voltavam para casa, se conhecendo mais, de pouco em
pouco.

Em 1924, os noivos tiveram então uma grande surpresa. Ou melhor, o estado de São Paulo todo.
Desde 1922, quando aconteceu a “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”, os ânimos estavam
acalorados. Os tenentes queriam acabar com as oliguarquias que controlavam o poder. Assim, sob o
comando do General Isidoro Dias Lopes, começou em 05 de julho de 1924 a segunda revolta
tenentista, que ocupou a cidade de São Paulo por 23 dias. A família de Estherzinha se refugiu em
Campinas, na casa de amigos, enquanto os Gabus foram para a fazenda dos Mendes, também nessa
mesma cidade.

Octávio, que queria casar, viu que o dinheiro que ganhava no armazém do tio Horácio era pouco, assim
como sua colaboração para revista “Cinearte”. Continuou apenas na revista, mas conseguiu emprego
na Casa Pratt e depois um cargo público na Repartição de Águas do Estado de São Paulo. Portanto,
continuou na cidade. Lá conheceu outros cinéfilos: Plínio de Castro Ferraz e Joaquim Guarnier. Eles
então idealizaram a cobertura, em formato de filme, da Revolta Paulista de 1924. Enquanto a cidade
era bombardeada, lá estavam eles filmando. Assim nasceu aquele “quase” documentário “Às Armas”,
seu primeiro filme como diretor. Estrelavam o filme Mechita Cobus e Diva Tosca (esposa de Raul
Roulien, astro brasileiro que ficou conhecido em Hollywood).
Com o fim da Revolução, Estherzinha e Octávio marcaram o casamento. Era 1925. Foram então ao Rio
de Janeiro, passar a lua de mel, a convite de Adhemar Gonzaga. Nem tudo correu conforme o
combinado, mas ao final, Octávio, teve uma reunião com Gonzaga (que gostou de “Às Armas” e era fã

3
Ibdem.

19
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de suas críticas) e esse quis que ele se mudasse para lá. Só que Octávio disse que não, que sua vida
estava em São Paulo. Adhemar Gonzaga então combinou que ele voltaria ao Rio, para trabalhar com
ele, quando estivesse pronto seu mais novo projeto: seus estúdios de cinema.

Esther e Octávio começaram sua vida de casal num modesto sobrado na Rua Bela Cintra – o último
patrimônio que sobrou da herança diluída de “Chico Rei”. Foi lá que nasceu, pouco tempo depois, Maria
Edith e o pequeno Cassiano.

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Uma coisa detestável

Uma novidade chegou ao lar dos Gabus Mendes meses antes de Estherzinha dar a luz a Cassiano.
Octávio ganhou de presente um novo objeto, meio estranho, um tal de rádio... Rádio de galena. Um
aparelho nada estético, que captava sinais de longe e os transmitia não se sabia como! Pequeno,
desajeitado e ainda com fones de ouvido. Será que aquilo ia pegar?

- Antes de começar no rádio, sempre fui um mau ouvinte. – conta4 Octávio Gabus Mendes, que não
entendia como alguém gastava dinheiro com algo que nem para sintonizar era fácil. - Achei rádio uma
coisa detestável. Galena... Ter que procurar, com um araminho em riste, o lugar certo pra poder
encontrar a estação. Que coisa!

Essas impressões vieram depois daquele dia 31 de janeiro de 1927, quando pela primeira vez ele
ouviu rádio. Como diziam ser a “nova sensação do momento”, logo quis experimentar. Queria Octávio
sair na frente, ao ouvir pelas ondas do rádio, o discurso de posse do presidente Washington Luís. Com
muita dificuldade o sinal era transmitido do Rio de Janeiro, à então capital federal, para São Paulo. De
lá era irradiado pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a primeira do país (inaugurada em 23 de abril
de 1923, comandada por Edgar Roquette-Pinto e Henry Morize) e retransmitido para São Paulo pela
Rádio Educadora Paulista (a única emissora da cidade, no ar desde 30 de novembro de 1923). Ter uma
sociedade ou clube de rádio e a partir delas, uma estação, não era algo fácil. Problemas de sinal, de
manutenção e de regulamentação das estações... Grandes desafios. O rádio, que chegou ao Brasil em
1922, contava ali com quase dez estações em todo país, em quase cinco anos de existência em solo
tupiniquim. Enquanto existia só a Educadora em São Paulo (fundada em 1926), no Rio de Janeiro
tínhamos a Rádio Sociedade, a Rádio Clube do Brasil e a Rádio Mayrink Veiga, sendo as demais na
Bahia, Pará, Paraná e Pernambuco. E só.

Gabus Mendes se irritava com aquela chiadeira e uns sem números de ruídos, mas queria ouvir as
propostas de Washington Luís para o Brasil. Estava impaciente, só tentou não demonstrar. Esther,
como sempre, estava por perto, cuidando da pequena Maria Edith e no terceiro mês de gravidez. Então
Octávio mexeu pra cá, mudou de lugar o rádio, endirentou a antena... e ufa! Com dificuldade poder
ouvir melhor a posse do novo presidente, através dos fones de ouvido... Logo foi pegando o jeito e
Octávio se aproximando do novo meio, mas sem grandes amizades. Só que sua curiosidade era a
mesma de muitos. Logo a família e os amigos passaram a ir até sua casa ouvir o tal “rádio”. Conta5
Octávio:

4
Ibdem.
5
Ibdem.

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- Lembro-me depois, que o pessoal de casa queria ouvir um concerto de música fina. Para que nossos
familiares pudessem ouvir a irradiação pegou-se um caldeirão de alumínio na cozinha. E lá é que ficou
depositado o alto-falante, isto é, os fones de ouvido. A família se reuniu em volta da mesa e todos
puderam ouvir a irradiação. O alto-falante veio depois. Melhorou.

Mesmo à contragosto, a curiosidade de Octávio não tinha fim. Começou a pensar que se o rádio se
aperfeiçoasse, poderia ser uma nova forma de irradiar idéias, projetos e até falar de cinema, quem
sabe.

- Os programas eram de uma infelicidade a toda prova e de uma falta de organização notável. É que
ninguém tomava de rádio, todos eram curiosos. – dizia6 ele. Naquele início de “namoro” com o rádio, só
desentendimentos, mas um grande casamento logo viria.

Assim, cresciam juntas duas novas paixões de Octávio: o rádio e o filho Cassiano.

6
Ibdem.

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O cineasta

Os primeiros anos da família Gabus Mendes foram bem difíceis. Pouco tempo depois do nascimento de
Cassiano, Estherzinha engravidou novamente de Octávio... A pequena Ivone logo chegaria na família.
Eram então três filhos para sustentar.

Além disso, Octávio estava preocupado demais com as finanças e a realidade em que o mundo vivia. O
clima na política nacional ainda estava quente, principalmente porque os outros estados brasileiros
queriam derrubar a força de São Paulo e Minas Gerais no Governo Federal. Em São Paulo, resquícios da
Revolução de 1924 ainda existiam, enquanto o mundo estava abalado com os reflexos do “Crack de
29”, a quebra da bolsa de valores de Nova York. Aquele 1929 estava muito difícil. Preços altos demais,
recessão, inflação... Que terrível!

Para se manterem, Esther continuava a dar aulas na Escola Normal e Octávio adiava o sonho de se
aprofundar no universo do cinema brasileiro - ele continuava no emprego público, na Repartição de
Águas, mas odiava aquilo. Gabus Mendes estava triste, deprimido e só encontrava entusiasmo ao
escrever seus artigos para “Cinearte”, de Adhemar Gonzaga.

Cassiano começava a dar seus primeiros passos, enquanto Ivone ficava numa bacia, improvisada de
berço. A mesma bacia que, anos antes, a filha mais velha, Maria Edith estava e com quem Octávio
ficava conversando enquanto escrevia suas colunas, com a máquina ao lado do “berço”. Eram
momentos de prazer em meio às dificuldades.

No início de 1930, novas surpresas. Uma revolução estava próxima a estourar no Brasil, enquanto
Octávio recebeu uma intimação de Adhemar Gonzaga.

- Octávio, os estúdios ficaram prontos. Largue tudo aí e venha morar aqui. Seu trabalho está garantido.

Adhemar Gonzaga havia finalmente inaugurado seus estúdios, no bairro de São Cristóvão. Havia
inaugurado a Cinédia, em 15 de março daquele ano: o primeiro grande estúdio do Rio de Janeiro.

Gabus Mendes então consultou Esther. Era a esperança que tinha para se aprofundar no mundo do
cinema, mas ao mesmo tempo largariam para trás toda a estabilidade – mesmo que mínima – que
possuíam em São Paulo e se distanciariam de suas famílias. Sabendo dessa insegurança e de que
seriam criticados pelos seus familiares, pensaram muito. Concluiu Esther, como grande companheira:

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-Eu me mudo pra lá com você. Levamos as crianças.

Vó Carolina vestiu de vez luto, achava um absurdo... Seu filho era um “perdido”. Só muito tempo depois
entenderia os sonhos de Octávio. Ele, que a essa altura, já estava com toda família morando no Rio de
Janeiro.

Adhemar Gonzaga contou-lhe sobre ideias que surgiram em uma viagem que fez a Hollywood, em
1929. Foi o suficiente para, a partir da conversa, Octávio criar o argumento de “Mulher”. O processo foi
rápido. De 19 de janeiro a 24 de julho de 1931, eles realizaram as filmagens, estreando o filme em 12
de outubro, no Cine Capitólio e logo no Cine Império, ambos na Cinelândia. Uma ousadia descrita em
77 minutos e muita agitação, pois tiveram que trocar até a protagonista, Lelita Rosa por Carmem
Violeta, no meio do percurso. Octávio, com seus estudos e sua genialidade, começou a influenciar até
mesmo na linguagem cinematográfica. Ele influenciou na fotografia de Humberto Mauro. Gabus
Mendes foi também o diretor de “Mulher”.

Na estreia do filme, o público carioca o aplaudiu de pé. A sala de cinema estava lotada, até seus
camarotes. Havia dado certo, tanto que o “Jornal do Brasil” premiou o filme como o melhor daquele
ano.Aquele apaixonado, idealista em tudo, começava a colher seus louros.

Gabus Mendes estava feliz, mas sofria com o calor do Rio de Janeiro. A saúde estava debilitada,
principalmente por causa de seu excesso de peso. Sofria muito com o calor. Esther e Octávio fizeram as
contas. Resolveram então pela mudança para Icaraí, em Niterói, onde fazia menos calor.

Agora já podendo chamá-lo de “cineasta”, Octávio partiu para novas produções. Com apoio de Gonzaga,
criou o roteiro de “Onde a Terra Acaba” – uma adaptação modernizada de “Senhora”, de José de
Alencar. Gabus Mendes resolveu filmar na restinga da Marambaia, com a produção de Cármen Santos
(atriz e dona da segunda grande produtora de cinema carioca, a Brasil Vita Filmes, na época, “Brasil
Vox Filmes”) – foi o filme que abriu espaço para temas nacionais no cinema brasileiro. Ainda era mudo.

Logo também, com apoio do diretor Humberto Mauro, Octávio escreveu o argumento de “Ganga Bruta”.
As filmagens começaram em 02 de setembro de 1931, na mesma época que “Onde a Terra Acaba”. No
dia 15 de junho de 1932, a Revista “Cinearte” comentou7:

- Pela primeira vez no Brasil ocorria a filmagem simultânea de duas produções diferentes no mesmo
estúdio. E em outro canto do palco, outra câmera estava rodando, fazendo teste de uma nova estrela.

A filha de Octávio, Maria Edith, conta8 sobre o que significou “Ganga Bruta”:

7
Cinédia (www.cinedia.com.br)

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- Ao preparar o roteiro, ali deixou sua marca inconfundível, seu conhecimento sobre o assunto,
enquadrações, todos os movimentos da máquina. Enfim, tudo para que o diretor fizesse seu trabalho
tranquilamente. Doente, não podia dirigir “Ganga Bruta”. – Octávio havia ficado com uma grande
inflamação, durante a pré-produção do filme.

Essas duas produções só foram concluídas em 1933, estreando “Ganga Bruta” em 29 de maio daquele
ano e “Onde a Terra Acaba” em 16 de outubro. Ao contrário do que aconteceu com “Mulher” e “Onde a
Terra Acaba”, a bilheteria de “Ganga Bruta” foi pífia. Octávio estava irritado com a resposta negativa da
imprensa e do público. Mais tarde ele escreveu9 sobre o episódio, relacionado à “Ganga Bruta”:

- No seu último dia de exibição fez pouco mais de 5 mil réis, numa sala cinematográfica que costuma
vender contos de réis diários em, apenas, duas sessões. Não há dúvida. Vai, nisso, setenta por cento
de má vontade contra o cinema brasileiro. A comparação com o cinema americano surge logo. É o caso
das casimiras, das sedas, das bebidas, de tudo. O sujeito bebe ou usa. Quando sabe que é nacional,
depois de ter achado bom, grita: “É isso! Pra que é que fui comprar essa coisa nacional?” Essa espécie
de antipatriatismo é de norte a sul, sem exceções. Por sermos um país tropical, todos os brasileiros são
esquentadíssimos. Essa antipatia toda e mais as deficiências naturais de nossos filmes, feitos todos,
acidentalmente, trazem, como conseqüência, uma parte da explicação para o fracasso de “Ganga
Bruta” nas bilheterias. Mas e o outro lado, qual é? O outro lado é o cinema silencioso que ninguém
mais suporta. Apesar de “Ganga Bruta” estar bem sincronizada e ter fala, em dados momentos, falta o
aspecto geral que convença.

Octávio ainda teve esperanças e acreditava no crescimento do cinema nacional, competitivo e de


qualidade. Só que não agüentava mais. Ganhava muito pouco com a “Cinearte” e a Cinédia. Juntou
suas coisas e mudou novamente para São Paulo com a família. Voltaria ele, Esther e mais quatro
filhos... Quatro? Sim. A pequena Cármen.

8
Ibdem.
9
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)

25
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A curiosidade

Antes da volta dos Gabus Mendes a São Paulo, vamos relembrar uma passagem do início de 1932.
Estava Octávio voltando dos estúdios da Cinédia, com seu amigo Luís Gonzaga, o “Boa Vontade”,
quando passaram na Rua da Carioca. Estavam em frente à sede da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Luís então perguntou:

- Antes de jogarmos sinuca, vamos entrar aqui? Quero apresentar você ao speaker... É meu amigo.

Octávio concordou e subiram as escadas para “PRAA”, a pioneira emissora de Roquette-Pinto, dirigida
por Rubey Wanderley, também locutor, a quem foi apresentado Gabus Mendes:

- Rubey, este é o Octávio. Octávio, este é o Rubey.

Se cumprimentaram, mas logo Rubey pediu uma pausa, pois era hora do “reclame”, como eram
chamados os anúncios comerciais.

- Muito prazer. Mas, então, você acredita no cinema brasileiro?

- Acredito.

- Silêncio! – Rubey interrompeu novamente por conta dos anúncios. – Eu duvido. E no rádio?

- No rádio eu acredito. Não no rádio do Mastrangelo, mas num rádio melhor que há de surgir a
qualquer momento.– Mastrangelo era um italiano que tinha um programa na Rádio Mayrink Veiga, uma
das mais ouvidas da época. Sua locução era confusa, atrapalhada por seu sotaque italiano fortíssimo.
Seu sucesso se dava apenas porque em seu programa, das 20 às 23 horas, desfilavam nomes
iniciantes, mas talentosos, como Carmem Miranda, Francisco Alves, Irmãos Tapajós, Mário Reis e
muitos outros. Se sua narração fosse melhor, com certeza mais sucesso teria a atração. Quando a 2ª
Guerra Mundial chegou, Mastrangelo voltou para Itália, ficou de lá apoiando o fascismo e falando mal
do Brasil... O público carioca passou a gostar menos ainda do italiano.

Continuaram o papo, Rubey gostou da opinião e passaram a trocar idéias.

- Venha fazer uma conferência sobre cinema brasileiro aqui, domingo.

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- Falar no rádio? Eu?

Octávio refletiu e muito nervoso prometeu que viria. Muitos anos depois, Gabus Mendes relembrou10
esse primeiro dia no ar:

- A tremedeira que eu tive quando o Rubey Wanderley ligou a chave do microfone engaiolado, é uma
doença que dá no rádio. Senti, a princípio, uma calma extraordinária.

Calma que logo passou. Rubey continuou:

- Ouvirão, agora, os ouvintes da PRAA uma pequena conferência sobre cinema brasileiro feita por
Octávio Mendes.

Octávio estava bem...calmo... Rubey saiu da banqueta e ele sentou diante do microfone. A chave do
microfone estava desligada. Antes de começar, limpou a garganta, mas o som do microfone já estava
aberto, o que fez o técnico ficar furioso e Rubey desligar a chave:

- Não pode tossir com o microfone aberto!

Ligou novamente o equipamento. Rubey fez mímica e deu sinal para ele continuar. Tudo indo bem.
Octávio então começou:

- Falar de cinema brasileiro é falar de uma necessidade. – Depois disso sua vista embaralhou, o papel
sumiu, as letras se misturaram, deu um nó na garganta e a tremedeira começou, com o suor pingando
da testa. As mãos gelaram! Aos poucos foi falando tudo, ciente da responsabilidade que tinha com os
ouvintes e com a emissora. Saiu tudo bem e foi assim, de pouco em pouco, quando completou sua fala.
Rubey fez sinal de positivo e disse:

- Acabaram de ouvir a conferência sobre cinema brasileiro. – o speaker puxou Octávio pelo braço e
disse – Ótimo. Você falou muito bem!

Ali Octávio Gabus Mendes foi “batizado” e entrou para aquele meio que marcaria sua vida.
Semanalmente ele ia até a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro falar sobre cinema e quando voltou a
São Paulo já era um profissional de cinema, crítica jornalística e também das “ondas hertzianas”. Tudo
bem que algumas coisas não mudaram, conforme11 ele disse:

10
Ibdem.
11
Ibdem.

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- O que aconteceu mais tarde, quando me tornei profissional, foi ficar nervoso em todas as estréias de
programa. – completa Octávio – Vim do Rio de Janeiro inédito como profissional de rádio. E nem
pensava, quando deixei a Cinédia, ingressar no rádio como “speaker” ou qualquer outra coisa. A
experiência da Rádio Sociedade com o Rubey Wanderley foi uma curiosidade.

A curiosidade que mudou sua vida para sempre, como também de toda sua família, incluindo o futuro
domenino Cassiano.

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“Rádio Record, a maior”

A Record funcionava em um barracão na Praça da República, local em que existia a loja de discos de
Álvaro Liberato de Macedo, de nome “Record” – ele era advogado e comerciante (o rádio era um
hobby). Macedo teve grande influência a incentivar a venda de alto-falantes para os rádios, o que
impulsionou o público a aderir ao novo meio. Infelizmente seus investimentos foram altos e Álvaro
Liberato de Macedo estava descontente com o rádio. Quatro jovens se interessaram pela Record: Paulo
Machado de Carvalho e seu cunhado João Batista do Amaral (o “Pipa”), Jorge Alves Lima e o técnico de
som Leonardo Jones Jr. (um dos pioneiros da Rádio Educadora Paulista). Adquiriram a emissora em 11
de junho de 1931, por 31 contos de réis. Sobre o episódio relembra12 Paulo Machado de Carvalho, que
tinha um capital guardado, após ter vendido a casa de luminosos que possuía:

-Junto com a casa de discos ele tinha a Rádio Record montada, embora não funcionando. Era o senhor
Álvaro Liberato de Macedo. Então ele me ofereceu a Rádio Record. Eu nem sabia o que era aquilo! Eu e
mais um grupo resolvemos ver o que era esse negócio que chamavam de rádio, que transmitia sons,
um negócio muito difícil de ouvir. Nós fomos para Praça da República, 17, e abriu-se a porta. Era uma
sala cheia de cadeiras, um negócio grandioso que chamavam de microfone, uma porção de fios
pendurados e amarrados, e um piano. Então nós vimos aquilo, não sabíamos bem o que era e
começamos a estudar o negócio. – Aprofundando-se no desconhecido, naquele instante, Machado de
Carvalho jamais imaginaria que se tornaria um dos principais nomes da história da comunicação
brasileira. Aquele “17” do endereço foi o primeiro dos números de sua vida, a possuir o simbólico “7”.
Número, que tempos depois, virou sua marca e sinônimo de Record, supersticiosamente.

A inauguração da Rádio Excelsior, também ali no mesmo prédio, impulsionou mais ainda o sonho
daqueles sócios, capitaneados por Machado de Carvalho – este que aos poucos foi assumindo a
sociedade. Por sorte (e mérito), Octávio Gabus Mendes virou pessoa de confiança do “Dr. Paulo”.
Ambos eram pessoas que passaram a amar, estudar, entender e vislumbrar o potencial que o rádio
possuía. Essa admiração fez com que eles se tornassem muito próximos. Octávio ganhou um grande
amigo, que acabou virando uma referência para toda sua família. Dos que seguiram na carreira, tanto
Maria Edith, como Cassiano também passaram pela Rádio Record.

Octávio viveu seu apogeu na emissora, que fez com que a partir dela fosse transformado em um dos
principais nomes do rádio brasileiro. Teve liberdade para criar, inovar e transformar até a linguagem do
meio radiofônico. Gabus Mendes achava um absurdo a falta de coloquialidade que o rádio ainda
possuía – apresentar artistas ou personalidades com “Vossa Senhoria”, “Senhor” ou palavras muito

12
“Histórias Que o Rádio Não Contou” (Reynaldo C. Tavares, 2014).

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complicadas, quase em desuso, não caberiam. Rádio precisava de agilidade, de falar como povo e para
o povo, voltar-se para a criança e até para os avós, precisava de mais emoção, de cultura, de timing... a
informação certa no tempo certo! Foi aos poucos se transformando no consagrado Octávio Gabus
Mendes.

1933 foi um ano especial para ele. Na Record fez“Clube Quá Quá Quarenta”, com Lauro D’Ávila e “Há
Chá-Chá”, com Raul Duarte (um dos seus grandes parceiros na estação, assim como Osvaldo Moles).
Realizou muitos programas de prêmios e de calouros, de onde saíram nomes como a cantora Isaura
Garcia. Paulo Machado de Carvalho se animou tanto com o resultado que alugou o grande Salão das
Classes Laboriosas, no Brás, para receber o público. Programas como “Concurso das Torcidas
Organizadas”, “Acerte Sempre” e “Improvisos Radium” foram alguns dos programas de Gabus Mendes.
Dizia13 ele:

- O critério para julgamento dos calouros tem sido os mais variados, mas o público, que vai aos
auditórios, tem o direito de julgar, pelas suas palmas, o que acha o melhor ou o pior cantor dos
calouros. Programa assim é julgado pela intensidade das palmas do auditório.

Octávio também passou a anunciar os “cartazes” do Rio, isto é, os grandes nomes que se
apresentavam nos Cassinos e nas rádios cariocas. Paulo Machado de Carvalho então alugava os
maiores cinemas paulistas para receber o público que queria aplaudir esses astros. Entre eles, nomes
como Carmem Miranda, Mário Reis, Francisco Alves e o Bando da Lua.

Pela Record passaram os principais nomes do rádio e da música nacional, o que se intensificou em
meados dos anos 1930, quando a emissora se transferiu primeiro para a Rua Conselheiro Crispiniano,
com a Rua 7 de Abril, e posteriormente para o Palacete Tereza Toledo Lara, na Rua Quintino Bocaiúva,
22, esquina com a Rua Direita. O centro de São Paulo passou a ter dias mais movimentados. De suas
sacadas, os artistas se apresentavam, enquanto o público ouvia e aplaudia da rua. Apresentações
memoráveis como uma das que fez Orlando Silva. Ele não tinha como sair da sede da Record, devido a
quantidade de fãs que o admiravam. A estação ainda contava com o apoio de alto-falantes que faziam
o som chegar mais longe, formando-se pelas ruas do centro verdadeiros cordões formados de fãs.
Havia chegado, também a São Paulo, a “Era do Rádio”.

Quem pensa que só dos auditórios vivia Octávio Gabus Mendes está enganado. No dia 25 de abril de
1933 ele também foi para a área esportiva, irradiando futebol e depois, em rede nacional de rádio, um
jogo de “bola ao cesto” (basquete) no estádio da Associação Atlética São Paulo (próximo à Ponte das
Bandeiras), entre essa agremiação e o Hindu Clube de Buenos Aires.

13
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)

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Octávio marcou época com vários programas, como a “Escola Risonha e Franca”, voltada às crianças.
O jornal Correio de São Paulo noticiou14 na época:

- É levado no pequeno auditório da própria Rádio Record, esse alegre e divertido programa de
auditório, repleto de prêmios e boas surpresas para as crianças. Octávio, chamado de “o velho
professor de barbas brancas”, movimenta a turma de alunos (...) O professor é Octávio Gabus Mendes,
o conhecido grande braço do rádio brasileiro. Ele dá lições de boas maneiras aos alunos. As crianças
participam da escola. (...) Quando o programa termina, as crianças ficam desoladas. A multidão
começa a ir embora, sob as ordens de José Siqueira.

Graças ao sucesso desse programa é que a expressão de que “a escola tem que ser risonha e franca”
virou popular. As crianças adoravam participar. Nele apresentavam-se cantores e haviam esquetes
rápidas para a garotada. Participava e também cantava no programa, o moleque “Barbosinha”, nada
menos que o famoso Adoniran Barbosa, da “Saudosa Maloca” e do “Trem das Onze”, que ali dava seus
primeiros passos. Conta15 ele:

- Octávio Gabus Mendes, pai do Cassiano. Muito amigo meu. Bom amigo. Me deu a mão, e me deu
terno, sapato, até um apartamento para morar.

Adoniran havia passado pela Rádio Cruzeiro do Sul, assim como Octávio. Visitava regularmente as
outras emissoras para ver se alguém poderia deixá-lo ir ao ar. Meio desengonçado, com seu jeito
italianado e popular, Adoniran despertou a atenção de Gabus Mendes, que o via contando piadas e
fazendo brincadeiras nos corredores da Record. Foi ele quem o contratou e lá fez programas como
“Escola Risonha e Franca”, como já foi dito, “Palmolive no Palco” e “Serões Domingueiros”. Aos poucos,
com seu jeito singular, Adoniran foi ganhando a todos – em 1941 fez um contrato definitivo com a
Record.

Não só novos talentos Octávio foi experimentando no rádio, mas também formatos inéditos. Criou
“Serões Domingueiros”, radiofonizando grandes obras da literatura universal e de filmes famosos (o
princípio do que viria a ser seu “Cinema em Casa” no rádio), “Movietone” (uma revista radiofônica sobre
cinema) e “Ravengar”, o radioteatro de mistério. Sobre este conta16 ele:

- Eu gostava de ler histórias de Sherlock Holmes. Filmes de mistério eram os meus favoritos. Lancei, na
Rádio Record, um radioteatro de mistério: o “Ravengar”. Eu interpretava o detetive Bob Stevens, às
voltas com os mais intricados mistérios. No fim, lógico, o bandido era preso e o mocinho seguia em

14
Idem.
15
"Adoniran: dá licença de contar" (Mugnaini Júnior Mugnaini Jr, 2002)
16
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)

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frente sempre resolvendo tudo à maneira brasileira, embora o nome que eu inventei para ele fosse
americano. Era, confesso, para chamar a atenção. E não é que eu consegui? Ninguém batia o
“Ravengar” naquele horário. Até minha filha Ivone me confessou que tinha noites em que não
conseguia dormir, depois de ouvir o programa. Ficava com medo. Não fiquei com remorso, não. A
história de chapeuzinho vermelho já era assustadora. As crianças tinham que encarar de frente a vida.
E desde pequenas. Assim ensinei meus filhos. Podia estar errado. Quem sabe?

Apesar do medo de Ivone, todos os filhos, inclusive ela, adoravam o programa do pai. “Ravengar” era
um sucesso. Tanto que quando Octávio se desligou na Record, ele fez o programa em várias emissoras,
como na Rádio Bandeirantes e nas Associadas. Anos depois, Cassiano Gabus Mendes chegou a
participar como ator de “Ravengar” e, décadas depois,fez uma homenagem ao pai ao batizar com este
nome o bruxo da novela “Que Rei Sou Eu?” (1989), interpretado por Antonio Abujamra. Sim, a
interpretação de Abujamra foi tão viceral, que deu medo nas crianças da época!

Octávio criou ainda na Rádio Record um departamento de cinema, pois tinha um sonho a longo prazo.
Em seus estudos viu que emissoras estrangeiras, como a RKO dos Estados Unidos, passaram a
produzir filmes depois de um tempo. Não queria abandonar sua antiga paixão, o cinema. Uma das
primeiras realizações desse departamento da Record foram as “Matinês Infantis”, organizadas e
apresentadas por Gabus Mendes, aos domingos, nos Cines República e Olímpia, que tinham como
objetivo despertar nas crianças o gosto pelo cinema.

Informado sobre a evolução do rádio norte-americano, Octávio resolveu introduzir mudanças na área
comercial e no sistema de apresentação de anúncios. No programa “Música Fina”, inaugurou também
uma maneira de tornar os anúncios mais agradáveis, intercalando-os com uma pequena biografia do
compositor Saint-Saen, que precedia o programa. Belmonte, na Folha da Manhã, comentou: “O
processo de que lançou mão o rádio poderia ser aplicado nos jornais com indiscutíveis vantagens para
todos”. Essa nova forma de “dar os anúncios” modernizou a propaganda radiofônica, aumentando o
faturamento da Record, o que depois foi copiado pelas demais estações do país. Com o crescimento
comercial, o setor se expandiu, surgindo a Rádio Kosmos e a Rádio Difusora, inauguradas oficialmente
só em 1934 (a Rádio Tupi também, mas que só foi ao ar em 1937). A Rádio São Paulo reiniciou
também suas atividades, que estava praticamente inoperante desde 1925: “muda” para os ouvintes,
mas viva.

Nessa mesma época, Paulo Machado de Carvalho, com intuição e olhar clínico contratou o teatrólogo
Oduvaldo Vianna para o cast da Record. Ele passou a escrever peças, ainda sob o pseudônimo de
Mário Floreal. As irradiações das peças de Oduvaldo fizeram sucesso, recebendo a rádio telegramas até
de outros Estados. Assim como fez com Gabus Mendes, Machado de Carvalho impulsionou outra
carreira promissora na área.

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Mesmo depois te ter começado a revolucionar o rádio, curiosamente, apenas em 09 de setembro de


1933 é que Octávio Gabus Mendes foi registrado na Record, considerado a “fonte de produções
criativas e renovações constantes”.

Fez ainda na PRB-9 Rádio Record, o “Jornal Falado Untisal”, comentando as notícias do dia e o
jornalístico “Semana em Revista”. Criou “Encontro das Cinco e Meia”, que contava as peripécias diárias
de um casal – grande sucesso escrito, dirigido e interpretado por Octávio Gabus Mendes, que fazia o
par romântico com a radioatriz Judi (uma fórmula incrível que ainda lhe daria muitas alegrias, assim
como para o filho Cassiano). Fez nascer programas femininos, como “Embaixatriz”, com Lolita Rios, e
“Madame D’Anjou” – este era o pseudônimo daquela que se tornou um dos principais nomes do rádio
paulista, Sarita Campos. Dizia17 Gabus Mendes:

- A mulher tem que ter um programa só para ela. Ela precisa conquistar cada vez mais o seu espaço.
(...) Convidei Sarita Campos para trabalhar também comigo. É uma mulher inteligente. Vou escrever
para ela o “Madame D’Anjou”, um consultório sentimental. É uma tentativa. Vejamos os resultados. – E
deu certo, tanto que Sarita Campos cresceu na carreira, passou a produzir o programa e levou para
sempre com ela “Madame D’Anjou”. Ela lia e comentava as cartas de suas ouvintes, dando conselhos
para suas vidas. Uma fórmula até hoje reaproveitada por muitos programas femininos. Sarita fez ainda
atrações como “Boa Tarde”, “Falando à Mulher”, “Palavra da Moda”, “Teatrinho Singer” e muitas
outras.

Octávio era irriquieto! Não parava de criar e descobrir talentos. Seu próximo passo foi a criação um
programa sobre amor, “Romance Valéry”. Através das ondas da Record, Gabus Mendes tinha virado do
avesso o rádio brasileiro. Começou a chamar a atenção de todos.

17
Idem.

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Após as flores, os frutos...

- Alô, Octávio?

- Doutor Paulo, é o senhor?

- Sim. Soube que andou muito doente no Rio e por isso está de volta a São Paulo. Quero lhe dizer que a
Record o espera.

Octávio mal havia chegado a capital paulista quando Paulo Machado de Carvalho resolveu recontratá-
lo. O crédito do patrão e amigo havia sido grande, entendendo que Gabus Mendes estava debilitado e
precisava de ajuda. Como gratidão, ele fez de tudo nessa sua nova fase na Rádio Record. Foi
apresentador, contra-regra, diretor, ator, redator e descobriu outros novos talentos. Trabalhou em
exaustão e recuperou sua saúde, tendo ficado na emissora até 1938.

Foi um tempo em que trabalhou muito, mas a família sempre o apoiava para que fossem além. Esther e
as crianças estavam ali. Para sua surpresa, aos poucos os filhos também se interessaram pela
profissão do pai e o consideravam o “maior”, assim como o slogan da Rádio Record.

Por falta de tempo de Gabus Mendes, Maria Edith resolveu, a partir dos 12 anos,traduzir as revistas
americanas que o pai lia (para escrever críticas jornalísticas). Na época ele continuava ainda sua
coluna sobre cinema no rádio e outra no jornal.

A grande surpresa veio do pequeno Cassiano que ainda em 1936, com apenas 9 anos, resolveu se
“pendurar” no pai. Se Octávio ia cedo para Rádio Record, lá ia Cassiano atrás. Era seu grande amigo,
seu herói, seu protetor, seu gênio da lâmpada. Gênio? Sim... Faria brotar ali seu discípulo fiel, seu
escudeiro. Com olhos de criança, Cassiano Gabus Mendes deu seus primeiros passos na profissão,
destrinchando cada produção do pai, como se fossem as maiores criações divinas. Conta18 Maria Edith:

- Cassiano começou a trabalhar com papai. E com ele aprendeu todos os macetes da profissão.

Cassiano tinha como prioridade ficar próximo do pai. Fica clara a admiração que tinha por Octávio,
quando décadas depois Cassiano Gabus Mendes assim o descreveu19:

- Homem inovador, com a cabeça sempre voltada para o futuro, e com uma gana terrível pelo trabalho,
pela criação, renovando sempre, procurando atingir talvez até, o inatingível... – Cassiano também se

18
Ibdem.
19
Ibdem.

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queixava do “hiato” criado na história do rádio brasileiro – O Rio de Janeiro era a capital da República e
tudo girava em torno da Rádio Nacional. Por isso o trabalho de Gabus Mendes, como o de Osvaldo
Moles, por exemplo, ficou relegado a segundo plano, numa injustiça flagrante.

Mesmo aprofundando-se cada vez mais no rádio, onde ajudava o pai, de contra-regra até datilógrafo,
Cassiano e os irmãos viviam uma infância comum. Brincavam, inventavam histórias, eram criativos
como Octávio. Adoravam ficar na Praça da República com os amigos, fazendo dali um parque de
diversões. Entre as amizades, havia a de um menino muito inteligente, o futuro jornalista e poeta Paulo
Bonfim, que relembra20 :

- Velhos laços sentimentais me unem à família Gabus Mendes. Meus bisavós Guilherme Lebéis e
Sinharia de Arruda Botelho Lebéis foram padrinhos de Octávio Gabus Mendes, amigos de seus pais e
vizinhos de Largo de Santa Cecília, em São Paulo. Cassiano e Maria Edith foram meus companheiros
de meninice na Praça da República e posteriormente colegas de Televisão Tupi.

O ator Luis Gustavo, o futuro cunhado de Cassiano e seu melhor amigo, conta sobre essa fase:

- O “Cassica”, como eu o chamava, desde pequeno ajudava o pai datilografando textos, principalmente
depois que Octávio ficou doente. Muitas vezes seu pai ditava o texto pra ele e sentado na máquina não
podia parar... As vezes o cansaço vinha e “Cassica” dormia datilografando. Aí seu pai batia na sua
perna e ele continuava. Isso fez com que aprendesse a ter agilidade para escrever.

Enquanto isso, em São Paulo, nasceu a PRH-9 Sociedade Bandeirante de Radiodifusão, instalada na
Rua São Bento. A nova emissora surgiu da ideia de José Nicolini que fez uma reunião com possíveis
acionistas. Eles não tiveram interesse pela sociedade, por falta de capital. Nicolini estava desanimado e
foi visitar o amigo José Pires de Oliveira Dias, dono da Farmácia Drogasil. Este se mostrou interessado a
dar o capital inicial para sociedade. Nicolini e Pires voltaram a falar com os acionistas iniciais e nasceu
em 06 de maio de 1937 aquela que ficaria conhecida como “Rádio Bandeirantes”. Só que a falta de
patrocínio começou a desmanchar o sonho de Nicolini, pois nem os programas religiosos
rentabilizavam a emissora. Precisavam de alguém de nome para levantar a rádio e trazer anunciantes.
Contrataram então, no final de 1938, Octávio Gabus Mendes para ser o diretor artístico da “PRH-9”.

Octávio se transferiu para Rádio Bandeirantes e começou a modificar a rádio. Deu apoio principalmente
a Nicolini, que era seu amigo pessoal. A partir de 1939, iniciou de imediato a transformação: os discos
de músicas eruditas foram trocados pelas músicas populares, os programas religiosos por crônicas
românticas e aos poucos foi trazendo com ele vários artistas... Lolita Rios, Sagramor de Scuvero,
Alcides Viana, Otávio França, Arnaldo Lima, Tilde Serato e outros. Criou programas como “Senhores

20
Ibdem.

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Jurados”, “O Avesso da História”, “A Marcha do Tempo”, “Programa Flores Filho”,“Meu Concerto”, “Hora
do Estudante” e “Teatro para Você” (que com técnicas americanas de “rádio play”, inpirado em autores
norte-americanos com Al Goodwin, ArchOboler e Benny Taylor, realizou o primeiro teatro moderno
brasileiro –ali iniciou as passagens musicais e a técnica de leitmotiv, aquela música de fundo que
contextualiza a ação, além de realizar também experiências em radiofonizar, integralmente, filmes de
cinema). Ao final desse programa, para popularizá-lo, Octávio Gabus Mendes ainda realizava a leitura
da carta dos ouvintes com a presença do elenco, dando a oportunidade de agradecer, de “viva voz” aos
ouvintes.“Teatro para Você” impulsionou a produção de radioteatros nas emissoras, tendo “Teatro em
seu Receptor”, de Manuel Durães, como seu principal concorrente, na Rádio Cultura. Surgiram também
“Rádio Teatro Cruzeiro do Sul”; “Mistérios no Ar” e “Rádio Teatro Kosmos” (ambos na Kosmos); “Teatro
Gracioso” (na Educadora); “Radioteatro Relâmpago” (na recém-criada Tupi); “Grande Teatro Difusora”
(na Difusora); e na própria Bandeirantes, “Teatro de Brinquedo”, de Sagramor de Scuvero.

Ainda falando no “Teatro para Você”, foi lá que em 12 de março de 1939, às 19 horas, estreou Ivani
Ribeiro, na Rádio Bandeirantes. Gabus Mendes, após vê-la na Rádio Educadora, percebeu que era um
talento promissor. Não só a contratou, como também contracenou com Ivani Ribeiro. Juntos fizeram
uma radiopeça, em quatro atos: “O Admirável Crichton”, de James M. Darrie – nos papéis do Mordomo
Crichton, o protagonista, e de Agatha Lasendy. Sagramor de Scuvero, também fazia parte do elenco e
assim como Ivani, fez também grandes trabalhos com Gabus Mendes.

Octávio criou ainda na Rádio Bandeirantes: “Síntese”, “Bandeirante Repórter”,“Jornal de Domingo”,


“Bem que Vi”, “Bate Papo”, “A Pensão do Anastácio”, “Cinédia” (com apresentação de Walter Forster) e,
com seu “filing”, fez parceria com agência de notícias Havas (futura “France Presse”) e criou o boletim
“Panorama da Guerra”, já prevendo que a 2ª Guerra Mundial logo bateria às portas do Brasil. Sucesso
total!

Em novembro de 1939, três meses depois, Paulo Machado de Carvalho fez um novo convite e Octávio
Gabus Mendes retornou à Rádio Record com mais credibilidade ainda. José Nicolini, para não deixar o
posto vago, assumiu a direção artística da Rádio Bandeirantes.

O atento garoto Cassiano Gabus Mendes, de 12 anos, admirava o pai e achou fascinante a função de
diretor artístico. Sabia que ainda tinha que aprender muito para chegar lá.Alicomeçou atraçar sua
própria carreira, um ano antes.

- Comecei no rádio ainda criança, em 1938. – relembra21 ele.

21
“Cassiano: da aventura ao glacê” (Folha de S. Paulo, 08/03/1980).

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Cassiano havia ido com o pai para lá, em 1938, já como profissional. Começou na função de
ambientador do “Teatro de Brinquedo” e foi na Rádio Bandeirantes onde continuou.

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II.
O filho de peixe

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Pequenos notáveis

A carreira de Cassiano Gabus Mendes começou cedo e caminhou sozinha também precocemente. Se
ele, aos nove anos, já ajudava o pai na Rádio Record, aos doze já tinha uma certa experiência. Foi
naquele 1939 que assinou seu primeiro contrato profissional. Não era apenas “ambientador” dos
radioteatros, como era sua função, pois fazia de tudo.Radioator, ensaiador, datilógrafo, ambientador,
contrarregra. Alguns anos depois chegou a ser também produtor, ensaiador e diretor...Era o pai em
“miniatura”.

Como contratado, o primeiro trabalho de Cassiano foi no “Teatro de Brinquedo”, de Sagramor de


Scuvero. Um dos programas infantis de maior destaque no rádio paulista, transmitido pela Rádio
Bandeirantes.Eram feitas as peças de Scuvero, com grande público... Milhares de pessoas! Crianças,
pais, avós. Todos queriam ver os teatrinhos.

Estávamos na “Era do Rádio”, presente na maioria das casas. As crianças contribuíram muito para que
o rádio virasse moda, viciando-se nas audições de programas infantis. Existia uma grande quantidade
de atrações voltadas a elas. A mais antiga foi “Tia Brasília”, programa infantil da Rádio Educadora, em
1926. Surgiram também outros, como “Pequenópolis”, com Mary Buarque, que passou pela Cruzeiro
do Sul e Kosmos; “Tia Justina”, na Cruzeiro do Sul; “Matinês Infantis”, na Record; “As Aventuras de Dick
Peter” e “Clube Papai Noel” (com Homero Silva) na Difusora; “Tupi dos Garotos” e “Teatro da Tia
Chiquinha” (ambos com Silvia Autuori, a “Tia Chiquinha”, sendo o segundo transmitido primeiro pela
Educadora e depois pela Tupi); “Quim, o Pequeno Bandeirante”, de Joaquim Carlos Nobre (na
Bandeirantes) e “Ravengar”, de Octávio Gabus Mendes (que passou pela Record, Excelsior e
Bandeirantes); “Às Quarta-feiras com Tio Juca” (um “Dr. Sabe Tudo”, interpretado também por Octávio,
na Bandeirantes); “Brincando no Ar”, com Adoniran Barbosa (na Educadora) e muitos outros.

O “Teatro de Brinquedo” foi resultado da experiência que Sagramor de Scuvero com as crianças. Ela se
destacou com “A Hora Infantil”, programa que nasceu na Rádio Record, em julho de 1931. Nele,
grandes autores, como Monteiro Lobato, Orígenes Lessa e Paschoal Carlos Magno, contaram histórias
para as crianças através do rádio. A atração foi uma idéia de Joaquim Carlos Nobre, que apresentava
aos domingos, histórias, canções e perguntas de cunho educativo e recreativo.

Sagramor era ajudada, na Bandeirantes, por Octávio na direção e o pré-adolescente Cassiano na


produção. Este que aos poucos dava seus primeiros passos sem o pai, principalmente depois que o
“velho” Gabus Mendes retornou à Rádio Record.

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No dia 27 de julho de 1939, uma grande festa aconteceu para promover o “Teatro de Brinquedo”.
Cassiano estava lá, radiante. Era “seu” primeiro programa. Aos poucos a criançada lotava a Casa
Eduardo, uma grande loja de calçados (na Rua São Bento) que possuía uma espécie de poço que servia
de palco e platéia. Com o passar do tempo e o crescimento substancial do público, trocaram a Casa
Eduardo pelo auditório do Centro do Professorado Paulista, que tinha espaço para mais de mil pessoas.
Muita agitação, crianças falando alto e depois vibrando... Respondendo com sorrisos, gritos e muita
admiração àquelas outras crianças que estavam ali, no palco, atuando. Um elenco formado por uma
meninada de sete a doze anos.

A estreia oficial do programa na Bandeirantes foi no dia 03 de agosto daquele ano, como “Teatro de
Brinquedo” apresentando “A Rainha Malvada”, uma adaptação de Sagramor de Scuvero a um conto
popular húngaro. Na apresentação, Cassiano já estava lá como o “ambientador” responsável. Cabia a
ele todos os detalhes. Sons, contrarregra, até os pequenos detalhes para deixar o programa perfeito.
Foi ali que desenvolveu ainda mais a paixão pela música, vinda dos pais, e que ele levou para o resto
da vida. Cassiano também se interessou por todas as profissões ligadas ao som, incluindo a
sonoplastia, função que muito em breve também chegou a exercer.

Uma dos primeiros programas de sucesso do “Teatro de Brinquedo” foi transmitido no 18 de agosto
seguinte, quando Sagramor apresentou junto de seu cast infantil: “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Como o público gostava muito, faziam uma parte transmitida pelo rádio, depois outra só para os
presentes.

A atriz Lia de Aguiar conta22 sobre essa época:

-Sagramor foi uma grande amiga e mãe, pra mim. Eu a conheci quando fui à Bandeirantes cantar num
programa que ela tinha que se chamava "A Hora Infantil de Sagramor de Scuvero". Era um pouco mais
velha que nós. Nós tínhamos onze, doze anos, ela devia ter quinze, dezesseis. Ali também encontrei
Vida Alves, Walter Ribeiro dos Santos, Waldir de Oliveira, Cassiano Gabus Mendes, Geraldo Blota. E eu
me tornei grande amiga da Sagramor. – Lia relembra também sobre o “Teatro de Brinquedo” – Depois
de cantar, sapatear e declamar no programa de Sagramor, elacomeçou a fazer o "Teatro de
Brinquedo". A gente representava histórias infantis teatralizadas,levadas pelo rádio e feitas no palco. E
ali nós formamos um núcleo. Muitos anos depois, Sagramor me dizia que jamais tinha encontrado, na
sua vida toda, crianças tão talentosas, quanto aquelas que ela tinha sob a sua direção. Ela nos dirigia
com mãos de ferro, mas ao mesmo tempo com o maior carinho. Nós fazíamos “Branca de Neve”, “Gata
Borralheira”, “Joãozinho e Maria”, todas as histórias infantis. A Branca de Neve era Dalcisa Sígolo. Eu
fazia a bruxa, a rainha, mas que era o grande papel da história, no final. Depois passamos a fazer no
Centro do Professorado Paulista, que possuía um teatro muito grande, para mil pessoas. Uma peça por

22
Depoimento de Lia de Aguiar à Pró-TV.

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semana, todos os domingos pela manhã, cada vez com uma história diferente adaptada e dirigida pela
Sagramor, e interpretada por nós. O teatro ficava sempre lotado.

Foi nesse ambiente que muitos dos profissionais do rádio (e que criaram a televisão) se iniciaram. Foi
brincando e aprendendo. Cassiano fazia parte dessa turma e colaborando sempre com Sagramor
aprendeu mais sobre dirigir um espetáculo, roteirizar, produzir, aprendeu a reger o tempo, “timing” e a
ter responsabilidade. Descobriu ali também o que era espírito de equipe.

Esse ciclo de amizade entre os pequenos e notáveis artistas só cresceu com o passar do tempo, até
porque muitos passaram a conviver ainda mais ao estudarem juntos. Muitos conseguiram bolsa de
estudos ginasial e colegial, com o apoio de duas figuras: o apresentador Homero Silva e o educador
Alfredo Pucca.

Homero adorava crianças, sendo apresentador do “Clube Papai Noel”, programa de sucesso da Rádio
Difusora (criado por Fernando Getúlio Costa, que iniciou a atração em 20 de julho de 1937, com Itá
Ferraz na apresentação). Nessa atração desenvolveu as aptidões artísticas dos cast mirim. Muitos dos
que faziam o “Teatro de Brinquedo” acabaram por participar do “Clube Papai Noel”. Mais tarde, outros
nomes como Wilma Bentivegna, Walter Avancini, Hebe Camargo, Erlon Chaves, Sonia Maria Dorce,
Wanderley Cardoso e Caçulinha também participaram do programa de Homero Silva.

Próximo de 1940, ao ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o apresentador


começou uma grande amizade com o Professor Alfredo Pucca, diretor do Instituto de Ciências e Letras,
que ficava no Centro paulistano, na Rua Beneficiência Portuguesa. Tal ligação facilitou para que as
crianças, que logo se tornariam jovens, continuassem seus estudos com apoio de bolsa. Isso porque
naquela época o curso primário era público, com o chamado “grupo escolar”, mas ao chegar aos cursos
ginasial e colegial, o ensino passava a ser particular e pago. Homero Silva e Alfredo Pucca conseguiram
dar educação e base a muitos que se tornariam nomes de grande importância na área. Às vezes com
bolsas parciais, em outros casos totais. Para eles, arte, cultural e educação tinham que andar juntas.

Cassiano também estudou no Instituto de Ciências e Letras. Ele também recebeu o apoio da jovem
Sagramor de Scuvero, assim como muitos dos seus colegas. Disso comenta23 Lia de Aguiar:

- Sagramor intercedeu junto ao Dr. Alfredo Pucca e lá eu fui terminar o ginásio. Aliás, era um celeiro de
craques, porque dali sairia muita gente boa: Vida Alves, Walter Ribeiro dos Santos, o Renato Gallon,
que era irmão do Luiz Gallon e outras pessoas que estudaram lá, sempre sem pagar, graças ao grande
coração do educador Alfredo Pucca.

23
Idem.

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Outros nomes do rádio e da TV, como Geraldo Blota, o “GB”, Arnaldo Gaeta, Antonio Leite e Borges de
Barros também passaram pelo Instituto de Ciências e Letras.

Como disse Lia de Aguiar, foi um “celeiro de craques”. A ligação do rádio e da futura televisão foi total
com as raízes plantadas também naquela escola. A maior prova disso é que um dos grandes colegas de
Cassiano Gabus Mendes, que foi diretor de TV como ele, foi Humberto Pucca, filho do Professor Alfredo.
Foram todas da sala de aula direto para o estúdio.

A radiodifusão paulista foi formada por gente muito culta, o que dava uma grande qualidade às
produções feitas em rádio e depois no início da televisão. Era gente que tinha o “fogo” e o entusiasmo
de descobrir o mundo, na juventude, mas também tinha a “fome do saber”, queriam aprender, mas
também repassar conhecimento.

Vale lembrar que, além do Instituto de Ciências e Letras, muitos passaram também pela Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco – que dava uma noção ampla do mundo e do conhecimento em
geral. O rádio e a televisão eram repletas de advogados formados, atuantes ou não na área, como
Homero Silva, Blota Júnior, Vida Alves, Cláudio de Luna, César Monteclaro, Murillo Antunes Alves,
Aurélio Campos, Manoel de Nóbrega, entre outros. Por outro lado, os outros curiosos eram basicamente
de cinéfilos – destaque para dois, Walter George Durst e Cassiano Gabus Mendes, que foram fazer
“cinema na televisão”.

Foram esses jovens talentos, muito criativos e curiosos, que criaram nossa televisão e ajudaram a
revolucionar, ainda mais, o rádio.

Foi nesse contexto, de pouco em pouco, Cassiano Gabus Mendes começou a se sobressair entre os
colegas.

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De pai para filho

Aos poucos a história de um Gabus Mendes passava para outro, virava um “clã” de talento. De um lado
um pai respeitado no meio, com toda fama. De outro um garoto talentoso, curioso. As genialidades
somavam-se aos poucos. Uma amadurecida, cada vez mais produtiva. A outra descobrindo-se. Pai e
filho, Octávio e Cassiano. Talentos sem fim.

Cassiano seguiu sozinho na Rádio Bandeirantes, enquanto Octávio voltou para Record, por conta de um
melhor salário. Um dinheiro que daria um pouco mais de conforto àquele pai de cinco filhos (sim, nessa
altura Cassiano tinha mais uma irmã, a caçula Lourdes). Só que o empregador, o amigo Paulo Machado
de Carvalho, queria resultados de Octávio. Ele então trabalhou mais ainda, lançando naquele mesmo
novembro de 1939, quando retornou à Record, vários programas: “Escola de Grupo”, “Humorismo para
Rir”, “A Record no Esporte”, “As Aventuras Fantásticas do Capitão Jack”, “A Pensão de Anastácio” e o
programa sobre cinema “Movietone”.

Foi uma época em que tudo que Octávio Gabus Mendes colocavaa mão, virava sucesso. Até mesmo
aquilo que ele não colocava muita fé. É o caso da música “Súplica”, uma valsa que ele compôs com
José Marcílio e o cantor Deo. Octávio a criou em 1938, mas achava que por sua ousadia (de ter feito
uma letra sem rimas, algo incomum nas canções daquele período) não faria tanto sucesso. Só que a
letra e a melodia casavam perfeitamente, só faltava um bom intérprete. Naquele 1940, o grande
Orlando Silva descobriu aquela quase “inédita” música e resolveu gravá-la. “Súplica” virou um sucesso
em sua voz e Octávio recebeu reconhecimento por sua criação, até mais que José Marcílio e Deo. Na
Record e nas demais estações, ouvia-se o “cantor das multidões” interpretar a canção de Gabus
Mendes:

- “Aço frio de um punhal / Foi seu adeus para mim


Não crendo na verdade / Implorei, pedi
As súplicas morreram / Sem eco, em vão
Batendo nas paredes frias do apartamento...”

Na Rádio Bandeirantes, ao ouvir a reprodução do disco, Cassiano não segurava seu orgulho:

- É a música do papai, Sagramor! É dele!

Em sua casa, a mãe Esther e suas irmãs também vibravam. Ao ouvir Octávio no microfone, na produção
de programas ou em “Súplica”, tinham todos a certeza de que estavam certos de que tudo valeu a

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pena. Os momentos difíceis, as mudanças de casa e de cidade, as doenças... Octávio Gabus Mendes
estava em seu auge!

Vó Carolina, mãe de Octávio, finalmente reconheceu que o filho estava certo ao perseguir seus sonhos.
Antes preocupada com Octávio, agora resolveu descansar. No dia 16 de abril de 1941, Carolina partiu
para o céu. Gabus Mendes, repleto de ideias, projetos e realizações, viu-se ali só, num vazio, mas com a
certeza de que a mãe o havia entendido.

Era tempo propício para o crescimento do rádio no Brasil. Em pleno Estado Novo, o presidente Getúlio
Vargas promoveu mudanças para expansão da radiofonia nacional. Inicialmente simpático às forças do
Eixo (Alemanha, Itália e Japão), Vargas percebeu a força do rádio como instrumento de propaganda,
tanto por Hitler aos nazistas, como por Mussolini com os facistas. Criou um órgão regulatório para sua
propaganda política e também para censura dos meios de comunicação, o DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda, inicialmente DNP – Departamento Nacional de Propaganda), e estatizou a
Rádio Nacional do Rio de Janeiro, ainda em 1940. Fez com que aos poucos a estação, agora sob poder
público, se transformasse na maior, melhor e mais ouvida rádio do país. Isso impulsionou a evolução
tecnológica de nossa radiodifusão. O alcance pelas ondas sonoras era maior e mais atraente, que
aquilo que pudesse ser visto pelo cinema ou lido pela imprensa escrita.

Sempre atento a tudo o que acontecia no exterior, Octávio Gabus Mendes percebeu o mesmo que
Getúlio Vargas. O rádio podia unir, emocionar e... viciar multidões. Foi assim que na Record, sob o
roteiro de Gilberto Martins e patrocínio da marca que lhe dá o nome, criou “Palmolive no Palco”. O
programa que inaugurou a chamada “fúria do auditório”, com plateias altamente lotadas e bem
participativas. Uma atração cheia de quadros, concursos e números musicais. Quadros como “A Ilha do
Tesouro”, “Os Mistérios do Quarto 171”, “Escola Conjugal”, “Concurso de Oratória”... Ah, deste último
há uma história que vale ressaltar! Dentro dessa última competição havia o“Concurso do Papagaio
Falante”. Ganhava um conto de réis quem tivesse um louro que falasse ao microfone a palavra
“PALMOLIVE”. São Paulo inteiro participava do concurso. Estava Octávio ao microfone quando no palco
chamou o próximo participante, acompanhado de seu papagaio:

- Meus amigos, eis aqui o próximo participante. Qual o seu nome?

- Francisco Genaro.

- Bem-vindo a nosso concurso. Senhor Genaro, nos garante que seu louro falará “PALMOLIVE”? É
necessário que fale com clareza.

- Garanto, senhor Octávio!

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- Falarei para ele algumas vezes o nome de nosso anunciante, para depois ele repetir corretamente.
Vamos lá? Então... Palmolive, Pal...mo...li...ve, Pal-mo-li-ve.

Começou então o louro a dizer:

- PAL...MO...

- ... LIVE! – completou Genaro.

- Ah, que pena! Agradeço sua participação, mas seu papagaio não falou “Palmolive” por completo.

A plateia riu e foi o próximo competidor ao palco. Francisco Genaro se irritou e foi aos jornais para dizer
que o papagaio é que tinha falado tudo! Isso acabou criando uma bolsa de apostas a partir do
momento que Octávio Gabus Mendes resolveu chamá-lo novamente ao programa para tirar a limpo
quem estava com a razão. O prêmio foi para um conto e duzentos réis. Todos apostavam que Octávio
tinha falado a verdade. Feito o “bolão”, São Paulo toda ouviu o papagaio ser intimidado no microfone.
Na hora H:

- Vamos lá. Fale “Palmolive”...

- Alô, velho! – respondeu o papagaio, acompanhado de seu dono ruborizado e irritado.

Foi numa das edições de “Palmolive no Palco”, em 1941, que Octávio Gabus Mendes recebeu uma
visita ilustre na Record. Estava assistindo a seu programa um produtor de cinema e de animação norte-
americano, que ficou impressionado com a força daquele concurso. Seu nome? Walt Disney. Foi ali que
decidiu que o personagem brasileiro que iria criar seria um papagaio. Sob o nome de “Zé Carioca”
atribui-se a autoria entre uma homenagem de Disney ao cartunista J. Carlos e também ao músico Zé
Carioca (José do Patrocínio Oliveira), que dublou esse famoso papagaio malandro no filme “Alô,
Amigos”, de 1942.

Do papagaio de Octávio ao de Walt Disney, o Brasil foi seduzido e descobriu que a melhor escolha era
se juntar ao bloco dos Aliados, que tinha Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido, como
principais líderes. Naquele mesmo 1942, o Brasil se posicionou dentro da 2ª Guerra Mundial e nossos
pracinhas foram a Europa combater.

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Todo sucesso causa inveja e isso aconteceu com a crítica. Gabus Mendes respondeu 24 aos severos
ataques ao “Palmolive no Palco”:

- Ontem li uma reportagem combatendo os programas de auditório. O mesmo artigo fala em


“segurança de menores e senhoritas” em estações de rádio etc. Atrás de um artigo como esse o que
pode estar? Apenas o interesse secundário, a vontade de diminuir uma coisa consagrada pela opinião
de todos os que ouvem rádio. Quanto ao caso da incultura, ela não é tanta. Programas de auditório
irritam pessoas assim, porque são vivos, modernos, interessantes e enchem os auditórios.

Gabus Mendes sabia o que estava falando e comentava com Cassiano cada coisa, cada opinião e cada
crítica. Queria que o filho entendesse tudo e no instante em que as coisas acontecessem. Ele vivia o
hoje, sem saber se estaria ali, um dia ou um mês depois. Queria passar conhecimento, principalmente
ao filho, seu maior seguidor.

As críticas não seriam suficientes para derrubá-lo, muito menos suas convicções. Nem quando a saúde
faltou, ele desistiu. Em 1941 teve um edema pulmonar e precisou se ausentar dos auditórios e dos
estúdios da Record. Foi então apresentar de casa o programa “Amendoim Torradinho”. Pouco antes de
retornar aos estúdios, recebeu a visita de seu chefe, Paulo Machado de Carvalho, e ganhou mais força
para trabalhar, após o “Marechal da Vitória” contar que foi ao Rio de Janeiro e conheceu Orson Welles.
Falou que ele estava filmando no Brasil e que contou a Machado de Carvalho, com riqueza de detalhes,
tudo que havia feito no cinema hollywoodiano e no rádio... Como Orson Welles, Octávio Gabus Mendes
queria revolucionar ainda mais o rádio, em solo brasileiro. Era sua vida, seus sonhos, suas metas.

Falando nisso, Welles era um dos seus grandes inspiradores. Antes mesmo de surpreender os Estados
Unidos com a transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos” (que levou milhares de ouvintes a
acharem que a Terra estava sendo invadida por ETs) o radialista estadunidense era um dos mais
importantes e criativos, consagrado também como cineasta. Amava rádio e cinema como Gabus
Mendes. Maior prova dessa admiração foi que na Rádio Record, Octávio trouxe para São Paulo, a
adaptação que Saint-Clair Lopes fazia de “The Shadow” na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Esse
seriado de Orson Welles, mundialmente conhecido, aportou no Brasil como “O Sombra”. Uma história
policial, do detetive Lamont Cranston, que para combater o crime tornava-se invisível. Octávio
interpretava inflamando sua voz, ao dizer: “Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?
O Sombra sabe! Há há há...” – numa estrondosa e quase fantasmagólica gargalhada. Mais uma
sucesso.

24
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)

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Já considerado um “sinônimo” de meio radiofônico, em 1942, Gabus Mendes foi premiado como
“Melhor Animador do Rádio Paulista”, pela Record, seguido de Blota Júnior em segundo lugar, speaker
da Cruzeiro do Sul.

Novas mudanças. Surgiu então um novo convite, que Octávio acabou estendendo também ao filho
Cassiano. Eles se mudariam da Record para as Emissoras Associadas, de Assis Chateaubriand.

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III.
Do rádio à televisão

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A família Associada

A “Cidade do Rádio” virou referência no meio radiofônico nacional. Não tinha apenas o maior auditório,
mas também um elenco tão ostentoso que não ficava atrás do cast da Rádio Nacional do Rio de
Janeiro. De certa forma, foi o calcanhar de Aquiles da Rádio Record, pois tirou seus principais talentos.

A proposta de Assis Chateaubriand realmente funcionou. Num mesmo espaço estavam integrados os
elencos das rádios Tupi e Difusora. Um elenco único que passou a tratar aquele espaço como se fosse
sua casa. Afinal, trabalhavam para as duas emissoras, revezavam-se, passavam o dia todo ali. Quando
a televisão chegou, o mesmo elenco também migrou para o novo meio, passando a ficar ainda mais
tempo na “Cidade do Rádio”. Programas em uma rádio, depois em outra, horário para ensaio e também
para descanso e diversão.

O diretor Regis Cardoso, por exemplo, começou criança nas Associadas, primeiro no cargo de
mimeografista, copiando pilhas de scripts. Trabalhava na rádio Tupi com os pais (a radioatriz Norah
Fontes e o locutor Armando Mota) e com seu irmão Renato Cardoso, que trabalhava no esporte. Para
Regis, além de trabalho e “casa”, a Cidade do Rádio era um parque de diversões. Conta25 ele:

- Quando ainda não morávamos no Sumaré, éramos obrigados a passar o dia e noite lá, porque o
trabalho de meus pais era de tarde e à noite. Nas horas de folga, jogávamos futebol na rua próxima e
às vezes eu participava, como ator mirim, em algum programa que aparecesse. À noite, após a
programação, 11 horas da noite, ficávamos jogando bola no “hall” da emissora. Sendo que esse “hall”
era decorado com telas de Portinari. Vocês imaginem a bola batendo toda hora nessas pinturas.

Havia também uma área aberta, perto do auditório, que usavam de campo para jogar peteca. Nessa
área livre, os colegas de rádio ficavam lá não apenas jogando, como também conversando e
descansando entre uma transmissão e outra. Outro ponto de encontro era o Bar do Jordão, também
dentro da “Cidade do Rádio”. A barbearia do Lau (Wenceslau Mariani) por muitos anos também seria
um outro local de encontro – ele que ficou lá na Tupi até sua falência e se transferiu para o SBT,
trabalhando em sua barbearia até falecer, em 2010. Fora da Cidade do Rádio havia ainda a Padaria
Real, no outro extremo daquela quadra no Sumaré.

Aquela grande convivência na “Cidade do Rádio” fez com que várias famílias fossem formadas também
a partir dali. Namoros, romances, casamentos, filhos. Era verdadeiramente uma grande família.

25
“No Princípio era o Som: Minha Grande Novela” (Regis Cardoso, 1999)

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Numa amostra, seguem algumas famílias que ali estavam (ou se formaram): a circense Stuart, Canales
e Oni (Walter Stuart, Mora Stuart, Cathy Stuart – ou Cachita Oni -, Adriano Stuart e Henrique Canales),os
Moraes (o cantor Sidney Moraes – o Santo Morales -, Geraldo, Jane – que depois fez dupla com seu
marido Herondy), os Dorce (o Maestro Francisco Dorce e suas filhas pequenas Sonia Maria Dorce e
Márcia Dorce), o casal Lima Duarte e Marisa Sanches (pais de Débora e Mônica), o casal Fernando
Baleroni e Laura Cardoso, os Camargo (Fego e suas filhas Hebe e Stela, que também eram prima de
Lia Borges de Aguiar), os Alves e Gasparinetti (as radioatrizes Vida Alves – que se casou com o
engenheiro da TV Tupi, Gianni Gasparinetti - e Poema Alves, como sua outra irmã Helle Alves, que foi
jornalista dos Diários Associados e que participou da lendária edição de “Pinga Fogo”, com Chico
Xavier, nos anos 1970, no auditório da Tupi), Nagib (Alfredo e Júlio Nagib – que se casou com a cantora
Norma Avian), o casal Astrogildo Filho e a cantora Triana Romero, o casal Dionísio Azevedo (havia
também seu irmão Daniel) e Flora Geny, o casal formado pela então radioatriz Janete Clair e o autor
Dias Gomes... Essa ligação direta e afetiva acontecia em todos os setores, independente da função.
Vejam o caso do técnico Waldemar Lejac, casado com a camareira Dona Nina, pais da telefonista
Lourdes, que foi casada com o ator Nelson Guedes (que foi assistente de Dermival Costa Lima e depois
de Walter Forster) e quando enviuvou casou-se com o técnico Jander de Oliveira. Ficaríamos dias aqui
enumerando nomes!

O mesmo aconteceu com a família Gabus Mendes. Junto de Octávio foram para “Cidade do Rádio”, os
filhos Cassiano e Maria Edith. Octávio Gabus Mendes foi dirigir o rádio-teatro da Difusora, enquanto
Cassiano exerceu as mais diversas funções. Foi lá que conheceu a radioatriz Helenita Sanches, sua
futura esposa, e trabalhou com seu cunhado, o futuro ator Luis Gustavo. Já Maria Edith auxiliou o pai
Octávio, fez traduções e adaptações de textos estrangeiros para que ele radiofonizasse. Foi também
autora da radionovela “Dom Camilo e Seus Cabeludos”, na Difusora, como também auxiliou no roteiro
de programas, tanto do pai, como do irmão, no rádio e na televisão. Fez de programas femininos até ser
a primeira repórter de rua da TV Tupi. Depois se afastou do rádio e da TV para cuidar da família.

Foi nesse contexto que Octávio Gabus Mendes conheceu um grande amigo. Era 1943 quando Dermival
Costa Lima retornou a São Paulo para assumir a direção artística das rádios Tupi e Difusora, vindo da
Rádio Clube de Fortaleza (também dos Associados). Ele tinha como braço direito, coordenando o cast,
Gabus Mendes na Tupi e posteriormente, em 1945,Oduvaldo Vianna na Difusora – este que também
havia levado um grande número de artistas para “Cidade do Rádio”, como Dias Gomes, Túlio de Lemos,
César Monteclaro e Sonia Maria. O Tupi era uma rádio mais eclética, enquanto a Difusora passou a
ganhar força com radioteatros, trazendo a experiência que Oduvaldo Vianna havia conquistado
principalmente nas Rádio São Paulo e Panamericana. Relembra26Dermival Costa Lima sobre seus
colegas:

26
Depoimento de Dermival Costa Lima ao IDART, 1980.

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- Então, os dois dirigiam os elencos. Cada um com o seu. Um na Tupi, outro na Difusora. Dois grandes
valores realmente! Agora, o Octávio foi realmente o maior homem de rádio que eu conheci em toda a
minha vida.Ele tinha uma imaginação extraordinária...Nunca vi ninguém de tamanha capacidade de
trabalho! E os programas sempre de qualidade, grandes programas, grandes adaptações, iniciativas
fabulosas. Escrever uma peça por semana, e teatro, "Cinema em Casa", uma adaptação. Ele sentava
numa máquina de escrever e era um negócio realmente extraordinário!

A presença de Dermival Costa Lima na “Cidade do Rádio”, nessa fase pré-televisão, passou por um
hiato, quando as Emissoras Associadas fizeram um revezamento. De 1944 a 1945, o diretor artístico
da PRG-3 Rádio Tupi do Rio de Janeiro, Theóphilo de Barros Filho, veio para função de Costa Lima em
São Paulo e ele foi para sua. Por um curto espaço de tempo, o baiano virou carioca e o alagoano
paulista.

Ainda da fase antes de ir ao Rio de Janeiro, Costa Lima soube da existência de uma moça que
trabalhava na Record, “que tinha boa voz e era muito inteligente”. Recebeu inclusive indicações do
próprio Octávio Gabus Mendes para contratá-la. Era Sarita Campos, que trouxe para as Associadas seu
programa “Madame D’Anjou” e fez outros. Com ela veio também o irmão, Paulo de Grammont. Todos
éramos muito amigos e Costa Lima acabou se aproximando de Sarita. Casaram-se e convidaram
Octávio Gabus Mendes para padrinho.

Costa Lima e Sarita passaram a frequentar a casa de Octávio e Esther. Mesmo tendo conversa para
adultos, fazia questão de que os filhos mais velhos participassem. Foi assim que Cassiano Gabus
Mendes se aproximou de Costa Lima. Percebendo as ideias do garoto logo o chamou para a secretariá-
lo na direção artística das rádios. Assim Cassiano não apenas fazia suas funções na “Cidade do Rádio”,
produzindo, atuando, sendo locutor, mas também apoiando o “Chefe”, como era chamado aquele
homem grande, gordo, de bigode e quase sempre de suspensório. Nasceu ali uma grande amizade e
uma frutífera parceria.

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O apogeu

Octávio Gabus Mendes, com apoio total de Dermival Costa Lima, viveu seus melhores dias na “Cidade
do Rádio”. Enquanto trabalhava conseguia ver de perto seus filhos também lutando pela carreira,
ficando orgulhoso de Cassiano e Maria Edith evoluindo, junto do seu “outro filho”: o querido rádio.
Octávio também foi ganhando outros filhos:aquele elenco que o apadrinhou rapidamente.

Fora de lá, ainda encontrava tempo para reunir amigos cinéfilos. Tinha criado um pequeno clube que se
reunia no bairro da Bela Vista. Alguns eram das Associadas, outros surgiram depois. Entre eles, Lima
Barreto, que em 1953 se consagraria na direção de “O Cangaceiro” (considerado uma dos maiores
filmes da Companhia Cinematográfica Vera Cruz).Havia também um jovem mineiro, curioso por cinema,
chamado Dionísio Azevedo. Octávio achou que o rapaz tinha jeito para o rádio e ainda em 1944,
Dionísio foi trabalhar como locutor e radioator na Rádio Difusora. Gabus Mendes também fez testes de
outros talentos, aprovando os que acreditava que tivessem potencial para o cast das Associadas.

O filing de Gabus Mendes era perceptível, até em pequenos detalhes. Tratava tanto nomes de artistas,
como de programas, como marca (um cuidado que, só décadas depois, a publicidade daria o nome de
branding). Foi ele que criou um dos mais famosos nomes artísticos do rádio e da televisão brasileira.
Ele observava uma radioatriz, que frequentemente cantalorava pelos corredores da “Cidade do Rádio”,
a valsa “Clair de Lune”, de Debussy. Então um dia chegou para ela e perguntou:

- Janete Emmer, como é seu nome?

- Jenete Stocco Emmer.

- Vamos mudar isso. A partir de hoje seu nome artístico será “Janete Clair”. Continua a usar o “Janete”,
que é mais sonoro, e“Clair”, por conta dessa canção que você tanto gosta.

Assim nasceu Janete Clair. A atriz que em pouco tempo começava a escrever seus primeiros tempos,
tornando-se no futuro uma das mais reconhecidas novelistas do país.

Essa preocupação com o nomes (ou com as marcas) foi algo que Cassiano também herdou do pai. Foi
ele que “rebatizou” um grande número de profissionais, no rádio e na TV. Adorava criar nomes, mas
muitas vezes esperava “amadurecer” a nova “marca” na cabeça e jogava no lixo, buscando outra
denominação. O mesmo fez com programas e novelas. Quando Cassiano Gabus Mendes levou o
“Encontro das Cinco e Meia”para televisão, primeiro foi denominado “Somos Dois”, em horário

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vespertino (praticamente um “embrião” do seriado). Era redigido por Maria Edith, mas ficou pouco
tempo no ar. Depois o formato retornou com “Namorados de São Paulo” e só depois ganhou seu nome
definitivo, tornando-se o inesquecível “Alô, Doçura!”. Já na Globo, Cassiano teve o apoio de José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para escolha do nome de suas novelas. Foi assim que vários
nomes foram apenas provisórios. É como no caso de“Champagne” (ex-“Single Bar”),“Ti Ti Ti” (ex-“Alta
Costura”),“Meu Bem Meu Mal” (ex-“Amor e Ódio”) e “O Mapa da Mina” (ex-“Segredos”). Esse lado
perfeccionista de Cassiano, em “busca da marca perfeita”, fez com que impacientemente passasse a
redigir vários capítulos escrevendo no início da página apenas “Novela das 7”, por exemplo. Foi
Cassiano quem batizou atrizes como Sonia Maria Vieira Gonçalves, mais conhecida como “Susana
Vieira”. Logo mais a própria contará essa história. A amizade com Susana foi grande, tanto que
Cassiano foi seu padrinho de casamento com Regis Cardoso. Desse seu primeiro casamento com
Regis, Susana deu a luz a Rodrigo Octávio, que recebeu esse segundo nome em homenagem ao pai de
Cassiano.

Voltando a falar na passagem de Octávio Gabus Mendes e os filhos, pelas Emissoras Associadas, ele
produziu programas que ficaram na memória do rádio brasileiro.

Em “Tudo Azul” estava no ar todas as noites. Octávio dirigia o programa de radioteatro, que tinha
atuando nomes como Cacilda Becker, o filho Cassiano Gabus Mendes, Dionísio Azevedo, Helenita
Sanches, Ivani Ribeiro, Janete Clair, Lia de Aguiar, Ribeiro Filho, Walter Forster e Zilda de Lemos. A
crítica considerava o programa como “flagrantes da vida, quadros de intensidade cinematográfica”.
Diziam “sempre azul a realização, variado e movimentado com Octávio Gabus Mendes, nele está tudo
certo, tudo azul”. Na época a expressão “tudo azul” ficou mais na moda.

Já no “Cinema em Casa”, na Rádio Difusora, Octávio fez grandes adaptações de filmes para o rádio. Ele
também fez grande sucesso com o “Grande Teatro Tupi”, na Rádio Tupi de São Paulo. As duas atrações
rivalizavam com dois programas da Record, ambos apresentador por Manuel Durães: o “Serões
Domingueiros” e “Teatro Manuel Durães”.

No final de março de 1944, Octávio Gabus Mendes resolveu inovar mais uma vez. Ousou ao querer
adaptar para radionovela o livro “Quo Vadis”, do polaco Henryk Sienkiewicz e que foi publicado, com
sucesso, como folhetim jornalístico nos “Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”. A história bíblica, que
passa pelo período áureo do Império Romano, se transforma numa das radionovelas de maior
audiência na história do rádio paulista.

No papel principal estava o próprio Octávio, como Marcus Vinícius. Sobre a estreia da radionovela,
comentaram o “Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”, em 26 de março daquele ano:

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- “Quo Vadis” será também radiofonizado, aparecendo seus capítulos na Rádio Difusora,
simultaneamente aos que forem aqui publicados. Aí está a notícia que reservamos para os radiouvintes
de São Paulo, muitos dos quais estarão lembrados das aventuras e dos amores de Marcus Vinícius e
de Lígia, do heroísmo de Ursus, das velhacarias de Nero.

No elenco: Cassiano Gabus Mendes, Álvaro Augusto, Zilda de Lemos, Lia de Aguiar, Hamilton Ferreira,
Manuel Inocêncio, Cacilda Becker, Fernando Baleroni, com efeitos surpreendentes para recompor a
arena romana realizados pelo técnico Adelmo Mazetti, o contrarregra Antônio Leite e o sincronizador
Gerald Castrilho, tendo trilha sonora do Maestro Spartaco Rossi e orquestra das Associadas. Foi uma
surpreprodução no rádio, com o “Diário de São Paulo” destacando semanas depois:

- Como perfeccionista que é, Octávio fez mais de sessenta testes de voz para ter o artista certo no
papel certo. Não há nomes a destacar. Desde Otávio, interpretando Marcus Vinícius, de Cacilda Becker
a Cassiano Gabus Mendes, todos os intérpretes foram perfeitos.

- Eu acredito que era o primeiro grande trabalho do qual eu participei, foi “Quo Vadis”, com Otávio
Gabus Mendes. – relembra27 Lia de Aguiar.

Nos três anos em que esteve nas Emissoras Associadas, Octávio marcou sua passagem. Fez lá, até
1946, muitos programas como “Palmolive no Sertão”, contracenando com Dionísio Azevedo e Antônio
Leite; “Show Epacolan”, com Manoel de Nóbrega e Homero Silva; “Grande Teatro Tabu”, com direção e
interpretação de Octávio, com Antônio Leite e Heitor de Andrade; “Novela da Música”, direção e
narração dele, com Álvaro Augusto; “Instantâneos Sinfônicos Shenley, sob sua direção; “Atire a Primeira
Pedra”, também diretor; o seriado policial “O Sombra”, dirigindo e atuando; o programa de auditório
“Pandemônio Gessy”, com sua apresentação; “Obrigado Doutor”, dirigindo Ribeiro Filho; “O Que Faria
Você?”, com Homero Silva; “No Velho São Paulo”, com Adalgisa de Oliveira e Daisy Fonseca;

Octávio aos poucos inseriu Cassiano nas atrações para que o filho aprendesse tudo. Pensando nisso,
novos programas vieram: “Relicário”, que dirigiu em conjunto com o filho Cassiano; a radionovela
“Felicidade Roubada”, com atuação dele, de Cassiano, Dionísio, Lourdes Mayer e Janete Clair; o retorno
de “Ravengar”, dividindo a direção do programa também com seu filho, atuando com Dionísio Azevedo
e Lia de Aguiar;“Show Cica”, dirigido por Octávio com Cassiano Gabus Mendes atuando ao lado de
Heitor de Andrade e Dionísio Azevedo; e “Romance Valéry”, com Lourdes Mayer, Heitor de Andrade,
Maria Vidal, Lia de Aguiar, Dionísio Azevedo, Janete Clair, o filho Cassiano e Helenita Sanches (que se
aproximavam cada vez mais) – neste programa a filha Maria Edith também ajudava no roteiro. Era uma
fonte inesgotável de criação.

27
Depoimento de Lia de Aguiar à Pró-TV.

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Voltando à Dermival Costa Lima, no início de 1946, chegou em sua sala e comentou com Cassiano:

- Bom dia, rapaz! Hoje acordei de muito bom humor.

- O que aconteceu, Costa Lima?

- Ontem vi uma apresentação ótima. Ri muito com um humorista baixinho. O sujeito fazia um tipo
caipira, desses meio chucros. Gargalhei demais. Você precisa conhecê-lo!

Pouco tempo depois o tal humorista foi contratado para o Rádio Tupi. Era sua primeira incursão na
área. Seu nome era Amácio Mazzaropi, que logo começava ali seu programa “Rancho Alegre”, com
direção de Cassiano Gabus Mendes. Depois de uma semana no ar, mais de duas mil cartas de fãs.
Sucesso garantido.

Nesta época, final da 2ª Guerra Mundial, várias atrações faziam sucesso na Tupi-Difusora, como a
“Segunda Frente Sonora”, na Rádio Tupi (do qual fazia parte o humorístico “Cadeira de Barbeiro”, com
Aluísio Silva Araújo eManoel de Nóbrega), o “Repórter Esso” e logo mais o“Grande Jornal Falado Tupi”,
dirigido por Corifeu de Azevedo Marques, apresentado por ele e Alfredo Nagib, Ribeiro Filho, Motta Neto
e Auriphebo Simões.

Octávio era muito respeitado na “Cidade do Rádio”. O respeito era enorme a ele, mas tinha também um
medo de seu perfeccionismo, quando ele se desagradava com alguma coisa. A atriz Laura Cardoso
lembra:

- Eu vim da rádio Kosmos pra Tupi-Difusora aqui em São Paulo. Foi lá que eu conheci o Octávio Gabus
Mendes, uma das cabeças mais inteligentes, mais cultas do rádio no Brasil. Era um homem de um
rosto lindo, meio cheinho, muito simpático e agradável. Só que ele tinha um negócio que eu nunca
mais vi na vida: na sala dele, onde ele escrevia e fazia os ensaios de rádio na parede atrás tinha a
fotografia de todos nós. Quando alguém desagradava o Octávio ele pegava a fotografia da gente e
botava debaixo da mesa. Se a pessoa errava, ele tirava da parede. Era preocupante. Ele era severo,
rígido assim, mas havia uma bondade grande e uma sensibilidade nele, uma percepção: se você era
bom ele percebia e você estava bem. A gente fazia muito o “Cinema em Casa”, toda semana no
domingo.

O ator Cassio Gabus Mendes, neto de Octávio, conta sobre o avô:

- Um dia, numa viagem ao Ceará, eu me lembro de encontrar o Mario Lago e ele falar pra mim do meu
avô, da admiração que tinha por ele. Me disse: “A gente mais tinha medo, porque ao entrar na sala

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dele, se não gostasse de alguma coisa que a pessoa tinha feito, ele colocava a fotografia de ponta
cabeça. Ele falava assim: “o seu avô era genial, era um cara muito na frente. Eu tenho muita
admiração pelo seu pai, mas seu avô pra mim era um gênio”. Ele era um criador absurdo e tinha um
carisma monumental.

O fim da “Grande Guerra” trouxe um alívio para todos e uma esperança de novos dias, novas ideias.
Tempo de renovação e paz.

- Terminou a guerra! Terminou a guerra! Acabou!!! – todos vibravam. Foi uma grande festa não só na
“Cidade do Rádio”, como no mundo todo. As pessoas seabraçaram, sorriram, choraram de emoção. A
guerra acabou naquele 02 de setembro de 1945.

Octávio e os filhos se encontraram, dentro da “Cidade do Rádio” e também vibraram juntos. Gabus
Mendes só não gritava muito, nem pulava, pois o cansaço e a saúde já não estavam boas. O ano
seguinte, 1946, seria de muitas mudanças.

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A imagem no rádio

Há quem diga que o rádio não tem imagens, mas elas existem – pelo menos na imaginação de cada
ouvinte. Isso inclusive causava algumas decepções quando alguns fãs conheciam seus artistas e eles
não eram exatamente o que projetavam. Aquela bela voz, forte, de um homem forte, na verdadeira era
um senhor baixinho, desengonçado... Aquela mulher linda que a voz seduzia o ouvinte, ficava muito
aquém do que se esperava!

Octávio Gabus Mendes, por sua ligação com o cinema, resolveu levar para o rádio a imagem, com a
mais perfeita descrição das cenas, utilizando todos os recursos possíveis que o som pudesse
proporcionar. Radiofonizou peças, livros e radiopeças de própria autoria, no “Grande Teatro Tupi”, na
Rádio Tupi, onde contou com o apoio de Ivani Ribeiro. Já no “Cinema em Casa”, na Rádio Difusora,
transformou grandes filmes em radiopeças. Cabe a Octávio também outro mérito, como conta28 Luiz
Gallon, futuro colega de televisão e amigo próximo de Cassiano:

- Ele já era uma pessoa muito "pra-frentex". Naquele tempo era bem moderno. Foi ele que criou um
negócio chamado sonoplastia. Quer dizer, o uso da música, para fazer a dramaticidade para a fala ficar
mais importante, ruídos de porta que se abrem e que fecham. Porque antigamente naqueles
radioteatros da Rádio São Paulo, e do Manuel Durães, da Rádio Record, não tinha ruídos, não tinha
música também. Não havia aquela sonoplastia, para acentuar a dramaticidade, ou o momento de
ternura. Foi o Octávio Mendes que criou.

Octávio Gabus Mendes contou com o apoio de diversos colaboradores, entre eles os filhos Cassiano
Gabus Mendes e Maria Edith, que ajudavam nas adaptações. Outros nomes também estiveram com
ele, como a jornalista Helena Silveira, que também realizou adaptações. Só que destaca-se totalmente
a participação de Ivani Ribeiro nesse processo, que depois recebeu uma grande oferta da Rádio
Bandeirantes e se transferiu para lá, criando o “Cinema em Seu Lar”. Foi uma fase difícil, pois com a
saúde debilitada, Gabus Mendes contava muito com a ajudada amiga.

Para Octávio, a saída de Ivani foi um tanto difícil, porque era uma grande colega, que admirava muito,
mas entendeu as razões para que ela mudasse de estação. No seu retorno à Rádio Bandeirantes, Ivani
Ribeiro teria maior autonomia, em todos os sentidos e as oportunidades seriam maiores para alavancar
sua carreira. Foi na Rádio Record que começaram a parceria roteirizando programas. Já na
Bandeirantes, em sua primeira incursão pela emissora, Ivani tornou-se a primeira mulher no Brasil a ter
um programa diário de radioteatro, o “Teatro de Ivani Ribeiro”.

28
Depoimento de Luiz Gallon à Pró-TV.

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Em uma de suas crônicas no Correio Paulistano (em que relembrava o sucesso de sua adaptação do
livro “Éramos Seis” para o rádio, original de Maria José Dupret), Octávio escreveu29 sobre Ivani Ribeiro e
a importância das mulheres:

- Ivani precisa fazer escola. O rádio precisa de um batalhão de mulheres de valor, porque a mulher
inteligente, que conhece o seu ofício, é um bem precioso, um patrimônio para o rádio. Faço, aqui, um
apelo: que surjam mais mulheres para escrever para o rádio. Desde já eu me ofereço para ensinar.

Depois dessa crítica, Octávio recebeu um número grande de cartas de mulheres querendo escrever
para o rádio. Felizmente seu sonho concretizou, pois algumas das atrizes que fizeram parte de seus
programas tornaram-se grandes autoras. Entre elas, Janete Clair e Vida Alves (esta que deu seus
primeiros passos como autora, anos depois, roteirizando um programa seu: “Encontro das Cinco e
Meia”). Depois surgiram outros nomes, na autoria e na direção, para o rádio e para televisão, como
Heloísa Castellar, Wanda Kosmo, Cacilda Becker eNydia Lícia.

A saída de Ivani Ribeiro das Associadas fez com que a responsabilidade dessas atrações caísse
principalmente para Cassiano Gabus Mendes. Auxiliando ainda mais o pai, Cassiano foi aprendendo a
fórmula desses grandes programas.

Nessa época, Cassiano já era conhecido no meio. Com seus dezoito anos, era considerado um “bom
partido”. É como conta30 a irmã Maria Edith:

- Cassiano escrevia para o rádio e era o galã da década. Nós tínhamos muitas amigas. Umas muito
sinceras e outras, bem, as outras só eram amigas porque tínhamos um irmão como Cassiano: boa
pinta e famoso. Ele não era convencido ou pretensioso, nem se julgava um Tyrone Power do rádio.
Nada disso. Cassiano era modesto, simpático, agradável. Observador, bom redator, escrevia programas
de fato engraçados e bons. Quando havia desfile de fãs pelos corredores da rádio, as que chegavam
iam logo perguntando: “Cadê o Cassiano?” Corriam e formavam rodinha em volta dele. Mas nenhuma,
com certeza, tinha ouvido dele uma só prova de cabotinismo, uma só demonstração de pose. Ele
pretendia, no rádio, fazer coisas importantes. Queria progredir.

Com a chegada de Oduvaldo Vianna, na Rádio Difusora, em 1945, aconteceu um certo estranhamento
entre a direção das Associadas e Octávio Gabus Mendes. Ele tinha a mesma liberdade, principalmente
na Rádio Tupi, mas já não era o único homem-chave no radioteatro das Associadas. Vianna trazia um

29
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)
30
Idem.

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elenco e um know-how no gênero. Enquanto novos chegavam, outros se desligavam, mudavam de


estação.

No meio desse processo, já em 1946, Gabus Mendes recebeu não um convite, mas sim um apelo do
amigo José Nicolini. Mesmo depois de adquirida por Paulo Machado de Carvalho, a Rádio Bandeirantes
ainda tinha problemas com a programação. Virou quase um “prima pobre” da Record – tanto que um
ano depois, Paulo Machado de Carvalho resolveu vendê-la ao político Adhemar de Barros, que com
apoio de seu genro, João Jorge Saad, a transformou na potência e no grupo que até hoje existe.

Octávio Gabus Mendes ouviu o apelo de Nicolini e se transferiu para lá. Por um período de tempo,
Cassiano e Maria Edith também continuaram nas Associadas, mas logo também foram com o pai para
a Rádio Bandeirantes. Nessa época, programas como o “Cinema em Casa” e “Grande Teatro Tupi”
saíram do ar. Já na Bandeirantes, Octávio ajudou Ivani a dar mais profissionalismo a seu “Cinema em
Seu Lar”, trazendo as técnicas que utilizava no “Cinema em Casa”. Recriou na Bandeirantes o seu
“Programa Octávio Gabus Mendes”.

Dessa fase da Bandeirantes é preciso dizer de um novo parceiro que aparece primeiro na vida de
Octávio e que depois continua a parceria com Cassiano Gabus Mendes. Seu nome: Walter George
Durst.

Durst ajudou Octávio Gabus Mendes a escrever e produzir seus programas. Ele, que era também
cinéfilo e um fã assumido do próprio Gabus Mendes. Amava também literatura. Em rádio havia passado
pela Cultura em 1945, produzindo e escrevendo “Universidade Alegre”, com estudantes secundaristas.
Para Rádio Bandeirantes transferiu-se também em 1946, transformando a atração em “História
Universal”. Lá fez também “O Avesso da História”.

O jovem produtor passou a ajudar, junto com Cassiano, ainda mais Octávio. A saúde de Gabus Mendes
estava cada vez mais grave. Muitas dores no peito, falta de ar. Só que aquela máquina em formato de
homem não podia parar. Queria criar, criar, criar...

Durst lembra31 com saudade de Octávio e da grande contribuição que ele deu ao rádio brasileiro:

- Octávio Gabus Mendes foi talvez a figura mais importante do rádio dos anos 40. Ele ensinou a mim e
ao Cassiano o rádio que ele fazia. Um rádio baseado no domínio completo, no conhecimento
completodo microfone e no domínio de todos os meios, de todos os recursos de som possíveis. E o
rádio que tinha a ambição, visava constituir, formar uma imagem, naturalmente, na cabeça dos
radiouvintes. Esse rádio, a procura de uma imagem, ajudou muito a mim e ao Cassiano a descobrir as

31
Depoimento de Walter George Durst ao programa “40 Anos de TV” (TV Cultura, 1990)

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primeiras – quando a imagem veio realmente –, a descobrir as primeiras formas dessa primeira
imagem, da televisão.

Na fórmula do “Cinema em Casa”, Octávio inicialmente (depois Cassiano e Durst), levavam os artistas,
técnicos e todos que participavam da produção do programa, ao cinema para assistirem o filme. A
radiofonização dos filmes não preocupava os cinemas, nem as distribuidoras, pois eles viam como uma
promoção espontânea. As pessoas “ouviam” o filme no rádio e depois iam ao cinema ver se realmente
era daquele jeito na imagem. Ao final, as distribuidoras acabaram fornecendo a Octávio e aos jovens os
scripts originais dos filmes e o áudio das películas. Antes disso, por meio de métodos de taquigrafia,
eles iam ao cinema “copiar” o roteiro integral, com todos os diálogos.

Era uma verdadeira escola de cinema aos radialistas. Observaram o que poderiam fazer com a
sonoplastia, com as inflexões de voz, com a interpretação. Era a decomposição da imagem para o
áudio. Algo digno de Orson Welles.

As “imagens” do rádio eram cada vez mais coloridas, vivas, presentes na cabeça dos ouvintes. Graças a
Octávio Gabus Mendes e a escola que criou.

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A busca pela televisão

Cassiano tinha recebido uma missão do pai. Não deixar morrer seus sonhos. Um desses objetivos era o
de implantar a televisão no Brasil.

Octávio perseguiu a TV desde que ela surgiu no mundo. Enquanto os outros no rádio nada sabiam, ele
já era um profundo conhecedor.

Dermival Costa Lima recorda32 essa época, no início dos anos 1940:

- Ele foi realmente o primeiro profissional de rádio que pensou em termo de televisão. Foi o primeiro e
até a gente achava graça: "Ora, Octávio, você é um sonhador, tá pensando em televisão!" E mandava
buscar livros na América, na Inglaterra, na Alemanha. Ele era um cara poliglota, um sujeito
extraordinário e já estudava televisão.

Cassio Gabus Mendes, neto de Octávio e filho de Cassiano, conta dos preparativos dos dois pela
televisão:

- Meu pai era muito próximo, desde cedo trabalhando com meu avô e depois o acompanhando. No final,
com meu avô doente, ele escrevia as coisas que seu pai ditava: ele estava preparando uns programas
para a televisão. Então meu pai sabia de tudo. Meu avô já estava adiantado com vários programas.
Tinha algumas coisas que ele estava estudando e montando. E meu pai anotando. Não era
especificamente um programa, eram estruturas de alguns programas. Não era uma programação, mas
acaba sendo, né? Ele estava se programando com absoluta coerência. Para quem programava no
rádio, era completamente diferente ele ter essa visão. Era genial.

Octávio Gabus Mendes, em sua coluna no Correio de São Paulo, em março de 1943, abordou33 sobre a
televisão e o que seria do cinema depois do fim 2ª Guerra Mundial:

- O cinema terá que lutar contra outro divertimento que avantaja dia a dia e que será outro gigante
depois da guerra: a televisão. Tudo isso torna o cinema uma interrogação.

Relacionado aos estudos do pai e a missão dada ao irmão, Maria Edith relembra34:

32
Depoimento de Dermival Costa Lima ao IDART (1980).
33
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)
34
Idem.

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- Cassiano, atento a seus conselhos, já conhecia, pelo menos em tese, o que era lidar com esse novo
veículo de comunicação. Mesmo assim ele ficou surpreso quando Dermival Costa Lima convidou-o para
ser o diretor da nova estação.

O convite veio por parte de Dermival Costa Lima. Tudo começou após Edmundo Monteiro, diretor dos
Diários Associados em São Paulo, reunir todos os gerentes das rádios e dos jornais, para fazer um
anúncio: “Assis Chateaubriand irá implantar a televisão no Brasil”. Nessa reunião determinou que Costa
Lima seria além de diretor-geral das rádios Tupi e Difusora, o responsável pela futura televisão, como
de sua direção artística. Acrescentou que os três veículos funcionariam todos na “Cidade do Rádio”,
que passaria por modificações.

Costa Lima ficou preocupado, porque não daria conta de tudo sozinho.

- Costa Lima, eu entrego a você a parte da programação e a parte artística da televisão. Você faz?

- Edmundo, eu preciso de um assistente. Eu tenho um assistente na Tupi, um na Difusora e preciso de


outro na Televisão.

Era uma responsabilidade muito grande. O diretor Edmundo Monteiro pediu então que selecionasse
alguém para assessorá-lo e que passasse também por sua aprovação. Naquela ocasião, estavam todos
certos que essa pessoa seria Oduvaldo Vianna, que pouco tempo antes havia realizado o “Quase no
Céu”, o que não ocorreu.

Costa Lima tomou então uma decisão que não foi bem vista por todos. Conta35 ele:

- Eu escolhi pra ser o meu assistente, pra ser realmente o braço direito na televisão, o jovem Cassiano
Gabus Mendes. Era garoto, né? Então todo mundo ficou assim... Senti que havia uma certa... uma
certa... Digo, bom... “Esse cara tá louco”! Acreditei por ser filho de quem era! Filho de peixe... né? Eu
achei que seria uma boa homenagem à memória do Octávio, também sabendo que ele iria dar conta
do recado, como deu realmente! Eu fiquei um ano e meio mais lá, quase dois anos, lançando-o à frente
da televisão, tanto que quando eu saí ele ficou no meu lugar, assumiu a direção.

O próprio Cassiano Gabus Mendes dá também sua versão 36 dos fatos, que não se distancia da do
“Chefe”:

35
Depoimento de Dermival Costa Lima ao IDART (1980).
36
Jornal Shopping News (Coluna “Televisão”, Liba Frydman, em 14/03/1976)

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- Costa Lima era diretor das rádios Tupi e Difusora. Naturalmente ele ia ser diretor da televisão também
e ia precisar de um homem que cuidasse só da TV. Então começaram a pensar em nomes e o grande
candidato era Oduvaldo Vianna. Mas o Costa Lima tinha um processo de amizade comigo, até um xodó,
eu parecia seu filho, e me disse que não perdesse tempo, tratasse de aprender. Eu gostava muito de
TV, era muito ligado a cinema como meu pai Octávio Gabus Mendes, então eu queria fazer alguma
coisa em termos de imagem. Eu via a TV como imagem, e imagem para mim era fazer cinema. Fiz um
filminho, uma historinha mesmo, que se chamava "A Gata". Peguei o filme, mostrei para o Costa Lima,
que o mostrou para o Edmundo Monteiro na esperança que eu pegasse a chefia de produção. E
batata, não deu outra: Edmundo gostou e me deu o emprego, fiquei sendo chefe de produção, logo no
primeiro ano de TV.

O curta-metragem “A Gata” foi a primeira produção audiovisual dirigida por Cassiano, pouco tempo
depois exibida pela TV Tupi. Essa história policial, filmada em 16 mm, com 20 minutos de duração,
Lima Duarte, Dionísio Azevedo e Macedo Neto integravam o elenco. Na câmera estava um fotógrafo
holandês chamado Hejo, amigo de Cassiano e também cinéfilo, que emprestou a este o equipamento.
“A Gata”, sem saber, determinou os rumos da futura emissora de televisão.

Lima Duarte se recorda também do filme “A Gata”:

- Quem “fotografou” foi o Hejo. Ele tinha um equipamento, também uma camerazinha, e gostava muito
do radioteatro. Um dia ele foi lá e disse: "Eu tenho uma maquininha de filmar. Vamos fazer um filme
sobre essas coisas que vocês fazem no teatrinho?" O "Teatrinho das Cinco Horas" era uma criação do
Octávio Gabus Mendes, foi muito sucesso no rádio. Então o Cassiano: "Então vou bolar um curta-
metragem e nós vamos fazer". E fez um curta pequenininho: "A Gata". Participavam o Macedo Neto, o
Dionísio Azevedo, eu e uma menina, que varreu-se da minha memória o nome. Era um negócio de
traição, amor, eu tinha uns 16 para 17 anos. E fez esse filminho, que eu aparecia e ela me seduzia, eu
matava o marido por causa dela. E teve a reunião, para decidir quem trabalharia na televisão. Na sala,
Durst, Cassiano, Túlio de Lemos. O Cassiano exibiu o filme "A Gata" e disseram: "Gênio, que coisa
genial! Esse é que vai ser o diretor!" – Gabus Mendes chamou Lima para ser seu assistente, mas ele
optou por continuar na sonoplastia.

Cassiano era um apaixonado por cinema. Três décadas depois ele relembraria37:

- Eu era o que se chama um cine-fanático e em minha adolescência chegava a ver três filmes por dia.
Mas certamente foi a experiência no rádio o que mais pesou, pois naquela época, era um meio muito
mais versátil e rico do que hoje. – e ainda complementa38 – Achei que seria um bom caminho

37
“Cassiano, da aventura ao glacê” (Folha de São Paulo, 08/03/1980)
38
“Gente: Cassiano Gabus Mendes” (Revista Fatos & Fotos, nº 738, 1975)

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aproveitar um pouco do cinema em meus primeiros programas de tevê. Baseei-me então na linguagem
cinematográfica.

Oduvaldo Vianna não gostou nada da escolha de Gabus Mendes, assim como vários outros diretores. O
diretor da Difusora, pouco tempo depois da inauguração da TV Tupi, desligou-se das Associadas.

Cassiano Gabus Mendes só não imaginava que seria muito além de chefe de produção. Como disse
Costa Lima a Edmundo Monteiro, seu assistente ia praticamente cuidar de todo artístico da televisão,
apenas sob sua supervisão. E assim foi.

Cassiano logo se tornou não apenas o diretor artístico da televisão (e executivo de rádio e TV), mas o
mais jovem do mundo a ocupar tal função.

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E o artístico?

Não se sabe a razão,mas a história sucumbiu um grande mérito. Até hoje só se fala da importância de
Mario Alderighi e Jorge Edo, que foram até os Estados Unidos aprender televisão.

Se “esquecer” o resto da história fosse desmerecer o processo criativo dos pioneiros, a garra deles e
tudo que criaram, poderia justificar essa “injustiça”.

Acreditamos mais que foi a modéstia deste grande pioneiro e seu espírito de equipe, que fez com que
se apagassem algumas páginas dessa história. Nós, os profissionais de televisão, devemos a ele, os
ensinamos da estética, dos princípios e de tudo relativo ao conteúdo televisivo. A devemos agradecer,
respeitar e dar os créditos. Sim, Cassiano Gabus Mendes, foi o escolhido para aprender e também dar
a cara brasileira ao formato televisivo.Conhecerão agora uma história praticamente inédita.

Sobre essa época inicial, Gabus Mendes nos conta39:

- O que eu comecei a fazer na Televisão Tupi eu me baseei em cinema, porque meu pai já tinha feito
cinema mudo, e eu era muito ligado à cinema. Na minha juventude eu ia duas, três vezes por dia ao
cinema. Então eu tinha uma ideia do processo da imagem, do que era a imagem. Então eu disse: "É
isso que nós vamos fazer, um cineminha aqui". Na televisão realmente ninguém sabia nada, porque
ninguém foi ao Estados Unidos fazer curso ou em outro lugar qualquer, nem na Europa, nem nada. Foi
lá, à brasileira, mesmo.

Foi à brasileira, com a cara do nosso povo, como tudo que Assis Chateubriand queria transmitir através
das publicações e emissoras dos Associados. Após a volta de Jorge Edo e Mario Alderighi, Chatô e
Edmundo Monteiro entenderam a complexidade de uma emissora de TV. Resolveram então que mais
alguém fosse aos Estados Unidos, entender o funcionamento artístico da televisão. Oduvaldo Vianna
não quis inicialmente e depois não foi o selecionado. Dermival Costa Lima indicou Cassiano Gabus
Mendes.

- Cassiano, vá para lá e aprenda tudo que puder da televisão. Edo disse que terá que aprender um tal
de suis.... shuwiztes... Não sei como se fala. – Costa Lima se referia ao “switcher”, a mesa de corte de
imagens, cujo nome ainda hoje há quem se atrapalhe para pronunciá-lo em português.

39
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes à série “TV Ano 30” (TV Cultura, 1980).

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Assim, em novembro de 1949, aquele jovem de 22 anos desembarcou nos Estados Unidos, para um
estágio na WNBT, canal 4 de Nova York, pertencente à rede de televisão NBC.

- Eu me lembro que o Cassiano Gabus Mendes e o Jorge Ribeiro, produtor, foram pros Estados Unidos.
Lá o Cassiano foi aprender a cortar. – conta40 a atriz Yara Lins. Ribeiro foi só estudar a produção de TV.

Cassiano, antes fez uma viagem complicada de avião, com muita turbulência, sendo que não gostava
de voar. Nessa época os aviões não tinham o mesmo conforto de hoje, mas ainda assim os Associados
enviaram Gabus Mendes pela melhor aeronave da época: a Pan American Lockheed Constellation L-
749, da PanAm, cujo subsidiária em nosso país era a Panair do Brasil. Muitas horas depois,
desembarcou no ainda recente Aeroporto de Idlewild (hoje Aeroporto Internacional John F. Kennedy),
em Nova York.

Sobre essa viagem de Cassiano, ele comentou com a filho Tato Gabus Mendes, que agora nos conta:

- Ele fez a viagem naqueles aviões antiquíssimos. Eu fiquei imaginando: “Puxa vida, atravessar e ir pra
outro continente, naqueles aviões... precisava ter coragem!” Meu pai, aliás, tinha uma preguiça
horrorosa de viajar, não gostava. Eu acho que essa foi a única vez que ele viajou pra fora, para os
Estados Unidos. – Tato menciona ainda que a presurisação das aeronaves não era como atualmente –
E tinha aquele barulho da hélice! Dava uma falta da segurança, ainda com altitude baixa. Você ir pra
outro continente era loucura.

Além da NBC existiam outras três redes comerciais nos Estados Unidos: a CBS, da Columbia, a ABC e a
DuMont. Após o fim da 2ª Guerra Mundial as redes concentraram seu raio de atuação na costa leste
estadunidense, tendo a maioria da programação gerada por Nova York, com apenas quatro horas
diárias e com grande parte dos programas ao vivo. O sinal era transmitido por meio de estações
retransmissoras ou via cabo para toda Ilha de Manhattan e regiões próximas (a rede nacional, de um
lado a outro dos Estados Unidos só aconteceu em 1951, quando a AT&T – American Telephone and
Telegraph ligou coast-to-coast a televisão norte-americana).

Cassiano viu um Estados Unidos vivendo novos tempos. Um país que renascia e se valorizava diante do
mundo após a guerra. Aos poucos o planeta passava a adotar o jeito de ser do estadunidense, o
“American Way of Life”. Tempo de novas ideias, de prosperidade, de sucesso. Uma população
novaiorquina que ia aos estúdios de rádio e TV para ver grandes shows musicais, muito brilho, glamour
e show bussiness! Hollywood e Broadway fervilhavam.

40
Depoimento de Yara Lins à Pró-TV.

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Gabus Mendes viu de perto tudo aquilo que conhecia pelos filmes hollywoodianos. Em seu primeiro
passeio pela Broadway viu nos letreiros luminosos o nome do diretor e roteirista John Huston, um dos
ídolos de seu pai, na época do “Cinema em Casa”.

- “The Treasure of the Sierra Madre”… “O Tesouro de Sierra Madre” – traduziu o jovem rapaz – Deve ser
sensacional! E com o Humphrey Bogart!

Cassiano Gabus Mendes não pensou muito e entrou no cinema... foi ao delírio! – Anos depois, em
1956, ele adaptou com Durst o filme para televisão. Uma inesquecível peça do teleteatro “TV de
Vanguarda”, com Lima Duarte no lugar de Bogart, como Fred Bodds. Aquela história dos três forasteiros
jamais saiu de sua cabeça. Era Cassiano vendo de perto algo ainda inédito pra todo Brasil.

Na WNBT, Gabus Mendes também aprendeu a importância da audiência em televisão. Percebeu que as
medições de público no rádio eram próximas das existentes naquela nova mídia. Programas de maior
apelo popular tinham mais audiência, como shows musicais, humorísticos e programas de calouros
com auditórios, noticiários jornalísticos, transmissões esportivas e programas de entrevistas. Naquele
tempo as soap operas, as novelas, nos Estados Unidos não tinham a mesma força que existiam nas
rádios brasileiras e para televisão elas ainda não eram um costume. O forte eram os seriados, os
sitcoms, e principalmente os teleteatros – eles se apresentavam com durações que variavam entre
meia e uma hora. Eram realizados nos estúdios de Nova York e transmitidos ao vivo durante o prime
time (logo conhecido no Brasil com “horário nobre”, em que o público estava mais presente diariamente
em frente à TV).

Cassiano acompanhou, na WNBT / NBC, de perto a produção dos seriados Philco Television Playhouse
e Kraft Television Theatre, com uma hora de duração, e dos teleteatros Chevrolet Tele-Theater e
Colgate Theater, de meia hora. Assistiu também na CBS os teleteatros Ford Theater e Studio One, cujos
formatos vieram do rádio, e na ABC, o seriado Actor’s Studio, aos domingos a noite (mesma faixa de
horário que mais tarde teríamos o “TV de Vanguarda” e o “TV de Comédia”, na TV Tupi de São Paulo).

O pioneiro da TV Tupi e depois estudioso de Comunicação, David José Lessa de Mattos, comenta41
sobre essa experiência de Cassiano Gabus Mendes nos Estados Unidos:

- Na noite do dia 7 de dezembro de 1949, Cassiano Gabus Mendes pôde assistir pela rede NBC a uma
adaptação da peça “A Comédia dos Erros”, de Shakespeare, no programa de teleteatro “Kraft
Television Theatre”, série dramática patrocinada pela indústria de alimentos Kraft Foods Company.
Todas as quarta-feiras, às 21 horas, era apresentado um teleteatro completo neste programa, sempre

41
“A TV Antes do VT: Teleteatro ao vivo na Tupi de São Paulo – 1950-1960” (David José Lessa de Mattos e
Raymundo Lessa de Mattos, 2010).

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com elenco e histórias diferentes. Ele ficou entusiasmado pois, pouco tempo antes, Walter George
Durst e ele haviam apresentado Shakespeare na Rádio Difusora de São Paulo, uma adaptação do filme
“Macbeth”, dirigido por Orson Welles, em 1948. Ele observou com admiração como tudo era muito bem
feito, que ótimos atores, que iluminação, que trabalho de direção havia nesse “Kraft Television
Theatre”, teleteatro que permaneceu onze anos no ar, de 1947 a 1958, sempre ao vivo.

O “Kraft Television Theatre” era produzido pela agência J.W. Thompson, a mesma que produziu “Lux
Radio Theatre”, programa de radioteatro que seu pai Octávio Gabus Mendes se baseou para criar, em
1943, o “Cinema em Casa”, na Rádio Difusora. Lá nos Estados Unidos, grandes estrelas de Hollywood
faziam parte do “Lux Radio Theatre”.

Cassiano conheceu também um dos maiores, mais bem equipados e mais modernos estúdios de Nova
York, o principal da NBC: o estúdio 8G. O rapaz foi atrás de todas as informações que existiam sobre o
que a WBNT havia feito um ano antes para adaptar aquele estúdio de rádio para televisão. Foi lá que
aprendeu a utilizar o switcher, a “mesa de corte”, que selecionava as imagens que ia ao ar. O switcher
funcionava no 9º andar do prédio com uma grande janela em que se podia observar tudo que acontecia
no 8º andar (nível do estúdio). O switcher do estúdio 8G permitia o controle de seis câmeras
simultaneamente, tendo uma iluminação que economizava quatro vezes o que antes era utilizado para
televisão (diminuindo todo calor, com tecnologia avançada da RCA), tendo também ar-condicionado
(uma grande evolução para a época!) e números impressionantes, como o uso de 500 metros de cabos
coaxiais e 52 toneladas de equipamentos de refrigeração. Era possível gravar quatro programas
simultaneamente no mesmo estúdio, com grandes cenários.

E o rapaz estava encantado com tudo aquilo. Viu tudo que o pai o repassou na teoria, através de
estudos e revistas importadas, logo a seus olhos.

- What do you call this function? – falou Cassiano, perguntando como se chamava o operador do
switcher.

- I am switcherman. – na sala de controle respondeu o operador, que era dirigido por Delbert Mann (um
dos mais conhecidos profissionais na área), que acompanhava todo processo observando seu script.

Sobre o nome da função, o jovem brasileiro ficou pensativo, pois se falar “switcher” já era complicado,
imaginem dar este nome a função. E pensou em voz alta:

- “Seletor de imagens”, “cortador de imagens”, “diretor de corte”? Talvez...

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A partir daquele momento uma preocupação veio a cabeça de Cassiano. Era preciso renomear para
português as funções da televisão. Aquela, da qual seria o primeiro de todos, não seria usado no Brasil
o “switcherman”, sendo logo substituído por novos definitivos como “diretor de TV” e “diretor de
imagem”. Há muita história atrás de tal denominação, que mais para frente contaremos.

Conheceu na WBNT nomes importantes da televisão americana, como o produtor e diretor do “Kraft
Television Theatre”, Stanley Quinn, e o também produtor e diretor Fred Coe, que coordenava o “Philco
Television Playhouse” – programa que este norte-americano levou muitos profissionais do teatro para
televisão, grandes estrelas da Broadway.

Gabus Mendes observava tudo. Não tirava o olho de nada. Percebeu a sintonia da equipe, a forma
orquestrada como todos trabalhavam... Câmeras,sala de controle, sonoplastia, técnicos, todos. A
marcação do script também se modificava a cada instante e que se fazia no ensaio nem sempre ficava
idêntico... O calor do momento, a emoção! Esses sim eram os diferenciais. Percebeu a importância do
close, o poder da luz, o ritmo acelarado, os passos de felino nos bastidores – dos artistas e dos
técnicos – que não podiam ressoar no boom do estúdio, que no Brasil ganhou o apelido de “girafa”, por
conta da largura daquele suporte do microfone.

Depois de um mês de estágio, Cassiano Gabus Mendes estava sedento para voltar ao Brasil e passar a
Dermival Costa Lima e a Walter George Durst tudo que havia aprendido. As ideias fervilhavam, pois
Cassiano não queria apenas adotar algumas delas, mas criar outras, com a cara do Brasil. Aquela
altura, o jovem voltava para o Brasil com domínio total do dia a dia televisivo – não apenas em nosso
território nacional, mas também na América Latina e no hemisfério Sul.

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A fase experimental

Cassiano voltou cheio de novidades, pronto para encontrar os colegas que estavam sedentos por
notícias do como funcionava a televisão. Alguns, obviamente, não tinham lá grande curiosidade, porque
a televisão ainda era vista como uma “inimiga” em território radiofônico. Aos poucos, Costa Lima e
Gabus Mendes foram preparando espaço para o nascimento da televisão.

Foram contratados novos funcionários, outros terceirizados, mas todos unidos para levantar o novo
estúdio da televisão no pátio da “Cidade do Rádio”. Nos demais espaços modificações eram feitas e
tudo acontecia numa velocidade grande. O ano de 1950, que já batia à porta, ia ser dourado para as
Emissoras Associadas. Marteladas, pó, um caos... Em meio às obras nascia um novo meio.

Um pouco antes de Cassiano retornar dos Estados Unidos, uma notificação chegava aos Diários
Associados. Era próximo do Natal de 1949 quando a RCA Victor informou que todo equipamento da
Televisão Tupi-Difusora estava já encaixotado para viajar ao Brasil. Já em 11 de janeiro de 1950, nova
notificação chegou dos Estados Unidos, informando que o caminhão de externas e toda carga havia
partido da Filadélfia no cargueiro Morwacyord, da Companhia Moore Corwick, com chegada prevista em
vinte dias no Porto de Santos.

O engenheiro Mário Alderighi comenta42 o sentimento das Associadas naquele instante:

- Quando no começo de 1950 recebemos com indisfarçável alegria a notícia da chegada em Santos do
carregamento contendo o equipamento para a primeira estação, deixou desde então de ser um sonho
a televisão entre nós, para tornar-se uma esplêndida realidade pela sua significação cultural, dotando
assim nossa capital de mais essa iniciativa.

Era esse o espírito, quando em 01º de fevereiro toda carga chegou no cais, atracando próximo ao
Armazém 15. Um dia depois, Peter Haddloch, diretor da RCA do Brasil, e os diretores da Companhia
Moore Corwick ofereceram um coquetel a Assis Chateaubriand, a bordo do navio. Ali estavam muitos
convidados, entre eles representantes do Ministério da Viação e Obras Públicas (hoje Ministério das
Comunicações), dos Correios e Telégrafos, o diretor do Museu de Arte Moderna, Pietro Maria Bardi, o
publicitário Antônio Nogueira (da J.W. Thompson), Enéas Machado de Assis (membro dos Diários
Associados e também representante da Associação das Emissoras de São Paulo, a AESP), Dermival
Costa Lima e suas irmãs Virgínia e Carolina, sua esposa Sarita Campos, Hebe Camargo e Stella, Walter

42
Suplemento “TV Canal 3: 3º Aniversário – Semana Comemorativa” (Setembro, 1953)

71
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Forster e Branca Forster...Logo após a festa, Chateaubriand ofereceu um almoço para cem convidados,
no restaurante do Hotel Parque Balneário de Santos.

Mesmo com tantas festejos, a televisão ainda teria problemas burocráticos a enfrentar. A Alfândega
não liberou a carga e só dois meses depois é que o equipamento poderia ser “despachado” para São
Paulo. A autorização saiu em 23 de março de 1950.

Nessa mesma época, Dermival Costa Lima recebeu liberação para começar a contratar os funcionários
para televisão. Até então todos trabalhavam para as rádios, mas sem registro profissional destinado ao
novo meio. Portanto, o primeiro funcionário registrado de televisão no Brasil, ainda em março, foi
Cassiano Gabus Mendes. Ele nos conta43:

- Eu comecei a trabalhar na TV seis meses antes da Tupi entrar no ar. A gente fazia tudo por amor, só
que a gente não ganhava dinheiro, só os donos das emissoras. Hoje não, as emissoras pagam
razoavelmente. – orgulhoso, Cassiano ainda complementa44 - Eu sou mais antigo do que a própria
televisão brasileira!

Maria Edith, sua irmã, resume45 bem a importância de Cassiano naquele início:

- “Aprende-se a amar, amando, prestando atenção e fazendo o que se descobre o que tem que ser
feito”. Esse pensamento de Aldous Huxley resume o que Cassiano sentia nos primeiros meses de
contato com a televisão. Ele foi aprendendo a amar, diariamente, o trabalho inédito; a prestar atenção
nas técnicas, maneiras de lidar com a emoção de um público novo: o telespectador e finalmente fez
uma TV dinâmica, moderna, inovadora. – e complementa sua irmã – Cassiano foi de tudo: diretor de
TV, redator, produtor, ator, montador de estúdios, carregador de cenários e diretor artístico da TV Tupi.

Voltando aos preparativos para chegada da TV, no dia 31 de maio de 1950, os profissionais da “Cidade
do Rádio” desceram para Baixada Santista para trazerem à capital paulista a tão esperada televisão.

Problema, porém, ainda tinha pelo caminho. Havia um engenheiro americano, responsável pelo
equipamento da RCA, que não falava português e não estava disposto a ensinar ninguém o
funcionamento dos equipamentos. Recorda46 Cassiano Gabus Mendes:

- Sua função era supervisionar a entrega do material, apenas. Quem montou a torre foi Jorge Edo, junto
com o Mário Alderighi e uma turma de assistentes. Aprendemos a fazer TV no tapa, no peito e na raça,

43
“Um Veterano do Bom Humor” (Jornal do Brasil, Rose Esquenazi, 27/03/1993)
44
“Ele Faz Chique o Brega” (Jornal do Brasil, 26/09/1987)
45
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)
46
Revista Briefing, setembro de 1980.

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com muita intuição. O que salvou foi que a gente gostava do que fazia, e é por isso, por esse amor, que
a Tupi foi a verdadeira escola para a maioria esmagadora dos profissionais espalhados por todas as
emissoras do Brasil.

Chateaubriand então cuidou pessoalmente do caso da Alfândega, elogiando a “desenvoltura” de seu


diretor Luiz Mendes Gonçalves, para liberar a carga. Ainda escreveu uma nota, dizendo que ele
“superou as dificuldade alfandegárias e liberou esse tipo de carga pela primeira vez no Brasil”. Através
da firma de despachantes Sigesfredo Magalhães, o processou seguiu, sendo essa empresa
responsável por contratar a transportadora Cruzeiro do Sul. Já esta criou faixas iguais, que seriam
colocadas nas laterais dos caminhões com os equipamentos. Nelas estava escrito: “Rádio Tupi de
Televisão RCA, a primeira da América Latina”.

Um verdadeiro desfile aconteceu. Primeiro pelas ruas de Santos, depois pela Via Anchieta e pelas
principais avenidas de São Paulo, ganhando grande destaque nas proximidades da Praça da República
e do Viaduto do Chá. Região próxima à sede dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril. Depois de lá,
passaram pelo Banco do Estado de São Paulo e chegando enfim à “Cidade do Rádio”, no Sumaré. O
material foi entregue em partes, por etapas.

Na Praça Antonio Prado montaram a pesada antena Superturnstyle, que içada, subiu 140 metros para
ser colocada no alto do Edifício Altino Arantes, do Banco do Estado de São Paulo. Para ajuste dos
transmissores foi chamado o engenheiro W. F. Hansor, da RCA, para supervisionar. Primeiro averiguou
como seria o processo da transmissão no saguão dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril. Depois
o engenheiro americano foi para o alto do prédio do Banco do Estado de São Paulo, para ajustar os
transmissores junto do engenheiro alemão Ernst Bast.

No dia 15 de junho de 1950 foram realizados cinco shows experimentais, com a supervisão da General
Electric (do mesmo conglomerado da RCA). O jovem Hélio Bittencourt, engenheiro da GE nos conta 47
sobre aquelas transmissões:

- Eu era engenheiro da GE. Era o responsável no Brasil. Havia residido nos Estados Unidos, muito
tempo. Sabia das negociações, mas quando estava no Brasil, fui chamado para as experiências que
íamos fazer. Montamos todo o material no Hospital das Clínicas, onde iríamos trabalhar. Mas nossa
imagem era praticamente em circuito fechado. Era um projeto patrocinado pela Laboratórios Squibb
Indús tria Farmacêutica. E era fascinante o nosso trabalho. Todas as manhãs transmitíamos cirurgias.
Eram os médicos trabalhando, e a gente gravando e retransmitindo para o Instituto de Engenharia, na
Rua Líbero Badaró. E tudo material da GE. Foi no dia 15 de junho de 1950 que realizou-se o primeiro
show artístico. Lembro-me que nos primeiros programas apareceram artistas da Rádio Tupi e também

47
Depoimento de Hélio Bittencourt à Pró-TV.

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da Rádio Record. Da Tupi eu me lembro do Homero Silva, que apresentou cinco shows. Da Record, me
lembro do Arrelia, o palhaço, que a gente gostava tanto, e da cantora Elsa Laranjeira. Lembro-me do
Balé Municipal, das cobras do Instituto Butantan, e havia também moças muito bonitas: Marly Bueno e
Miriam Simone. Essa pra mim era a mais bonita , tanto que me apaixonei e me casei com ela. E com
ela estou até hoje. Míriam me deu filhos, que me deram netos. Foi o maior presente que a televisão me
deu. Se a RCA passou a GE para trás? Sei lá. Eu estava preocupado com tantas outras coisas ... Mas,
na minha lembrança, vieram materiais da RCA e também da GE. Ninguém passou ninguém para trás.
Afinal eram grandes empresas e tinham que vender.

O que inicialmente foi feito pela General Electric em São Paulo, foi colocado em prática apenas meses
depois, quando em janeiro de 1951 foi instalada a segunda emissora do país: a PRG-3 TV Tupi do Rio
de Janeiro, com equipamentos daquela empresa.

As duas moças que protagonizaram aquela transmissão foram Marly Bueno e sua irmã, a radioatriz
Miriam Simone, que logo se casou com Hélio Bittencourt (com quem viveu um casamento feliz por mais
de seis décadas, até o falecimento do engenheiro em 2013).

Miriam Simone se recorda48 do episódio:

- Dermival Costa Lima me destinou à televisão. E eu fui afastada do rádio, passei a fazer só televisão. A
GE só fez uma apresentação em circuito fechado. Transmitiram do Hospital das Clínicas para o
Instituto de Engenharia.A primeira imagem que apareceu foi a minha e da Marly,porque nós abrimos o
show. A Marly não era figura do rádio, ela foi comigo e acabou fazendo o show, que apresentou todo o
pessoal de rádio de São Paulo. Gente da Record,da Tupi... Foi no Hospital das Clínicas porque eles
tinham grandes salões e o equipamento era muito grande, então era o local ideal para fazer... e depois
todos os doentes do Hospital assistiram o show. Quem dirigiu o show foi uma agência, do Carlos Arthur
Thiré, esposo da Tônia Carrero.

A graciosidade de Marly Bueno chamou a atenção e em pouco tempo a direção da TV Tupi a chamaria
para seu elenco. Ela, logo se tornaria uma das principais atrizes da televisão. Marly comenta49 como
ingressou inesperadamente na carreira:

- Comecei acompanhando a minha irmã e já passei a conhecer todo o pessoal das rádios Tupi e
Difusora. E a televisão estava pra começar. E quando inaugurou, minha irmã já estava trabalhando,
mas eu não. Eu só acompanhava.

48
Depoimento de Miriam Simone à Pró-TV.
49
Depoimento de Marly Bueno à Pró-TV.

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Foi filmado naquele dia o “Vídeo Educativo”, posteriormente exibido nos dias 20, 21, 24, 25 e 26 de
julho daquele ano, em circuito-fechado do Hospital das Clínicas para o Edifício Saldanha Marinho, na
Rua Líbero Badaró (sede do Instituto de Engenharia). Muitas apresentações aconteceram naquele dia.

Outros testes foram realizados no prédio dos Diários Associados. A TV Tupi possuiu na Rua Sete de
Abril, em seu 5º andar, um estúdio improvisado, que anos depois seria utilizado para sua “irmã-caçula”
TV Cultura. O estúdio funcionava próximo ao auditório do Museu de Arte Moderna, criado por
Chateaubriand, e que também estava instalado no Edifício Guilherme Guinle. Foi naquele auditório que
aconteceu o mais importante transmissão experimental da PRF-3 TV Tupi-Difusora, em 07 de julho de
1950. À convite de Chatô e sob o patrocínio da Goiabada Peixe, o cantor romântico mexicano, Frei José
de Guadalupe Mojica, fez um pequeno show. O espetáculo foi apresentado por Homero Silva e Walter
Forster, também sob a direção de Dermival Costa Lima e Cassiano Gabus Mendes, que começava a
tomar a frente da televisão. Gabus Mendes passava a colocar em prática tudo o que havia aprendido
nos Estados Unidos e também nos estudos de seu pai Octávio, da relação entre cinema e TV. Conta 50
ele:

- Aprendi com meu pai a sentir a imagem, graças às suas pesquisas cinematográficas, e utilizei tudo
isso na TV, quando esta foi inaugurada, na Tupi. Naquela época carregávamos cenários, montávamos
estúdio, fazíamos um pouco de tudo.

Novos, mas poucos funcionários, foram contratados. Entre eles o cenógrafo de teatro Carlos Jacchieri,
que Cassiano foi buscar no teatro.

Lima Duarte lembra51 dessa principal transmissão experimental, que teve a presença do Frei Mojica:

- Antes de ser inaugurada oficialmente, a televisão teve um período experimental relativamente grande,
de cerca de seis meses. Nesse período, o Chateaubriand convidou o Frei José Mojica para fazer
algumas apresentações. Quando cantava fazia muito sucesso com as mulheres. No auge da carreira
resolveu ser padre. E foi assentar praça pra padre lá. Botou a batina e ficou padre. Mas ele continuou
cantando o repertório dele, de sucesso, do latin-lover. De maneira que pra inaugurar a televisão, ele
cantou sua música de maior sucesso: “Jurame”. E a televisão foi ao ar no Brasil, com um padre
pedindo beijos até a loucura: “Jurame”. A música diz assim (ele canta): “Besame, besame hasta la
loucura”. Um padre? Então é por isso que a televisão é assim, penso eu. Já imaginaram a televisão que
ia sair daí? Uma loucura!

50
“O Rei Absoluto no Horário das Sete” (Jornal do Brasil, 10/02/1980).
51
Depoimento de Lima Duarte à Pró-TV.

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Os monitores de TV da RCA foram espalhados pelo saguão do Edifício Guilherme Guinle, tendo outro na
Praça Dom José Gaspar. Um dia depois o Diário da Noite declarou:

- Foi magnífico o espetáculo de arte religiosa, em que muitas pessoas presentes choraram.

Um público curioso se abarrotava na frente deles, cerca de cinco mil pessoas olhando para pequenos
monitores. Foi aí que surgiu uma dúvida: se o Brasil não tinha televisores suficientes para assistir ao
show inaugural, que estava sendo planejado, quem é que iria assisti-lo?

- Rapidamente alguém avisou o Chateaubriand, que pegou um avião Constellation da Panair e foi
imediatamente para os Estados Unidos, comprou 20 televisores e trouxe para o Brasil. - comenta52 o já
ator Lima Duarte. Chatô conseguiu ainda autorização para importação de mais televisores. Os vinte
primeiros foram colocados em lugares estratégicos da cidade de São Paulo para inauguração da nova
emissora. Ainda chegou a presentear amigos e colegas, entre eles, Roberto Marinho – que se
apaixonou pela televisão, criando em 1965 a Rede Globo.

Dermival Costa Lima foi um dos agraciados, acrescentando 53:

- No início o Chateaubriand importou vários aparelhos de TV e espalhou pela cidade, deu para amigos,
inclusive um para mim. Ele deu um para a família Whitaker e quando aparecia alguma coisa mais forte,
o velho Whitaker telefonava para o Chateaubriand e dizia: - “Você invade a minha casa com isso?"

O tempo passava e Cassiano treinava novos funcionários da TV Tupi para operarem o switcher. Ele
apenas comandaria a parte artística, sendo braço direito de Costa Lima. Assim seria na teoria, mas na
prática foi diferente. Relembra54 Gabus Mendes:

- O negócio de diretor de TV começou da seguinte maneira: quando nós inauguramos a televisão a


parte técnica era a soberana em tudo, porque o aparelhamento técnico era caríssimo, e nós éramos
humildes funcionários dos aparelhos técnicos! Então a gente tinha que se reverenciar ao engenheiro
da televisão: "Pois não, a gente pode botar essa luz?" "Pode". "Pode botar essa camisa?" "Pode". "Que
tinta aqui o senhor usaria?" Então foi assim que nós fomos aprendendo. Mas o engenheiro também
não entendia nada, mas a gente ia atrás dele. Aí, na mesa do switcher, que é a mesa do corte, da
montagem, eles botaram um técnico. Então eu ficava em cima, num plano mais elevado, com o roteiro
na mão e ia dizendo: "Você corta agora para câmera 1, corta pra câmera tal". Falava assim: "Câmera
1!" E eu ficava olhando os monitores. Era um negócio que eu ficava desesperado porque o cara, ele

52
Idem.
53
Depoimento de Dermival Costa Lima ao “30 Anos de TV” (TV Cultura / IDART, 1980).
54
Especial “40 Anos de TV” (TV Cultura, 1990)

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ouvia câmera 1, mas ele até achar o botão da câmera 1 demorava duas horas. Eu ficava desesperado,
porque eu sabia que se sentasse ali eu ia fazer aquilo pra valer e direitinho. Então comecei uma
campanha pra tomar conta da mesa de corte, pra sentar na mesa de corte. E consegui, depois de
muita luta... Nós conseguimos. Aí sentei lá e comecei a "cortar", ensinei outras pessoas e outras
vieram. Foram bons "cortadores" também, como a gente chamava naquela época. Hoje se chama
"seletor de imagens". Eu era também diretor artístico, daí veio o termo "diretor de TV".

Maria Edith acompanhava os passos do irmão, orgulhosa de vê-lo crescer cada vez mais e seguir os
passos de seu pai Octávio. Ela comenta55:

- À meia noite ele e seus auxiliares colocavam no ar programas experimentais e foram desvendando os
mistérios das direção de TV, das câmeras, da sonoplastia, da técnica de imagens. Até hoje ele é um
dos mais criativos e requintados homens da nossa TV.

Os jovens estavam entusiasmados para criar aquela emissora. Perseguiam esse sonho, de sair na
frente, de modo que os Associados anunciavam desde 1947 como a primeira de toda América Latina.
Já se preparavam para que em setembro estreasse oficialmente a TV Tupi de São Paulo. No início
daquele mês surgiu uma notícia bombástica:

- Cassiano, chegou uma ordem da direção dos Diários... – fala Costa Lima preocupado e irritado – Não
se fala mais em “pioneira da América Latina”. Agora só como “primeira televisão da América do Sul”.

- O que aconteceu? Nós não esperávamos por isso? – respondeu Cassiano, seguido da explicação de
Costa Lima de que existiam rumores de que a televisão no México estava para estrear, não se sabia ao
certo o que aconteceu ou estava para acontecer, e que os jornais dos Associados mudariam também o
discurso. Em 31 de agosto de 1950, o jornalista Rómulo O’Farril iniciou a XHTV, canal 4 da Cidade do
México, sendo que apenas em setembro (mesma época que no Brasil) começaram suas operações
regulares, com equipamentos também da RCA (a primeira a avisar os Diários Associados sobre os
acontecimentos no México). Cuba veio depois da inauguração do Brasil, em 23 de setembro de 1950,
com a inauguração da emissora CMQ, de Havana, de Goar Mestre.

Costa Lima e Gabus Mendes respiraram fundo, nervosos com a novidade mexicana. Ainda assim a Tupi
seria a primeira do Brasil e da América do Sul. Tal mudança não ia tirar o brilho da inauguração do
canal.

Realizam ainda uma nova transmissão, em 10 de setembro de 1950, com Dom Carmelo Vasconcelos,
Arcebispo da Arquidiocese de Aparecida do Norte, abençoando os estúdios e equipamentos do Sumaré.

55
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, 1988)

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Em seguida um vídeo de Getúlio Vargas anunciando sua volta à política (curiosamente na mesma
época, o candidato Hugo Borghi disse que apareceria na TV naquele mesmo dia, às 18h30, o que ficou
só na promessa).

Oito dias depois marcaram a inauguração oficial da PRF-3 TV Tupi-Difusora: 18 de setembro de 1950.

Alguma coisa poderia dar errado? Talvez... Mas nada que aquele grupo aguerrido não enfrentasse de
peito aberto.

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IV.
A chegada da televisão

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A tão esperada inauguração


O 18 de setembro de 1950 era tão esperado por todos. Podia ser um dia qualquer no calendário, mas
para aquela turma da “Cidade do Rádio” se transformaria em uma data para jamais ser esquecida.
Agora será contada a história do ponto de vista da direção de Cassiano Gabus Mendes e de Dermival
Costa Lima, como daqueles técnicos que por lá estavam.

Até então, o esquema das transmissões experimentais da TV Tupi eram diários, da tarde até a noite,
sobrando apenas o domingo para descanso. Nos conta56 Gabus Mendes:

- O dia era totalmente destinado ao descanso. Na parte da tarde, quando a programação das duas
rádios era menos intensa e havia mais calma no Sumaré, muitas horas foram dedicadas à realização
de circuitos fechados internos, para treinamento de operadores de câmeras, de mesas de corte e de
som, iluminadores e dos assistentes. Muita gente desistia da folga.

Desde a manhã daquele dia 18 eram muitos os preparativos. Antes do show inaugural, o “TV na Taba”,
seria realizada uma festa de abertura nos estúdios.

Para inauguração, Chatô mandou espalhar por lugares estratégicos da cidade vários televisores. Muitos
dos lugares próximos da sede dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril, como na Praça da
República, no Viaduto do Chá, na frente das Lojas Mappin (da Praça Ramos de Azevedo) e nas Lojas
Cássio Muniz – obviamente, no hall do Edifício Guilherme Guinle também. Havia também em lugares
mais distantes, como na própria “Cidade do Rádio” e no Jockey Club, para onde Chatô iria com seus
convidados após a cerimônia de abertura57. O sinal era transmitido da torre do Banco do Estado de São
Paulo para toda cidade.

No Sumaré, às 16 horas, o bispo auxiliar de São Paulo, Dom Paulo Rolim Loureiro abençoou os estúdios
e deu benção às câmeras, concluindo:

- A TV deve ser um instrumento de paz, como valiosíssimo veículo do pensamento e da imagem.

Na cerimônia estavam também os padrinhos da TV, Rosalina Coelho Lisboa Larragoiti e seu marido
Antonio Larragoiti (esse esquecido pela história, uma vez que Rosalina era poetisa e discursou na
ocasião, sendo bem registrada pelos fotógrafos, como pelas câmeras da TV Tupi – porém, o marido

56
Livro “Tupi: Pioneira da Televisão” (José de Almeida Castro, 2000).
57
Livro “Televisão em 3 Tempos” (Elmo Francfort, 2014).

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teve uma grande importância, uma vez que foi um dos que bancaram toda festa: era dono da Sul
América Seguros, que junto da Antárctica Paulista, do Moinho Santista – hoje pertencente à Bünge – e
das Laminações F. Pignatari, de Francisco “Baby” Matarazzo Pignatari, foram os primeiros
patrocinadores da TV no Brasil). A poetisa e madrinha da TV Rosalina Coelho Lisboa foi então
apresentada pela atriz Lia de Aguiar, referindo-se dentro de sua fala aos comentários de Dom Paulo
Rolim:

- Nossa energia não está dispersa. Fé e confiança em Deus inspiram o homem a grandes feitos.

Após, Chateaubriand discursou58, dizendo entre outras palavras, as seguintes:

“O empreendimento da televisão no Brasil, em primeiro lugar, devemo-lo a quatro organizações que,


logo, desde 1946, se uniram com as Rádios e Diários Associados para estudá-lo e possibilitá-lo neste
país. Foram a Companhia Antárctica Paulista, a Sul América Seguros de Vida e suas subsidiárias, o
Moinho Santista e a Organização Francisco Pignatari. Não pensem que lhes impusemos pesados ônus,
dado o volume da força publicitária que detemos.
Este transmissor foi erguido, pois, com a prata da casa: isto é, com os recursos de publicidade que
levantamos sobre a prata Wolff e outras não menos macias pratas da casa: a Sul América, que é o que
pode haver de bem brasileiro; as lãs Sams, do Moinho Santista, arrancadas ao couro das ovelhas do
Rio Grande e, mais que tudo isso, ao Guaraná Champagne da Antárctica, que é a bebida dos nossos
selvagens, o cauim dos bugres do Pantanal mato-grossense e de trechos do vale amazônico.
Atentai bem e vereis como é mais fácil do que se pensa alcançar uma televisão: com prata Wolff, lãs
Sams, bem quentinhas, Guaraná Champagne, borbulhante de bugre e tudo isto bem amarrado e
seguro na Sul América, faz-se um bouquet de aço e pendura-se no alto da torre do Banco do Estado um
sinal da mais subversiva máquina de influir na opinião pública – uma máquina que dá asas à fantasia
mais caprichosa e poderá juntar os grupos humanos mais afastados.
Aos sentirmos madura a televisão nos Estados Unidos e na Inglaterra pedimos àqueles quatro
anunciantes nossos que, em vez de nos entregarem uma autorização de publicidade demonstrassem
um pouco mais de confiança em nossa estabilidade. E eles nos deram suas ordens de inserção de
anúncios por doze e dezoito meses. Munidos dessas ordens fomos aos bancos que trabalhavam
conosco, descontando as autorizações de publicidade por antecipação”.

Muitos aplausos à Chatô. Discursaram muitas personalidades naqueles últimos momentos antes do
“TV na Taba”. Entre os discursos, uma mensagem de David Sarnoff, charmain da RCA Victor
Corporation, foi traduzida e lida pelo mestre de cerimônia Homero Silva, destacando-se o seguinte
trecho:

58
Idem.

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- Deste auspicioso começo em São Paulo, a televisão pode tornar-se a voz e o olhar das Américas,
salvaguardando e fortalecendo nossos princípios democráticos. Tive o privilégio de inaugurar o serviço
de televisão na Feira Mundial de New York, em abril de 1939. Naquela ocasião só havia uma estação
televisora no ar com programas regulares e apenas algumas centenas de receptores. A 2ª Grande
Guerra interrompeu a expansão da TV. Não obstante, hoje, menos de 5 anos depois do fim do conflito,
há mais de cem estações em nossas principais cidades e mais de 7 milhões de nossas famílias
possuem receptores em seus lares.

A solenidade terminou às 18 horas, com a promessa de que às 21 horas começaria o esperado show
inaugural.

Chatô saiu da “Cidade do Rádio”. Na esquina da Rua Piracicaba já estava lá seus Rolls-Royce azul
marinho pronto para levá-lo até o Jockey Club. Uma grande festa o esperava, enquanto no Sumaré os
funcionários fariam o último ensaio.

Aquele primeiro programa estava dando muito trabalho e tinham apenas um apoio estrangeiro: o
técnico norte-americano da RCA, Walter Obermüller.

- O programa inaugural foi ensaiado exaustivamente, durante duas semanas. Deu um trabalho danado,
com marcação de câmeras e o diabo! Chegou no dia do programa, dia 18, uma câmera pifou, então
todos os ensaios que nós fizemos, todas as marcações que nós fizemos, tudo foi pra cucuia, né? O
primeiro programa foi na base do improviso e daí pra frente nós começamos a aprender a fazer
televisão, com ela no ar. – complementa59 Cassiano.

Enquanto isso, Cassiano e Dermival Costa Lima atenderam aos telefonemas de Chateaubriand. O
“Velho Capitão” estava nervoso e entre um gole e outro, suava frio de não ver as imagens no ar. Seus
convidados no Jockey o cobravam a todo tempo e ele pedia paciência, sem explicar as reais razões
para o atraso do show. O sangue estava subindo à cabeça. Conta60 Cassiano:

- Assis Chateaubriand estava num banquete com um televisor a postos, esperando o início. A demora
deu-se porque todo esquema estava baseado no posicionamento de três câmeras. Então tivemos que
modificar tudo para duas. Do tal banquete Chateaubriand me telefonava minuto a minuto, aguardando
o show.

Como disse Gabus Mendes, essa demora foi causada realmente por causa da câmera que pifou. Falha
que foi detectada no ensaio final e sobrou para ele e Costa Lima repensarem em todo o esquema.

59
Documentário “55 Anos de TV no Brasil” (Pró-TV e UniverCidade, 2005)
60
“Gente: Cassiano Gabus Mendes” (Revista Fatos & Fotos, nº 738, 1975)

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Chegaram a dizer que foi “rasgado” o script do show “TV na Taba”. Rasgaram no sentido figurado
porque o que se viu foram rabiscos sobre rabiscos, reestudando no que estava já impresso todo
posicionamento de tudo, incluindo câmeras, microfones, cenários e artistas. Que correria!

Muito folclore existe sobre a quebra dessa câmera, até uma a lenda de que Assis Chateaubriand havia
“batizado” com uma garrafa de champanhe o equipamento assim como os comandantes fazem com os
navios ao serem lançados pela primeira vez em alto-mar. Cassiano comenta61 sobre esta lenda:

- Isso é folclore, brincadeira. Começa que o Chateaubriand nem estava lá. O programa foi no Sumaré e
ele estava no Jockey, em um banquete com amigos, entre os quais alguns financiadores da televisão. O
que houve é que a câmera pifou mesmo, não tinha imagem.

Voltando à falha da câmera, ela foi detectada pelo técnico Jorge Edo enquanto ele ajustava os
equipamentos. Edo nos relata62:

- Foi entrando gente, gente e mais gente no estúdio. Eu estava no controle do telecine. Quando fui pôr
as câmeras em funcionamento verifiquei que a câmera do estúdio pequeno, que era operada pelo
Walter Tasca, não funcionou, se recusou. Os outros dois câmeras eram o Álvaro Alderighi e o Carlos
Alberto. Com muito trabalho consegui entrar no estúdio pequeno, ao passar pelo meio da multidão.
Voltei então ao controle e falei pelo microfone da câmera, o intercomunicador, com o Walter Tasca:
“Walter, se eu liberar, vocês mudam esse stand, esse cenário para o Estúdio A, e você seria capaz de
correr de um lado para o outro. Eu te solto um pouquinho antes da apresentação, você com a câmera,
pra fazer o programa?” Ele disse: “Faço, Edo”. Virei pro Costalima e pro Cassiano, que estavam atrás de
mim preocupados, e disse: “Posso fazer isso?” Imediatamente, tanto o Costalima como o Cassiano,
disseram: “Faça isso, pelo amor de Deus, Edo. Vamos inaugurar isso”. E o Costalima ainda disse: “Eu
vou ajudar lá dentro do estúdio, correndo o cabo, ajudando o trajeto do Walter Tasca”. E foi aí que nós
começamos a transmissão.

Sobre este momento e a história de ter jogado fora o script do show inaugural, elucida63 Gabus
Mendes:

- “Seja o que Deus quiser”! Mas jogar fora o script, não, porque ele era, de qualquer maneira, uma
orientação. Apesar das improvisações – porque estava tudo ensaiado para três câmeras, mas uma
tinha pifado – o programa inaugural saiu direitinho. Durou uma hora e pouco, acho eu, ficou muito
sobrecarregado porque nós quisemos variar o mais possível, mas não houve nenhum erro, nenhuma

61
"Uma insensatez que deu certo" (Folha de São Paulo, 18/09/1980)
62
Depoimento de Jorge Edo à Pró-TV.
63
Livro “Impressões do Brasil” (Cláudio Mello e Souza, 1986).

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bobagem. Mas foi engraçado, quando tudo acabou, todo mundo se abraçou, aquelas coisas do “saiu
ótimo”.

Ao final, tudo deu certo, mas nos bastidores os ânimos estavam quentes.

- Foi um corre-corre! Tudo pronto, tudo ensaiado com um script muito bem organizado, tudo marcado, e
quebra a câmara. O técnico americano, Walter Obermüller, que veio instalar o equipamento no Brasil,
havia ido embora sem esperar a inauguração. Pois bem, no meio do pandemônio, Jorge Edo, nosso
responsável pela parte técnica, tentava desperadamente consertar a câmara – continua64 Cassiano.

Como disse Gabus Mendes, a confusão se deu depois que Obermüller percebeu que tudo parecia estar
perdido. O técnico da RCA, altamente nervoso, se virou para Cassiano e lhe disse 65:

- Não vai dar para consertar agora. O melhor é transferir tudo para outro dia.

Passou pela cabeça de Gabus Mendes tudo... os ensaios, as marcações, os preparativos. Obviamente,
tudo que a pouco haviam conversado com Jorge Edo. Efuzivamente respondeu ao americano:

- Nada de adiar, nós vamos ao ar assim mesmo.

Começaram a discutir, em frente ao switcher, com Costa Lima tentando apaziguar a situação.
Obermüller não queria ouvir o rapaz com suas soluções “malucas”.

Cassiano pegou o roteiro, falou com Costa Lima, Edo e os técnicos... Começaram a refazer o show “TV
na Taba”. Duas câmeras ficariam na parte principal do estúdio (destacada no ensaio) e a terceira é que
estaria no em outro ponto de estúdio para focalizar Homero Silva e Lia de Aguiar dialogando. Gabus
Mendes falou à equipe:

- Eliminamos a marcação inicial do estúdio, Homero e Lia ficam aqui num canto e vamos em frente
com as duas câmaras.

- Mas como mudar os cenários? E o barulho do martelo para pregá-los? – revolta-se Walter Obermüller.

- Não vamos pregar nada, alguém fica escorando para que não caiam e pronto! – responde Cassiano.

64
Revista Briefing, setembro de 1980.
65
“Vinte Anos de Televisão” (Revista Veja, 23/09/1980)

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- Se vocês quiserem pôr o programa no ar, eu não garanto nada e nem quero estar aqui para ver. –
respondeu66 Obermüller.

Atordoado, o técnico americano decidiu ir embora para o Hotel Lord, onde estava hospedado em São
Paulo. Gabus Mendes continua:

- Esqueçam tudo que ensaiamos. Eu vou indicando o que fazer. – Começou o programa às 21h40. Com
atraso de quarenta minutos, a televisão vai oficialmente ao ar, após os telespectadores ficarem por um
bom tempo sendo avisados que “dentro de instantes” o programa ia ao ar.

Saiu o logotipo da emissora do ar, entrou um slide “A PRF-3 TV TUPI APRESENTA”, criado por Álvaro de
Moya, que nos conta67:

- Quando soube do advento da televisão eu procurei Walter George Durst, meu amigo. Ele me
apresentou ao Cassiano Gabus Mendes. Durst lhe disse que eu era desenhista. Também Dermival
Costalima, diretor-geral, viu os meus desenhos e os aprovou, e recomendou que eu fizesse os cartões
para a programação de estreia.

Depois disso foi hora de aparecer as imagens do estúdio.

- Atenção, câmera 1...No ar! - Cassiano Gabus Mendes falou pelo intercomunicador do switcher.
Primeiro a menina Sonia Maria Dorce apareceu, com seus 5 anos de idade, vestida de indiazinha.
Depois Yara Lins deu os prefixos das emissoras, de cor. Uma pausa para respirar com um filme sobre
os Diários Associados e a Cidade do Rádio. Por último, Homero Silva apareceu para apresentar o “TV na
Taba”:

- Amigos, boa noite. Esta coisa que está acontecendo hoje é algo tão excepcional, tão revolucionário
que não consegui arranjar uma cara menos assustada, para aparecer diante de vocês.

Aos poucos o show aconteceu, com Homero acompanhando duas belas moças: as radioatrizes Miriam
Simone e Helenita Sanches, que na época já namorava o jovem Cassiano Gabus Mendes.

- O Cassiano foi o grande herói daquilo tudo. - O Maestro Georges Henry comenta68 sobre aquela noite
– Sem dúvida, Cassiano Gabus Mendes era o grande chefe, apesar da pouca idade, com a supervisão
de Dermival Costa Lima.

66
“25 anos de televisão” (Folha de São Paulo, Helena Silveira, 20/09/1975).
67
Depoimento de Álvaro de Moya à Pró-TV.
68
Depoimento de Georges Henry ao livro “Pais da TV: A história da televisão brasileira” (Gonçalo Jr., 2001)

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Gabus Mendes lembra69 da estrutura do show inaugural:

- Foi todo idealizado pelo Costa Lima, cheio de quadrinhos, com um ritmo danado de difícil porque tinha
só três câmeras e eram dois estúdios. Mas o programa tinha de tudo: entrevista, musical, bate-papo e
teleteatro, Mazzaropi, aquelas coisas.

Já Dermival Costa Lima se recorda70 com mais detalhes do “TV na Taba”:

- Foi um desfile de quadros, amostra de quanto se apresentaria no vídeo, uma pequena revista de 90
minutos, com ligações de comunicador e duas atrizes, fazendo as visitantes curiosas da TV anunciada.
Cantores, orquestra, conjuntos, quadros humorísticos, quadro sério, entrevista, noticiário, pequeno
filme, esporte, cultura e lazer, passatempo e informação, todo o ideal da comunicação, expresso em
síntese, delineando a TV comercial amanhecente.

Um “efeito especial” surgiu no meio do show inaugural quando o telespectador pode ver de repente
uma roda girando na tela. É como explica71 o técnico Jorge Edo:

- Houve um pequeno, em tudo isso uma pequena falha que ninguém percebeu. Na corrida, a câmera
do Walter Tasca foi puxada um pouco antes e focalizou uma rodinha girando. Era a rodinha do “boom”.
Para o telespectador seria um efeito qualquer.

Entre os técnicos também estava o jovem Élio Tozzi, que comenta72 sobre a inauguração da TV Tupi:

- Olha, se alguém porventura contar, tintim por tintim, o que foi a inauguração da televisão, esse cara
está mentindo, porque havia um nervosismo, uma expectativa tão grande pelo novo, que aquilo não
teve preparação. Tiveram testes técnicos, testes de equipamento, com pessoas, mas na realidade a
coisa funcionava mais na base do áudio e a televisão pegava. No primeiro dia foi realmente assim.
Claro, o Cassiano que era um homem de bom gosto, uma pessoa excelente, menino também ainda. E o
Costa Lima, uma figura fora de série, na área artística. Eles cuidavam das imagens, para que elas não
extrapolassem e nós fizemos aqui. E nós aqui fomos na “raça”. Essa é a grande verdade. Realmente
não tinha uma pessoa, acho que nem as moscas, se houvessem, estavam calmas, porque foi uma
epopeia aquilo.

69
“O Precursor Cassiano Gabus Mendes” (Liba Frydman, Televisão, Shopping News, 14/03/1976)
70
Depoimento de Dermival Costa Lima (“TV Ano 30”, TV Cultura / IDART, 1980).
71
Depoimento de Jorge Edo à Pró-TV.
72
Depoimento de Élio Tozzi à Pró-TV.

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Veja a seguir como aparentemente ficou o roteiro do show inaugural, depois de todas as alterações que
foram feitas após a falha na câmera:

TEC. 1: TEST-PATTERN RCA (15’) (manter test-pattern no ar até o início da


transmissão. Colocar no ar 15 minutos antes)

(substituir pelo logotipo da Rádio Tupi, 5


TEC. 2: GT PRG-2 RÁDIO TUPI (5’)
minutos)

INÌCIO DO SHOW (0’00’’) (manter o canto dos índios enquanto permanece


o cartão do Moya)
TEC. 3: GT “PRF-3 TV TUPI-DIFUSORA APRESENTA (30”)

BG: ÁUDIO - CANTO DOS ÍNDIOS PARECIS (Produção:


Lucília Villa-Lobos)

ABERTURA – TV NA TABA (1’) (Sonia vem até a câmera, de cocar de índio, e


fala a frase)
(ÍNDIO CRIANÇA – SONIA MARIA DORCE) – CAM. 1

DI: “Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil”.

ABERTURA / PREFIXO (1’30”) (Yara Lins sorri para câmera e fala os prefixos
das Emissoras Associadas, apresentando o
(YARA LINS) – CAM. 2
show ao final)

DI:“Boa noite...”

DF: "...PRF-3 Rádio Difusora, São Paulo; PRG-2 Rádio Tupi,


São Paulo e PRF-3 TV, São Paulo" (PAUSA)“Senhoras e
senhores telespectadores, boa-noite. A PRF-3 TV, Emissora
Associada de São Paulo, orgulhosamente apresenta, neste
momento, o primeiro programa de televisão da América do
Sul".

TEC: FILME DIÁRIOS ASSOCIADOS E SÃO PAULO (2’) (exibição de reportagem em película sobre o
império do Sr. Assis Chateaubriand, jornais,

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LOC: Homero Silva. Cidade do Rádio e seu auditório, com quadros


de El Greco e Portinari. Imagem do Banco do
Estado de São Paulo e da torre da PRF-3 TV no
topo)

APRESENTAÇÃO - HOMERO E MOÇAS - CAM. 1 (2’) (Homero Silva aparece, se apresenta como
mestre de cerimônia e encontra Miriam Simone
TEC: PLANO AMERICANO, SEGUIDO DE PLANO SEQUÊNCIA
e Helenita Sanches. Convida ambas para um
passeio pela televisão)

QUADRO “DANÇA RITUAL DO FOGO” - TEC: PLANO (Balé se apresenta acompanhado da Orquestra
SEQUÊNCIA (CAM. 1) (5’) Tupi. Dar destaque ao Maestro Georges Henry
regendo. Quando sair o balé, William Forneaux
continuará assoviando em cena)
(TEC.: EM PRIMEIRO PLANO, BALÉ E WILLIAM FORNEAUX –
AO FUNDO, MAESTRO GEORGES HENRY E ORQUESTRA
TUPI)

QUADRO “ESCOLINHA DO CICCILLO” - TEC: PLANO


(Homero apresenta o quadro de humor às
AMERICANO – INICIAR COM CAM. 2 E INTERCALAR COM
moças. CAM. 1 mostrará pequena escola com
CAM. 1 (5’)
alunos sentados nas carteiras)

(OBS.1: HELENITA E MIRIAM ASSISTEM AO ESPETÁCULO ELENCO PRINCIPAL:

DE LONGE COM HOMERO E RIEM DAS PIADAS) Simplício


Walter Avancini
(OBS.2: VER SEQUÊNCIA E DIÁLOGOS EM ROTEIRO ANEXO, Xisto Guzzi
DE PAULO LEBLON) Lima Duarte
João Monteiro
Aldaísa de Oliveira
Geni Prado
Lulu Benencase
Nelson Guedes

QUADRO “MUSICAL COM RAFAEL PUGLIELLI” – PLANO (Maestro Rafael Puglielli toca piano. Homero,
AMERICANO - CAM. 1 (5’) Helenita e Miriam admiram o músico)

QUADRO “RANCHO ALEGRE” – PLANO AMERICANO - CAM.2 (aparece Mazzaropi no cenário de sua casinha
(5’) de caboclo. Logo aparecem Homero, Helenita e
Miriam. Mazzaropi conta piadas)

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QUADRO “MUSICAL” (OSNY SILVA / ROSA PARDINI) – CAM. (cantam Osny Silva e Rosa Pardini. Ao fundo,
1 (5’) Orquestra e Maestro Renato de Oliveira
regendo)
OBS: EM PRIMEIRO PLANO, CANTORES.

QUADRO “VÍDEO ESPORTIVO” (AURÉLIO CAMPOS) – CAM. 2 (Homero Silva apresenta Aurélio Campos.
(5’) Aurélio narra jogo de futebol mostrando uma
miniatura de campo de futebol. Na CAM.2,
OBS.1: EM PRIMEIRO PLANO, AURÉLIO CAMPOS.
Baltazar aparece de costa e se vira. Baltazar
vem em direção à câmera sorrindo. Gritos de gol
OBS: CORTAR PARA CAM.1, COM BALTAZAR são ouvidos ao fundo. Muda para CAM.1 com
(CORINTHIANS), QUE APARECE DE COSTAS E SE VIRA PARA garoto chutando laranja e bronca da mãe)
CÂMERA. – ÁUDIO DE AURÉLIO CAMPOS DEVE VAZAR PARA
O AR, CAM. 1 E CAM. 2

BG: GRITOS DE GOL.

TEC: CAM.1 - SAI HOMERO E AURÉLIO, FOCALIZA GAROTO


NEGRO CHUTANDO LARANJA E MÃE BRIGANDO COM ELE.

QUADRO “MUSICAL” (WILMA BENTIVEGNA) – CAM. 2 (5’) (câmera foca em Wilma Bentivegna e “Os Três
Amigos” / “Garotos Vocalistas” cantando. Sidney
Moraes se aproxima com violão e se posiciona
ao lado de Wilma).

FILME “RAYTO DEL SOL” (5’) (exibir pequeno “clipe”, filmado em película, com
a rumbeira cubana Rayto del Sol e seu
OBS.1: DURANTE EXIBIÇÃO, MONTAR CENÁRIO DA
bongozeiro Don Pedrito)
ESQUETE (WALTER FORSTER) E MOVER CÂMERAS

OBS.2: ESSE FILME SUBSTITUIRÁ O MÁGICO QUE FALTOU.

QUADRO MUSICAL “ROMANCE ESPANHOL” – CAM. 1 (5’) (a bailarina Lia Marques dança ao lado do
cantor Marcos Ayala. Homero e moças
observam)

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QUADRO “TEATRO WALTER FORSTER”: “MINISTÉRIO DAS (início de comédia conjugal, apresentando o
RELAÇÕES DOMÉSTICAS” – CAM. 2 (8’) teleteatro - VER OUTRO ROTEIRO)

TEC: MOVER CAM. 1 PARA INTERCALAR COM CAM. 2 ELENCO:

OBS: VER DIÁLOGOS EM ROTEIRO ANEXO, DE WALTER


Walter Forster
FORSTER
Lia de Aguiar
Vitória de Almeida
Yara Lins.

QUADRO “TEATRO WALTER FORSTER”: “DEUS LHE PAGUE”


(JORACY CAMARGO) – CAM. 2 (2’)
(MANTÉM ELENCO, ENTRA LIMA DUARTE)

OBS: VER DIÁLOGOS EM ROTEIRO DE TÚLIO DE LEMOS

QUADRO “EM DIA COM A POLÍTICA” – CAM. 2 (5’) (Maurício Loureiro Fama faz sua crítica
jornalística, olhando firme e compenetrado
diretamente para o centro da CAM.1).

QUADRO INFANTIL “CLUBE PAPAI NOEL” – CAM. 1 (5’) (Homero Silva apresenta crianças no “Clube
Papai Noel”. Elas irão declamar e cantar - VEJA
ROTEIRO ANEXO).
TEC:CAM. 1 DEVE SE LOCOMOVER PARA ESTÚDIO, PARA
INTERCALAR COM CAM. 2.

QUADRO MUSICAL “PÉ DE MANACÁ” (VADECO E HEBE (Vadeco aparece e canta com Hebe Camargo,
CAMARGO) – CAM. 1 (3’) em um balanço)

ELENCO:

Vadeco e Hebe Camargo (ARTISTA FALTOU).


CANCELADO MUSICAL, EXIBIREMOS DEPOIS
COMO FILME)

QUADRO “APOTEOSE” – CAM.2 (13’) ( mostrar “Orquestra Tupi” sendo regida pelo
Maestro Renato Oliveira. Cantores das
TEC.1: LOCOMOVER CAM. 1 E INTERCALAR.
Associadas devem entrar aos poucos, para
TEC. 2: CLOSE NA CANTORA.
grande clímax. Hebe Camargo cantará “Canção
da TV” acompanhada da Orquestra.

(MODIFICAÇÃO: LOLITA RODRIGUES CANTARÁ)

CANÇÃO DA TV
(letra: Guilherme de Almeida /
música: Marcelo Tupinambá)

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"Vingou como tudo vinga / No teu chão


Piratininga, / A cruz que Anchieta plantou.

Pois dir-se-á que ela hoje acena / Por uma


altíssima antena
A cruz que Anchieta plantou.

E te dá num amuleto / O vermelho, branco e


preto
Das penas do seu cocar.

E te mostra num espelho / O preto, branco e


vermelho
Das contas do teu colar."

FILME: “ACALANTO” (1’) (Jorge Edo disparar telecine com filme sobre São
Paulo, com trilha instrumental de “Acalanto”, do
TEC: RODAR O FILME E SUBIR O ÁUDIO GRADATIVAMENTE,
Dorival Caymmi.
DO BG PARA PRIMEIRO PLANO.

FIM DO SHOW (1’30’’)

A sincronia da equipe era total. O verdadeiro improviso da criação. Aquele onde tudo é válido porque é
quando nascem as ideias. Jamais podemos comparar a qualquer improviso, nunca a uma coisa mal
feita ou mal acabada. Isso nunca existiu na TV Tupi. Erros possivelmente aconteceram (o que acontece
até hoje quando um programa é feito ao vivo, no calor da transmissão). Só que nomear uma “Era” da
televisão como artesanal, feita “nas coxas”, é o maior erro. O profissionalismo era evidente até na
cenografia, encabeçada por Carlos Jacchieri. Ele trabalhava ao lado de homens como o ajudante
Marcos Careca e o carpinteiro (também maquinista) José Fortes, que durante o show “TV na Taba”, foi
além dos limites. Fortes, para garantir o silêncio total entre um quadro e outro, deixou de usar o martelo
e passou montar os cenários pressionando os pregos com as mãos. Obviamente, ao final do show, as
palmas sangravam, mas seu dever estava cumprido e sem barulho no ar. Lutavam todos pelo melhor,
em qualidade artística e técnica. Todos lutavam por um conteúdo melhor... sempre!

Assim foi inaugurada a televisão, chegando o show ao fim às 23h30. Meia hora depois, embriagado,
retornou à “Cidade do Rádio”, o engenheiro americano Walter Obermüller, que foi até o switcher e
cumprimentou73 Cassiano Gabus Mendes:

- Parabéns. Em meu país, isto seria impossível!

73
“25 anos de televisão” (Folha de São Paulo, Helena Silveira, 20/09/1975).

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Sobre aquele dia, uma visão do ângulo do espectador. Desse momento fala José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, o Boni, que é um dos maiores nomes na área executiva da Rede Globo e de toda televisão
nacional. O executivo nosrelata74:

- No Brasil tivemos alguns momentos importantes na história da televisão. Por exemplo, a criação da TV
Tupi, em São Paulo, foi um momento mágico da nossa televisão, no qual brilhou o talento de pessoas
como Cassiano Gabus Mendes, Dermival Costa Lima, Walter George Durst, Túlio de Lemos e todo
aquele elenco maravilhoso de atores e atrizes. Esse foi um momento mágico, que me inspirou muito.
Fico até emocionado ao dizer isso, porque, realmente, esse momento me inspirou a perceber que a
televisão poderia ser feita de uma forma popular, mas com muita qualidade e seriedade. Devo muito
dessa inspiração a Cassiano Gabus Mendes.

74
Depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho à Pró-TV.

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Os primeiros tempos

O show “TV na Taba” havia, numa só noite, demonstrado todas as fórmulas possíveis de se fazer
televisão. Era uma amostra perfeita do que até hoje a TV tem como base para sua programação.

Nos primeiros dias não foi diferente. A primeira programação exata, de que se tem registro, foi impressa
na edição de 27 de setembro de 1950 do jornal “Diário de São Paulo”. Eis abaixo os programas:

“TELEVISÃO - Programa de hoje da PRF-3 TV, a partir das 20 horas:


1 – “TRIANA” (com Lolita Rodrigues).
2 – “RANCHO ALEGRE” (com Mazzaropi)
3 – “VISÃO DO HARLEM” (com Zezinho e seu conjunto TV e HOT DANSE)
4 – “TEATRO WALTER FORSTER” (com Lia de Aguiar, Yara Lins e Vitória de Almeida)
5 – “SERENATA” (com Rosa Pardini)
6 – “IMAGENS DO DIA” (reportagem de Rui Resende e Paulo Salomão)
7 – “DESENHO ANIMADO”.”

Toda programação era pensada em equipe. Cassiano e Costa Lima se uniam inicialmente e aos poucos
iam chamando os demais para opinar. Foi assim fortalecendo o já existente espírito de equipe, que a
televisão tão bem herdou do rádio.

Disso bem lembra75 Gabus Mendes:

- Nós nos reuníamos para bolar e planejar os futuros programas, mas nada conhecíamos da parte
técnica, pois o equipamento só chegou bem depois. Era tratado como se fosse ouro.

O início da TV Tupi teve de tudo um pouco. As sextas-feiras eram dedicadas especialmente ao público
infantil. Os programas mais frequentes foram “Caixa de Brinquedos” e “Gurilândia”, com Homero Silva
e os artistas mirins do “Clube Papai Noel”; “Dois Malucos na TV”, com Fuzarca e Torresmo; “Suzana
Rodrigues e Seus Bonecos”, com fantoches; e “7 Instrumentos”, com Mister Broni.

No campo jornalístico “Imagens do Dia”, com Rui Rezende e Paulo Salomão; e “Vídeo Político”, com
Maurício Loureiro Gama comentando sobre as eleições. Houve também documentários produzido por
Alceu Maynard Araújo, em 16 mm, sobre o folclore brasileiro, sob o nome de “Veja o Brasil”, além de
filmes fornecidos por universidades do exterior, multinacionais e consulados. Foram produzidos

75
“Cassiano, da aventura ao glacê” (Folha de São Paulo, 08/03/1980).

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centenas de “Veja o Brasil” (antes denominado “Folclore na TV”), com cenas colhidas nos quatro cantos
do país. Cada curta durava em torno de dois minutos e meio, sendo que toda vez que faltava algo para
ir ao ar, ou dava-se um problema técnico, “Veja o Brasil” era a solução para a Tupi não sair do ar.

A música também tinha seu espaço, através de apresentações de cantores nacionais e internacionais,
do rádio ou das grandes orquestras brasileiras, dançarinos (tendo um corpo de baile das Associadas).
Era especial a Orquestra Tupi, principalmente regida pelos Maestros Renato de Oliveira e George Henry
(que possuía o seu “Georges Henry e Seu Show Antarctica”). A “Cartilha Musical Pirani” e a transmissão
da Temporada Lírica também tinham grande representatividade na programação da PRF-3 TV. O
primeiro de todos os musicais foi o “Desfile Musical Jardim”, produzido por Ribeiro Filho e patrocinado
pelo Café Jardim, com a participação do Maestro Luiz Arruda Paes. Eram praticamente dez maestros
nas rádios Tupi e Difusora, aproveitados também para TV.

Nos esportes, o pugilismo também marcou presença no início da emissora, com a transmissão de luta-
livre, boxe e programas como “Ring na TV” e “Hércules e Seus Lutadores”. O futebol começou em 15 de
outubro de 1950, numa partida entre São Paulo Futebol Clube e Palmeiras. Havia também jornal
esportivo e Mesa Redonda.

O setor de projeção tinha muito trabalho para o telecine. Eram exibidos desenhos animados infantis e
curta-metragens. O primeiro filme de longa-metragem exibido foi o italiano “Trágica Perseguição”
(“Caccia Tragica”, 1947), de Giuseppe De Santis, em 24 de setembro de 1950. Todo repertório era de
filmes 16 mm.

No campo da dramaturgia, as esquetes do “Teatro Walter Forster” evoluíram, em 29 de novembro


daquele ano para algo maior: “A Vida Por Um Fio”, o primeiro teleteatro de longa duração, que abriu o
caminho para muitos outros grandes teatros. Depois foram encenadas telenovelas não-diárias (a partir
de 1951, com “Sua Vida Me Pertence”), telecontos, comédias de situações (como “Alô, Doçura!”, no
formato de sitcom, a partir de 1953), teatros policiais, seriados infanto-juvenis (com heróis nacionais
como Capitão Estrela e Falcão Negro).

“Encontro Entre Amigos” foi também um programa histórico, que foi ao ar em 1953, com apresentação
de Lia de Aguiar. Podemos dizer que naquela sala de visitas da atriz (e apresentadora) nasceram
diversos gêneros, como programas de variedades (como “Grande Atrações Pirani”, com quadros
musicais, balé, corpo de dança e esquetes cômicas), de entrevistas e debates, femininos (que depois
ganhou sua marca no “Revista Feminina”, também da TV Tupi) – com direito a moda, culinária, dicas e
aconselhamento às senhoras de casa.

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Já o Humor nasceu com “Rancho Alegre”, com Mazzaropi; “Circo Bombril”, com números de mágica,
palhaços, malabaristas, animais amestrados, sob o comando de Walter Stuart; e “A Bola do Dia”,
também com Stuart e David Neto.

O planejamento da PRF-3 TV Tupi-Difusora era feito em conjunto com a programação das rádios Tupi e
Difusora, pensando sempre na utilização do mesmo elenco e de uma mesma estrutura. Por isso
definiu-se que a programação começaria a partir das 20 horas, ficando no ar apenas até às 22 horas.

Cassiano tinha visto nos Estados Unidos o que eles chamavam de prime time, que aqui chamaram de
“horário nobre”. Foi por essa razão também que a televisão se baseou nesses conhecimentos para dar
o pontapé inicial na programação do Canal 3.

Em 1980, ele comentou76 sobre isso, quando lhe perguntaram o que achava da possibilidade de uma
programação ininterrupta por dia:

- Talvez seja uma consequência inevitável do crescimento. Basta pensar que durante muitos anos só
tivemos programação no horário nobre. É muito diferente ter que programar para um ritmo de quase
24 horas diárias. Antes havia mais tempo e menores injunções. Hoje é um verdadeiro rolo compressor.

Gradativamente a programação da TV Tupi foi crescendo. Seu estendeu para as 23 horas inicialmente.
Depois começou mais cedo, às 19 horas. Num segundo momento, entrou às 18 horas. Aos poucos até
os horários das atrações ficaram marcados por conta dessa base inicial. Lembrem-se que os horários
mais conhecidos, para dramaturgia, são o das seis (18h), das sete (19h), das oito (20h, hoje mais
conhecido como “das nove”) e das onze (com séries, novelas especiais e minisséries). Até mesmo os
perfis dos horários lembram as bases iniciais. As sete, por exemplo, é uma novela mais cômica (como o
“TV de Comédia”) e a das oito – ou nove – é mais dramática (como o “TV de Vanguarda”) – falando na
novela das sete, mais para frente falaremos da importância de Gabus Mendes na consolidação desse
perfil cômico ao horário.

Muito da televisão veio como herança direta do rádio, o que Cassiano defende77:

- Se a TV nascesse de um museu, uma biblioteca ou uma universidade talvez fosse culturalmente


melhor, mas não teria a agilidade que tem hoje, não seria moderna como hoje. Essa improvisação que
a gente fazia, por falta de recursos, nos deu uma agilidade tal que movimentou a televisão.

76
Idem.
77
“Uma insensatez que deu certo” (Folha de São Paulo, 18/09/1980).

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Já a descoberta de tudo foi algo que era comemorado a cada dia, como grandes conquistas. Um
brinquedo novo, como define Cassiano78:

- A gente abria a câmera no estúdio, punha a Hebe Camargo, o Aurélio Campos para fazer uma ceninha
e ia testando, vendo como funcionava o switch, aquelas coisas todas e também pondo nome em tudo,
porque até nomenclatura faltava. Não havia ninguém para ensinar, tudo era na base da intuição. Eu
definiria, assim, o começo da televisão: tínhamos um brinquedo novo nas mãos e fomos brincando com
ele até aprender a usá-lo como devia.

A liberdade de criar era algo vital para aquela equipe. Hoje a proteção aos direitos autorais assegura
uns, mas breca a liberdade de criar de outros. Gabus Mendes nos conta79 como funcionava isso:

- Aprendia-se fazendo, mas foram feitas todas as experiências possíveis e testados todos os tipos de
programa. Era um verdadeiro desafio à criatividade, mas não creio que pudéssemos repetir o feito
hoje. Nós nos beneficiamos na época, da ausência de censura e da inexistência de uma legislação
rígida de direitos autorais. Podíamos recorrer livremente a adaptações de filmes, livros e peças, sem
maiores problemas. E também ninguém se preocupava com a conquista de audiência, pois não
tínhamos concorrentes.

Por conta disso muito se criou em teledramaturgia. Grandes teatros, obras universais e textos
nacionais. Algo que auxiliou na formação da sociedade da época, das crianças aos mais velhos. A
televisão serviu como uma fonte inesgotável de conhecimento. Trabalhar na televisão, naquele tempo,
era expandir as ideias e transformá-las em grandes produções.

A equipe do canal 3 contou também com o apoio dos consulados e de representantes de distribuidoras
de filmes. Através deles ocuparam a programação com filmes. Alguns científicos, outros de ficção, além
de desenhos animados e séries americanas. Um desses representantes era Antônio Vituzzo, que depois
de estreitar seu contato com a TV Tupi passou a trabalhar na emissora, se responsabilizando pela
comercialização de filmes. Era ele também o responsável pela compra de celuloide virgem, filmes e
mais tarde dos videoteipes da Ampex.

Conta80 Vituzzo sobre sua função e o uso do telecine no processo da TV:

- Nunca deixei faltar um metro de filme. Eu sempre tive essa responsabilidade. E quando o consumo
aumentava e eu percebia que as importações iam atrasar um pouco, eu ficava apavorado, ao ponto de

78
Entrevista de Cassiano Gabus Mendes (Revista Propaganda, 1975).
79
“Cassiano, da aventura ao glacê” (Folha de São Paulo, 08/03/1980).
80
Depoimento de Antônio Vituzzo à Pró-TV.

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me dizerem por que eu me preocupava tanto, se eu não era o dono das emissoras. As firmas,
representantes das marcas mais diversas, importavam e eu revendia para as emissoras. Essas
empresas forneciam a você os filmes virgens, para serem depois, através dos telecines, passados para
a TV. O processo é o seguinte: o cinegrafista recebia o filme, saía, fazia a reportagem, voltava. Era
processado o filme, e entregue para a edição. Um dos mais ligados a isso era o Armando Cavalier, que
editava esses filmes e aí ele passava para o telecine já editados. O telecine eram dois projetores de
cinema e dois slides. Ainda não havia o videoteipe. E o multiplex seria um captador de imagens. Eram
prismas, que recebiam o sinal da imagem ótica e mandavam eletronicamente para a saída de TV. E aí
iam para as televisões nos lares.Além da latas de filmes, eu alugava filmes artísticos para televisão.Eu
achei um sistema mais prático, inclusive aceito de imediato. Ao invés de eles mandarem um portador
todos os dias, retirarem os filmes aqui, eu deixava depositado meus filmes na própria TV Tupi, no
Sumaré. Depois eles me apresentavam o relatório do que fora exibido. Era uma espécie de
consignação. E um negócio de total confiança. Era só pra saber se era exibido ou não. Uma espécie de
“acordo de cavalheiros”. Total. Com a maior seriedade de ambas as partes.

Esse acordo de importação e distribuição durou até os anos 1960, o que após o Golpe Militar foi
dificultado. Isso porque as empresas começaram a vir para o Brasil por conta da exigência do
certificado de censura.

Nos primeiros anos foram exibidos, sem dublagens, desenhos como “Andy Panda” e “Pica-pau”, séries
como “Abbott & Costello”, “O Gordo e o Magro”, “Bonanza” e os filmes de Charles Chaplin (Vituzzo com
sua empresa, a Saturno Filmes, chegava a sonorizar e dublar filmes mudos para TV).

O uso dessas películas, que depois ganharam o nome pejorativo de “enlatados” (porque eram
distribuídos em latas de filmes), tinha total estímulo da equipe da PRF-3 TV. Isso porque ajudava a
preencher a programação constantemente e dava tempo para elaboração de produções próprias.
Enquanto a televisão exibia os filmes, séries e desenhos, nos bastidores eram feitos ensaios, montados
cenários, preparados figurinos. Se bem que no início não havia quase estrutura, tendo auxílio de todos,
nos mais diversos setores.

Cassiano Gabus Mendes tinha uma brincadeira dos bastidores: a sigla “DNT”. Nos conta a atriz Eva
Wilma:

- Era muito emocionante a TV ao vivo. A gente ensaiava de tarde, claro, e no ensaio ele dava os tempos
de comédia, dava a marcação. Era um grande diretor. Além disso, quando chegava de noite, a gente
tinha um termo que era “DNT” : “De Noite Tem” . Quando a gente fazia o ensaio não tinha, mas de noite
ia ter, na época. E de noite ele chegava com um monte de “long-play”, aquele “cebolão”. Ia direto no
operador de áudio, que era o Salatiel Coelho, e dizia: “Olha aqui”, pegava o texto e dizia: “Nessa frase

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aqui, você entra com esta faixa. Neste outro momento eu quero esta faixa aqui”. Ele dizia a sonoplastia
toda! Dava todas as dicas. Eu não sei quantos cebolões ele carregava!

A música era uma das paixões de Cassiano Gabus Mendes. Ele amava trilha sonora, como o pai. Sobre
sua participação no caso “DNT”, ele recorda81:

- Isso acontecia muito. E aí cada um ia buscar na sua casa. Eu lembro que eu levei um baú da minha
casa, que era do meu sogro, pra televisão. Abri aquele baú e usei tudo que tinha ali dentro. Minha
mulher ficava uma fera, porque depois sumia tudo, lógico, mas a gente levava mesmo. Cada um, ator,
diretor levava...Eu levava, todo mundo levava, porque não existia nada. Fazer cenário era um drama!

A atriz e produtora Vida Alves também lembra desse tempo:

- No começo cada um levava o seu. “Você traga um vestido assim ou outro assado... Você vai fazer
mocinha, tem que ter um sapato baixo”. Era tudo da gente, e quantas vezes as mães dos diretores
telefonavam, no dia seguinte, pedindo pra alguém: “Pede para o meu querido filho me devolver aquela
toalhinha que eu ia dar pra minha vizinha. Ele levou e eu vi a toalhinha na cena”, aquele prato, aquele
vaso, aquela comida... Tudo nós levávamos de nossas casas.

O departamento comercial, comandado por Fernando Severino, começou a crescer e com isso dar lucro
para TV Tupi. Dessa forma, Costa Lima e Cassiano passaram a ter recursos para comprar e alugar
peças. Novos departamentos foram criados e as funções se definiram melhor, uma vez que todos
faziam de tudo.

O assistente de Gabus Mendes e futuro diretor de TV, Luiz Gallon, complementa82:

- O Cassiano cuidava da parte artística e eletrônica. Eu tinha que executar tudo o que era preciso,
desde buscar roupas na Casa Teatral, até tratar de cenários, contrarregra, cartazes, etc.

Em 1965, passados quinze anos, Gabus Mendes assim definiu83 a televisão que ajudou a criar:

- A televisão boa é aquela que atinge diretamente o grande público, levando-lhe aquilo que ele gosta e
que mais de perto lhe diz respeito.

81
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes (“40 Anos de TV”, TV Cultura, 1990).
82
Depoimento de Luiz Gallon (“TV Ano 30”, TV Cultura / IDART, 1980).
83
“Cassiano Gabus Mendes: 15 anos de TV Tupi” (Revista Intervalo, setembro de 1965).

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Aquela equipe de pioneiros construíram heroicamente a televisão, com criatividade, muito amor e
dedicação. Uma TV feita para todos, próxima de seu público.

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V.
O diretor artístico

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O chefinho Cassiano
Quando o “chefe” Dermival Costa Lima saiu e foi para a TV Paulista, Cassiano Gabus Mendes se tornou
o diretor artístico da TV Tupi. E todos o chamavam de “chefinho”. Foi uma coisa automática. Aconteceu
assim, no primeiro dia. E continuou sempre.

Ele era jovem, ainda bem novinho. Acho que estava com 23 anos, não sei bem, mas parecia menos. Era
magro. Seus olhos grandes, brilhantes, seu jeito gentil de ser, suas decisões que sempre aconteciam
após conversas com seus auxiliares mais próximos, que mais pareciam ser seus amigos, faziam dele, a
cada dia, uma pessoa muito querida.

Já no ano anterior, quando tinha que se submeter, lógico, ao Costa Lima, ele já havia feito dois belos
teleteatros importantes: “A Vida Por Um Fio”, o monólogo feito pela Lia de Aguiar, e com o Lima Duarte,
um teleteatro: “O Julgamento de João Ninguém”. E depois teve a novela, lançada em dezembro de
1951,“Sua Vida Me Pertence”, de Walter Forster, com ele, como galã, e Vida Alves, Lia de Aguiar, Lima
Duarte, Néa Simões, Dionísio Azevedo, e vários outros. Foi a primeira telenovela, de muitas outras, que
se seguiram.

Para Cassiano, que sempre pensava em “Grandes Teatros”, mas tinha o temperamento mais contido
de Costa Lima a brecá-lo, agora era hora de fazer isso. E fez. Juntando os seus amigos mais próximos,
entre os quais, Walter George Durst e o Dionísio Azevedo, ficou resolvido: iam dar início ao programa
que ia se chamar: “TV de Vanguarda”.

No começo não foi esse o nome. Não me lembro qual foi. O que eu sabia, isso sim, que aquele era o
seu sonho, pois tinha sido a maior realização de seu pai: o “Cinema em Casa”.

O “petit comité” resolveu que não seriam apenas filmes adaptados, como fazia Octávio, mas também
peças teatrais importantes e livros famosos. Tanto Walter Durst, como Dionísio Azevedo, se encantaram
com a ideia. E a rechearam muito mais.

O fato de Costa Lima ter levado com ele vários artistas importantes para a TV Paulista, não assustava
Cassiano e sua equipe. A turma foi aumentando. Veio Syllas Roberg, Mário Fanucchi e vários outros. O
caldo foi engrossando. Foi escolhido o dia da transmissão, o horário, a frequência... e deu tão certo que
o “TV de Vanguarda” ficou 16 anos no ar. Verdadeira coqueluche, que reunia toda a família paulistana,
nas noites de domingo, diante da televisão. E Cassiano Gabus Mendes à frente, no switcher, dirigindo
tudo. Foi o melhor programa televisivo de todos os tempos!

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Claro que o “TV de Vanguarda” era o principal programa da TV Tupi, não só pelo capricho com que era
feito, como pelo amor que Cassiano Gabus Mendes tinha por ele. Aliás, todos os redatores, os atores, e
a equipe no geral, sentiam o mesmo.

Mas mesmo assim, não era o único programa que preenchia a programação da TV Tupi, a pioneira.

Cassiano sabia muito bem disso. Era inteligente e a cada dia crescia sua capacidade de comandar.

Já no primeiro ano de existência, a emissora paulista TV Tupi fez transmissão de futebol, fez circo, fez
humorismo, fez muita música e balé.

É só observar como foi o programa “TV na Taba”, do primeiro dia. Os anos que se seguiram foram assim
também. Cassiano pensava em tudo e se ligava a todos os setores.

Os atores, como eu, faziam participação nos programas de radioteatro das Rádios Tupi e Difusora,
assim como nos programas de televisão.

O mesmo acontecia com os autores, os humoristas, os músicos, e todos os demais funcionários.

As Emissoras Associadas, que estavam instaladas no bairro do Sumaré, na chamada “Cidade do


Rádio”, funcionavam nos mesmos prédios.

A palavra “prédio” aparece no plural, porque Assis Chateaubriand contruiu ao lado do prédio antigo, um
edifício de oito andares.

Cassiano permaneceu muito tempo em sua sala no prédio baixo, o antigo. E só bem mais tarde mudou-
se para sala maior, no prédio novo.

E tudo feito sempre com tranquilidade, alegria, criatividade. Pelo menos era isso que todos viam e
sentiam. Cassiano Gabus Mendes comandava com competência e com amor. E a TV Tupi era a
emissora mais assistida e aplaudida de São Paulo.

E a cada dia a Televisão ganhava mais prestígio, mais força. E os artistas todos, podemos mesmo dizer:
todos amavam a TV Tupi, e respeitavam o “chefinho”. Pareciam que estavam na mesma casa, e eram
todos uma família.

V. A.

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A grande dupla
Cassiano e Costa Lima estavam juntos. Foi um período de quase três anos de parceria constante na
televisão, dos preparativos da TV Tupi, passando por sua inauguração e chegando até maio de 1952,
quando Dermival saiu das Associadas. Conhecendo o nível de exigência do rapaz, o “chefe” dava
liberdade, permitia que criasse e estudasse a fundo o novo veículo. Dessa forma Cassiano foi
nomeando funções, criando formatos e aperfeiçoando ideias, cuja linha inicial partia de Costa Lima e
ele aperfeiçoava com maestria. Tinham uma grande química.

Mário Fanucchi conta sobre a relação daquela dupla:

- Discussões sobre roteiros, especialmente os mais complexos, como os de teleteatro, envolviam quase
sempre o produtor, Cassiano e Costa Lima. Essa a circunstância em que mais pude avaliar o
entrosamento dos dois, sua maneira de analisar um problema e sugerir soluções. Era comum o
"Chefe" reconhecer o parecer do Cassiano em questões práticas, já que seu ponto de vista se baseava
na experiência que ele - e só ele, Cassiano - tivera (durante um mês!), observando as atividades dos
estúdios norteamericanos de televisão, pouco antes da inauguração da PRF3-TV.

Os dois diretores tinham liberdade total para criar, mas com uma grande preocupação antes de pensar
no conteúdo, uma auto-censura, para que toda família pudesse assistir à televisão. Tal preocupação foi
repassada a toda equipe da PRF-3 TV. Costa Lima explica84 sobre a preocupação:

- A única censura que nós sofríamos era a moral, a de respeitar as famílias que nos assistiam. Quando
apresentamos a rumbeira Rayto del Sol, nós tínhamos que esconder as pernas de fora dela. Assim, nas
voltas mais ousadas de saia, que ela fazia, nós cortávamos.

Inicialmente, o principal auxiliar de Cassiano foi o jovem Luiz Gallon, que antes trabalhava no Diário de
São Paulo, no setor de fotografia, e posteriormente conheceu os profissionais da “Cidade do Rádio”
quando auxiliou no filme “Quase no Céu”. Conta85 ele sobre esse início:

- O meu irmão Renato Gallon, da Rádio Tupi, muito amigo do Cassiano Gabus Mendes pediu para ele
me arrumar um lugar na Televisão. Na época eu estava fazendo um curso de jornalismo com o João de

84
Depoimento de Dermival Costa Lima (“TV Ano 30”, TV Cultura / IDART, 1980).
85
Depoimento de Luiz Gallon (“TV Ano 30”, TV Cultura / IDART, 1980).

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Scatimburgo, que era o diretor do “Diário da Noite”. E o Cassiano me chamou e me convidou para
trabalhar na televisão. No “Diário da Noite” eu queria fazer a “revisão”, queria ser revisor. Como eu mal
conhecia o termo "televisão", eu entendi o Cassiano dizer "revisão" e aceitei entusiasmado. E, no dia
seguinte, eu já estava indo com o pessoal para Santos, para buscar o equipamento de televisão. Eu
não sabia nada sobre o assunto. A coisa chegou tão de repente, que eu tive que mergulhar de cara. Eu
chegava às 9 da manhã e saía à meia-noite. Aliás, eu fui o primeiro funcionário contratado
exclusivamente para a televisão. Todos os outros vieram do rádio. – Gallon se dedicou à TV Tupi de
1950 a 1980, desligando-se quando do fechamento da emissora. Ele também se recorda de Costa
Lima - O Dermival cuidava de todas as rádios e da TV nos mínimos detalhes, desde a programação até
mandar podar as flores do jardinzinho da frente ou os pratos especiais no restaurante. A televisão,
nesses tempos, tinha 3 programações principais: telenovela, musicais e teleteatros.

Nos primeiros meses da televisão a programação já era composta também por telejornalismo, humor e
esporte. Aos poucos todos os formatos nasciam, muito devido ao empenho daquela dupla imbatível:
Cassiano e Costa Lima.

Antes de falarmos sobre a programação, uma pausa para contar um pouco da vida pessoal de
Cassiano Gabus Mendes.

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A companheira
Cassiano era um bom partido e chamava atenção desde cedo. Bom papo, “boa pinta”, de bom humor,
atencioso, inteligente e charmoso. Difícil não notá-lo, mesmo com seu jeito reservado. Foi namorador
até finalmente escolher alguém que preenchesse seu coração: Helenita Sanches.

Eles se conheceram muito cedo. Helenita começou a trabalhar com o Octávio quando ainda era
pequena. O acompanhou em várias emissoras. Nas Associadas era presença fixa no elenco de Octávio
Gabus Mendes. Helenita participou de programa “Cinema em Casa” e da antológica radionovela “Quo
Vadis”. É filha do diplomata espanhol Luis Amador Sanches e de Helena Blanco Sanches. Seu pai
viajava o mundo e foi Embaixador da Espanha no Brasil. Com o término da Guerra Civil Espanhola, ele
resolveu ficar no Brasil por não concordar com o regime ditatorial do General Franco. Tinha dois irmãos,
sendo que um deles era seu grande fã, a acompanhando sempre que podia à “Cidade do Rádio”. O
nome dele: Luis Gustavo, que aprendeu tudo que pode nos bastidores das rádios e da TV Tupi, até se
tornar ator. Como filhos de um diplomata que viajou o mundo, não foi por acaso que Helenita nasceu
no Brasil (em Recife, capital de Pernambuco), Juan Manuel em Madrid (Espanha) e Luis Gustavo em
Gotemburgo (Suécia). Helenita conta quando conheceu Cassiano:

- Eu era menina ainda e aí eu fazia um programinha com a Lolita Rios na Rádio Record. Era uma
menina que fazia perguntas e falava de histórias, em um programinha infantil. Eu conheci o Cassiano
numa festa que teve da Drogadada, que hoje é Drogasil. O Octávio me levou lá, foi todo o elenco dele.
Aí ele falou: “Vou te apresentar uma pessoa, mas não vai ficar encantada por ele”. Era o Cassiano. Ele
era um garotão, já namoricava, e eu fiquei encantada mesmo. Foi por volta dos anos 40... Ele nem
tomou conhecimento de mim. Eu que achei ele bárbaro, mas não tivemos nada. Depois fui para as
Associadas. O Octávio, claro, levou o filho. Eu já estava mais assim mocinha, um pouco. Nós passamos
ainda pela Cruzeiro do Sul, mas um pouquinho de tempo. A gente “namoricava”. Muito ciumento, o
Cassiano um dia falou: “Não posso te perder”. O Cassiano era muito procurado pelas fãs. Meu pai não
queria esse casamento de jeito nenhum. Foi muito difícil convencer meu pai. Cassiano ficou cinco
horas no escritório dele! Ele teve uma educação muito diferente da minha, por isso também que meu
pai não queria esse casamento. Meu pai era liberal, viajou o mundo inteiro, era diplomata. O Cassiano
tinha uma casa onde o pai que mandava e como naquela época artista não era bem vista, ele não
deixava as meninas irem na rádio, ficavam com a Dona Esther. Quando tinha um programa bonito, de
palco, ele levava a família toda, mas elas não frequentavam. Nisso, o Octávio era mais antiquado, o
meu pai não. Tinha outra educação, europeia. Para algumas coisas ele era duro, mas para outras não.
Meu pai só não queria que eu fosse artista naquele tempo porque não era uma época boa. Ele foi
professor da USP, da Faculdade de Filosofia. Meu lado era completamente diferente da casa do
Cassiano. A mãe dele era muito religiosa e também não queria o casamento. Me obrigaram a casar lá

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na Igreja de Santa Cecília, que ela frequentava muito. Dona Esther conhecia o padre, era muito beata.
Mas deu certo. - Cassiano e Helenita se casaram meses depois da inauguração TV Tupi. A cerimônia foi
realizada na Igreja de Santa Cecília, em 16 de maio de 1951. Helenita continua: - O meu casamento foi
um escândalo porque a gente trabalhava e o rádio naquela época era muito assistido. A gente fazia o
“Cinema em Casa”, e eu fazia um programa à tarde que cada um dava conselho de comida, outro dava
conselho de maquiagem e de tudo mais. Muitos fãs da gente. Meu casamento estava lotado. Foi uma
enchente de gente! Quebraram o vidro do carro em que eu estava. Da Branca Forster, casada com o
Walter, rasgaram o vestido. – aliás, foi no cartório de Branca Forster, na Rua Turiassú, que eles
casaram no civil. - Nós chegamos na porta e eu vi aquele povaréu... Mas tinha policiamento. A polícia
falava: “Não mexam na noiva, não mexam na noiva!”, porque eles estraçalhavam a gente! Os
convidados precisavam dizer de quem eram parentes. Apareceram até irmã da noiva e eu nem tenho
irmã! Eles encheram a igreja, quebraram bancos!

Logo Helenita engravidou de Cassiano. O primeiro filho, Luiz Otávio, nasceu em 22 de dezembro de
1952. Seu nome era uma homenagem aos dois avós: Luis (com “S”), o materno, e Octávio (com “C”), o
paterno. O pequeno acabou sendo chamado por todos como “Tato”. Foi filho único por oito anos e meio,
quando Helenita deu a luz, em 1961, ao “Cassianinho”, como carinhosamente até hoje o chama. Como
eram dois “Cassianos” em casa, virou “Cassio”, sugestão do pai (mais para frente falaremos dele).

Sobre o nascimento do primogênito Tato, Lima Duarte conta:

- Quando nasceu o Tato, eu fui lá ver a esposa. Naquele tempo um homem não via uma parturiente, era
indelicado. E fiquei esperando, o Cassiano saiu ali na sala e eu falei: "Então, que tal um filho?" E ele
disse pra mim uma frase do Orlando Silva, que uma vez foi entrevistado na rádio e lhe perguntaram
sobre sua maior emoção na vida, o que Cassiano depois me disse igual. Então eu disse: "Cassiano, que
tal ter um filho?" "A maior emoção que a gente 'temos' é quando 'ouçamos' a própria voz". Bonito que
ele brindou o filho com essa observação tão linda.

Após o casamento, Helenita acabou se afastando da profissão e cuidando da família. Ainda assim,
lembra com carinho da inauguração da TV Tupi:

- Quando a TV Tupi foi inaugurada eu até me fantasiei e me vesti de “Vamp”, estilo de mulher sensual,
não “ingênua”. Eu trabalhei quando começou. Teve o Costa Lima, mas quem deu a cara da televisão foi
o Cassiano. Ele era assistente do Costa Lima, mas depois passou pra ele.

Helenita Sanches Mendes foi casada por 42 anos, até Cassiano falecer. Companheira de vida.

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Rir, uma receita infalível!


No dia seguinte à inauguração, 19 de setembro de 1950, também surgiu o humor na televisão. Na
inauguração Amácio Mazzaropi apresentou uma breve esquete apresentando seu “Rancho Alegre” na
televisão.

Sucesso no Rádio Tupi, a atração foi criada por Cassiano Gabus Mendes. Tinha junto do saudoso
“Mazza”, Geny Prado e João Restiffe. Ele, acompanhado de seus colegas, contava “causos” caipiras
levando alegria ao telespectador da TV Tupi. Foi só depois, a partir de 1952, que Mazzaropi foi para o
cinema. Seu Jeca Tatu antes fez sucesso no rádio e na TV.

O circo também apareceu no início da TV. Primeiro, na transmissão experimental do Hospital das
Clínicas, com Arrelia (Waldemar Seyssel), que mais tsrde fsria sucesso na TV Paulista e TV Record. Já na
TV Tupi foi a vez de uma dupla de palhaços: Fuzarca e Torresmo. Humberto Simões, produtor da
emissora e famoso ventríloquo, foi até o Cine-Teatro Odeon. Lá conheceu, durante o programa do
cantor Luiz Gonzaga, o palhaço Torresmo.

- Cassiano, há um palhaço muito bom lá no Odeon. Se chama Torresmo.

- Humberto, traga-o aqui para uma reunião. Quem sabe aproveito ele para Televisão. – disse Cassiano.
A reunião foi marcada. Gabus Mendes conheceu também o outro palhaço, Fuzarca. Foi assim que, no
Dia das Crianças, 12 de outubro de 1950, a dupla começou na televisão. Participaram de diversas
atrações, como o “Gurilândia” (de Homero Silva), “Tele Gongo”, seriados e novelas como “As Aventuras
de Berloque Kolmes”, “48 Horas de Bibinha”, “As Aventuras do Falcão Negro” (com José Parisi), “Seu
Tintoreto”, “Seu Genaro” e até de teleteatros, como os “TV de Comédia”, de Geraldo Vietri. Fuzarca
(Alcibiades Albano Pereira) faleceu em 1975. Assim, Torresmo (Brasil Antonio Queirolo) acabou por
fazer dupla com seu filho, o palhaço Pururuca e faleceu em 1996. Além da TV Tupi eles trabalharam em
outras emissoras, como na TV Paulista, TV Cultura, TV Excelsior, TV Record e TV Gazeta.

- Respeitável público, está no ar o “Circo Bombril”! - junto de dos palhaços Fuzarca e Torresmo, era
assim que todas as segundas, Walter Stuart recebia as crianças em seu programa na TV Tupi. Outro
programa de sucesso da emissora, apoiada também em mágicos, malabaristas e muitas outras
atrações. Em maio de 1952, quando a programação da TV Tupi passou a começar ao meio-dia, o “Circo
Bombril” estava lá, também com o palhaço Chicharrão (pai de Torresmo), acompanhando a “trupe”
televisiva da família Canalles, Stuart e Oni.

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Adriano Stuart, ator e futuro diretor de sucesso, fala86 sobre seu pai, Walter Stuart:

- No Circo Bombril, ele fazia o Mestre. Mas participava também das cenas com os palhaços. Ele cansou
de se machucar de verdade. E de machucar os colegas. Aí ele ficava muito triste, mas voltava a fazer a
mesma coisa outra vez. Ele subia nas laterais, nas tapadeiras de 6 ou 8 metros e voava lá de cima no
meio do picadeiro, quando ninguém esperava. Uma loucura.

Walter Stuart também fez sucesso no programete “A Bola do Dia”, uma charge rápida, de 5 minutos,
sobre algum acontecimento diário, cheio de humor. Sempre ao lado de David Neto.

O humor estava sempre presente na programa da TV Tupi. Era algo que não apenas agradava o público,
como também à direção da emissora, com Cassiano e Costa Lima. Pagano Sobrinho era um dos
humoristas que Cassiano conhecia desde cedo, tendo se apresentado ao lado do pai Octavio Gabus
Mendes. Havia também outros nomes, como Mário Alimari (o “Pé com Pano”), Augusto Machado de
Campos (o “Machadinho”), João Monteiro, Murilo Amorim Corrêa, Marcos Plonka, Simplício, Lulu
Benencase, Aldaísa de Oliveira, Xisto Guzzi, o jovem Walter Avancini, Xisto Guzzi, além dos brilhantes
textos e direção de Paulo Leblon, que possuía um ótimo timing para humor – fazendo escola na
televisão. Outro grande nome do humor da Tupi foi Otelo Zeloni, eternizado com o seu “Dom Camilo” –
antes mesmo da “Família Trapo”, na TV Record, Zeloni fez na TV Tupi o programa “Três é Demais” –
uma criação de Cassiano Gabus Mendes, em 1960 – em que contracenava com Walter D’Ávila e o
jovem casal Thereza Austragésilo e Jô Soares (que também foi redator da atração, vindo do Rio de
Janeiro).

Cassiano Gabus Mendes, que já havia escrito e até atuado em programas de humor no rádio, se
deliciava ao assistir a versão televisiva daquele gênero. Sabia que humor atraía, que era algo que
nunca a televisão poderia deixar de ter, porque agradava o público. Não imaginava ele que décadas
depois ficaria conhecido por suas novelas, temperadas com uma porção de ironia e um humor peculiar,
só seu. A televisão no Brasil começou com muito bom humor!

86
Depoimento de Adriano Stuart à Pró-TV.

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Os primeiros teleteatros

Cassiano apreciava cada dia mais a televisão. Queria que logo os brasileiros pudessem ver tudo que ele
descobriu nos Estados Unidos. Entre outras coisas, o teleteatro.

Ele, sob o aval de Dermival Costa Lima, chamou Walter Forster para chefiar e treinar o elenco da PRF-3
TV. Desde a primeira esquete da inauguração da TV, “Ministério das Relações Domésticas”, criaram
uma programa de dramaturgia chamada “Teatro Walter Forster”. Eram pequenas esquetes, que foram
apresentadas entre o final de setembro a novembro de 1950. Foi uma adaptação do que Forster já
realizava no rádio.

Sobre essa primeira fase, das esquetes, conta87 a atriz Lia de Aguiar:

- Em termos de teleteatro, começamos modestamente com pequenas histórias escritas pelo Cassiano,
Ribeiro Filho, Dionísio Azevedo, Durst e outros. Depois ousamos mais e em novembro de 1950,
lançamos uma peça de quase uma hora de duração. Foi “A Vida por um Fio”, baseada numa história de
suspense de Lucille Fletcher, vivida no cinema por Barbara Stanwick. A adaptação era do Durst e a
intérprete era eu, dirigida pelo Cassiano. Foi um sucesso e daí surgiu a ideia de fazer o “TV de
Vanguarda”, com peças de autores famosos, de duas a três horas de duração. Esse programa foi um
marco na TV brasileira, por tudo o que se conseguiu fazer nele com poucos recursos.

Cassiano, que dirigiu “A Vida Por Um Fio”, complementa88 Lia de Aguiar:

- O primeiro programa que eu acho que foi bacana, que nós fizemos pra valer e caprichamos – e eu
tenho a impressão que para a época foi muito bom – foi nosso primeiro teleteatro. Foi um negócio que
nós fizemos dois meses de inaugurada a estação. Eu adaptei, dirigi e trabalhei no corte da imagem.

Luiz Gallon, que apoiava Cassiano na coordenação da trama, comenta89:

- Foi ao ar no dia 29 de novembro de 1950, dia do meu aniversário, “A Vida Por Um Fio”: adaptação do
filme famoso, em que a atriz principal, doente numa cama, intercepta pelo telefone o plano da própria
morte dela. A Lia de Aguiar foi a estrela. O cenário era apenas o quarto dela com a cama, que tinha
uma colcha espanhola linda emprestada pela mãe do Cassiano. O ensaio durou dez dias, mas na hora
deu tanto trabalho, nós suamos tanto, pois era tudo ao vivo, que no final todo mundo aproveitou a cama

87
“Na Tupi, até o fim da novela” (Folha de S.Paulo, 15/03/1980)
88
“O Precursor Cassiano Gabus Mendes” (Liba Frydman – Televisão – Jornal Shopping News, 14/03/1976).
89
Depoimento de Luiz Gallon ao “TV Ano 30” (TV Cultura / IDART).

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para deitar um pouco e descansar.

Antes, Cassiano Gabus Mendes convenceu Costa Lima da importância de aperfeiçoar o teleteatro, de
esquetes para peças inteiras, com a ideia de dar imagem – finalmente – ao programa que faziam no
rádio, o “Cinema em Casa”, criação de seu pai. Assim como no “Cinema em Casa”, “A Vida Por Um Fio”
era um clássico do cinema adaptado para outra mídia (agora, no caso, a televisão). Como disse Lia de
Aguiar, foi “A Vida Por Um Fio” o primeiro passo para criação do “TV de Vanguarda”, que também uniu o
“Cinema em Casa” com outro radioteatro de Octávio Gabus Mendes: o “Grande Teatro Tupi”, com
adaptação de textos da literatura. Esse último também inspirou o futuro programa homônimo, que
priorizava a apresentação na TV das companhias teatrais. O “TV de Comédia” também surgiu com o
passar do tempo. “A Vida Por Um Fio” desencadeou um gênero que tornou o Brasil referência mundial: a
teledramaturgia.

“A Vida Por Um Fio” foi anunciada pelo “Diário de São Paulo”, no dia de sua exibição, como “A primeira
peça de vulto de uma série que a PRF-3 TV Tupi deverá proporcionar ao público paulistano”. Aquela
adaptação do filme “Sorry, Wrong Number” (1948), sucesso mundial, também caiu nas graças dos
telespectadores da TV Tupi. Cassiano e Costa Lima acharam que seria uma boa peça para começar o
novo gênero, uma vez que adaptavam produções radiofônicas e “A Vida Por Um Fio” era um original de
Fletcher para rádio CBS, que só depois foi para o cinema.

Na trama uma mulher paralítica, sozinha, ouve o telefone tocar. Quando atende, a voz de um homem já
conversa com outro. Passa então a ouvir a conversa que ali ocorre, tentando entender do que se trata.
Sabe apenas que um assassinato acontecerá. Com um suspense constante, digno de prender qualquer
espectador, Leona Stevenson (Lia de Aguiar) tenta ligar para conhecidos: amigos, médicos, familiares e
até a polícia, entre uma ligação misteriosa e outra. Ninguém acredita nela. Ao final descobre que quem
será a assassinada é a própria, tendo como mandante o marido Henry Stevenson (José Parisi, cujo
papel no cinema foi de Burt Lancaster). Na cena final ela foi estrangulada pelo marido (apareceu em
cena apenas a mão de Parisi e sua voz). Henry então pegou o telefone, falou com a polícia – a última
tentativa de aviso de Leona – e encerra a trama dizendo: “Desculpe, engano”. A trama encerra com ele
colocando o telefone no gancho e ela sozinha morta na cama.

Lia de Aguiar complementa90 ainda sobre aquela produção pioneira:

- Em cena era só eu e as vozes, pelo telefone. E uma mão que entra só no final.Decorei absolutamente
tudo. Essas vozes entravam através do telefone, em determinados momentos, quando ela tenta se
comunicar com as pessoas. Então alguém responde do outro lado e entra a voz no telefone. Não havia
como recorrer e naquele tempo não tinha ponto eletrônico. Eu fiz essa peça várias vezes em São Paulo
e no Rio de Janeiro.Um dia desses encontrei com o Jorge Edo, aquele diretor-técnico, e ele me disse:

90
Depoimento de Lia de Aguiar à Pró-TV.

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“Lia, lembra de quando você fez ‘A Vida por um Fio’? Você ficou tão tensa, de ficar paralisada, que
quando acabou e disseram: ‘Pode sair, Lia’, você não conseguiu. Estava paralisada mesmo, não
conseguiu se levantar da cama.Lembra?E eu lembrei. E fiquei tão emocionada de ver que ele se
lembrava disso, depois de 50 anos, que até chorei. É como se tivesse voltado no tempo.

Quando “A Vida Por Um Fio” completou 45 anos de sua exibição, em 1995, Lia de Aguiar disse para a
Folha de São Paulo: “Se não tivesse dado certo, talvez nem existissem as novelas. Isto foi a semente".
Lia Borges de Aguiar foi a primeira grande estrela de nossa televisão.

Outro grande mérito de “A Vida Por Um Fio” foi trabalho hercúleo de Cassiano Gabus Mendes nos
bastidores. Ele preparou o pequeno elenco e a equipe técnica para ousar na dramaturgia. Imaginem
praticamente um espetáculo todo feito em apenas um cenário, sem permitir que ficasse monótono. Foi
praticamente um monólogo. Jogo de câmeras (tendo Walter Tasca na câmera principal), iluminação bem
produzida, sonoplastia com uma carga altamente dramática e um ensaio bem feito. Estética apurada
com a produção e a técnica em sintonia. Detalhes que ele aprimorou ainda mais no “TV de Vanguarda”.
Isso nos faz, sem dúvida, compará-lo a D. W. Griffhit (diretor de “O Nascimento de uma Nação” e um dos
idealizadores de Hollywood). Este cineasta norte-americano introduziu inovações profundas na forma de
fazer cinema, sendo considerado pai da linguagem cinematográfica. Para os brasileiros, com certeza,
Cassiano Gabus Mendes é nosso Griffhit da televisão. Tudo que se faz hoje ainda se baseia no que
aprendemos com ele. Câmeras em movimento e uma sucessão de cenas transpostas com total
naturalidade. Ele soube, junto de sua equipe, dar à televisão uma visão cinematográfica para produções
radiofônicas em sua origem, dos “sem fio”, como se referiam ao rádio na época. Cassiano deu a base à
teledramaturgia, ao modo de produção, que hoje mundialmente é conhecido e aplaudido. Teleteatros,
novelas, séries, minisséries, seriados à brasileira.

Sobre o programa, o “Teatro Walter Forster” (posteriormente denominado só como “Teleteatro”) foi o
precursor de toda nossa teledramaturgia. Depois é que vieram outros horários fixos para o gênero,
extinguindo esse horário, em dezembro de 1951 - mesma época em que lançaram “Sua Vida Me
Pertence”, a primeira telenovela do país, também produzida por Forster.

Em 1950, o “Teatro Walter Forster” / “Teleteatro” apresentou as peças “A Vida Por um Fio” (29 de
novembro), com adaptação e direção de Cassiano Gabus Mendes; “Charles Chaplin da Silva” (06 de
dezembro), com direção de Walter George Durst, “A Visita” (20 de dezembro), original de Cassiano
Gabus Mendes; “Missa do Galo” (23 de dezembro), original de Machado de Assis, adaptada e produzida
por Jorge Ribeiro (com atuação de Cassiano Gabus Mendes); “Xeque-Mate” (27 de dezembro), com
direção de Mário Fanucchi. Já em 1951, a atração levou ao ar as peças “Filet Mignon” (04 de janeiro),
escrita e produzida por Mário Fanucchi; “Antes do Café” (10 de janeiro), monólogo de Eugene O’Neill,
com Madalena Nicol; “O Preço da Inocência (11 de janeiro), produzida por Dionísio Azevedo; “O

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Julgamento de Hipócrates” (na segunda quinzena de janeiro), produzida por Mário Fanucchi;
“Ingratidão” (27 de janeiro), produzida por Ribeiro Filho; “Sem Saída” (31 de janeiro), original de
Dionísio Azevedo; “Desfecho” (08 de fevereiro), produzida por Cassiano Gabus Mendes; “Sonatina” (14
de fevereiro), monólogo de Miroel Silveira; “A Ceia dos Cardeais” (07 de maio), original de Júlio Dantas;
“A Caolha” (12 de maio), adaptação da peça de Júlio Lopes de Almeida, por Jorge Ribeiro; “O Professor
da Astúcia” (21 de maio), de Vicente Catalano (o primeiro espetáculo de teatro transmitido
integralmente na televisão, capitaneado por Silveira Sampaio); “O Filho Pródigo” (27 de junho), de Lúcio
Cardoso; “Os Três Ursos” (24de dezembro), apresentação do TESP (Teatro Escola de São Paulo), de Júlio
Gouveia e Tatiana Belinky; “Ralé” (última semana de dezembro, transmitido diretamente do Teatro
Brasileiro de Comédia, o TBC), de M. Gorki, com direção de Flamínio Bollini Cerri.

Nessa primeira fase vale ressaltar o ingresso de Madalena Nicol na televisão a partir de “Antes do
Café”. Foi a primeira atriz de teatro a adentrar naquele meio considerado “menor” aos que eram do
muito artístico. Fez ainda a adaptação do monólogo “A Voz Humana”, original de Jean Cocteau. A
presença da atriz deu prestígio à televisão, retornando ao ar em “Desfecho”, que Cassiano a colocou
contracenando com Heitor de Andrade. Uma semana depois protagonizou “Sonatina”. Participou ainda
de programa de Túlio de Lemos. Em março, integrou definitivamente o elenco, dando seu nome a um
novo programa “Teatro Madalena Nicol”, que inicialmente ficou no ar por duas semana consecutivas,
interrompendo-se em seguida, para depois voltar de forma esporádica.

Aos poucos a televisão se aproximava das companhias teatrais através do teleteatro. Cassiano Gabus
Mendes e Dermival Costa Lima estavam entusiasmados com a repercussão que o teleteatro causava
no público e na animação sentida pelos profissionais da televisão.

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O estrategista

A programação da TV Tupi estava indo bem e a venda de televisores crescendo. Tudo parecia perfeito,
como se estivessem voando em altitude de cruzeiro... Só que os ventos mudaram.

No final de 1951 existiam dois grandes rumores: a criação de um segundo canal de TV e a vinda de um
forte grupo de rádio para São Paulo. Era real. Finalmente estava sendo montada a segunda estação
paulistana, a terceira do país... e a primeira que não pertencia aos Diários Associados! Era de um grupo,
capitaneado por Nestor Bressane e posteriormente por Ortiz Monteiro. Eles fundaram a TV Paulista,
canal 5 de São Paulo, em 14 de março de 1952.

Ao mesmo tempo, para abocanhar o mercado das rádios Associadas, o todo-poderoso de Rádio
Nacional do Rio de Janeiro, Victor Costa, desembarcou na capital paulista. Ele adquiriu a Rádio
Excelsior, transformou-a em Rádio Nacional de São Paulo e posteriormente conseguiu uma nova
estação para deslocar a emissora recém-desativada. A OVC (Organização Victor Costa) vinha com todo
conhecimento de seu líder e intercâmbio direto com a mais poderosa emissora de rádio do país.
Ofertas, conversas nos bastidores, lances... A Cidade do Rádio era o principal alvo da OVC.

- Cassiano, estou de saída.

- Como assim, Costa Lima? – indagou Gabus Mendes. Seu chefe, seu grande parceiro, havia recebido
uma proposta irrecusável de Victor Costa para chefiar a Rádio Nacional de São Paulo. Seu plano futuro
era de ter um canal de televisão para competir com a TV Tupi. Era maio de 1952.

Dermival Costa Lima levava com ele boa parte do elenco para, curiosamente, deixarem o novo meio em
ascensão para serem exclusivos novamente do rádio. Walter Forster, Yara Lins, Hebe Camargo e muitos
outros. Conta91 ele:

- Eu fiquei um ano e meio mais lá, quase dois anos, à frente da televisão, tanto que quando eu saí o
Cassiano ficou no meu lugar, assumiu a direção. E eu fui pra a Organização Victor Costa lançar a Rádio
Nacional. Aí foi um grande capítulo da história do rádio em São Paulo: o lançamento da Rádio Nacional
de São Paulo, pelo Victor Costa. Foi a maior festa que o rádio já fez: com toda a Nacional daqui e o
elenco de lá do Rio. Eu tirei muita gente da Tupi. Tanto que o Edmundo Monteiro ficou muito zangado
comigo. – Anos depois, em 1955, Victor Costa chegou a seu objetivo e adquiriu a TV Paulista, para
rivalizar com a Tupi e Record. Costa Lima assumiu a direção artística do canal e contratou para seu

91
Depoimento de Dermival Costa Lima (“TV Ano 30” – TV Cultura / IDART)

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assistente Álvaro de Moya, a quem prentendia transformar num “Cassiano” do canal 5. Lá lançaram,
entre outros programas, o célebre “Teledrama” e “O Mundo é das Mulheres”, com Hebe Camargo,
Wilma Bentivegna, Lourdes Rocha, Eloísa Mafalda, sob a direção de Walter Foster.

Voltando a 1952, Cassiano Gabus Mendes se viu numa nova posição, com apenas 25 anos. Enquanto
os Diários Associados não escolhiam um substituto para Costa Lima, Gabus Mendes teria que assumir,
decidir e responder sozinho pela emissora. Quando em junho, Theóphilo de Barros Filho foi enviado de
Pernambuco para chefiar a TV Tupi (e as rádios), Cassiano já cuidava da televisão com excelência.
Antes Theóphilo estava no “Jornal do Commércio”, de Recife. Ele deu a Cassiano maior autonomia,
transformando-o em diretor-geral da emissora (o que na função ainda era dado apenas como “diretor
artístico”).

Theóphilo coordenou principalmente as rádios, já na televisão se concentrava na produção de


programas como “Música e Fantasia” e “Tribunal do Coração”. Sabia que podia contar com Cassiano.
Ele era jovem, mas sábio. Mostrou-se ainda mais estrategista e começou por fortalecer a programação
que julgava dar mais retorno de público. Não se podia perder a hegemonia da TV Tupi. Intensificou o
jornalismo, a programação infantil, os seriados e principalmente os teleteatros. Cassiano resolveu tirar
do bolso a carta que tinha na manga: a versão televisiva de “Cinema em Casa”. Ele sabia mudar as
peças do tabuleiro como um experiente jogador de Xadrez. Cassiano era um verdadeiro “homem de
televisão”.

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Um teatro de vanguarda
Estruturar a dramaturgia na televisão foi a principal contribuição de Cassiano e de seus colegas na
televisão, mas seu amadurecimento se deu com o “TV de Vanguarda”. Essa era a carta na manga de
Gabus Mendes contra a concorrência: a adaptação do “Cinema em Casa” para televisão.

O programa nasceu como “Teatro de Vanguarda” em 1952. A TV Tupi, pouco tempo antes (no final de
1951), tinha começado a fazer novelas, mas seu carro-chefe continuava a ser os teleteatros. Os
cuidados com essa nova atração fez com que ela se sobressaísse entre as demais. Os primeiros passos
para criação do novo programa foram dados ainda sob a gestão de Dermival Costa Lima, mas só após a
saída dele é que Cassiano tirou do papel o projeto.

Assim foi anunciado92 no “Diário da Noite” a chegada desse histórico teleteatro:

- A PRF-3 TV lançou, no domingo último, à noite, o seu “Teatro de Vanguarda”, uma ideia acalentada
com carinho pelos dirigentes da televisão do Sumaré. Trata-se de uma iniciativa que deverá revelar
numerosos talentos para arte cênica dentre os próprios elementos que figuram no ‘cast’ fixo das
Emissoras Associdas, um elenco, aliás, de primeira linha e de grandes possibilidades para o
desenvolvimento das apresentações pelo vídeo.

Costa Lima queria que Walter George Durst fosse o produtor do “Teatro de Vanguarda”. Conta93 Durst
sobre o convite:

- A televisão começou então a repetir os programas do rádio. Quando ele me falou nesse “Teatro de
Vanguarda”, achei-o muito pretensioso. Estávamos no começo, ainda não tínhamos nem televisão e já
íamos partir para a vanguarda? Mas ele foi categórico. – Cassiano e Costa Lima queriam um teleteatro
de fôlego, inovador. Daí o tempo passou, Costa Lima saiu e Gabus Mendes, de início, resolveu chamar
Dionísio Azevedo para realizar a primeira adaptação do novo programa (ele que depois alternou muitas
vezes as adaptações com Durst, se tornando um dos principais produtores da atração). Dionísio
adaptou a peça “O Julgamento de João Ninguém”, em 17 de agosto de 1952. Dionísio havia adaptado
esse conto de V. Sarr (“The John’s Nobody Case”, original da Revista Mistério Magazine) um pouco antes
para Rádio Difusora, com sucesso. É a história do julgamento de um pobre-diabo,que na versão
televisiva foi protagonizado por Lima Duarte (João Ninguém), tendo no elenco também Dionísio Azevedo
(Reverendo Millard), Sales de Alencar (Juiz), Francisco Negrão (Promotor), Walter Stuart (Elmo Durgeon),
Maria Cecília (esposa de João Ninguém), José Parisi e David Neto. Foram feitas externas filmadas por

92
Jornal Diário da Noite (19/08/1952).
93
Depoimento de Walter George Durst (IDART, 1976).

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Paulo Salomão para inserir durante o teleteatro ao vivo. Mas Lima Duarte conta que a ideia original era
fazer telefilmes, mas por conta do custo não foi possível. Disse ele sobre “O Julgamento de João
Ninguém”:

- Nós filmamos as externas, porque não tinha jeito de gravar. Então não tinha dinheiro de comprar filme
16 mm, era caro. Aí a gente filmou um trechinho aonde hoje é Interlagos. Não tinha ainda o Autódromo.
Era uma mata fechadíssima. – Lima Duarte ainda complementa - O “TV de Vanguarda” era a paixão do
Cassiano, ele era o diretor de TV. Ele então “fez” a imagem da televisão, o Durst adaptou e ele falou: "…
assim que se faz. Duas câmeras aqui... três câmeras”. Ele era muito habilidoso. Nós fizemos 16 anos de
“TV de Vanguarda”. Desfilamos todo o repertório clássico do mundo. Anos após anos. Uma peça a cada
15 dias. Foi feito de tudo: toda a obra de Shakespeare, de O’Neill, de Sartre, de Sófocles, de
Dostoiévski, de Arthur Miller, de Tenesse Williams, de Guimarães Rosa, de Pirandello, tantos... Não dá
pra relacionar. Fazíamos tudo o que estivesse ao alcance dos olhos e dos sonhos. Estórias de época,
estórias modernas, internacionais, clássicas, brasileiras, enfim, tudo, tudo.

Em “Crime Sem Paixão” (versão televisiva do filme de Ben Hecht), o segundo “TV de Vanguarda”, as
adaptações já ficaram a cargo de Walter George Durst, que além de rádio havia tido experiência em
cinema, tendo trabalhado na Companhia Vera Cruz. Este foi um dos principais nomes desse teleteatro,
em seus primeiros dez anos de existência. Sobre ele e o “TV de Vanguarda”, Cassiano Gabus Mendes
comenta94:

- Eu dava liberdade total aos homens em que eu confiava na cabeça, entende? Então eu confiei no
Durst, muito. Durst é o principal responsável pelo “TV de Vanguarda”, pelo êxito que foi, pela qualidade
do programa e pelo texto que ele escolhia. O Faro, fez mil experiências na TV Tupi e outros diretores.
Antunes chegou a fazer muitas experiências, fez programas experimentais na Tupi. Então eu gostava,
se o sujeito tinha uma cabeça batendo com a minha, eu dava oportunidade. Mesmo que não desse
certo, valia.

Esse grupo fez uma revolução na televisão por dezesseis anos interruptos, sempre aos domingos, 21
horas, a cada duas semanas. O “TV de Vanguarda” foi o grande celeiro da dramaturgia brasileira. Tudo
que se faz hoje nesse gênero, tem como base esse programa. Experimentou a interpretação dos atores,
a luz, o som, os cenários, os diretores, a técnica. Um grande laboratório, que acabou por servir de base
para outros programas, não apenas de dramaturgia (como séries e novelas), como para outras linhas.
Criaram a estética e a forma para TV brasileira. A dupla Durst e Cassiano, principalmente, ficou pelo “TV
de Vanguarda” marcada para sempre. Apenas entre o final de 1955 e o início de 1956 eles se
ausentaram da direção do teleteatro para dirigirem o filme “O Sobrado”, na Companhia Vera Cruz.

94
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes ( “40 Anos de TV”, TV Cultura, 1990).

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Walter George Durst dá95 sua versão sobre a importância desse teleteatro e seu formato:

- Um bom script é fundamentalmente o que Ionesco definiu numa frase, que eu acho muito bonita: "É
uma arquitetura de antagonismos". Isso é um bom script. Agora, essa arquitetura de antagonismos, tem
que ser exposta através de uma espécie de pontuação. Ter um bom script é parecido com isso. Quer
dizer, tem que ser pontuadas as informações, as sensações e as emoções. Cada cena constitui uma
espécie de desenho e a soma dessas cenas, que constitui todo script, seja assim um mapa, que deve
ser seguido tanto pelos atores, como pelos diretores, naturalmente. Felizmente, assim como Octávio
Gabus Mendes, o Cassiano Gabus Mendes e eu, adorávamos o cinema. Então nós seguíamos isso. Uma
loucura. Nós tentávamos fazer cinema, desde o início. E depois isso evoluiu, além da colocação das
câmeras e da alternância das lentes. Nós descobrimos a beleza de uma câmera em movimento. Aí
surgiram as panorâmicas, os travellings, todos esses movimentos. Descobrimos também a grande força
da luz. A luz é mágica, a luz transforma tudo. Moças que não são assim tão bonitas, iluminadas ficam
maravilhosas. É isso, uma tapadeira furada, como nós tínhamos, bem iluminada, era um palácio. Então
usando esses elementos nós formando então a linguagem do “TV de Vanguarda” que foi a primeira
linguagem da televisão. Veja bem, chegando até um certo ponto a notar que o cinema, que nós
copiávamos, era um ótimo modelo, mas não exatamente o que nós podíamos fazer. Descobrimos que a
televisão era uma espécie de primo pobre do cinema, mas tinha suas compensações. Nós não
podíamos fazer tudo que o cinema fazia, mas tínhamos suas compensações. A maior dessas
compensações que descobrimos era o intimismo, essa força brutal que tem o close, que no cinema não
pode se usar tanto naquela telona, onde você vê no close que se o ator for bom você consegue
enxergar as tripas dele, todos os sentimentos que ele tem, você tá vendo ali. Essa foi a linguagem que
nós fomos descobrindo aos poucos, sempre fazendo num período ótimo que podia se experimentar.

Posteriormente a atração mudou de nome por sugestão de Álvaro de Moya e Syllas Roberg (que a partir
de 1958 veio a integrar a equipe de produção do “TV de Vanguarda”). Os dois convenceram Gabus
Mendes de que o espetáculo, mais que um teatro, tinha características próprias e deveria se chamar
“TV de Vanguarda”. Cassiano se convenceu, assim como Walter George Durst. Roberg, Cassiano, Durst,
Lima, Dionísio... todos apaixonados por cinema. Geraldo Vietri depois também veio para engrossar o
time.

Outros também ajudavam no “TV de Vanguarda”, que passou a ser tornar o principal programa da TV
Tupi. É como os diretores de estúdio Henrique Canalles, Walter Stuart e David Neto (Gaetano Gherardi
também ocuparia a mesma função). Cabia a eles serem o ponto, quando em um texto muito longo eram
esquecidos alguns detalhes. Na fase ao vivo, tinha que se jogar ao chão para “assoprarem” as falas. O
tempo de ensaio era muito pequeno e os atores tinham que ser altamente profissionais para darem
conta de tudo... e eram!

95
Depoimento de Walter George Dust (“40 Anos de TV”, TV Cultura, 1990).

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Como antes já foi comentado por Lima Duarte, o “TV de Vanguarda” passou também a adaptar clássicos
brasileiros. Como “O Feijão e o Sonho”, de Orígenes Lessa, “Senhora”, de José de Alencar, “Calunga”, de
Jorge de Lima, “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, de Guimarães
Rosa e muitos outras obras nacionais. Isso ocorreu principalmente após a criação, em 1953, de um
horário de teleteatro chamado “Biblioteca do Brasil”, às sextas-feiras, 22h15 (só com contos
brasileiros). Isso motivou uma maior inserção de textos brasileiros no “TV de Vanguarda”.

Quando esse teleteatro nasceu a TV Tupi contava só com um estúdio principal maior, o A. Então faziam
milagres adaptando, aumentando o pé direito da cena, criando planos-sequência, utilizando corredores
da emissora, jardins, escadas intermediárias e as ruas no entorno da “Cidade do Rádio” (Avenida
Professor Alfonso Bovero, Rua Piracicaba, Rua Catalão e Travessa Xangô). Trabalho de cenógrafos
competentes como Carlos Jacchieri, Luigi Calvano, Edu Marinho, José de Alcântara (o primeiro
cenotécnico), Alexandre Korowaiszik, Darcy Penteado, Campello Neto, Badia Vilató, Klaus Franke,
Konstantino, Francisco Jacchieri (até mesmo profissionais antológicos do teatro, como Gianni Ratto e
Flávio Império, chegaram a fazer cenários para Tupi). De iluminadores como Gilberto Bottura e José
Pelégio. De sonoplastas como Salathiel Coelho, Darcy Cavalheiro e Pedro Jacintho.

Cassiano Gabus Mendes utilizava muitas vezes o horário posterior a exibição do “TV de Vanguarda” para
experimentações. Junto com seus colegas fazia experiências com as câmeras, novas angulações,
tomadas, distorções e inversões, efeitos especiais e até reproduzir cenas do cinema integralmente,
vendo como poderiam ser realizadas na televisão. Quando atingiam o resultado, logo seria utilizado o
recurso descoberto. O mesmo se aplicava ao som, à iluminação, a todo maquinário, através desses
exercícios.

- Àquelas horas tardias podíamos brincar à vontade, porque ninguém achava ruim. – conta96 Cassiano.

E o elenco do “TV de Vanguarda”? Enorme, todo cast das Emissoras Associadas. Cassiano Gabus
Mendes (também como ator), Lima Duarte, Lia de Aguiar, Heitor de Andrade, Vida Alves, Henrique
Martins, Laura Cardoso, Dionísio Azevedo, Fabio Cardoso, Francisco Negrão, Luis Gustavo, Márcia Real,
Walter Avancini, Erlon Chaves, Sonia Maria Dorce, Flora Geny, Araken Saldanha, Percy Ayres, Glória
Menezes, Maria Cecília, David Neto, Marly Bueno, Miriam Simone, Fernando Baleroni, Amilton
Fernandes, Tarcisio Meira, Geny Prado, Norah Fontes, Regis Cardoso, Aída Mar, Elíseo de Albuquerque,
Guy Loup, Anita Greiss, Rogério Márcico, Rolando Boldrin, Gibe, Rildo Gonçalves, Walter Stuart, Marisa
Sanches, Xisto Guzzi, Lolita Rodrigues, Wilma Bentivegna, Adriano Stuart, João Restiffe, César
Monteclaro, Cathy Stuart, Augusto Machado de Campos, Hernê Lebon, Annamaria Dias, Juca de Oliveira,

96
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes (IDART, 1976).

118
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Carmem Marinho, Néa Simões, Olívia Camargo, Wilson Fragoso, Lisa Negri, Patrícia Mayo, Susana Vieira,
Paulo Figueiredo, Aldo César, Léa Camargo, Norma Blum, Tereza Campos, Eduardo Abas, Marcos
Plonka, Rita Cleós, Débora Duarte, Clenira Michel, Elias Gleiser, Ana Rosa, Helio Souto, Maria Luiza
Casteli, Eva Wilma, John Herbert, Benjamin Cattan, Wanda Kosmo, Guiomar Gonçalves, Tony Ramos,
Dennis Carvalho, Jaime Barcelos, Jussara Menezes, Bárbara Fazio, Turíbio Ruiz, Cleide Yáconis, Patrícia
Ayres, Sonia Greiss, Gianfrancesco Guarnieri, Dina Sfat, Marlene França, Aracy Balabanian, Luiz Orione,
Lídia Costa, Nydia Licia, Maria Célia Camargo, Altair Lima, Célia Rodrigues, Lídia Vani, Zuleika Pinho,
Domitila Gomes da Silva, Cidinha de Freitas, Mário Alimari, Cláudio Marzo, Celeste Irene, Amaral
Novais...e muitos, muitos outros. Um elenco estelar que serviu depois de base para as novelas da TV
Tupi, sendo que muitos continuam presente até hoje nas principais novelas do país.

Todos paravam para assistir o “TV de Vanguarda”. Era obrigatório voltar para casa até o final de
domingo, para à noite ver o programa. Vários foram os espetáculos que prenderam o público, como no
caso da peça “Macbeth”, de Shakespeare. Sua encenação, em outubro de 1954, garantiu elogios
rasgados da crítica e uma carta aberta de Edmundo Monteiro, diretor dos Associados em São Paulo,
parabenizando a todos que estiveram na encenação, técnicos e artistas. O Diário de São Paulo chegou a
publicar um especial de duas páginas do jornal, ilustrado com fotos de “Macbeth” feitas durante a
transmissão. Abaixo alguns trechos daquela matéria97 especial:

- “Macbeth”, além da mesma grandiosidade de cenários, do apuro do guarda-roupa, chegou a esmeros


de iluminação, de direção e interpretação. Não se pode apontar um só deslize em toda a sua
realizaçãoo, a começar do texto adaptado. Daí se conclui que evoluímos extraordinariamente em TV.
Um progresso bastante sensível na parte técnica, que se evidenciou em “Macbeth” na cenografia
brilhante de Alexandre, na iluminação de exteriores e interiores, nas posições de câmeras, e sobretudo,
na direção de TV de Cassiano Gabus Mendes, seguro como nunca, a proporcionar um autêntico
espetáculo cinematográfico. (...) O jovem diretor da PRF-3 TV, testemunhando a satisfação sua e de
seus colegas não deixa de ressaltar certos pormenores desconhecidos do público. ‘Em primeiro lugar’ –
diz Cassiano – ‘além da capacidade artística de toda a equipe, na qual confio e sei o que pode fazer,
não desconheço que é necessário contar, durante o espetáculo, com uma boa dose de sorte, já que o
tempo utilizado para ensaio e planos é ínfimo, perto do que necessitaria para a montagem de qualquer
peça de época, principalmente de Shakespeare. Macbeth foi levado da seguinte forma: treze dias de
ensaios e decoração fora do local da transmissão; um único ensaio de três horas com câmeras para o
primeiro e segundo atos. Não houve tempo para se ensaiar com câmeras o terceiro ato, que foi passado
a seco nos cenários. Em face de todas as dificuldades, temos que confiar no funcionamento perfeito
das câmeras durante a transmissão, na localização exata do artista perto do microfone fixo (coisa que
não pode ser calculada apenas com um ensaio) e outros pequenos detalhes tais como sonoplastia,
iluminação, contra-regra, etc.’ (...) Cassiano Mendes confessa que em “Macbeth” realizou também a

97
“Macbeth: o espetáculo do ano na TV” (Suplemento do Diário de São Paulo, outubro de 1954).

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sua melhor performance como diretor de TV. Ele jamais esteve tão firme e tão seguro no switcher.
Apreciando a transmissão em plano geral, declara que o que mais o impressionou com os seguintes
detalhes: 1) a continuidade do espetáculo; 2) o trabalho de Dionísio Azevedo; 3) a cena de delírio de
Lady Macbeth (Márcia Real); 4) o prólogo; 5) o assinato do rei, simbolizado; 6) a atmosfera pesada,
dramática, conseguida em todo o transcorrer da peça nos tons preto e branco, sem outras tonalidades,
que a fotografia exibiu durante toda a transmissão.

Só com esse trecho, percebe-se nas entrelinhas o quanto Cassiano Gabus Mendes era exigente (com
ele e com a equipe), humilde e colega (porque sabia reconhecer o talento de todos), confiável e
confiante (na competência dos demais), detalhista e perfeccionista. Ainda é possível reconhecer a sua
qualidade de profissional impecável que ainda assim queria aperfeiçoar mais ainda seu trabalho. Se
pudéssemos colocar o “TV de Vanguarda” em formato de pintura, com certeza seria uma autêntica obra
de arte.

Para dar conta de toda emissora, Cassiano aos poucos começou também a dividir a direção de TV dos
espetáculos. Um dos seus colegas, Alberto Bianchini, o “Tito”, conta98 de outro clássico do “TV de
Vanguarda”:

- “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, foi um projeto muito avançado pra época, que o Cassiano elaborou
com o José Marques da Costa, que foi quem adaptou. Só neste projeto de estudos de como fazer ou
não, foi coisa de aproximadamente uns sessenta dias, antes de se começar a pensar na execução
desse projeto. O que foi realmente uma temeridade fazer aquele tipo de coisa, como a gente fez,
previsto para quatro horas, ao vivo. Ah, loucura! Porque nós usávamos os estúdios A, B e C, Eram o
A,B,C. Entre o corredor do estúdio A, por aquele corredor, virava o B, depois o B pro C, onde se montou
toda a estrutura. Se colocou “troika”, inclusive com cavalo, etc. Houve um acidente, com Jayme
Barcelos, que acabou quebrando a perna. O cavalo disparou e o carroça passou por cima. E nós
tivemos inclusive que improvisar um ato nesse espetáculo, pra que se pudesse socorrer, etc. Mas o
espetáculo continuou, ao vivo. Uma coisa que aconteceu de importante nessa época, também com o
“Crime e Castigo”, é que o Jorge Edo e o doutor Mario Alderighi, na época, trouxeram um equipamento
dos Estados Unidos, chamado Kinescópio. Ao lado do switcher ele foi instalado para poder extrair do
“Crime e Castigo”, toda essa filmagem. – graças a utilização do Kinetoscópio temos hoje um dos únicos
registros do que foi o “TV de Vanguarda”, felizmente com Cassiano Gabus Mendes como protagonista
da trama, o personagem Raskólnikov. “Crime e Castigo” foi exibido ao vivo em 01º de abril de 1956.

Para terem uma mostra de outras grandes produções, elencamos as peças que foram consideradas,
pela crítica especializada de suas épocas, os principais destaques do “TV de Vanguarda”, com grandes
interpretações elencada, como a de Flora Geny em “Hamlet” (1953), Vida Alves em “Henrique IV”

98
Depoimento de Tito Bianchini à Pró-TV.

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(1953), José Parisi em “Massacre” (1953), David Neto em “A Herdeira” (1953), Bárbara Fazio em
“Sinfonia Pastoral” (1953), Zuleika Maria em “O Espectro da Rosa” (1953), Celeste Irene em “Os
Amantes de Verona” (1953), Heitor de Andrade em “A Morte do Caixeiro Viajante” (1954), Francisco
Negrão em “Conflito” (1954), Adriano Stuart em “O Maestro” (1954), Márcia Real em “Anjo de Pedra”
(1954), Dionísio Azevedo em “Macbeth” (1954), Wilma Bentivegna em “Todos os Filhos de Deus Têm
Asas” (1954), Lia de Aguiar em “O Idiota” (1955), Maria da Glória em “Quatro Paredes Entre as Nuvens”
(1955), Henrique Martins em “Pigmalião” (1955), Lima Duarte em “Calunga” (1956), Marly Bueno em
“O Feijão e o Sonho” (1956), Laura Cardoso em “Despedida de Solteiro” (1956), Cassiano Gabus
Mendes em “Crime e Castigo” (1956), Verinha Darcy em “O Homem do Chapéu de Coco” (1956), Jayme
Barcellos em “Tragédia em Nova York” (1957), Lolita Rodrigues em “O Chapéu de Três Bicos” (1957),
Eva Wilma em “A Canção de Bernadete” (1957), Geraldo Louzano em “O Último Bandido” (1957), David
José em “A Janela” (1958), Carmem Marinho em “Maclovia” (1958), Maria Fernanda em “Uma Rua
Chamada Pecado” (1959), Nair Silva em “Clara dos Anjos” (1959), Fernando Baleroni em “O Delator”
(1959), Percy Aires em “Fausto” (1959), Turíbio Ruiz em “Os Sertões” (1959), Luis Gustavo em “Hamlet”
(1960)... Foram tantos sucessos, centenas de peças... “Otelo”, “Madame Butterfly”, “A Dama das
Camélias”, “De Repente no Último Verão”, “A Malvada”, “A Grande Mentira”, “O Homem que Vendeu a
Alma”, “Corpo Fechado”, “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, “O Garoto de Ouro”, “Os Meninos da Rua
Paulo”, “Casa de Bonecas”, “O Castelo do Homem Sem Alma”, “A Mulher Sem Pecado”, “Divórcio”,
“Entre Quatro Paredes”, “Helena”, “A Casa de Bernarda Alba”, “Canção Sagrada”, “Eugênia Grandet”,
“Olhai os Lírios do Campo”, “Mas Não Se Mata Cavalo?” ...

Para Gabus Mendes, o “TV de Vanguarda” possuiu três fases distintas: de 1952 a 1960, quando tudo
era feito ao vivo; de 1960 a 1962, quando passaram gradativamente a usar o videoteipe; e a de 1962 a
1967, após a saída de Walter George Durst. Seu amigo, após muitos convites, se transferiu para a TV
Excelsior, junto com Túlio de Lemos, e lá fizeram outro importante programa, o “Teatro 63”. Foi assim
que, em abril de 1962, Cassiano Gabus Mendes chamou Benjamin Cattan para auxiliá-lo na direção
artística da TV Tupi e cuidar especificamente do “TV de Vanguarda” e do “Studium 4”. Ele havia feito
bons trabalhos na direção do “Teatro Cacilda Becker”, na TV Cultura, também pertencente aos Diários
Associados e isso chamou a atenção de Gabus Mendes. A partir de 1963, o chefe entregou de vez o
comando do “TV de Vanguarda” a Cattan, que o comandou até 1967. Parece irônico o nome, mas foi
com “Fim de Jornada”, exibido em 18 de fevereiro daquele ano, que o “TV de Vanguarda” encerrou suas
atividades. A peça de Robert Credik Sheriff teve direção de Cattan e contava um drama íntimo dos
soldados da I Guerra Mundial. No elenco, Wilson Fragoso, Serafim Gonzalez, Tony Ramos, Renato Nanni,
Rui Resende, João Monteiro, Nello Pinheiro e Geraldo Ramos. Houve então um grande plano de
reestruturação da programação da TV Tupi. Morria também, aos poucos, a motivação de Cassiano
Gabus Mendes em trabalhar na emissora. Em novembro de 1967 ele se desligou do canal 4.

Laura Cardoso, uma das principais atrizes do “TV de Vanguarda” comenta sobre a importância do
programa:

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- O “TV de Vanguarda” foi fundamental, foi primordial. Ele representa a essência, o começo de tudo que
está aí, de autores de todo mundo. Sob a direção do Cassiano Gabus Mendes se fez muita coisa. Ele
era muito bom, sabia tudo também. Era um homem estudioso, inteligente e esperto, não falava
bobagem e nem queria fazer bobagem. A gente fez muita coisa boa. Tudo que está aí começou ali e
sem tecnologia. A gente fazia quase que com as mãos, era um artesanato. A tecnologia estava na
cabeça. Naquele tempo se você errava, você se virava, e ia em frente. O Cassiano dirigindo era rígido,
mas os bons diretores sempre são rígidos, mas pessoas boas, generosas e humildes. Assim era ele.
Criatividade, mais qualidade e menos quantidade. Naquela época tudo era um desafio. Para trocar de
roupa de uma cena pra outra, você fazia, terminava uma cena, a câmera aproximava, fazia o “close”,
enquanto isso tinham profissionais, como costureira, gente que tirava a sua roupa. Isso tudo na fusão
de cara com cara. Ao mudar o ângulo da câmera, você já estava com outra roupa. A “mágica” do ao
vivo.

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Cassiano, o ator

Quem vê hoje as excelentes interpretações de Cassio e Tato Gabus Mendes pode ter uma certeza: isso
é uma marca de família. Não apenas do avô Octávio, que tão bem interpretava no rádio, mas do pai.
Cassiano Gabus Mendes foi um ator visceral, tanto no rádio, como na televisão. Por conta das múltiplas
funções que exercia acabava atuando “por diversão”. É como ele comenta99:

- Eu era radioator. Meu negócio era ser radioator. Então de vez em quando, depois de um certo período
deu vontade de trabalhar como ator de televisão. Aí eu pegava o Durst, dava uma cantada nele: “Ó, vou
fazer o Dostoiévski aí, o Raskólnikov” e fiz “Crime e Castigo”. Por coincidência fiz dois Dostoievski: “O
Idiota” e “Crime e Castigo”, ambos adaptados pelo Durst, que era um excelente diretor e autor, aí a
gente aprendia mais ainda. E fiz outras coisas, “A Corda”, aquele filme do Hitchcock: “Rope” ... Fiz “A
Herdeira”, mas pouca coisa, como ator. Umas quatro, cinco peças só e mais nada.

O mais interessante é que, mesmo tendo atuado pouco, muitos telespectadores e colegas se lembram
de sua interpretação. Isso comprova ainda mais a teoria de que um bom diretor precisa ser primeiro um
bom ator, para conduzir bem um elenco.

- Eu cheguei a contracenar com o Cassiano. Ele tinha talento, era muito bom. Mas no “TV de
Vanguarda” ele ficava mais dirigindo e cortando, no switcher. – conta Laura Cardoso.

Gabus Mendes atuando nas seguintes peças do “TV de Vanguarda”: “A Herdeira” (1953), original de
Henry James, contracenando com Lia de Aguiar, David Neto, Célia Rodrigues e Guiomar Gonçalves;
“Markheim” (1953), de Robert Louis Stevenson, com Dionísio Azevedo e Lima Duarte; “A Morte do
Caixeiro Viajante” (1954), de Arthur Miller, com Heitor de Andrade e Célia Rodrigues; “O Idiota” (1955),
de Dostoiévski, atuando com Lia de Aguiar, Lima Duarte, David Neto, Maria da Glória, Célia Rodrigues,
Percy Aires, Turíbio Ruiz, Luís Orioni, Jayme Barcellos, Henrique Martins e Néa Simões; “Crime e
Castigo” (1956), também de Dostoiévski, com Lia de Aguiar, Marly Bueno, Fábio Cardoso, Fernando
Baleroni, Araken Saldanha, Carlos Menon, Célia Rodrigues, David Neto, Douglas Norris, Dulcemar Vieira,
Jayme Barcellos, Jussara Menezes, Luis Gustavo, Luís Orioni, Percy Aires, Rogério Márcico, Turíbio Ruiz,
Jorge Azevedo e Verinha Darcy; “O Condenado” (1962), de Graham Grenne, adaptado por Manoel
Carlos e dirigido por Benjamin Cattan (já após a ida de Durst para TV Excelsior), contracenando com
Wanda Kosmo, Henrique Martins, Elísio de Albuquerque, David José, Rita Cleós, Luís Orioni, Eduardo
Abbas, Neide Pavani, Rolando Boldrin, Décio Ferreira e o próprio Cattan.

99
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes ( “40 Anos de TV”, TV Cultura, 1990)

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Cassiano fez também, no “Grande Teatro Tupi” a peça “O Festim Diabólico” (em 28 de julho de 1952),
adaptação de “A Corda”, original de Patrick Hamilton (adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock em
1948, um dos ídolos de Gabus Mendes). Foi produzida por Ruggero Jacobi e adaptada por Geraldo
Joanides. Cassiano contracenou com Ítalo Rossi e Joseph Guerrero.

Muitos anos depois, como diretor da série “Caso Especial”, na Rede Globo, Cassiano surpreendeu a
todos por causa de sua interpretação. Era 1975, quando faziam a leitura de texto da peça “A Ilha no
Espaço”. É o que conta seu filho, o ator Tato Gabus Mendes:

- Eu me lembro de um episódio engraçado. Quando ele foi pra Globo, tinha uma turma nova lá, e numa
leitura dramática do texto, que era quase um ensaio, ele parou a leitura do Cecil Thiré pra corrigir um
tom. O Cecil, meio contrariado, disse: “Eu não estou entendendo o que você quer que eu faça”. Ele
pegou e fez. “Eu quero que você faça isso...” Aí todo mundo ficou com aquela cara! Ele sabia porque ele
também era ator.

Tato Gabus Mendes lembra também da última aparição do pai como ator. Foi em 1992, interpretando o
cômico chefe mafioso Franco Torremolinos, na novela “Perigosas Peruas”, da Rede Globo.
Gargalhando, lembra Tato:

- Claro que ele se divertiu com o papel, mas reclamou tanto! É porque passou um calor grande por
causa da maquiagem que tinha que fazer. Era aquele calor do Rio de Janeiro e envelheceram ele. Foi
um convite do Roberto Talma e do Carlos Lombardi, que conversaram, insistiram e ele acabou topando.

Franco Torremolinos tinha “todos os anos”. O público, que não o via há tantos anos encenando chegou
a se perguntar se Cassiano estava mesmo envelhecido daquele jeito! A curiosidade do público foi
tamanha...

O breve retorno do autor Cassiano Gabus Mendes à carreira de ator, chamou atenção de toda mídia. O
jornal “O Globo”, por exemplo, noticiou100:

- Mas a função de ator não é novidade na carreira desse paulista que, aos 64 anos, é tido como um dos
mais bem sucedidos mestres da linguagem televisiva. Sempre elogiado pela crítica e com textos bem
recebidos pelo público, Cassiano Gabus Mendes conseguiu eliminar o fantasma que sempre perseguiu
as novelas das sete, classificadas por muito tempo como uma “preparação fracote” para o Jornal
Nacional. “Há muito tempo eu andava pensando em retomar a carreira de ator. Acontece que sempre
admiti não ter saúde suficiente para atuar em 200 capítulos. Quando o Talma me chamou para uma

100
“Autor de sucesso enfrenta as câmeras” (O Globo, 21/01/1992).

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participação especial em Perigosas Peruas, achei que interpretar seria ótimo. E aceitei. O elenco tem
me ajudado muito. Espero que o resultado no vídeo também seja satisfatório” - diz Cassiano Gabus
Mendes. Mas se na hora de decorar o texto o autor admite não ter dificuldades, o mesmo ele não pode
dizer da maquiagem que seu personagem exige. Afinal, Franco Torremolinos é um senhor de
respeitáveis 99 anos. “A hora de entrar na sala de maquiagem é um horror. Para conseguir me dar a
aparência de quase 100 anos de idade, a equipe leva uma hora colando sobrancelhas, peruca e
criando rugas”. Tamanho desgaste até gerou preocupação nos filhos de Cassiano Gabus Mendes. Os
atores Tato e Cassio. Quando o pai recebeu o convite para integrar o elenco de "Perigosas Peruas", eles
acharam que a experiência seria muito estafante. Mas isso não vai muito longe. O próprio Cassiano já
deixou bem claro: assim que terminarem as gravações da novela, suspende os vôos da ponte aérea,
que tem feito semanalmente por conta da novela, e volta ao trabalho de autor, à máquina de escrever.

Franco Torremolinos, o mafioso que não confiava nos filhos para quem deixaria a herança, arrancou
muitas gargalhadas do público. Caduco, insano, divertidíssimo. Foi um brinde a todos que não
conheceram Cassiano como ator antes. O “mago das novelas das sete” nos divertia, atuando. Logo o
faria novamente, com “O Mapa da Mina”, só que voltando a ser autor.

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Alô, Doçura!
Cassiano já havia experimentado de tudo na televisão, mas havia um formato, em especial, que ainda
não tinha tirado do papel. Era o americano sitcom, a “comédia de situações”, o seriado. De seu pai
havia escrito algumas coisas, transformando do rádio já para o formato televisivo, seu programa
“Encontro das Cinco e Meia”, cujo casal principal em seus últimos tempos no rádio chegou a ser o
próprio Cassiano e sua namorada Helenita. Foi então que, em 1953, Cassiano resolveu aproveitar
aqueles primeiros scripts e dar vida ao seriado. Vem dele a origem do histórico “Alô, Doçura!”.

Só que esse seriado teve uma fase embrionária, pouco conhecida pela maioria. O primeiro formato
adotado foi “Somos Dois”, levado ao ar pela TV Tupi, no horário das 12h10. Começou em 25 de março
de 1953, tendo como casal principal Jorge Dória e Cachita Oni (Cathy Stuart). Eram os dilemas e
situações cotidianas de um jovem casal recém-casado, que a cada novo capítulo vivia uma história
completamente diferente da outra. O elenco do casal era fixo, mas sempre se uniam a ele novos
personagens e situações (sendo poucos atores em cena). Posteriormente o casal mudou para os atores
Luis Gustavo e Celeste Irene. A direção de TV era de Cassiano Gabus Mendes, com a adaptação de sua
irmã Maria Edith, que conhecia bem os textos do “Encontro das Cinco e Meia”. Ela relembra101:

- Estava faltando à programação da tarde na TV um programa romântico. Cassiano me convidou para


escrever o “Somos Dois”. O programa suscitou muita polêmica. A censura não gostou. Achava que era
muito amor e muito beijo para o horário. Mesmo assim ele foi líder de audiência. – por isso o “Somos
Dois” foi para às terças e sábados, 18h30.

Maria Edith era uma ótima redatora e acompanhou também Cassiano nos novos formatos. Passou a
fazer também textos originais para o seriado, assim como o próprio Cassiano. Ela ajudava o pai e
depois continuou com o irmão. Além do seriado, Edith redigiu também para outros programas, como
“Mundo Feminino” (com Elizabeth Darcy, onde começou – apresentando a agenda e notícias do dia - o
jovem Ricardo Amaral, que se transformou no futuro empresário da noite, dono de bares, boates e
clube norturnos), “Revista Feminina” (com Maria Thereza Gregori) e “Garota Soquete”. Depois se casou
com o publicitário Ricardo Artner, em 1957, e logo resolveu se afastar do rádio e da TV para cuidar da
família. Foi junto com Cassiano os redatores do “Alô, Doçura!”.

101
“Octávio Gabus Mendes: do Rádio à Televisão” (Edith Gabus Mendes, Ed. Lua Nova, 1988).

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Antes ainda de ter essa denominação, aquele formato de seriado ainda teve o nome de “Namorados de
São Paulo” (com textos de Túlio de Lemos), “estreando” em 23 de março de 1954, às terças-feiras, 23
horas, com os atores Mário Sérgio e Marisa Prado, numa tentativa de aproximar a televisão do cinema,
ao contratar os dois atores da Companhia Vera Cruz. Só que não deu certo com aquele casal, pois
Marisa Prado ficou pouco tempo. Aproveitando a permanência de Mário Sérgio, no elenco da TV Tupi,
Cassiano resolveu então mudar a atração para às terças e quintas, 20h10. A jovem Eva Wilma acabou
por fazer par com Mário Sérgio e a partir de 17 de agosto daquele ano, a atração recebeu o nome de
“Alô, Doçura!”.

O seriado se tornou um sucesso absoluto. Dez meses se passaram e Mário Sérgio recebeu um convite
para ir à Europa. John Herbert, namorado de “Vivinha” assumiu o papel masculino do casal e o sucesso
foi maior ainda. Além dos textos, Gabus Mendes fazia sempre a direção de TV. John Herbert conta102
sobre essa fase:

- A carreira correu rapidamente. Estávamos começando, mas à toda. Nós nos casamos em 1955, na
Igreja Nossa Senhora do Carmo. O “Alô, Doçura!” era tanto sucesso, que nem nossos convidados, nem
nossas famílias conseguiram entrar na igreja. Não estou querendo ser mascarado, absolutamente não.
É que o texto do Cassiano era muito bom e nós nos entrosávamos muito bem. O programa era muito
gostoso. E o sucesso era total. – John ainda complementa103 - Fazendo um balanço da história da
nossa televisão, acho que nunca se fez justiça ao Cassiano Gabus Mendes. Foi ele quem criou essa
grade de programação de TV, que todas as emissoras seguem hoje.

Eva Wilma também relembra seu tempo de “Alô, Doçura!”, mas comenta que sua ligação com o seriado
é bem anterior à produção:

- Quando não existia a televisão ainda, eu chegava da escola e vinha correndo pra não perder o
“Encontro das Cinco e Meia” no rádio, criação do Octávio Gabus Mendes. Eu fazia a lição de casa
escutando o programa. Vejam só, depois de muitos anos eu fiquei sabendo que foi o que deu origem ao
“Alô, Doçura!”. Eu adorava o humor! Bem, todo mundo que viu os dez anos de “Alô, Doçura!” jamais
esquece a qualidade do texto, da interpretação também e da direção principalmente. Cassiano foi meu
grande mestre, e por que é que eu te digo isso? Eu fui chamada por ele, estava no TBC, no Nick Bar e o
Renato Consorte chegou lá: “Olha, o diretor da televisão diz que precisa falar com você. Ele está
precisando de você”. Fui lá com meu pai, ele explicou e aí eu comecei a trabalhar na televisão sob o
comando dele. Até naquele ano foi o Mário Sergio, um ator de cinema, que começou o programa
comigo . No início, “Namorados de São Paulo” e depois mudou para “Alô, Doçura!”. Outra coisa que eu
adorava é porque era a história entre um homem e uma mulher em situações diferentes, quaisquer

102
Depoimento de John Herbert à Pró-TV.
103
“John Herbert: Um Gentleman no Palco e na Vida” (Neusa Barbosa, Imprensa Oficial, 2004).

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mulheres e quaisquer homens que se encontram em quaisquer situações. Depois o John entrou no
lugar do Mário Sergio, logo no fim do primeiro ano. O Mário Sergio fez uma viagem pelo mundo. John já
era meu namorado entrou e aí o público começou a sintonizar porque era um casal de verdade. No
programa nós éramos sempre personagens diferentes, e essa qualidade do texto que vinha do Octávio
Gabus Mendes, pai, e do Cassiano Gabus Mendes, meu mestre. Era TV ao vivo, e a gente ensaiava de
tarde e no ensaio ele dava os tempos de comédia, a marcação. Ele era um grande diretor. Ele
entendeu o humor do texto do “Encontro das Cinco e Meia” divinamente. Eu acho que é uma coisa até
genética, mas principalmente talento. Como diretor de TV ele era minucioso, talentoso, agradável, bem
humorado e exigente – isso me agradava, porque eu saí da carreira de bailarina clássica, onde a
disciplina é vital. Vital no trabalho, em tudo na vida. Gostava muito desse entrosamento artístico. Ele
era muito querido, muito amável. Ah! Outro talento é seu cunhado, o Tatá, Luis Gustavo, que entrou no
“Alô, Doçura!” um tempo e se destacou. Tem um humor muito precioso, muito refinado. Aliás, Cassio e
o Tato são a continuidade do talento. Cada um com a sua devida personalidade, naturalmente, mas no
talento têm o Cassiano dentro de cada um, sem dúvida nenhuma. – Por falar nos filhos, o ator Tato
Gabus Mendes conta uma curiosidade do “Alô, Doçura!”:

- Eu acabei fazendo dois episódios. Eu fiz o filho deles duas vezes. Eu me lembro de uma cena que tinha
uma cenografia assim bem simples, simulando um muro, e eu jogava o sorvete por cima dele. Não
lembro se essa cena fiz com Vivinha ou com o John. No estúdio, em frente às câmeras, acho que foi
minha primeira vez. Eu devia ter uns sete ou oito anos, por aí. Eu tinha umas falinhas ali. Foi muito
emocionante, ao vivo.

O seriado “Alô, Doçura!” ficou no ar até 1964. Mas John e Eva, o “casal doçura”, como carinhosamente
foram apelidados, ainda fizeram outros papéis juntos na Tupi. Em “Prelude a Dois” (1957), “A de Amor”
(1967) e “Confissões de Penélope” (1969). A amizade dos dois, com Cassiano Gabus Mendes, foi até o
fim. Fizeram ainda muitos trabalhos juntos, até mesmo em suas novelas na Globo. John e Eva nunca
deixaram de lembrar o nome de Gabus Mendes e sua importância. Uma admiração eterna e recíproca.
Anos depois, o “Alô, Doçura!” ainda retornou ao ar, às 19 horas, de 05 de novembro de 1990, no SBT.
O canal adquiriu de Cassiano os 400 scripts originais. Eles foram modernizados por Gugu Keller, com
direção de Paulo Trevisan. Virgínia Nowicki e César Filho fizeram o casal, mas o seriado não teve o
mesmo êxito.

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O múltiplo

Cassiano Gabus Mendes era um diretor artístico, que estava de olho em tudo. Não é por acaso que a
maioria dos gêneros televisivos nasceu por influência de seu trabalho. Em algum momento estava ele
lá, seja criando ou senão avialiando a ideia de colegas, aprovando, para que tudo acontecesse. Sem
dúvida nenhuma, nos primeiros dois anos, temos que dar crédito também àquele que foi seu chefe,
Dermival Costa Lima. Só em 1955 o “Chefe” voltou à televisão, pela TV Paulista, mas nesse hiato entre
1952 e 1955, Cassiano criou, criou, criou... Era um talento múltiplo. A partir de agora conheça uma
amostra do que ele fez em outros setores e gêneros, porque se fossemos colocar no papel todas as
suas realizações, um livro se tornaria uma enciclopédia, sem exageros. Vai aqui uma amostragem de
seu trabalho para que possamos depois citar outros casos históricos que marcaram sua trajetória na
comunicação brasileira.

Mas antes, ouçamos104 dele o que era ser diretor artístico da televisão:

- Olha, pra mim todo mundo gosta do poder, né? Exato. Mas naquela época eu tinha 23, 22 anos, eu
realmente não pensava nisso não. Não significava nada ser diretor artístico. Apenas a facilidade que
eu tinha pra fazer aquilo que eu queria. Ou então eu pedia aos outros que fizessem aquilo que eu tava
de olho. Ser diretor artístico era só a vantagem de poder determinar e botar no ar o que eu quisesse, o
que eu achava que seria bom pra gente começar a aprender a coisa.

Foi graças a esse seu jeito humilde e seu grande espírito de equipe, que Cassiano conseguiu unir
pessoas e voluntariamente incentivá-las a trabalhar para ele, sem que medissem esforços para ajudá-
lo. Vejam abaixo um pouco do resultado de sua multiplicidade.

No ano de 1956, ele e o diretor comercial Fernando Severino chegaram à conclusão de que o horário
vespertino poderia ser dedicado às mulheres, um público cativo e que naquela época estavam bem
presentes em casa. Isso aumentaria a receita publicitária do canal, atraindo como patrocinadores as
lojas de roupas, comida, artesanato, cosméticos e saúde. Foi daí que surgiu a ideia de criarem o
“Revista Feminina”, cujo formato até hoje serve de base para os programas femininos. Após saberem
da montagem do Teatro de Alumínio, em plena Praça da Bandeira, Cassiano e Severino foram atrás de
seus criadores. Foi lá que conheceram Abelardo Figueiredo, que veio a integrar o time de produtores da
TV Tupi e a atriz Nicette Bruno. Abelardo acabou assumindo a direção do “Revista Feminina”, enquando
no estúdio o diretor passou a ser o jovem Antunes Filho. Abelardo colocou suas secretárias Maria
Thereza Gregori, Marlene Mariano e até sua esposa Laurinda para fazer os quadros do programa. A

104
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes ( “40 Anos de TV”, TV Cultura, 1990).

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primeira se destacou, tornando-se em breve a apresentadora principal do programa. Maria Thereza se


notabilizou pelo programa, levando-o ao ar por 23 anos, nas TVs Tupi (por treze anos), Bandeirantes e
Gazeta. Nesse programa, após uma breve passagem pela TV Santos (subestação da TV Paulista na
Baixada Santista) destacou-se a culinarista Ofélia Anunciatto. Gregori depois passou a dirigir o
programa, quando Abelardo se concentrou na produção de show musicais. Wilson Simonal, Mário
Albanese e outros cantores apareceram a primeira vez na televisão ali. Relacionado a isso, com
gargalhadas, Maria Thereza Gregori conta105 de algo que aconteceu em seu programa:

- Um dia chegaram para mim e disseram: “Aquele mocinho ali quer cantar na Revista Feminina. Parece
que canta direitinho”. Olhei para o rapaz e disse para minha assistente: “Fala pra ele cortar um pouco
os cabelos e se ajeitar um pouco melhor, e aí eu deixo ele cantar”. Sabe quem era ele? Roberto Carlos!
Viram que fora tão grande eu dei? Espero que ele não tenha ficado zangado comigo. E, se ficou, peço
perdão atrasado, mas sincero, bem sincero.

Dar esse apoio à música não era por acaso. A TV Tupi contava, além dos estúdios, com o apoio do maior
auditório do Brasil, o da Cidade do Rádio. Espaço que também servia às radios Tupi e Difusora, sendo
que muitas vezes eram realizadas transmissões conjuntas – entre as rádios e a televisão. Por conta
disso, a PRF-3 TV precisava aproveitar essa fama que as Emissoras Associadas já possuíam com os
programas de auditório. Foi contando com o apoio de colegas como Túlio de Lemos e Aurélio Campos
que Cassiano aprovou a ideia do primeiro game-show de nossa televisão: “O Céu é o Limite”, no ar a
partir de 1955 (inspirado no americano “The $ 64,000 Questions”). Aquele programa de perguntas e
respostas se tornou o primeiro de maior audiência (e popularidade) da TV brasileira. Os candidatos eram
sabatinados, respondendo tudo sobre um mesmo tema. Poderia parecer fácil, mas as perguntas eram
bem precisas, com grande profundidade, o que só os grandes conhecedores poderiam responder.
Ribeiro Filho era o produtor e coordenador, Túlio escrevia as perguntas e Aurélio virou o apresentador. O
sucesso foi tão grande que a TV Tupi do Rio de Janeiro fez sua versão anos depois, com Jota Silvestre.
Quando alguém acertava uma resposta, Aurélio dizia: “Absolutamente certo!” – tal frase ficou tão
conhecida, que virou nome do filme, de 1957, da Companhia Vera Cruz (que era totalmente inspirado
na atração, com Anselmo Duarte como o candidato). O primeiro ídolo popular da televisão foi a
candidata Cristiane Mendes Caldeira, que respondeu tudo sobre Marcel Proust em “O Céu é o Limite”.
Quando chegou o videoteipe e a TV Tupi passou a unificar programas com sua co-irmã carioca, Jota
Silvestre assumiu a atração e até falecer deu continuidade ao formato do programa, em diversas
emissoras.

Naquela época os grandes comunicadores eram chamados de “mestres de cerimônia”, apresentando


as atrações vestidos de gala. Aurélio Campos, Homero Silva (“Clube dos Artistas” e “Melhores da
Semana”), Cláudio de Luna (“Concertos Matinais Mercedes-Benz”, “Grandes Espetáculos União” e

105
Depoimento de Maria Thereza Gregori à Pró-TV.

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“Atrações Pirani”), Alfredo Nagib (“Caravana da Alegria” e “Matutino Tupi”), Júlio Nagib (“Clube dos
Artistas”), Heitor de Andrade (“Clube dos Artistas”, “Melhores da Semana” e “Sabatinas Maizena”),
Walter Forster, Jota Silvestre (“A Voz de Ouro ABC” e “O Céu é o Limite”), Amilton Fernandes (“Troféu
Tupiniquim”), Márcia Real (“Clube dos Artistas” e “Melhores da Semana”), César Monteclaro (“Programa
Lorenzo Madrid”), Airton Rodrigues e Lolita Rodrigues (“Almoço com as Estrelas” e “Clube dos Artistas”),
Ribeiro Filho (“Filho de Peixe” e “Novos em Foco”), Lima Duarte (em “Lima Duarte Show”, escrito e
produzido por Gabus Mendes) e tantos outros.

Dos programas já citados acima, existiram dois de muito sucesso e longevidade na TV Tupi, que viraram
marcas registradas do canal: “Clube dos Artistas” e “Almoço com as Estrelas”.

O “Clube dos Artistas” surgiu em 1953, da ideia de Júlio Nagib, seu primeiro apresentador. Ele queria
fazer uma espécie de um clube onde os artistas se encontravam. Um espaço para mesas redondas,
outro para apresentações musicais. Ele ia de mesa em mesa, ao lado de Márcia Real, conversando com
os artistas das Associadas. Airton Rodrigues, crítico de TV, gostou da ideia e o apoiou. A direção de TV
era de Walter Tasca, que já havia deixado de ser camera. Então Júlio e Airton foram até Cassiano Gabus
Mendes que deu aval para realização do programa. Foi um sucesso, sendo que depois Nagib concluiu
que Homero Silva seria melhor apresentador ao lado de Márcia Real. Ela ficou por dez anos
apresentando o “Clube”, sendo depois substituída na apresentação por outros talentos como Cacilda
Lanuza e Vida Alves. Homero Silva também, sendo substituído por Heitor de Andrade. O rodízio
continuou até que o próprio Airton Rodrigues assumiu a apresentação, tendo a seu lado sua esposa na
vida real, Lolita Rodrigues. Enquanto a TV Tupi existiu estiveram à frente da atração, por 25 anos.

Já o “Almoço com as Estrelas” partiu da ideia de um chileno, Lorenzo Madrid, que no Brasil fez sucesso
como autor de peças teatrais. Conversando com Airton Rodrigues criaram o programa e foram
apresentá-lo a Cassiano Gabus Mendes, que ao ver o projeto se espantou:

- Mostrar gente comendo diante das câmeras? Que loucura! – então Lorenzo Madrid disse que ia
comprar o horário, se responsabilizando pelo sucesso ou fracasso da atração. Cassiano acabou dando o
sim, mesmo achando anti-estético para televisão aquela proposta. Percebeu aos poucos que num
primeiro momento era estranho, passou a agradar o público, atraindo também a atenção de
personalidades de destaques que queriam participar da atração. Sempre aos sábados, às 13 horas, o
“Almoço com as Estrelas” começou em 1956, com apresentação de Jota Silvestre. O formato foi
adotado também na TV Tupi do Rio de Janeiro, com Aerton Perlingeiro no comando. Em São Paulo,
posteriormente, Airton Rodrigues também assumiu a atração e junto com Lolita Rodrigues fizeram a
dobradinha do “Clube dos Artistas” e “Almoço com as Estrelas”. Por conta do videoteipe e da Rede Tupi,
passaram a apresentar para todo país os dois programas. Isso também aconteceu até a falência da
emissora (“Almoço com as Estrelas” ficou no ar por 30 anos, indo ao ar também pelo SBT, após o final
da Tupi). O diretor de TV do programa foi Tito Bianchini e logo consagrou-se na direção dos dois

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programas Magno Salerno.

Lembrando de Salerno é preciso ressaltar que ele foi também um dos principais produtores musicais da
TV Tupi. A área musical da emissora era uma das mais favoritas, afinal foi também produtor musical
Cassiano Gabus Mendes. Ele era apaixonado por música, assim como seu pai Octávio. Ele
supervisionava e fazia a direção de TV do “Antarctica no Mundo dos Sons”, que também foi produzido
pelo Túlio de Lemos. No programa, Cassiano deixava o Maestro Georges Henry e toda a Orquestra Tupi
livres para criar. Apenas por alguns anos o Maestro esteve fora da Tupi, morando na Europa, como ele
conta106:

- Durante esses anos eu estava sempre em contato com o Edmundo Monteiro, o Armando de Oliveira,
mas sobretudo com o Cassiano. Eu me dava muitíssimo bem com o Cassiano, aliás, ele adorava música
e entendia muito. Então a gente se dava muito bem e se escrevia. Ele sempre me dizia: “Olha, quando
você volta, quando você volta? A tua cadeira está aí aguardando você”. E me dava muito ânimo. Eu era
muito feliz em voltar ao Brasil e voltei, então, já para a Tupi. Foi em 1961. Mas a Tupi não era mais a
mesma coisa. Assis Chateaubriand estava doentíssimo, estava paralisado. Havia uma terrível tensão do
Edmundo, que era da Tupi de São Paulo e o Calmon, que era da Tupi do resto do Brasil. E nessa tensão,
no meio dessa coisa, o Cassiano.

Muitos outros também foram os produtores musicais importantes da TV Tupi, como Theóphilo de Barros
Filho (também diretor-geral, que promoveu os “Concertos Matinais”, transmitidos direto do Teatro
Municipal), Abelardo Figueiredo (que criou também o “Música e Fantasia”, produziu “Spotlight” e
“Grande Gala Sudan”), Júlio Nagib, Ribeiro Filho e Fernando Faro. A Tupi realizou também o “Festival
Universitário”, “Festival de Carnaval”, “Festival de Viola”, “Feira da Música Popular Brasileira”, “Desfile
de Melodias”, “Grandes Momentos Líricos”, “Música Sempre Música” e outros vários musicais, com
direito a grandes maestros, orquestras e corpo de baile. Sem esquecer também que a TV Tupi abriu
espaço para as operetas, a partir de 1952, com Pedro Celestino, Tercina Sarraceni, Tânia Amaral,
Arnaldo Pescuma, Nelson Novaes, Astrogildo Filho, João Restiffe e tantos outros que contavam belas
histórias musicadas. A primeira delas foi “A Viúva Alegre”, em 1952 (tendo antes sido encenado “Otelo”
no mesmo formato, que comprovou a viabilidade das operetas na TV). Na música também trouxeram
artistas internacionais ao Brasil, que se apresentaram na Tupi como Dizzie Gillespie, Marlene Dietrich,
Lena Horne, Amália Rodrigues e muitos outros.

Não são apenas programas de auditório e musicais que garantem grande público e audiência. Cassiano
apostou também em um programas de entrevistas como “Vida… Convida”, com Vida Alves (de grande
audiência) e “Pinga Fogo”, cujas perguntas eram tão afiadas que diziam que “pingavam fogo”. Este
começou em 1961, sob a coordenação e mediação de Aurélio Campos. Sempre um entrevistado era

106
Depoimento de Georges Henry à Pró-TV.

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sabatinado por ele e por uma série de jornalistas, como Almir Guimarães (que depois tornou-se o
mediador do programa), José Carlos de Moraes (Tico-Tico), Carlos Spera, Maurício Loureiro Gama,
Joaquim Pinto Nazário e Armando Figueiredo. Os assuntos eram quase sempre ligados à política e
economia nacional. A atração começava por volta da meia noite e se estendia, muitas vezes até altas
horas da madrugada. O programa era uma prova de confiança de Gabus Mendes em seu time de
profissionais. Eram assuntos delicados, principalmente depois de 1964, quando os militares assumiram
o poder brasileiro. O “Pinga Fogo” inovou também ao permitir que os telespectadores pudessem
participar mandando perguntas pelo telefone, que era atendido no estúdio. Em 1968, quando foi
promulgado o Ato Institucional nº 5, o “Pinga Fogo” e a TV Tupi ficaram sob a mira da Censura Federal.
Após isso, aquele que era um programa de denúncia, de interferência política, precisou se remodelar.
Ainda assim, a visão jornalística foi mantida e grandes entrevistas aconteceram, como a histórica
entrevista com o médium Chico Xavier, sendo que o programa se manteve no ar até o final da TV Tupi.
Sobre as maiores audiências do “Pinga Fogo”, comenta107 um dos jornalistas participantes, o repórter
Saulo Gomes:

- O “Pinga Fogo” era o maior programa de entrevista da televisão. Programa por onde passaram todos
os grandes políticos. Eu tive a alegria de trazer um místico, que era um desafio, para o “Pinga Fogo”:
Chico Xavier. Ele registrou a maior audiência da história da televisão brasileira, no dia 20 de dezembro
de 1971. Um ano depois ele voltou ao “Pinga Fogo. E a segunda audiência que nós tivemos na Tupi, foi
quando eu consegui convencer a direção da Associada pra fazer um grande debate, que ocorreu no dia
08 de março de 1967, às 21 horas, entre o Coronel Fontenelle e Conceição da Costa Neves. Fontenele,
veio organizar o Serviço de Trânsito do Rio de Janeiro para São Paulo, para o Governador Abreu Sodré,
que foi uma crise muito grande e que culminou com a morte dele em julho daquele mesmo ano. – Saulo
se refere ao enfarte fulminante do Coronel Américo Fontenelle, no ar, após uma decisão acalorada
sobre sua demissão do Governo de São Paulo, no programa “Roleta Russa” (TV Paulista), que rivalizava
com o “Pinga Fogo”. Grande polêmica foi gerada na época.

Por falar em madrugadas, falemos de alguém que é referência em programas para essa faixa de
horário. Goulart de Andrade, que depois se tornou muito amigo de Cassiano Gabus Mendes, foi na TV
Tupi que garantiu seu espaço definitivamente na área. No Rio de Janeiro, passou rapidamente pelas TV
Rio e TV Continental, mas tudo mudou quando veio para capital paulista. Conta108 Goulart:

- Cassiano Gabus Mendes acreditou em mim quando eu cheguei aqui. Eu tinha um amigo, o Luís Carlos
Miele. Era a única pessoa que eu conhecia mais ou menos bem, aqui em São Paulo. Foi quando ele me
apresentou o Walter Arruda, que tinha um programa de música, na Tupi, chamado "Três Leões

107
Depoimento de Saulo Gomes à Pró-TV.
108
Depoimento de Goulart de Andrade à Pró-TV.

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Apresenta o Cartaz". Aí eu fui fazer uma dobradinha com o Walter e acabei depois produzindo o
programa sozinho. Cassiano dirigia a Tupi, aí fiz depois muitos programas, como “Grandes Atrações
Pirani” e “Sumaré 22 Horas”, esse por dez anos. A gente fazia reportagens no estúdio. Foi líder de
audiência e me garantiu um prestígio como jornalista. Me lembro muito bem que o Henrique Martins
era o narrador, fazia a voz “over”. Chamava muito a atenção, aquele clima, suspense, aquela voz do
alemão, forte. A gente fazia uma inquisição com políticos. Enfim, um programa que marcou minha
carreira e minha vida.

Só que dentre todos os gêneros, a dramaturgia sempre teve um carinho especial por parte de Cassiano
Gabus Mendes. Tanto que além de diretor artístico e diretor de TV, ele também produziu e criou
diversos programas (muitos aqui já citados). A TV Tupi abriu também outros horários para o gênero
como “Biblioteca do Brasil” (1953); “Teatro Retrospectivo” (1954); “Teatro Invictus” (1957); “Teatro de
Romance” (1957), que adaptava peças do programa cubano “Histórias de Amor”, produzidas por Vida
Alves e Clenira Michel; “Contos Brasileiros”, com adaptações de textos nacionais, num rodízio de
praticamente todos os produtores da TV Tupi (Túlio de Lemos, Dionísio Azevedo, Vida Alves, Péricles
Leal, Ribeiro Filho, Flora Geny); “TV Teatro” (1958), produzido pelo próprio Gabus Mendes até 1959,
com adaptações de textos da TV norte-americana realizadas por Dionísio Azevedo, Syllas Roberg, Walter
George Durst; “Grande Heróis” (1959), produção e direção de TV de Antonino Seabra, com a história
dos grandes heróis da história do Brasil; “Teatro Vovó Mocinha” (1959); “Teleteatro” (1959),
transmitido dentro do programa “Revista Feminina; “Lar Doce Lar Teperman” (1959); e “Teatro Allegro”
(1968, uma iniciativa, não duradoura de retornar com o formato do “TV de Comédia”) – estreou com “A
Pequena Cabana”, peça de André Roussin, com Sérgio Cardoso, Marília Pêra e Maurício Nabuco”; “Os
Maiores Contos do Vigário”, produzido por Benjamin Cattan; “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”
(1968), teleteatro de terror com o personagem famoso de José Mojica Marins... e muitos outros.

Criaram seriados como “O Pequeno Mundo de Dom Camilo” (1955), de Túlio de Lemos, com Otelo
Zeloni e Heitor de Andrade”; “A Sogra Que Deus Me Deu” (1955), de Ribeiro Filho, com Vida Alves e
Maria Vidal; “O Legionário Invencível” (1955), de Péricles Leal; “Pollyana”(1957), de Túlio de Lemos,
dirigido por Cassiano Gabus Mendes, como Sonia Maria Dorce; “Olindo Topa Tudo” (1957), com Walter
Stuart; “Lever no Espaço” (1957), a primeira de ficção-científica; “Os Grande Amores”, de Péricles Leal;
“Não Posso Ver Mulher” (1960), produzida por Durst, com Luis Gustavo atuando; “Os Grandes
Condenados Fora das Grades” (1961), escrito, produzido e apresentado por Túlio de Lemos; “Os Três
Mosqueteiros”, original de Alexandre Dumas, adaptado por Jota Silvestre; “Marcelino, Pão e Vinho”
(1958); “Histórias Que Ninguém Esquece” (1962); “Interlúdio” (1963), comédia musical com os
cantores Dóris Monteiro e Agnaldo Rayol; “Os Anjos Não Têm Cor”, de Ribeiro Filho, mostrando às
crianças a importância da igualdade racial.

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Tinham ainda programas de formatos incríveis como “Aponte o Culpado” (1958) – similar ao antigo “O
X do Problema” -, supervisão da Colgate-Palmolive, produzido por Walter George Durst – tendo início
com a peça “Ciúmes, Dinheiro e Futebol”, focalizando um crime que ocorre no jogo entre Brasil e
Suécia, deixando os telespectadores presos até o final (eles podiam interagir ligando para TV e caso
acertassem o culpado concorriam a prêmios); “Grandes Erros Judiciários” (1959), produzido por Túlio
de Lemos e Walter George Durst, reconstituindo erros da Justiça em forma de teleteatro; e o “Tribunal
do Coração” (1952) – o primeiro programa interativo da televisão brasileira. Nele, Vida Alves, que era
recém-formada na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), uniu o que aprendeu lá com
sua experiência artística. Conta109 ela:

- Lancei o programa: ‘Tribunal do Coração’, somando meus conhecimentos. Um júri popular, com a
presença de jurados escolhidos entre o público, advogados, o réu e o juiz, um ator com dois finais:
Culpado ou Inocente. Uma ‘pena’, ou um elogio. Sucesso! O programa ficou muitos anos no ar. - era um
verdadeiro programa interativo. Os jurados eram espectadores. Já os advogados do programa eram
muitas vezes formados em Direito. Uma curiosidade: foi nesse programa que a atriz Laura Cardoso (que
fazia só rádio) fez sua primeira aparição na TV, em 1952, como ela nos conta:

- Eu não fiz as primeiras coisas de televisão. Eu passava pelo Cassiano no corredor e pedia: “Vai,
Cassiano, me escala. Deixa eu fazer alguma coisa pra perceber se sei”. Pedia que nem uma
desesperada e um dia eu fiz meu primeiro papel na televisão no “Tribunal do Coração”, da Vida Alves.
Era muito bem feito também, a Vida escrevia muito bem. Daí pra frente eu fui sendo escalada.

“Tribunal do Coração” começou no rádio, mas logo foi para a TV Tupi. Foi criado a partir de sugestão do
diretor artístico Theóphilo de Barros Filho (que também era advogado). Vida Alves escrevia o roteiro, a
partir de histórias reais, enviadas por espectadores por carta. Ela selecionava as melhores e as
adaptava, para primeira metade do programa. Já na segunda metade, acontecia o julgamento, lido ao
final o veredicto pelo juiz (Dionísio Azevedo era do elenco fixo). Se na sentença final do programa desse
“Culpado”, como penalidade, o réu deveria tomar uma atitute positiva, fazer uma caridade ou pedir
perdão. Se desse “Inocente”, receberia elogios e servia de exemplo, através do rádio e da televisão. Foi
considerada uma das maiores audiências no ano de 1954, devido a seu formato inovador. E ficou sete
anos no ar, apenas com uma interrupção de seis meses entre a fase inicial e a posterior.

Cassiano Gabus Mendes em conjunto com Fernando Severino, com apoio da AESP (Associação das
Emissoras de São Paulo) resolveram negociar com as outras emissoras, na obtenção de um único
patrocinador, para bancar programas em pool. Assim foram transmitidos simultaneamente nas TVs Tupi
e Record programas como “Use a Cabeça”, a partir de 01º de setembro de 1955 (o primeiro pool de
emissoras do país – cada semana a produção ficava a cargo de um dos canais); a Corrida de São

109
Entrevista de Vida Alves (“Jornal Folha Dobrada”, 2008).

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Silvestre, em 1957, transmitida pela TV Tupi, Paulista (dirigida por Dermival Costa Lima) e Record
(dirigida por Paulinho Machado de Carvalho), que apoiaram a transmissão. Também fizeram um
programa múltiplo, em 1958: o show de variedades “Philco em 3 Dimensões” (cada parte da
transmissão foi realizada por uma delas, patrocinados pela Philco).

Gabus Mendes ficava de olho em tudo. No mercado televisivo, tanto o paulistano, como de todo país.
Volta e meia colocava “olheiros” para acharem novos talentos. Em 1964, Lima Duarte foi um deles.
Cassiano pediu que ele ficasse 15 dias no Ceará, assistindo televisão para achar novos talentos. Ele
achava que assim como Chico Anysio, outros talentos poderiam surgir ali da região. Lima assistiu a TV
Ceará (Emissoras Associadas) um tal de Renato Aragão. Ligou para Cassiano, que o autorizou a convidá-
lo a entrar na Tupi, já sob contrato. O futuro trapalhão “Didi” pensou, mas resolveu ir para o Rio de
Janeiro e lá assinou com a TV Tupi carioca, para fazer o “A-E-I-O-Urca”. Só anos depois, após a saída de
Cassiano, que puderam também vê-lo na Tupi paulista.

Uma das verdadeiras brigas de Gabus Mendes foi por conta do Ibope, quando os condôminos dos
Diários Associados começaram a exigir dele resultados, independente do conteúdo. Isso enfureceu
Cassiano, que acreditava que bons programas e uma boa análise da concorrência, faria com que
atingisse o esperado em audiência, daí sim atraindo faturamento. Considerava o resto como “audiência
barata”. Quando o obrigaram a corer atrás de resultados “baratos” ele começou a se desencantar com a
TV Tupi, porque a qualidade do conteúdo era o mais importante, sempre. Ainda assim, ele brincava:

- Esse negócio de pesquisa de audiência é espeto! A gente se distrai um pouco e pimba! Lá estamos em
primeiro lugar! – disse ele, em 1965, quando aprendeu a lidar com os dados. O Ibope já existia desde
1942, mas só em abril de 1954 é que ele começou a medir os índices da televisão, no seu “Boletim de
Assistência de Televisão em São Paulo” (“assistência” era o nome que se dava para audiência, sendo
que a TV Tupi liderava com folga na capital paulista). Antes disso a análise da aceitação do público a um
programa televisionado era medido através de cartas, telefonemas e, sim, muita intuição dos seus
programadores. Sem esquecer, que o rádio – que já tinha medição de audiência – servia como um bom
parâmetro para criação de programas de sucesso na televisão. Até o final da vida, Cassiano batalhou
por isso e fez sucesso realizando novelas que primavam por qualidade. Para ele, a audiência sempre
vinha como resultado de um bom conteúdo.

Cassiano sempre frizou a importância de seu time, que contava com profissionais de peso como Ribeiro
Filho, Túlio de Lemos, Syllas Roberg, Fernando Severino, Péricles Leal, Heitor de Andrade, Vida Alves,
Mário Fanucchi, Walter Forster, Aurélio Campos, Jota Silvestre, Walter George Durst, Benjamin Cattan,
Lima Duarte, Álvaro de Moya, Luiz Gallon, Cyro Bassini, Teixeira Filho, José Castellar, Júlio Nagib, Alberto
Leal, Isa Silveira Leal, Jorge Ribeiro (o “Cagliostro”), Regis Cardoso, Dionísio Azevedo, Dulce Santucci,
Ivani Ribeiro, Tânia Ramirez, Lúcia Lambertini e muitos, mas muitos outros, grandes profissionais.

Com o coração gigante que tinha, não mediu esforços para sensibilizar todos os profissionais da TV Tupi,

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para transmitir a primeira grande campanha beneficente da TV brasileira. Em 06 de abril de 1960, foi
formada uma grande cadeia encabeçada pelas Emissoras Associadas, mas transmitidas por todas as
TVs de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Na “Noite da Solidariedade” os artistas foram ao ar
para arrecadar fundos para as vítimas dos enchentes de Orós, no Ceará. Anos depois, em 13 de maio
de 1964, pouco depois do golpe militar, os Associados organizaram a campanha “Ouro Para o Bem do
Brasil” através de suas TVs, rádios e jornais, para angariar fundos para o país pagar sua dívida externa.
Várias outras emissoras também aderiram à campanha (mais tarde ela não foi vista com bons olhos,
com finalidades “políticas” para agradar a Ditadura). Metade da 1,2 milhão doados (que eram de metal
nobre) foram para o Banco Central do Brasil para saldar a dívida. Aliás, décadas antes do “Teleton” e do
“Criança Esperança” a TV Tupi também realizou campanhas. Sob direção de Gabus Mendes, em 1964,
uma voltada à crianças com necessidades especiais, e outra em 1965, junto da TV Cultura, para a
“Cruzada Pró-Infância”. A televisão ensinou o brasileiro a amamentar, a ter R.G., carteira profissional,
conhecer sua sociedade e a diminuir preconceitos. Muito se deve à TV Tupi.

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O interprograma

Não era apenas da programação que Cassiano Gabus Mendes precisava cuidar. Tinha que se
preocupar também com o intervalo comercial e as propagandas. Ou melhor, como se dizia na época, o
“interprograma” e os “reclames”. Para isso teve apoio de colegas como Fernando Severino e Mário
Fanucchi.

Fernando Severino, que era o diretor comercial da TV Tupi, tinha que rentabilizar o novo meio. É que
lembra110 como foi o início das propagandas na televisão:

- A Televisão Tupi, em São Paulo, foi montada, sobretudo, com o auxílio do Diário de São Paulo, que era
um jornal fortíssimo naquela época. E também contou com o auxílio de algumas firmas de São Paulo e
do Rio de Janeiro também. Sulamérica Capitalização e Seguros, Antarctica Paulista, Laminação
Nacional de Metais, do Pignatari, e o Moinho Santista. Essas firmas contribuíram também com
contratos de publicidade antecipados, válidos para todos os veículos dos Diários e Emissoras
Associados, de rádio e jornal e também para televisão. Mas eles usaram muito pouco em televisão.
Eles usaram, sobretudo, aqueles créditos adiantados, em jornais.

Ao mesmo tempo em que auxiliaram na montagem da televisão, ficava claro que as empresas queriam
um retorno de imediato. Então, de início, Severino, Costa Lima e Cassiano, perceberam que uma das
saídas era a exposição direta da marca do patrocinador. Então, enquanto a confiança não existia no
novo meio, eles começaram a dar nomes de anunciantes aos programas de televisão: “Telenotícias
Panair”, “Repórter Esso”, “Grandes Espetáculos União”, etc.

Severino começou a fazer a venda conjunta do programa com o anúncio no interprograma (subentende-
se “entre programas”). No “Repórter Esso”, por exemplo, vendeu para a agência McCann-Erickson a
marca do programa “casada” com a inserção de propagandas da gasolina Esso e os famosos filmes
com suas “gotinhas” sorridentes.

A criação de filmes em película, muitos com animações, deram um impulso na publicidade. A Lintas
Propaganda (da Gessy-Lever), a Sidney Ross, a McCann-Erickson, a Colgate-Palmolive, a Linx Filmes
foram atraídas pelo novo meio, junto com muitas outras. Só que foi um processo lento, como explica111
Dermival Costa Lima:

110
Depoimento de Fernando Severino (“TV Ano 60”, TV Brasil, 2010).
111
Depoimento de Dermival Costa Lima (“30 Anos de TV, TV Cultura e IDART).

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- Realmente, nos primeiros anos, as grandes agências não apoiaram a televisão. Quem primeiro
anunciou em televisão foi o comércio varejista. As primeiras verbas “de respeito” da TV só vieram muito
depois, com as transmissões de partidas de futebol. Geralmente, o sujeito vendia um minuto; às vezes,
eram três, quatro minutos, e cada comercial dava o trabalho de um programa. Era um negócio! Muitas
vezes, havia dez comerciais numa noite, ou mais. Era um batente extraordinário. O departamento de
comerciais ao vivo era um negócio da maior importância, uma estação dentro da outra, uma usina de
realizações. E ainda achavam ruim... De fato, era uma coisa primitiva, mas, de qualquer maneira, dava
o recado.

Como ele disse, produzir as propagandas em filme era algo demorado, mas elaborado. Então junto de
Cassiano e Severino começaram a pensar numa estratégia mais varejista e rápida. Eles criaram então
as “garotas-propaganda”, denominação dada pelo próprio Gabus Mendes. A primeira delas foi a
morena Rosa Maria, que apresentava o “reclame” da Marcel Modas, dentro do programa “A Bola do
Dia”. Ficou marcada por sua famosa frase: “Não é mesmo uma tentação?” Ela mostrava o produto, seu
uso e atraía os olhos dos clientes telespectadores. Rosa Maria então começou o batalhão de mulheres
lindas e carismáticas que impulsionaram a publicidade na TV. Profissionais como Nelly Reis, Marlene
Mariano, Ana Maria Neumann, Jane Batista, Irenita e Irinéia Duarte, Marlene Morel, Neide Alexandre,
Meire Nogueira, Elizabeth Darcy, Vininha de Moraes, Odete Lara, Vida Alves, a pequena Sonia Maria
Dorce, Sonia Greiss e outras várias faziam na TV Tupi 10 a 15 comerciais por dia. Virou a “Tentação do
Dia”. Ai se esquecessem algo! As “dálias” poderiam ajudar, Henrique Canalles soprando ao chão
também, mas se não desse jeito poderia comprometer a relação de um anunciante com a televisão.
Felizmente o nível de profissionalismo delas, que sabiam tudo de cor, evitava “saias justas”.

Só que o intervalo também precisava de chamadas, de vinhetas, entre um programa e outro. Isso não
existia. A televisão quando estava fora do ar, por exemplo, só exibia o patern da RCA, o famoso “índio
bravo” e vez por outra, o índio sizudo que era símbolo na Rádio Tupi. Foi aí que Cassiano Gabus
Mendes pediu para chamar Mário Fanucchi:

- Fanucchi, você é um grande desenhista e já é o chefe do departamento de arte daqui. Dá um jeito


nisso pra mim. O que você pode fazer?

Mário Fanucchi pensou em ideias, propôs várias a Cassiano e Costa Lima para dinamizar o intervalo. Ele
ainda pensou em mudar o logotipo da emissora e chegaram a conclusão que um indiozinho agradaria
mais o público, assim como os desenhos de Walt Disney tinham boa aceitação. Seria uma visão mais
doce, sorridente e amável. E deu certo. Ele e Armando de Sá começaram a fazer cartões de 8 x 11 cm,
os famosos GTs (porque eram projetados por um aparelho chamado “Graytellop”). Fanucchi convenceu
que o indiozinho era a melhor saída, porque a Tupi era uma emissora nova, recém-nascida, em sua
infância. Ao invés de um cocar, antenas de TV. O tupiniquim caiu nas graças do público.

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Luiz Gallon, que era auxiliar direto de Cassiano, falou com o chefe:

- Por que não promover um programa no outro? Isto é, fazer uma chamada para o próximo programa. –
assim foi criado o “Amanhã é dia de…”, que mais pra frente foi aperfeiçoado por Fanucchi sob o nome
de “Nossa Próxima Atração”, chamada que acabou sendo até patrocinada. Aos poucos, em todas as
chamadas, vinhetas e aberturas, o indiozinho fazia de tudo. Aparecia vestido de russo, para falar de
peça de Tchecov, jogando futebol para esporte, brincando para programas infantis. Foi o primeiro
mascote da televisão brasileira.

Só que a grande criação de Mário Fanucchi, com apoio do Maestro Erlon Chaves, foi a vinheta do “Já é
Hora de Dormir”. Justamente porque as crianças se apaixonaram pela televisão, foi preciso que a PRF-3
TV tivesse uma função educacional, convidando-as a dormir, antes que desse briga entre pais e filhos
telespectadores. Assim, pontualmente às 21 horas, o curumim aparecia deitado na rede e tocava a
música de Erlon:

- Já é hora de dormir. Não espere mamãe mandar. Um bom sono pra você. E um alegre despertar… -
uma década depois, Boni (que trabalhava com publicidade) reutilizaria a canção para propaganda dos
Cobertores Parahyba, também de grande sucesso.

Mário Fanucchi também lembra que naquela época foram muito além da tecnologia, usando a
interativade. Não era ter um GC (gerador de caracteres) para criar o chamado “telexto” (ou “texto na
tela”. Ele conta:

- Uma ideia vinha sendo discutida entre o Cassiano Gabus Mendes e o produtor Jorge Ribeiro: transmitir
texto para leitura direta no video. O problema era como preparar rapidamente esses textos e mandá-los
para o ar, sem o emprego de uma câmera. Cassiano e Jorge já tinham ideia do teor dos textos, que
deveriam ser leves como os de uma coluna de amenidades dos jornais, com toques de ironia e humor.
Jorge Ribeiro seria o autor, sob o pseudônimo de “Cagliostro”. O problema técnico foi resolvido com o
emprego de uma máquina de escrever com tipos gigantes, que imprimia o texto no papel de bobina
próprio para máquina de calcular. O papel, puxado por um servo-motor, deslizava via Graytellop, diante
da câmera de filme, e o texto podia ser lido enquanto se deslocava verticalmente no video. – detalhe
importante é que o teletexto de “Cagliostro” nasceu em 1951, da pura criatividade. Ele virou um dos
ídolos dos telespectadores que gostavam de lê-lo. Os que mais gostavam eram sãopaulinos, porque
durante os programas esportivos, Cagliostro enaltecia o time e quando não ia muito bem na partida,
dava desculpas pelo “mau desempenho”. Nem precisa dizer que Cassiano e Jorge Ribeiro (também
fanático pelo São Paulo Futebol Clube) estava por trás desse personagem tão presente nos programas
da Tupi. Quando Cagliostro tirou férias, surgiu outro personagem: “João Gutapercha”, feito por Fanucchi.

Era o início do videografismo na televisão brasileira, que depois foi aperfeiçoado na TV Tupi por nomes
como os cenógrafos Carlos Haraldo Sörensen e Cyro Del Nero – sem esquecer de Álvaro de Moya, nos

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letreiros iniciais do show “TV na Taba”.

Em todas essas ações, Cassiano Gabus Mendes estava presente. Tanto na programação, quanto nos
intervalos, mas sempre coordenando artisticamente.

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VI.
Entre a técnica
e o artístico

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O espírito de equipe

Uma coisa que não se pode ter dúvida é da ligação forte que Cassiano Gabus Mendes tinha com sua
equipe. Hoje, o chamado “Setor de Operações”, tinha nome de “Técnica”. Portanto, dos “técnicos” da
TV o grande capitão era Gabus Mendes. Isso era perceptível por todos, inclusive pelos artistas. É como
lembra a atriz Eva Wilma:

- Ele cortava, escrevia, dirigia e era diretor de imagem. Então a gente ouvia a voz dele assim: “Agora!
Vai, vai... Chega! Vai no close!” E depois que ouvia tudo isso a câmera fazia “pló-que-ti” e os câmeras
dançavam miudinho. Ele tinha uma linguagem maravilhosa com toda a técnica, entrosamento artístico
muito bom.

Agora como era esse ambiente? Como eram os bastidores da TV Tupi daquele tempo? Comecemos
então pelo estúdio. Existiam dois termos famosos na época: o “cobra” e o “minhoca”. O “cobra” era o
câmera 1, o principal, já o “minhoca”, era o câmera 2, o auxiliar, que segurava os cabos e apoiava o
câmera. Naquele tempo era muito usual dar o nome de “câmara” ao equipamento.

Foi Gabus Mendes que aos poucos, com os colegas, foi batizando as funções. Adaptou termos do radio,
outros do cinema, até que pegassem as novas denominações. Entre suas adaptações foi ele que criou e
introduziu na televisão as angulações até hoje chamadas de “plano” e “contra plano” – a possibilidade
de ver a mesma cena de ângulos opostos ou do olhar de um dos personagens, enxergando o inverso do
que antes era mostrado.

Existiam etapas na evolução dos técnicos. Inicialmente a maioria começava em funções ditas
“primárias”, como assistentes de telecinagem, iluminação ou cabos. Posteriormente passando a câmera
ou a funções principais dos setores. Para os câmeras, o grande sonho era atingir a direção de TV. Era
fascinante para quem tinha o comando de uma câmera poder cuidar e selecionar três ao mesmo tempo.

Não havia uma planilha para reuniões entre os técnicos, dias ou horários certos. Elas aconteciam à
beira do estúdio ou, no máximo, na sala de Cassiano. Muitos técnicos daquele tempo dizem até hoje:
“Era uma reunião de família”. Muitas orientações eram passadas durante o ensaio para que tudo saísse
redondo e perfeito. Em outros horários, Gabus Mendes observava alguma coisa – que precisava corrigir,
aperfeiçoar, notificar ou até elogiar – e logo ia chamando:

- Baixo, tem uma coisa errada aqui. Chama a cambada aí que eu quero conversar com eles. – e se
acertavam. Podiam até discutir alto ou saírem todos gargalhando, mas sempre mantendo aquele

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espírito bom. Cassiano tinha uma sensibilidade enorme para lidar com sua equipe e um grande
respeito. Antes de ser o diretor artístico, o diretor de TV, ele era um colega como os demais. Foi um
sentimento que felizmente virou marca dos chamados “tupiniquins”. Quando um técnico falecia ou
alguém próximo, sentiam como se tivesse morrido alguém da família. Se estivessem indo para outro
emissora, havia uma torcida para que fosse o melhor para o colega. Hoje esse sentimento felizmente
ainda sobrevive, não com a mesma intensidade, no setor.

Todo equipamento da TV Tupi era da marca RCA, mantendo o padrão do que foi trazido inicialmente por
Chateaubriand. Existiam na época dois switchers: A e B, além de uma mesa pequena de switcher dentro
do “telecruiser” - o caminhão de externas da emissora, que ficava parado na travessa ao lado da Cidade
do Rádio, para utilizá-lo em transmissões feitas no Auditório. O palco dele, aliás, era munido por duas
cabines: de um lado o controle de som (onde ficava o sonoplasta Salathiel Coelho, por exemplo) e do
outro a cabine de locutor (que foi utilizada principalmente por Homero Silva, o principal das Associadas).
Quem estava no palco-estúdio do Auditório, adaptado para televisão, visualizava as duas salas através
de vidros (até hoje chamados “aquários”). O switcher A ficava no final do corredor, defronte ao estúdio
A, na época o maior da América Latina. Quando você saía dele e ia para o corredor, virava a esquerda,
subia uma escadinha e estava no switcher B (também chamado de “controle”), adaptado à frente do
estúdio B.

Agora como era o ambiente de trabalho de Cassiano, diretor de TV? Era uma pequena “mesa de corte”
com 5 botões. Inicialmente eram utilizados os três primeiros para as câmeras 1, 2 e 3, o quarto não
tinha utilidade (era para uma possível câmera 4) e o quinto para entrada do telecine (quanto entrava o
intervalo, por exemplo, o diretor de TV apertava o botão e aparecia a imagem de um “GT” com o nome
do anunciante ou o indiozinho em “Nossa Próxima Atração”).

Toda comunicação entre o diretor de TV, no switcher, e os câmeras era feita através de “talkback”,
“intercom” ou intercomunicadores. Muitas vezes o som “vazava” para o estúdio, para que todos
pudessem ouvi-lo, senão Cassiano e os demais diretores de TV pediam pelo fone de ouvido (intercom),
do diretor de estúdio (ou dos câmeras), que repassasse algum recado para o elenco. O problema era
quando o estúdio inteiro ouvia aquela voz “do além” dando uma bronca! Tal recurso só era permitido
usar quando ia para o intervalo, porque senão o telespectador poderia ouvir, como até hoje se faz.

Para os comerciais era feito algo bem básico, justamente porque a maioria das câmeras tinha que estar
no estúdio principal. Por conta disso uma câmera focalizava a garota-propaganda e a segunda o
produto, permitindo que durante o “corte” de uma câmera para outra, a voz da anunciadora continuasse
dando sequência aos quadros.

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Em outros casos, como transmissões grandiosas, as câmeras eram colocadas de forma estratégica e os
técnicos tinham que fazer uma malabarismo. No “Antarctica no Mundo dos Sons” tinha uma câmera
pegando um coral, outra a orquestra no meio do palco (visto do alto) e a outra um plano geral do
auditório. Cassiano sabia a entrada exata dos músicos no programa, pelo seu conhecimento musical.
Quando não era ele “cortando”, tinha sempre um Maestro ao lado do diretor de TV acompanhando o
espetáculo com uma partitura.

Sobre planos, apenas dois eram mais utilizados. O close e o plano geral, adaptados do que Cassiano e
Durst conheciam do cinema. Naquele tempo, a câmera se aproximava lentamente e se afastava, uma
vez que a TV Tupi ainda não possuía a lente zoomar. Um dos primeiros a virar experiente no “zoom”
quando a PRF-3 TV adquiriu a lente, foi o então câmera Reynaldo Boury (futuro diretor de novelas). Já o
plano geral, o “PG”, era utilizado com bastante frequência, mas um dos que adoravam utilizá-lo era o
diretor de TV Luiz Gallon. Mas e outros planos, como o plano americano? Aos poucos foram ganhando
tal denominação, mas inicialmente era: “Fecha, fecha mais, um pouco menos que o joelho… Opa, abre,
afasta a câmera”.

Cassiano Gabus Mendes era exigente e passou esse grau de perfeccionismo para a equipe. Faziam
grandes milagres no estúdio. Um verdadeiro balé, chegando aos ponto de na sincronia um câmera
cruzar com o outro e na rapidez do diretor de TV, o telespectador nem perceber que aquela sequência
foi originada de uma câmera, que rapidamente passou diante da outra. Há quem ainda tem audácia de
dizer que são meros “apertadores de botão”, mas que na verdade fazem mágica sem que saibamos
com ela foi feita. Graças a dedos certos disparados nas horas certas. Os diretores de TV, naquela época
se consideravam também artistas, mesmo sendo ligados legalmente ao setor técnico.

O diretor de TV, Tito Bianchini, conta112 como era trabalhar na televisão:

- A televisão da época a gente era assim, tipo “astronáutico”. A televisão é um negócio fantástico. E
você era tido e havido como uma pessoa diferente das outras.

Já Luiz Gallon, também um dos mais respeitados diretores de TV, complementa113:


- Não havia videoteipe, era tudo ao vivo, feito na hora. Eu deixei de ser assistente de estúdio, chefe de
produção, para ser Diretor de TV. O Diretor de TV, até esta altura, era o Cassiano. O que é o Diretor de
TV? Era a pessoa que manuseava o domínio das três câmeras, que tinham ângulos diferentes: mais
perto, mais longe, num plano geral, close mais perto... Então o Diretor de TV, de acordo com o script, de
acordo com a importância da fala de cada um, ele pegava, põe no ar, comuta uma tecla, mais perto ou
mais longe. Ou quando tem algum movimento, o ângulo da câmera varia. Esse é o Diretor de TV. Ele, o

112
Depoimento de Tito Bianchini à Pró-TV.
113
Depoimento de Luiz Gallon à Pró-TV.

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Cassiano, “criou” esse título. E depois começaram, os diretores, os diretores de cena, diretores de
elenco, diretores de formação de perfil de personagens, o que dirige o espetáculo, começaram a ficar
enciumados com o Diretor de TV, porque era o último nome a aparecer. Aí começaram a querer
modificar, e dar um termo correto, técnico, que é “Seletor de Imagens”. Para estabelecer um
parâmetro, a TV Globo hoje tem 12.000 mil funcionários, com suas várias estações. A PRF-3 TV,
quando inaugurou tinha quatro funcionários na parte artística. Tinha, naturalmente toda a técnica.
Tinha câmera, iluminador, operador de som, operador da mesa, operador de microfone, um técnico
que ajustava, que concertava, que regulava, tal. Essa é a parte técnica. Devia ter umas 10 pessoas.
Mas na parte artística era o Cassiano que era o diretor, era o Carlos Jacchieri, que era foi o primeiro
cenógrafo, tinha o José de Alcântara, que foi o primeiro cenotécnico e eu, como assistente da direção
artística.

Só sete anos após a inauguração, em 1957, que Cassiano Gabus Mendes dividiu definitivamente suas
funções na direção artística. Foi quando criou o cargo de Diretor Adjunto, nomeando para a função
César Monteclaro, que relembra114:

- A convite do Cassiano Gabus Mendes, com a evolução da televisão, do trabalho, sentiu a necessidade
de alguém para ajudá-lo e dividir com ele a responsabilidade sobre tudo daquela parte administrativa,
pela qual ele não tinha muita simpatia, e me convidou. O Cassiano, cuidava da parte mais
eminentemente artística: dos programas, temas de novelas, os autores, a escalação do elenco. Isso era
uma tarefa exclusiva dele. E eu cuidava da parte administrativa, escalando diretores. Havia poucos
estúdios. Então requeria escalar um diretor para fazer uma externa, um estúdio para ser ocupado
naquele determinado momento, e cuidando de toda a infraestrutura.

No artístico em si, só em 1962, é que Cassiano passou a dividir a função com alguém, tendo Benjamin
Cattan para auxiliá-lo. Gabus Mendes tinha uma visão geral do todo, sabendo exatamente quando era
preciso fazer modificações para crescer. Fez mais uma grande modificação no dia 13 de março de
1967, quando repartiu a direção artística em diversas ramificações, tornando-se um diretor geral da
área. Criou um grupo de trabalho dividido da seguinte forma: Luiz Gallon ficou responsável pelo
Telejornalismo (intermediação com os Diários Associados e todos os cuidados com o setor), Ribeiro Filho
pelo Departamento Pessoal (cuidando do elenco, custos, escolhas e contratos), Benjamin Cattan pela
Programação (cuidando de todos os programas e cuidados necessários das atrações), José Parisi pela
Produção (especificamente no que se referia à parte de infraestrutura, cenografia, contrarregra,
iluminação, etc – era seu assistente o jovem Paulo Ubiratan, que no futuro tornou-se um dos maiores
diretores de novela no Brasil, outro talento descoberto para televisão por Gabus Mendes, em 1963,

114
Depoimento de César Monteclaro à Pró-TV.

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antes office-boy das rádios Associadas) e César Monteclaro continuava com a Administração Artística. O,
na época jornalista do “Última Hora”, Walther Negrão, escreveu115 em sua coluna:

- Com a divisão de trabalho, Cassiano Gabus Mendes terá não só tempo, mas disposição maior para
preparar uma nova linha de programação para a TV Tupi. O diálogo entre dirigentes e funcionários se
ampliou e num primeiro contato, o pessoal do Sumaré parece que trabalha com maior orazer. Num
lugar onde a criação artística é primordial, nada mais lógico e justo que patrões, dirigentes e
empregados estejam em perfeita harmonia e constante contato. – o futuro novelista estava certo em
suas palavras. Cassiano naquele momento fazia algo inédito, até então não realizado pela direção dos
outros canais. Pouco tempo depois os outros canais passaram a criar suas “subáreas”, como no caso
das “CG” (Centrais Globo), sendo que recentemente, em 2014, o mercado televisivo passou por algo
parecido, quando a área de Entretenimento da Globo ganhou um novo modelo de gestão, divindindo-se
por segmentos de programas e gêneros.

Naquele já distante 1967, nunca se saberá se o propósito de Cassiano Gabus Mendes era também dar
sustentabilidade à emissora que criou, na possibilidade de logo se distanciar do cargo. Isso porque
meses depois ele migrou para TV Excelsior, mesmo ficando pouco tempo por lá. O clima na TV Tupi
estava difícil para ele. Após a trombose de Assis Chateaubriand, em 1960, e a criação do Condomínio
Acionário, as brigas dele com a direção dos Associados foram cada vez mais constantes. Ele defendia a
televisão com unhas e dentes, principalmente seus funcionários. Era sua família, sua tribo, sua gente,
sua casa. O diretor de TV, Mário Pamponet Jr., se recorda de um episódio que chateou muito Cassiano:

- Depois da trombose do “Velho Capitão” Assis Chateaubriand, abaixo dele, em ordem de importância,
nós tínhamos em São Paulo: o Edmundo Monteiro, abaixo Armando de Oliveira e Ruy Aranha. Aí vinha o
Cassiano, que cuidava da televisão. Só que não de tudo. O Edmundo Monteiro mandava e acertava os
salários. Então reunimos sete diretores de TV para pedir uma reunião. Luiz Gallon, Tito Bianchini, Carlos
Cardoso de Almeida, Antonino Seabra, eu, Humberto Pucca Jr. e Walter Tasca. Nossos salários estavam
defasados. Cassiano foi o emissário de nosso pedido. O Tito Bianchini colocou as nossas cartas de
demissão dentro de um envelope. Sete cartas de demissão, todas juntas. Então Cassiano veio e falou:
“Finalmente vai ter a reunião. Quem vai vir aqui falar com a gente é o Armando de Oliveira”. Então
fomos lá para sala, já do prédio novo. E o Cassiano estava junto. E ficamos lá esperando, esperando. Já
sabíamos que ele estava lá. Mais de meia hora e nada dele aparecer. Aí depois apareceu: “O que vocês
estão desejando? O que querem?” O Tito Bianchini estava sentado: “Nós queremos falar com o
senhor…”, aí ameaçou levantar. “E que vocês estão querendo?” “Nós estamos aqui os sete, nós
precisamos melhorar o nosso salário”. “Salário, salário não!”. “Aqui dentro desse envelope tenho
nossas sete demissões”. “Vocês estão pensando o quê? Nós das Associadas elegemos cinco
governadores desse país com as nossas emissoras. Vocês pensam que são o quê?” Virou as costas e

115
“Grupo de trabalho dirige a TV Tupi” (“TV”, Walther Negrão, Jornal “Última Hora”, Março / 1967).

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foi embora. Terminou assim a reunião e ninguém aumentou coisa nenhuma. Nós ficamos com cara de
paisagem. Imagina o rosto do Cassiano como ficou. Ele não podia falar nada. Tanto que deu no que
deu. Lamentavelmente a Tupi fechou. Cassiano impunha respeito pela presença. A gente tinha tanto
respeito, que as vezes nem tinha coragem de falar com ele. Ele era espetacular, um cara maravilhoso,
sempre foi. Cassiano foi a raiz, foi a semente.

Quem passou por sua sala, tanto na Cidade do Rádio, como no prédio, se lembra de algumas coisas que
eram a marca registrada de Cassiano. A mesa e os móveis próximos cheio de pastas, projetos e scripts;
seu cinzeiro, porque fumava muito; e os televisores – ele tinha um sempre sintonizado na TV Tupi e os
outros na concorrência. Inicialmente monitorava apenas a TV Record, mas após a compra da TV Paulista
por Victor Costa, passou também a ter “cuidado” com o canal 5. A televisão crescia e os televisores da
sala da direção artística também. Inicialmente, na Cidade do Rádio, era uma sala pequena ficava no
meio do corredor, próximo da sala da maquiagem, onde ficavam Juvenal e Miro, logo após a sala de
Theóphilo de Barros Filho e Antonio Hélio. Já no prédio, na Avenida Professor Alfonso Bovero, 52,
Cassiano trabalhava no 9º andar.

O câmera Sabá Medeiros comenta a humildade de Cassiano, que sabia ouvir os colegas:

- Cassiano era muito legal. Todos eram. Ele ouvia a gente e compreendia quando podia alterar algo,
sugerido por um de nós. Uma vez me falaram: “Você tá peitando o Cassiano” e eu: “Não, eu só tô
querendo melhorar”. Ele entendia tecnicamente nossas sugestões, dava essa abertura. Ele deixava e
dizia: “o show é seu”.

Já outro colega, o futuro cineasta Clery Cunha relembra Gabus Mendes:

- Cassiano Gabus Mendes era o nosso cacique. Era o verdadeiro diretor geral e artístico da emissora.
Quando eu entrei na Tupi, como um mero “caboman”, eu tremia só de cruzar com ele. Cassiano
conseguia fazer o entrosamento técnico e artístico, que não se tem mais hoje. Ele segurava
galhardamente toda programação.

Luiz Francfort, câmera e depois diretor de TV, ressalta a ousadia e a imaginação do chefe Gabus
Mendes:

- Hoje os telespectadores assistem “Os Dez Mandamentos”, na Record, como se fosse algo novo e
revolucionário. Nós não tínhamos a tecnologia atual, mas a criatividade. Eu fui câmera de “Os Dez
Mandamentos” na Tupi, em seus primeiros anos. Ensaiamos por semanas para fazer o mais próximo do
filme de Hollywood. O Cassiano então criou uns efeitos espetaculares. Com o uso de fusão e apoio do
corpo de Bombeiros, nós fizemos o Mar Vermelho abrir dentro do estúdio. Chovia água sobre as

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tapadeiras. Aí usamos duas bandeijas que iam se separando aos poucos e com a fusão dava pra ver
em casa Moisés cruzando o mar. Foi espetacular. Só que quase que aquela água danifica nossas
câmeras! Cassiano tinha uma imaginação incrível e nos incentivava sempre. Tudo que temos hoje
devemos ao Cassiano. – Francfort se refere ao “Teatro da Juventude”: “Os Dez Mandamentos”, exibido
em cinco capítulos, em 1955, sob a direção de TV Élio Tozzi e supervisão de Cassiano.

Gilberto Bottura, que foi um dos primeiros iluminadores da TV Tupi, conta116 do jeito perfeccionista de
Cassiano Gabus Mendes, salientando que ele sabia e acabava trabalhando em todos os setores:

- Três dias depois que eu entrei para a televisão, o Cassiano me fez fazer câmera no chão, no “TV de
Vanguarda”. Era a luz era toda por baixo. Uns panelões. Alguma de cima. E o Cassiano que fazia a luz. E
o Cassiano era o todo autoritário! E ele dava cada bronca, no fone. Eu estava desesperado. “Vira para
lá”, e eu virava a câmera para cá. “Muda de lente”. “Põe uma 135” – ele imita e ri - E para achar o foco?
Naquela época nós tínhamos o Bianchini, o Walter Tasca, o próprio Cassiano fazia a luz, tinha o Hugo,
que também fazia iluminação. Então eu comecei a trabalhar com o Tasca. Ele era um artista. Essa
paixão pela iluminação é uma coisa intrínseca.

Jerubal Garcia, chefe dos câmeras, fala117 dos desafios daquele tempo:

- Fiz de tudo em televisão. Fui executivo, diretor de TV, chefe de operações, chefe de carro de
reportagem externa. Tinha 22 anos e todos os cabelos na cabeça quando comecei como “cameraman”.
Deixei meu cabelo e minha mocidade atrás de uma câmara, mas só ali me sinto bem
profissionalmente. No começo uma câmara pesava 70 quilos, não tinha zoom, nenhum dos
implementos de agora, e precisava de três pessoas para manejá-la. Quando me lembro da forma pela
qual a gente transmitia futebol por volta de 1956, da ginástica que a gente fazia, mal acredito! Não
existia videoteipe, então a gente filmava os gols, revelava num laboratoriozinho instalado lá mesmo no
Pacaembu, botava o filme ainda úmido no projector, tirava a lente da câmara e mandava brasa,
passando os lances do primeiro tempo enquanto o jogo ainda comia solto no campo e o público em
casa vibrava com o grito do locutor: “Olha a bola, Jerubal…”

Todos tinham uma forma amistosa de se tratar. Cassiano tratava muitos da sua equipe de uma forma
carinhosa, chamando-os de “baixo” ou “baixa”. Mania que acabou passando não apenas para Fernando
Faro, o mais conhecido “Baixo”, mas para muitos outros. “Baixinho”, por exemplo, era o apelido
carinhoso dado ao diretor de TV, Antonino Seabra. Ele relembra118:

116
Depoimento de Gilberto Bottura à Pró-TV.
117
Revista Briefing, setembro de 1980.
118
Depoimento de Antonino Seabra à Pró-TV.

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- O Cassiano disse: “Meu filho...”, para o boy dele, “...vai chamar esse diretor novo que está aí”. “Qual?”
“O baixinho”. Para identificar quem era. Aí ficou a história do “Baixinho”. Aí como me chamavam de
“Baixinho”, eu devolvia. Aí “Baixinho” passou a ser um termo carinhoso, afetivo: “Ô, Baixinho!” Eu dizia
para o Tito. Passou a ser um termo de carinho, nada pejorativo. E todo mundo na Tupi passou a ser
“Baixinho”. Naquela época, o diretor de TV era uma categoria muito valorizada, porque o Cassiano era
diretor artístico e era diretor de TV. Então a coisa toda partia da direção de TV. Tinha uma importância e
dava uma visão do espetáculo, através do corte, através da direção dos câmeras.

Depois a equipe foi aumentando, chegou o videoteipe, o princípio das transmissões em rede e anos
depois as cores à televisão.

Por isso, segue abaixo uma ligeira homenagem a todos que lutaram junto com Cassiano Gabus Mendes
por detrás das câmeras e que ainda não foram citados como atores, produtores, diretores e
programadores. Gente de televisão, que esteve ao lado dele na TV Tupi, de 1950 a 1972. Uns desde o
início, outros quase no final. Obviamente muitos tiveram mais de uma função, mas aqui o importante é
que estejam registrados os nomes dos heróis que atuaram nos bastidores. Diretores de estúdio e
responsáveis pela contrarregra como o “Senhor” Henrique Canalles, Mário Mikalsky, David Neto, Walter
Stuart, Gaetano Gherardi, Nélson Oliveira, Dalmo Ferreira, Francisco Xavier Moreira, Dito, Chico “Boca” e
Severino Ramos de Lima; assistentes de direção e Montagem como João Alípio e Ernesto Hypólito; o
chefe da marcenaria Luiz Enoch; os sonoplastas Pedro Jacintho, Salathiel Coelho, José Ranucci Filho,
José Lucena e Cayon Gadia (na Difusora); os câmeras Walter Tasca, Álvaro Alderighi, Carlos Alberto de
Oliveira (os três primeiros da TV brasileira), Arnaldo Cardoso Jorge, Ernesto Ferrari, Urbano Camargo
Neves, João Dias, Queixada (José Carlos Garcia), Reynaldo Boury, David Grinberg, Nivaldo de Mattos
(chefe dos câmeras), Luiz Francfort, Carlos Cardoso de Almeida, Luiz Veiga, Décio Diachini, Luis Gustavo
(o ator “Tatá”, que foi câmera e caboman), Jerubal Garcia (chefe dos câmeras), Sabá Medeiros, Pedro
Bigal Neto, João Marinoso, Ditinho, Américo Pinheiro, Walter Nossaes de Lima (Waltinho), Roberto
Addas, Romeu Sanches, Diogo Marcílio, Benedito Toledo, Teófilo Gama, Álvaro Fugulin, Décio Bianchini,
Flávio S. Neto, Fernando Garcia Neto, Menzir Ibrahim, Orfeu Muchaque, Isnard Moral e Francisco
Chagas, Paulo Ubiratan; os auxiliares de câmera Carlos Alberto Costa, Marcos Rezende (Externas) e
Arnaldo Cirullo (Externas); a coordenadora de scripts Póla Civelli; o produtor geral José Parisi; o setor de
cinematografia representada por Paulo Salomão, Jorge Kurkjian e Dílson Julião; os editores de VT Paulo
Guzzardi e Jander de Oliveira; os desenhistas Álvaro de Moya, Mário Fanucchi e Armando de Sá; os
diretores de TV Élio Tozzi, Luiz Gallon (muitas vezes no “Grande Teatro Tupi”), Mário Pamponet Jr.
(principalmente no “TV de Comédia”), Humberto Pucca Jr., Irineu de Carli, Alberto Bianchini (Tito),
Antonino Seabra, Carlos Cardoso de Almeida, Sérgio Mattar, Jorge Ribeiro (Cagliostro), Gotelipe, Mário
Micalski, Regis Cardoso e muitos outros já citados; os locutores Homero Silva, Jésus Teixeira Pires e
César Monteclaro; os encarregados do tráfego de fitas Roberto M. Torres e Mauro Gianfrancesco (a
partir de 1962); os iluminadores (com seus panelões e pantógrafos): Waldemar Lejac, Gilberto Bottura,

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Hugo, Eteucles Carlos Alberto Laurindo, José Pelégio, Ademar Batista, Joaquim Brandão, Amilcon
Queiroz e W. J. Pereira; o mimeografista José Maria Ancona Lopes; os operadores de som Jair Batista,
Rubens Nunes, José A. Moreira, Luiz de Souza Marouço, Thomé Paulino (Externas) e Euclides Demarcos
(Externas); os operadores de telecine Tetsuya Watanabe e Wilson Menin; os operadores de boom
Rubens, Roldão Benomi e Otávio da Silva Júnior; os “cabomen” (com seus 32 cabos acoplados no
estúdio) Nelson de Oliveira Leite (chefe), Arnaud Faria, Carlo Forchellini, Plínio Cândido da Silva e Clery
Cunha; os cenógrafos Carlos Jacchieri, Alexandre Korowaitzik, Klaus Franck, Rubens Barra, Luigi
Calvano e Chiroshi Seguti (maquetes); o chefe da divisão de vídeo Fermin G. Perez; o chefe de
operações Giuseppe Torrieri; o produtor executive Mário Ferreira da Silva; a continuísta Leiry Maria
Franco; o diretor de arte Carlos Sörensen; o roteirista Sérgio Galvão; os maquiadores Juvenal Frizzo,
Miro (Clodomiro Nalin), Lázaro de Oliveira Neto (Lazinho), Carlos Alberto Fidalgo e Maria Aparecida
Tchilian; os barbeiros / cabeleireiros Wenceslau Armando Mariani (Lau), Arnaldo Moscardini, Antonia
Gilzete Moreira Oliveira e Antonio G. da Silva; o chefe da equipe de externas Ulisses R. Filho; os
decoradores Jaime, Waldemar Garcia e Pedro Waldemar de Barros; os figurinistas Pedro Ivan, Maria
José Guedes, Nair da Silva Raimundo e Lairce Erasmo Mariano; a equipe de cenotécnica e maquinistras
Kenji Susuki, Péricles (filho do palhaço Simplício), Mário Ferreira, Juarez P. dos Reis, José S. de Mattos,
Waldo Menezes Rocha, Antonio Pontinha, Hildebrando dos Santos e Ademir Soares de Paula; os
“videomen” e operadores de VT Pedro Tozzi, Nadir, Nicola Del Rossi, José Pagliuca, Antônio C. Xavier,
Durvalino L. Silva, Américo Yamauchi, Benedito Garcia Balliego e Homero Bury; os diretores da divisão
de teleteatro Walter Forster, Henrique Martins, Rildo Gonçalves; o coordenador de gravação Rômulo
Santillo; os técnicos Mário Alderighi (chefe), Jorge Edo, Nelson de Mattos, Giordano, Izidoro, Marcos
Bauman e Álvaro de Macedo Jr. (supervisor); a camareira Dona Nina; as telefonistas Lourdes Lejac de
Oliveira, Nair e Anna; os fotógrafos Francisco Vizzoni, Francisco Rosa (Chiquinho) e Raymundo Lessa de
Mattos; os assistente de direção artística César Monteclaro, Benjamin Cattan, José Parisi, Ribeiro Filho,
Luiz Gallon e o grande mestre da taba: Cassiano Gabus Mendes, além de todos aqueles que aqui não
foram citados, mas que têm igual importância nessa trajetória.

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A experimentação

O início da televisão no Brasil foi um período de muita experimentação. Não apenas o rádio e o teatro
vieram agregar à televisão, mas também o cinema. Assim como hoje muito se debate sobre a
convergência das mídias na Era Digital, temos aqui vários exemplos de que a grande fusão aconteceu
naquela época, quando levaram até mesmo o jornalismo impresso para a tela da TV. Hoje a revolução é
tecnológica, mas a base da convergência de conteúdos já aconteceu nos anos 1950.

A televisão, por exemplo, foi a forma que Cassiano Gabus Mendes encontrou, junto de seus colegas
aficcionados por cinema, de dar imagem a seus sonhos. Foi dar continuidade à paixão que vinha de seu
pai, tendo dado prosseguimento ao “Cinema em Casa” do rádio, ao seu primeiro curta-metragem “A
Gata” e evoluindo para o “TV de Vanguarda”. Uma estética cinematográfica pura.

David Grinberg, que começou como iluminador e depois câmera e diretor de TV da Tupi (chegando no
futuro a diretor de novelas da Excelsior, Globo, Manchete e SBT), conta:

- Cassiano tinha uma visão muito apurada do cinema. Ele queria fazer cinema na televisão e fez. Tinha
um conhecimento e uma visão estética muito ampla.

Outro passo para isso se deu a partir de 1951. Repleta de cinéfilos, a TV Tupi estreitou relacionamento
com o Centro de Estudos Cinematográficos. A associação, localizada à Rua Quirino de Andrade, 219,
11º andar, exibia filmes regularmente em sua sede, os estudava e os debatia. Havia também uma parte
prática, com pequenas produções de filmes experimentais e um grupo de teatro da entidade. Vários
integrantes da PRF-3 TV faziam parte desse clube. Obviamente Cassiano e Durst eram frequentadores
do Centro de Estudos. A primeira produção feita em parceria entre a emissora e o Centro de Estudos foi
“O Urso”, onde curiosamente, apareceu pela primeira vez (como ator) o futuro dramaturgo Manoel
Carlos. É como noticiou o "Jornal de Notícias", de 11 de novembro de 1951:

- "O Grupo de Teatro Experimental deste cineclube encenará amanhã na TV Tupi a peça de Anton
Tchecov "O Urso", sob a direção de Antunes Filho. Produção de Cassiano Gabus Mendes, tradução de
Rosemarie von Becker, interpretação de Manoel Carlos, Antonio Marques e outros. Assistente de
direção, Ronaldo Pavesi".

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Sobre essa peça, do “Grande Teatro Tupi”, Manoel Carlos comenta119:

- Aos 18 anos, estreei na TV Tupi como ator. Era março de 1951 e Cassiano Gabus Mendes, diretor
artístico da emissora recém-inaugurada, precisava de mão de obra para manter uma programação de
algumas horas no ar. Eu integrava uma trupe de teatro amador dirigida por Antunes Filho, que foi
convidada a encenar clássicos da dramaturgia, ao vivo, na TV. Éramos um grupo disposto a fazer a
melhor televisão do mundo. E acho que diante das dificuldades, até que conseguíamos isso ou quase
isso. O "Grande Teatro" foi uma escola.

Sobre o teatrólogo Antunes Filho é preciso destacar sua participação nos teleteatros da emissora,
dirigindo já nos primeiros anos diversas peças do “Grande Teatro Tupi”. Pensando em utilizar a arte
como fonte de descobertas teve total apoio de Cassiano para experimentar. É como ele conta120:

- Cassiano Gabus Mendes estava na direção artística da Tupi e convidou a mim e ao Osmar Rodrigues
Cruz, o escriturário, com o propósito de fazermos teatro revezado – eu fazia uma semana, ele outra,
com peças de um ato ao vivo. Encenamos Tennessee Williams, Ibsen, Jorge Andrade, só gente de
primeira linha. Antes, tinham feito na Tupi só uma peça de Gorki. E na história da TV, não consideram
essa minha passagem porque não sou um homem de TV, embora tenha feito trabalhos interessantes
ao longo de 20 anos. Fiz um programa de arte na TV que até Alfredo Volpi participou: “TV Arte”, era ao
vivo. A partir de 1959, levei o programa para a Excelsior, a convite de Álvaro de Moya. Toda uma turma
danada da literatura dramática foi levada para a Tupi e a Excelsior. Também aconteceu assim com
Nydia Lícia, na TV Cultura, quando ela pegou nomes como Abujamra, Adhemar Guerra, Fernando Faro e
Cassiano, além de mim, para desenvolver projetos de dramaturgia ligada ao teatro. Essas pessoas
montaram um teleteatro extraordinário no programa Teatro 2. Fazíamos experiências ótimas.
Permitiam-nos trabalhar.

Antunes Filho também criou festivais de teatro amador na TV Tupi, tendo apoio total de Cassiano, que
sabia da importância de revelar novos talentos. O futuro cineasta Clery Cunha relembra:

- Era o final dos anos 1960, quando saiu o I Festival de Teatro Amador da Tupi. O Antunes Filho era o
idealizador e mais de 600 grupos teatrais estavam inscritos.

Grandes nomes de nossa teledramaturgia surgiram nesses festivais de teatro amador. Cassiano Gabus
Mendes conta121:

119
“Do 'Grande Teatro Tupi' às Helenas, Manoel Carlos ajudou a consolidar a TV brasileira” (O Globo,
19/09/2010)
120
“Antunes Filho decodificado” (Revista Brasileiros, 28/11/2013).
121
“Gente: Cassiano Gabus Mendes” (Revista Fatos & Fotos, nº 738, 1975)

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- A Tupi é que foi uma grande escola de atores e técnicos. Glória Menezes e Tarcísio Meira surgiram
num festival de teatro amador, que ela promoveu.

O ator David José ressalta122 que Cassiano Gabus Mendes não criava barreiras entre o teatro e a
televisão, podendo quebrá-las quando possível:

- Quem me levou para o Teatro de Arena – eu já estava fazendo Ciências Sociais na USP - foi o Lima
Duarte. Com a autorização do Cassiano Gabus Mendes, que gostava muito de mim. O Cassiano sempre
me ajudou muito. Naquela época eles não permitiam que atores contratados pela Tupi, trabalhassem
em teatro. Mas o Cassiano deu a autorização pra mim e pro Lima, que me apresentou o Guarnieri, o
Juca de Oliveira. Aí em 1964 eu fui fazer o “Tartufo”, de Molière, em que o Lima trabalhou.

Outro grande “experimentador” de formatos na TV Tupi foi o produtor musical Fernando Faro, que
carinhosamente é chamado de “Baixo”. Ele começou a trabalhar na TV Paulista, canal 5 de São Paulo.
Em 1960 foi indicado por Carlos Rizzini a Cassiano, pois não estava feliz na emissora e queria se mudar
para TV Tupi. Rizzini ainda conseguiu uma carta de apresentação de Edmundo Monteiro, diretor dos
Associados em São Paulo, ao amigo. Conta123 Fernando Faro:

- Cheguei na Tupi: "Sr. Cassiano". "Fala, Baixo". Eu disse: "Olha, tem uma carta aqui pra você". Ele pegou
olhou a carta: "Edmundo Monteiro". Jogou no lixo. Aí me disse: "Já me falaram de você". Os caras devem
ter falado, o Lima, o Durst. "Então é o seguinte, você vai fazer TV de Vanguarda. Eu vou te contratar por
dois meses, três meses. E a gente vê o que faz depois. Por enquanto faz o ‘TV de Vanguarda’”. Aí, eu fui
fazer um trecho de “O Tempo e o Vento”, uma passagem do livro que se chamava "A Teiniaguá". Aí eu fiz
a adaptação, mas não dirigi. Quando eu cheguei, no dia seguinte, o Cassiano chega e diz assim: “Vai
falar com o Zezinho”, do Administrativo. Aí tinha um contrato de dois anos pra eu assinar pra fazer “TV
de Vanguarda”, “O Contador de Histórias”, “Studium 4” e mais dois programas de rádio. Aí comecei a
fazer. Só que naquele tempo, apareceu um negócio na França chamado “nouveaux roman” (novo
romance), que deu Alain-Robbe-Grillet e Marguerite Duras. Eles despojavam, se livravam de certo
subjetivismo, de um certo lirismo, em troca de uma informação mais matemática. Por exemplo, estou
aqui no jardim, o jardim mede 14 metros de largura. Há árvores espaçadas nas laterais. Os espaços
são de seis metros, uma coisa assim. Era uma coisa bem fria. E eu comecei a fazer o “TV de
Vanguarda”, fiz vários, e um deles chamava "Partida", era a história de um triângulo amoroso. Um ato
era o marido, outro ato, a mulher, o outro o amante. Então eram três partes. As enquadrações variavam
de personagem para personagem. Aí, no dia seguinte, um “rebu” tremendo: "Não dá para entender o
Faro. O Faro é um cara muito louco, viu?" Aí, o Cassiano pra me proteger, disse: "Você vai fazer musical".

122
Depoimento de David José à Pró-TV.
123
Depoimento de Fernando Faro à Pró-TV.

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Cassiano confiou em Fernando Faro para dar seus primeiros passos na área musical, tornando-o diretor
musical da TV Tupi. A amizade dos dois era tão grande, que o período em que Gabus Mendes esteve
fora da emissora, por sete meses na TV Excelsior, Faro se desvinculou do canal. Não ficaria subordinado
ao diretor Jota Silvestre. Foi para a recém-criada TV Bandeirantes fazer o programa de Geraldo Vandré.
Quando, em meados de 1968, Cassiano retornou à TV Tupi, Faro voltou. Lá criou o “Móbile”, que conta:

- O Cassiano chegou, um dia, e disse assim: "Baixo, eu quero que você faça um programa pra mim, à
meia-noite". “Você quer que eu faça um musical?” “Faz o que você quiser”. Aí eu pensei em fazer o
"Móbile", que era inspirado naquelas esculturas do Alexander Clader, que não tinha uma estrutura fixa.
E nesse "Móbile" eu fiz coisas assim de que eu gosto muito, fiz coisas de metalinguagem, sem clichês,
tudo experimental. Lancei muitos cantores no "Móbile", nos demais programas, nos festivais , como o
“Festival Universitário” da Tupi, “Festival de Carnaval”, “Festival da Viola”. Com Gil, Caetano, Gal, Os
Mutantes, eu fiz o "Divino, Maravilhoso", em 1968. Já o “Ensaio” começou na TV Tupi em 1969. Os
primeiros caras foram Gal, Chico, Silvia Maria, Som Imaginário, Marcos Valle. Então começamos lá.
Depois eu fui pra Cultura, mas não ia fazer o programa com o nome "O Ensaio" porque era Diretor
Musical da Tupi, então o programa passou a se chamar "MPB Especial". – Faro ainda passou pelas TVs
Bandeirantes, Manchete e Record. Depois voltou para a TV Cultura e lá refez o “Ensaio”, cujo apelido
curioso - “Chamavam o programa de “feijoada”, porque eu pegava orelha, boca, nariz.

A maior lembrança de Cassiano, Faro nos revela sobre sua marca registrada:

- Bom, esse negócio de “Baixo” começou com o Cassiano. Foi o primeiro cara a me chamar de
“Baixinho”. A partir daí, eu devolvi. Eu chamava ele de “Baixo”, chamava todo mundo de “Baixo”,
chamava o Túlio de Lemos, que tinha 2 metros, de “Baixo”... Aquilo era uma coisa assim carinhosa.

“Móbile” (1962 a 1971) e “Ensaio” (1969 a 1971) foram altamente experimentais, sempre com a
música marcando presença. Fizeram também “Colagens”, dirigido também por Antonio Abujamra e
Walter Avancini. Outro programa em que se pode experimentar, foi “Divino, Maravilhoso”, aprovado por
Cassiano, dirigido por Abujamra, com produção de Faro e produção musical de Rogério Duprat. A
atração foi um marco na divulgação do tropicalismo, levando o nome de seu disco-manifesto de
Caetano Veloso e Gilberto Gil. A atração foi ao ar a partir de 28 de outubro de 1968, às 21 horas, na TV
Tupi. Faro apresentou a ideia a Cassiano (também apaixonado por música), depois do grande sucesso
que os cantores tiveram no Festival de MPB de 1967, na TV Record (quando cantaram, por exemplo,
“Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”) e Gabus Mendes comprou a ideia. Gil e Caetano, pela primeira
vez, apresentavam um programa, que naquela estreia contou também com Jorge Ben, Gal Costa, Os
Mutantes e o conjunto Os Bichos. A nova safra da MPB invadiu a Tupi.

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- Lamentavelmente não participei do programa. – nos conta o cantor Ronnie Von, que nessa época
apresentava “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”, na TV Record, mas que também apoiava as ideias
tropicalistas através de seu programa, valorizando “Os Mutantes”, por exemplo, que depois participaram
do “Divino, Maravilhoso”. – Gil e Caetano trouxeram a eletrônica, misturaram com o que chamavam de
música “anacrônica”, na verdade, a MPB, e fizeram a Tropicália. Considero como o último movimento
musical da história deste país. A Tropicália até hoje é moderna. – o hino do movimento com certeza foi
“Divino, Maravilhoso”, canção de Caetano e Gil, notabilizada na voz de Gal Costa no IV Festival de MPB,
da TV Record, naquele 1968, e que garantiu o terceiro lugar na competição.

O trio Faro, Cassiano e Abujamra funcionava muito bem. Eles voltariam a ser parceiros, na década de
1970, no “Teatro 2” e depois no “Caso Especial”, da Rede Globo. Em 1988, Fernando Faro fez ressurgir
na TV Cultura o “Ensaio” e “Móbile” em 2007 – ambos ainda no ar. Já Abujamra reencontrou ainda
muitas vezes Cassiano na televisão, em trabalhos na Rede Globo (como, por exemplo, em “Que Rei Sou
Eu?”). Quando estreou “Provocações” na TV Cultura, em 2000, Abu e Faro voltaram a ser colegas, cada
um sua atração. Abujamra, em um de seus últimos “Provocações”, num especial com Boni, enalteceram
juntos a genialidade e a importância de Cassiano Gabus Mendes. Em 28 de abril de 2015, foi provocar
os céus, deixando saudades.

Gabus Mendes também ajudou a quebrar tabus, apoiando ideias inovadoras para época e driblando
preconceitos. É como o caso do teleteatro “Filho Pródigo”, de 27 de junho de 1951, rompendo qualquer
preconceito racial. Relembra124 um de seus atores, Haroldo Costa:

- Indo para São Paulo com o Teatro Folclórico Brasileiro, fui participar com o grupo em programas da TV
Tupi. Em conversa com Cassiano, que dirigia teleteatros, sugeri uma adaptação da peça “O Filho
Pródigo”, de Lúcio Cardoso, que o Teatro Experimental do Negro havia apresentado no Rio. Cassiano
gostou da ideia, me autorizou a tocar o projeto, inclusive encarregando-me da direção. Naquela noite,
no horário nobre, foi ao ar o primeiro teleteatro com atores negros na televisão brasileira, com Ruth de
Souza, Nelson Ferraz, Veridiano Santos, Jandira Aguiar, Milton Ribeiro e eu. - foi na TV Tupi também que
tivemos a primeira protagonista negra na telenovela brasileira: Yolanda Braga em “A Cor de Sua Pele”
(1965), adaptação de Durst ao original de Abel Santa Cruz, com direção de Wanda Kosmo.

Outro caso é do teleteatro “Calúnia”, que foi ao ar em 29 de dezembro de 1963. No papel da professora
Angélica, Vida Alves dá o primeiro beijo homossexual da TV brasileira, na atriz Geórgia Gomide.
Lembrando que ela já havia dado o primeiro beijo na TV, em Walter Forster, em 1951. “Calúnia”, original
de Lilian Hellman, teve direção de Benjamin Cattan, tendo no elenco também Henrique Martins, Guy
Loup, Guiomar Gonçalves, Sonia Maria Dorce, Lisa Negri, Lídia Vani, Regiane Rayol (a futura “Regiani
Ritter”).

124
Depoimento de Haroldo Costa (“50/50”, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Ed. Globo, 2000)

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Cassiano Gabus Mendes e seus colegas não queriam apenas criar a televisão, mas descobrir seus
limites e sua capacidade intelectual. Pura experimentação.

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A rede nacional

Cassiano, quando foi aos Estados Unidos, em 1949, percebeu a movimentação que começava a ser
feita para que os canais deixassem apenas de transmitir localmente para dar espaço a uma
programação nacional, coast-to-coast. Foi o primeiro a pensar nisso, obviamente. No Brasil, havia a
batalha pelas transmissões intermunicipais, depois interestaduais. Só que ele queria mais.

Gabus Mendes começou primeiro a cuidar internamente disso.Só em 1959 passou então a falar
abertamente para imprensa de seus planos, focando também na integração dos demais canais
Associados, incluindo a TV Cultura (a “irmã caçula” da TV Tupi, na época também de Chatô e prestes a
inaugurar). Sobre os futuros planos de Cassiano, ele respondeu125 à Revista Radiomelodias em outubro
daquele ano:

- É possível que com a TV Cultura, iniciemos trabalho efetivo e permanente em cadeia com nossas co-
irmãs Associadas do Rio, a TV Tupi e a TV Mayrink Veiga, com a captação da imagem do canal 5 (Rio)
pela PRF-3 TV e a do Canal 2 (São Paulo) pela TV Mayrink Veiga. Assim, São Paulo teria oportunidade
de assistir à programação guanabarina, enquanto que os cariocas teriam lá nossa imagem, como se
fora estação local.

Antes, em abril de 1959, ele disse126 sobre o assunto à Revista do Rádio:

- Está sendo estudada a ligação definitiva de televisão Rio-São Paulo. Pretendemos que a TV Tupi de
São Paulo capte, um dia, a imagem da TV Tupi do Rio. Para breve, transmissões constantes de lá para
cá. Daqui a mais um pouco os cariocas verão cartazes de São Paulo, o mesmo acontecendo com os
paulistas.

Anteriormente o primeiro projeto de rede se deu através da Rebratel – Rede Brasileira de Televisão S/A,
em 1956. Era um estímulo à expansão de repetidoras, retransmissoras e criação de subestações da TV
Tupi, TV Record e TV Paulista (todas visando inicialmente o resto de São Paulo, podendo expandir-se
para outros Estados, utilizando-se principalmente canais UHF). Porém nenhum projeto era como aquele
de Cassiano, de uma transmissão simultânea permanente, entre duas praças.

Cassiano auxiliou na montagem da primeira estação do interior de São Paulo, em Ribeirão Preto (SP). A
TV Tupi-Difusora de Ribeirão tinha programação própria, das 17h30 às 19h45, e em “rede nacional”

125
“Cassiano Gabus Mendes: Primeiro na TV Brasileira” (Revista Radiomelodias, Outubro/1959).
126
“Cassiano Gabus Mendes assegura: ligação definitiva entre as TVs do Rio e de São Paulo” (Revista do
Rádio, 04/04/1959).

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com a TV Tupi de São Paulo, a partir daí, transmitindo o Repórter Esso. Foi a primeira afiliada de
frequência mista, no ar desde 04 de agosto de 1957, experimentalmente, e transmissões oficiais de
1959 a 1963, quando foi extinta. Rivalizando, fora da capital, a TV Paulista possuía a TV Santos
(subestação) e a TV Bauru. Já a TV Record investiu em uma emissora própria também em Ribeirão
Preto. Era um verdadeiro trabalho de bandeirantes, adentrando os limites inexplorados da selva da
comunicação. A Revista Intervalo chegou a noticiar127, em 1963:

- Comenta-se que a TV Tupi de São Paulo está construindo, na base do “fala baixinho”, uma rede de
transmissão ligando São Paulo diretamente à Brasília. Seria mais um pioneirismo das Emissoras
Associadas.

Infelizmente os problemas internos dos Diários Associados inviabilizaram o projeto de Gabus Mendes,
saindo a Rede Excelsior na frente. A Rede Tupi constituiu-se apenas em 1973, quando Cassiano já
havia deixado a emissora. Por desentendimento entre as TVs Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo, sua
rede transformou-se em uma grandiosa Hidra de Lerna, que assim como na mitologia grega, tinha mais
de uma cabeça que brigavam entre si. Uma acabava por sabotar a outra, transmitindo parte de uma
programação para metade da rede, enquanto os demais canais restantes recebiam programas da outra
parte.

O projeto do Telecentro Tupi, tão estimulado por Gabus Mendes, também afundou nesse processo. O
resultado disso foi a falência da Rede Tupi em 1980 e um amontoado de dívidas. Se a rede tivesse sido
bem feita, com um intercâmbio coordenado de programação, os custos seriam diluídos e uma emissora
produziria para as demais, criando uma principal “cabeça-de-rede”. Foi isso que ordenadamente a
Rede Globo conseguiu na virada dos anos 1960 para 1970.

Cassiano lutava pelo conceito de rede, com programação simultânea fixa e ordenada, numa época em
que os links eram difíceis para “fechar” e o videoteipe ainda era um sonho dourado. E o satélite? Nem
sonho era ainda!

127
Revista Intervalo (07/07/1963).

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O castelo de cartas

Quem já fez um castelo de cartas sabe que qualquer passo em falso faz com que ele desabe. Quanto
mais alto, maior, mas fácil de ruir... Assim estava os Diários Associados no final dos anos 1950. Apesar
de sua expansão constante, o império de Assis Chateaubriand tinha lá seu calcanhar de Aquiles.
Inimigos políticos ferrenhos, muitos atacados pelo próprio Chatô, e um sistema administrativo
compartilhado – uma vez que existiam sob um mesmo grupo veículos de comunicação com inúmeros
proprietários. Chateaubriand nem sempre estava presente no dia a dia de suas empresas e em suas
gerências, tendo subordinados que executassem tais funções. Na TV Tupi de São Paulo, por exemplo, a
voz dos Associados era Edmundo Monteiro. Era ele o chefe-maior mais próximo de Cassiano, que
respondia pela televisão. Gabus Mendes inclusive nos conta128 uma curiosidade:

- Eu, pra falar a verdade, falei com o Chateaubriand uma vez na vida. Uma única vez. Era um domingo,
eu tava na Tupi, sozinho, sete horas da noite. O Chateaubriand foi barrado na porta por um porteiro,
porque ele ia lá muito raramente. Era um porteiro que chamava "Talento e Formosura", porque era feio
como um demônio! Aí chegou um outro cara: “Ó, tem um homem aí na porta, querendo forçar a
entrada, dizendo que é o dono da estação”. Eu peguei, fui lá e era o Chateaubriand. Aí o levei na
minha sala, uma salinha, que era um cubículo, 2 x 3 m. Ele sentou no sofá, eu sentei na minha mesa:
“O que o senhor quer, Dr. Assis? O que o senhor deseja?” “Sim, meu filho, eu quero entrar no ar e
quero falar...” Eu nem me lembro o que ele queria falar, mas ele queria entrar no ar e tava um filme.
Então eu falei: “O senhor aguarda um instantinho, no primeiro intervalo o senhor entra”. “Ah, pois não”.
Então ele sentou lá e dormiu. Ele viajava, só andava de avião, então não dormia em casa nunca.
Dormia no avião e onde ele estivesse, na primeira pausa que ele conseguia. Ele dormiu, eu o acordei
depois, foi para o estúdio, falou e foi embora. Nunca mais falei com o Chateaubriand. Eu não tinha
contato com o Chateaubriand. Eu tinha com os outros diretores dos jornais. – referindo-se aos diretores
abaixo de Chatô.

Ainda assim, Chateaubriand era presente mesmo na ausência. Um capitão a que se seguia, um símbolo
no comando de uma empresa. Só que o “Velho Capitão”, como era chamado, estava preocupado com o
futuro dos Associados. Mesmo que bem de saúde, Chatô queria achar uma forma de manter vivo seu
império, numa possível ausência sua. Não acreditava que a família teria a mesma força de manter seu
conglomerado, como seus funcionários o tocavam em frente. Foi por conta disso que em 21 de
setembro de 1959 tirou do papel o projeto que considerava a solução para o futuro do grupo. Sob
inspiração de Vicente Ráo e participação de Nehemias Gueiros e Hélio Dias de Moura, foi redigido o
estatuto do chamado “Condomínio Acionário”. Nele, os diretores de cada regional dos Associados

128
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes (“40 Anos de TV”, TV Cultura, 1990).

160
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poderiam ter participação, decisão e herança (no caso da saída ou morte de um condômino) de todo
patrimônio empresarial do grupo. Se um saísse, por exemplo, as empresas seriam rateadas entre os
demais do Condomínio. Mas jamais para um descente consanguíneo – nem mesmo que tivesse o
sobrenome “Chateaubriand”. Não era hereditário.

Junto disso, os Associados estavam numa fase de repensar suas empresas, uma vez que não
acompanhavam o progresso em volta. A Revista “O Cruzeiro” rivalizava com a Manchete, as rádios
brigavam entre si, os jornais também e até mesmo a televisão tinha visto a concorrência crescer e
aumentar o número de emissoras no Eixo Rio-São Paulo. Em São Paulo, Tupi e Record brigavam entre
si, depois entrou a recém-inaugurada TV Excelsior na briga. No Rio de Janeiro, Tupi e TV Rio
enfrentavam-se fortemente. Ainda no pano de fundo, os interesses políticos estavam gritando, uma vez
que o presidente Juscelino Kubitschek resolveu mudar – depois de séculos – a capital do país. Saíam
do Rio de Janeiro direto para o meio do cerrado, na futura Brasília. Chatô prometeu entregar em menos
de um ano a JK não apenas um jornal no novo distrito federal, como também uma emissora de TV. Os
Associados cumpriram a promessa, inaugurando junto com Brasília o jornal “O Correio Braziliense” e a
TV Brasília, com direito a transmissão da inauguração da “novacap” em rede para todo país. Só que
isso foi em 21 de abril de 1960. Antes muita coisa aconteceu. Aquela tranquilidade foi abalada quando,
em 28 de fevereiro, Chateaubriand foi acometido de uma dupla trombose cerebral. Foi-se a fala e a
locomoção, mas não o cérebro. O ativo paraibano viu-se preso a uma cadeira de rodas tendo que
escrever seus discursos para oradores (entre eles Lima Duarte e Paulo Cabral de Araújo) através de
uma máquina de escrever adaptada.

No dia 17 de março de 1960, foi realizada a primeira reunião do Condomínio Acionário. A partir dali, o
que se viu e foi se atenuando com o passar do tempo, foram condôminos se digladiando pelo comando
dos Associados. Principalmente João Calmon e Edmundo Monteiro brigavam, deixando transparecer
apenas como uma “leve” diferença de ideias. Os subordinados, como o próprio Cassiano Gabus
Mendes, viam-se presos num jogo de interesses. Por mais que tentasse, a dificuldade motora de Chatô
não permitiu mais que ele agisse da mesma forma que antes. Ainda comandava, ordenava, fazia tudo
que estava a seu alcance.

Cassiano tinha então quatro desafios naquele início dos anos 1960: 1º) enfrentar a concorrência
crescente; 2º) implementar o videoteipe na TV Tupi; 3º) realizar a transmissão da inauguração de
Brasília e a expansão das transmissões em rede; e 4º) investir em tecnologia de televisão em cores.
Quatro importantes desafios para ele, que comandava com maestria a TV Tupi há dez anos.

Junto disso, a região da Cidade do Rádio virou um canteiro de obras. O casarão da Rádio Difusora foi ao
chão e passou a ser erguido um edifício no número 52 da Avenida Professor Alfonso Bovero. Ao lado, na

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Cidade do Rádio. Sua inauguração se deu no 10º aniversário da TV Tupi, em 18 de setembro de 1960.
A emissora ainda contava com o Teatro Tupi, para shows musicais, na Rua da Consolação, 2403.

Com a passagem de diversos setores para o novo prédio, a “Cidade do Rádio” passou por uma grande
transformação. Foi transformando-se cada vez mais em um complexo televisivo e menos radiofônico.
Na ocasião, as instalações para TV tinham a seguinte configuração: existiam o Estúdio A (de 1950,
como 165 m2), o Estúdio B (de 1953, com 200 m2), o estúdio C (de 1956, também de 200 m2, contíguo
ao B) e o Estúdio D (de 1956, com 95 m2, destinado para telejornais e anúncios publicitários). O
Auditório entrou em obras, para ficar mais adaptado para televisão – nos anos 1970 ele foi ao chão,
abrindo espaço para a nova torre da TV Tupi, que ficou inacabada por conta da falência do canal, sendo
depois concluída pelo SBT, que recebeu sua concessão paulistana.

As Emissoras Associadas também expandiram seu número de canais. Em São Paulo entrou no ar, ainda
em 1960, a TV Cultura, canal 2. A chamada “irmã-caçula” da TV Tupi. Profissionais como Mário
Fanucchi e Lúcia Lambertini transferiram-se para o novo canal, para dirigi-lo. Como estava previsto pelo
Ministério de Viações e Obras Públicas, no momento em que o canal 2 entrasse no ar, o pioneiro canal
3 sofreria interferência. Já estava contemplado desde 1954 a possibilidade da utilização do canal 4
para TV Tupi. A concessão do 2 originalmente foi outorgada à TV Gazeta, da Fundação Cásper Líbero,
que por motivos desconhecidos deixou de possuir a autorização e o canal 2 foi destinado aos Diários
Associados. Com a interferência comprovada, a TV Tupi fez uma grande campanha para divulgar o seu
novo “canal 4” e, por tabela, a criação da TV Cultura. Uma emissora comercial com propósitos
educativos. Chatô deu ao canal 2 o slogan: “Um presente de cultura para São Paulo”. A concessão
comercial da TV Cultura existiu até 1968, quando a devolveram para o Governo Federal. Foi então
criada, pelo Governo do Estado de São Paulo, a Fundação Padre Anchieta e a concessão passou a ser
educativa, a partir de 1969.

Cassiano em 1960 tinha uma pedra no sapato. A TV Excelsior surgiu em 9 de julho, começando aos
poucos a abocanhar a audiência cativa da TV Tupi. Outro executivo genial, Edson Leite, dava às caras
na nova emissora: o canal 9. O Grupo Simonsen, donos da emissora, eram riquíssimos e aos poucos as
ofertas aos tupiniquins começaram. Até o próprio Gabus Mendes estava na mira do “9”. Os atritos com
a direção dos Associados estavam cada vez maiores, o que fez com que Cassiano pensava muitas
vezes em sair. Só que era difícil, amava aquele lugar, as pessoas, era sua casa... Foi um tempo de
incertezas. Porque se de um lado estava chateado, de outro era alegre. Naquele 1960, por exemplo,
Cassiano Gabus Mendes foi premiado, homenageado. Mesmo discreto, foi ovacionado pelos colegas,
como Melhor Diretor de TV da área.

Por determinação da direção dos Associados, principalmente de Edmundo Monteiro em São Paulo,
Cassiano criou com seus técnicos a logística para transmissão de Brasília: ao vivo, para diversos pontos

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do Brasil. Os méritos, com certeza, cabe a um dos seus mais competentes: Jorge Edo. No dia 21 de
abril foi montada uma estratégia de guerra para transmissão. Através de “links”, o sinal da TV Brasília
era jogado para um primeiro avião que sobrevoava a nova capital, que por meio de malabarismo no ar,
mandava o sinal para um outros dois, que retransmitiam para um conjunto de torres, em Belo Horizonte
(TV Itacolomi), Rio de Janeiro (TV Tupi) e São Paulo (TV Tupi). Para transmissão, Edo foi então falar com
Edmundo Monteiro que queria entender o processo. Conta129 ele:

- Foi um caso muito engraçado. Fui chamado pelo Edmundo Monteiro, que me disse: “Temos que fazer
isso. Como vai ser, Edo?” “Olha, eu ainda não sei. Só sei que o pessoal do Rio está querendo colocar
links. Mas é muito caminho, é muita estrada. Eu tenho uma idéia. Eu pediria a você três aviões. Esses
três aviões irão fazer círculos, um distante do outro, recebendo a televisão, transmitindo para outro
avião, e o outro pro outro avião e finalmente o último avião, para a terra”. “Mas é uma loucura!” “É uma
loucura. Mas se você conseguir os aviões DC-3, que são aviões pequenos, sem pressurização, que
voam a 5 mil metros de altura, nós vamos conseguir. Os aviões ficam fazendo círculos e começaremos
a transmitir. O povo brasileiro vai poder ver a inauguração de Brasília pela televisão”. Os aviões viraram
satélites. Eu tinha visto uma publicação sobre aviões de guerra, as fortalezas voadoras, que estavam
sobrando depois da guerra. Elas foram vendidas e usadas para o seguinte: nos Estados Unidos se
instalava dentro duma dessas fortalezas voadoras, eram duas, um videoteipe e um transmissor,
cobrindo cinco Estados Americanos. Enquanto um ficava voando em círculos, gastando o menos
possível de combustível, o outro estava pronto para voltar a subir e ficar no lugar deste. Essa foi a
minha ideia. Logicamente ninguém sabia o que era satélite, nem como se poderia colocar isso! Essas
ideias eram muito bem recebidas. Todos lutavam juntos para poder fazer coisas que pareciam
impossíveis. E eu tinha o apoio da diretoria, e principalmente do doutor Enéas Machado de Assis, que
era um dos diretores. – Foi a primeira grande transmissão em rede realizada no país.

Sobre Enéas Machado de Assis, citado por Edo, ele foi um dos principais diretores dos Diários
Associados, que nos relembra130:

- Foi um momento empolgante. Queríamos transmitir a inauguração de Brasília. Não havia satélite e as
transmissões eram feitas por microondas terrestres. Mas nós fizemos através de aviões. Mais uma vez
os Diários Associados demonstraram a coragem, a força de vontade e o amor dos seus funcionários.
Aliás, naquele tempo, não usávamos esse termo. Falávamos “companheiros”.

À Gabus Mendes coube a gestão artística do evento. O que fariam seus funcionários, quem iria para
Brasília e o que seria apresentado. Os repórteres Carlos Spera e José Carlos de Moraes (Tico-Tico) foram
escalados para narrar todos os acontecimentos, além de entrevistar as personalidades presentes na

129
Depoimento de Jorge Edo à Pró-TV.
130
Depoimento de Enéas Machado de Assis à Pró-TV.

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cerimônia de inauguração da nova capital. Tico-Tico se recorda131 de uma curiosidade:

- Os microondas eram nas asas. E tudo foi um malabarismo incrível. Eram aviões da FAB e da VASP. São
Paulo é que fez tudo, porque o Rio não quis fazer. Agora, quanto à recepção, a verdade é que as
imagens apareciam distorcidas. Eu fiz a reportagem e depois telefonei para Cidinha, minha mulher, e
ela disse: “Olha, tinha hora que o seu nariz ia parar na testa, depois descia pro queixo”. Mas a verdade
é que fizemos o trabalho e foi uma beleza. E, além disso, foi gravado em videoteipe e passado em
Brasília, para as pessoas que estavam lá.

Cassiano Gabus Mendes conta132 que essa operação contribuiu também para a chegada do videoteipe
à TV Tupi:

- A chegada do videoteipe foi uma festa, porque permitiu melhorar a qualidade técnica dos programas.
Foi introduzido em 1960, pois foi encomendado para a transmissão de Brasília. Chegou em cima da
hora, e foi montado às pressas para a ocasião. Fizemos uma transmissão ao vivo por microondas, mas
também houve gravação em VT para registro histórico. Mas ele deve ter sido apagado como tantos
outros. Infelizmente.

Algumas horas depois os espectadores de São Paulo, do Rio e de Belo Horizonte também receberam o
videoteipe da gravação da inauguração de Brasília. E assistiram a repetição na mesma noite. A TV
Record também disputou com a TV Tupi, gravando também em videoteipe e exibindo um pouco antes as
imagens sem distorção. Só que isso não abalou os Associados, porque eles tinham conseguido uma
grande façanha via microondas, o que ninguém conseguiu.

O videoteipe então foi entrando aos poucos na programação, sendo que só a partir de 1962 é que
realmente teve seu uso regular. A primeira grande exibição em VT foi para comemorar o 10º aniversário
da TV Tupi, em 18 de setembro de 1960. Na data Cassiano Gabus Mendes preparou uma nova
adaptação a “Hamlet”, de Shakespeare, no seu “TV de Vanguarda”. Lima Duarte nos conta sobre essa
versão de “Hamlet”:

- Foi gravado em videoteipe. Começamos sábado, ao meio dia, e terminamos domingo, às cinco horas
da tarde! Tiveram várias versões do Shakespeare. Nessa, o Hamlet foi o Tatá, o Luis Gustavo. Eu era o
Horácio, o coveiro. Na primeira versão eu fui o Hamlet.

Maria Helena Dias foi Ofélia. Laura Cardoso, também participou. Ela relembra:

131
Depoimento de José Carlos de Moraes (Tico-Tico) à Pró-TV.
132
“Cassiano, da aventura ao glacê” (Folha de S. Paulo, 08/03/1980).

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- Foi o Dionísio Azevedo que adaptou e dirigiu. A gente levou dias, porque não sabia como era o
videoteipe. A peça tomou mais de um estúdio pra fazer o castelo. Eu fiz a Rainha Gertrudes nas duas
versões. Nesse o Fernando Baleroni foi o Rei Cláudio. O “Hamlet” gravado foi uma odisseia.

Antes do “TV de Vanguarda”, vários testes de videoteipe foram feitos na TV Tupi. Um dos primeiros foi
durante a peça “Esta Noite é Nossa” (do “TV de Comédia”), em 01º de maio de 1960. Nem o produtor
Geraldo Vietri, nem o elenco foi avisado que a peça tinha sido gravada. Aí um técnico foi até o estúdio,
ao final, e os chamou para ver no switcher o resultado. Os atores estavam animados, radiantes, mas
Vietri não gostou. Repreendendo a todos, ele disse133:

- Aqui termina a televisão brasileira. Em primeiro lugar o ator não precisa mais ter talento para
interpretar, pode ser fabricado... porque errou, apagou, voltou... E mais... Aqui termina o mercado de
trabalho da televisão brasileira. O Sul vai acabar, vai acabar o Norte, vai acabar Belo Horizonte, ficarão
apenas São Paulo e Rio de Janeiro. – Vietri estava certo. Para ser ator não era mais o esforço e a
qualidade técnica de antes, onde o exercício da memorização, por exemplo, era algo hercúleo. O ator
tinha que ter tudo na ponta da língua. Sobre a televisão regional, as primeiras redes (com distribuição
de fitas de videoteipe, colocadas no ar ao mesmo tempo nas capitais) fez com que o mercado se
comprimisse, tornando-se o famoso “Eixo Rio-São Paulo”. Inicialmente os programas eram gravados de
ponta a ponta, sem interrupções. Com o passar do tempo, as gravações antecipadas permitiram que
desse mais acabamento às cenas, o que por outro lado prejudicou o “calor da cena” e a
“espontaneidade”, uma vez que aumentaram o número de interrupções durante as gravações. A
televisão “ao vivo” aos poucos foi morrendo.

Assim como a concorrência, a TV Tupi também começou a enviar suas fitas para outras afiliadas com
gravações inteiras e isso por um lado permitiu uma maior integração nacional. Cassiano contava com
um problema: a disputa interna que existia entre a TV Tupi de São Paulo e a do Rio de Janeiro. Não era
possível ter uma emissora cabeça-de-rede, uma vez que as duas se achavam no direito de serem as
principais. Além delas, a expansão da televisão acontecia cada vez mais rápido. Em dezembro de 1960
existiam, nas Emissoras Associadas, as TVs Tupi (São Paulo, SP, e Rio de Janeiro, RJ), TV Itacolomi (Belo
Horizonte, MG), TV Piratini (Porto Alegre, RS) e as recém-inauguradas TV Brasília (Brasília, DF), TV Rádio
Clube (Recife, PE), TV Rádio Clube (Goiânia, GO), TV Paraná (Curitiba, PR) e TV Ceará (Fortaleza, CE).
Quando Gabus Mendes saiu da emissora e a Rede Tupi de Televisão dava oficialmente seus primeiros
passos, os Associados contavam com 22 emissoras espalhadas por todo Brasil.

No ano seguinte, exatamente em 29 de agosto de 1961, Cassiano estava muito feliz. Nasceu seu
segundo filho com Helenita Sanches, que recebeu seu nome: Cassiano Sanches Mendes, o

133
Jornal Diário da Noite (Dirceu Noronha, “Rádio e TV”, dezembro / 1960).

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“Cassianinho”, que logo foi apelidado de “Cassio” pelo pai. O futuro ator Cassio Gabus Mendes,
complementa:

- Uma das coisas que eu mais me orgulho é ter esse nome, ser Cassiano como meu pai. Ganhei esse
apelido porque era complicado ter duas pessoas com o mesmo nome em casa. E pegou. – àquela
altura, o mais velho também não era mais chamado de “Luiz Otávio”, mas sim de “Tato”. Ganhou um
irmão aos nove anos, seu grande amigo.

Parece que tudo estava mudando. Parece? Não... Era tudo que mudava de lugar. A concorrência crescia
e a TV Tupi parecia não ter fôlego para correr atrás. Cassiano sentia-se amarrado, tinha que ficar à
mercê das decisões superiores. A medida que o tempo passava, Chateaubriand piorava, a concorrência
melhorava, o conglomerado estava em crise. A TV Record e a TV Excelsior pareciam dançar sobre aquela
realidade tupiniquim. E as mãos? Amarradas. Só que Cassiano Gabus Mendes não desistia. Enquanto
isso, acordos eram feitos entre Time-Life e a TV Globo do Rio de Janeiro. João Calmon, dos Associados,
denunciou a “entrada de capital estrangeiro” no mercado da radiodifusão. Mais confusão... No Governo
Federal, JK terminou seu mandato e Jânio Quadros foi eleito presidente... “Forças Ocultas” o fizeram
renunciar. O vice-presidente João Goulart assumiu... e os Militares tomaram o poder com o Golpe de
1964, em 31 de março daquele ano. O Brasil estava do avesso.

Dentro de seu ambiente, Gabus Mendes percebeu a chegada da onda “cucaracha”. Assim como
aconteceu com o rádio, foi a vez da televisão ser alvo dos exportadores de novelas latinas. A Excelsior
saiu na frente, o que alavancou sua novela diária. A Tupi veio depois, tentando alcançá-la e conseguiu.
Os teleteatros perdiam força... Mais precisavam reagir! O primeiro passo veio em 14 de janeiro de
1963, às 22 horas, quando Cassiano Gabus Mendes lançou e supervisionou o “Teleteatro Brastemp”,
patrocinado pela empresa de eletrodomésticos. A primeira peça foi “Mulheres do Crepúsculo”. Já na
primeira semana de abril, ele e J. Antônio D’Ávila investiram numa nova programação da TV Tupi, com
novas contratações e a compra de novos equipamentos, agora de TV em cores, da marca Marconi (uma
observação: em 1961 a TV Tupi realizou os primeiros testes de transmissões coloridas no país).
Cassiano também lançou “Lima Duarte é Show”, sob sua produção. Passou também a ter apoio de
Walter Arruda, que o auxiliou por um tempo na direção artística da TV Tupi.

Só que Cassiano continuava irritado. Os salários estavam atrasados, o desrespeito com ele e os colegas
crescia. O seu salário em si também não correspondia a todas as responsabilidades que acumulava. A
TV Tupi dava os sintomas de que os ares não eram mais os mesmos. Cansou do estresse da direção
artística. No dia 31 de dezembro de 1963, a Folha de São Paulo noticiou:

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- Cassiano Gabus Mendes, em carta enviada à direção-geral do Canal 4, pediu demissão do cargo que
vinha ocupando há mais dez anos. Quer apenas ser produtor e diretor de programas na TV Tupi. O
moço parece desgostoso com o que vem acontecendo na emissora do Sumaré.

Foi um final de ano tenso para Cassiano, porque os Diários Associados não aceitaram seu pedido de
demissão. Edmundo Monteiro praticamente exigia que ele continuasse. Tiveram que chegar em um
acordo. Daquele jeito não dava mais. Foi por essa razão que aos poucos a direção artística foi sendo
subdividida, para não sobrecarregá-lo. Edson Leite havia convidado Gabus Mendes para ir para TV
Excelsior, assim como fez com um grande número de profissionais da Tupi. Pensava agora na
possibilidade, mas a persistência da direção Associada e os acordos, fizeram que ele voltasse atrás. Na
mesma Folha de São Paulo, em 09 de janeiro de 1964, veio a resposta:

- Cassiano Gabus Mendes e a direção das Emissoras Associadas acabaram acertando os ponteiros.
C.G.B. permanecerá mais dois anos à frente do Canal 4, recebendo um dos maiores salários da
organização. Quanto aos boatos, segundo os quais ele mudaria de prefixo, falou-se que o casal John
Herbert-Eva Wilma também deixaria a TV Tupi, solidário ao Cassianinho.

Ele resolveu ficar, mas desacelerar sua vida. Cassiano era um rapaz de 36 anos, que naquele estresse
que estava, aproveitava os poucos momentos em casa como uma válvula de escape. Ele sentiu que
precisava mudar. Passou a ficar um pouco mais com a família e aproveitar singelos momentos de
prazer, a ouvir jazz, deliciando-se com a sua coleção de discos, que já somavam-se em 1.500
exemplares. Era preciso se desprender de certas funções, se quisesse continuar na direção artística.

Foi para sala da direção artística, viu a programação da concorrência, fez anotações, pensou em novas
ideias. Cassiano ia contra-atacar. Precisava motivar seus colegas, se quisesse mudar o jogo da TV Tupi.
Mandou pintar todas as paredes da TV Tupi, para que tudo parecesse “novo”. Cores mais claras,
alegres. Espalhou então pelas paredes cartazes de incentivo, com dizeres como: “Incentive seu
companheiro. Seu êxito trará benefícios” e “Sorria, o sorriso impõe harmonia”. Fechou contratos e
aprimorou o Teatro Tupi, na Consolação, com um switcher próprio. Passou a fazer mais gravações
externas, para mostrar ao público que a TV Tupi estava “antenada” com tudo que acontecia na cidade
(criou até uma cidade cenográfica, dentro do Parque do Ibirapuera, para encenar “O Bem Amado”, com
Rolando Boldrin como Odorico Paraguassú). Adquiriu também dois novos VTs. Gabus Mendes criou
ainda um grupo de trabalho, que se reunia todos os dias, às 11 horas da manhã, para debater a
programação e estudá-la, como também criar planos promocionais. Dele faziam parte, além dele, Heitor
de Andrade, Fernando Severino, Aurélio Campos, Ribeiro Filho, Humberto Bury e Benjamin Cattan.
Gabus Mendes também renovou o elenco, lançando novos artistas, como Ana Rosa (em “Alma Cigana”)

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e Marisa Woodward (em “A Gata”). Disse134 Gabus Mendes:

- Agora estamos novamente na luta, enfrentando os concorrentes com as mesmas armas, com bons
filmes e intervalos comerciais de somente 6 minutos. Nossa preocupação se resume em fazer televisão
popular, que todos entendam, sem falsos rasgos de intelectualismo. Por exemplo, temos agora um
horário reservado às novelas. Você deve ter notado: seu argumento é simples, despretensioso, mas
merece cuidado especial, o mesmo capricho que dispensamos ao nosso mais ousado TV de Vanguarda.
Televisão, na minha opinião, é isso mesmo. Muito dinamismo, muita realidade, como no cinema. Vamos
continuar revelando novos valores. Não pretendemos mais estacionar.

Observando a Rede Excelsior e a ligação das Emissoras Unidas (Record e TV Rio), Cassiano Gabus
Mendes então começou a falar com outras Emissoras Associadas. Com a TV Tupi do Rio de Janeiro,
daria início ao projeto do Telecentro Tupi. Seu parceiro: o amigo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o
Boni.

134
“Depois da tempestade surge uma nova TV Tupi” (Oscar Nimitz, Revista Intervalo, 02/08/1964).

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Encontro de mestres

Antes de irmos para a história do Telecentro, voltemos no tempo. Havia um garoto que se descobriu
apaixonado pelas artes, a começar pelo rádio e a música. Era filho do violinista Caçula (Orlando de
Oliveira). Aos sábados, desde pequeno, ele conheceu com o pai diversas rádios, como as paulistanas
América, Record e Cultura, nas quais o músico chegou a trabalhar. Quando o pequeno José Bonifácio
tinha sete anos, Caçula faleceu. Foi para um colégio interno e dois anos depois se mudou para o Rio de
Janeiro. Lá tinha sua tia Sandra, cantora de rádio, que era casada com Firmino, músico do conjunto
“Quatro Ases e Um Curinga”. Passou a frequentar a Rádio Nacional carioca, depois a Rádio Clube do
Brasil, dirigida por Dias Gomes. Depois de ficar no pé do diretor, este o indicou para trabalhar na Rádio
Roquette-Pinto. Lá fez o “Clube Juvenil Toddy”. Em 1951, ao saber da inauguração da Rádio Nacional
de São Paulo, pediu a uma tia da capital paulista, que queria voltar. Ele sabia que ela tinha em seu
instituto de beleza, entre suas principais clientes, a Dona Dalila - esposa de Manoel de Nóbrega (recém-
contratado para dirigir a Nacional paulistana). Conseguiu o cargo de redator de pequenos quadros do
“Programa Manoel de Nóbrega”. Bonifácio assumiu então o nome artístico de Oliveira Sobrinho. Seu
contrato era com o próprio Nóbrega e ele queria que fosse transferido essa responsabilidade à Rádio
Nacional. Costa Lima, então diretor da rádio, dizia que não tinha verba. Mas seu talento começou a ser
notado e os ventos conspiraram a seu favor. Ele adorava Nóbrega, mas sua situação estava apertada e
precisava de dinheiro.

Um dia, já em 1952, recebeu um telefonema. Era Theóphilo de Barros Filho, das Associadas. Queria
uma reunião com o rapaz, na sala dele no Sumaré, no dia seguinte. José Bonifácio (ou Oliveira
Sobrinho) titubeou, mas topou. Theóphilo pediu sigilo absoluto. Na reunião, o diretor foi logo falando:

- Queremos que você venha para cá. Sabemos quanto você ganha e oferecemos um contrato que paga
seis vezes mais. Mas olha bem, tem uma coisa: só vale se você assinar agora, sem falar com o pessoal
da Nacional. Se souberem, vão querer pagar mais para segurar você. E nós não queremos leilão.

Oliveira Sobrinho se assustou e estava receoso, por consideração a Nóbrega. Perguntou se podia ligar
para ele, mas Theóphilo disse que não. Era “pegar ou largar”. O garoto então pensou na sua situação e
aceitou, mesmo sabendo que depois Nóbrega ficaria enraivecido, mas que entenderia. Theóphilo ainda
disse:

- Você é um diamante que precisa ser lapidado. E aqui temos uma coisa que eles não têm: a televisão.
Precisamos de gente jovem. O Cassiano, nosso diretor da TV Tupi, é apenas um pouco mais velho que
você. O contrato de dois anos está datilografado. É só assinar. - assinou o contrato e depois foi

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encontrar Nóbrega. O resultado foi o esperado. Eles ficaram muito tempo sem se falar, mas um dia a
raiva passou. Ele até hoje é muito grato a Nóbrega.

O rapaz voltou à Tupi no dia seguinte, para saber para o que havia sido contratado. Era para redigir um
programa chamado “Caravana da Alegria”, concorrente do de Nóbrega. Ele assumiu a função, mas
queria conhecer Cassiano Gabus Mendes, de quem já tinha ouvido falar. Foi até a sala do jovem diretor.

- Muito prazer, Cassiano. – os dois então começaram a conversar amistosamente. Ali nascia uma
amizade de décadas, de profunda admiração e reciprocidade. Logo Gabus Mendes então foi direto ao
ponto – Se tem curiosidade, eu recomendo a você que aprenda televisão. Aqui no Sumaré funciona
tudo junto, então comece a frequentar os estúdios e acompanhe as transmissões. Se aproxime e tente
aprender tudo com nossa equipe. Num momento oportuno, te chamo para Tupi.

Aqueles olhos curiosos de Bonifácio dispararam a intuição de Cassiano, que continuou:

- Garoto, você tem um aparelho de televisão? – Bonifácio riu, respondendo que não. Gabus Mendes
então tirou da gaveta um papel e entregou a ele. – Faça o seguinte, a TV Tupi vai te emprestar um
televisor e você o leva pra casa. Isso aqui é uma requisição, preencha aqui. – O garoto então
preencheu, seguido da rubrica de Cassiano no documento. – Pegue o televisor lá no almoxarifado. A
partir de hoje assista tudo o que for possível.

- Eu vejo até o chuvisco da televisão.

- Nós temos ainda muitos programas piores que chuvisco! – brincou Gabus Mendes.

Oliveira Sobrinho aos poucos foi, nos corredores da Tupi, se transformando em “Boni”. Seguiu as dicas
de Cassiano. Logo conseguiu um papel, como ator, na TV Tupi. Ele nos conta135:

- Como eu era muito curioso em relação a tudo o que acontecia na televisão, o Cassiano Gabus
Mendes, que foi um grande amigo, me colocou para fazer um papel no seriado de aventuras “O Falcão
Negro”. Meu personagem era o Pé de Coelho, um estafeta que levava mensagens para o Falcão Negro
e que só falava um “bom dia” ou um “boa tarde” duas vezes por mês, mas que trabalhava toda
semana. – e Boni complementa – Já tinha um fascínio muito grande por algumas pessoas que fui
conhecer na televisão, como, por exemplo, Túlio de Lemos, Walter George Durst, Lima Duarte.
Trabalhar ao lado deles, na Tupi, foi uma coisa deslumbrante na minha vida, uma coisa linda, um
momento extremamente feliz, em que eu fazia o que gostava e tinha ainda a possibilidade de aprender
tudo aquilo que realmente queria aprender. Além disso era obrigado a assumir responsabilidades.

135
Depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho à Pró-TV.

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Meses depois, o diretor comercial da TV Tupi, Fernando Severino, o chamou para fazer a novelinha
“Família Sears”, patrocinada pelas Lojas Sears. Boni sobressaiu-se e chamou a atenção da
concorrência. Dois anos depois, 1954, recebeu o convite para ser assistente do diretor artístico da TV
Paulista, Roberto Côrte-Real. Ficou no canal 5 até 1955, quando pediu a Côrte-Real apoio, porque as
finanças ainda eram apertadas. Conseguiu um emprego na RGE, com José Scatena, e depois, com
apoio de sua tia (a do instituto de beleza) conheceu Rodolfo Lima Martensen. Aí começou sua carreira
na publicidade, na Lintas. Teve ainda uma passagem pela Multi Propaganda, de Jorge Adib, que
bancava programas patrocinados pela Gessy, como “Alô, Doçura!”, de Cassiano Gabus Mendes, e “Três
é Demais”, de Jô Soares, também na TV Tupi. Passou a gerir programas da Gessy-Lever para rádio e
televisão. Logo lembrou-se de Cassiano e de Severino. Voltou à Tupi e fez diversos programas da Lever
na televisão: “Caixas de Pedido Lever” e o histórico “Lever no Espaço”, em 1957. Esta foi a primeira
série de ficção científica da TV brasileira. Mário Fanucchi, o roteirista do seriado, nos conta136:

- O Boni atuava como coordenador. O Cassiano era o diretor-geral. Três estúdios montados para a
apresentação do programa. Aparecia um ser estranho e uma voz, falando a bordo do disco voador. Teve
sucesso muito grande. Repercussão muito boa. E isso tudo, antes do lançamento do “Sputinik”, que
confirmou grande parte das previsões. Antes do lançamento, houve uma campanha inusitada: de
efeitos (intencionais), ruídos, mensagens estranhas, um vulto de um extraterrestre e coisas para
amedrontar o telespectador e chamar sua atenção. A ideia foi do Boni, criador da campanha.

A inspiração, sem dúvida, foi Orson Welles e sua polêmica irradiação de “A Guerra dos Mundos” (1938).
O mesmo aconteceu em São Paulo quando diversos telespectadores fizeram a linha 62-5191, telefone
da TV Tupi, fervilhar de ligações, uma atrás da outra. Até outros números internos passaram a receber
ligação. Além disso telegramas e cartas. Cassiano Gabus Mendes ainda apimentou as ideias de Boni,
achando a melhor forma de criar as campanhas tecnicamente. Criou o “defeito” especial. Fez uma
verdadeira interferência e inverteu o áudio, impossibilitando sua decodificação. No meio dos chuviscos,
vultos apareciam e cada vez mais nítidos, ao passar dos dias. Enquanto isso já tinha até gente indo até
o Sumaré, tentando entender a razão daqueles ETs terem invadido apenas o sinal da TV Tupi. No início,
as perturbações eram ouvidas com reduzido volume e parecia um vazamento de som de telefone no
sinal da Tupi. Depois, três noites seguidas, o “fenômeno” aconteceu por dez vezes. Na quarta noite o
slide da emissora ficou repentinamente distorcido, a música de fundo foi interrompida e a voz do locutor
pediu desculpas por causa de “problemas de ordem técnica”. Passado um dia, o jornal Diário da Noite
publicou no canto da primeira página uma nota dizendo que os técnicos da TV Tupi admitiam uma
interferência de origem desconhecida, sustentados pela afirmação do próprio Cassiano Gabus Mendes,
diretor da emissora! Telespectadores continuavam a ligar. Muitos queriam dar opiniões aos técnicos
sobre o que achavam que acontecia. Um até assegurou que o idioma era sueco e que podia ser uma

136
Depoimento de Mário Fanucchi à Pró-TV.

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interferência de uma TV estrangeira. Outro dizia que era uma mensagem cifrada de uma organização
secreta e sugeria que o Serviço de Inteligência do Governo Federal intervisse. No dia seguinte nada
aconteceu. Mas na sétima noite, após o início das interferências, o som foi cortado, as imagens do filme
de “Veja o Brasil” ficaram distorcidas e perderam o foco. Com o uso da fusão, passou a aparecer uma
imagem nebulosa na tela, até assumir contornos de um homem que parecia falar, mas não emitia sons.
Vinte segundos apenas e muitos telefonemas. O Diário da Noite ajudou a aumentar a polêmica no dia
seguinte estampando foto da tela, enchendo o vídeo, com a silhueta. Afirmavam ser uma “imagem
extraterrena”. A inversão da fita no gravador, das palavras gravadas em audioteipe, finalmente foram
reveladas no dia seguinte, quando o som deixou de ser invertido e a imagem ganhou nitidez:

- Atenção seres da Terra! Verúnia chamando! A hora está próxima! Vamos, juntos, salvar a Terra!
Viemos em paz. – revelada a mensagem anunciou-se, em meados de 1957, o lançamento do seriado
“Lever no Espaço”, com Mário Sérgio, Lima Duarte, Dionísio Azevedo, Jayme Barcellos, Turíbio Ruiz,
além de Rogério Márcico, Rafael Golombeck e Beatriz Segall (os alienígenas). Com cenas ao vivo, a série
tinham filmes 16 mm que mesclavam desenhos e animações. Foguetes, planetas e tudo que pudessem
imaginar. Durou pouco a criação, mas o trio Boni, Cassiano e Fanucchi marcaram a história de nossa
televisão (sem esquecer de Antonino Seabra, o diretor de TV de “Lever no Espaço”). Eis os nossos Orson
Welles tupiniquins.

No início dos anos 1960, Boni foi então convidado por Edson Leite para ingressar na TV Excelsior. Fez
história ali, revolucionou. Depois disso foi para a TV Rio, onde conheceu Walter Clark, seu parceiro de
muitas vitórias. Perseguiram juntos o sonho de criar uma verdadeira rede nacional. Dessa época, Boni
conta também outra passagem que sua ligação com Cassiano foi de extrema importância. É relativo a
primeira novela de grande sucesso da televisão brasileira, “O Direito de Nascer” (1964):

- Na verdade, a ideia de fazer “O Direito de Nascer” foi minha. Eu e o Walter Clark enviamos a Dercy
Gonçalves e o David Raw para o México, onde estava residindo o cubano Félix Caignet e, como a TV Rio
estava mal de finanças, compramos com dinheiro do nosso bolso os direitos para televisão no Brasil. A
TV Rio não tinha condições de produzir a novela, nem adaptadores, nem estúdios, nem elenco.
Oferecemos à TV Record que não acreditou no projeto. Face ao prejuízo eminente, procurei a Lintas que
se interessou pelo projeto e condicionou seu patrocínio a que encontrássemos uma emissora disposta
a produzir. Procurei o Fernando Severino que, entusiasmado, me levou ao Cassiano Gabus Mendes. Em
princípio, ele não tinha condições de produzir, porque a TV Tupi do Rio ficaria de fora, uma vez que eu
era diretor artístico da TV Rio e sócio dos direitos. Por pura amizade, o Cassiano decidiu convencer a
Tupi do Rio de que os Associados produziriam “O Direito de Nascer” e teriam que entregar a exibição,
no Rio, à TV Rio. Conversamos com o Rogério Severino e ele convenceu o pessoal da Tupi-Rio.
Finalmente conseguimos a liberação para aquela praça, em troca da cessão dos direitos autorais para

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o resto do Brasil. Se não fosse o Fernando Severino e o Cassiano, eu estaria endividado até hoje.

Depois Boni foi para TV Bandeirantes, ainda em sua fase de implantação. Queria tentar um acordo entre
a TV Bandeirantes e a TV Globo para formação de uma rede. Só que Saad e Marinho não se reuniram.
Clark foi então para TV Globo. Já Boni optou por voltar para TV Tupi, numa proposta que recebeu para
comandar o projeto do Telecentro, em 1966. Boni e Cassiano ligavam-se.

Cassiano, nesse tempo todo permaneceu na TV Tupi de São Paulo, na direção artística. Gabus Mendes
chegou a receber uma proposta para dirigir a TV Globo nos seus primórdios. Conta sua esposa Helenita
Sanches:

– Ele poderia ter ido para o Rio, mas eu estava com uma criança pequena, meus pais moravam aqui...
nossa vida era em São Paulo. Ele recusou.

Voltando ao Telecentro Tupi, o projeto renovou a programação da emissora e juntos, Cassiano e Boni
tentaram alavancar o projeto de uma grade em rede – parte produzida em São Paulo e parte no Rio de
Janeiro. A ideia do Telecentro partiu dos condôminos João Calmon e Edmundo Monteiro, visando
unificar as programações e diluir custos das Emissoras Associadas. O Telecentro Tupi de São Paulo era
comandado por Cassiano e a do Rio por Boni. Intensificariam as novelas produzidas pelos paulistas e a
linha de shows pelos cariocas. Já a compra de filmes, séries e direitos esportivos foram feitos de comum
acordo entre os Telecentros. Mensalmente Cassiano e Boni se reuniam para debater o planejamento do
mês seguinte. Em pouco tempo, as Emissoras Associadas ressurgiam e alcançavam a liderança, o
primeiro lugar em audiência. O Sumaré e a Urca transbordavam de produções. Aos poucos, o elenco
perdido para TV Excelsior regressava à TV Tupi, traziam também profissionais do teatro (por um lado
isso desmotivou muitos funcionários da Tupi, uma vez que a falta de equiparação salarial entre os que
antigos e os novos contratados era absurda, numa diferença gritante – o que era controlado pelo
financeiro dos Associados). Já no Rio de Janeiro, programas como “A Grande Parada”, “I Love Lúcio”,
“Black and White” e muitos outros estouravam em audiência. Mais de 50% no Ibope.

O retorno comercial também foi acima do esperado, mas tinha um problema: as vendas comerciais
eram repassadas às demais emissoras, que retransmitiam a programação e em contrapartidas os
custos eram rateados entre todos. Porém, um verdadeiro “calote”, com atrasos (ou não pagamento) da
porcentagem de várias delas, inviabilizou o grande projeto do Telecentro. Isso desmotivou Boni e ainda
mais Cassiano, que desde 1950 fazia de tudo para ver a Tupi no seu merecido lugar. Boni então aceitou
o convite de Walter Clark e foi para a TV Globo. Uma de suas primeiras metas foi evitar que o mesmo
acontecesse na emissora dos Marinho, criando uma política rígida de afiliadas e comercialização. Criou
uma estrutura sólida, profissionalizou mais ainda, dando passos importantes para consolidação da

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Rede Globo de Televisão. Ressalta137 Boni:

- Costume dizer que, na montagem da programação da Globo, há um dedo indireto do Cassiano Gabus
Mendes, do Paulo Machado de Carvalho Filho, do Alfredinho, do próprio Fernando Severino e do Edson
Leite. Um pouco de tudo aquilo que já havia sido feito na televisão foi incorporado a uma grade ideal de
programação da TV Globo. O trabalho na televisão é um trabalho coletivo, como também na
publicidade. Nesses meios, cada um tem sua participação no resultado final do trabalho, cada um
contribui com sua parte. Por isso não há só um dono, um só autor. O resultado pertence a todos nós,
profissionais, que amamos o que fazemos e fazemos com dedicação.

Cassianou cansou, depois saiu para Excelsior, mas logo voltou para Tupi. A emissora estourou com o
sucesso de “Beto Rockfeller”, novela que Boni assistia regularmente. De longe acompanhava o amigo.
Em 1975, entusiasmou-se com a possibilidade de Cassiano ir para Globo e conseguiu. Com Regis
Cardoso dirigindo, Cassiano fez um ano depois seu primeiro grande sucesso na “Vênus Platinada”, a
novela “Anjo Mau”. De tempos em tempos eles se ligavam, se reuniam. Quando Cassiano ia ao Rio de
Janeiro, eles ficavam horas debatendo sobre as novelas, novos projetos, os nomes da trama. Sempre
uma troca muito grande, um respeito maior ainda.

Quando a televisão brasileira completou 40 anos, em 1990, Boni quis fazer uma homenagem a
Cassian, recriando uma das peças do “TV de Vanguarda” na Globo. Conta ele:

- Chamei o Paulo Ubiratan para executar o projeto e ele levou um susto. “Nem pensar. Hoje, só
gravando. E com cenas isoladas, uma a uma. Ninguém vai decorar o texto inteiro, nem as marcações,
entradas e saídas dos cenários. É loucura. Desista”. Pensei bem e resolvi não arriscar. Poderia ser uma
catástrofe. Aqui só foi possível, no passado, porque não havia outro jeito... tinha que ser. Atualmente,
parecemos mais com o cinema do que com a televisão. Mas a Tupi de São Paulo foi, praticamente,
pioneira em tudo que se faz até hoje. O fato é que a TV Tupi foi precursora nos mais diversos gêneros de
programas.

Cassiano e Boni comentavam sobre tudo, até mesmo sobre o que achavam do elenco:

- O Cassiano Gabus Mendes, com toda sua experiência, achava a Glória Pires o mais perfeito produto de
televisão. O Tony Ramos está no topo da lista dos autores. Já na TV Tupi de São Paulo era um dos
atores favoritos de Cassiano, da Ivani Ribeiro e do Geraldo Vietri.

Quando o “Jornal Nacional” foi lançado, Cassiano Gabus Mendes, ligou para Boni e o parabenizou. Na
época ainda estava dirigindo a TV Tupi. Eram amigos, concorrência à parte. Depois que voltaram a

137
Depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) à Pró-TV.

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trabalhar juntos, na Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho vibrava com o sucesso das novelas de
Cassiano na Globo... Campeão absoluto das novelas das sete horas! Cassiano tinha carta branca para
criar. A única trama que Cassiano e Boni não entraram em um acordo rápido, demorando anos, foi
sobre a trama “Que Rei Sou Eu?”, cuja proposta ficou engavetada. Até que Gabus Mendes conseguiu
convencê-lo de que valia a pena ousar numa trama “capa e espada”. Na época Boni temeu a
intervenção da Censura, mas após o fim da Ditadura Militar, Cassiano voltou com a proposta, Boni releu
e ligou para o amigo:

- Adorei. Quero dar o título para a sua novela e já tenho a letra da música de abertura. Vamos chamá-la
de “Que Rei Sou Eu?”? Topa?

- Maravilha! Vamos nessa. – respondeu Cassiano. A novela virou um sucesso em pouco tempo. O “Rap
do Rei” foi gravado pelo grupo Luni, cuja intérprete principal foi a futura atriz Marisa Orth. Em 1989, a
novela foi um sucesso total.

O diretor Daniel Filho, em 2000, afirmou138: “Se eu tivesse que escolher dois homens para falar desses
50 anos da televisão no Brasil, sem dúvida nenhuma seriam Cassiano Gabus Mendes e o Boni. Foram
eles que lideraram tudo o que se fez em nossa TV”. – Dois amigos que revolucionaram a televisão
brasileira, tornando-a referência internacional.

138
Livro “O Circo Eletrônico Fazendo TV no Brasil” (Daniel Filho, 2000)

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VII.
A novela moderna

176
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As novelas diárias

Os grandes teleteatros prosseguiam sempre. Eram o xodó de Cassiano. Mas as novelas, que
começaram pequeninas, numa estradinha estreita, foram ganhando forma. Aconteceram uma atrás da
outra. Sempre. E os novelistas foram aparecendo. E as novelas, não mais bissemanais como no
começo, com poucos cenários, poucos capítulos. E agora mais importantes. Eram gravadas. Foram aos
poucos conquistando o Brasil, pois já começava o videoteipe, e as redes, e a televisão atingindo o país
todo.

Cassiano precisava enfrentar a TV Excelsior, com suas novelas diárias e seu elenco de primeira. E ele,
um lutador, tinha que conseguir vitórias.

Comandar um barco, não é esperar sempre águas calmas, tranquilas. O mar andava revolto e o já
maduro diretor artístico Cassiano sabia disso. Chamou vários outros redatores. Plínio Marcos ali estava.
Ivani Ribeiro, Marcos Rey, Benedito Ruy Barbosa, Bráulio Pedroso... Ah, Bráulio Pedroso. Foi ele a quem
Cassiano confiou para criar seu anti-herói: Beto Rockfeller. Rapaz de classe média, simpático,
mentiroso, capaz de tudo... E quem faria esse papel? Ah, o Luis Gustavo, o Tatá, naturalmente!
V. A.

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Paixão nacional
No princípio dos anos 1960 a televisão brasileira já estava amadurecida, aumentando facilmente o
número de produções. Obviamente que na Tupi isso também aconteceu. Os teleteatros já não eram
mais novidade, precisando remodelar o formato. Os seriados ganhavam força e as novelas, ainda não
diárias, continuavam firmes em suas produções. Foi o momento em que começamos a sofrer a
influência das produções latino-americanas em nossa dramaturgia. Glória Magadan era uma das que
logo aportou no Brasil, produzindo inúmeras novelas, principalmente para a nascente Rede Globo. Só
que antes dela veio para cá um empresário mexicano, de nome Peña Aranda. Cassiano Gabus Mendes
nos conta139 como foi que a novela diária chegou até ele:

- Apareceu um cidadão aqui chamado Peña Aranda, que trabalhava pra Colgate-Palmolive, que era
uma firma muito interessada em novela, porque patrocinava novelas no México, na Argentina e tal.
Naquele tempo a televisão argentina era superior a nossa e lá vai longe. Então ele veio aqui com uma
malinha embaixo do braço, cheio de scripts de novelas mexicanas e argentinas. Tanto que as primeiras
novelas que fizeram sucesso no canal 9 e foram adaptadas por Ivani Ribeiro, eram de um sujeito
chamado Abel Santa Cruz. Era “A Moça que Veio de Longe”, mais uma outra de que não me recordo o
nome agora. Então ele começou assim, entrou na minha sala e disse assim: “Vamos fazer novela, todo
dia um capítulo”. Eu quase matei ele e disse: “Não, não é possível. Não dá”. “Dá”, com aquele espanhol
carregado, era muito simpático. “Se você trabalhar mesmo, pra valer, dá. Porque o público se amarra,
você segura, tal e tal”. Aí ele fez uma preleção, aí falei: “Puxa, não é que esse...” Fiquei meio assim,
mas falei “vamos estudar”. Nesse “vamos estudar” ele lançou no 9. E realmente “pegou fogo”. Então
nós também entramos no mercado e fizemos nossas novelas também. Começou com “Alma Cigana” e
foi embora, né?

Quando Gabus Mendes referiu-se à TV Excelsior ter saído na frente, era sobre a novela “2-5499
Ocupado” (1963), de Alberto Migré, que tornou-se a primeira diária – tendo no elenco Tarcísio Meira e
Glória Menezes, ex-integrantes do elenco da TV Tupi. O contra-ataque, feito pela TV Tupi em 1964, foi
com “Alma Cigana”. A trama de Ivani Ribeiro foi ao ar no dia 02 de março daquele ano, às 20 horas,
adaptada da trama de Manuel Muñoz Rico e dirigida por Geraldo Vietri. No elenco, Ana Rosa (que
interpretou as gêmeas Condessa Estela, que virou feira – tornando-se Irmã Tereza -, e a sensual cigana
Esmeralda), Amilton Fernandes e Rildo Gonçalves.

Ana Rosa lembra140 sobre a trama:

139
Depoimento de Cassiano Gabus Mendes no “TV Ano 60” (TV Brasil, 2010).
140
Depoimento de Ana Rosa à Pró-TV.

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- O Cassiano recebeu a sinopse. Eram duas personagens, uma freira e uma cigana. Uma condessinha
que vai para o convento. E o Cassinou ficou fazendo teste com as atrizes. Cassiano ficou pensando em
possíveis atrizes da época da Tupi pra fazerem a novela. Geórgia Gomide, Guy Loup, Patricia Mayo, Lisa
Negri... acho que era assim mais ou menos as atrizes da minha faixa de idade. E o Tatá, o Luis
Gustavo, me viu fazendo o “Almoço com as Estrelas”. E sugeriu ao Cassiano: “Olha, tem uma menina
aí...ela é vedete, mas deve ser atriz também. Por que você não faz um teste com ela? Ela é
“mignonzinha”, ficaria bem no papel da condessinha, mas por outro lado dança danças flamencas, tem
uma cara meio de cigana”. Fiz o teste com o Vietri e Cassiano me convidou para assinar o contrato. – a
carreira de Ana Rosa na teledramaturgia começou com “Alma Cigana” e hoje ela está no Guinness
Book, como a única atriz que coleciona o maior número de aparições em novelas. Ana Rosa não para
de acumular papéis, tendo passado por praticamente todas as emissoras.

Rildo Gonçalves, seu par em “Alma Cigana”, complementa141:

- A primeira novela que fiz, Alma Cigana, foi um grande sucesso. No dia anterior, o Cassiano reuniu o
elenco inteiro e disse que o futuro de nossa televisão estava naquela novela. Inaugurava um horário. A
Tupi tinha 2% de audiência, passou para 10%, para 15% e chegou a 50% de audiência. Mas teve um
problema: a novela deveria ter 38 capítulos e como se iria tirar do ar uma novela de 50% de audiência?
Nem se pensava que uma novela pudesse ter 180, 200 capítulos, como posteriormente viria a
acontecer. E aí... Bem, aí a novela chegou a 55% e depois tiraram do ar. Uma lástima. Houve reunião,
discussão, mas foi isso aí.

E a TV Tupi não parou mais. No período em que Cassiano esteve na emissora, de 1964 a 1972, a
emissora produziu inúmeras novelas. Em 1964, “Alma Cigana”, de Ivani Ribeiro, às 20h; “A Gata”,
também de Ivani, às 20h; “Se o Mar Contasse”, novamente da autora, às 20h; “O Segredo de Laura”,
de Vida Alves, às 18h30; “Quando o Amor é Mais Forte”, de Póla Civelli, às 20h; “Quem Casa com
Maria?”, de Lúcia Lambertini, às 18h30; “O Sorriso de Helena”, de Walter George Durst, às 20h; “O
Direito de Nascer”, original de Félix Caignet, adaptado por Thalma de Oliveira e Teixeira Filho, às 21h30;
e “Gutierritos, o Drama dos Humildes”, de Walter George Durst, do original de Stela Calderón
(pseudônimo de Dias Gomes), às 19h.

No ano de 1965, “Teresa”, original de Mimo Waldestein, adaptado por Walter George Durst, às 20h; “O
Mestiço”, de Cláudio Petraglia, às 19h; “O Cara Suja”, original de Roberto Valente, adaptado por Durst,
às 20h; “Olhos que Amei”, original de Hilda Moraes, adaptado por Eurico Silva, às 19h; “A Outra”,
original de Dario Nicodemi, adaptado por Durst, às 20h (a primeira novela de Tony Ramos, como filho
de Juca de Oliveira e Vida Alves); “A Cor da Sua Pele”, original de Abel Santa Cruz, adaptado por Durst,

141
Depoimento de Rildo Gonçalves à Pró-TV.

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às 19h; “O Preço de uma Vida”, original de Félix Caignet, adaptado por Thalma de Oliveira, às 21h30
(com Sérgio Cardoso, como o marcante Dr. Valcourt); “Fatalidade”, original de Oduvaldo Vianna, às
19h30; “O Pecado de Cada Um”, original de Carmem Arteche Vitier, adaptado por Wanda Kosmo, às
19h; “Um Rosto Perdido”, original de Mimi Valdestein, adaptado por Durst, às 19h; e “Ana Maria, Meu
Amor”, de Alves Teixeira, às 19h30.

Já em 1966, foram produzidas “Calúnia”, original de Caridad Bravo Adams, adaptado por Thalma de
Oliveira, às 20h; “A Inimiga”, original de Nené Cascallar (que erroneamente no Brasil muitos creditam
como Nenê Castellar), adaptado por Geraldo Vietri, às 21h30; “O Amor Tem Cara de Mulher”, original de
Nené Cascallar, adaptado por Cassiano Gabus Mendes, às 19h; “Somos Todos Irmãos”, de Benedito
Ruy Barbosa (baseada no romance “A Vingança do Judeu”), às 20h; “A Ré Misteriosa”, original de
Amaral Gurgel, adaptado por Vietri, às 21h30; “Ciúmes”, de Thalma de Oliveira, às 21h30; “A Família
Pimenta”, novela humorística de Giancarlo; às 18h40; “Os Irmãos Corsos”, original de Alexandre
Dumas, adaptado por Daniel Gonzalez, às 19h; e “O Anjo e o Vagabundo” de Benedito Ruy Barbosa, às
20h.

No ano seguinte, 1967, a Tupi levou ao ar as novelas “Angústia de Amar”, de Dora Cavalcanti (baseada
no romance “O Rosário”, de Florence Barclay), às 21h30; “Yoshico, um Poema de Amor”, de Lúcia
Lambertini, às 18h30 (a primeira com uma protagonista de origem nipônica, Rosa Myake); “A Intrusa”,
original de William Irish, adaptado por Geraldo Vietri, às 19h; “Meu Filho, Minha Vida”, de Walter George
Durst (baseado no romance “O Lord Negro”), às 20h; “A Ponte de Waterloo”, original de Robert E.
Sherwood, adaptado por Vietri, às 19h; “O Pequeno Lord”, original de Francis H. Burnett, adaptado por
Tatiana Belinky, às 18h30; “Paixão Proibida”, original de Janete Clair (baseado na radionovela “A
Família Borges”), às 21h30; “Éramos Seis”, do livro de Maria José Dupret, adaptado por Póla Civelli, às
19h (nessa versão Cleyde Yáconis interpretou Dona Lola); “A Hora Marcada”, de Cyro Bassini, às 19h;
“Encontro com o Passado”, de Cyro Bassini, às 19h; “O Jardineiro Espanhol”, de Tatiana Belinky
(baseada no romance de A. J. Cronin), às 21h30; “Presídio de Mulheres”, de Mário Lago, às 19h; “Os
Rebeldes”, de Geraldo Vietri, às 21h30; e “Estrelas no Chão”, de Lauro César Muniz, às 20h.

Em dezembro Cassiano se desligou da Tupi e foi para Excelsior. Na superintendência artística Jota
Silvestre virou o comandante. Nessa fase foram produzidas, já em 1968, as novelas “O Décimo
Mandamento”, original de José Sanches Arcilla, adaptado por Benedito Ruy Barbosa, às 19h; “Amor
Sem Deus”, original de Alba Garcia, às 20h; e o projeto de quatro novelas conjuntas numa faixa de
horário denominada “As Quatro Estações do Amor”, no ar a partir das 17h45, “Os Amores de Bob”, “O
Homem que Sonhava Colorido”, “O Rouxinol da Galiléia” e “O Coração Não Envelhece”. Com o retorno
de Cassiano Gabus Mendes no final de maio daquele ano, foram produzidas “Antônio Maria”, de
Geraldo Vietri, às 19h (depois de “O Direito de Nascer” foi a segunda maior audiência da TV Tupi, com
uma interpretação impecável de Sérgio Cardoso); “Sozinho no Mundo”, de Dulce Santucci, às 18h30; e

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a histórica novela moderna “Beto Rockfeller”, com argumento de Cassiano Gabus Mendes e roteiro de
Bráulio Pedroso, às 20h.

Tendo recuperado sua audiência, a TV Tupi investiu em 1969 nas tramas “Nino, o Italianinho”, de
Geraldo Vietri (grande sucesso com Juca de Oliveira e Aracy Balabanian), às 19h; “Nenhum Homem é
Deus”, de Sérgio Jockyman, às 21h; “Super Plá”, de Bráulio Pedroso, com colaboração de Marcos Rey,
às 20h (foram exibidas pela Rede Tupi as novelas “O Retrato de Laura”, “Um Gosto Amargo de Festa”,
“O Doce Mundo de Guida” e “Enquanto Houver Estrelas”, todas produzidas pela TV Tupi-Rio).

Em 1970, a Tupi produziu “João Juca Jr.”, de Sylvan Paezzo, às 22h (depois transferida para às 18h30,
com Plínio Marcos protagonizando); “A Gordinha”, de Sérgio Jockyman, às 18h30; “As Bruxas”, de Ivani
Ribeiro, inicialmente às 20h (depois passando para 21h30 para não competir com o sucesso de
“Irmãos Coragem”, na Rede Globo); “Simplesmente Maria”, original de Célia Alcântara, adaptada por
Benedito Ruy Barbosa, às 19h; “Toninho on The Rocks”, de Teixeira Filho, às 20h; e “O Meu Pé de
Laranja Lima”, de Ivani Ribeiro (do livro de José Mauro de Vasconcelos), às 18h30. Desse ano também
é “E Nós, Aonde Vamos?”, produzida no Rio de Janeiro e exibida em rede, às 22h. A curiosidade dessa
novela é que a autora Glória Magadan, após ser dispensada pela Rede Globo, foi contratada pela Tupi
(o que não foi bem visto por muitos profissionais, inclusive Cassiano Gabus Mendes, que não entendia
porque se investia numa autora em que a linguagem era antiquada, uma vez que a Tupi agora inovava
com a linguagem moderna de “Beto Rockfeller”). “E Nós, Aonde Vamos?” foi um fracasso, mesmo com
Leila Diniz protagonizando (em seu último papel na televisão). Depois disso Magadan foi para Miami e
nunca mais voltou, morrendo esquecida pelo grande público. A Tupi precisava recuperar o fôlego.

Já no ano seguinte, 1971, a Tupi fez as novelas diárias “A Selvagem” , original de Manuel Muñoz Rico,
com adaptação de Ivani Ribeiro (uma versão atualizada do texto de “Alma Cigana”, tendo colaboração
de Vietri e Giancarlo, novamente com Ana Rosa como protagonista), às 19h45; “A Fábrica”, de Geraldo
Vietri, às 18h45; “Hospital”, argumento de Cassiano Gabus Mendes, escrita e dirigida por Benjamin
Cattan e Walter Avancini, às 20h; “Nossa Filha Gabriela”, de Ivani Ribeiro, às 18h30; e “O Preço de Um
Homem”, de Ody Fraga (baseado no romance “Senhora”, de José de Alencar), às 20h. Cansado,
desgastado dos conflitos internos da TV Tupi, Cassiano se afastou em abril de 1972. Desse ano
supervisionou apenas o início da produção das novelas “O Signo da Esperança”, de Marcos Rey, às
18h30; e “Na Idade do Lobo”, de Sérgio Jockyman, às 19h.

Geraldo Vietri, Plínio Marcos, Hélio Souto, Cyro Bassini, Walter Avancini, Carlos Zara, Antônio Abujamra
foram alguns dos diretores que muito colaboraram para o início da telenovela diária na Tupi nesse
período. Quando Cassiano saiu da TV Tupi, felizmente a emissora já estava com a novela diária
consolidada e inúmeras vezes deu dores de cabeça à Rede Globo, onde Gabus Mendes veio a integrar a
partir de 1975. Ainda assim, os anos 1970 ficaram marcados pela consolidação da Rede Globo na

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liderança absoluta de audiência.

Como já foi dito, Cassiano Gabus Mendes apoiou diretamente na criação de algumas novelas. Em “O
Amor Tem Cara de Mulher”, ele adaptou o sucesso da argentina Nené Cascallar. Um grande sucesso
internacional, que na Argentina esteve no ar de 1964 a 1970, após sete temporadas. A novela foi
sucesso em diversas partes do mundo. Foi lançada no Brasil em 12 de março de 1966, sendo
anunciada com os seguintes dizeres nos jornais:

- Drama, romance, comédia, lirismo. Todos os matizes da alma feminina revelados semanalmente. Eis o
que é "O Amor Tem Cara de Mulher": de autoria de Nené Cascallar, a telenovela que comoveu três
países e que a Pond's agora lhe oferece! Campeão absoluta de audiência na Argentina, Chile e Uruguai.
Precendentes no Chile! O maior "cast" da televisão brasileira: 291 galãs apaixonados por um rosto de
mulher... Que pode ser o de Eva Wilma, Cleyde Yáconis, Aracy Balabanian ou Vida Alves! Episódios
semanais completos - cada semana uma atriz famosa vive as emoções eternas do amor com os galãs
mais sedutores do vídeo! Exibição: TV Tupi - São Paulo, TV Tupi - Guanabara, TV Itacolomi - Belo
Horizonte, TV Piratini - Porto Alegre, TV Rádio Clube - Recife, TV Paraná - Curitiba. Um oferecimento de
Chesebough Pond's - Produtos de Beleza Ltda. – a trama se passava em um salão de beleza, em que
trabalhavam as quatro protagonistas, palco de suas pequenas histórias. Cada semana se desenvolvia a
trama de uma delas, revezando-se.

Gabus Mendes também adorava escrever argumentos de novelas. Conversava sobre a ideia inicial de
cada uma das novelas da Tupi, dava seus palpites como diretor artístico. Ficou apenas nominalmente
conhecido nos argumentos de “Beto Rockfeller”, cuja ideia partiu dele, e “Hospital”, que percebeu as
inúmeras possibilidades de uma trama naquele ambiente (começando com uma interessante abertura,
com a câmera passeando pelos equipamentos de uma UTI hospitalar).

Dessa primeira década de novela diária não se pode deixar de lado a importância da primeira trama que
fez com que o Brasil se identificasse totalmente com o novo formato do gênero. Graças ao sucesso de
“O Direito de Nascer”, a telenovela conquistou seu lugar ao Sol e daí para frente milhares de outras
foram criadas, transformando-a no maior produto de exportação de nossa cultura mundialmente. Hoje
as novelas brasileiras são vistas do Oiapoque ao Chuí, de São Paulo ao Japão.

Mas o sucesso foi só na televisão? Não. Antes, como radionovela, “O Direito de Nascer” havia sido a de
maior audiência no país, transmitida pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a partir de 08 de janeiro de
1951 – Paulo Gracindo era Albertinho Limonta. O mesmo sucesso aconteceu em São Paulo, quando a
Rádio Tupi fez sua versão, em 1952. Curiosamente percebe-se que as radionovelas ainda faziam
sucesso, mesmo depois da criação da televisão. Outra curiosidade está ao percebermos o ano da
versão paulista. Na Rádio Tupi, Albertinho Limonta era Walter Forster, que a noite deslocava-se para TV
Tupi para protagonizar “Sua Vida Me Pertence” – a pioneira do gênero.

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Para televisão, Boni conseguiu os direitos de produzir a trama do cubano Félix Caignet e Cassiano
Gabus Mendes abraçou a ideia, como já foi explicado. A novela foi produzida pela TV Tupi de São Paulo,
com transmissão para sete Emissoras Associadas e a TV Rio, conforme prometido em acordo com Boni.
Apenas a TV Tupi carioca é que saiu prejudicada quando a novela se transformou em um grande
sucesso. A novela adaptada por Thalma de Oliveira e Teixeira Filho estreou em 07 de dezembro de
1964 e terminou em 13 de agosto de 1965, com os mais altos índices de audiência. O país parou para
assistir “O Direito de Nascer”.

O sucesso foi estrondoso. As pessoas torciam pelo personagens. A trama passa-se em Cuba, sociedade
moralista, início do século XX. E há um emaranhado de situações, em que uma mãe solteira, Maria
Helena (Nathália Timberg), para livrar seu pequeno filho do avô tirano – Dom Rafael Zamora de Juncal
(Elísio de Albuquerque), permite que a negra Dolores (Isaura Bruno) o leve para uma outra cidade e o
crie anonimamente. Albertinho Limonta (Amilton Fernandes) cresce e forma-se em medicina. Passa a
chamar a cuidadora de “Mamãe Dolores”. Os anos passam e, um dia, por ironia do destino, Doutor
Albertinho salva da morte o avô que o perseguiu. Aí conhece Isabel Cristina (Guy Loup), sua prima e
também neta de Dom Rafael, por quem se apaixona, casando-se com ela. Ao final, Dom Rafael revela à
filha, na ocasião Irmã Maria Helena (que estava reclusa em um convento), que Albertinho é seu filho (na
época a imprensa noticiou a morte de uma telespectadora, que não aguentou a emoção de ver a cena,
teve uma síncope e morreu). Henrique Martins, José Parisi, Vininha de Moraes, Rolando Boldrin, Luis
Gustavo e um grande elenco fazem também parte da trama.

Guy Loup, que interpretou Isabel Cristina, nos conta142:

- “O Direito de Nascer” começou em dezembro de 1964 e terminou em agosto de 1965. O


encerramento foi um delírio. Nunca eu tinha visto coisa igual. Primeiro em São Paulo, no Ginásio do
Ibirapuera, e no dia seguinte, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. O estádio estava superlotado.
Todos gritavam os nomes de nossos personagens. Uma verdadeira avalanche, uma neurose. Eu era
muito nova e meu papelzinho era água-com-açúcar. Aqueles beijinhos, não como os beijos de hoje.
Tanto que, a conselho do Cassiano Gabus Mendes, mudei meu nome. Passei a me chamar “Isabel
Cristina”. No começo isso foi uma boa, porque o Amilton me chamava para as festas de debutantes, e
tudo o mais. Mas depois isso complicou. Não tivemos apoio, não tivemos quem agenciasse nosso
sucesso. As coisas eram diferentes. E aí eu não fiquei nem “Isabel Cristina” e nem “Guy Loup”. Não foi
bom.

Foi uma comoção nacional. As pessoas gritavam pelo nome dos personagens. Há quem chorasse por
Mamãe Dolores, sofresse por Maria Helena, se encantasse por Albertinho Limonta. Grandes festas de

142
Depoimento de Guy Loup à Pró-TV.

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encerramento aconteceram, sendo que em São Paulo o elenco desfilou em carro aberto da sede dos
Associados, na Rua Sete de Abril, até o Ginásio do Ibirapuera. O Maracanãzinho também superlotou.
Isaura Bruno, por exemplo, foi visitar Jaú (SP), sua cidade natal, e lá foi ovacionada por todos os
conterrâneos, como maior símbolo do município.

A novela diária caiu no gosto do público. Virou moda.

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A última esperança
Os Diários Associados enfrentavam uma grande crise. As confusões internas entre os membros do
Condomínio Acionário eram cada vez mais intensas. Alguns dos integrantes se desligaram do
conglomerado, não aceitavam as decisões que estavam sendo tomadas. Por outro lado, se desfaziam
de diversas empresas. A TV Paraná, por exemplo, foi vendida. A TV Cultura foi transferida para o Governo
do Estado, que a tornou educativa. A Revista “O Cruzeiro” tinha perdido o mercado para a Revista
“Manchete” e a ainda recente “Veja”. O “Diário da Noite” do Rio de Janeiro saiu de circulação e “O
Jornal” entrou em decadência. Parecia que tudo perdia seu brilho na mesma intensidade que a vida de
Assis Chateaubriand se esvaía. Seu estado de saúde estava cada vez pior. Muito debilitado, o “Velho
Capitão” das Associadas veio a falecer em 04 de abril de 1968.

Na televisão, a Excelsior também perdia seu brilho, já a TV Record e a ascendente TV Globo (que havia
adquirido a TV Paulista e se transformado em rede) cresciam. No mercado televisivo, a TV Bandeirantes
tinha sido inaugurada um ano antes. O panorama geral era outro. E a Tupi? Após a saída de Cassiano,
afundava em meio à crise dos Associadas e a falta de atualização. O Telecentro Tupi morria lentamente.
Havia sumido toda aquela motivação dos funcionários, recuperada com apoio de Cassiano no início dos
anos 1960. Então a direção dos Diários Associados chegaram a conclusão de que só ele mesmo
poderia dar novamente ânimo a todos, antes que a televisão pioneira estivesse com seus dias contados.

Luiz Gallon confirma143 a importância da presença de Cassiano Gabus Mendes para ele e os colegas:

- Aquelas marchas e contra-marchas da Tupi, que vinham desde a saída do Cassiano Gabus Mendes,
quando a escola era “risonha e franca”, como dizia o pai dele, foram se acumulando. Entra um diretor,
sai outro. Ninguém se entende. Os Associados, verdadeiros herdeiros da Tupi, sendo preteridos. A
estação foi se colorindo de gente vinda de outras emissoras, até que perdeu sua cor... a cor Associada
que naquela época devia ser... tudo azul. O elenco se desfez de uma vez. O resto envelheceu. A Tupi, ao
invés de renovar dentro de suas características, de forjar os seus próprios talentos como fez sempre,
não. Parou. Deixou sair por poucos tostões a mais seus valores mais jovens, que hoje fazem a base dos
concorrentes. A ciumeira começou com um tal de “descer para subir”, um tal de “renovar com gente de
fora”. Gente que já não servia noutros canais, vinham ganhando mais. No fim das contas passamos de
exportadores de talento para importadores de maus valores. A Tupi foi a nocaute. O juiz contou até dez
e ela não se levantou. E eu quase fui junto. – foi esse o espírito que a emissora passou a ter desde a
primeira saída de Gabus Mendes até seu final, em 1980. A TV Tupi não era mais aquela família, aquele
ambiente leve, gostoso de se trabalhar. Era uma nova fase que havia começado, perdendo a essência

143
“Revista Briefing” (1980).

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de seus primeiros tempos e dos áureos anos da Cidade do Rádio. Cassiano voltaria sim, mas não seria
mais igual. Nem ele se sentia, por dentro, o mesmo.

Edmundo Monteiro então acertou a volta de Gabus Mendes. Um lampejo, um ânimo novo, a última
esperança estava de volta. Em 27 de maio de 1968 uma grande festa o esperava e ele não imaginava o
tamanho. Um carro dos Associados foi buscá-lo e Cassiano estranhou o congestionamento que estava
na Avenida Doutor Arnaldo, desde a Igreja de Nossa Senhora de Fátima. O motorista buzinou, de pouco
em pouco o trânsito fluiu. Quando o carro virou à direita na Avenida Professor Alfonso Bovero os dois
lados da rua estavam tomados de gente. Eram todos os funcionários da TV Tupi a sua espera. Quando
perceberam que era o carro dele, fogos foram disparados. Ele estava de volta. Cassiano estava de volta!
Mal conseguiu sair do carro e recebeu tantos abraços, tantas palavras de carinho. Bebidas, salgados,
um enorme bolo, discursos:

- Querido Cassiano, o bom filho à casa torna! - pareciam que aqueles poucos meses tinham sido uma
eternidade. Era como se voltasse a alma dos tupiniquins. Na fachada do prédio e no complexo ao lado,
faixas o saudavam: “Novo Cassiano! Novo Canal 4!”, outra “Cassiano: Mesmo Sangue! Mesma
Esperança!” e mais uma “Cassiano: Esperança da Pioneira!”. Ele não cabia de tanta alegria, mesmo
sabendo o desafio que vinha pela frente. Tinha que ser, a partir dali, como um das faixas: um “novo
Cassiano”. Seu novo cargo era de “superintendente artístico”.

- Todo mundo estava esperando a volta do Cassiano, foi um festão! Eu estava lá pra o receber. Ele
estava voltando para a Tupi... Cassiano era “a” cara da Tupi! Ele voltou, foi muito bom. - Laura Cardoso
lembra.

- Eu estava nesse dia e me recordo que havia uma euforia muito grande dos diretores e funcionários.
Cassiano era uma pessoa muito respeitada e estimada. – conta o jornalista Saulo Gomes.

Até o final de 1968, Cassiano Gabus Mendes trouxe um sopro de modernidade, de inovação. A TV Tupi
conseguiu voltar a um patamar mais alto, vice-líder em audiência, com direito em alguns horários a
atingir a liderança total no Ibope. Foi uma das maiores viradas da história da televisão. Isso se deve
também a sua mais nova aposta: a modernidade surgida na novela “Beto Rockfeller”.

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Sou Beto Rockfeller, meu chapa!

Após seu regresso à TV Tupi, Cassiano estava convicto que era preciso dar novamente ares de
modernidade ao canal 4. Sentiu que apesar de tudo que já havia conseguido, de 1964 até então, uma
coisa precisava ser modificada: a linguagem da TV Tupi. Ela ainda continuava com uma hora antiquada,
com os mesmos moldes que criou e que já haviam se tornado tradicionais na emissora. A imagem da
TV Tupi estava ficando “velha” diante das concorrentes. Observou os outros canais, tendo também
analisado a concorrência por dentro, ao trabalhar na TV Excelsior. Sabia que a teledramaturgia era o
princípio da mudança. Foi ali que mirou seus esforços.

Cassiano tinha uma preocupação enorme com o conteúdo das tramas. Antes de pensar numa
linguagem moderna, ele Gabus Mendes questionava a importância da profundidade dos textos.
Explica144 Benedito Ruy Barbosa:

- Olha, a Tupi foi a minha escola, por que lá estreei como autor. Primeiro eu fui ser editor de script da
Colgate-Palmolive e a minha função era ler todos os originais, que a Colgate importava de Cuba, do
México, enfim. Na Tupi eu aprendi muito, inclusive com Cassiano Gabus Mendes, meu grande amigo, e
com quem eu briguei muito, nessa época. Por que eu chegava lá como cliente. Ele era o “dono” da
emissora. Eu vivia implicando com cenografia, com figurino, com isso e com aquilo. E um dia ele me
disse: “Benedito Ruy Barbosa, você está vendo aí essa novela ‘O Direito de Nascer’? Você quer coisa
pior do que isso? Você quer cenário pior do que esse? No entanto é um sucesso consagrador. Então
você está se preocupando muito com detalhes e se esquece da história. Você tem que pensar é na
história. A novela começa no papel”.

Foi com essa preocupação com o conteúdo e com mote de fazer uma novela moderna que Cassiano
Gabus Mendes teve a inclinação para criar o argumento de “Beto Rockfeller”. Sua esposa, Helenita
Sanches, conta:

- O cinema americano ajudou muito ele a ser moderno e com o “Beto Rockfeller” ficou super moderno e
modificou as novelas. “Beto Rockfeller” foi uma ideia do meu marido e por isso eu vou lutar para que
não esqueçam isso. Depois o Bráulio Pedroso escreveu. Cassiano achou que tinha que modificar
novelas. Ele pegava novela do México, coisa antiga e falou: “Quero modificar, eu quero fazer uma
novela que fale como a gente fala”. Então foi uma revolução. As novelas eram todas sofisticadas, do

144
Depoimento de Benedito Ruy Barbosa à Pró-TV.

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México, com aquele ar teatral. Aí ele teve essa ideia no “Dobrão”. Quem fez o Beto foi o Tatá. Meu irmão
é marcado até hoje por causa do Beto!

O “Dobrão”, que Helenita menciona, era válvula de escape dos problemas de Cassiano Gabus Mendes.
Em 1964, ele abriu junto com o ator Hélio Souto a boate “O Dobrão”, na Alameda Lorena, 1504, quase
esquina da Rua Augusta. A ligação da boate com a origem de “Beto Rockfeller” é explicada por seu
cunhado “Tatá”, o ator Luis Gustavo:

- Eu lembro de tudo. Desde a formação do “Dobrão”. Eu vi construir o “Dobrão”, vi ele e o Helio Souto
alugar lá o negócio. Hélio Souto, era boa gente, e o Cassiano o adorava! Eles foram sócios. Eu estava no
“Dobrão” com o Cassiano um dia numa mesa. Um sábado cedo, era umas 8 e meia, 9 horas. Chegamos
lá e tal, conversando, e tinha uma mesa imensa, com umas trinta pessoas. Assim cuuumprida... Ia
chegando no “Dobrão” uma garotada. Iam chegando os garotos, as meninas, os casais... Todos
conversando, depois sentavam na mesa. Pra encurtar a história, num determinado momento aquela
mesa estava lotada. Dali eu só conhecia um cara. Era aquela mesa de “Patricinhas” e “Mauricinhos”. O
cara lá que era meio “Mauricinho”, chamava Arnaldo Gasparini. Olhei, falei “Oi Arnaldinho”! Eu estava
ali, conversando com o Cassiano. De repente entrou um cara, puta merda! – Tatá cai na gargalhada -
Paletó chique pra cacete! Mas o camarada entrou, chegou na mesa, foi lá, beijou a mão e deu flores pra
aniversariante. Flores que acho que ele pegou num balcãozinho que tinha antes de subir a escada do
“Dobrão”. Um “bicão”, sabe? Pegou o Malboro do cara, já foi acendendo; Pegou uísque, foi falando e
tirou a aniversariante pra dançar. E a gente olhando aquilo ali. De repente ele saiu com a menina lá pra
fora, e demorou... Eu sei que o Cassiano olhou: “Pô, esse cara...”. Eu falei “Ele deve ser irmão da
menina ou alguma coisa”. Aí eu levantei e fui falar com o Arnaldinho. “Arnaldinho, quem é esse cara?”
Ele falou: “Eu não sei. Um pensou que era convidado do outro e ninguém conhece esse cara”. Aí voltei e
falei para o Cassiano: “Você acredita que ninguém conhece esse cara”. Aí o Cassiano falou: “Puta...
Dava pra fazer uma novela com essa merda!” E eu: “Vamos fazer, quero fazer esse cara”. “Você vai
fazer bem, pô, vamos fazer. Mas eu não quero escrever não”. Ele não queria escrever, porque estava
dirigindo a emissora, já não estava mais escrevendo. Então ele foi procurar quem fizesse. – Passaram
vários possíveis nomes para escrever a trama. Queriam alguém com linguagem moderna. Até que
chegaram , por indicação de Cacilda Becker e também de Antônio Abujamra, a Bráulio Pedroso, que há
pouco havia feito a premiada peça “O Fardão”, estava desempregado e tinha sofrido um acidente de
carro - Aí nós encontramos o Bráulio Pedroso. Ele tinha acabado de brigar com “O Estado de São
Paulo”. E tava também todo estrupiado, na casa da Ruth Escobar, morando na garagem, todo
engessado. Nós fomos falar com ele e daí surgiu o nome “Beto Rockfeller”. Nós ficamos ali: “Bicão?”,
mas “Bicão” era um nome muito comum. “A novela tem que ter o nome de um puta magnata”, Aí o
Cassiano falou: “Não, ele tem que ter um nome curto e pobre e um sobrenome chique e rico. Aí dá
título, põe um nome comum”. “Alberto, só que me chama de Beto”. “Beto é uma coisinha pobre, chama
o Beto”. Aí começamos: “Beto Onassis?” Aí eu falei: “Não, põe um negócio mais chique, põe Beto

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Rothschild”. Aí o Cassiano falou: “Não, vamos botar Rockfeller, que é o símbolo do poder, da grana”. Aí
botou “Rockfeller”, que tem até o “Rockfeller Center”. Ali nasceu o “Beto Rockfeller”, numa conversa
com o Cassica. Você acredita? Outra coisa é que nessa novela eu inventei o merchandising na
televisão, por causa do Engov. Beto tinha muitas dores! Eu falava o nome do Engov direto. – Luis
Gustavo fala gargalhando - O Beto ficou praticamente dois anos no ar e eu passei sem receber. A Tupi
não me pagava, eu ganhava 900 cruzeiros por mês, mas não recebia nada. Então encontrei essa saída,
negócio meu direto com o Engov. No “Beto” tinha também o Plínio Marcos e era funcionário da Tupi. Um
dia eu to andando no corredor da TV, de uma sala pra outra, alguém passou e falou assim: “Cassiano
quer falar com você. É pra você subir”. Então tive que sair da emissora e entrar no prédio, que era
colado ao lado. Subi até a sala dele, no 9º andar. “Oi Cassica. Quer falar comigo?” “Que horas você vai
sair daí?” “Pô, sei lá, depois do “Diário de São Paulo na TV”. “Não. Avisa lá que você vai sair às 8 horas e
vai embora comigo. Vamos assistir uma peça lá na Rua Augusta, chamada ‘Dois Perdidos Numa Noite
Suja’ que eu quero ver”. Aí fomos lá assistir e porra... ficamos deslumbrados com o Plínio! Aí o Cassiano
falou assim: “Esse cara tem que fazer alguma coisa, que ele é bom pra cacete”. Naquela noite, na mesa
que nós bolamos o “Beto”, ele já falou assim: “Vou botar um cara com você, vou botar o Plínio” e botou.
O Plínio ficou meu parceiro no “Beto Rockfeller”, era dono da oficina. Plínio ia toda noite no Restaurante
Gigetto, virou meu amigão. O Cassiano ainda falou: “Põe o Lima pra dirigir. Ele não é diretor, não vem
com ranço e nada. E vai fazer uma coisa bem armada”. E foi o que aconteceu. No final a Tupi não
acabava com o “Beto”, por causa do sucesso. Não tinha mais ninguém pra fazer nada e eles
prolongaram o “Beto”. Eu caí fora. Aí o Lima também caiu fora e botaram o Avancini pra dirigir.

De início o próprio Bráulio Pedroso não sabia se daria certo “Beto Rockfeller”, como comentou 145 na
época:

- Um público acostumado com heróis sofredores e bons até cansar, teria dificuldade em aceitar a boa
vida e o mau caráter de Beto, um personagem que vai contra todos os esquemas. Pelo contrário, está
demonstrando que as leis da telenovela, até agora fielmente respeitadas, não têm nenhum
fundamento.

Lima Duarte também conta um pouco sobre “Beto Rockfeller” e sua direção:

- A ideia era um sujeito que nasceu na Teodoro Sampaio, que era de baixa classe-média, e quer fazer
vida na Augusta, que é de alta classe-média. São duas ruas que correm paralelas em direção aos
Jardins. A ideia era essa, sem saber que da Teodoro à Augusta ninguém ascende socialmente assim
fácil. Você paga um ônus pesado por esses poucos quarteirões. O Beto trabalhava numa loja de
sapatos na Teodoro. O Cassiano teve essa ideia que foi aperfeiçoada aos poucos. Ele escreveu e disse:

145
"Nesta novela não se chora" (Revista Realidade, abril, 1969).

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“Lima, faça”. No Beto Rockfeller tinha o “Seu Domingos”, um personagem misterioso. Nunca aparecia a
cara, só falava a voz, que era a minha. O Bráulio não queria saber. Às nove horas da manhã ele
entregava o capítulo. Muitas vezes ele entregou só a metade e a gente ia para o ar às sete da noite!
Então ele falava: "Faz qualquer coisa, inventa. Fala com o Tatá". E eu: "Ô Tatá, fala do combustível..." e
ele improvisava: "Isso aí ninguém me engana, os caras põem um pouquinho de cachaça..." Era muito
divertido e o Tatá tinha muito charme. E ficava falando do combustível, do foguete... - ele ri - Então o
Bráulio fazia assim e ele punha um bando de personagem. Fiz seis ou sete, porque a Tupi não
contratava ninguém. A Avenida Sumaré, nós "inauguramos", era mato! Era terra, tinha umas árvores no
meio, o Bráulio inventou uma corrida de motocicletas e gravamos lá. Foi uma aventura dirigir “Beto
Rockfeller”. – Lima Duarte também inovou, ao realizar 80% das cenas em gravações externas por São
Paulo. Fez até tomadas aéreas de helicóptero, sobrevoando a cidade, pela primeira vez na TV.

O sucesso foi tanto, que Cassiano Gabus Mendes queria investir mais em telenovelas modernas. O que
foi dito em 1969, na Revista “Realidade”:

- Cassiano Gabus Mendes, diretor artístico da Tupi, e responsável pelo êxito de "Beto" (em que ninguém
acreditava) está pensando em convidar outros autores de peso para seguir o caminho de Bráulio. Fala-
se em Gianfrancesco Guarnieri e Jorge Andrade.

Conta Tato Gabus Mendes sobre a participação do pai no final da novela:

- Meu pai escreveu os 40 últimos capítulos do “Beto Rockfeller” porque o Bráulio não aguentava mais.
Ele dirigiu também uma parte. – Bráulio estava estafado. Antes, por conta de sua debilidade motora
(estava engessado), teve o apoio total do contrarregra da TV Tupi, Paulo Ubiratan, que datilografava os
textos que Pedroso ditava. Depois Ubiratan acabou auxiliando também a novela em outros setores, até
dando assistência à direção.

Helenita Sanches conta do desgaste de Cassiano no período final da novela:

- O Cassiano uma hora falou “chega”, porque eles não queriam acabar a novela. Já tinha um ano, e
dava uma audiência tremenda. No meio da novela o Bráulio Pedroso ficou doente e também entraram
outros escritores. – é como o caso de Ilo Bandeira e Guido Junqueira, comandados por Eloy Araújo.

Uma curiosidade: vocês sabiam que “Beto Rockfeller” teve, na vida real, um sobrinho? É o que nos
conta Cassio Gabus Mendes:

- Do “Beto” eu tenho recordações de espectador e admiração muito grande. Além do meu pai tinha o
Tatá, que era o Beto Rockfeller... e meu tio, né? Ele era “o” cara da época. Então eu enchia o saco,

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queria que ele fosse lá na escola. Ninguém acreditava que eu era sobrinho do “Beto Rockfeller”! “Pô,
mãe, ele tem que me pegar na saída da escola!” E o Tatá sempre foi muito legal, sempre muito bacana,
maluco mesmo! Um dia minha mãe pediu e ele foi lá me buscar de táxi. Eu fazia o primário no
Mackenzie. Aí aquilo foi um momento histórico pra mim, de criança. “Beto Rockfeller” era “a” novela da
época. Aquilo era um acontecimento e eu tinha uma excitação, uma sensação muito legal, de poder
estar junto, de fazer parte da minha família.

A história do “bicão” que queria entrar nas altas rodas sociais e ascender (passando por um milionário,
na base de muita malandragem), entrou para história. A novela ficou no ar de 04 de novembro de 1968
a 30 de novembro de 1969, sempre às 20 horas.

Grandes interpretações tivemos nessa novela. Como de Plínio Marcos (Vitório), Jofre Soares (Pedro, pai
de Beto), Ana Rosa (Cida), Débora Duarte (Lu) e Renata (Bete Mendes) – aliás, Beto tinha que decidir
pelo amor das três. Outros grandes nomes também estiveram ali, como Etty Fraser (a Madame
Valeska), Walter Forster (o milionário Otávio), Eleonor Bruno, Rodrigo Santiago, Marília Pêra, Maria Della
Costa, Ruy Rezende, Pepita Rodrigues, Walderez de Barros, Zezé Mota e grande elenco. Um destaque
especial para a irmã de Beto Rockfeller, Neide (Irene Ravache), que a partir do capítulo 217 passou a
protagonizar a trama. Luis Gustavo pediu “férias” e Irene Ravache segurou a audiência da novela. Tatá
só voltou bem no final, para concluir a trama. O papel de Bete Mendes, a doce Renata, fez com que ela
virasse musa da juventude, sempre embalada por seu inesquecível tema: “F... Comme Femme”. Sobre
isso, fica a curiosidade de que, mesmo não tendo lançado na época uma trilha sonora original, as
músicas de “Beto Rockfeller” fizeram sucesso, impulsionando o mercado de trilhas de novelas. Isso se
deve também a genealidade de Cassiano Gabus Mendes, que antes mesmo da novela ir ao ar, teve a
grande ideia de inserir as músicas mais tocadas (e pedidas) no “Dobrão”. Sucesso garantido.

“Beto Rockfeller” fez ainda outra coisa inédita. Duas novelas conversaram entre si. Em visita a uma
cartomante, Lu (Débora Duarte) encontra com Heloísa (Aracy Balabanian, personagem de “Antônio
Maria”). Elas conversam entre si. A mesma cena foi exibida nas duas novelas, de forma que uma
acabou divulgando a outra.

Depois, com Plínio Marcos, tentaram dar prosseguimento ao sucesso com “Super Plá”, de 1971,
também de Bráulio Pedroso. Logo ele foi para a Rede Globo, onde nos anos 1970 fez sucesso com “O
Cafona” e “O Rebu”. Antes, em 1973, fez na TV Tupi “A Volta de Beto Rockfeller”, mas sem o mesmo
êxito da original.

Dois anos antes, 1966, a TV Record tentou implantar a linguagem moderna com “Ninguém Crê em
Mim”, de Lauro César Muniz, mas não teve o mesmo tom coloquial, a profundidade e o alcance

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atingidos por “Beto Rockfeller”. O verdadeiro divisor de águas foi a novela da TV Tupi. Ali Cassiano, que
havia inventado a televisão, reiventou-a.

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As paixões de Cassiano

Cassiano trabalhava muito e ganhava pouco, perto dos executivos de televisão atuais. Volta e meia os
salários da TV Tupi atrasavam e lá ia Cassiano brigar pelos seus, mas também pelo dos colegas.

Desde que se casaram, Cassiano e Helenita moraram em três lugares diferentes. Primeiro na Rua Alves
Guimarães, depois em 1958, mudaram-se para o apartamento 23, na Rua Peixoto Gomide, 1923
(próximo da Rua Oscar Freire), onde ficaram por doze anos. Até que em 1970, por sorte, eles foram
morar na Rua José Maria Lisboa, quase esquina da Rua Padre João Manoel. Mas por que sorte?
Helenita Sanches explica:

- Eu tinha um dinheirinho lá guardado e tinha um cara que comprou esse apartamento da José Maria
Lisboa. Estava construindo ainda, estava quase pronto. Ele se apertou e pôs a venda por um preço
muito bom. Aí um amigo do Cassiano falou pra ele, que se arriscou, deu a entrada. Passado uns meses
eu já tinha feito os armários da cozinha e o Cassiano falou: “Não vou poder pagar como ele quer”. Ele
queria receber em um ano só ou em dois. “Aí nós vamos perder a entrada e o apartamento”. Você
acredita que nós ganhamos na loteria? Deus foi bom com a gente! Ele comprou bilhete fechado nesse
apartamento. A gente tinha uma proteção divina!

Fases difíceis essa família passou, mas felizmente Cassiano nunca deixou faltar nada. Ele trabalhava
muito para isso. Poucos eram seus luxos, nada de extravagâncias. Eles iam à medida do que era
possível. Comer fora, ir ao jogo do São Paulo Futebol Clube, viajar para praia – tinham inclusive
adquirido, no início dos anos 1960, um apartamento em São Vicente, no Condomínio Edifício Grajahu,
localizado no Itararé, divisa com o bairro de José Menino, em Santos. Ir para lá era o descanso de
Cassiano e a família, todos os finais de semana e as férias. Ao lado do prédio havia um barzinho que
Gabus Mendes adorava frequentar com os amigos mais próximos, como Luis Gustavo e Hélio Souto.
Com este último teve ainda “O Dobrão”, umas das boates mais bem frequentadas de São Paulo,
encontro de muitos artistas.

Cassiano trabalhou muito. No início da televisão, ele passava o dia na emissora, aí saindo de lá ainda
ajudava o cunhado, o publicitário Ricardo Artner (casado com Maria Edith) em sua agência de
propaganda.

- Ele corria muito. Ele vinha correndo, às vezes, da Tupi pra trazer um brinquedo para o Tato. – conta
Helenita. Nos anos 1950 ele mal conseguia ver o filho, porque era consumido pelo trabalho, mas nunca
o esquecia. Depois disso ia para casa, ficava um pouco com a família e adiantava os trabalhos do dia

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seguinte. Mal dormia. O ritmo ainda era esse nos anos 1960, enquanto estava na TV Tupi. Cassio, que
era pequeno, conta sobre o pai:

– Me lembro muitas vezes de acordar no meio da madrugada, entrar na sala, e ele estar com a
máquina na mesa de jantar escrevendo ou estar adormecido com a cabeça do lado. Ele chegava,
minha mãe fazia um prato de comida pra ele comer. Aí meu pai sentava na mesa de jantar com a
máquina do lado. Ele adorava bastante ovo frito com arroz!

Só que quando Cassiano não via os meninos em casa, vez por outra, eles apareciam na TV Tupi para
visitá-lo. O filho Tato conta:

- Eu tenho bem claro do início da Tupi, aquele corredor, a sala dele, do lado da do Miro, o maquiador, à
esquerda. As vezes eu ficava ali naquela sala esperando pra falar com meu pai. Quem ia fazer o
“Almoço com as Estrelas” também esperava ali. Vi gente como Elis Regina, o Simonal, todo mundo
começando, Roberto Carlos. Tinha esse corredor e a sala dele, antes de ir para o prédio do lado... Eu
lembro dos estúdios também. Ficava ali atrás das câmeras e adorava ver a “Bola do Dia”. Eu ficava
zanzando pelos estúdios, era tudo ao vivo.

Cassio também tem memórias na TV Tupi:

- A primeira vez que eu entrei num estúdio eu era bebezinho. Foi numa novela, que não lembro o nome,
mas fui filho, acho, da Susana Vieira. Ela pegou o bebê no início da novela, no colo. Eu era um
bebezinho de colo, minha mãe teve que ficar junto do lado, foi rápido. Aí eu cresci e fui várias vezes na
Tupi. Me lembro de ir na sala dele, de correr nos corredores. Quando eu era garotinho, uns 11 ou 12
anos, um dia pedi pra ele que eu queria um carrinho de rolimã. Pedi pra ele fazer na cenografia da
Tupi. “Deixa que eu mando fazer lá. Eu peço pra eles”. E demorou, demorou... Não chegava aquele
carrinho. Eu ia sempre na sala dele. Aí um dia tô lá, eu fuçava, abria gaveta, abria tudo. Uma mesa
grande, com 6 gavetonas. Abri uma gaveta e estavam as rodinhas do carrinho de rolimã! Aí ele: “Pô,
esqueci! Essa semana tá pronto”. E realmente ficou pronto. Eu lembro também de assistir a uma cena,
uma gravação na oficina do Beto Rockfeller com o Tatá e o Plínio Marcos. Vi também a Cacilda Becker
gravando. Tenho muitas referências da Tupi, eu ia muito lá, e na padaria do lado, a “Real”. Eu brincava
nos elevadores do prédio, na sala da direção artística, na antessala. Essa fase influenciou a escolha da
minha carreira. Era mágico, fascinante, eu adorava ficar vendo aquilo, passeando ali dentro, não tenho
a menor dúvida. Não sei se a palavra é “influenciou”, porque na verdade ele nunca quis, nunca teve
isso de “Vem cá, você quer fazer? Então vamos fazer. Vamos pôr você aqui ou ali”, nunca, ao contrário,
isso eu sempre declarei: o negócio dele era o estudo. “Primeiro vai estudar, depois vamos tentar fazer
outra coisa”. Eu adorava ir, adorava esse mundo. Era fascinante. E sempre tinha alguém em casa, dos
artistas, convivia muito. Então eu sempre digo que eu “nasci nesse quadrado”. Não sei se você

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aprende a gostar ou se você já nasce com isso: meu mundo, do meu pai e do meu avô. – Cassio
quando era novo chegou a aparecer na TV Tupi apresentando desenhos, em breves aparições. Quando
rapaz fez curso de teatro com Antunes Filho e depois, em 1979, participou de um “Teleconto” da TV
Cultura, atuando como garçom. Só em 1982 é que começou plenamente a carreira de ator em “Elas
por Elas”, de autoria de seu pai.

Cassiano sempre foi um grande exemplo aos filhos, mas seu contato com eles foi maior a partir da
década de 1960. Isso porque Gabus Mendes conseguiu dividir melhor seu trabalho na direção artística.
Era corrido, só que menos que antes.

Por volta de 1972, Cassiano levou Cassio para dar um passeio no Parque do Ibirapuera. Lá o menino
teve uma das maiores lições de vida com o pai. Cassio foi encontrar uns colegas da escola para jogar
bola. Tinha no local um vendedor com uma caixa de isopor, vendendo sorvete artesanal, água, bebidas.
Aí teve uma correria, uma batida dos fiscais da Prefeitura de São Paulo. O rapaz do isopor não
conseguiu correr e o fiscal levou a caixa com os produtos que vendia, o seu sustento. O vendedor ficou
parado, assustado e sem saber o que fazer.

- Nos olhos do meu pai um sentimento terrível de impotência. Decepcionado, penalizado, ele começou
a andar em direção aos garotos. Ele queria ter ajudado a evitar aquilo. Eu lembro do meu pai chegar no
menino e dar como se fossem uns 50 ou uns 80 reais de hoje para ele. Ele ficou com dó do menino.
Era uma quantia significativa para um diretor artístico que raramente recebia o seu salário. Mas ele era
muito generoso. Ele sempre ajudou muita gente, as vezes sem ninguém ficar sabendo. Coisas assim de
ir no restaurante e dar, como se fosse rico e nunca foi, mas querer pagar e dar uma gorjeta. Era uma
forma de ser generoso, “eu quero pagar”, de ajudar, de retribuir, de gratidão. Sabe, quando a gente
saiu do parque ele continuava com aquela cara e no carro resolveu desabafar: “Cassio, tem de haver
generosidade e respeito para com os outros, ainda mais em situações difíceis. Se seu espírito manda,
ajude. Se não for com dinheiro, pelo menos com consideração. Dê atenção, meu filho. Isso pra muita
gente já será muito mais do que elas têm. É o mínimo que as pessoas merecem”. Levo isso pra toda
minha vida.

Humilde, generoso, assim era Cassiano. Tinha boas palavras, mas sabia também ouvir. Cassiano era
um diretor, um futuro novelista, que não hesitava em pedir opiniões sobre tudo que fazia, até para os
filhos, mesmo quando ainda eram pequenos.

Outra paixão de Cassiano era a música, adorava principalmente jazz. Sua casa era frequentada
regularmente pelos artistas. Helenita Sanches lembra que verdadeiros saraus aconteciam
regularmente por lá. A nata da música popular brasileira aparecia em sua casa e até os novos talentos.
O mesmo acontecia em sua boate “O Dobrão”, como também nos bastidores da Tupi. Uma vez Abelardo

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Figueiredo, fora do ar, fez uma “audição” especial de um novo cantor para os artistas e técnicos da
emissora: era Wilson Simonal. Com seu ouvido apurado, Cassiano Gabus Mendes, ao vê-lo cantar,
falou:

- Alguém pode mandar esse cara parar de cantar? Ele não precisa provar nada pra ninguém aqui! – Ele
elogiou Simonal, que cantava “Samba do Avião”. Pouco depois, Cassiano autorizou a criação do
programa “Spotlight”, em janeiro de 1965, sucesso da emissora com o artista.

- Foi ele quem me fez ouvir pela primeira vez o Nat King Cole, o que na época foi algo maravilhoso. –
comenta o amigo Lima Duarte. O ator foi diretor de “Beto Rockfeller”, cuja trilha foi ideia de Cassiano
Gabus Mendes, baseada nas músicas mais pedidas na boate “O Dobrão”. Foi sucesso quando
lançaram o disco, mesmo depois da exibição da novela. Gabus Mendes acabou fazendo ali a primeira
trilha sonora com músicas cantadas e não instrumentais, com letra. Tato Gabus Mendes conta dessa
ligação pai com a música:

- Ele adorava comprar os discos e ficar ouvindo. Música clássica ele ouvia bastante, depois quando a
gente já estava mudando pra José Maria Lisboa eu me lembro que sempre vinha um rapaz, sempre no
fim de semana, e trazia muitos discos pra ele escolher. Naquela época não tinha disco importado, você
tinha que comprar com importadores. Eu até pedia uns discos de rock que ele não queria, mas
comprava pra mim. Era a paixão do meu pai até a ponto dele fazer o som do “Dobrão”. Ele gravava em
casa e levava a fita de rolo, já com a sonoplastia para o “Dobrão”.

Falando em discos, Cassiano tinha uma coleção enorme. Quando era mais novo, comprou robustas
caixas acústicas da Fischer e McKintosh, mas com o passar do tempo queria um som com mais
qualidade. Comprou aparelhos mais compactos e melhores. Aos poucos criou uma coleção que chegou
a quatro mil CDs e LPs, com música erudita, ópera, MPB e clássicos da música americana. Em sua sala
tinha um mini-som JVC com CD, toca-fitas K7 e rádio. No escritório colocou um compact disc laser e
caixas acústicas da Technics, com o toca-disco alemão Elac. Lá ele gravava as fitas, editava, para ouvi-
las no carro ao dirigir. Até em São Vicente Cassiano tinha um toca-fitas Bosch. Adorava música, uma
paixão também de seu pai Octávio. Cassiano foi por um tempo sonoplasta de profissão... e paixão.

Gabus Mendes tinha paixão também por filmes. Era cinéfilo assumido, o que se percebe ao olhar os
trabalhos que realizou durante a carreira. Helenita e ele adoravam assistir aos filmes, principalmente
os hollywoodianos. Como faleceu no início dos anos 1990, não acompanhou a evolução da TV paga e
os canais segmentados de filmes. Ainda assim viu o progresso das locadoras e assistiu a filmes em
VHS. A única decepção de Gabus Mendes foi com o cinema nacional. Entusiasta até os anos 1990, viu
a decadência da produção cinematográfica no Brasil. Quando morreu, o cinema brasileiro estava

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ressurgindo. Dessa nova fase do cinema nacional felizmente seus filhos puderam colaborar atuando
em filmes brasileiros.

Outra grande paixão de Cassiano foi o São Paulo Futebol Clube. Ele se apaixonou pelo time por causa
de um tio sãopaulino, irmão de Octávio (este que era corinthiano), que o levava assistir aos jogos do
Tricolor Paulista no Estádio do Pacaembu. Esse amor, Cassiano passou para os filhos Tato e Cassio,
incentivando também o cunhado Luis Gustavo. Aliás, a TV Tupi, no início, tinha um “time” de
sãopaulinos. Entre eles, um torcedor roxo: Lima Duarte. Ele nos conta agora sobre uma curiosidade de
Cassiano, envolvendo o time e o primeiro treino de Pedro Prospiti, atacante do Tricolor em 1966:

- No dia de jogo do São Paulo, o Cassiano não fazia ensaio do “TV de Vanguarda”, pedia para algum
colega nosso fazer a marcação, como o Gallon. Ele assistia o jogo e de noite vinha “cortar” as imagens
como diretor de TV. Um dia que eu estava ensaiando com a Wanda Kosmo, chega um rapaz e diz: “O
Cassiano tá chamando”. “O que é?” “É estreia do Prospiti”. Era um jogador que vinha treinar no São
Paulo, era o primeiro treino dele. “Lima, vai lá ver como é o Prospiti”. “Mas eu tô ensaiando o teatro”.
“Teatro o caramba, vai lá ver o treino do Prospiti”. Eu fui no treino do Prospiti, chegou lá e estava
também o Tatá. Aí eu voltei e ele: “Que tal o Prospiti?” “Cassiano...mais ou menos...” Aí o Cassiano,
revoltado: “Aleijado, @#$%&* do São Paulo, não acerta uma!!!” O Prospiti tinha o pesinho torto! A
cadeira do Cassiano era ao lado da minha, no Estádio do Morumbi. Nós as ganhamos no final.
Estávamos pagando, a prazo, mas um dia o São Paulo disse: "Tá perdoada a dívida". E tem até hoje a
cadeira cativa. Ele era muito sãopaulino. E nós fomos a todos os jogos possíveis, nós éramos queridos
amigos. – essa cadeira cativa que Lima se refere, ainda pertence à família e Cassiano havia escolhido
um lugar com uma boa visão do todo: no anel do meio do Estádio Cícero Pompeu de Toledo, setor 8.

O sãopaulino Luis Gustavo, o Tatá, fala também sobre a cadeira e a relação de Cassiano com o time:

- O amor dele pelo São Paulo era muito grande. Antigamente tinha até uma placa “Cassiano G.
Mendes”. É, ele era prata da casa. Relacionado a isso tenho uma história. Teve uma época que me
botaram pra fazer câmera na TV Tupi. Eu fazia um pouquinho de câmera em estúdio, então era segundo
time. Aí me botaram pra fazer futebol no Pacaembu. E onde me botaram? Me botaram na marquise
com aquela lente teleobjetiva 23. A Tupi tinha da 17 a 23. Era a grandona 23. E quando tinha jogo do
São Paulo e o time fazia o gol, a imagem ficava meio tremida. E como ficava o Cassiano? “Porra!!! Tira o
Tatá de lá!!! Toda vez que o São Paulo está atacando ele fica vibrando e a câmera fica ruim”. Aí me
tiraram! Eu deixei de fazer câmera no Pacaembu por causa do São Paulo. Hoje não sou tão fanático
assim, mas continuo sãopaulino. O Cassica tinha sensibilidade para o futebol. Ele trabalhava demais,
senão o Cassiano deveria ter sido um consultor de elenco do São Paulo, de “casting” futebolístico. Seria
um bom consultor. Ele sempre falava “presta atenção no cara que vai jogar”, “esse é bom” ou “esse não
é bom”. Ele entendia muito de futebol.

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Tato Gabus Mendes conta até que ponto chegava o fanatismo do pai:

- Nossa, o São Paulo era uma paixão do meu pai! Ele costumava contar que foi num jogo no Morumbi,
um daqueles joguinhos de Campeonato Paulista com time pequeno. Ele foi no estádio, levou a
almofadinha dele e o radinho de pilha. Gostava de chegar cedo. Era um jogo também que tinha uns dez
“gatos pingados”, que não tinha tanta motivação assim. Foi tão cedo, que depois me falou: “Poxa, Tato,
que sensação louca eu tive. Entrei no estádio e não tinha ninguém”. Só tinha ele naquele gigantesco
estádio do Morumbi. Mas ele estava lá, sempre torcendo. A gente ia muito com ele no estádio, era uma
delícia. Naquela época era muito bom, tranquilo, não tinha briga, era uma delícia. Uma época gostosa
do futebol.

Cassio Gabus Mendes também lembra da paixão do pai:

- Meu pai não queria nada, além de ir no estádio e ter lá a cadeirinha dele. Era um lazer, uma coisa que
ele amava. As vezes ele ia, com frio de julho, poucos graus, chovendo. Ele botava o chapéu dele e ia.
Não tinha ninguém no estádio. Aí você via uma pessoa lá no meio, nas cativas. Era ele. Eu cansei de ir
com ele em jogos nessas situações! - Um dos momentos mais emocionantes de Cassiano se deu no dia
05 de março de 1978. A final do Campeonato Brasileiro de 1977, em que o São Paulo Futebol Clube
ganhou seu primeiro título nacional, no Mineirão, vencendo o Atlético Mineiro nos pênaltis, por 3 x 2,
depois de um empate em 0 x 0 até o final do jogo. Conta Cassio: - Meu pai era muito sedentário, mas eu
me lembro que a primeira vez que eu o vi pulando, pulando e gritando gol. Já tinha visto no estádio, eu
ia muito com ele e levantava pra gritar “Gol”. E eu muito pequeno. Era tão pequeno que eu subia na
cadeira. Mas naquela final do Campeonato Brasileiro de 77 ele levantava os braços, gesticulava. O São
Paulo ganhou em Minas contra Atlético. Eu assisti e só estava eu e ele, no domingo. Estava passando
direto na televisão. O São Paulo ganhou nos pênaltis! Eu tinha 16 anos. No último pênalti quando o cara
do Atlético lá errou, chutou alto, o goleiro, o Waldir Peres, saiu correndo! Nós ganhamos o campeonato!
Ele pulou da cama e ficou quicando, como eu nunca tinha visto! Eu saí gritando também e fiquei
olhando assim parado para o meu pai. Ele de pijama, vibrando, numa felicidade incrível. Eu falei: “Meu
Deus!” Então foi maravilhoso. Ele pulando, pulando, literalmente.

Cassiano sempre gostou do time em si, exceto algumas fases e jogadores. Era crítico também com
futebol, mas tinha seus jogadores prediletos. Canhoteiro, Pedro Rocha, Zizinho, Bauer, Gerson, Leônidas
da Silva e muitos outros. Ele acompanhou o São Paulo Futebol Clube até falecer. Quando começou a
ficar doente, depois das safenas, ele passou a ir menos no Estádio do Morumbi. Só que não deixou de
ir. O mesmo acontecia em casa. Sempre assistiu aos jogos. A única diferença era que os calmantes o
acompanhavam, como um meio comprimido de Lexotan. Sabia que a emoção ia mexer com seu

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coração, mas não deixaria jamais de ver seu time. Sentia-se o 12º jogador em campo contra o
adversário.

Gabus Mendes nunca quis se envolver na política interna do São Paulo Futebol Clube, mesmo que
recebesse constantemente convites. Muitos o quiseram como conselheiro, diretor, sócio, por exemplo,
mas agradeceu e não aceitou. Com isso acabou conhecendo inúmeros dirigentes que o respeitavam e
admiravam sua paixão calorosa pelo time. Nomes como Laudo Natel, Juvenal Juvêncio, Fernando Casal
Del Rey, José Eduardo Mesquita Pimenta e muitos outros, além de diretores envolvidos com a área de
comunicação, como Paulo Machado de Carvalho (amigo da família desde os tempos de seu pai Octávio,
na Rádio Record) e Constantino Cury. Deste, sua filha Silvia Sadi Cury relembra:

- O Cassiano era muito amigo do meu pai, desde os tempos da Tupi. Meu pai patrocinava o “Pinga Fogo”
e era capitalista do Assis Chateaubriand. Ele financiou toda produção do programa. Meu pai gostava
muito do Cassiano e o encontrava também em festas.

Aos dirigentes do São Paulo Futebol Clube, Gabus Mendes dava seus palpites, mas sempre como bom
torcedor. O negócio dele era parar seu carro no Morumbi, entrar no estádio, sentar na sua cadeira e ver
os jogos até o fim. Uma rotina prazerosa a Cassiano. Ele honrava a camisa do Tricolor, apenas torcendo
e era o que queria. O único ato político relacionado à diretoria do clube, Cassiano realizou no final dos
anos 1960. Por conta da construção do Estádio do Morumbi todos os recursos do clube estavam sendo
desviados para obra e o time estava fraco, sem comprarem nenhum jogador, nem realizarem
mudanças. Cassiano escreveu alguns editoriais, criticando a gestão, que foram veiculados na TV Tupi.
Daí o São Paulo acabou por acatar o pedido e fez modificações.

Já que Gabus Mendes não aceitava nenhum cargo, o clube resolveu lhe fazer uma surpresa no final dos
anos 1980. Durante a gestão de Juvenal Juvêncio (1988-1990), na presidência do São Paulo, ele
solicitou uma foto de Cassiano. De repente lhe deram a carteira de “assessor da presidência”, como
homenagem.

Quando faleceu, o caixão de Cassiano Gabus Mendes foi coberto por uma grande bandeira do seu time
do coração. Essa bandeira hoje é guardada, com muito carinho, pelo filho Cassio. Conta ele, sãopaulino
fanático:

- Essa bandeira, independente de ser do São Paulo, pra mim é a referência dele, do futebol e de ter me
criado ali. – Sobre todas as suas paixões do pai, Cassio complementa: - O negócio dele era ouvir
música, ver o futebol, assistir filme e ler, ele lia pra caramba. Também gostava de jantar fora e levar os
filhos, não tinha muito outros eventos.

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Assim era Cassiano Gabus Mendes, apaixonado pela vida e pelas coisas que o emocionavam, tocavam
sua essência.

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A serviço da arte

Cassiano Gabus Mendes, assim como o pai Octávio, e os filhos Cássio e Tato têm uma marca que vai
muito além do talento e da criatividade. São todos humildes e enxergam-se como fiéis servidores da
arte. Fama? Não, isso não é importante. Se existem e percebem, não os contamina. São discretos, não
dão muitas entrevistas, porque sabem que o mais importante não é a fama, mas o uso da arte para
levar conhecimento, cultura, educação, informação e entretenimento. Em relação à concorrência, isso
nunca foi uma preocupação, pois sempre acreditaram que um trabalho bem feito, bem acabado, irá
gerar bons frutos. Nunca enxergaram a área como apenas uma emissora, seja de rádio ou de televisão,
mas um grande complexo formado de profissionais que lutam por um mesmo objetivo: transformar a
sociedade através da arte. Para Gabus Mendes, a audiência sempre foi apenas fruto de uma boa
produção.

Ainda falando de Cassiano, se a Tupi estava bem ele dividia os méritos com seus funcionários, porque
sempre acreditou no espírito de equipe. Se a concorrência ia melhor, não hesitava em cumprimentar os
colegas. Sim, todos eram colegas. A competição ficava apenas no ar, nas iniciativas. Fora da tela era
um ser humano que torcia por todos. Isso o faz inesquecível.

Certa vez, no início dos anos 1950, Cassiano ligou para Paulinho Machado de Carvalho, diretor da
Rádio e TV Record, filho do “Marechal da Vitória”. Combinaram de assistir a um jogo do São Paulo
Futebol Clube. Entre um lance e outro, Cassiano se virou para Paulinho e disse:

- Ô, Paulinho, o que vocês conseguiram na Record é um negócio difícil, viu? Porque a Record não é um
estação de rádio, vocês são um estado de espírito.

Em outro momento, no dia 01o de setembro de 1969, foi a vez de Boni receber um telefonema de
Cassiano. Após a exibição de estreia do “Jornal Nacional” (quando a Rede Globo pela primeira vez
realizou um programa transmitido ao vivo, via satélite, para todo país), o telefone de sua sala na Globo
tocou. Era Gabus Mendes, que na época tentava salvar a Tupi:

- Parabéns! Tenho minhas dúvidas se isso vai funcionar, mas foi um grande passo.

Cassiano era um gentleman e nunca hesitou de fazer ligações para parabenizar ou para dar sua
opinião crítica sobre o que havia achado de uma produção – independente se era para um colega da
emissora ou concorrente. Para todos, Gabus Mendes sempre foi um grande mestre, que lutava por uma

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televisão de qualidade e que pudesse ser assistida, compreendida por toda população, independente
de classe social e idade.

Ele também não tinha medo de falar com a imprensa quando o procuravam ou queria dar um recado
sobre o que estava criando... ou se não havia gostado de algo que foi escrito. Ao máximo tentava não se
expor, mantendo no campo dos bastidores suas observações. Quem normalmente citava seus
telefonemas era a colunista de TV da Folha de São Paulo, Helena Silveira. Muitas vezes não
concordando com o que foi dito em sua coluna, Cassiano dialogava com a jornalista, que chegou a
trabalhar com ele na TV Tupi. Medo das palavras não era algo que passava pela cabeça de Cassiano,
sempre firme em suas decisões e ideias. Porém, evitava falar. Era discreto.

Outra jornalista com quem tinha liberdade de tratar qualquer assunto era Lyba Friedman, também
pioneira da crítica televisiva. Um bom exemplo da segurança de Cassiano está em um comentário feito
por ele numa matéria146 da amiga Lyba, esposa de seu grande colega Syllas Roberg. Cassiano não
tinha “rabo preso” com ninguém, nem precisava bajular. Por isso falou sobre suas impressões em
relação a Rede Globo, empresa em que ele trabalhava há pouco mais de um ano (era 1976):

- Acho que a Globo está num bom caminho, nem tão intelectualizado, nem tão chão. Conseguindo um
meio termo, é possível ensinar parte do povo que quer aprender alguma coisa. Já corri atrás de Ibope,
fiz uma série com um cara metido a santo chamado Josias, que hoje eu não faria de jeito nenhum, que
aliás parei no momento em que senti o que aquilo representava. Era uma coisa totalmente
incompatível comigo, era coisa para ganhar Ibope. Difícil resistir à tentação, afinal, eu não era de
ferro... Aquilo foi feito para rebater um programa que explorava as mazelas humanas naquilo que ela
tem de mais sórdido, posto no ar, por um jornalista que, se teve alguma popularidade, hoje
desapareceu da TV. Foi apelação, claro que começam a pressionar, a gente começa a apelar. Televisão
é um veículo terrível, que pode modificar a longo e a curto prazo. É brutal, entra dentro da tua casa.
Dizem que ela não grava, mas não acredito, se marcar grava. Se ler um livro que é chato, não grava,
mas se for muito bom, grava mesmo e guarda a vida inteira. Se for coisa boa, grava muito mais que
qualquer outro veículo.

Na mesma matéria Gabus Mendes se mostra um profundo aprendiz da arte e da comunicação, se


reciclando e aprendendo a cada novo momento. Ele disse:

- Se tivesse de começar tudo de novo? Começaria, talvez com o mesmo espírito, mas com outras
atitudes, não tão amadorísticas como naquela época. A gente saiu muito prejudicado na vida

146
Jornal Shopping News (Coluna “Televisão”, Liba Frydman, em 14/03/1976)

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profissional. Claro, a gente amadurece, sabe tudo quando tem 60 anos, mas aí também não adianta
nada.

Em uma área onde Cassiano era o grande professor, ele sempre se considerou um eterno aprendiz em
busca do progresso da arte.

Mas... afinal, o que aconteceu naquele dia, na sala dele da Tupi? O que se sucedeu naquele encontro
com Vida Alves?

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VIII.
O início do caos

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A ruptura

Uma nova sensação no ar. Só que nada, nada boa. Cassiano Gabus Mendes terminava a década de
1960 com um peso tão grande nas costas. Era como se tivesse voltado para TV Tupi para se despedir
de vez, porque aquela já não era mais a sua casa. Não tinha ali mais seu jeito, a alegria também já não
era mesmo. Cada um por si. Interesses estavam colocados em primeiro lugar, mas a amizade forte se
extinguia. Não que ela não houvesse, mas vinha de um grupo menor, que enfrentava de peito aberto os
problemas e compreendia as dificuldades de Cassiano. Ao mesmo tempo uma nova Tupi surgia, com
gente nova, novos atores, novas ideias. Era uma ruptura entre um tempo e outro.

Cassiano já não estava mais sozinho. Orlando Negrão era o superintendente geral da TV Tupi. Tinha um
bom relacionamento com ele, tanto que em 1968 foi até padrinho de casamento no civil de seu filho,
Orlando Negrão Jr. (que décadas depois comandaria a competente Rede Antena 1 de Rádio). Ainda
assim, os problemas da direção Associada continuavam refletindo nos trabalhos de Gabus Mendes.
Tinha mais prazer em tocar a boate “Dobrão”, do que estar ali, salvo algumas realizações que ele teve
com a programação na Tupi.

Estava satisfeito, por exemplo, com uma de suas criações: em 1968, Cassiano criou o Festival
Universitário da Tupi, com direção de Fernando Faro e Magno Salerno. Gabus Mendes inclusive, foi para
frente das câmeras, como jurado do festival (na edição paulista). Rogério Duprat foi um dos principais
nomes do júri carioca. Cassiano foi buscar novos talentos nos barzinhos, escolas e universidades. Agitou
a boemia do meio acadêmico. O regulamento foi feito por João Carlos Botezelli, o conhecido “Pelão”.
Aquele primeiro festival lançou para grande mídia uma safra de compositores. Produzido e transmitido
em conjunto com a TV Tupi carioca, o Festival Universitário teve Taiguara, vencendo no Rio de Janeiro
com “Helena, Helena, Helena”, de Alberto Land. Ciro Monteiro defendeu Ãté o Amanhecer”, dos jovens
Ivan Lins e Waldemar Correia. Já na edição paulista, Walter Franco concorreu com “Não Se Queima Um
Sonho” (também conhecida como “Chê”) – notabilizada por Geraldo Vandré e Trio Marayá. Em 1969,
Gonzaguinha venceu a edição carioca com “O Trem”. Na mesma edição estava Clara Nunes ao lado do
Quarteto 004, defendendo “De Esquina em Esquina”, composição de Aldir Blanc e César Costa Filho. Na
edição paulista venceu Abílio Pena com “Pena Verde”. No ano seguinte, 1970, no Rio venceu “Dia
Cinco”, de José Jorge Miquinioty e Rui Maurity. Maria, uma jovem menor de idade, se apresentou com
“Não Me Queira Mal”, composta por ela, Flávio e Marco Aurélio (Maria depois lançou-se na carreira com
o nome de “Lucinha Lins”). Naquele ano, na edição paulista, criteriosamente Cassiano Gabus Mendes
foi um dos responsáveis pela desclassificação de Paulinho da Viola... Só que foi por uma boa causa: ele
foi considerado pelo júri como “hors-concours” de tão bom que era. Por isso deram vitória ao Trio
Marayá (no tantã, Behring Leiros, pai do crítico de TV José Armando Vannucci), que concorreu com “Pra

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Quê Lagoa Se Eu Não Tenho Canoa”, de Hilton Acioly. Em 1971, no Rio, Belchior venceu com “Na Hora
do Almoço”, cantada por Jorginho Teles e Jorge Neri. Já em São Paulo venceram os compositores
Eduardo Godin e Paulo César Pinheiro com “Lá Se Vão Meus Anéis”. O Festival Universitário revelou
muita gente boa.

Para Cassiano também foi um tempo de dificuldades com a imprensa, que criticava os rumos que a TV
Tupi estava tomando. Foi atacado até por Helena Silveira, crítica de televisão do jornal “Folha de São
Paulo”, que antes só o elogiava. O que ela escrevia, era lei e influenciava toda imprensa especializada.
Portanto, as críticas ferozes não eram nada boas a Gabus Mendes e a Tupi. Ela, por exemplo, em janeiro
de 1970 “alertava” Cassiano para que ele não perdesse Maria Thereza Gregori, já que talentos
femininos de peso – como Vida Alves, Hebe, Márcia Real e Geórgia Gomide – ele havia perdido para
concorrência. Em maio, Helena dirigiu-se a Cassiano, criticando a novela “As Bruxas” e relembrando,
com tom de condenação, o desfecho de “Beto Rockfeller”. Em novembro, nova crítica, agora sobre o
insucesso de “Toninho On The Rocks”: “Ao que consta, Cassiano Gabus Mendes confiava plenamente
no sucesso do Antônio Marcos”. Condenou Cassiano, em 1971, pela retirada abrupta da reprise de
“Nino, o Italianinho” do ar, e um ano depois, 1972, Silveira fez uma análise do panorama da telenovela,
dizendo que Gabus Mendes recorria às fórmulas antigas que ele deixava guardado, desde os tempos de
Glória Magadan na Tupi, e que enferrujaram. Enalteceu Vietri, Cattan e ainda falou mal de Orlando
Negrão, superintendente da Tupi. Uma fase difícil, para um guerreiro cansado. Felizmente, no futuro, as
opiniões de Helena Silveira voltaram a ser favoráveis ao trabalho de Cassiano.

Outra questão que o preocupava era a Censura Federal, cada vez mais vigilante. Muitas vezes Gabus
Mendes teve que ir ao DOPS, representando a TV Tupi, para prestar declarações e amenizar questões
consideradas “subversivas” pelo órgão federal. Ele chegou uma vez a tirar da prisão Plínio Marcos e em
outra, peitou a Censura Federal, para que não tirassem Bete Mendes de “Meu Pé de Laranja Lima”.
Conta a atriz Eva Wilma, esposa do diretor da novela, Carlos Zara:

- No “Meu Pé de Laranja Lima” eu fiz a Jandira, que tinha duas irmãs. Uma delas era interpretada pela
Bete Mendes, que estava em liberdade condicional. Era aquele período terrível da Ditadura Militar.
Cassiano e Carlos Zara receberam ordem de tirá-la da novela. Um falou para o outro: “Eu não tiro” e o
outro: “Eu também não tiro”. Isso foi muito bonito. O DOPS não gostou. Depois da novela, quando ela foi
a julgamento, me convidou pra ser testemunha e eu fui. Foi um período muito difícil, mas Bete Mendes
foi até o final da novela.

Ao mesmo tempo que tudo isso acontecia, os canais de TV estavam se digladiando. Em busca da melhor
audiência, os programas populares abusavam e a qualidade do conteúdo televisivo estava cada vez
pior. Polêmicas, “mundo cão”, baixaria. O Ministro das Comunicações Hygino Corsetti fez reuniões para

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debater a qualidade e pediu um “basta” para questão da disputa do Ibope. Cassiano concordou147 com
Corsetti, em matéria do jornal “O Estado de São Paulo” de 1971:

- A concorrência desenfreada é que gera os programas de mau gosto e o mais que se segue. Sou
favorável a uma séria pesquisa de opinião, mas que ela seja feita a cada três ou seis meses, de modo a
não influir demasiadamente nas emissoras, nas agências de publicidade e nos anunciantes.

Outra questão debatida naquele período foi a implantação da TV em cores, programada para 1972.
Cassiano batalhava por sua implantação desde 1961, quando realizou os primeiros testes de
programas coloridos. O Governo Federal tentou, através das TVs, tornar a implantação do novo padrão
de transmissão como um grande acontecimento nacional. Através da TV Tupi, Cassiano colaborou, tanto
para outros testes, quanto para transmissão em cores da Festa da Uva de 1972. O primeiro programa
totalmente em cores da TV Tupi foi “Mais Cor em Sua Vida”, em 31 de março daquele ano, com Walter
Forster e Cidinha Campos na apresentação.

- Vai ser como no começo. A gente apanha um pouco, engrena e vai em frente. - disse148 Gabus
Mendes, sempre seguro de si. Para ele, a TV em cores não ia ser nenhum bicho de sete cabeças ou uma
mudança incrível. O conteúdo pra ele estava acima do avanço tecnológico. Sabia149 que era preciso
pensar numa audiência mais qualitativa - O que prende a gente é essa enorme preocupação com o
Ibope. Mas agora não. Pretendo fazer uma grande mudança e vou começar não dando importância ao
Ibope. A retração comercial em relação à propaganda na TV se deve ao fato de que os programas são
feitos só para as classes C e D. O Ibope dá ideias erradas aos produtores. Por exemplo, um por cento é
igual a 10 mil casas, porcentagem baixa, mas que pode ser considerada alta, qualitativamente.
Reconheço a necessidade e a possibilidade de melhorar o nível dos programas, sem que isso traga
complicações para o espectador.

Cassiano acreditava ainda numa televisão de qualidade, como a que criou.

147
“A TV concorda em mudar a imagem” (O Estado de S. Paulo, 11/09/1971).
148
“Televisão: entre as cores e o melhor nível” (Revista Veja, 12/01/1972).
149
“Por uma TV independente” (O Estado de S. Paulo, 09/05/1971).

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Lições de mestre
A chegada dos anos 1970 também fizeram com que Cassiano Gabus Mendes fosse reconhecido pelos
seus préstimos à televisão. Além de pioneiro, era o único executivo de televisão na função artística por
duas décadas ininterruptas. Próximo às comemorações pelos 20 anos da TV brasileira, perguntaram a
Cassiano sobre todas suas impressões, como se estivessem consultando a um “guru”, um “midas”
televisivo. Abaixo veja algumas opiniões dadas150 por ele:

- O que é a televisão? – “O mais importante dos veículos. O que entra diretamente na casa de qualquer
pessoa. O único que se comunica, em igualdade de condições, com crianças, adultos e analfabetos, e
isto não ocorre com outros veículos, como o jornal, a revista etc”.

- Objetivos da televisão - “Para mim o objetivo é divertir e interessar o povo. Depois informar. Nisso eu
acho que ela cumpre. Uns com menos categoria, outros com mais… Não acho que a TV seja de baixo
nível cultural. Novelas como “Nino, o Italianinho” não deseducam, apenas divertem. Nenhuma delas
ensina a falar errado. Vi televisão na França, no México, em Portugal, e todas ficam muito para trás da
nossa, que é muito mais viva, muito mais brilhante. Mesmo na Inglaterra, antes de entrar a TV
comercial, era ruim. Melhor, só vi nos Estados Unidos. Hoje em dia não existe mais ganância comercial,
mas apenas luta pela sobrevivência. O processo financeiro como tudo no país, está difícil. A
concorrência não dá mais margem a lucros excessivos. Na atual situação asseguro, não existe
nenhuma estação folgada, em boa situação”.

- O Ibope - “Encaro a pesquisa como muito necessária. O mal é o monopólio, a existência de um único
órgão de pesquisa. Não acho os resultados do Ibope importantes. Mas os acompanho, sob protesto, sou
obrigado a isso. Não é que o Ibope seja desonesto, não. Mas seria bom se a gente tivesse três ou
quatro fontes que fornecessem índices de audiência”.

- Existe uma televisão popular? - Se não quisessem o Chacrinha, não existiria o Chacrinha. Mas já está
provado que existe bom público para os programas de bom nível, coisa que antigamente não havia.

- O progresso - “Hoje temos muito mais recursos técnicos e muito mais aperfeiçoamento profissional.
Talvez o passo mais importante tenha sido o videoteipe. Agora será a transmissão via satélite”.

150
“A Televisão com a palavra” (Adones de Oliveira, Folha de S. Paulo, 18/12/1969) ; “Um homem nos
bastidores” (Eliana Haberli Silva, Folha de S. Paulo, 13/03/1970).

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- A importância da concorrência - “Se não houvesse ficaria todo mundo parado. Indispensável, em
suma, para o progresso, a evolução. Isso nem se discute. A concorrência é difícil porque há estações de
televisão demais. O mercado está saturado”.

- O que é um bom programa de televisão? - “É o que interessa. Para ser bom precisa ter os seguintes
ingredientes: bom gosto, inteligência, espírito crítico e leveza”.

- Por que não se inova mais na televisão brasileira? - “Todo mundo tem medo de inovar, porque teme o
índice de audiência”.

- A propaganda na TV - “Hoje é muito difícil uma agência procurar para fazer um programa de baixa
categoria. Eles querem sempre coisa boa ou pelo menos razoável. E outra coisa: hoje não tem mais
programa patrocinado. Vendem-se intervalos, inserções dentro dos programas. Vendem-se chancelas”.

- O futuro da televisão - “Depende do futuro do país. À medida que o país progredir a TV progride junto. E
já não existem mais preconceitos em relação a ela. A TV pertence a todas as classes. Assim como o
Paulo Gaudêncio faz TV, o Chico Anysio faz programas muito inteligentes. O Tatá (Luis Gustavo) não
gravou o “Beto Rockefeller” ao lado do Ministro Mário Andreazza? E já não se vêem colunistas sociais
aparecendo em programas aqui e ali? O preconceito acabou”.

- Ensino superior em TV - “Não estou a par do que se faz no setor de televisão da Escola de
Comunicações Culturais (E.C.C. da USP). Mas acho bom que se forme gente nova”.

- Atributos para trabalhar em TV – “Não é difícil entrar para trabalhar em televisão. Em nenhum setor é
tão difícil trabalhar, se se tem valor e inteligência”.

- As dificuldades de um diretor artístico - “O trabalho é bom, a gente lida com muita gente e com muitos
temperamentos. É necessário psicologia. Já tive muitas chateações também. Minha experiência me
ajuda muito. Um bom diretor artístico deve ter imaginação, bom gosto e ser esperto. Faço televisão para
divertir. Se possível, dentro de um bom nível”.

Décadas se passaram, mas se seguirmos ainda hoje esses preceitos de Cassiano Gabus Mendes,
continuaremos a fazer uma televisão com conteúdo.

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Adeus, Sumaré
“Em amor, não há último adeus, senão aquele que se não diz” – essa frase de Alexandre Dumas caberia
a Cassiano naquele triste junho de 1972. Sua força foi tirada aos poucos, seu ânimo também. O pior era
arrancar de dentro de si o que sobrava de paixão por aquela casa. Desentendeu-se com a direção da TV
Tupi, dos Associados. Poderia aceitar tudo, mas jamais trair seus princípios. Aprendeu isso com Octávio
Gabus Mendes. Pela primeira vez, pensou muito nele, na família. Sabia o caminho que aquela emissora
ia tomar. Se ia conseguir algo novo na área? Uma incógnita. Ele tentaria. Senão ainda tinha “O Dobrão”
para alegrar suas noites, com muita música, eventos. Sua função foi extinta e a Orlando Negrão
acumulou sua superintendência. Este ainda conseguiu segurar os problemas internos da Tupi, até
1976, quando desligou-se. Salários ficaram atrasados e uma sucessão, desenfreada, de diretores
aconteceu. Não parava um. A Tupi resistiu bravamente enquanto pode, mas em 18 de julho de 1980
teve sua concessão cassada. Os Diários Associados tiveram uma crise enorme e o império foi ruindo
gradativamente. Só nos anos 1990 é que começou uma nova história, com novo fôlego, novos
condôminos e muita revisão estrutural.

- O Cassiano tinha um amor por aquela televisão dos Diários Associados como se fosse dele. Quando
ele ia pedir aumento para o Edmundo Monteiro, o Edmundo contava lá umas lorotas e ele falava: “Eles
não podem, eles não sei o que”. “Mas você tem que brigar”. Ele não sabia. Ele sempre ganhou menos,
porque não sabia. Fora isso, ele impunha o que queria. – conta Helenita Sanches. Quando a TV Tupi
fechou, Cassiano resolveu desabafar aquilo que estava entalado na garganta. Ele então explicou 151 o
que se sucedeu na emissora:

- Depois que o Chateaubriand morreu, o negócio começou a degringolar violentamente. Era um


mundaréu de gente mandando e desmandando. Brigavavam entre si, tiravam o que podiam, não
tinham previsão, nem visão de futuro. Como nos dez primeiros anos foi moleza, a Tupi sempre na
frente, seus dirigentes deram uma cochilada. Quando acordaram, já estava entrando a Excelsior, a
Record, a Globo... e então, até logo! Tinha mesmo que acontecer o que aconteceu, faliu! Sou um cara
vivido, trabalhei vinte e dois anos na Tupi, passei lá toda uma vida e, no dia que me avisaram que a
Tupi estava fora do ar, tomei um choque, me deu um nó na garganta. A Tupi foi uma academia:
improvisada, mas sempre uma escola. Até hoje a grande maioria dos que trabalham em televisão está
exercendo sua profissão com o que aprenderam na Tupi. E os poucos que não trabalharam lá,
aprenderam vendo.

151
“Revista Briefing” (1980).

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IX.
Vida de novela

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Pintando o “7”

Avenida Miruna, 713, bairro do Aeroporto. Endereço de uma emissora que tentava ressurgir: a TV
Record. Três incêndios depois: no Teatro Record, no Teatro Paramount e na antena no Edifício Grande
Avenida... O que não faltava era apelar para fé. Devoto de Nossa Senhora Aparecida, Paulo Machado de
Carvalho colocou na entrada do prédio uma grande imagem da santa. Era para abençoar a todos os
funcionários, motivar e deixar de lado o fantasma dos grandes incêndios. Mesmo assim, o canal da
“Jovem Guarda”, dos “Grandes Festivais de MPB”, tinha se esvaziado. Foi-se Roberto Carlos, Erasmo,
Wanderléa, Simonal, Jair, Elis, Blota Júnior, Sônia Ribeiro, Chico, Caetano, Gil, Bethânia, Jô Soares,
Golias, Elizeth, Renato Côrte-Real, Manoel Carlos... Hebe ainda era uma das poucas que ainda
permanecia no canal 7, não se sabia ainda por quanto tempo. Mas quem poderia levantar aquele
canal? Quem?

- Cassiano? É o Paulinho, preciso falar com você.

- Baixo, quer ir ao jogo do São Paulo?

- Não, não é isso. Sei que está há meses fora da televisão. Pensei em você para me ajudar a levantar a
Record. – Cassiano Gabus Mendes respirou fundo, ao pedido do amigo Paulinho Machado de Carvalho,
diretor da TV Record. Seria novamente outro trabalho hercúleo e estava cansado daquilo, mas Cassiano
amava a televisão e adorava desafios.

- Vamos conversar, Paulinho. Vou até você amanhã. – Era fevereiro de 1973 e ele aceitou o convite
para ser o novo diretor artístico.

Cassiano e Paulinho precisavam colocar o canal 7 novamente no topo de audiência, ressuscitá-lo das
cinzas. Começaram a montar uma nova programação, lançada a partir de março daquele ano.
Contrataram Walter D’Ávila e Dercy Gonçalves para apresentar humorísticos, aprimoraram o núcleo de
telenovelas, contratando os autores Ody Fraga e Leilah Assumpção. Além disso, telejornais,
transmissões esportivas e programas diários, dando ainda a possibilidade de realizarem um programa
de teleteatro e musicais. Conta152 Gabus Mendes:

152
“De novo a Record?” (Revista Veja, 07/03/1973).

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- Eu estava cansado de TV. Trabalhei na Tupi desde a implantação da TV no país. Mas, quando o
Paulinho aventou a hipótese de luta, aceitei, porque, quando tem luta, tudo fica mais gostoso. Tenho
muita experiência, e tenho também a certeza de que, com garra, a gente sairá desta.

O nome de Cassiano atraiu muita gente que disse que se os chamassem, com certeza iriam para
Record. Agnaldo Rayol (lançado por Cassiano na TV Tupi, em 1957), Blota Jr., Manoel Carlos e muitos
outros. A Record vivia momentos de otimismo, com profissionais da fase “áurea”, como Raul Duarte
animados com a possível “virada” de jogo (na época ele era detentor de 2% da empresa). Já o Grupo
Gerdau (detentor de 49% das ações) estava em reunião com os Machado de Carvalho (Paulo e os
filhos). Eles queriam adquirir as ações que estavam com o grupo gaúcho, que até então não tinha se
empenhado pela emissora. Disse153 Paulinho Machado de Carvalho:

- Até agora este grupo não teve uma participação efetiva na empresa, na diretoria, na administração ou
nos investimentos. Mas o Governo Federal interveio convocando os titulares das ações para que se
definam, isto é, se pretendem ou não participar efetivamente da firma. Ou se preferem entrar num
acordo conosco. – na época, os Machado de Carvalho, empenharam um terreno na Via Anchieta, em
troca de um empréstimo de 6 milhões de cruzeiros. A importância para saldar os 5 milhões de
compromissos assumidos com a programação e 650 mil dólares em novos equipamentos. As
negociações com a Gerdau continuariam enquanto isso.

Tendo dado o “ok”, Cassiano Gabus Mendes botou a mão na massa e começou a montar um novo
elenco para TV Record. Foi assim que surgiram as novelas “Vendaval” e “Venha Ver o Sol na Estrada”.

“Vendaval” foi ao ar de 12 de março a 28 de julho de 1973, às 20 horas. A novela de Ody Fraga foi
baseada no romance “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë. Gabus Mendes manteve na
direção Waldemar de Moraes (que em 1972 já havia feito várias novelas no canal 7 e que contava com
o apoio do diretor J. Giannotti na novela e sonoplastia de Plínio de Oliveira), escalou para o elenco Hélio
Souto, Joana Fomm, Lilian Lemmertz, Jonas Mello, Rodolfo Mayer, Lia de Aguiar, Fernando Baleroni, Edy
Cerri, Sebastião Campos, Wilma de Aguiar e muitos outros.

A segunda novela, “Venha Ver o Sol na Estrada”, entrou no ar praticamente um mês depois, em 02 de
abril, e foi exibida até 27 de julho de 1973. Na autoria, a teatróloga Leilah Assumpção, com direção de
Antunes Filho (trazido por Gabus Mendes para o canal). A trama contava a história de uma família rural,
vítima de uma derrocada financeira. Destaque para nova rica Milena, interpretada por Márcia de
Windsor. No elenco ainda Jairo Arco e Flexa, Jassara Freire, Jacques Lagôa, Carmem Silva, Márcia Real,
Cléo Ventura, Ivete Bonfá, Turíbio Ruiz, Goulart de Andrade (como ator), entre outros.

153
Idem.

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Só que não conseguiram recuperar os índices de audiência e começaram novamente os cortes. A


primeira afetada foi a novela de Leilah, já que “Vendaval” estava adiantada na frente. A alta direção
deu a ordem: “Matem quem vocês têm de matar, casem quem vocês têm que casar, mas ‘Venha Ver o
Sol na Estrada’ tem de terminar no dia 29 de junho, sem falta”. – no lugar um programa de variedades
e uma série estrangeira. Começaram então a promover um rebuliço nos bastidores e já era certo que
não apenas elenco, mas também Leilah Assumpção, Antunes Filho e até Cassiano Gabus Mendes
seriam desligados da emissora. Na gravação dos capítulos finais, até em tom irônico, participaram das
cenas os três. Assim descreveu154 a Revista Veja na época:

- Diante do irrecorrível, os responsáveis por “Venha Ver...” programaram uma espécie de “happening”
na despedida da novela. Na gravação de um dos capítulos finais, por exemplo, enquanto o próprio
diretor artístico Cassiano Gabus Mendes, aparecia fazendo as unhas de Leilah Assumpção, o diretor da
novela, Antunes Filho, escondia-se atrás de um bigode postiço e invadia o suposto salão de beleza aos
gritos: “Tejem presos!” Essa aparição aparentemente fora do enredo, no entanto, estava prevista por
Leilah Assumpção desde o início. – antes disso, a direção da TV Record ainda havia dado folga de dez
dias para os atores, enquanto Asumpção mexia no enredo e eles tivessem uma posição do que fariam
com a novela - Ao serem informados de que “Venha Ver...” estava com seus dias contados, Gabus
Mendes, Leilah e Antunes Filho resolveram, então, arrumar um desastre para acabar de uma vez com
Milena (justificando a falta de Márcia) e apresentaram em seu lugar uma figurante toda enrolada em
ataduras.

No início de julho, Cassiano foi para o Rio de Janeiro. Havia sido convidado por Flávio Cavalcanti para
dirigir seu programa na TV Tupi carioca. Gabus Mendes tinha como função melhorar a imagem do
programa, que em março daquele ano havia sido penalizado pela Censura Federal (ficando dois meses
fora do ar) após exibir a história de um homem inválido, pai de cinco filhos, que “emprestou” a mulher
ao vizinho. Flávio Cavalcanti Júnior conta:

- Cassiano tinha algum contato com meu pai, mas sempre focado em programas que fazia em São
Paulo. Só em 1974, quando a Tupi já estava muito mal, o “Programa Flávio Cavalcanti” passou a ser
feito em São Paulo. O Cassiano não chegou a trabalhar no Rio. – Flávio e Cassiano não chegaram a um
acordo. Gabus Mendes estava novamente desempregado.

154
Ibdem.

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O grande “Teatro 2”
A saída da TV Record não conseguiu ser traumática para Cassiano, porque ele gostava de desafios e foi
chamado logo para outro. No final de abril de 1974, Gabus Mendes recebeu convite de Nydia Lícia, que
era uma das diretoras da TV Cultura, e que ia criar o “Teatro 2”. Nydia nos conta155:

- Aí eu chamei os melhores diretores que existiam na praça, chamei o Cassiano Gabus Mendes, que
estava “afastado” desde que saiu da Tupi, Antunes Filho, Antônio Abujamra, Adhemar Guerra,
Fernando Faro... e foi um estouro inicial. Depois, foi aumentando o número de diretores. Então a TV
Cultura cresceu de uma maneira incrível. Os programas eram assistidos, eram interessantes, eram
diferentes. – Como ela disse, equipe foi aumentando, entrando nomes como Kiko Jaess, Roberto
Vignati, Walter George Durst, Silvio de Abreu, Emilio Fontana, Lima Duarte, Benjamin Cattan, Fernando
Pacheco Jordão, Ozualdo Candeias, Eloy de Araújo, Antônio Assumpção, Heloísa Castellar, Benedito
Corsi, Antônio Ghigonetto e muitos outros.

Conseguiram no “Teatro 2” fazer um teleteatro experimental, como o “TV de Vanguarda”, que mesclava
a linguagem da televisão com a do teatro, com o acabamento de cinema. Inicialmente tinham como
objetivo realizarem adaptações de peças de textos literários, pensando na programação educativa do
canal.

Os teleteatros começaram a ser gravados em junho de 1974, sendo o primeiro “Chapetuba Futebol
Clube”, de Oduvaldo Vianna Filho, dirigido por Antunes Filho. Ele foi exibido apenas em 23 de novembro
daquele ano, às 22 horas, tendo após sua transmissão um bate-papo com o crítico Sábato Magaldi e o
autor Gianfrancesco Guarnieri. O tema era a contribuição de “Vianninha” para o teatro.

Já a segunda peça a ser gravada foi o conto “O Enfermeiro”, em 10 de junho de 1974. Foi uma
adaptação e direção de Cassiano Gabus Mendes. Ele que depois dirigiu outras peças como “Venha Ver
o Pôr-do-Sol”, de Lygia Fagundes Telles, “Chá das Quatro”, de autoria do próprio Gabus Mendes, “O
Ladrão”, original de Graciliano Ramos, e “O Genro de Muitas Sogras”, de Arthur Azevedo. Sobre as
peças há algumas coisas curiosas. No caso da comédia “O Genro de Muitas Sogras”, que foi ao ar no
dia 07 de dezembro de 1974, ela tinha no elenco muitos atores da boa fase da TV Tupi: Hélio Souto,

155
Depoimento de Nydia Lícia à Pró-TV.

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David Neto, Elísio de Albuquerque, Walter Stuart, Lídia Costa, Maria Aparecida Baxter e também as
jovens Lúcia Mello e Elizabeth Savalla. É sobre a última, que Cassiano se lembra156 dessa fase:

- Também na Cultura, decidi arriscar e colocar como personagem principal, uma atriz então totalmente
desconhecida, Elizabeth Savalla. – Ele se refere a “Chá das Quatro”, de sua autoria (exibida em 04 de
janeiro de 1975). Conta a atriz Elizabeth Savalla:

- Eu estava na Escola de Arte Dramática, da USP, e eu tinha feito uma participação com a direção do
Abujamra na TV Cultura, e todos os alunos da escola tinham participado. Foi “Yerma”. O Cassiano
estava procurando uma garota desconhecida para fazer um especial, que se chamava “Chá das
Quatro”. Aí o Abu me indicou para o Cassiano e me chamou para um teste. Eu estava na escola, aí eu
fui lá e era uma leitura, com a Ruthinéia de Moraes, com a Karin Rodrigues e com uma garota
chamada Elza Maria, que fazia uma faxineira. Eram quatro mulheres presas em um elevador. Eu fiz a
leitura e o Cassiano perguntou se eu conseguia fazer o papel. “Eu não sei, só vou saber se eu fizer” – a
atriz ri – “Então tá bom, o papel é seu”. Eu era a protagonista do especial. Aí ele foi de uma gentileza
comigo e me deu uma direção bem legal. Eu ganhei o Prêmio APCA de 1975, com esse trabalho, como
“Atriz Revelação”. Eu nunca tinha feito televisão, nem tinha visto uma câmera na minha frente. Tinha
feito aquela participação antes, no geral, com todos os alunos. Daí para protagonista é um passo muito
grande, né? O texto era do Cassiano, com a direção dele. Tinha também uma externa, que eu nem
sabia o que era. Ele foi me buscar em casa de carro. A gravação era no Shopping Iguatemi, em São
Paulo. Eu morava na Cardeal Arcoverde com a Rebouças, que era um endereço nobre. E ele: “Nossa,
eu nunca vi uma atriz que morasse assim tão bem!” “Eu moro com meus pais”. Eu terminei a gravação
e ele me trouxe de volta pra casa. Cassiano tinha um conhecimento vasto e eu não tinha a menor ideia
de quem era ele. Muito gentil, ele me contou sobre a carreira dele! Meu negócio era teatro. Depois uma
amiga me chamou pra fazer umas participações e o Cassiano me chamou: “Você não pode fazer
qualquer coisa. Você está sendo lançada como estrela”. Ele me dava conselhos. Fiz com ele também
um outro especial, chamado “O Genro de Muitas Sogras”, que eu fiz com a Maria Aparecida Baxter.
Foram vários dias de gravação e aí fomos gravar em Santos. O Cassiano então tinha um apartamento,
aí o lugar pra gente mudar de roupa acabou sendo lá. Era uma coisa muito caseira. Na TV Cultura era
tudo início, o pagamento era pouquinho, mas era o trabalho importante que se fez na televisão, o
“Teatro 2”.

A outra curiosidade do “Teatro 2” tem referência ao período da peça “Venha Ver o Pôr-do-Sol”,
transmitida em 26 de abril de 1975. Pois, praticamente duas semanas antes, em 10 de abril, Cassiano
Gabus Mendes assinou contrato com a Rede Globo para dirigir os teleteatros do “Caso Especial”.
Contou157 ele à crítica da Folha de São Paulo, Helena Silveira:

156
“Gente: Cassiano Gabus Mendes” (Revista Fatos & Fotos, nº 738, 1975)
157
“Acontecendo” (Helena Silveira, Folha de S. Paulo, 19/04/1975).

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- Sempre achei muito importante divulgar a cultura brasileira, nossos autores e suas obras. Esta é a
linha que pretendo continuar seguindo. O que interessa no momento é colocar em evidência o ator
nacional. Também nunca fui favorável à adaptação de autores estrangeiros para o teatro. Soa meio
falso para o público e muitas vezes desvirtua o sentido real da obra. Na minha nova função também
pretendo descobrir autores novos. – E a colunista de TV complementou a declaração de Gabus Mendes
- Desde que se iniciou a televisão no Brasil, o nome de Cassiano está ligado a ela e seus mais
significativos acontecimentos".

Portanto, quando foi ao ar “Venha Ver o Pôr-do-Sol”, Cassiano já havia se afastado da TV Cultura. Só
que essa produção em si tinha um gosto especial. Nela estreou como ator o jovem Luiz Otávio,
contracenando com Ivete Bonfá. Sim, tratava-se de Tato Gabus Mendes, primogênito de Cassiano, que
nos conta sobre esse trabalho:

- No teleteatro eu era um garoto que se apaixonava por uma mulher mais velha. Ele era amante de uma
“coroa”, que acaba arrumando um cara rico. O conto é muito bacana e fui dirigido por meu pai. Só que
resolvi seguir a carreira anos depois. Eu fiquei uns oito ou nove anos trabalhando com publicidade.

O dramaturgo Silvio de Abreu nos relata sobre essa época:

- Entrei para a equipe de diretores do “Teatro 2” da TV Cultura, indicado por Adhemar Guerra,
justamente para substituir Cassiano que iria para a TV Globo. Lá tive o prazer de conviver e trabalhar
com todos os diretores, menos com ele.

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Um caso especial

Em 1971, a Rede Globo já caminhava para sua consolidação como o primeiro lugar de audiência na
televisão brasileira. Queria ela ousar em formatos que até então não tinha realizado, justamente
porque precisava de um retorno garantido. O teleteatro naquele tempo já não tinha a mesma força e
apostar no gênero poderia ser um enorme “tiro no pé”. Por isso a dupla Boni-Clark criou a série “Caso
Especial”, que esporadicamente levaria ao ar peças inteiras, com uma produção digna de uma novela
diária. O programa foi ao ar inúmeras vezes até 1995. Nem precisa dizer que havia influência direta de
Boni, amante dos grandes teatros da TV Tupi, principalmente do “TV de Vanguarda”.

O “Caso Especial” começou então no dia 10 de setembro daquele ano, reunindo na equipe os
principais autores e diretores da Rede Globo, apoiado pelo grande elenco da emissora. Profissionais
como Janete Clair, Dias Gomes, Domingos de Oliveira, Oduvaldo Vianna Filho (Vianninha), Lauro César
Muniz, Gilberto Braga, Walter George Durst, Lenita Plonczynski, Bráulio Pedroso, Walter Avancini... Um
lugar em que se reencontraria muitos amigos de longa data. Lugar certo para Gabus Mendes. A
primeira peça do “Caso Especial” foi “Nº 1”, de Janete Clair – ela que, em 1972, teve sua peça “Meu
Primeiro Baile”, dessa série, exibida totalmente em cores (inaugurando uma nova fase na Rede Globo).

Felizmente, ao longo dos anos, novos autores e diretores vieram a integrar o “Caso Especial”. Chegou
finalmente o convite a Cassiano Gabus Mendes. Era chegado a hora dele ir para Rede Globo. Lá
começou uma longa carreira, no dia 10 de abril de 1975. Toda sua experiência, com certeza passou a
agregar ao programa e, consequentemente, a toda emissora. Foi para lá dirigir e supervisionar as
produções do “Caso Especial”. Seu filho, Cassio Gabus Mendes conta:

- Na primeira viagem que eu fiz para o Rio, ele estava acertando as coisas na Globo. Fui eu, o Tatá e o
Tato de carro: um Maverick, de São Paulo para o Rio. Não tinha muito dinheiro pra pegar avião os
quatro. Eu era garoto e fui pela primeira vez na Globo. Depois nós fomos no Maracanã, à noite, assistir
o jogo, e até estava o Denis Carvalho lá.

Em 18 de junho a Globo contratou o autor pernambucano Osman Lins. Ele escreveria “A Ilha no
Espaço”, uma história sobre conflitos de moradores dentro de um edifício. A história partia do
isolamento de um homem de classe média, Cláudio Arantes (Cecil Thiré), tendo com pano de fundo
estranhas e inexplicáveis mortes no prédio. A direção foi de Cassiano Gabus Mendes, com produção de
Paulo Resende e Moacyr Deriquém, com trilha sonora do Maestro Júlio Medaglia. No elenco também
estavam Edson França, Carlos Eduardo Dolabella, Elizangela, Mário Lago, Othon Bastos, Regina Viana e
muitos outros. “A Ilha no Espaço” foi exibida no dia 30 de julho de 1975, às 21 horas.

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Há uma curiosidade. Osman Lins fez a peça para ser apresentada pelo “Teatro 2”, a pedido de Antônio
Abujamra. Como a TV Cultura não tinha condições financeiras de montar aquela adaptação, Cassiano
acabou levando o projeto para a Globo. Conta158 ainda Gabus Mendes:

- Meu trabalho foi apenas o de encurtar algumas cenas, devido ao tempo de programa. Osman tem
uma linguagem mais literária.

Desde “Teatro 2”, Cassiano fez as pazes com a imprensa. Helena Silveira, da Folha de São Paulo,
voltou a fazer rasgados elogios a ele, enaltecendo sua criatividade e soluções na direção dada para “A
Ilha do Espaço”. Disse que Gabus Mendes conhecia “as boas regras do jogo”.

O próximo trabalho dele foi como supervisor geral de “O Remate”, exibido às 21 horas, do dia 20 de
agosto de 1975. Um texto de Leilah Assumpção, sua parceira na TV Record, com direção de Antônio
Abujamra, colega do “Teatro 2” e da Tupi. Moacyr Dérquiem estava novamente na produção. No papel
principal estava Odete Lara, tendo, entre outros, no elenco: Françoise Fourton, Mario Gomes, Mauro
Mendonça, Norma Bengell e Ruth de Souza. Era a história de um casal de classe média alta, que numa
relação já madura, passa por uma transformação radical, após a mulher mudar de comportamento.
Mais um texto com profundidade e grande equipe.

A terceira produção de Cassiano no “Caso Especial” foi “O Silêncio”, exibido no dia 17 de setembro de
1975, às 21 horas. Era a história de um bancário que após um acidente, passa a ficar alheio a toda a
realidade que o cerca. Um texto de Nelson Xavier, dirigido por Antunes Filho (que também passou a
integrar a Globo), com Dérquiem na produção e supervisão de Gabus Mendes. Ele gostou muito
daquele especial e Helena Silveira também comentou: “Pode-se dizer que essa história curta é filha do
‘TV de Vanguarda’, que o próprio Cassiano metabolizou”. A exibição de “O Silêncio” tinha ainda um
gosto especial, de quem havia dado a volta por cima. Um dia depois, a televisão, grande paixão de
Cassiano, completava bodas de prata. Gabus Mendes voltou a dar entrevistas, para falar de tudo que
viveu, das alegrias, desafios e tristezas, mas principalmente a superação dele... e da TV brasileira.

À convite do amigo Regis Cardoso, Cassiano Gabus Mendes se afastou do “Caso Especial”, em
novembro de 1975. Ele passou a escrever sua primeira novela para Rede Globo: “Anjo Mau”.

158
"Caso Especial do canal 5 mostra a 'Ilha no Espaço'" (Helena Silveira, Folha de S. Paulo, 30/07/1975).

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“Não era ‘anjo’, nem ‘mau’”


Cassiano Gabus Mendes começava ali uma nova fase da vida, como novelista. O convite do diretor
Regis Cardoso veio em boa hora e para sua alegria. Conta159 ele:

- Mas, confesso, mesmo que a primeira experiência como autor de telenovelas não fosse boa, eu
voltaria aos bastidores, contra a vontade, mas voltaria, pois não conseguiria viver fora da TV.

Ele se refere à novela “Anjo Mau”, grande sucesso de 1976, no ar de 02 de fevereiro a 24 de agosto
daquele ano. A trama sucedeu “Bravo!”, tendo na direção, junto de Regis, Fábio Sabag.

Foi o momento em que Cassiano teve a possibilidade de se aproximar ainda mais da família, agora
trabalhando em casa. Precisava ir poucas vezes ao Rio de Janeiro, sede da Rede Globo, apenas para
fazer reuniões. Tato Gabus Mendes fala como foi a mudança para seu pai:

- Eu via ele com outro espírito, cansado. Ele trabalhou muito até aquela idade. Foi difícil, mas então deu
vontade de trabalhar em casa: “Eu quero escrever”. Foi uma decisão dura, porque ele amava demais
aquele ambiente da TV. No início, “Anjo Mau” foi bem estressante. Primeiro, por causa do
Departamento de Pesquisa. Eles analisavam as sinopses e meu pai não fazia grandes sinopses, fazia só
uma página. Ele escrevia o conceito da história, não fazia uma coisa detalhada. – é o que hoje o setor
chama de “storyline” - O chefe da Pesquisa, o Homero Icaza Sánchez, o Bruxo, dava o parecer e falou:
“Olha, esse negócio não vai funcionar nunca, porque é a história de uma empregada doméstica.
Ninguém vai querer saber disso e não sei o que”... Isso ajudou um pouco pra ele aprimorar a sinopse. O
Boni, com toda a inteligência dele, acabou tocando e deu no que deu. Foi um sucesso, né?

A esposa Helenita Sanches conta uma curiosidade sobre essa novela:

- Quem deu a ideia do “Anjo Mau” fui eu pra ele. Eu ajudava numas coisas, ele aproveitava a
personalidade das minhas amigas e punha na novela. Ele escutava conversas, gostava que eu levasse
ele pra reuniões de amigas. Ele era muito reservado. Depois nós entramos na Sociedade Árabe, íamos
ali onde tem uma boate. Ele aproveitava tudo que ouvia! Às vezes punha uma frase inteira que eu tinha
falado e eu falava: “Você pôs o que eu falei pra fulana?” - Helenita ri - Ele aproveitava tudo. Era ter
contato com as pessoas que ele acertava.
Já Cassio Gabus Mendes, seu outro filho, diz do que percebeu do estilo do pai:

159
“Melhores Momentos da Telenovela Brasileira” (Editora Globo, 1980).

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- “Anjo Mau”: a babá que bagunça uma casa inteira e o patrão se apaixona por ela. Era muito legal esse
poder de trama que ele tinha. Meu pai tinha um poder de criação absurdo. Ele nunca trabalhou com
muitos personagens. Era sua forma de escrever, sua técnica e seu estilo de fazer.

Cassiano com essa novela acabou desenvolvendo a comédia no horário das sete horas. Traço que
acabou virando uma referência. Sobre isso, complementa Tato:

- Meu pai foi o precursor do humor nesse horário. Na verdade, com a introdução do “Anjo Mau” ele
botou a Pepita Rodrigues com Osmar Prado. Se sobressaiu muito aquele casal, com muito humor, e
isso caracterizou a novela das sete. – ele se refere aos personagens cômicos Stela e Getúlio, pais do
bebê cuidado por Nice (Susana Vieira) e seus patrões. Nice passou a trabalhar na mansão da família
Medeiros, armando situações para conquistar o irmão de Stela (Rodrigo, interpretado por José Wilker),
para ascender socialmente. Só que ela acaba apaixonada por ele. Cassiano Gabus Mendes faz que no
final ela se redima de suas maldades, para merecer o amor de Rodrigo. Ela passou a disputar o amor
com Léa (Renée de Vielmond).

Nessa novela ocorreu também a estreia de Luis Gustavo na Globo, como conta o próprio:

- O “Cassica” me falou: “Você vai fazer, Tatá. Vamos embora pra lá”. Porra, antes eu já queria ir pra
Globo, mas desde que eu acabei de fazer o Beto Rockfeller ninguém queria trabalhar comigo. Nem o
cinema, o teatro muito menos, a televisão nem pensar. Nem na Globo. Eu era a cara da Tupi. – em
“Anjo Mau” ele interpretou Ricardo, que vivia uma relação conturbada com Paula (Vera Gimenez).

A babá Nice foi o primeiro papel de protagonista de Susana Vieira na Rede Globo. Ela já vinha bem em
“Escalada”, mas não protagonizava. “Anjo Mau” deu essa grande oportunidade, com direito a 90% de
audiência no capítulo final, quando a babá morre.

No dia 04 de junho de 1976, um grande incêndio aconteceu na sede da Rede Globo, no bairro do
Jardim Botânico. Todos os funcionários ajudaram a resgatar fitas, equipamentos, o que pudesse.
Precisavam parar o fogo e não deixar que a Globo tivesse o estrago que as demais sofreram, nos
fatídicos incêndios de 1969. Cassiano Gabus Mendes ficou aflito ao saber do acontecido. Tiveram que
interromper por uns dias as gravações de “Anjo Mau”. Felizmente a direção da Rede Globo achou uma
solução rápida: a locação de imóveis. “Anjo Mau” voltou a gravar nos estúdios da Cinédia. Sim, o mesmo
estúdio em que seu pai, Octávio Gabus Mendes, ajudou a crescer e produziu vários filmes. Também
alugaram estúdios de Herbert Richers.

As dores de cabeça que Cassiano Gabus Mendes tinha com diretor artístico, também existiam, mas em
menor proporção. Nas últimas semanas, os atores, José Wilker e Renée de Vielmond, contestaram os

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rumos de seus personagens e tomadas da direção, mas isso não atrapalhou o desfecho e o sucesso de
“Anjo Mau”. A maioria do elenco vibrou até o final. O público também, mesmo a novela acabando numa
terça-feira, o que não era costume, por causa de um hiato causado pela exibição de jogos das
Olimpíadas de 1976, em Montreal.

Uma das cenas de maior emoção foi o primeiro beijo entre Nice e Rodrigo (sempre embalados por “Meu
Sonho e Nada Mais”, de Guilherme Arantes), assim como a cena final, quando Nice morre após o parto
da filho do casal (eles se casaram, mas o amor de Nice não foi correspondido). Antes Rodrigo ouve que
ela não se arrependia de tudo que havia feito, pois o amava tanto e faria qualquer coisa para ficar em
seus braços. A sua ambição foi paga com a morte.

No elenco, ainda estavam José Lewgoy (Augusto), Vanda Lacerda (Alzira), Mário Gomes (Luís Carlos),
Sérgio Britto (Téo), Ilka Soraes (Marilu), Jayme Barcellos (Rui Novaes), Rosita Tomaz Lopes (Odete),
Reynaldo Gonzaga (Fernando), Zanoni Ferrite (Júlio), Neila Tavares (Tereza), Gilda Sarmento (Carmem),
Kátia D’ Angelo (Soninha), Henriqueta Brieba (Carolina), Hortência Tayer (Lígia), Clarisse Abujamra
(Flávia), Heloísa Raso (Vivi), Lídia Vani (Manoela), José Dias (Zelão), Débora Duarte (Sônia, a nova babá
no lugar de Nice), Eric Gomes Barbosa (o bebê Edinho, de Stela e Getúlio) e muitos outros.

Para esse início de carreira como novelista, Cassiano lançou mão da experiência que teve na TV Tupi.
Não apenas como produtor e redator de todos os tipos de programas (inclusive da novela “O Amor Tem
Cara de Mulher”, dez anos antes), mas também sua visão do todo, gerenciando e escolhendo todos os
tipos de novelas diárias feitas pela concorrente.

Gabus Mendes fez um roteiro simples, mas altamente eficiente, sua grande receita. Com macetes,
ganchos, clichês, comicidade e charme. Facilmente ele conquistou o público. Chegou até a influenciar a
moda brasileira, popularizando o vestido longuete usado pelas atrizes Pepita Rodrigues, Renée de
Vielmond, Vera Gimenez e Kátia D’Angelo.

Por outro lado, um fantasma, que rondava a direção artística da TV Tupi estava de volta. Cassiano
precisou lidar com a Censura Federal, que regularmente pedia explicações para algumas cenas da
novela. Para o DOPS, a vilania de Nice era interpretada como um mau exemplo para a família brasileira.
Quando barravam alguma coisa, Gabus Mendes improvisava. Muitos “flashbacks” foram feitos para
driblar a Censura. Cassiano mostrou que tinha jeito para isso.

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A crítica televisiva enalteceu o trabalho de Cassiano e de Regis na novela. Helena Silveira foi categórica
ao descrever a protagonista: “Nice não era ‘anjo’, nem ‘mau’”. Para todos o saldo foi mais positivo, que
negativo. Ao final da novela, Cassiano falou160 suas impressões sobre “Anjo Mau”:

- Foi um trabalho estafante, duro. Senti na carne o terrível trabalho de criação de cerca de 18 páginas
diárias. Mas penso que fui recompensado, porque o sucesso de “Anjo Mau” é inegável. Não tenho
nenhum compromisso com a obra-prima, nem sou gênio. Procurei apenas escrever sobre o cotidiano,
uma novela leve e divertida. 80% das situações criadas em “Anjo Mau” eram cômicas, 20% dramáticas.
Portanto, não tirei partido das lágrimas. O sucesso da novela, eu o devo a Regis Cardoso e ao
maravilhoso elenco reunido. Cada um deles mereceria um comentário à parte, mas isso é impossível.
“Anjo Mau” foi leve, divertida, de bom gosto e sem qualquer compromisso com mensagens mais
profundas, por várias razões, duas delas definitivas: censura e horário de sua exibição. – Cassiano na
época chegou a negar que teve que mudar o final por conta da Censura.

Globo e Tupi passaram a competir diretamente pelo horário das sete horas. O mais curioso: com uma
arma que a concorrente tinha na mão, seu antigo diretor artístico. Cassiano Gabus Mendes no final de
novembro de 1976 começou a escrever sua próxima novela, inicialmente chamada de “As Raposas” – a
futura “Locomotivas”, que ia substituir “Estúpido Cupido”.

Duas décadas depois, em 1997, Maria Adelaide Amaral (ex-colaboradora de Cassiano, falecido quatro
anos antes), se baseou no “Anjo Mau” original para fazer um remake. Nice foi interpretada por Glória
Pires, uma das atrizes que Gabus Mendes mais admirava). Conta Maria Adelaide:

- Eu tinha uma sinopse aprovada para o horário das sete, mas o Boni queria mesmo era fazer o remake
de “Anjo Mau”. Um dia, passando onde o Cassiano tinha morado, tive um “insight” e liguei para o Boni
me oferecendo para ser autora do remake. Achei que tinha sido um sinal do Cassiano e mandei rezar
uma missa por ele, embora ele não acreditasse em nada.

No último capítulo do “remake”, Susana Vieira apareceu na cena final, como a nova babá. Nice não
morreu nessa versão. O novo Rodrigo (Kadu Moliterno) troca olhares com a nova babá – ou melhor, a
antiga! Maria Adelaide encerrou a novela, com uma bela mensagem:

“À Susana Vieira, a nossa primeira Nice.


A Cassiano Gabus Mendes, autor de "Anjo Mau" e mestre de todos nós.
Em nome de toda a equipe técnica, de todo o elenco, a nossa saudade e o nosso respeito.
Maria Adelaide Amaral”.

160
Revista Amiga (08/09/1976).

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Para findar esse capítulo, a “nossa primeira Nice”. Susana Vieira relembra “Anjo Mau”:

- A novela “Anjo Mau” é muito moderna, a protagonista é a antagonista. A Igreja Católica e o Governo,
militarista, se meteram numa novela. No “Anjo Mau” ela morria no final. Obrigaram a mulher a morrer
porque ela era uma empregada, que tinha dado em cima do patrão, e não podia casar com o patrão.
Então ela morria. Na segunda versão já não. Mas eu achei que a primeira versão era moralista, mas era
chiquérrima. Sabe por quê? O garoto que era o patrão gostava da próxima empregada, que era a
Débora Duarte. Achei muito moderno aquilo, só o Cassiano mesmo. Ele era ótimo, ele invertia, não era
cafona e não tinha a menor influência da televisão mexicana. O Cassiano, em qualquer coisa, ele era
muito moderno. Foi bom o Cassiano ter vindo pra Globo. Vou te dizer: se tiver que ficar levantando
novela antiga, pode ir lá no armário do Cassiano que vai continuar dando de dez nas novelas de hoje. E
a Janete Clair, né? É uma outra vertente. O Cassiano já era moderno há 50 anos atrás. O “Anjo Mau” foi
ele que escolheu a mim. Foi o próprio Boni que escolheu e o Cassiano falou: “Eu gostaria que fosse a
Susana Vieira”. E tinha uma coisa que me fascinou, que era trabalhar com um bebê. Eu fiquei
absolutamente apaixonada por aquela criança. Eu misturei muito meu eu, minha Sonia Maria, meu
nome real, com o bebê. Foi difícil porque na hora que eu estava com ele era pra eu ser má, mas a
história virou. Era má porque eu queria o patrão! Era a moral vigente. E o bebê começou a falar comigo,
me chamava de “mama”. Eu queria comprar o bebê, porque eu fiquei tão louca por ele! Essa também
foi a primeira novela que eu fiz com o Zé Wilker, que foi meu marido mais vezes na história da TV. Foi
com ele que eu aprendi a brincar dentro do estúdio. Nunca me diverti tanto, na minha vida, quanto
quando trabalhava com o Zé Wilker. Na segunda versão, quiseram homenagear o Cassiano, fazendo o
final da novela em que o cara era um cafajeste, mesmo casado e feliz com a Glória Pires, chama a nova
babá e eu viro. Sou eu. Aí eu fiquei até arrepiada, até chorei quando fui subir a escada. Eu viro com o
mesmo avental que ela fazia. Aí eu subo a escada, viro e olho pra trás. O Kadu Moliterno, que era o
patrão, que antes era o Zé Wilker, me olhava. O final do Cassiano era imbatível, então, era o seguinte:
ele fica viúvo e casa com uma outra moça, bota uma outra babá em casa pra tomar conta do filho e ele
“ia” com a outra babá... Ele gostava de babás. E aquela mensagem no final? “Nossa primeira Nice”.
Gente, quando apareceu isso na tela, essa homenagem, aí eu chorei muito. Então, isso aí, eu e ele,
Cassiano, a gente estava junto nesse momento. Então, viva o Cassiano! – E viva “Anjo Mau”.

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A locomotiva do sucesso
Cassiano terminava o ano de 1976 feliz com os resultados de sua primeira novela na Globo. Parecia
que tudo tinha ido para o lugar e finalmente tinha achado uma nova forma de viver, sem deixar de fazer
o que gostava: a televisão.

Aquele ano para a Rede Globo tinha sido de grandes mudanças. Estava cada vez mais consolidada na
liderança em audiência, mas internamente passou por duas questões complicadas. A primeira foi o
incêndio no Jardim Botânico – solucionado como foi possível – e a segunda foi a saída, nada amigável,
de Walter Clark do comando da emissora. Boni então passou a ter de gerir ainda mais a Rede Globo
com seus colegas. Em meio ao processo de implantação de uma programação totalmente em cores, o
executivo deu a Gabus Mendes a confiança de inaugurar o novo padrão no horário das sete horas.
Apenas os dois últimos capítulos de “Estúpido Cupido” tinham ganhado cores, mas “Locomotivas” seria
integralmente colorida. Por conta disso, Cassiano pensou que precisava valorizar as cores, dar uma
vida, um dinamismo. Lembrou-se de um ambiente que tinha tudo isso. Voltou no tempo, rememorou o
que viu do teatro de revista. Muito brilho, beleza, mulheres bonitas, plumas... Lembrou das vedetes,
como Nélia Paula, Mara Rúbia e até Virgínia Lane – que num dos primeiros filmes feitos, nos primeiros
meses da TV Tupi, rebolava e cantava “Amendoim Torradinho”. Veio à mente o nome de Eva Todor, que
havia feito também teatro de revista. Naquele ano ela despontava nos palcos com a peça “Rendez-
Vous”, interpretando sete papéis num mesmo espetáculo! Gabus Mendes inspirou-se principalmente
nela, fazendo uma homenagem, ao chamá-la para fazer a matriarca Kiki Blanche, ex-vedete. Eva Todor
nos conta161:

- A Globo já existia, com novelas boas, de sucesso. Eu dizia: “Que pena, eu não faço. Mas também eu
sou é do teatro”. Até que um dia eles me chamaram para eu fazer “Locomotivas” e eu fiz Kiki Blanche.
Fui sempre contratada pela obra. E assim conciliava o teatro com a televisão. A gravação não era no
Projac. Era no Jardim Botânico e nos estúdios do Herbert Richers. Eu fiz duas novelas do Cassiano,
“Locomotivas” e “Te Contei?”.

Kiki Blanche (nome artístico da personagem Maria Josefina Cabral) tinha um coração enorme. Ela
possuía um salão de beleza, na Zona Sul carioca, onde se desenvolvia boa parte da trama. Lá ela
transformava as mulheres em verdadeiras “locomotivas” (ou “panteras”, “raposas” – como ia ser o
nome original da novela – que são gírias relativas à mulheres lindas e sensuais, naquela época). A
partir daquela novela, Cassiano Gabus Mendes percebeu que a beleza feminina atraía mais público
para suas tramas, principalmente o masculino que não assumia, mas “de relance” dava uma olhada na

161
Depoimento de Eva Todor à Pró-TV.

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TV – era o tempo “que novela era coisa de mulher”. Um belo elenco desfilou nos capítulos de
“Locomotivas”. Aquele espaço é o ponto de ligação da trama. Convivem com Kiki, a filha Milena (Aracy
Balabanian) e os filhos adotivos Fernanda (Lucélia Santos), Paulo (João Carlos Barroso), Renata (Thais
de Andrade) e Regina (Gisele Rocha). Fernanda e Milena se apaixonam pelo mesmo homem, Fábio
(Walmor Chagas). Durante a novela, Cassiano conseguiu que as duas personagens vivessem uma
relação de amor e ódio, até que – num dos finais inesquecíveis da história da telenovela brasileira –
Fábio conta à rebelde Fernanda que Milena é sua mãe. Elas conversam e Fernanda abdica do amor
dele para que sua mãe biológica seja feliz. É um recomeço familiar Outro sucesso foram os dramas de
uma mãe possessiva, Margarida (Mirian Pires), com seu filho Netinho (Dennis Carvalho), que amava
Celeste (Ilka Soares). Sem esquecer do namoro do português Machadinho (Tony Corrêa) por Gracinha
(Maria Cristina Nunes).

Gabus Mendes fala162 sobre a novela:

- Também em “Locomotivas” utilizei minha experiência do cotidiano. Era um assunto leve, mas real,
sem invenções. É preciso fugir de pseudo-intelectualismos, atingir com simplicidade aquilo que se
deseja. E nunca ser pretensioso. A pretensão acaba com todo mundo, pois tudo passa nessa vida. O
mais importante para mim é usar uma linguagem que se identifique com o povo, a linguagem do povo.

A novela esteve no ar de 01º de março a 12 de setembro de 1977, às 19 horas. Teve novamente


direção de Regis Cardoso, apoiado por Fábio Sabag. A produção foi de Mariano Gatti e a cenografia de
Raul Travassos. Os dois últimos tiveram um cuidado extra porque foi montada uma grande estrutura
para que “Locomotivas” marcasse bem as cores no horário das sete. Foram feitos 24 cenários fixos,
abusando bem da cor. Foram 05 cenários externos e 19 internos, montados na sede do Jardim
Botânico, que se recuperava dos danos causados pelo incêndio. Além disso chegou a ter externas em
Portugal, inclusive utilizando atores de “além-mar”.

Ainda sobre a produção, Cassiano e os diretores tinham selecionado Lucélia Santos para o elenco, após
o sucesso estrondoso que havia feito há pouco como protagonista de “Escrava Isaura”. Em
“Locomotivas” era para ela fazer a doce Patrícia. Ao receber o roteiro e ver a descrição dos
personagens, a atriz viu Fernanda, a menina rebelde, praticamente vilã na história. Num “insight” ela
pediu para fazer o teste e ganhou o papel. Lucélia impressionou o público por sua interpretação,
mudando rapidamente de boa para má, de submissão para rebeldia.

A locomotiva dessa novela estava a todo vapor! Quem entrasse no meio, “Locomotivas” passava por
cima. Sinal disso foi que aconteceu algo inédito na área: a TV Tupi mudou o horário de sua novela,

162
“Melhores Momentos da Telenovela Brasileira” (Editora Globo, 1980).

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“Éramos Seis”, e comunicou a imprensa, em 14 de agosto de 1977. A campanha causou polêmica ao


informar: “A Rede Tupi mudou a novela ‘Éramos Seis’ para as sete e meia da noite. Assim você não
perde as Locomotivas”. O resultado foi satisfatório. Conta um dos autores de “Éramos Seis”, Silvio de
Abreu:

- Cassiano Gabus Mendes era o maior sucesso da novela das sete. Não só “Locomotivas”, mas antes
“Anjo Mau”, fixou um estilo de novelas para aquele horário, misturando um melodrama leve com uma
pitada de humor e cenas cotidianas. Era o que de melhor se fazia no gênero na época. Quando estreou
“Éramos Seis” na Tupi, a Globo já dominava o mercado de novelas com um trio imbatível em seus
horários: Gilberto Braga, às seis; Cassiano às sete, Janete Clair às oito e Dias Gomes às dez. Para as
outras emissoras, pouco restava. Quando Rubens Ewald Filho e eu fomos chamados para escrever
novelas na TV Tupi, já sabiamos que tinhamos um concorrente de peso no horário das sete. A novela
que estava no ar: “Tchan! A Grande Sacada”, de Marcos Rey, não passava de 4 pontos de audiência,
querendo emular os sucessos da Globo. Então propusemos ao Carlos Zara e ao Henrique Martins, os
diretores de dramaturgia na época, uma novela totalmente diferente das da Globo. Uma novela
paulista, simples, doméstica. Quando “Éramos Seis”, estreou a receptividade foi enorme, mas as
“Locomotivas” do Cassiano não permitiam que a novela deslanchasse. Então o Mauro Salles teve a
ideia de colocar “Éramos Seis” depois do final de “Locomotivas” e publicou o anúncio que deu muita
celeuma, mas de excelente resultado. “Locomotivas” continuou no seu trilho de sucesso e nós subimos
a audiência do horário de 4 para 25 pontos. Acabou sendo bom para todos.

“Locomotivas” foi uma novela que também marcou a sociedade brasileira. Seu figurino virou moda. A
bolsa à tiracolo de Fernanda, os penteados das mulheres do núcleo central (Kiki, Milena, Renata,
Patrícia e Celeste), e os macacões de Milena, principalmente. É, foi lançada a “moda Milena”, pois era
muito fácil ver nas rua mulheres usando, além dos macacões, sapatos de acrílico transparente,
tamancos, blusas bordadas e bolsa de lamê dourado. A influência na sociedade foi tanta, que abriram
na época vários salões de beleza chamados “Kiki Blanche”.

Falando em beleza, a abertura da novela era bem simples, mas direta. Sem efeitos especiais, uma bela
mulher é maquiada e penteada (a atriz Maria Mônica Saboya, que chegou a participar no final da
trama). No final ela se levanta da cadeira, linda, vai em direção à câmera e dá um soco com uma luva
de boxe vermelha (tudo ao som de “Maria-Fumaça”, do Grupo Black Rio). A novela nocauteava a
concorrência. Hans Donner ainda criou um logotipo ousado: a silhueta feminina, cuja parte de baixo do
biquíni é formada por um “V” estilizado da palavra “Locomotivas”.

A trama inovou em vários sentidos. Foi a primeira, cujo último capítulo terminou numa sexta e foi
reprisado no sábado, o que virou um costume nas novelas da Globo (e até das outras emissoras) até
hoje. Foi também “Locomotivas” que oficializou o uso de dublês para cenas perigosas, uma vez que Ilka

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Soares foi atropelada por Célia Biar de carro, em uma gravação (ainda assim, de tão perfeita a cena foi
ao ar).

A imprensa especializada considerou que Cassiano e Regis tinham finalmente, juntos, achado o ponto
certo para o sucesso. O ponto alto das críticas positivas foi que Gabus Mendes escrevia diálogos fáceis.
Mais uma vez ele se utiliza do “flashback”, como recurso, para que o telespectador não perca a linha de
pensamento proposta por ele. Deu certo os atores “sonhando acordados”.

No último mês de “Locomotivas”, o ator Dennis Carvalho (o Netinho da trama) perguntou a Regis
Cardoso se poderia dirigir umas cenas. Ele permitiu. Foi a primeira experiência de Dennis por trás das
câmeras. Seu desempenho foi tão bom, que Daniel Filho, que dirigia o núcleo de dramaturgia, passou a
chamá-lo para dirigir novelas.

No elenco estavam Eva Todor (Kiki Blanche), Aracy Balabanian (Milena), Walmor Chagas (Fábio), Lucélia
Santos (Fernanda), Dennis Carvalho (Netinho), Ilka Soares (Celeste), Mirian Pires (Margarida), Elizângela
(Patrícia), Rogério Fróes (Sérgio Mello), João Carlos Barroso (Paulo), Thaís De Andrade (Renata), Roberto
Pirilo (Cássio), Tony Corrêa (Machadinho), Maria Cristina Nunes (Gracinha), Terezinha Sodré (Lurdinha),
Célia Biar (Sílvia), Hélio Souto (Zé Tião) , Carmem Silva (Adelaide), Isaac Bardavid (Vítor), Eloísa Mafalda
(Joana), Oswaldo Louzada (Chico Rico), Lídia Iório (Marcelina), Suzy Arruda (Mirtes), Lady Francisco
(Carla Lambrini), Josephine Helènne (Zulmira), Nena Ainhorem (Nair), Carlos Adier – (Mordomo Olavo),
Antônio Carlos (Síndico), Castro Gonzaga (Gervásio), Monah Delacy (Filomena), Natália Do Valle
(Sandra), entre outros.

Cassiano Gabus Mendes não parava e o sucesso o perseguia. Em dezembro de 1977, depois de um
breve período de férias, ele já começava a escrever sua nova novela, prevista para março do ano
seguinte. Sabe qual? Te Contei?

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Fofoca por Elas


A saúde tinha traído Cassiano, já cansado e sem o mesmo ritmo de antes. Uma coisa que nunca
admitia era se comprometer e não entregar no prazo, aquilo que se propunha. Sabia que no estado em
que estava, após a ponte de safena, precisava desacelerar mais ainda. Para isso precisava de ajuda. O
período em que Silvio de Abreu terminava “Plumas e Paetês”, depois o de férias, serviu para repensar
a vida. Conversou tanto na Globo, como também em casa. Foi o período em que a própria emissora
remodelou sua gestão, disponibilizando colabores para auxiliar os autores. Em um curto espaço de
tempo, os autores Jorge Andrade, Cassiano Gabus Mendes e (quase) Lauro César Muniz foram vítimas
de enfarte. O ritmo narrativo da teledramaturgia também se modificou e com isso, o tamanho dos
capítulos. Aumentou tudo.

Para a nova novela, “Elas Por Elas”, Cassiano Gabus Mendes recebeu a indicação do jovem Carlos
Lombardi, que já tinha passado pela Tupi, Bandeirantes e Cultura. Antes de “Elas por Elas”, Lombardi já
havia colaborado com Silvio de Abreu. Gabus Mendes acabou se acertando com ele. Conta163 Carlos
Lombardi:

- O estilo predominante é do autor. Como colaborador, você deve servir a ele. Com o Cassiano aprendi
algo ousado, muito interessante. Quando você trabalha em uma novela leve, precisa dar tensão
dramática ao texto, precisa ter gancho, criar expectativa. Outra coisa que aprendi com o Cassiano foi
investir em fortes relações afetivas entre os personagens. Era algo que Geraldo Vietri, da Tupi, fazia.
Ele era um mago. Cassiano aprendeu isso com ele. A novela precisa mostrar gente boa gostando de
gente boa. E não precisa ser necessariamente um casal romântico. Pode ser mãe e filho, irmão mais
velho e irmão mais novo. Humor também faz parte de uma boa história. O grande desafio é fazer com
que a piada conte a própria história. Aprendi isso com o Cassiano. Eu tenho o mesmo gosto pelo
diálogo que o Cassiano. Ele era um excelente dialoguista.

Cassiano fala164 sobre como foi ter começado a trabalhar com colaboradores:

- No começo da minha carreira como novelista, eu escrevia todos os capítulos, mas não tenho mais
idade para isso e já me conformei. Também não sofro, porque eles trabalham dentro do que eu
determino e se não fica do jeito que eu quero, escrevem tudo de novo. E se eu tenho trinta

163
“Autores: Histórias da Teledramaturgia” – Volume 1 (Memória Globo, 2008); “A Seguir, Cenas do
Próximo Capítulo” (André Bernardo e Cintia Lopes, Panda Books, 2009).
164
“O Mapa da Mina” (Boletim de Programação da Rede Globo, março de 1993).

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personagens, todos eles vão funcionar na trama, eu não vou esquecer um ator na novela inteira
falando: “Bom dia, Brandão, aqui está a carta!”

Então os dois engataram uma parceria para escrever “Elas por Elas”, que ficou no ar de 10 de maio a
27 de novembro de 1982. Na direção, Paulo Ubiratan (colega dos tempos da TV Tupi), Mário Márcio
Bandarra e Wolf Maya, que relembra165:

- Também tive um encontro lindo e uma relação muito querida, durante muitos anos, com Cassiano
Gabus Mendes, de quem dirigi muitas novelas e com quem aprendi muito. Comecei a dirigir uma
novela do Cassiano exatamente na minha estreia como diretor do gênero, “Elas por Elas”, que era uma
comédia incrível que fizemos com o Luis Gustavo. Também dirigi a última novela dele, “O Mapa da
Mina”. Cassiano era um cronista da televisão. Ele trabalhava com uma estrutura de capítulos que era
completamente diferente da dos outros autores. Era algo como quem faz uma crônica no jornal,
diariamente. Os capítulos dele tinham começo, meio e fim todos os dias e, mesmo assim, ele
respeitava o formato convencional do gênero. Suas novelas funcionavam por blocos, ele tinha uma
dramaturgia desenvolvida por segmentos.

“Elas por Elas” contava a história de sete colegas do colégio que não se viam há 20 anos e elas
marcam um reencontro da turma. Márcia (Eva Wilma), Helena (Aracy Balabanian), Adriana (Ester Góes),
Wanda (Sandra Bréa), Carmem (Maria Helena Dias), Marlene (Mila Moreira) e Natália (Joana Fomm).
Histórias esquecidas e segredos voltam a tona. Mistérios, regados a humor de Gabus Mendes. Por
exemplo, é revelado que Miguel (Mário Lago) trocou os bebês da filha Helena e Eva (Nathália Timberg) o
chantageia ao saber da verdade. Wanda descobre que seu namorado Átila (Mauro Mendonça) é, na
verdade, marido de Márcia. Esta então também desconfia de adultério e contrata um detetive muito
confuso para descobrir quem é amante (a misteriosa “Patinha”) do marido: o detetivo Mário Khoury, ou
“Mário Fofoca” (Luis Gustavo), que tinha como parceiro o advogado René (Reginaldo Faria).

Luis Gustavo acabou ganhando a cena, com seu personagem e fazendo cenas hilárias com Márcia (Eva
Wilma), sua cliente. Tinha ainda seu paletó quadriculado, predominantemente roxo, que virou marca de
Mário Fofoca (a curiosidade é que o tal paletó foi um achado do próprio ator dentro do acervo de
Figurinos da Rede Globo). É Luis Gustavo que conta sobre “Elas por Elas” e seu Mário Fofoca:

- Um dia estava conversando com ele e contando: “As pessoas levam a sério novela, Cassiano, não é
que a Geórgia Gomide apanhou numa drogaria?” Ela estava na Barão de Itapetininga, numa perfumaria
que tinha lá, a mulher viu e encheu ela de “guarda-chuvada”, porque ela fazia uma vilã. Aí o Cassiano
falou: “Porra, você me deu uma ideia, cara. Eu vou fazer uma novela de sete amigas, sete mulheres que
estudaram na mesma classe e começam a se encontrar depois de anos, casadas e com filhos... Foi a

165
“Pais da TV” (Gonçalo Junior, 2001)

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novela “Elas por Elas”. Eu falei: “Que história! Uma encontra a outra numa farmácia, aí a menina: ‘Você
tá fazendo o que?’ ‘Ah eu casei e tal’. ‘Poxa e nossas amigas? Será que a gente consegue encontrar’?”
Aí elas começam a procurar pra fazerem um chá e se encontrarem todas. Isso eu nunca disse pra ele,
mas eu tenho a impressão de que o fato dele escrever “Elas por Elas” não foi só porque eu contei que a
Geórgia tomou guarda-chuvada não. Eu acho que foi por causa do “Amor Tem Cara de Mulher” porque
no salão de beleza cada semana se desenvolvia uma história de uma das funcionárias. É uma puta de
uma ideia, maravilhosa. “Elas por Elas” tinha disso também. Ele desenvolvia uma história diferente a
cada semana. Lembro da Sandra Bréa, que era amante do Mauro Mendonça na novela. Olha a cabeça
do Cassiano: num capítulo, era num motel que chamava “Raposa Vermelha”. Ele leva a Sandra Bréa,
minha irmã na novela pra lá, ele é casado com a Eva Wilma e elas estudaram juntas. Ele fazia a teia de
aranha dele, o emaranhado que vai envolvendo tudo. Veja só como ele coloca o humor: quando ele viu
que o Mário Fofoca estava engraçado pra cacete, ele faz o cara morrer de enfarto, a mulher fica puta
porque a polícia não quer saber quem estava com o cara no quarto. Ela contrata o Mário Fofoca e ele
tem que ir ao local do crime pra ver. O Mário Fofoca não tinha como ir lá, “porque não tinha mulher pra
levar no motel”. Aí ele pede para o vizinho dele, o advogado que era o Reginaldo Faria. O Fofoca pegou
a carteira de identidade da mãe e fez o cara botar a peruca e entrar. Quando chegou no guichê do
motel, deu a carteira - exigiam a carteira de identidade da pessoa que estava lá. Aí aquele garoto estava
com uma mulher de 60 anos, o cara dizia assim: “Porra, tú é chegado numa coroa” !!! Ele ainda vai e
bate no carro do vizinho, era um box, quebra a lanterna de uma Mercedes! E como surgiu o Mário
Fofoca? Eu falei para o Cassica quando ele inventou a novela: “Legal e o que é que eu faço?” “Pô, não
tem papel pra você. São sete mulheres, mas tem um papel legal que é um cara que namora a filha de
uma delas, que é feia pra cacete, mas é a mais rica de todas. Ele é boa pinta, então vou passar a
novela toda sem saber se ele ama de fato aquela menina ou se ele tá tentando dar o golpe do baú. Eu
ia botar o Reginaldo Faria, mas dá pra você”. “Pô, legal, mas não tem nenhum outro?” “Tem, mas é
mais velho que você, eu estou pensando no Mauro Mendonça. Ele só trabalha num capítulo, que ele é
amante de uma delas, vai para o motel e tem um enfarte. Aí a mulher contrata um detetive particular
pra descobrir quem era a amante dele. Só que o detetive é um puta de um cara que não acha nada,
incompetente, e ele também só participa de uns 5 ou 6 capítulos”. Aí batemos papo e eu fui embora. E
ele estava no apartamento dele, na José Maria Lisboa. Eu peguei, tinha uma Brasília e desci. Quando
eu estava no meio do caminho eu freie o carro, eu voltei até de marcha-ré pra não ter que dar a volta, e
falei: “Cassica, deixa eu fazer esse personagem desse detetive, mas não me mata no sexto capítulo,
não me tira fora. Eu quero fazer esse detetive atrapalhado, eu quero fazer um personagem que seja
gago mentalmente”. Era o Mário Fofoca. Ele falou: “Tá bom, eu te seguro um pouco, mas eu tenho que
contar a história das sete, tá bom?” Aí eu entrei e na primeira semana eu acabei com o jogo. Aí foi
embora! Aí o Cassica pegou, focou tudo pra cima do Mário Fofoca e soltou a rédea.

No final a esposa traída, Márcia (Eva Wilma) se apaixona por Mário Fofoca. A atriz conta o dia que ela
consegue agarrar Mário Fofoca:

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– Eu tive uma cena com ele que era sutilmente a comédia do Cassiano! A gente estava no sofá, aí
acabamos rolando até o chão.

- “Elas por Elas” foi a primeira que eu participei. Eu tinha lá um papelzinho pequenininho. – Foi a
estreia de Cassio Gabus Mendes na Globo, como Elton. Na época sua atuação foi elogiada pela crítica
Helena Silveira, que disse166: “Cassio é bem filho de peixe. Ao início da novela, destaquei-o como
adolescente promissor. Não consultara os nomes no elenco do release, não o aliara ao veterano
Cassiano”.

No elenco estavam também: Carlos Zara (Jaime Muniz), Lauro Corona (Gil), Tássia Camargo (Míriam),
Christiane Torloni (Cláudia), Cristina Pereira (Ieda, a “sonhadora”), Felipe Carone (Evilásio), Ana Ariel
(Raquel), Laerte Morrone (Roberto), Marco Nanini (Décio), Thaís De Campos (Cris), André De Biasi (Ivan),
Ana Helena Berenger (Vic), Ivan Cândido (Rubão), Paulo Gonçalves (Silvio), Lupe Gigliotte (Vilma),
Carmem Marinho (Maria) e muitos outros.

O personagem principal da trama de “Elas por Elas”, inesquecível, foi sem dúvida Mário Fofoca. Ele
ainda rendeu à Luis Gustavo uma série na Globo e um filme. Continuaram “as aventuras” de Mário
Fofoca.

No início de 1983, Cassiano começou a se preparar para sua nova novela. Vinha por aí “Champagne”.
Cassiano havia sido convocado para escrever sua primeira trama para às 20 horas. Cassiano, das sete
para as oito.

166
Helena Silveira (Folha de S. Paulo, 22/09/1982).

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Deu “ti ti ti” na audiência


O sempre criativo Cassiano foi buscar inspiração novamente na alta costura. Lembrou-se das brigas
dos estilistas Dener e Clodovil Hernandez, ainda nos tempos da TV Tupi. Onde um estava, o outro não
pisava. E vice-versa. Personagens reais, mas que pareciam de ficção, de tão folclóricos eram. Em 1985,
Dener já havia falecido e Clodovil continuava na moda, até participando das novelas de Gabus Mendes!
Era um prato cheio para sua nova trama.

Assim nasceu “Ti Ti Ti”, em que Cassiano Gabus Mendes passou a trabalhar com Luís Carlos Fusco.
Esse foi seu parceiro ainda por muitas tramas. Com direção de Wolf Maya e Fred Confalonieri, além da
supervisão de Paulo Ubiratan e Daniel Filho. A novela esteve no ar, com Cassiano novamente às sete
horas da noite, de 05 de agosto de 1985 a 08 de março de 1986.

“Ti Ti Ti” mostrava a rivalidade entre dois costureiros: Victor Valentim (Luis Gustavo) e Jacques Léclair
(Reginaldo Faria), pseudônimos de Ariclenes Martins (Ari) e André Spina, respectivamente. Ari e André
são rivais desde a infância. Vendo a possibilidade de ascender socialmente, Ariclenes invade o terreno
profissional de André, o renomado Jacques Léclair. Ari se passa por um misterioso costureiro espanhol,
que está no Brasil para revolucionar a moda: Victor Valentim. O golpe dá certo e eles passam a rivalizar
diretamente. E numa espécie de “Romeu e Julieta”, Gabus Mendes faz nascer o amor entre os filhos de
Ari, Luti (Cassio Gabus Mendes), e o de André, Valquíria (Malu Mader).

Satirizando, Cassiano disse sobre os personagens: “A diferença é que eles serão machões”. – ao
comparar com Dener e Clodovil, com André e Ari, quando não estavam em seus personagens do mundo
da moda – “Já os meus vilões são sempre médios”.

Na trama há um destaque especial para Cecília (Nathália Timberg), que possuía um desiquilíbrio
mental. Ariclenes a conhece em um asilo e o que chama sua atenção, são os vestidos que ela criava
para suas bonequinhas. A costureira tinha inclusive um boneco, vestido de toureiro espanhol (roupa
adaptada por Ari para seu “personagem”), cujo nome era Victor Valentim. Foi dela que Ariclenes
aproveita o nome e os vestidos de suas bonecas para criar seus modelos. No final descobre-se que
Cecília era mãe de André Spina. Não é por acaso que Ari a chamava de “Tia”. Helenita Sanches, esposa
de Cassiano, conta a origem da personagem:

- Cassiano se inspirou numa tia minha, que se chamava Dolores. Ela trabalhava com bonecas na
Estrela, que fabricava brinquedos.

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- A origem do Victor Valentim. Foi tudo da cabeça do Cassica, genial. – fala Luis Gustavo, seu intérprete.
A curiosidade fica por conta do nome real do personagem: Ariclenes Martins. Foi uma homenagem de
Cassiano a seu amigo Lima Duarte, nome artístico de Ariclenes Venâncio Martins.
Lima nos conta rindo: “O Cassiano não se conformava que eu me chamava Ariclenes! Ele dizia: ‘Isso é
nome?’ ‘Mas meus pais me deram’. Aí ele fez essa homenagem brincando comigo”.

“Ti Ti Ti” foi também a primeira novela em que os irmãos Cassio e Tato Gabus Mendes trabalharam
juntos. Foi o primeiro trabalho de Tato Gabus Mendes na Globo, sendo que depois nunca mais parou de
atuar na emissora. Lá fez o personagem Alex, enquanto o irmão Cassio fazia Luti (filho do tio de ambos,
Luis Gustavo). Foi a primeira novela em que Cassiano, Tatá e os filhos trabalhavam todos juntos. Tato
Gabus (na época sem usar o “Mendes”) conta uma curiosidade:

- Em 2010, a Maria Adelaide Amaral fez o remake de “Ti Ti Ti”. A novela foi feita de uma outra forma.
Não sei se em função da modernidade ou da agilidade que se requer hoje. Os costureiros se
encontraram no quarto capítulo, coisa que no original eles se encontravam do meio para o final da
novela. Na original era o grande gancho da novela. - Cassiano Gabus Mendes, na época, conseguiu
costurar a trama de modo que os costureiros demoram a se ver, causando ansiedade nos
telespectadores para o momento do encontro. Quando eles percebem quem estava por trás dos
pseudônimos, foi uma grande surpresa: “O mentiroso de sempre”, Léclair insultou Ari naquele encontro.
Grande audiência no momento.

Já Cassio Gabus Mendes fala do domínio que seu pai tinha sobre a concepção de uma trama:

- Meu pai tinha um desenho da trama incrível. Sou suspeito pra falar, mas era muito poderoso e muito
simples. Ao mesmo tempo quem via falava: “Olha que história!”. Ele costurava muito bem a trama.
Victor Valentim, amigo de infância do Léclair, iam se encontrar, faziam a mesmo coisa, e quem era
talentosa na verdade era a mãe dele, que Valentim cuidava no asilo! Olha a ligação! Então essa coisa
de desenho e de armação de histórias de tramas é maravilhoso,além dos personagens isolados.

Participaram também do elenco, Paulo Castelli (Pedro), Myrian Rios (Gabriela), Aracy Balabanian
(Marta), Sandra Bréa (Jaqueline), Lúcia Alves (Nicole), José De Abreu (Chico), Adriano Reys (Adriano),
Tânia Alves (Clotilde), Rodolfo Bottino (Bob), Betty Gofman (Eduarda), Andréa Sandi (Patrícia), Yara
Côrtes (Júlia), Cleyde Blota (Lídia), Nestor De Montemar (Leitinho), Cazarré (Natalino) e muitos outros.

Assim como nas outras tramas, Cassiano Gabus Mendes também lançou moda. A novela foi pioneira ao
trabalhar com estilistas conhecidos, para dar mais realidade à trama. Foi contratada a editora de moda
Nettzy Carvajal, apoiada pela figurinista da Globo, Helena Gastal. As roupas eram feitas por quatro grifes
nacionais. Os terninhos de ombreiras altas, como o branco de Jacques Léclair ou o de Suzana (Marieta

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Severo) - ex-mulher de Ari e editora-chefe da Revista Moda Brasil – caíram no gosto do público. A moda
produzida por Jacques era mais clássica e a por Valentim, mais colorida. Estilos opostos, concorrentes
(era curioso que comicamente, na abertura da novela, a cada dia, alternavam-se os nomes de Reginaldo
Faria e Luis Gustavo). O que virou moda também, por conta de “Ti Ti Ti”, foi o batom “Boka Loka”, que
Cassiano Gabus Mendes inseriu brilhantemente dentro da trama. Lá “foi uma criação” de Victor
Valentim. O batom saltou da tela para vida real. As mulheres brasileiras logo quiseram comprar o batom,
que tinha fixação de 24 horas e “provocava beijos alucinantes” dados pelas mulheres de “Ti Ti Ti”. Volta
e meia, a modelo Ana Maria (Thaís de Campos) aparecia se pintando com o batom. Ele era vendido, sob
o slogan “Pintou Boka Loka. O batom que vai dar o maior Ti-Ti-Ti”. Luis Gustavo conta da febre que se
transformou o “Boka Loka”:

- Um dia a gente estava almoçando num domingo e eu falei: “Porra, Cassiano, que sucesso tá fazendo o
seu ‘Boka Loka’! Eu tô chegando de Teresina, no Piauí, atravessei a ponte sobre o Rio Paraíba e do lado
de lá, no Maranhão, tinha uma fila que dava volta no quarteirão. Eu perguntei: ‘O que tá acontecendo
aí?’‘É a farmácia, é por causa de um batom Boka Loka, que não chegou e tá pra chegar. Tô faz horas na
fila, porque acabou e eles foram buscar mais”. E ele: “Você acredita que o dono desse laboratório não
me mandou uma garrafa de vinho branco sequer como agradecimento?” - No remake de 2010, o “Boka
Loka” foi relançado com apoio da Globo e Avon (a parte obrigatória da renda foi revertida para a viúva
de Cassiano, Helenita Sanches, a pedido da autora Maria Adelaide Amaral). Falando em direitos, em
1986, Gabus Mendes processou a Revista Amiga, por ter divulgado os diálogos do último capítulo sem
autorização.

A abertura da novela foi um show à parte. Com o tema “Ti Ti Ti” (“Volta e meia, meia volta, volver. Saio
de fina pra ninguém perceber...”) , de Rita Lee, Hans Donner e sua equipe ousaram. Através de ímãs,
chroma-key e vários efeitos, conseguiram que sozinhas agulhas mergulhassem no tecido com peixes,
tesouras brigassem entre si no ar, lápis desenhassem sozinhos. Em 2010, na nova versão, aconteceu o
primeiro remake de abertura da TV brasileira, agora com computação gráfica. Foi sucesso e novamente,
deu o maior “ti ti ti”.

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O Rei Cassiano
Para falar de “Que Rei Sou Eu?” antes é preciso voltar no tempo. Vinte anos antes. Conta o diretor
Daniel Filho:

- Em 1977, Boni sugeriu que eu falasse com Cassiano, para que escrevesse a próxima novela das oito.
Ao ser consultado, ele foi categórico: “Eu quero fazer uma história de capa e espada. Uma sátira!”
Achamos absolutamente fora de propósito. Resolvemos lançar Gilberto Braga no horário e ele nos deu
“Dancin’ Days”.

Boni complementa167 o colega:

- Cassiano propôs um “capa e espada”, engraçado e também uma chanchada da política. Não topei por
dois motivos: “Roque Santeiro” tinha sido proibido e uma comédia às 20 horas seria uma temeridade.
Em 1988, o Cassiano voltou à carga. Aproveitando a extinção da Censura, resolvi arriscar.

A ideia de Cassiano partiu de um quadro. Ele se encantou e adquiriu uma reprodução de uma gravura
francesa chamada “Le Concert à Madame la Comtesse de Saint Bribon”, do pintor Duclos (1774). O
estampa mostra um concerto musical oferecido à Condessa de Saint-Bribon.

- Cassiano ficou olhando, olhando e depois me disse que tinha tido uma ideia de uma novela. Quando
“Que Rei Sou Eu?” foi aprovada, a Globo veio até minha casa, tirou fotos e eles montaram um salão
igualzinho no estúdio. Tudo igual. Mantenho com carinho ele, ainda na parede de casa.

O que também serviu de inspiração para Gabus Mendes foi o livro “As Brumas de Avalon”, da
estadunidense Marion Zimmer Bradley, que remetia à Era Medieval e aos tempos de Rei Arthur.
Cassiano fez referência direta, batizando o fictício “Reino de Avilan”. Jean-Pierre lembrava a temática
de Alexandre Dumas, de “Os Três Mosqueteiros” (que como diretor artístico já havia feito como novela
em 1957, na TV Tupi).

Perguntado por uma desinformada repórter do Jornal do Brasil se ele tinha se inspirado no Falcão
Negro, e se ele conhecia o seriado, Cassiano respondeu categoricamente: “O Falcão Negro foi lançado
por mim, na antiga TV Tupi. O projeto está pronto desde 1983. Foge da novela urbana. Quis fazer algo
diferente, uma experiência que espero que dê certo”. – foi em 1983 que ele deu um corpo maior no
projeto, numa segunda tentativa à Globo, para emplacar a novela. Mas felizmente “Que Rei Sou Eu?”

167
“O Livro do Boni” (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Casa da Palavra, 2011).

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(que num primeiro momento foi divulgada como “O Reino de Avilan”) entrou no ar em 16 de fevereiro a
16 de setembro de 1989. Gabus Mendes teve como colaboradores Luís Carlos Fusco e Solange Castro
Neves. Já a direção foi de Jorge Fernando (também diretor geral), Mário Márcio Bandarra, Lucas Bueno
e Fábio Sabag. Ela sucedeu outro sucesso: “Bebê a Bordo” no horário das sete horas.

Na época, Cassiano falou168 sobre a importância da novela servir como instrumento de


conscientização: "Especialmente agora, que estou muito revoltado com a situação do país". – era um
período conturbado. Após as Diretas Já, Tancredo Neves foi eleito presidente, mas faleceu, assumindo
José Sarney. Este fez sucessivos planos econômicos (como o Plano Cruzado), desvalorizou a moeda e a
inflação também disparou. Problemas, atrás de problemas, estávamos num momento crítico na política,
repercurtindo na vida diária do brasileiro. Estávamos à beira de novas eleições diretas para presidente.
“Que Rei Sou Eu?” era uma paródia direta ao Brasil da época, de forma assumida pelo autor. Das
novelas de Cassiano, esta foi uma de suas favoritas.

A trama começa no Reino de Avilan, em 1786, com a morte do Rei Petrus II (Gianfrancesco Guarnieri),
que não tinha herdeiros, apenas um filho bastardo, Jean-Pierre (Edson Celulari). Já que não tinha um
sucesso direto, os conselheiros reais dominam a Rainha Valentine (Tereza Rachel) e entregam a coroa
ao mendigo Pichot (Tato Gabus Mendes), que assume o nome de príncipe Lucien Erlan. Essa armação
foi feita pelo bruxo Ravengar (Antônio Abujamra). Jean-Pierre, o único consanguíneo do Rei Petrus II,
que se revolta e arma-se com o povo para derrubar os atuais dirigentes, para ter a coroa de volta. Ele
ainda se envolve com Aline (Giulia Gam), que trabalha no palácio, e Suzanne (Natália do Vale), esposa
do conselheiro Vanoli (Jorge Dória).

Foi nessa novela que Tato Gabus Mendes teve seu maior sucesso. Pichot foi inesquecível. Conta o ator:

- Não dá pra esquecer da novela. Foi um presente aquele personagem. Hoje eu entendo que meu pai
até arriscou comigo, porque o personagem era muito importante na história. Eu ouço falar até hoje do
“Que Rei Sou Eu?”. As pessoas não esquecem, até porque ela foi inédita, era de época, mas com
diálogo atual. Outra virada, outro ineditismo, que ele colocou na sua carreira. Meu pai era muito crítico,
mas ele ficou super satisfeito com o “Que Rei Sou Eu?”. O público estranhou um pouquinho só no
começo e depois não. E o Ravengar? Meu pai se entusiasmou com o Abu, apesar de já conhecer ele há
muito tempo, mas por causa de um personagem que ele já fazia na peça “O Contrabaixo”, do Süskind.
Ele foi ver o Abujamra, se encantou e se inspirou pra fazer o Ravengar.

- Até hoje todo mundo comenta essa enorme, essa incrível e maravilhosa novela, que o Cassiano
escreveu. Era a crítica ao país. Foi, realmente, um enorme sucesso. – comenta169 John Herbert, que

168
Gabus Mendes prepara aventura de capa e espada para a novela das 19h (Folha de S. Paulo, 06/11/1988).
169
Depoimento de John Herbert à Pró-TV.

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interpretava o Conselheiro Bidet Lambert. O nome “Bidet” já soava à sujeira, sendo um Conselheiro da
Marinha de um reino que não tinha mar. Ele era apoiado por outros conselheiros Crespi Aubriet (Carlos
Augusto Strazzer, que teve que se ausentar da novela por questões médicas, sendo que dois anos
depois revelou a todos que foi por causa da AIDS), Gaston Marni (Oswaldo Loureiro), Gérard Laugier
(Laerte Morrone), Roland Barral (Guilherme Leme). Outros destaques foram para o desenvolto e alegre
bobo da Corte, Corcoran (Stênio Garcia - cujo trabalho de caracterização feito pelo maquiador Eric
Rzepecki foi extraordinário, demorando cerca de uma hora e meia para maquiá-lo diariamente); os
revolucionários Pimpim (Marcos Breda) e Bertrand (Paulo César Grande); a doce princesa Juliette
(Cláudia Abreu); a aia da rainha Zmirá (Mila Moreira); a chefe da cozinha Gabi (Zilka Salaberry); a criada
Fanny (Vera Holtz); a mulher de Gerárd, Lucy (Ísis de Oliveira); o Conselheiro da Moeda Bergeron
Bouchet (Daniel Filho, o honesto do Conselho, golpeado pelos demais) e Madeleine (Marieta Severo);
da taberna a cigana Loulou Lion (Ítala Nandi) e Cozzette (Carla Daniel); a amante do Rei Petrus II, Maria
Fromet (Aracy Balabanian) e seu marido Françoise Gaillard (Edney Giovenazzi) e muitos outros.

Como no caso citado por John Hebert, Cassiano fez sátiras até no nome dos personagens. “Maria
Fromet” era o nome da atriz que fez o papel de “Cozzete” no filme “Os Miseráveis” (1913). Maria tinha
uma irmã também atriz, a francesa “Madeleine” Fromet – nem precisa dizer que Cassiano era um
amante do cinema. Numa homenagem ao pai, Octávio Gabus Mendes, ele deu o nome de “Ravengar”
(a história de suspense radiofonizada pelo pai) e, numa participação especial, deu o nome “Madame
D’Anjou” à personagem de Eva Wilma (em homenagem ao programa de Sarita Campos, criado também
por Octávio), biógrafa da Rainha Valentine. Cassiano acabou por homenagear os colegas do tempo de
“Alô Doçura”, quando Bidet (John Herbert) recebe na porta do Castelo, Madame D’Anjou: “Eu conheço
você de algum lugar”. Hilário!

Falando nessas participações especiais, elas foram um capítulo à parte. Dercy Gonçalves, como a
Baronesa Eknézia (mãe da Rainha Valentine) divertiu a todos. Já Charles Miller (nome do introdutor do
futebol no Brasil) foi protagonizado por um fanático pelo esporte, Luis Gustavo.

- Eu enchia o saco dele que queria trabalhar no “Que Rei Sou Eu?”. Eu ficava lá do lado do Cassiano e
ele escrevendo. Não abria a minha boca nessa hora. Aí ele arrumou um inglês que vinha ao reino pra
ensinar futebol, pegava uma bola, calção e chuteira. Eu fui com o Roberto Dinamite e fizemos um
capítulo só, mas foi muito engraçado!

Outra participação especial foi de Chico Anysio, como Taji Namas. Um nobre estrangeiro convocado
pelo conselho da Côrte, para esclarecer um golpe na Bolsa de Valores de Avilan. Era uma paródia direta
ao megainvestidor paulista Naji Nahas, cujos advogados “vetaram” a continuação do personagem.
Vários personagens eram referências quase diretas a seus “representantes” reais. A Rainha Valentine
era Sarney, o Conselheiro Vanoli era Antônio Carlos Magalhães, Ravengar era o General Golbery

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(quando a poeira do levante abaixa, Ravengar reaparece sob o nome de “Richelieu Rasputin Golbery”) e
até o bondoso conselheiro Bergeron era o ex-Ministro Dilson Funaro. Há quem dissesse, para polemizar,
que Jean-Pierre era o candidato Fernando Collor de Mello, mas a intenção de Cassiano nunca foi essa.
Ele queria ali representar o povo brasileiro.

Cassiano Gabus Mendes, quando perguntado pela Revista Istoé, sobre as coincidências com o Brasil da
época, respondeu170:

- Nenhuma coincidência. Eu fiz baseado nisso mesmo. A gente fica tão desiludido com as coisas que vê
neste país que, há anos, eu estava louco para fazer alguma coisa em que eu pudesse mexer um
pouquinho com política. E foi uma sorte danada, que me deixaram fazer agora essa novela de época,
que é um projeto, que tenho já há algum tempo. Em 83, eu fiz uma sinopse de uma novela de capa e
espada, falada normalmente, com problemas do cotidiano e tal. Mas eles autorizaram agora e veio a
calhar, porque tem o problema da política que é maravilhoso: a esculhambação deste país, a
bandalheira... Foi sopa no mel. Se fosse fazer a novela Que Rei Sou Eu? naquela época, não iria para o
ar nunca, porque a censura não iria deixar jamais.

Naquele fictício reino, nada funcionava, nem a guilhotina, que só funcionava nos testes – isso como os
projetos econômicos no Brasil! Ao final, o povo invade o palácio, Jean-Pierre trava uma luta de espada
com Pichot, que o assassina. Jean-Pierre assume o poder e Cassiano Gabus Mendes “deixa” escapar a
seguinte frase nesse capítulo final: “Ninguém mais vai explorar o trabalho pobre, agora quero que
gritem comigo: viva o BRASIL!”

Uma grande estrutura foi montada para a novela. Mais de 200 figurantes, mais de 500 figurinos. Foi
feita uma cidade cenográfica com 2.200 m2 de área construída, um castelo com uma torre de 26
metros (equivalente a um prédio de oito andares) e 30 metros de frente, uma vila com 14 casas. Tudo
isso construído num grande terreno em Jacarepaguá (RJ), por Mário Monteiro, Luiz Antônio Caliguri e
Alfredo Pereira – foi a primeira vez utilizada a área, onde seria construído o Projac (o complexo de
produção da Rede Globo).

Com “Que Rei Sou?” a Globo produzia novamente uma trilha sonora composta especialmente para uma
novela, o que não acontecia desde a década de 1970. Foi realizada pelo produtor musical João
Augusto. Músicas inesquecíveis, sem esquecer do tema de abertura “O Rap do Rei”, de Luni, com letra
de Boni e de “Que Rei Sou Eu?”, de Eduardo Dusek, por exemplo. A abertura também foi um show à
parte, mostrando pequenas esquetes com as principais batalhas, desde a Idade Média até
interplanetárias! Essa novela marcou a história da televisão brasileira, atingindo altíssimos 55 pontos
no Ibope no último capítulo.

170
“Este país é Avilan” (Revista Istoé, 27/09/1989).

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Cassio Gabus Mendes não fez “Que Rei Sou Eu?”, mas fez uma análise profunda sobre esse trabalho
do pai e seu estilo:

- Não foi por acaso que meu pai virou referência no horário das sete, foi chamado de “O Mago das
Sete”. Ele tinha um humor refinado, um estilo que era mais de texto que ação. Uma coisa mais leve. Foi
genial “Que Rei Sou Eu?”, eu não fiz. Ele sempre dizia: “Tem que ter novela, tem que ter história”. A
novela é o seguinte: é a mocinha que tem o príncipe, é o pai que vendeu a filha porque estava cheio de
dívida, e perdia no jogo... Tem que ter novela. Você pode fazer o absurdo que quiser, pode fazer o
cowboy, pode fazer o planeta Marte, mas se não tiver a novela você não tem credibilidade, ela não
acontece. As pessoas querem se identificar e elas se identificam com os personagens, com a história,
com a trama. Se você não tiver a novela, as tramas, pode fazer o que você quiser, mas não vai adiantar
e tá provado. Você pode ter ideias brilhantes, mas precisa pensar na pessoa que queira ela no ar,
queira ver, viver, torcer, amar, sofrer, chorar, rir. Isso quem faz é a credibilidade da novela, o ambiente,
a loucura, faça o que estiver na sua cabeça. O “Que Rei Sou Eu?” era uma coisa brilhante. Demorou pra
sair, mas o Boni aceitou, porque até no “merchandising” meu pai encontrou argumentos. Alguém
perguntou para meu pai: “Como é que a gente vai fazer com o merchandising?” “Eu resolvo isso em 2
minutos: o cara tá dormindo e ele sonha com um Volkswagen, e aí tá resolvido. Ele fala, ‘que coisa
esquisita é um Volkswagen. O que é aquilo? Sonhei com um negócio que anda assim’. E aparece o
carro, enquanto o cara sonha”. Ele deu um exemplo assim, então não podiam falar mais nada! Se o
dono da Volkswagen mudava a plaquinha da charrete, custava o dobro do “merchandising”. A novela é
genial! Meu pai trouxe com a leveza dele toda aquela crítica daquele momento, que infelizmente, se
você passar hoje tá praticamente igual, com toda a crítica social diária que existe. Ele botou aquilo e
tinha mistério. E tinha milhões da crítica social. Dentro da loucura que era tinha Ministério, as
corrupções... sensacional. Um humor refinado que ele tinha sem perder o drama da novela.

Solange Castro Neves, que colaborou com Cassiano e Fusco em “Que Rei Sou Eu?” fala sobre a
importância da trama:

- Essa novela marcou de duas formas: em primeiro lugar, a história se passava em um país fictício e
Cassiano, com sua maestria, conseguiu colocar ali, na ficção, toda a realidade política do Brasil, em
uma analogia clara, inteligente, com uma ironia fina e perspicaz, o que não dava o direito à réplicas. Por
outro lado, essa novela marcou época, porque fez com que o gênero masculino se interessasse e viesse
a apreciar a arte da teledramaturgia, a qual, a maioria dos homens, renegava. Gostaria de registrar que
Cassiano era um homem de uma visão profunda e holística. Há um fato que aconteceu no decorrer da
novela “Que Rei Sou Eu?”, que é um exemplo do que estou falando. O personagem Bergeron,
interpretado pelo Daniel Filho, foi mais ou menos baseado no Funaro, o qual tive o prazer de conhecer
pessoalmente, entrevistando no decorrer da novela. Em uma visita sua a uma usina, onde ele foi

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ovacionado pela população regional, fez com que se destacasse mais que outros políticos. Contando o
fato ao Cassiano, imediatamente ele disse: “Que pena! O Brasil perde um excelente ministro!” Na hora
não consegui captar o que ele quis dizer, só entendi quando, no dia seguinte, a notícia da saída do
ministro era manchete em todos os jornais. Cassiano, apesar dos problemas de saúde, ele era um
homem forte, determinado e procurava se cercar de pessoas amigas, como Fusco, seu grande
colaborador, com quem tive o prazer de trabalhar. – Cassiano e Fusco depois lançariam uma adaptação
da novela para livro: “O Reino de Avilan” e a Globo um compacto da novela na “Sessão Aventura”, pouco
tempo depois de terminada a novela. Como disse Solange, Cassiano era forte. Teve inclusive que resistir
à perda de sua mãe, Dona Esther, em 09 de maio de 1989, rompendo a felicidade que tinha ao ver a
novela que considerou sua melhor. Um vazio. A vida tinha que continuar, mais uma vez.

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“Eu quero melão!”


Cassiano estava muito animado com as férias de “Que Rei Sou Eu?” Logo começaria a pensar na
próxima novela, mais firmemente, para iniciá-la. Fora da televisão, ele e Helenita possuíam amigos que
não eram da área. Pessoas como seu dentista e amigo Dr. José Roberto Chagas Pisani (do qual muitas
vezes Cassiano inseria o nome “Pisani” na cenografia ou como sobrenome de personagens – não há
relação nenhuma com o jornalista Roberto “Pisani” Marinho, porque Gabus Mendes nunca foi de
bajulações, nem aos patrões), Marilu Casal Del Rey e vários outros amigos queridos. Só que vamos
falar de uma específica: Maricota (Maria Aparecida Brandi de Assis Oliveira), que naquelas férias
convidou Cassiano e Helenita para passarem férias em sua fazenda, a Estância Muriçoca, em
Pirassununga (SP). Descansando a cabeça, conversando com todos e olhando todo aquele ambiente,
Cassiano teve um insight e saiu de lá com a sinopse pronta de “Amor e Ódio”. Novela que depois
mudaria de nome: “Meu Bem Meu Mal”. Tanto que no início da novela, ele gravou cenas da novela na
própria Estância Muriçoca (citando-a como um “haras”) em homenagem à amiga. Maricota ficou muito
feliz, assim como o filho Inagê Brandi (hoje respeitado profissional do ramo de televisão, casado com
Florinda Rochard, que tornou-se uma das melhores amigas de Helenita).

Apesar do descanso, aquele início de 1990 mexeu muito com Cassiano. No dia 27 de junho soube da
morte de Dermival Costa Lima, seu antigo chefe, que morava no Rio de Janeiro. Viu a nova realidade da
família Machado de Carvalho, percebendo que Doutor Paulo tinha desanimado de tudo e vendido suas
tão queridas Rádio e TV Record. Ao mesmo tempo estava feliz ao partir das comemorações pelos 40
Anos da TV, promovida pela TV Cultura e descobrir que algumas de suas produções na TV Tupi estavam
sendo recuperadas pela Fundação Padre Anchieta e pela Cinemateca Brasileira. Por fim, percebia o
crescimento de uma concorrente, a Rede Manchete, que naquela ano liderava em audiência com a
novela “Pantanal”. Se isso ia atingi-lo? Acreditava, de alguma forma, que sim.

- Vou ter que adiantar a próxima novela – comentou Cassiano com a família. Seu período de produção
foi encurtado, justamente por causa da concorrência. Para não bater de frente com a Globo e garantir
boa audiência, a emissora dos Bloch começava “Pantanal” após o término da novela das oito horas:
“Rainha da Sucata”. Dias Gomes, Lauro César Muniz e Ferreira Gullar preparavam “Araponga”, para
sucedê-la, até que a Globo resolveu criar um horário das 21h30 para não dar mais espaço para
Manchete crescer. “Araponga” foi deslocada na grade e em seu lugar chamaram Cassiano para
escrever sua novela à “toque de caixa”. Comentou171, na época, Gabus Mendes:

171
“Globo volta ao modelo tradicional de novelas” (Folha de S. Paulo, 28/10/1990).

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- Não tive muito tempo para pensar. Vou me basear mais no folhetim e atacar o problema do amor que
está meio fora das telas. Estou na minha 11ª novela. Sei trabalhar. – a novela começou com apenas
20 capítulos adiantados, sendo que Gabus Mendes trabalhava com uma dianteira de 40 capítulos
sempre.

Tudo foi feito rapidamente. Dois meses antes da estreia de “Meu Bem Meu Mal”, Cassiano começou a
redigir os primeiros capítulos. Tinha dito que queria Maria Adelaide Amaral como colaboradora. Ela
aceitou, mas precisava ir à Inglaterra e Cassiano disse que ela podia, que ele a esperaria. Quando ela
retornou, a novela já estava no ar (exibida de 29 de outubro de 1990 a 17 de maio de 1991, às 20h30)
e Gabus Mendes “voando” em sua máquina de escrever, a todo vapor. Conta Maria Adelaide Amaral:

- O Cassiano me ligou, em julho de 1990, dizendo que além de boa autora de teatro, eu era pé quente e
queria que eu escresse com ele a nova novela das oito. O único método do Cassiano era a intuição. As
sinopses dele tinham no máximo uma página e às vezes meia. Também não escrevia escaleta. O
capítulo do dia anterior inspirava o do dia seguinte, de acordo com o que ele sentia a respeito das
tramas e das personagens. Nesse período, ele já tinha problemas de saúde, mas continuava fumando
muito e se alimentando perigosamente, por assim dizer. A experiência de trabalhar com ele foi das mais
prazerosas da minha vida. O Cassiano me ensinou a gostar de escrever para a TV. Nós saímos bastante
para jantar, onde ele contava casos do tempo da TV ao vivo. Eu adorava ouvi-lo falar. Na época do
lançamento de “Meu Bem Meu Mal”, uma repórter desavisada, perguntou-lhe o seguinte: “Além de “Ti Ti
Ti” e “Que Rei Sou Eu?”, o que mais o senhor fez na televisão?” E ele respondeu: “Eu fiz a televisão!” –
os autores se revezavam. Cassiano escrevia os capítulos de segunda, quarta e sexta. Maria Adelaide os
de terça, quinta e sábado e sem escaleta! Assim foi nascendo “Meu Bem Meu Mal”. Cassiano Gabus
Mendes dá172 suas impressões sobre a colega:

- Há muito tempo que trabalho com colaboradores. Faço os primeiros 20, 25 capítulos, dando a linha da
novela, a saída. A partir daí, eles escrevem já sabendo como são os personagens. A Maria Adelaide está
comigo desde o início. Ela é surpreendente, acredito que seja uma autora de novelas fantástica. Além
dela, tem o Djair Cardoso, um jovem do Rio de Janeiro, que está começando muito bem. E o Fusco, com
quem já trabalhei muito.

Como ele disse, depois entraram outros colaboradores, como Dejair Cardoso, Luís Carlos Fusco (a partir
do capítulo 20) e Solange Castro Neves. Esta nos conta:

172
“Até às últimas consequências” (O Globo, 28/10/1990).

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- Na novela “Meu Bem Meu Mal”, quando comecei a trabalhar com ele, ainda estava terminando uma
novela de Ivani Ribeiro. A técnica da carpintaria dos dois era totalmente diferente. Nesse dia fatídico,
saí da Ivani e fui pra casa do Cassiano, escrevi uma cena do José Mayer, em que o personagem dele
ficava bêbado. Como era dia do jogo de futebol, e o Cassiano era fanático pelo São Paulo, foi para o
campo, eu terminei os capítulos e mandei para a Globo. Mês depois, quando a cena do José Mayer foi
ao ar, Cassiano recebe um telefonema do ator agradecendo as indicações, rubricas, pois os críticos
elogiaram bastante o trabalho dele. Cassiano ficou super nervoso, com toda a razão, e mandou pegar o
capítulo. Quando eu vi, tinha desenvolvido toda a cena da maneira da Ivani, com rubricas, o que o
Cassiano não usava. Claro, por um momento pensei que tivesse perdido meu trabalho. Na verdade, os
colaboradores têm que respeitar a maneira de escrever do autor principal. Esse fato me marcou muito,
mas aprendi e ensino aos meus alunos a não repetirem o mesmo erro.

Cassiano tinha o apoio de competentes diretores: Paulo Ubiratan (também diretor executivo), Reynaldo
Boury e Ricardo Waddington. Tinha a difícil tarefa de escalar um elenco que estivesse disponível. Não
poderia contar com o elenco já escalado para as outras novelas da Globo, nem que tivesse contrato
com o SBT e a Manchete. Isso por um lado acabou dando espaço para novos talentos, que surgiam
naquela época. Nomes como Mylla Christie e Fábio Assunção (o primeiro trabalho de ambos na
televisão), Adriana Esteves e Lisandra Souto. Helenita Sanches conta:

- Tenho até hoje alguns vídeos com os primeiros testes de atores para “Meu Bem Meu Mal”. Lembro
que Fábio Assunção chamou atenção do Cassiano também por causa da beleza. Era um rapaz muito
bonito, com aqueles olhos claros.

Adriana Esteves era um dos talentos, em quem Cassiano Gabus Mendes apostava alto. Em setembro de
1990 ela gravou, junto de Darlene Glória e um grande elenco, a minissérie “A Cilada”, escrita por
Cassiano e dirigida por Roberto Talma. Gabus Mendes já havia terminado “A Cilada”, quando começou a
redigir “Meu Bem Meu Mal”. Porém, a minissérie foi vetada pela Rede Globo, após a justiça considerá-la
forte e imprópria para veiculação antes das 21 horas, por conta de insinuações, cenas de sexo e
violência. Naquela ocasião a Globo intensificou o número de minisséries, uma vez que a concorrente
Rede Manchete descobriu o filão.

Voltando para “Meu Bem Meu Mal”, um dos personagens principais era o de Isadora Venturini,
interpretada por Silvia Pfeifer. Luis Gustavo fala sobre uma observação do cunhado Cassiano:

- Eu lembro dele dizendo: “Vai trabalhar nessa novela a mulher mais chique da televisão brasileira:
Silvia Pfeifer. Tatá, olha”. Ele gostava de gente e das coisas chiques.

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Sobre o roteiro de “Meu Bem Meu Mal”, Cassiano Gabus Mendes explicou173 que não seria nada fora do
habitual:

- Sei que todo mundo vai estranhar. Porque depois de ''Que Rei Sou Eu?" pensam que vou fazer outra
coisa completamente nova. E "Meu bem, meu mal" não tem nada disso. Mas o meu jeito de escrever, o
meu ritmo de televisão estão lá, nas cenas curtas, nos diálogos diretos. Todas as cenas têm uma
função no capítulo; a direção dá o recheio, embeleza nas externas. Não será tão leve como se fosse às
sete da noite. É mais dramática, com choro e lágrimas, mais ódio. Ao velho estilo mesmo. Agora, não
vou fazer um folhetim tipo "Honrarás tua mãe", mas dentro daquilo que considero de bom gosto. Em
cada novela que faço, aprendo vendo no ar, percebendo o que poderia ser cortado e como os
personagens dialogam. Estou aprendendo e me corrigindo a cada uma delas. Mas procuro sempre ser
simples. Mesmo em "Que Rei Sou Eu?" consegui isso. Aprendi a escrever do jeito que as pessoas falam.
O ator adora o meu texto porque é fácil de decorar e a direção também curte as novelas, pois não
dificulto a realização.

E foi assim. O tema principal da novela eram as relações de amor e ódio entre os personagens. Dom
Lázaro Venturini (Lima Duarte) odiava Ricardo Miranda (José Mayer), mas tinha que obrigatoriamente
conviver com ele, em sua Venturini Designers porque detinha 30% das cotas da empresa (Ricardo era
enteado de Lázaro, já sua mãe teve um caso com o melhor amigo do empresário). Lázaro quer comprar
as ações de Ricardo a todo custo. Dentro das intrigas, pelo controle acionário da empresa, estão
também Isadora (Silvia Pfeifer), nora de Lázaro e amante de Ricardo. Depois da morte de seu filho
legítimo, Cláudio (Herson Capri), marido de Isadora, Dom Lázaro traz sua irmã Valentina (Yoná
Magalhães) da Europa para evitar que Isadora assuma a empresa em comunhão com o amante
Ricardo. Quem nos conta sobre Dom Lázaro é o próprio Lima Duarte:

- Eu me lembro até hoje do Dom Lázaro Venturini. Ele era viúvo e foi levar umas flores no túmulo da
esposa. Quando ele vai embora do cemitério, vê chegar a esposa do filho dele, com o gerente da
fábrica. Chega um ponto que ele fica atrás de uns arbustos e vê eles se beijando. O filho dele era a
paixão da vida dele, né? A mulher beijando outro, que era a Silvia Pfeifer e o outro o José Mayer. Foi a
primeira novela da Silvia Pfeifer. Foi também a primeira novela com um papel maior da Adriana Esteves.
Tinha também o Fábio Assunção, a Mylla Christie. Todos começando ali. O Cassiano misturava o “Beto
Rockfeller” com “O Direito de Nascer”, em “Meu Bem Meu Mal”. Lá o Cassio era o “Beto” e o Dom
Lázaro era igual ao Dom Rafael de Juncal, que foi o grande Elísio de Albuquerque. E a enfermeira do
Dom Lázaro, era a Zilda Cardoso, a Catifunda! Essa teve o maior fim de capítulo que se possa imaginar,
porque quando vou saindo do cemitério São Paulo, cambaleando, eu caio, o motorista pega e me leva.
Dom Lázaro teve um AVC quando viu a nora beijando o outro. Então ele sabia, mas ele teve o AVC e
ficou todo torto. Mas ele sabia que a nora não prestava, tinha o diretor da fábrica que tinha um caso

173
Idem.

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com ela, e o filho dele morreu, o moço. Mas o que aconteceu com o espectador: “Será que ele enxerga?
Ou não? Será que ele fala?” Ele sabia de tudo. Então todo mundo que ia, ele tava sabendo. A minha
querida Ariclês Perez foi também tomar conta dele. Aí teve uma cena que a Silvia Pfeifer morava por ali
e foi no cinema com todo mundo, os enteados dela, e falava pra mim: “Nós vamos ao cinema, velho.
Você é um velho, vai morrer sem falar, sem ver, sem ninguém. Morra velho!” E vai embora. Aí vem a
Catifunda, que precisa dar comida pra esse velho. Aí saíram todos, só ficou o velho e a Catifunda. Aí:
“Que será que ele gosta? O que ele quer de sobremesa?” Aí ele disse assim: “EU QUERO MELÃO!” no
fim do capítulo. Ele ouve, ele vê, ele sabia de tudo! Hoje tem até site e livro lembrando essa expressão.
Foi um belo final de capítulo!

O blog a quem Lima Duarte (“Eu Prefiro Melão”) se refere é um dos mais acessados sobre
teledramaturgia. O criador, Vitor de Oliveira (hoje roteirista da Globo e um dos colaboradores de “I Love
Paraisópolis”), explica o porquê da homenagem:

- A frase é emblemática porque representa, simbolicamente, a preferência do brasileiro pela telenovela


e bate forte em minha memória afetiva. Nada mais adequado que batizasse meu blog e,
posteriormente, meu livro, com essa frase, já que as telenovelas e, consequentemente, as tramas de
Cassiano, sempre povoaram meu imaginário e ajudaram a me construir como profissional e como ser
humano. Viva Cassiano!

Havia também o núcleo de Berenice (Nívea Maria), que queria se vingar de Isadora. É mãe de Fernanda
(Lídia Brondi), ex-namorada de Marco Antônio (Fábio Assunção) – filho de Isadora, que se afastou da
moça a pedido da mãe. Para vingança, Berenice convence Doca (Cassio Gabus Mendes) a se passar
por rico, para seduzir Victória (Lisandra Souto), irmã de Marco Antônio. Doca é namorado de Dirce
(Luciana Braga), mas ao final se apaixona por Fernanda. Ali, os atores Cassio Gabus Mendes e Lidia
Brondi formavam um par romântico, assim como na vida real.

Outra vingativa foi Patrícia (Adriana Esteves), filha de Felipe (Armando Bógus), que fora enganado por
Ricardo. Usa Jéssica (Mylla Christie), filha de Ricardo, para se aproximar do empresário e seduzi-lo. Só
que acaba se apaixonando por ele.

Ainda merece destaque uma dupla inesquecível de personagens. A amiga de Victória, a “Divina Magda”
(Vera Zimmermann), que frequentava a mansão dos Venturini e que era bajulada a todo tempo pelo
Mordomo Porfírio (Guilherme Karan). Ela passava o dia na piscina... e ele do lado. Grandes
gargalhadas. A mãe Rosa Maria (Ariclês Perez), sósia da falecida esposa de Lázaro, e a cuidadora, a avó
Elza (Zilda Cardoso, a “Catifunda”), Emílio (Jorge Dória) também brilharam.

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“Meu Bem Meu Mal” foi uma coprodução inédita da Rede Globo, com a Tycoon, produtora que assinara
contato com a emissora,para produzir programas num prazo de três anos.

A novela também ficou na lembrança do povo, lançando moda como o corte de cabelo da atriz Lidia
Brondi, curto atrás e com franja reta, e faixa larga, utilizada no cabelo por Silvio Pfeifer. Sem esquecer
da inesquecível canção de abertura, de Caetano Veloso, “Meu Bem Meu Mal”: “Meu zen, meu bem,
meu mal....”

Em 1991, Cassiano vendeu seus textos de “Alô, Doçura!” para o SBT e os viu adaptado para uma nova
versão. Falando em textos, Gabus Mendes sempre pedia sugestões à família e incentivava os filhos na
carreira. Tato Gabus Mendes conta uma curiosidade:

- Em “Meu Bem Meu Mal”, dei até umas ideias boas pra ele, que ele usou. E cheguei a escrever até um
capítulo inteiro, assim como teste. Entreguei, mas morri de medo! – sabendo o olhar crítico do pai.

Já Cassio estava na novela e como disse Lima Duarte era uma “versão livre” de “Beto Rockfeller” nos
anos 1990. Fala Cassio Gabus Mendes:

- Eu fiz o Doca. Eu também adorava a novela das oito. O personagem tinha uma transformação muito
legal. Eu gostava muito.

Cassiano, com dificuldade, atingiu sua meta e recuperou parte da audiência da Globo. Apesar do susto
de “Pantanal”, na Manchete, a sucessora “A História de Ana Raio e Zé Trovão” não teve a mesma
repercussão. Com “Amazônia” foi um fiasco. O horário de “Meu Bem Meu Mal” rivalizava com o “Jornal
da Manchete”, que era apoiado na expectativa para a novela que entraria em seguida. Aos poucos a
Manchete perdia a força que havia conquistado. Cassiano fez sua parte.

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Créditos finais
O Brasil passava por uma transformação novamente. Cassiano já tinha visto de tudo. A Era Vargas, JK,
a Ditadura Militar, a Abertura Política e a redemocratização. Com “Que Rei Sou?” mostrou a importância
de usar a televisão como instrumento de crítica política, de mobilização social. Fez o povo pensar. O
Brasil àquela altura vivia, dentro da redemocratização, uma avalanche de escândalos envolvendo o
presidente Collor e PC Farias. Logo se daria o Impeachment do presidente.

Cassiano divertiu a todos e o faria novamente. Em 1991 aceitou aparecer como ator em “Perigosas
Peruas”, do amigo Carlos Lombardi, no papel do engraçado mafioso Franco Torremolinos. Depois saiu,
já pronto para encarar um novo desafio: recuperar o horário das sete horas da Globo. A concorrência
tinha acordado e ali naquele período a emissora rivalizava com o SBT, que apelava para audiência, com
o jornal policial “Aqui Agora”. A missão de Cassiano Gabus Mendes foi criar uma trama que tivesse um
elenco de peso e todos os ingredientes para atrair o público de volta. Precisava recuperar o que havia
sido perdido em “Deus nos Acuda”, a trama antecessora. Foi daí que surgiu a ideia de uma “caça ao
tesouro”, criando um suspense até o final. Só que Cassiano estava cansado, doente. Isso atrapalhava
muito o andamento da novela. Dava o melhor de si e Maria Adelaide Amaral, sua colaboradora,
auxiliava em tudo, sendo apoiada também por Gugu Keller, Walkiria Portero e Djair Cardoso. Paulo
Ubiratan estava novamente com Cassiano, na direção artística da novela, que inicialmente contou com
a direção de Denise Sarraceni, depois substituída por Gonzaga Blota e Flávio Colatrello na função.

- N’ “O Mapa da Mina” a Globo queria que ele fizesse pelo computador. Ele falou: “Eu não vou mexer
nessa coisa aí”. Então ele escrevia à máquina e o Gugu Keller passava para o computador. – conta
Helenita Sanches.

“O Mapa da Mina” foi ao ar, com muita alegria, em 29 de março de 1993, e terminou em 03 de
setembro daquele ano, repleto de tristeza. Cassiano Gabus Mendes, o grande estrategista, reuniu um
elenco de peso, que parecia contar sua própria história de vida, sua carreira. Uma despedida? Talvez.
Um agradecimento? Com certeza. Estavam no elenco nomes como o cunhado Luis Gustavo (do início
da Tupi a “Beto Rockfeller”, “Elas por Elas”, “Ti Ti Ti”), os filhos Cassio e Tato (grandes parceiros de
tramas e de vida), Malu Mader (“Ti Ti Ti”), Ana Rosa (que em “Alma Cigana” inaugurou a novela diária
na TV Tupi), Eva Wilma e John Herbert (“Alô Doçura” e tantos outros trabalhos), Gianfrancesco Guarnieri
(“Sublime Amor”, “Teatro 2”, “Que Rei Sou Eu?”), Antônio Abujamra (“Teatro 2”, “Que Rei Sou Eu?”),
Beto Mendes (“Beto Rockfeller”), Tony Ramos, Dennis Carvalho (“Locomotivas”), Mila Moreira (a
modelo que virou grande atriz, sempre presente em suas tramas), Marco Nanini (“Brega & Chique”) ,
Lima Duarte (da Tupi à “Meu Bem Meu Mal”), Stênio Garcia (“Que Rei Sou Eu?”), Guilherme Karan

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(“Meu Bem Meu Mal”) e muitos outros. Um time incrível. A própria trajetória de Cassiano Gabus
Mendes.

Uma quadrilha rouba dez milhões de dólares em diamantes, no Uruguai - esse foi o pano de fundo da
trama. Um dos ladrões, Rodolfo Torres de Almeida (Mauro Mendonça), escapa pela Argentina. Já o
outro, Ivo Semioni (Paulo José), viaja para São Paulo com os diamantes e os esconde. Para não
esquecer o local onde escondeu o diamante, manda tatuar o “mapa da mina” nas nádegas de uma
menina, Elisa (Carla Marins). Antes tem o cuidado de tirar uma foto da menina para identificá-la no
futuro. Ele é preso e ao ser libertado, é atropelado. Só que antes conta o segredo a seu filho, Rodrigo
(Cassio Gabus Mendes), que segue as pistas até a garota, uma noviça enclausurada. No elenco havia
ainda Malu Mader fazendo a sensual Wanda, Carolina Ferraz (estreando como atriz na Globo, desde
sair da Manchete) como Bruna – que tem um caso com Raul (Tato Gabus Mendes) - e a participação de
Luis Gustavo (como Toni), Fernanda Montenegro, Nair Bello, Pedro Paulo Rangel, Luísa Brunet, o galã
Maurício Mattar e grande time.

Eva Wilma, intérprete de Tatiana, conta:

- Eu gostava demais do texto do Cassiano, como sempre. Difícil foi ter que sair da gravação pra vir na
despedida. Eu prefiro falar como o Boldrin: “O Cassiano viajou, mas ele está conosco pra sempre”. A
viagem dele foi durante o “Mapa da Mina”, a grande viagem...

Maria Adelaide, sua colaboradora, completa:

- Nesse período o Cassiano não estava bem de saúde e isso se refletia no seu humor. O final da novela foi
antecipado porque não era o sucesso que se esperava, ainda que hoje nenhuma novela alcance a
mesma audiência no horário das sete (eu arriscaria dizer que nem nos outros horários). Isso não deve
tê-lo deixado muito feliz. Mas ele não andava feliz, desde que “O Mapa da Mina” começou. Em agosto
de 1993, alguém me ligou dizendo que ele estava muito mal, mas quando cheguei ao hospital, o
Cassiano já tinha falecido. Acho que o grande projeto dele era viver bem e se divertir cercado dos filhos,
da Helenita e dos amigos.

Luis Gustavo lembra como foi que soube da morte do cunhado e amigo:

- Foi terrível. Eu estava gravando e a Malu entrou no estúdio branca: “Tatá, pelo amor de Deus, o
Cassiano morreu”. “Que é isso, porra”... Parou tudo, uma tragédia. Não gosto nem de pensar. Cassiano
não morreu velho, morreu moço. Ele tinha acabado de escrever a novela, já estava na frente, assim: “O
meu tá pronto”. Sempre estivemos juntos, até a morte dele. Sabe, ele é um símbolo pra televisão
brasileira. Por mais que possam fazer eu acho que o Cassiano deveria ter um busto na porta de todas

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as emissoras de televisão. Na Bandeirantes, na Record, na Globo, na Cultura, no SBT, todas as


emissoras deveriam ter um busto do Cassiano.

Tato, o filho mais velho, conta sobre a última lembrança do pai:

- Foi quando eu saí pra ir para o Rio, naquela semana. Ele na porta, de pijama, bem caidinho. Minha
mãe também se despedindo pra eu ir para o aeroporto. Me lembro bem da cara dele, do jeito dele. Ele
estava bem, mas dava pra ver que estava cansado. Só fico angustiado de não ter conseguido falar com
ele um pouco antes.

Cassio também se recorda:

- Falei com meu pai um dia antes, no telefone. Eu estava no Rio, nós dois estávamos gravando, eu e o
Tato. Falei por volta de umas nove horas da noite, hora do jantar, no telefone com meu pai. Ele estava
querendo ir pra São Vicente no dia seguinte, ficar uns quatro dias. E eu falei “Peraí, pô, você vai assim?
Vai no fim de semana”. Era meio de semana. Ele já sentia umas coisas, tinha uma pressão alta crônica,
acordava de madrugada. De madrugada ele passou mal, foi para o hospital por volta de uma quatro
horas. Entrou andando com a minha mãe, e com um outro médico amigo nosso que foi em casa. Aí de
manhã eles ligaram: “É melhor vocês virem pra cá que ele tá internado”, mas aí quando a gente chegou
no hospital, ele tinha acabado de morrer, uma hora antes, por volta das 11 horas. – Seu pai foi vítima
de um enfarte no miocárdio, falecendo às 11h40, do dia 18 de agosto de 1993. Cassiano pediu para
ser cremado na Vila Alpina, o que não era habitual na época. As cinzas foram levadas para o centro
ecumênico budista “Vale dos Templos” (Kinkaku-ji do Brasil). Hoje lá há uma homenagem a Cassiano,
cujo nicho com as cinzas, encontra-se em meio à natureza, à paz e à inspiração que o ambiente
proporciona. Foi uma oferta de Alonzo Bain Shattuck, criador do templo, no dia do velório. Cassiano já
tinha se despedido. Caminhava para um outro plano. Só que neste as homenagens e o carinho dos
amigos começaram. Não era apenas a família Gabus Mendes que estava em luto. A família “televisão”
também. Muitos amigos homenagearam174 o grande mestre:

- Cassiano foi o primeiro profissional a domingar as técnicas de TV no Brasil. Ninguém entendia mais do
que ele. – disse a apresentadora Hebe Camargo.

- Alguém como Cassiano só poderia morrer de ataque cardíaco. Ele passou a vida fazendo o que o
coração mandava. Praticamente inventou a linguagem televisiva no Brasil. Foi um grande profissional. E
morreu pobre. Aos 66, ainda precisava trabalhar para sobreviver. – enalteceu o ator Lima Duarte.

174
“Morre Cassiano Gabus Mendes” (Folha de S. Paulo, 19/08/1993).

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- É uma perda irreparável. Ele é uma das pessoas mais importantes da TV brasileira. Quando
trabalhamos juntos na Tupi, foi o chefe mais democrata que já vi. – ressaltou o dramaturgo Walter
George Durst.

- Minha lembrança do Cassiano é dos longos papos que a gente tinha nos anos 60, na TV Tupi. Ele era
muito inteligente, tinha muito senso de humor, e era um homem hábil e ágil no modo como fazia
televisão – comentou o apresentador e humorista Jô Soares.

- Cassiano foi um dos pioneiros da telenovela no Brasil. Se ela é hoje o que é, exportada para 84 países,
isso se deve, em grande parte, a ele. – elencou o novelista Silvio de Abreu.

- Ele foi um dos fundadores da televisão no Brasil. Além disso, é de uma família de artistas que, por sua
linhangem, adquiriram nobreza. Foi um professor de todos nós. Morreu um rei da televisão. – priorizou
o diretor Daniel Filho.

Lima Duarte conta sobre a homenagem que prestou, não ao colega, mas ao amigo e sãopaulino
fanático:

- Quando ele morreu, aqui no Incor (Instituto do Coração), eu fui correndo pra lá. Eu tinha recebido a
notícia, ninguém tinha sabido ainda. E eu fui avisar o São Paulo Futebol Clube, porque ele era muito
sãopaulino, como eu. Fiquei por causa dele. E eu fui avisar o São Paulo por educação. "Tem alguma
coisa aqui no São Paulo, um jornal, alguma publicação onde possa falar alguma coisa sobre ele?" "Ah,
o Diário Popular dá um pedacinho pra nós no jornal". Então eu fiz lá um necrologicozinho: "Nós somos
campeões do mundo, nós inauguramos o Morumbi, nós somos um clube que leva o nome de São
Paulo. Temos feito tudo isso para ficar do tamanho do teu amor por nós. Obrigado Cassiano". – Gabus
Mendes ainda pôde ver a segunda conquista da Taça Libertadores da América pelo seu time em maio
daquele ano. Em dezembro de 1993, o São Paulo Futebol Clube fez mais um gol para Cassiano: no
Japão conquistou seu bicampeonato Mundial. Alegria no céu.

Tato conta da emoção que foi na despedida ao pai, no velório do Cemitério da Vila Mariana:

- A única coisa que me consolou, no velório, foi que eu vi tanta gente, mas tanta gente que gostava dele.
Além dele ser admirado, as pessoas gostavam dele. Consolo em ver que ele teve uma vida de trabalho
incrível, genial, inovador, inesquecível e importante para a história da televisão. Ele e seus colegas,
obviamente, porque ele não fez nada sozinho. O grande comandante. Eu tenho uma admiração por ele.
Nunca se deslumbrou, pelo contrário. A única coisa que me consolou foi quando ele começou a ganhar
um dinheirinho bom, ele queria algumas coisas, apesar da vida simples: ele estava sempre com um
carro bacana, gostava muito de carro. Só.

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A viúva Helenita Sanches conta:

- Não acho que foi só o fumo que fez mal a ele, mas a vida dele, né? Ele fumava com a piteira Dunhill,
mas não era de fazer ginástica. Ele andava muito no corredor de casa e na praia, porque o médico
mandou. Ele se inspirava muito vendo o mar. Eu fui muito à praia no último ano em que ele viveu. Eu
tinha um pressentimento, de que ele não ia durar. Nossa vida ficou melhor quando foi pra Globo. Se ele
vive mais um pouco, me deixava super bem. Mas ele me deixou super bem, no sentido de que ele não
deixou uma dívida. Um pouquinho antes de morrer ele comprou um carro último tipo estrangeiro. Eu
falei: “Pra que isso? “E ele falou: “Se me acontecer alguma coisa...”, ele sabia que ia cedo, “... você
vende esse carro e já tem dinheiro pra se virar até fazer inventário”. Ele tinha os pressentimentos, eu
também.

O mais complicado foi depois. Conta o filho Cassio Gabus Mendes:

- Ele já tinha acabado de escrever a novela e estava pronto para ir viajar pra São Vicente. A minha
lembrança é das piores, em função do ocorrido. A gente não tinha acabado de gravar e então uma
semana depois, tinha que fazer a novela. Tinha que acabar a novela... Um dos momentos mais difíceis
foi gravar o final. Eu respirei e fui. “Tem que fazer”. Foi muito dolorido. Mergulhamos eu e meu irmão,
que fazia também a novela. Até de lembrar que a gente não se cruzava muito na novela. Fizemos umas
duas cenas. Foi difícil de segurar.

- Era só eu e o Cassio. Foi a primeira vez que meu pai me pôs numa cena contracenando com meu
irmão. Eu acho que ele já sabia que não ia durar muito. Pior foi gravar essa cena, depois dele morrer. –
complementa Tato.

A Rede Globo noticiou com destaque no Jornal Nacional, sob a voz de Cid Moreira, enaltecendo a
importância de Cassiano como novelista e como pioneiro da televisão. Poucas semanas depois, no dia
03 de setembro de 1993, após a última semana de “O Mapa da Mina”, entrou no ar uma homenagem
feita pelo amigo Lima Duarte. Eis abaixo o que ele disse:

- Tal como acontece com os atores, também um novelista, quando morre, morrem com ele todos os
personagens que ele criou. Ele deixa atrás de si uma legião de órfãos. Homens, mulheres e crianças, de
todas as idades, credos, raças, gente, gente que conviveu todos os dias com vocês, que estão aí do
outro lado do espelho. Essas pessoas criadas pela imaginação do escritor, adquirem tanta verdade, que
chegam a ofuscar os próprios atores que a recriam. Assim é comum vivermos intensamente outras
vidas, sermos chamados na rua por outros nomes, sermos mesmo amados ou hostilizados por conta do
que fazem nossos personagens. Somos assim eternamente… provisórios. Eternos por uma temporada

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de oito a dez meses, que é o tempo que dura uma novela. Hoje eu estou aqui para me despedir em
nome de um desses autores. E faço seu porta-voz e me sinto ao mesmo tempo triste e orgulhoso dessa
tarefa. Na verdade, qualquer um que tenha entrado em um estúdio de televisão nesses últimos 43 anos
poderia estar no meu lugar, porque o companheiro que se foi, foi o pioneiro dessa fábrica de sonhos.
Esteve aqui, deste lado, desde o primeiro minuto do primeiro dia. Minto. Antes. Desde a véspera do
primeiro minuto do primeiro dia. E por essa razão que todos nós que trabalhamos em televisão
devemos a ele o muito, ou o pouco que conseguimos. Queremos por isso, em sinal de gratidão,
agradecer e aplaudir esse homem que se despede, também agradecendo e aplaudindo a vocês todos,
que compreenderam e respeitaram o trabalho que ele realizou durante toda a sua vida.

Sintetizando bem a importância do grande Cassiano Gabus Mendes, as palavras de seu filho Cassio,
que resume o sentimento da família:

- Lembro dele datilografando. Ele batia rápido pra caramba na máquina elétrica, com dois dedos. Me
lembro muito do barulho em casa, uma coisa marcante. O dia a dia dele, ele estruturava bem, fazia a
escaleta dele e passava, escrevia até umas seis ou sete horas, começava cedo. A nossa relação foi
sempre maravilhosa. Eu fui muito próximo, uma proximidade muito grande, foi muito difícil perder ele
cedo assim. Não passavam dois dias sem falar pelo menos um “oi”. Não tinha celular, então era mais
difícil. Meu pai foi tudo, foi o melhor pai do mundo. Com os seus defeitos, foi o pai mais carinhoso, o
mais protetor possível, desde pequeno, mais acolhedor, de um carinho e um amor absurdos. Lembro do
meu pai vendo as novelas dele. Ele gostava de ver e se criticava, brincava com ele mesmo, se
emocionava e se emocionava com os atores. Tinha prazer em ver. Era dele. Ele não vivia só na criação,
ele vivia na criação dos atores. Ele tinha um prazer muito grande nisso, em se emocionar e dar
gargalhada. Ficava fascinado e tinha uma admiração pelos atores, ele ficava muito satisfeito: “Hoje
estava maravilhoso, muito bom” . Ele não estava falando dele, ele estava falando da realização, ele
estava falando de cada um. Nunca se elogiou. Ele estava falando de tudo. Se você falar hoje na história
da televisão, ou daqui cem, duzentos anos e não falar o nome de Cassiano Gabus Mendes, vai ter uma
falha muito grande. Não tem como não citar meu pai.

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X.
A escalação

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Uma vez... Um chamado...

Fui ao velório.

Uma amiga me levou e ficou ao meu lado. Estávamos emocionadas. Ali estava um amigo, um irmão, um
chefe, um pai. A emoção atingia a todos.

Fechei os olhos. Rezei. Foi quando ouvi a voz do Cassiano falando baixo, para mim:

- Vida, olhe a escalação.

Emocionei. Tremi. Eu não estava contratada em nenhuma emissora. Por que aquela fala? Estaria eu em
transe? Estaria sonhando? Estaria alucinada?

Pedi a minha amiga para ir embora. Fomos. Fiquei calada. Preocupada. Não consegui dormir.

Dois ou três dias depois, porém, chamei a amiga e mais dois ou três amigos, os mais íntimos e me abri
com eles. Falei do caso. Contei o que ouvi. Contei minha emoção.

Emocionei a eles também. Lembro-me bem. Eram a Lia de Aguiar, o Luiz Gallon, o Walter Forster, o
Walter Ribeiro dos Santos, que além de colega de profissão, era meu cunhado. Conversamos.

Acho que chorei. E conversamos, conversamos. Chegaram eles a conclusão. Disse Walter Ribeiro:

- Acho que devíamos abrir um clube. Acho que era essa a mensagem.

- Clube? Não, por favor. Não quero. Não é minha convicção. – disse eu.

E a conversa continuou, continuou.

Outras conversas, outras sugestões... outras reuniões... E a ideia final:

- Vamos organizar uma associação. Vamos reunir material. Vamos montar o Museu da Televisão.

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E assim nasceu a APITE – Associação dos Pioneiros da Televisão Brasileira, que depois passou a se
chamar APPITE – Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira. E, por
fim, PRÓ-TV, nome atual. A nossa entidade,foi registrada há 20 anos atrás, em agosto de 1995.

Foi no Clube Piratininga de São Paulo, onde foi empossada a primeira diretoria da nossa associação.

Para encerrar, quero que saibam que ainda que estejamos na sede provisória, ela hoje possui um belo
salão nobre, que foi denominado: Salão Cassiano Gabus Mendes, nome sugerido por Elmo Francfort.

Assim temos a certeza de que Cassiano Gabus Mendes esteve ontem conosco, está hoje e estará
sempre aqui. É ele nosso companheiro, nosso amigo, nosso irmão, nosso pai.

V. A.

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Homenagens a Cassiano

Há pessoas que ficam para sempre na memória de todos nós. Pessoas marcantes como Cassiano
Gabus Mendes, sempre presente na televisão. Abaixo uma amostra que ele continua inspirando os
colegas de profissão.

No dia 16 de maio de 1994 estreou na Rede Globo a novela “Tropicaliente”. O autor Walther Negrão
resolveu homenagear o amigo Gabus Mendes, falecido meses antes, batizando de “Cassiano” o
personagem de Márcio Garcia, um dos protagonistas. Negrão realizou nova homenagem na novela “Flor
do Caribe” ao novamente batizar de “Cassiano” um de seus protagonistas, interpretado por Henri
Castelli (a novela foi ao ar em 11 de março de 2013, com essa homenagem após dez anos da morte de
Gabus Mendes).

E nas ruas? Quase um ano após sua morte, em 07 de junho de 1994, Cassiano foi homenageado pela
Prefeitura de São Paulo. Recebeu o nome de Viaduto Cassiano Gabus Mendes a obra que passou a
ligar os bairros de Guaianases e São Miguel Paulista. O secretário de Vias Públicas, Reynaldo de Barros,
entregou a obra de 43 metros de extensão. O filho Tato Gabus Mendes e a viúva, Helenita Sanches,
estiveram na cerimônia. Cassiano também virou nome de ruas, como em Bangu no Rio de Janeiro (RJ),
assim como nas cidades de São Bernardo do Campo (SP), Piracicaba (SP), Campinas (SP), Campo
Grande (MS) e Garanhuns (PE).

O programa “Vídeo Show”, da Rede Globo, criou em 1996 uma espécie de “Melhores do Ano” (voltado
apenas à teledramaturgia do canal) com o nome de “Prêmio Cassiano Gabus Mendes”. Foram
premiados artistas como Regina Dourado e Antonio Calloni. Um ano depois, Maria Adelaide Amaral fez
o remake de “Anjo Mau”, homenageando Cassiano ao final da trama.

No ano de 1999, o colaborador de Cassiano, Luís Carlos Fusco fez uma homenagem a seu antigo
mestre, utilizando seus ingredientes (principalmente a comédia) ao escrever a novela “Tiro & Queda”
para a Rede Record. No último capítulo, em 07 de fevereiro de 2000, ele encerra a trama com a
mensagem: “Este trabalho é dedicado à memória de Cassiano Gabus Mendes, com quem aprendemos
a grande arte de rirmos de nós mesmos…”

No ano de 2004, quando das festividades dos 450 anos de São Paulo, a Rede Globo fez a minissérie
comemorativa “Um Só Coração”. A trama, que contava a história da cidade, do ponto de vista de sua
evolução cultural, foi escrita por Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira. Os autores recriaram a

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inauguração da TV Tupi e Cassiano Gabus Mendes virou personagem. Uma homenagem singela ao
pioneiro.

Entre 17 a 19 de novembro de 2010 aconteceu em San Isidro, no Peru, o 8º Congresso Mundial da


Indústria da Telenovela e Ficção. Lá estavam presentes os principais veículos de comunicação do
mundo, mas principalmente os da América Latina. O grande homenageado do congresso foi Cassiano
Gabus Mendes, tendo o Doutor em Teledramaturgia da USP, Mauro Alencar, recebido o galardão que
enaltece os préstimos de Gabus Mendes à teledramaturgia latinoamericana. Alencar discursou sobre a
importância dos remakes de novelas de sucesso, enfocando principalmente o trabalho de Maria
Adelaide Amaral naquele ano, com a nova versão de “Ti Ti Ti” (2010), que a atualizou e reuniu a trama
com outra de Cassiano: “Plumas e Paetês”, com personagens de várias outras novelas de Gabus
Mendes participando da trama. Foi uma “novela-homenagem”. Desfilaram vários personagens antigos.
Mário Fofoca, Divina Magda... No final da novela, Maria Adelaide ainda homenageou Helenita Sanches,
quando o personagem de Nuno Leal Maia disse em cena: “Passei a usar o nome Cassiano a conselho
de uma numeróloga famosíssima, Madame Lenita, muito amiga minha” – Helenita adora numerologia.

O Canal Viva, da NET / Globosat, em comemoração aos seus dois anos de existência, reprisou “Que Rei
Sou Eu?”. Foi um sucesso de audiência no canal pago, a partir de 02 de maio de 2012. No ano
seguinte, 2013, o mesmo canal lançou a série “Grandes Atores”. Nos vários perfis, estava o de Cassio
Gabus Mendes, que homenageou o pai. Entre outras palavras disse:

- Cassiano Gabus Mendes foi, realmente, a referência da minha vida. Além de ser meu pai, foi meu
guru, até onde pôde e foi quem me deu a minha primeira chance na televisão.

Em outubro de 2012, Cassio Gabus Mendes foi surpreendido com uma homenagem ao pai na novela
“Lado a Lado”, em que interpretava Bonifácio Vieira. No cenário da novela global, apareceu um grande
quadro do patriarca da família Vieira – colocaram Cassiano Gabus Mendes, com roupa do século XIX (a
novela se passava nas primeiras décadas do século XX). A ideia partiu da produtora de arte da novela,
Nininha Médicis, e do diretor da trama, Dennis Carvalho. Foi uma fotomontagem em cima de uma
fotografia de Pereira Passos, pintada pelo artista plástico Sidney Lessa. Cassio Gabus Mendes
comenta175 sobre a emoção que teve ao ver o quadro:

- Antes de começarem as gravações o Dennis e a Nininha tinham me pedido uma foto que eu pudesse
ceder, pra que fosse colocada no escritório, num porta retrato. No meu primeiro dia de gravação no
estúdio, a Nininha me chamou pra mostrar alguma coisa. O quadro estava coberto, mas quando ela
tirou a capa e eu vi a pintura... Foi uma homenagem que eu realmente não esperava. Fiquei muito feliz!
– no final da novela, a Globo deu de presente o quadro ao ator.

175
“Pai de Cassio Gabus Mendes é homenageado na sala de Bonifácio Vieira” (Portal G1, 04/10/2012).

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Em 2015, Cassiano Gabus Mendes foi relembrado em matéria sobre a estrutura de "I Love
Paraisópolis" (novela das sete da Globo). Os autores Alcides Nogueira e Mário Teixeira disseram que
utilizam da receita de terem personagens fortes do sexo feminino e o uso da comédia, para emplacar a
trama. Alcides Nogueira comentou176:

- Desde a sinopse, estamos tentando preservar coisas que a gente herdou do Silvio e do Cassiano, ao
incorporar o novo discurso, a nova leitura, a agilidade. É a mescla do folhetim com essa linguagem
mais circular, de uma situação que aparece, vem e se fecha, a cada semana.

No dia 19 de setembro de 2015, na Biblioteca Latino-Americana Victor Civita, no Memorial da América


Latina, Cassiano Gabus Mendes recebeu uma grande homenagem, durante a comemoração dos 65
anos da TV brasileira e 20 anos da Pró-TV, associação que reúne todos os profissionais da área,
inclusive os pioneiros como ele. A cerimônia foi promovida pela entidade, com o depoimento de amigos
e a presença da família de Cassiano. Foi lançado na ocasião a biografia “Gabus Mendes: Grandes
Mestres do Rádio e Televisão”, do radialista Elmo Francfort. Esta que você lê agora.

E não pára por aí. Cassiano Gabus Mendes jamais será esquecido.

176
“Trama é fiel à receita de comédia das 7” (Cristina Padiglione, O Estado de São Paulo, 22/03/2015).

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Para sempre, Gabus Mendes

Toda história tem um começo, um meio e um fim. Só que há tramas que de tão boas, mas tão boas
mesmo, merecem uma continuação.

Octávio Gabus Mendes fez brotar a arte em suas veias. Cassiano fez o sangue correr ainda mais. Hoje
os atores Tato e Cassio, netos de Octávio e filhos de Cassiano, dão continuação à história. Depois da
partida de Cassiano, transformaram-se ainda mais. Um ano depois da morte, em 1994, Tato arrancou
gargalhadas como Alcebíadas em “Quatro Por Quatro” e continuou uma trajetória de sucessos. Fez até
o remake de “Ti Ti Ti” (2010), do seu pai. Recentemente, em “Império” (2014), fazia o telespectador
morrer de rir como Severo. Sua filha Luísa já começa a ensaiar os passos de atriz. Já Cassio, o
“Cassianinho”, continuou em frente. Também só importantes papéis, do drama ao humor, de época ou
atuais. Foi Chico Mendes, na minissérie “Amazônia” (2007) e recentemente Evandro, de “Babilônia”
(2015). Acabaram também se enveredando para o cinema: paixão do avô e do pai. E o tio? Ah, Luis
Gustavo também na mesma trilha. Seu Tatá virou “Vavá” no seriado dominical “Sai de Baixo” e em
2010 ressuscitou Mário Fofoca no remake de “Ti Ti Ti”. Helenita continua bem e seguindo em frente. O
mais importante é que a lembrança, os bons momentos, esses nunca passarão. Seguirão em frente,
abraçados pelos tantos amigos e colegas de uma área que Octávio criou a base e Cassiano fez
acontecer. Estamos todos escalados para uma missão maior. Levemos uma força indômita, presente
em colegas, como Laura Cardoso. Ela nos fala dessa escalação:

- Sabe quando a gente vê o nome, assim, pregado numa lousa, na parede? Sabe assim: “será que eu
vou ser escalada? Será que vão me escolher pra fazer esse personagem?” Ia todo mundo na Tupi, na
segunda ou na terça-feira, dar uma olhada lá no quadro de escalação. Era pra ver se o seu nome estava
lá escrito. “Olha eu vou fazer essa e o cara vai fazer fulano”. Era muito importante você estar escalada,
você fazer parte. A Pró-TV é um pouco disso. A Vida Alves é guerreira, ela quer juntar as pessoas, quer
que as pessoas colaborem, que falem, que vejam e faz reuniões. É uma escalação você ser escolhido
especialmente para tal tarefa.

É da Associação Pró-TV que ela fala, cujo maior objetivo não é apenas preservar a memória do rádio e
da televisão, mas também os ideais plantados por profissionais como Cassiano Gabus Mendes e seu
pai Octávio. A escalação de Cassiano, na inspiração dada à Vida Alves, no seu último dia entre nós, é
sem dúvida plantada e semeada a cada novo dia. Muitos visitantes em nossa sede no Sumaré, ou no
complexo Cidade da TV em São Bernardo do Campo... Levamos também muitas das obras de Cassiano
Gabus Mendes para o país todo, através da exposição “60 Anos da Telenovela Brasileira”, com a Rede
Globo (300 mil visitantes), e depois para o mundo, com a mostra “A História da Telenovela Brasileira”,

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com a Globo Internacional. Lembro muito bem os cuidados ao manusear o figurino de Victor Valentim e
pensar na importante de quem criou tudo aquilo. Levamos também ao interior de São Paulo, “Marcos
da Televisão Brasileira”, exposição intinerante com a imagem de Dermival Costa Lima e Cassiano
Gabus Mendes no painel inicial. Construímos muito, mas há ainda muito o que se construir.
Conseguimos criar o “Dia Nacional da TV”, 18 de setembro, data em que Cassiano começou
oficialmente sua maior aventura, com os colegas na Tupi, em 1950.

Muitos passaram pela Pró-TV e nos apoiaram. Mas acabaram partindo para outro estágio, para a “TV
Celestial”. Pioneiros, como Antônio Abujamra, grande amigo de Cassiano. Ele estava na lista dos que
seriam entrevistados para esse livro. Infelizmente não deu tempo e faleceu em 28 de abril de 2015. “In
memoriam” é também dedicada essa obra ao “Abu”, o provocador. Ainda assim, fica aqui um registro
de um de seus últimos e-mails para nós. Ele sintetiza bem o sentimento da associação:

- “Estou aí com vocês, todos, com nós todos.


Ajudarei sempre e nos amaremos sempre.
Beijos e tudo dará certo, porque merecemos.
Abu”.

Comecei na Pró-TV muito novo, há mais de uma década, sempre apoiando a Vida. Pela minha pouca
idade chegaram a me perguntar: “Mas você? Você dá conta disso?” E eu respondi: “Se o primeiro
diretor artístico da televisão tinha pouco mais que 20 anos quando criou tudo isso, o que me impede?”
Já era Cassiano de quem falava, a quem eu já admirava. Sabia de sua importância, contada por tantos
colegas e familiares que o conheceram, trabalharam com ele. Lembro de assistir também às novelas,
rir de seu humor e ficar preso em frente à televisão até o final dos capítulos. Aquele final de “O Mapa da
Mina” foi triste demais. Lembro até hoje. Era mais que o final de uma novela que deixava saudade, mas
tornar-se órfão de possíveis novas novelas que poderiam surgir a partir dele. Acabei por virar roteirista e
tomar gosto pela escrita, pelas palavras – mesmo sendo de uma família de “diretores de TV” como
Cassiano. Eu desejo que esse livro não seja apenas para fazer justiça a ele e a seu pai, mas para que
também mostre a importância daqueles que levantaram a bandeira, deram seu suor. Os pioneiros dos
primeiros cinquentas anos da televisão (muitos reunidos na Pró-TV). Que seja também para refletir e
pensar o papel da nossa comunicação, a profundidade da histórias, dos enredos, do conteúdo no rádio
e na televisão. Hoje estamos pensando na Era Digital, onde o princípio da mudança e da convergência
é a mesma base dos pioneiros.

Esse livro foi obra de muita gente. Depoimentos antigos, outros novos (obrigado a todos!). Matérias,
reportagens, vídeos. Apoio até de emissoras, dos colegas de área, da Pró-TV (sem palavras à Vida Alves
e seu apoio essencial a essa obra, dando seus “palpites”, relembrando fatos, analisando capítulo a
capítulo, enriquecendo com suas lembranças, como testemunha ocular dos fatos), de minha família (a

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começar por Marcela, minha esposa, grande colaboradora, meus pais e meus tios). Mas e eles? Sim. O
apoio da família Gabus Mendes: Cassio, Tato, Helenita, Lidia, Tatá, Cris... Missão cumprida! E comprida!

O tempo vai passar, mas as ideias, essas, nunca morrerão. Cassiano, Octávio, a criatividade nunca
morrerá. Prometo. Obrigado pela confiança. À vocês, nossos grandes mestres, com carinho.

Elmo Francfort (setembro, 2015)

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Contracapa

Gabus Mendes: Grandes Mestres do Rádio e Televisão

Conheça a história da família Gabus Mendes, de 1906 a 2015. Essa é uma biografia conjunta, que
narra a trajetória de Octávio e Cassiano Gabus Mendes, pai e filho. Eles criaram a base do rádio e da
televisão de hoje. Octávio revolucionou o rádio e impulsionou o cinema brasileiro, escrevendo roteiros
para televisão antes mesmo dela existir no Brasil. Já Cassiano foi o primeiro diretor artístico de TV do
hemisfério Sul. Foi o "Mago das Sete" das novelas. Criou histórias como “Beto Rockfeller”, “Anjo Mau”,
“Locomotivas”, “Ti Ti Ti” e “Que Rei Sou Eu?”. Conheça aqui os bastidores de cada uma delas. Se você
trabalha ou assiste televisão, ouve rádio, esse livro é para você. A história dessa família reconta a de
muitos personagens da mídia, entre os quais, os 140 depoentes que relembram os Gabus Mendes
nessa obra. Boa leitura!

"Nosso agradecimento sincero a todos que colaboraram na criação deste projeto! Foi com muito
orgulho e uma alegria imensa que lemos este livro, porque finalmente se fez justiça às realizações de
nosso pai que dedicou sua vida à família e ao trabalho que tanto amava. Cassiano, assim como nosso
avô Octávio, foi um homem simples, um gênio, pioneiro no desenvolvimento da televisão brasileira. Que
a sua dedicação e genialidade na evolução da teledramaturgia, fique para sempre na memória dos
amigos, profissionais e telespectadores que com ele conviveram! Saudades!” (Tato Gabus Mendes e
Cassio Gabus Mendes)

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Orelhas do livro

ELMO FRANCFORT

Elmo Francfort Ankerkrone é radialista (foi roteirista de programas, como “Todo Seu”, de Ronnie Von e
“TV História”), pesquisador, jornalista, professor universitário da FAPSP, pós-graduado em Comunicação
Empresarial e pós-graduando em Marketing, na Faculdade Cásper Líbero. Está na Pró-TV desde 2002 e
é coordenador de seu Centro de Memória. Fez a curadoria de exposições como “60 Anos da Telenovela
Brasileira” (Rede Globo, de Porto Alegre a Manaus), “A História da Telenovela” (Globo Internacional) na
Europa e “Marcos da TV” (Secretaria da Cultura). É autor de “Rede Manchete: Aconteceu, Virou
História”, “Av. Paulista, 900: A História da TV Gazeta” e “Televisão em 3 Tempos”. Em dramaturgia já
escreveu 2 peças e 3 curtas. Francfort já trabalhou com os principais canais de TV. Saiba mais:
www.elmofrancfort.com.br
elmo@francfort.com.br

CITAÇÕES

“Octávio Gabus Mendes e Cassiano eram geniais” (Laura Cardoso)

“Cassiano para mim era como um mito” (Silvio de Abreu)

“Gabus Mendes fez a televisão” (Maria Adelaide Amaral)

“Cassiano foi o primeiro diretor com visão de absolutamente tudo. Nosso primeiro Boni” (Susana Vieira)

“Devo muito dessa inspiração a Cassiano Gabus Mendes” (J.B. Oliveira Sobrinho, Boni)

“Meu grande amigo, aprendi muito com ele” (Lima Duarte)

“Octávio, Cassica e os meninos são todos geniais” (Luis Gustavo)

“Meu grande mestre: Cassiano Gabus Mendes” (Eva Wilma)

“A televisão brasileira deve muito a ele e, por conseguinte, a televisão mundial” (Elizabeth Savalla)

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