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RICARDO CRAVO ALBIN

ORGANIZAÇÃO

VI CIUS
DEMORAES
VINÍCIUS «

DEMORAES

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À GUISA DE PREFÁCIO

Ricardo Cravo Albin


Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin

Há alguns mortos - agregados ao nosso afeto - que ao longo do tempo deixam

mais saudades que outros. Vinícius de Moraes, por exemplo, é um desses que,
trinta anos depois da morte, continua a me fazer muita falta. O poeta foi cele-
brado no segundo semestre de 2010 no Salão Nobre do Palácio do Itamaraty

em memorável noite, com cerimónia, coquetel e exposição a que ocorreram

o corpo diplomático acreditado em Brasília e o Ministério do Governo Lula.

Vinícius deixou, além da grande poesia e da bossa nova, um legado singular

aos que o conheceram: a vontade sistemática de tê-lo por perto e a ausência

persistente de sua presença luminosa, generosa, oportuna.

A consagração oficial ao poeta ocorreu ao finalzinho do mês de agosto, oca-

sião em que ele resplandeceu mais uma vez. E ali - na solidão do Planalto,

que ele cantou com Tom na Sinfonia de Brasília (de 1959, a convite de
VINÍCIUS
DEMORAES

Juscelino), seus amigos e devotos nos sentimos reparados da brutalidade do

AI-5 de 1 968, que destituiu o primeiro-secretário Marcus Vinícius da Cruz

de Mello Moraes da carreira diplomática.

Lula assinou - depois de cerimónia onde rolaram lágrimas de muitos de nós

- a lei que o transformou em Embaixador do Brasil. Nada mais justo, legíti-

mo e restabelecedor. Sim, até porque nosso poeta sempre foi Embaixador de

fato. Onde ele chegava, em qualquer cidade do mundo, era saudado como

representante da cultura, da poesia, da literatura e da música do Brasil. O


projeto de lei - sugerido por Celso Amorim e sancionado pelo Presidente

Lula - mereceu rápida tramitação no Congresso Nacional. Pressionado que

foi por abaixo-assinado de milhares de assinaturas promovido pelo Instituto

Cravo Albin e amparado pela Fundação Alexandre de Gusmão do Itamaraty,

à frente o atento e operoso Embaixador Jerónimo Moscardo.

Agora Vinícius, que já é rua em Ipanema - a mesma onde ele e Tom viram/

cantaram a Garota de Ipanema -, está por receber mais dois afagos da cidade

onde nasceu e morreu em estado de amor: a praça que faceia o velho palácio

do Barão do Rio Branco deverá portar seu nome antecedido pelo justíssimo

título: Embaixador. O outro é o Corredor Cultural Vinícius de Moraes, ligan-


do o Bar Villarino (onde ele conheceu Tom, apresentado pelo crítico Lúcio

Rangel) ao Petit Trianon da Academia Brasileira de Letras.


Este livro pretende ser um marco formal desses acontecimentos todos, a

partir de uma saga, uma trama, um alarido, um clarão talvez, em torno do

silêncio que jazia sobre morto queridíssimo. O Instituto que o edita registra

aqui seu reconhecimento a três parceiros de excelência. À FINEP, que sob

a presidência do académico Luís Fernandes (professor da PUC Rio) tornou

possível sua edição. À FAPERJ, também presidida pelo académico (médico)

Ruy Garcia Marques, que fez questão de tornar possível os belos discos nela

agregados. Finalmente, uma palavra final ao Itamaraty, cuja Fundação Ale-

xandre de Gusmão (através de Jerónimo Moscardo e de Márcia Alves) foi o

palco inicial (e final) das gestões que consagraram o Poeta como Embaixador

da República.
VINÍCIUS
DEMORAES

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SUMARIO

I. À GUISA DE PREFÁCIO 7

II. VINÍCIUS, EMBAIXADOR DO BRASIL


O ARAUTO DE SUA MÚSICA 15

III. UM VERBETE DE HONRA NO DICIONÁRIO CRAVO ALBIN


EM 51 TÓPICOS 105

IV. PALAVRA DOS COLEGAS EMBAIXADORES 151

TESTEMUNHO HISTÓRICO DO CHANCELER


QUE AUTORIZOU O PROCESSO DE PROMOÇÃO 153
Celso Amorim

DEPOIMENTO DO Embaixador AffonsoArinos de Mello Franco 157

TURMA VINÍCIUS DE MORAES DO INSTITUTO RIO BRANCO


PARA NOVOS DIPLOMATAS DO BRASIL 169
2001-2003

v. MANUSCRITOS DE VINÍCIUS (cartas) 175


3

vi. O AFETO DOS DOS ENTES QUERIDOS 180

SÍNTESE DE TESTEMUNHO FILIAL 183


Luciana de Moraes

VINÍCIUS, PARA SEMPRE EMBAIXADOR DO AMOR 184


Gilda Mattoso

A PRESENÇA DE VINÍCIUS 189


Haroldo Costa

vil. PROCESSO DE EXPULSÃO E RESGATE 192

BERNARDO DE MELLO FRANCO 195

VIII. PROMOÇÃO POST MORTEM 21

CERIMÓNIA DE CONSAGRAÇÃO, EM BRASÍLIA,

DO EMBAIXADOR DO BRASIL 214

ix. DVD E CD: IMAGENS, FALAS E MÚSICAS


EM REGISTROS HISTÓRICOS E ÚNICOS 223
i
EMBAIXADOR DO BRASIL
O ARAUTO DE SUA MÚSICA

Ricardo Cravo Albin

Dizer-se que a música popular brasileira é devedora - e muito - da poe-

sia e da presença de Vinícius de Moraes é quase lugar comum, repetido à

exaustão em todos os manuais escolares. Menos usual, contudo, é dizer-se

que se deve também à passagem de Vinícius pela MPB a inconveniência

do apelido, poetinha, que lhe fora pespegado ao começo dos anos 60 por

duas razões. A primeira, pela maneira renitentemente carinhosa do poeta

em usar e abusar do diminutivo "inho", aplicado a amigos, parceiros e até

objetos do seu universo afetivo, como, por exemplo, o uisquinho, ou a cer-

vejinha. E, finalmente, porque alguns amigos seus, jornalistas e cronistas do

porte de Sérgio Porto e António Maria, começaram a acarinhá-lo em citações

e até crónicas pelo diminutivo, no exato momento em que sua popularidade

pessoal subia à estratosfera, alavancada pela consagração mundial da bossa

nova a partir de 1962.


Eu sempre considerei a palavra "poetinha" preconceituosa. De início, ela

era um afago apenas admissível aos mais íntimos. Depois, contudo, passou a

ganhar a força dramática do próprio diminutivo, servindo, muitas vezes, para

uma interpretação caolha e até maligna da obra, da poesia e até da pessoa

do grande poeta, um ser humano superlativo. Ou seja, a ideia de "poetinha"

passaria a ser aviltante, quase sinónimo, para muitas pessoas, de poeta deca-

dente, de bicão da literatura, de pândego, até de bufão de parolagens ou de

festas etílicas em que se celebrassem, noite e dia, a indigência intelectual e

as farras mais grosseiras.

Ao menos, nessa exata acepção de menosprezo e repugnância, a palavra "poe-

tinha" teria sido dita pelo General Presidente Costa e Silva ao então Ministro

das Relações Exteriores José de Magalhães Pinto, quando o desligou da carrei-

ra diplomática. Um caudilho de ocasião cortava-lhe abruptamente a profissão,


que ele cumprira décadas a fio e da qual retirava seu sustento pessoal. Com
efeito, tendo em vista o que constava do processo MRE 312.4/69, Vinícius
Logo do I Festival da Música
Popular Brasileira (Rio) foi aposentado em 29 de abril de 1969 pelo Ato Institucional no 5 de 13 de
Ilustração: Ziraldo- 1966
Coleção Instituto Cravo Albin dezembro de 1968, como Primeiro Secretário da Carreira de Diplomata.

Ei! Tem jangada no mar

Eh! eh! eh! Hoje tem arrastão


< S
Eh! Todo mundo pescar

Chega de sombra e João Jô viu.


O ato colocava um ponto final a uma série de insatisfações do poeta com o

governo militar que se encastelara no poder desde 1964. O fato é que nesse

período -1964 a 1969 - o reconhecimento público a Vinícius como com-

positor e cantor elevara-o a uma posição única. Ele era não apenas o grande

poeta de antologia, incensado pela crítica e pelos cadernos literários, mas

também uma sólida liderança no meio musical do país, que vivia então um
momento culminante, galardoado pelos polémicos festivais da canção. Essa

febre dos festivais começara nos meses iniciais de 1965, quando a televisão

Excélsior de São Paulo lançou o primeiro deles, cujo ganhador seria, nada

mais, nada menos, que Vinícius. A música intitulava-se "Arrastão" e nela o já


Edu Lobo
consagrado letrista lançou Edu Lobo, um jovem cantor e compositor de qua- Arquivo Jornal O Dia
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VINÍCIUS
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se 20 anos, filho do seu amigo de tertúlias musicais desde o começo dos anos

50, o jornalista e compositor pernambucano Fernando Lobo. A intérprete da

música foi a cantora gaúcha Elis Regina, também apadrinhada por Vinícius e

cuja popularidade, que era nenhuma, começou a subir em nível meteórico,

fazendo dela uma estrela de primeira grandeza em poucos meses.

Para surpresa geral, e também para consagração de Vinícius, o segundo lugar

do mesmo festival ficou com "Valsa dos anos que não vêm", interpretada

pela cantora Elizeth Cardoso e que era uma parceria sua com Baden Powell,
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violonista excepcional com quem ele começara a fazer música três anos Gilberto Gil
III Festival da Canção (Rio), 1968
antes. Aliás, esses festivais de música popular ajudaram muitíssimo a conso- Coleção Jornal Correio da Manhã
Arquivo Nacional
lidar os novos talentos que neles viam a possibilidade única de se lançarem

para todo o país. E pela porta dos festivais, tantos os do Rio quanto os de São

Paulo, consolidaram-se nomes como Edu, Chico Buarque (A Banda, 1966,

Record -
São Paulo), Dori Caymmi - Nelson Motta (Saveiros, 1966, FIC -

Rio), Milton Nascimento (Travessia, 1967, FIC -


Rio) e muitos outros como

Caetano e Gil, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Ivan Lins, Gonzaguinha,

Aldir Blanc, dentre tantos.


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VINÍCIUS
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Vinícius, é verdade, só ganharia o primeiro dos festivais, mas sempre esti-

mulava novos e antigos parceiros a inscrever suas músicas. O último dos

grandes festivais, a meu juízo, seria o Internacional da Canção do Rio, trans-

mitido para o Brasil e para o mundo pela já poderosa Tevê Globo. Ali, travou-

se a batalha musical entre "Sabiá" (de Chico Buarque e Tom Jobim) e "Cami-

nhando" (de Geraldo Vandré). Vinícius estava no Maracanãzinho, torcendo

discreta mas fervorosamente pelos amigos e parceiros Tom e Chico. Em


determinado momento dirigiu-se ao júri, do qual eu fazia parte ao lado de

outros amigos dele, como Eneida, Paulo Mendes Campos, Ary Vasconcellos,
VINÍCIUS
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e me segredou com a doçura e delicadeza habituais: "- Olha, eu tenho cer-

teza de que você vota no "Sabiá" apenas pela qualidade inquestionável da

música. O meu medo é que os ânimos políticos estejam exarcebados e que

a Eneida ou o Paulinho (Mendes Campos) e até o Ary, ou mesmo o Alceu

Bocchino, votem politicamente no Vandré. E aí Tom e Chico se estrepam."

Vinícius concluiu com sabedoria sua fraterna recomendação: "Convença-os

de que politicamente nós todos estamos ao lado do Vandré. Mas musical-

mente nós temos que estar com Tom e Chico. E isso é um festival de música.
E se o público daqui quer a política e não a música, o público vai ficar ainda
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VINÍCIUS 23
DEMORAES

Milton Nascimento
Travessia
1978 -Som Livre

Milton Nascimento
recebendo o prémio
Galo de Ouro no
II FIC (Rio 1967, Travessia), das
mãos de Ricardo Cravo Albin

mais contra a ditadura se o júri der a música e não a política". Vinícius estava

certo, porque tudo o que previra foi o que aconteceu. Vandré perdeu, Tom e

Chico ganharam, embaixo da mais injusta vaia que registra a história da mú-

sica popular brasileira. E "Caminhando - Pra dizer que não falei de flores"

acabou por se transformar num dos estopins da decretação do AI-5, que fez Chico Buarque, Tom Jobim,
Cynara e Cybele
exilar centenas de brasileiros, inclusive boa parte dos envolvidos no festival. III Festival da Canção (Rio)
1968
Além de castrar a carreira diplomática do já considerado maior letrista da Coleção Manchete Bloch

MPB em seu tempo, o poeta Vinícius de Moraes.


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VINÍCIUS
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Esse embriagador interesse pela música popular chegaria muito cedo. Não

fossem seus pais músicos amadores - Clodoaldo era violonista e Lídia pia-

nista - eu ficaria tentado a considerar que o tio Henrique de Mello Mora-

es, boémio e melômano aficcionado por samba e choro, teria sido o maior

responsável em fazer registrar na alma do menino Vinícius toda a sedução

pela música popular carioca. Pois foi na casa dos pais, na Ilha do Governador,

onde a família Moraes passou a morar a partir de 1922 em busca de melho-

res ares para a frágil Dona Lídia, que o futuro poeta abriu os ouvidos - e o

coração - ao choro, à seresta, à valsa e ao samba. Posso testemunhar, num


encontro que promovi com Bororó, Pixinguinha e Vinícius no bar Gouveia

- lá pelos idos de 1967, 1 968 - que ouvi o poeta pedir a ambos que se recor-

dassem do repertório que era executado nos saraus da Ilha em 22, onde eles

iam levados pelo Mello Moraes. No que Pixinguinha cantarolou uma valsa
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VINÍCIUS
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- cujo nome me foge - os olhos claros de Vinícius foram ficando vermelhos

e encheram-se de lágrimas. Era a música preferida de Dona Lídia, que a

acompanhava ao piano enquanto o som da flauta de Pixinguinha adentrava

o jardim coberto de manacás, rosas e buganvílias. O som agudo perpassava

pelos tranquilos chalés da vizinhança e possivelmente chegava a atingir a

praia de Cocotá, onde passeavam namorados, bêbados ou pacatas donas de

casa, todos em busca do frescor da noite perfumada. Vinícius, no segundo

livro que publicou "Forma e exegese", em 1935, fala da Ilha do Governador

de sua infância:

"Esse ruído dentro do mar invisível são barcos passando

Esse ei/ou que ficou nos meus ouvidos são os pescadores esquecidos

Eles vêm remando sob o peso de grandes mágoas

Vêm de longe e murmurando desaparecem no escuro quieto."

Não seria essa, certamente, a Ilha de hoje, cercada por favelas onde se ho-

miziam quadrilhas de traficantes que se matam entre si. Vinícius jamais

poderia imaginar que seria aquela a mesma Ilha que hoje abriga o aeroporto

internacional, cujo nome é António Carlos Jobim, a maior dentre todas as

homenagens prestadas a seu parceiro, o primeiro e o mais famoso dentre

todos os demais.

Em 1924, pela mesma época que frequentava saraus na Ilha, Vinícius entrou

no Colégio Santo Inácio de Botafogo. Logo ingressaria no coro, confirmando


o encanto pela música. Foi ali que conheceu os irmãos Paulo e Haroldo

Tapajós, ambos igualmente tocados pelo fascínio da música popular. A tal

ponto que colecionavam os velhos e pesados discos 78 RPM de Aracy Cor-

tes, Vicente Celestino e dos Oito Batutas, formação orquestral liderada por

Pixinguinha. Paulo emprestava alguns desses discos a Vinícius, que os ouvia

com unção na "victrola" paterna, entre um e outro intervalo dos pesados de-

veres escolares do curso que já se aproximava do final. Em 1927, cursando

o último ano do Santo Inácio, Vinícius esboça sua primeiríssima tentativa de

fazer música popular pra valer. Formou, junto com Haroldo e Paulo Tapajós,

um conjunto que tocava em festinhas nas casas dos amigos. Curioso notar-

se que, pela mesma época, meninos um a três anos mais taludos formavam,

em outro ponto da cidade, Vila Isabel, o esboço inicial do "Bando dos Tanga-

rás", cujo núcleo estava também em colégio de padres, o São Bento.


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DEMORAES

O conjunto era liderado por um poeta precoce chamado Noel Rosa, que

logo depois injetaria toda sua veia poética exclusivamente na música po-

pular, e que tinha como parceiros Braguinha (o João de Barro) e Almirante.

Enquanto Noel compunha no Tangarás sua primeira música, "Minha Viola",

na forma matuta (então muito em voga pelo sucesso do conjunto "Turunas

da Mauricéia"), Vinícius estreava com um fox-trot bem ao gosto da música

americana. Chamava-se "Loura ou Morena". Portanto, em 1928, na flor dos

quinze anos, ele antecipava uma singular apetência em relação a todos os

tipos de mulheres:
Braguinha
(João de Barro)

Se por acaso o amor me agarrar Quero uma loura pra namorar l


Corpo bem Jeito, magro, perfeito

E o azul do céu no olhar Quero também que saiba dançar !

Que seja clara como o luar

Se isso se der, posso dizer '

Que amo uma mulher Mas se uma loura eu não encontrar

Uma morena é o tom l

Uma pequena, linda morena j


Meu Deus, que bom

Uma morena era o ideal \


Mas a loirinha não era mau ''

Cabelo louro vale um tesouro

E um tipo fenomenal \
Cabelos negros têm seu lugar Pele morena convida a amar

Que vou Jazer? |


Ah! eu não sei como é que vai ser Olho as mulheres, que desespero

Que desespero de amor '

E a lourinha, é a moreninha \
Meu Deus, que horror!

Se da morena vou me lembrar |


Logo na loura Jco a pensar |
Louras, morenas

Eu quero apenas a todas glorijcar Sou bem constante No amor sou leal

Louras, morenas, sois o ideal >


Haia o que houver Eu amo em todas, somente a mulher"
30
VINÍCIUS
0EM0RAES

O fox-trot, musicado pelo Haroldo Tapajós, seria gravado em 932


1 por Paulo

e Haroldo em dupla, iniciando historicamente as carreiras dos irmãos, espe-

cialmente Paulo, que jamais deixaria a música popular e o rádio. E, também,

é claro, de Vinícius de Moraes, cujo gosto pela MPB teria curta duração, ao

menos em seu início. Porque a partir dessa época, ele começa a priorizar a

literatura e a Faculdade de Direito, onde ingressou no ano seguinte, 1929.

Ali, no velho prédio do Catete, o poeta trava relacionamento com uma de

suas maiores influências, o romancista Octávio de Faria que, descobrindo e

incentivando sua vocação literária, acaba por afastá-lo aos poucos, embora

docemente, da sedução das vesperais e das noites de músicas, músicos e

Manuel Bandeira cantores. Ou seja, de tudo aquilo o que era considerado ao começo dos 30

a "boémia musical".

Octávio leva Vinícius a voos que ele considerava mais altos, o convívio com

os escritores e pintores. Era um outro viés de boémia, a "boémia intelectual".

Por essa época, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Mário de Andrade fi-

caram seus amigos. Este último, segundo o próprio Vinícius me testemunhou,

era um dos poucos amigos intelectuais que ao vê-lo sempre pedia opiniões a

ele, Vinícius, sobre a música popular carioca, seus cantores e compositores.


Em 1933, ano em que terminou os cursos de Direito e do CPOR (Centro de

Formação de Oficiais da Reserva), dá a lume seu primeiro livro "O caminho

para a distância", pela Schmidt Editora (do poeta Augusto Frederico Schmidt),

edição recolhida depois pelo autor. E lança também o fox "Dor de uma sau-

dade" (música de J. Medina), além de "Namorado da lua", "Canção para

alguém", "Diga, moreninha" e "Doce ilusão", todas com música de Haroldo

Tapajós, sendo duas delas gravadas e lançadas pela Victor, mas sem maiores

repercussões. A falta de reconhecimento público de suas músicas iniciais fez

o poeta dedicar-se com afinco à literatura, o que lhe permitiu prazeres mais

suculentos, como o prémio Felipe de Oliveira para o livro "Forma e Exegese",

concorrendo inclusive com Jorge Amado, aliás uma sua admiração. Foi, por-

tanto, a partir da literatura, e não da música, que Vinícius começou a ser

falado e reconhecido nos círculos intelectuais do Brasil, a partir dos anos 30,
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VINÍCIUS
DEMORAES

Orlando Silva

década, de resto, vertiginosa para o seu desabrochar público. Assim é que

em 1936, mesmo ano em que começa a brilhar com intensidade a estrela

daquele a quem Vinícius consideraria o maior cantor do Brasil, Orlando Sil-

va, o poeta é designado para a talvez mais incompreensível de suas funções,

a de censor cinematográfico. Representando o Ministério da Educação e

Cultura, ele terá sido o mais amável dos censores, liberando praticamente

todos os filmes. Em que quase sempre não era acompanhado pelos demais

colegas, rígidos e furibundos, como era mesmo de se esperar dos guardiões

da moral pública do regime autoritário instituído pela Constituição Polaca

de 1937. Vinícius se desvencilha das funções de censor quando, em 1938,

ganha uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura in-

glesa na Universidade de Oxford, de onde retornaria no ano seguinte, ao

eclodir a Segunda Grande Guerra.


VINÍCIUS 33
DEMORAES

Cármen Miranda

Chegando ao Rio em 1939, mergulha, como nunca, dentro da alma carioca

que, apesar do começo da guerra, resplandecia na música popular. Afinal,

o Rio vivia as rebarbas da época de ouro, que trouxe a opulência do rádio e

do disco elétrico, além de centenas de canções que varavam o Brasil como

setas sonoras, projetadas por um exército cada vez maior de compositores

e intérpretes. Cármen Miranda era a estrela absoluta do rádio, do disco e

do Cassino da Urca. Vinícius chegou até a ajudá-la, em 1939, na tradução

das conversas entre ela e seu descobridor para o estrelato internacional, o

produtor da Broadway Lee Schubert. Nas incursões por dentro da música

popular, aliás, Vinícius tinha um passaporte fixo, seu tio Mello Moraes, dono

de sólido prestígio junto a todo o universo musical carioca, que ia das esta-

ções de rádio e dos cassinos da Zona Sul às biroscas e tendinhas das fraldas

dos morros cariocas, especialmente o da Mangueira, a lendária Escola de

Samba de Cartola, Zé Com Fome (o Zé da Zilda) e Geraldo Pereira. Viní-

cius, aparentemente não escrevendo mais para a canção popular, mergulha

de corpo e alma na noite carioca. Por essa época faz uma crónica que era

testemunho do seu interesse pela MPB e cuja história lhe fora soprada por

um jovem colega seu do Itamaraty, o mais tarde embaixador e académico

Affonso Arinos.

Cartola
Caricatura: Lan

1975
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VINÍCIUS
DEMORAES

Intitulada "Samba de Breque", a página narra uma historinha singular: o

colega subia a Lopes Quintas, onde os pais de Vinícius moravam, e ao passar

por uma pequena vila ouve o som de um cavaquinho, irrequieto e saltitante.

O jovem pára, hipnotizado pela magia do instrumento executado, e resolve

adentrar a casa. Depara-se, contudo, com uma cena insólita. No meio da sala

um pequeno caixão de defunto era velado por senhoras cabisbaixas e solu-

çantes. Ele olha a cena e, constrangido, prepara-se para sair, quando a mãe

da criança-defunta, toma-lhe pelo braço e o leva a um outro aposento, onde

o cavaquinista - olhos injetados pela vermelhidão do sofrimento - pede que

ele fique alguns minutos mais, porque tem uma coisinha para lhe mostrar.

Perplexo, o jovem ouve o pai do menino morto cantar, entre soluços, o seu

novo samba de breque, acabado de compor:

"A minha mulher sem fala E no ambiente flores mil

E sobre a mesa |
Todo vestido de anjinho

Manduca, meu filhinho |


Tinha esticado o pernil."

E aí o homem dava uma paradinha, respirava fundo e finalizava com o bre-

que surpreendente, quase insultuoso, não fosse a acachapante ingenuidade

do compositor popular:

"O meu filhinho Já durinho Geladinho..."


Em 1941, Vinícius de Moraes abraça uma outra profissão, a de jornalista,

empregando-se como crítico de cinema no jornal "A Manhã", mas colabo-

rando também no seu suplemento literário e ainda na revista "Clima", diri-

gida pelo crítico António Cândido.

O espírito ardente e inquieto de Vinícius logo o faria envolver-se em uma


polémica sobre cinema, cujas raízes estavam em intelectuais franceses: ele

começa a defender, apaixonadamente, a integridade estética do cinema

mudo de dez, quinze anos antes. A polémica se espalhou e a Vinícius ficaria


36
VINÍCIUS
DEMORAES

pespegado, por algum tempo, o rótulo de "crítico reacionário e passadista".

Aliás, essa paixão pela imagem - e pelo cinema - marcaria seu primeiro

casamento com Beatriz Azevedo de Mello Moraes, a Tati, intelectual de

esquerda e ela também crítica de cinema durante muitos anos seguintes. Os

filhos do casal, Susana (1940) e Pedro (1942) vieram a abraçar a imagem, a

primeira seria cineasta e o segundo, fotógrafo.

Enquanto Vinícius desenvolvia sua polémica atuação de crítico de cinema,

começa a preparar-se para aquela que seria a sua verdadeira profissão, de-

pois, é claro, de poeta, escritor e boémio: a de diplomata. Aconselhado por

Oswaldo Aranha, Vinícius resolve prestar exames para o Itamaraty.

A escolha da diplomacia não lhe terá sido uma súbita paixão ou uma vo-

cação irresistível. Antes, a vida diplomática lhe propiciaria a paz neces-

sária para elaborar sua obra e também, por que não?, para consolidar a

repercussão internacional que sua poesia já esboçava. O Itamaraty, pois,

foi uma escolha pragmática, e não apaixonada. Até porque Vinícius, em


nenhum momento, deixou de ser o poeta, o escritor, o espírito livre de

amarras, ante qualquer circunstância funcional. Especialmente naquela


que eu considero como sua última fase de diplomata, a do reconheci-

mento público como estrela da música popular, que vai de 1956 - com a

encenação de "Orfeu da Conceição" e com o início da parceria com An-

tónio Carlos Jobim - até 1969, quando é aposentado compulsoriamente

pelo Ato Institucional n° 5. Já a primeira fase do diplomata Vinícius é mais

amena, aquela que vai de sua nomeação em 1 943 sua entrada definitiva

como compositor de música popular, em 1956.


Orfeu da Conceição
(Tragédia Carioca)

VINÍCIUS DE MORAES
A PROPÓSITO DE ORFEU DA CONCEIÇÃO

As datas de saída deste livro

no Teatro Municipal desta cidade, de "Orfeu


e da estreia,
ORFEU
da Conceição" são propositadamente coin-
DA
cidentes. É uma espécie de festa que me CONCEIÇÃO
deu, pois não me foi fácil escrever a peça,
(TRAGÉDIA CARIOCA)
e muito menos encená-la. Há 16 anos, uma
(Peça premiada do concurso de teatro do
certa noite em casa do arquiteto João Leão,
IV Centenário de São Paulo)

a cavaleiro do Saco de São Francisco, de-


*
pois de ler uma velha mitologia o mito grego 2." EDIÇÃO

Orfeu, dava eu início aos versos do primeiro

ato, que terminei com a madrugada raiando


sobre quase toda a Guanabara, visível da

minha janela. Só em Los Angeles, 6 anos 1960


LIVRARIA SAO JOSÉ
depois, consegui encontrar o segundo e o RID DE JAKEISO

terceiro atos, sendo que este último perdi-o,

só indo refazê-lo em 1953 quando, a instân-

cias de meu amigo e poeta João Cabral de

Mello Neto, resolvi concorrer ao Concurso

de Teatro do IV Centenário de São Paulo.

É difícil prever o destino de uma peça de A PROPÓSITO DE "ORFEU DA


CONCEIÇÃO"
teatro, sobretudo quando foi, como esta,

ensaiada em três meses apenas, por con- As datas de saída deste livro e da estreia, do

Teatro Municipal desta cidade, de "Orfeu da Con-


tingências dos meus deveres de diplomata ceição" são propositadamente coincidentes. É uma espé-

cie de festa que me deu, pois não me foi fácil escrever

com data certa para regressar ao posto. Três a peca, e muito menos encená-la. Há 16 anos, uma
certa noite em casa do arquiteto Carlos Leão, a cava-

meses realmente heróicos, em que uma leiro do Saco de São Francisco, depois de ler numa
velha mitologia o mito grego de Orfeu, dava eu início

equipe de seis (o diretor Leo Jusi, e cenó- aos versos do primeiro ato, que terminei coro a madru-
gada raiando sobre quase toda a Guanabara, visível

grafo Oscar Niemeyer, o compositor António de minha janela. Só em Los Angeles, 6 anos depois,
consegui encontrar o segundo e terceiro atos. sendo
Carlos Jobim, a figurinista Lilá de Moraes, que este último perdi-o, só indo refazé-lo em 1953
quando, a instâncias de meu amigo o poeta João Cabral
a coreógrafa Lina de Luca e o pintor Carlos de Mello Neto, resolvi concorrer ao Concurso de Teatro
do IV Centenário de São Paulo.
Scliar) criou condições para um elenco de
É difícil prever o destino de uma peça de teatro,
sobretudo quando foi, como esta, ensaiada em três
45 figuras, com 10 atores principais, pisar
meses apenas, por contingências dos meus deveres de

em cena, depois de um exaustivo trabalho


13

em que há que salientar primeiro a coragem

e lealdade dos atores e logo em seguida a

capacidade de trabalho e devotamento do


diretor Leo Jusi. Mas a verdade é que deram

todos, cada qual no seu setor, o máximo. São


amigos meus, me merecem tudo - e eu lhes

sou devotadamente grato.


diplomata com data certa para regressa r ao posto.

Três meses realmente heróicos, em que uma equipe' de

seis (o diretor Leo Jusi, e cenógrafo Oscar Niemeyer,


o compositor António Carlos Jobim, a figurinista Lua Dentro de uma semana, às 9 da noite, no
de Moraes, a coreógrafa Lina de Luca e o pintor Carlos
Scliar) criou condições para um elenco de 45 figuras, Teatro Municipal, cessarão todas as nossas
com 10 atores principais, pisar em cena, depois de um
exaustivo trabalho em que há que salientar primeiro agonias. Depois da "overture" para a grande
a coragem e lealdade dos atores e logo em seguida

a capacidade de trabalho e devotamente do diretor Leo orquestra, escrita por António Carlos Jobim
Jusi. Mas a verdade é que deram todos, cada qual no
seu setor, o máximo. São amigos meus, me merecem especialmente para a peça, o pano se abrirá
tudo — e eu lhes sou devotadamente grato.
Dentro de uma semana, às 9 da noite, no Teatro
sobre cenário de Oscar Niemeyer: dois ami-
Municipal, cessarão todas as nossas agonias. Depois da
"ouverture" para grande orquestra, escrita por António
gos muito queridos; duas obras que vivem a
Carlos Jobim especialmente para a peça, o pano se
partir daqui perfeitamente integradas com a
abrirá sobre cenário de Oscar Niemeyer: dois amigos
muito queridos; duas obras que vivem a partir daqui
minha peça. Luiz Bonfá estará executando,
perfeitamente integradas com a minha peca. Luiz Bon-
fá estará executando, da orquestra, o violão de Orfeu da orquestra, o violão de Orfeu da Conceição,
da Conceição, interpretado por Haroldo Costa: outros
dois amigos a quem aprendi a querer muito. Os atores interpretado por Haroldo Costa: outros dois a
portarão os figurinos feitos por uma estreante em teatro

como eu, como Oscar Niemeyer, como António Carlos quem aprendi a querer muito. Os atores por-
Jobim: minha mulher Lila de Moraes. £ as gentis
dançarinas dançarão os bailes que lhe foram marcados tarão os figurinos feitos por uma estreante em
por uma outra estreante como coreógrafa de teatro.
teatro como eu, como Oscar Niemeyer, como
António Carlos Jobim: minha mulher Lila de
Moraes. E as gentis dançarinas dançarão os

bailes que lhe foram marcados por uma outra

estreante como coreógrafa de teatro: minha

amiga Lina de Luca. E em tudo haverá uma


minha amiga Lina de Luca. E em tudo haverá uma
cõr, um desenho, um toque de Carlos Scliar: um cuja
cor, um desenho, um toque de Carlos Scliar:
amizade vem de longe.
Escravo de meus amigos, de quem tudo recebo um cuja amizade vem de longe.
e a quem tudo dou, agora pergunto eu : que maior
alegria?

E uma última palavra : esta peça é uma homenagem


ao negro brasileiro, a quem, de resto, a devo; e não Escravo de meus amigos, de quem tudo re-
apenas pela sua contribuição tão orgânica à cultura
deste pais, — melhor, pelo seu apaixonante estilo de cebo e a quem tudo dou, agora pergunto eu:
viver que me permitiu, sem esforço, num simples relam-
pejar do pensamento^OTitir no divino músico da Trácia que maior alegria?
a natureza de ura dos divinos músicos do morro çariocaT*)

Rio, 19-9-1956. — V. de M.
E uma última palavra: esta peça é uma home-

nagem ao negro brasileiro, a quem, de resto,

a devo; e não apenas pela sua contribuição

tão orgânica à cultura deste país, - melhor,

pelo seu apaixonante estilo de viver que me


permitiu, sem esforço, um simples relampejar
do pensamento, sentir no divino músico da

Trácia a natureza de um dos divinos músicos


do morro carioca.

RioJ9-9-1956.-V.deM.
40 VINÍCIUS
DEMORAES

Vinícius foi nomeado para o cargo inicial da carreira de Diplomata, Classe

J, do Quadro Permanente, por decreto de 10 de dezembro de 1943, assi-

nado pelo Presidente Getúlio Vargas e pelo Chanceler Oswaldo Aranha. No


dia seguinte, o chefe do Departamento de Administração, Carlos Alves de

Sousa, comunica à Casa a designação do poeta para a Divisão Económica e

Social, onde, em apenas um mês de serviço, recebe do Ministro Mário Mo-

reira da Silva as notas máximas (cem pontos) no processo de confirmação

dos funcionários recém-admitidos, aos quais eram conferidos pontos em


itens, até bizarros hoje, como discrição, pontualidade, iniciativa, urbanidade,

capacidade intelectual, disciplina, dedicação ao serviço, etc.

Aliás, em relação a dois desses itens, discrição e disciplina, Vinícius viu-se

metido em sério apuro dois anos depois de nomeado. O fato ocorreria no


limiar do processo de redemocratização de 1945. O escritor Aníbal Ma-

chado, cujas tertúlias literárias o poeta frequentava no casarão de Ipanema,

solicitou - como presidente da Associação Brasileira de Escritores - sua dis-

pensa de ponto no Itamaraty. Seriam dez dias, 22 de janeiro a 2 de fevereiro

de 1945, para integrar a delegação carioca junto ao Primeiro Congresso

Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo.

O Cônsul Vinícius foi ao Congresso com dois outros colegas de Ministério, o

Secretário Jayme Azevedo Rodrigues e o Cônsul Lauro Escorei de Moraes. Os

três tiveram o topete de assinar um manifesto em que, como funcionários de

carreira, pediam a volta do estado de direito e desancavam o próprio governo

a que serviam. O documento, amplamente publicado pela imprensa carioca

e paulista, provocou a fúria em alguns chefetes dos três diplomatas, que só

não foram demitidos porque isso poderia enfraquecer ainda mais o governo,

já cambaleante. Vinícius, instado por escrito pelo encarregado do expediente,

Ministro José Roberto de Macedo Soares, a confirmar suas declarações, res-

pondeu em seco memorando datado de 12 de março de 1945:

"Em resposta ao memorandum pelo qual pede-me Vossa Excelên-

cia informar se a inclusão do meu nome entre os signatários do

Manifesto da Associação Brasileira de Escritores é autêntica, te-

nho a honra de levar ao seu conhecimento que ela é autêntica.

Respeitosamente.

Vinícius de Moraes,

Diplomata, Classe J."


O Brasil efervescia em 1945, enquanto a guerra acabava. Vargas caía e todos

queriam passar o velho mundo a limpo. Vinícius também efervescia, ou

melhor, resplandecia na construção de novos poemas e na sofreguidão da

vida boémio -intelectual exercida em horas intermináveis nos bares Amareli-

nho, Vermelhinho e Vilarinho. Era o tempo da entrega aos amigos, onde ele

amadurecia e se tornava mais sábio no confronto das ideias, regadas pelo

convívio ameno e pela bebida abundante. Paralelamente ao circuito dos ba-

res em "inho" do centro da cidade (Amarelinho, Vermelhinho e Vilarinho)

e à doação aos amigos, Vinícius começa a marcar presença no jornalismo,

tornando-se cronista e esgrimindo sua velha paixão, a crítica de cinema. Em


1946, Vinícius é destacado para seu primeiro posto no exterior, Los Ange-

les, não sem razão capital mundial do cinema, sua permanente sedução.

Ali, Vinícius permaneceria entre 16/7/1946 a 5/9/1950, ocasião em que foi


44 VINÍCIUS
DEMORAES

Vinícius como Vice-Cônsul em Los Angeles, 1946.

designado Cônsul de 2 a classe, por antiguidade, apesar de ter sido sempre

avaliado com notas máximas por seu colega Sérgio Correia da Costa, intelec-

tual como ele e que lhe era a chefia imediatamente superior.


Logo que desembarca na Califórnia, Vinícius procura Orson Welles, a quem
conhecera nas noites boémias do Rio, especialmente no Cassino da Urca.

O ator e cineasta havia passado alguns meses no Brasil, tentando filmar o

inacabado "It's ali true", quando se encantou pelo carnaval carioca e pela

sedução dos ritmos brasileiros e de seus intérpretes. Vinícius foi logo dizen-

do que queria uma indicação para fazer um curso de cinema, ao que Welles

respondeu com sua voz grave, quase pastosa: "- Você não vai fazer nada

disso, que é perda de tempo. Quando eu filmar, eu lhe chamo e você apren-

de cinema de maneira direta. É mais inteligente." Dito e feito. Se Vinícius

não aplicou os ensinamentos práticos de Welles foi porque não quis, já que

Orson Welles
acompanhou toda a filmagem de dois clássicos do Orson Welles, A Dama
de Xangai (com Rita Hayworth, mulher do diretor) e Macbeth. Mas nem só

de cinema alimenta-se Vinícius em Los Angeles. O jazz entra em sua vida

através de mestres como Louis Armstrong e Dizzy Gillespie ou ainda da no-

víssima música que começava a aparecer nos Estados Unidos, o West Coast

Jazz, salpicada de estrelas jovens como Stan Kenton ou Chet Baker, músicos

que inspirariam os garotos da bossa nova no Rio a partir de 1957, 1958.

O pai Clodoaldo morre em 1950 e Vinícius resolve voltar ao Brasil, perma-

necendo lotado na Chancelaria, do final de 1950 até 1953. Convém regis-


Louis Armstrong
trar que em Hollywood, contudo, o poeta não só aproveitou para construir

sólidos poemas e conviver de perto com figuras do cinema que lhe eram

míticas, quase inacessíveis. Vinícius desenvolveu uma intensa amizade com

Cármen Miranda, a quem ele conhecia desde os tempos do Cassino da Urca.

Freqúentando-lhe a casa, mansão milionária plantada no setor mais exclusi-

vo das grandes estrelas do cinema em Beverly Hills, o poeta e diplomata con-

Dizzy Gillespie viveu, mesmo distante, com toda a atualidade da MPB. A casa de Cármen

era uma embaixada, viva e reluzente, por onde passavam quase todos os bra-

sileiros que iam dar em Los Angeles, especialmente compositores, músicos

e intérpretes ligados à cantora. De resto, seus amigos e admiradores do Rio

a mantinham informada de tudo que se passava no meio musical carioca.

Quando Vinícius resolveu retornar ao Brasil, um milionário americano, um


certo Mr. Buster - possível apelido jocoso pespegado a um certo amigo ame-
ricano mantido anónimo - disse-lhe que não compreendia como ele voltaria

para a Latin America pobre, tendo o direito de ficar um ano ainda em Los
Chet Baker
Angeles. O poeta, posto em brios, e esvaindo-se em saudades, não perdeu

tempo e fez um poema:


"Olhe aqui Mr. Buster: está muito certo que o senhor tenha um apartamento em ParkAvenue

e uma casa em Beverly Hills.

Está muito certo que em seu apartamento em ParkAvenue

O senhor tenha um caco de friso do Parthenon.

E no quintal de sua casa em Hollywood o senhor tenha um poço de petróleo

Trabalhando de dia para lhe dar dinheiro e à noite para lhe dar insónia.

Está muito certo que em ambos as residências o senhor tenha gigantescas geladeiras

Capazes de conservar o seu preconceito racial (...)

Está tudo muito certo, Mr. Buster -o senhor ainda acabará governador do seu estado.

E sem dúvida presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas.

Mas me diga uma coisa, Mr. Buster.

Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster.

O senhor sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?

O senhor sabe lá o que é ter uma jaboticabeira no quintal?

O senhor sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?"


48
VINÍCIUS
TEMORAES

No Rio, Vinícius de Moraes decide enveredar por dentro do jornalismo com

mais firmeza. Trabalhando no Palácio do Itamaraty da velha Rua Larga, o poeta

mantém no jornal "Última Hora" uma participação muito ativa, assinando uma

crónica diária que tinha o título genérico de "Na hora H". Ao final de 1952, Vi-

nícius está lotado num setor burocrático chamado Comissão de Organismos In-

ternacionais e ali recebe um diplomata em cargo inicial, Afonso Arinos de Melo

Franco, filho de querido amigo seu, também intelectual de primeira linha.

O jovem Afonso, futuro integrante da Academia Brasileira de Letras (em

1999), afeiçoa-se ao poeta e testemunha uma outra faceta singular do Viní-

cius jornalista. Certa tarde, o contínuo da "Última Hora", que diariamente

recolhia a matéria do colaborador e lhe entregava a correspondência, che-

gou ao Itamaraty com uma enorme caixa entupida de cartas. Afonso, entre

surpreso e curioso, pergunta-lhe se aquela montanha de correspondência

era para ele. "- Não, é para a Helenice", responde o poeta meio sem jeito.

Helenice era a titular do consultório sentimental que era publicado no se-

manário "Flan", editado pela Última Hora a cada domingo, onde também es-

crevia Otto Lara Resende. Muita gente imaginava que a coluna "Helenice"

pudesse ser feita (ou ao menos inspirada) por Helle-Nice, mulher francesa

de notoriedade no Rio intelectual dos anos 30. Ela era uma senhora de há-

bitos considerados avançados para a época - cigarro sempre à boca, lábios

muito vermelhos, roupas ousadas, decotes escandalosos. Helle-Nice dava-se

ao luxo de ser corredora de automóveis e disputou várias vezes o circuito da

Gávea, lá pelos anos de 37 a 39. Ficou célebre, na crónica automobilística,

o acidente ocorrido com sua baratinha azul de corrida, quando uma roda do

carro soltou-se e matou quatro pessoas.


O consultório sentimental de Helenice, contudo, encantava os leitores pelos

conselhos por vezes atrevidos e até irónicos, que se alternavam com algumas

dicas de beleza, pequenas receitas de acepipes, etc.

"- Mas, Vinícius, e por que essas cartas todas vêm para você e não vão para a

Helenice?", questionou Afonso. "- Ora, Afonsinho, a Helenice sou eu. Desse

modo, o jornal me paga mais um bom dinheirinho... ah! se você quiser saber o

porquê da montanha de correspondência, é devido à receita secreta contra a

perda de cabelo que eu prometi dar para quem me escrevesse. Aliás, é ótima,

você ainda não precisa, mas se algum dia quiser, são duas coisas: escove o

couro cabeludo com uma escova de pelos de arame e lave bastante com sabão

Aristolino. É tiro e queda!"

Naquela altura, início dos anos 50, o eixo da boémia musical se deslocara

da Lapa para as boates de Copacabana. O samba-canção dolorido, em que


corações despedaçados e amores frustrados eram a tónica forte, estava em
franca ascensão junto ao gosto do público. Havia um dado novíssimo e
estimulante no front da música carioca. Era o interesse de poetas e jorna-

listas, muitos deles ligados a jornais, como António Maria, Fernando Lobo,

Reynaldo Dias Leme, Sérgio Porto, Ricardo Galeno, em ingressar na canção

popular para cantar a solidão ou a dor do amor. Mas não era uma "maladie

d'amour" qualquer, porque, helás!, era assumidamente inspirada no chique

das caves francesas de Sartre e Simone de Beauvoir, onde o existencialismo

transbordava angústia e solidão, personificadas no canto rouco e sombrio da

musa Juliette Greco. Vinícius ficou impressionadíssimo quando seu amigo

António Maria - cujo comportamento intelectual e bagagem literária lhe eram

familiares, até muito próximas - estreou em 1952 como compositor da "fossa

existencial" com "Ninguém de ama" e "Se eu morresse amanhã de manhã".

Aracy de Almeida Doris Monteiro


Em 1953, embriagado pela atmosfera "noire" em que mergulhara boa parte

da música carioca, a mesma que estava sendo preferida pelo público, Vinícius

reestréia na MPB como letrista, justamente ao lado de António Maria. E lança

"Quando tu passas por mim", gravado quase ao mesmo tempo por Doris Mon-

teiro e por uma de suas melhores amigas, a cantora Aracy de Almeida. Este

samba-canção inicial do poeta ostenta uma letra de insuspeita qualidade:

"Quando tu passas por mim \


Por mim passam saudades cruéis

Passam saudades de um tempo \


Em que a vida eu vivia a teus pés

Quando tu passas por mim j


Passam coisas que eu quero esquecer

Beijos de amor infiéis J


Juras queJazem sofrer

Quando tu passas por mim j


Passa o tempo e me leva para trás

Leva-me a um tempo sem fim A um amor onde o amorfoi demais

E eu que sófiz te adorar \


E de tanto te amar penei mágoas semfm

Hoje nem olho para trás \


Quando passas por mim".
Segundo Afonso Arinos de Mello Franco, Vinícius escreveu o poema para

Tati de Moraes, de quem começava a separar-se. Afonso saía com o poeta do

Itamaraty e quase todos os dias caminhavam a pé até a redação da "Última

Hora", então localizada logo depois da Central do Brasil, a poucos quartei-

rões da Chancelaria. Ali ficavam conversando, numa rodinha só de homens,

com Otto Lara Resende, Hélio Peregrino, Nelson Rodrigues, entre outros.

Tati, que assinava a crítica de cinema do jornal, passava para cima e para

baixo, sem parar uma vez sequer , constrangida pelo estado deteriorado em
que o casamento se encontrava. Vinícius, enquanto dizia adeus a Tati com

"Quando tu passas por mim", começava a dar as boas vindas a Lila Bôscoli,

com o "Poema para os olhos da amada". Com ela, aliás, encontrava-se a cada

noite no Maxim's da Avenida Atlântica, escala imediatamente posterior às

rodas de amigos da "Última Hora". Aias, a nova e fulminante paixão era pre-

senciada por outro grupo de fiéis escudeiros do poeta, a que não faltavam

Sérgio Porto, Paulo Mendes Campos, António Maria Affonso Arinos de

©
e

Mello Franco.

"Ai, a lua que no céu surgiu J


Não é a mesma que te viu — as

CD |
"O S
Nascer dos braços meus Cai a noite sobre nosso amor < -°
LO
J

O -2
-o |
E agora só restou do amor |
Uma palavra: adeus «3
+-
>
ro

Ai, vontade deficar |


Mas tendo que ir embora
q3

Ai, que amar é se ir morrendo pela vida afora

É refietir na lágrima um momento breve

De uma estrela pura cuja luz morreu

Ah! mulher, estrela a refulgir \


Parte, mas antes de partir

Rasga o meu coração J


Crava as garras no meu peito em dor

E esvai em sangue todo amor, toda desilusão

Ai, vontade deficar j


Mas tendo de ir embora

Ai, que amar é se ir morrendo pela vida afora

E refietir na lágrima um momento breve

De uma estrela pura cuja luz morreu

Numa noite escura, triste como eu."


54
VINÍCIUS
DEMORAES

Com Aracy de Almeida, Araca, como chamava a quase inseparável amiga,

Vinícius fundaria, junto com Fernando Lobo e Paulinho Soledade, um clube

que não era literário, nem sequer musical. O Clube da Chave era, na verda-

de, um clube criado somente para que os sócios degustassem bebidas: cin-

quenta sócios, todos com uma chavinha e um armário individualizado, onde

se guardavam, única e exclusivamente, garrafas, muitas garrafas. Vinícius,

a essa altura com oito livros publicados, começa a preparar a sua "Antologia

Poética" (que sairia em 1954) e, simultaneamente, passa a compor sozinho,

fazendo também a música, atividade que até então ele não ousara desenvol-

ver. Sua primeira música, "Serenata do Adeus" não só se imortalizou como


Vinícius de Moraes
Antologia poética uma das principais serestas dos anos 50, como também apresentou uma de
1977-RCA-Victor
Coleção Instituto Cravo Albin suas letras mais arrebatadoras.
I
'
4 •#

*
.

56
VINÍCIUS
DEMORAES

Logo depois o poeta dá a lume mais duas canções, letras suas feitas um
pouco antes, ambas em parceria com o amigo Paulinho Soledade, "Poema

dos olhos da amada"-

"Oh! minha amada que olhos os teus São cais noturnos, cheios de

adeus São docas mansas, trilhando luzes J


Que brilham longe,

."
longe dos breus.

e "São Francisco" ("Que ia pela estrada, tão pobrinho..."), ambas gravadas

entre 1954 e 1956.

Mas música popular ainda não dava dinheiro. Muito menos seu emprego

de jornalista na "Última Hora" ou mesmo suas colaborações para revistas e

suplementos literários. O remédio era pedir posto ao Itamaraty. E Vinícius

teve tanta sorte que, ao invés de ser mandado para desterros como Bolívia

ou Afeganistão, foi enviado para Paris, onde ficaria de dezembro de 1953

até novembro de 1957. Como 2° Secretário na Embaixada de Paris, Vinícius

ostentava também a condição de personalidade brasileira, ou seja, era figura

influente nos círculos culturais da capital francesa, relacionando-se com a fina

flor da "intelligentsia" local. Autorizado avir ao Rio em 1956, ele por aqui fica

durante quase todo o ano. Um ano, diga-se logo, dos mais decisivos em sua
vida. Especialmente porque foi o tempo suficiente para se definir pela paixão

à música popular. Aliás, um pouco antes ele havia feito em Paris, numa manhã

de saudades do Brasil, um samba-canção, "Bom dia tristeza", que acabou por

entregar à amiga Aracy de Almeida no Hotel Comodoro, quando em rápida

viagem a São Paulo, só para entrevistá-la. Aracy gostou mais da letra que da

música e pediu ao sambista Adoniran Barbosa para mexer na melodia. Nasceu

assim, sem Vinícius sequer saber, a parceria única de Vinícius com o rei do

samba paulista (autor de delícias como "Saudosa Maloca" e "Samba do Arnes-

to"). A peça seria gravada por Aracy, como também por Maysa, pouco tempo

depois. Nesse fértil começo de 1956, Vinícius comporia ainda uma série de

canções semi-camerísticas com Cláudio Santoro, de que resultaram pérolas

como "Acalanto da rosa", "Amor e lágrimas", "Pregão da saudade". O maior

dos projetos do poeta, todavia, era encenar a peça "Orfeu da Conceição", que

ele havia feito anos antes, inspirado, a meu ver, na adaptação cinematográfica

que o poeta e desenhista Jean Cocteau levara à tela, ao finalzinho dos anos

40, com o ator Jean Marais fazendo um Orfeu contemporâneo nos subúrbios

de Paris do pós-guerra. Já a ação da peça do nosso poeta, toda em versos, se

desenvolvia numa favela carioca, em dias de carnaval.


58
VINÍCIUS
DEMORAES

Vinícius de Moraes e Tom Jobim, em 1956

Vinícius conseguiu um financiador (700 contos) e um cenarista muito espe-

cial, o já maior arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, cujo trabalho imediata-

mente posterior, aliás, seria projetar a nova capital, Brasília. O ator Haroldo

Costa faria o papel título. Mas ainda faltava o essencial, ou seja, quem fizes-
se a música, que, a essa altura, teria que ser popular mas sofisticada, genial

mas de compreensão imediata. Procura daqui, procura dali, e nada. Alguns

amigos do poeta, Sérgio Porto, Haroldo Barbosa e Lúcio Rangel, ficaram

especialmente mobilizados para encontrar o parceiro ideal. Até que alguém

lembra um pianista que, tocando em boates de Copacabana, começava uma

carreira promissora de compositor e arranjador numa gravadora da época,

a Continental, onde Braguinha (o João de Barro) era diretor artístico. Cha-

mava-se António Carlos Jobim, a quem Vinícius já havia visto pela noite de

Copacabana, mas com quem ainda não havia conversado.


60
VINÍCIUS
DEMORAES

Uma certa tarde, o poeta bebericava no Vilarinho com amigos, quando

entra o jovem Jobim, imediatamente apresentado por Lúcio Rangel a

Vinícius de Moraes. Nascia ali não apenas o convite para o score musical

da peça. Nasciam também, para todo o sempre, os dois maiores vultos

da segunda metade do século XX em música popular brasileira: o letrista

Vinícius e o compositor Tom Jobim. Nascia, finalmente, daquele encontro

a mais bela coleção de canções da história da MPB, as canções da dupla

Tom-Vinícius, cujas músicas iniciais, as do Orfeu, são "Lamento no Morro',

"Valsa de Eurídice", "Mulher sempre mulher", "Eu e o amor" e, especial-

mente a monumental "Se todos fossem iguais a você", que ficaria meses

a fio em todas as paradas de sucesso. Posteriormente, seria essa uma das

canções mais executadas/cantadas do país. A trilha sonora da peça, regis-

trada em elepê (da Odeon, em 10 polegadas), marcaria o início da escalada

de Vinícius de Moraes por dentro da imortalidade da canção popular. E seu

afastamento da literatura formal...


^GI9k£ '..'•.'
5es

Tom Jobim
62
VINÍCIUS
DEMORAES

Vinícius

«V
KJ
O)
rt3
,..,
>O
o
Teu caminho e de paz e amor
CD
-a
CD uma linda canção de amor
3 Vai tua vida é
±n 'D
"03
> Abre os teus braços
—— ia E canta a última esperança
*-*

£ E A esperança divina de amar em paz


CD i

v/í
\S>
O
LL_
Se todosfossem iguais a você
O
-a Que maravilha viver
o
CU
Uma canção pelo ar,

uo
Uma mulher a cantar

Uma cidade a cantar,

A sorrir, a cantar, a pedir

A beleza de amar
Como o sol,

Como a for,
Como a luz

Amar sem mentir,

Nem sofrer

Existiria verdade,

Verdade que ninguém vê

Se todosfossem no mundo iguais a você


Canção do Amor Demais
António Carlos Jobim /Vinícius de Moraes

Quero chorar porque te amei demais


Quero morrer porque me deste a vida
Oh meu amor, será que nunca hei de ter paz

Será que tudo que há em mim


Só quer sentir saudade
E já nem sei o que vai ser de mim
Tudo me diz que amar será meujlm
Que desespero traz o amor
Eu nem sabia o que era o amor
Agora sei porque não soujeliz

^——^— ««i
Em agosto de 1 957 Vinícius, já Cônsul Adjunto, é removido para o Consulado

Geral de Montevideu, mas suas intensas atividades musicais, subita-

mente requisitadas mais e mais, só o deixariam assumir o posto muitos

meses adiante, em junho de 1958. Ficaria lotado no Uruguai até 1960. Mas

sua cabeça e seu coração estavam definitivamente na música, que ele sabia

que chegara, enfim, para tomá-lo por inteiro.

Vinícius vem ao Rio com constância. Sua produção se acelera e ele assiste à

gravação do primeiro álbum de músicas, as suas e as de Tom. Irineu Garcia,

dono da gravadora Festa, que se dedicara desde o começo dos 50 a fazer discos

de poesia (com os próprios poetas declamando) grava e lança em 1957 o

histórico "Canção do amor demais", com arranjos de Tom, dos quais era
66
VINÍCIUS
DEMORAES

Vinícius de Moraes e Pablo Neruda, no início da década de 1960

estrela a voz perfeita de Elizeth Cardoso. Em duas dessas faixas, um violão

totalmente novo se ouvia. Era a primeira vez que a batida da bossa nova

Bossa with a beath se apresentava. Exatamente em duas canções da nova dupla Tom-Vinícius,
RCA-Victor
Coleção Instituto Cravo Albin "Chega de Saudade" e "Outra vez".

Estava lançado o primeiro registro da bossa nova, promovido e quase trama-

do pelo poeta dos olhos claros que amava o choro e o samba tradicional das

biroscas cariocas. Por ironia, ficaria contra eles (indiretamente, é verdade)

boa parte dos músicos da bossa nova que a partir daí se projetaria.

m
garota de m**""
so
be lm 3 aprende- a ser
'

^
^danco samba
'^sensatez
moderna
garota

deverão
samba
dasrOS^re^d*o
em P'*»u«
sa mba

me^acâo cQm v0 cê
p
VINÍCIUS
DEMORAES

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Vai minha tristeza,
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3 (I)
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t/1
3 e diz a ela que sem ela não pode ser,
un ^J
C
CD >
"O —
03
b
-Q
diz -lhe, numa prece
O

<D E

{J
Que ela regresse, porque eu não posso mais sofrer.

Chega, de saudade

a realidade, E que sem ela não há paz,

não há beleza

E só tristeza e a melancolia

Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar, se ela voltar


Que coisa linda, que coisa louca

Pois há menos peixinhos a nadar no mar

Do que os beijinhos que eu darei

Na sua boca,

dentro dos meus braços

Os abraços hão de ser milhões de abraços

Apertado assim, colado assim, calado assim

Abraços e beijinhos, e carinhos sem terjim

Que é pra acabar com esse negócio de você longe de mim

Não quero mais esse negócio de você viver sem mim


70
VINÍCIUS
DEMORAES

Se a Lapa, no centro histórico do Rio, emoldurou a época de ouro, os anos

30, Copacabana, o bairro da Zona Sul, seria a quintessência do habitat da

bossa nova. O Beco das Garrafas, composto por quatro casas, o Little Club,

o Baccarat, o Bottle's e o Ma Griffe, desembocava na Rua Duvivier. Pouco

adiante estavam o 36, o Carrossel, o Manhattan e o Michel, onde Vinícius

e seus amigos davam sempre uma paradinha para ouvir Dolores Duran. De-

pois, na Gustavo Sampaio, o Arpège e o Sacha's.

DOLORES DURÁN
canta para você dançar...

Dolores Duran
Canta para você dançar
1957 -Copacabana
Coleção Instituto Cravo Albin
poeta circula com grande desenvoltura no final dos 50 por essa geografia

etílica, onde em cada ambiente enfumaçado encontra amigos, música e quase

sempre a possível aventura de uma paixão. Vinícius circula, na verdade, pela

cidade toda, andarilho em busca de emoções, da beleza, dos afetos. Vive,

como nunca, o destino do poeta. E cada vez mais se afasta do gabinete, do

formal, da obrigação diária. A diplomacia formal e engravatada se distancia,

portanto. Mas o poeta, cujo prestígio pessoal começa a ser mitificado, é amigo

do presidente JK, de quem recebe a encomenda de fazer uma Sinfonia para

Brasília, tarefa de que ele se desencumbe com o parceiro Tom Jobim, e que é Brasília Sinfonia da Alvorada
1960-Columbia
logo gravada em elepê de luxo, (1960, capa de Oscar Niemeyer). Coleção Instituto Cravo Albin

BRASÍLIA
Sinfonia da Alvorada

ANTÓNIO CARLOS JOBIM


VINÍCIUS DE MORAES

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72 VINÍCIUS
DEMORAES

fU 3 Citação de Oscar Niemeyer


•^ fO
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i_ "O
o; —" . . . uma cidade de homensfelizes, homens que
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sintam a vida em toda a sua plenitude, em toda a
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Q- E sua fragilidade; homens que compreendam o valor
«*
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o das coisas puras. .

.E -2 —E quefosse como a imagem do Cruzeiro


í/l <o
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< No coração da pátria derramada.

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L{jJ0t .-M_-0
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Yi-M | O Planado Deserto

II O Homem

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o^ \

A Chegada dos Candangos

i MA- i IV O Trabalho a a Construção

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VINÍCIUS 73
DEMORAES

Eu amei, E amei ai de mim muito mais N to

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Do que devia amar E chorei E o a>

o;
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Ao sentir que iria sofrer E me desesperar
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Foi então j
Que da minha infinita tristeza l

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Aconteceu você j
Encontrei em você <o

A razão de viver j
E de amar em paz

E não sofrer mais, |


Nunca mais j
Porque o amor

E a coisa mais triste \


Quando se desfaz

O amor é a coisa mais triste \


Quando se desfaz

Enquanto a parceria com Tom prossegue a todo vapor - aparecem "Canção

do amor demais", "Amor em paz", "Eu sei que vou te amar", "Brigas nunca

mais", "Só danço samba", entre outras duas dúzias de pérolas - mais um
Contracapa do mesmo disco
álbum com peças de Tom e Vinícius é editado em refinado acabamento com preciosos autógrafos
do JKe Vinícius
musical: o elepê "Por toda a minha vida" com a cantora semi-lírica Lenita Acervo Instituto Cravo Albin
TO E
5ó danço samba Só danço samba Vai, vai, vai, vai, vai

li Só danço samba Só danço samba Vai!...(2x)

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d E
•— • O) Já dancei o twist Até demais Mas não sei
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Me cansei Do caljpso Ao chá- chá- chá...
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3
VJ

Só danço samba Só danço samba Vai, vai, vai, vai, vai

Só danço samba Só danço samba Vai!...(2x)

Só danço samba Só danço samba Vai! ...(6x)

Bruno, casada com o maestro Leo Perachi. E depois de muitas marchas e

contra-marchas, sai finalmente o filme de Mareei Camus "Orfeu Negro",

todo filmado no Rio entre 1957 e 1958, produzido por um sujeito chamado

Sacha Gordine, conhecido nas rodas cinematográficas francesas como "o rei

do cheque sem fundo". Segundo Vinícius, porém, Gordine era "boa gente" e

só vivia em apuros porque fazia qualquer negócio para estar sempre filman-
1/1
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1—
Chegou, sorriu, venceu depois chorou
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-a Então Jui eu quem consolou sua tristeza
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KJ 3
C Na certeza de que o amor tem dessasJases más
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O E é bom para Jazer as pazes, mas
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Oí E
DepoisJui eu quem dela precisou
CO
E ela então me socorreu

E o nosso amor mostrou que veio prájícar

Mais uma vez por toda a vida

Bom é mesmo amar em paz

Brigas nunca mais

do. Mesmo sabendo que podia ser enganado pelo produtor (e foi mesmo,

porque só receberia metade do que foi combinado), Vinícius lhe vendeu a

história e se responsabilizou pela trilha sonora, encomendada a Tom (além

das canções originais da peça, mais duas foram feitas especialmente, "Nosso

amor" e "A Felicidade") e a Luiz Bonfá e António Maria (que compuseram

"Manhã de Carnaval", afinal, o grande sucesso do score musical do filme,


76 VINÍCIUS
DEMORAES

para certo desapontamento de Tom e Vinícius). Vinícius havia pensado em


exigir 2% da bilheteria, mas acabou não o fazendo, o que, segundo me con-

fidenciou no Museu da Imagem e do Som dez anos depois (1967), foi a

maior besteira que fez em toda a sua vida. Na verdade, o sucesso do filme

no mundo inteiro o teria feito milionário até morrer, apenas com aqueles

aparentemente irrelevantes dois por cento...

Bossa with a beat Em outubro de 1959 é promovido, por antiguidade, a Cônsul de I


a
Classe.
RCA-Victor
Coleção Instituto Cravo Albin Logo deixa Montevideu, porque, convidado por Paulo Carneiro para servir

na Delegação Brasileira junto à UNESCO, vai para Paris, onde passará quase

dois anos. As vindas ao Rio, contudo, eram cada vez mais frequentes. A

bossa nova começava a se encorpar. E uma novidade alvissareira surgiria: as

melodias iniciais do parceiro Tom haviam conseguido penetrar no mercado

americano, especialmente "Samba de uma nota só" e "Desafinado", ambas

feitas com Newton Mendonça. Vinícius, contudo, também entraria logo de-

pois no maior mercado do mundo ao compor, também com Tom, a "Garota

de Ipanema". A história já é lenda, mas vale repeti-la aqui: estavam Tom e

Vinícius a bebericar no Bar Veloso, hoje Garota de Ipanema, quando o olhar

de ambos é arrebatado pelo andar ondulante de uma jovem que, de maio,

caminhava em direção ao mar, ali em frente. Foi a justa conta para sair, ali

mesmo, o mote principal de "Garota de Ipanema", em cujos versos Vinícius

produziria uma descrição exata - e enxuta - da cena carioca, uma síntese

perfeita que fica entre o bucólico e o sensual.


»

ru d) Olha que coisa mais linda


E o
2: Mais cheia de graça
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c CD
Tl
fO uo E ela menina
Q- Z3
o
c Que vem e que passa
CU >
~a E Seu doce balanço, a caminho do mar
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Moça do corpo dourado
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Do sol de Ipanema
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< seu balançado é mais que um poema
E a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque estou tão sozinho

Ah, porque tudo é tão triste

Ah, a beleza que existe

A beleza que não é só minha


Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse

Que quando ela passa

mundo inteirinho se enche de graça

Ejica mais lindo

Por causa do amor


78 VINÍCIUS
DEMORAES

A música daria a sequência cronológica do êxito que foi o lançamento formal

da bossa nova nos Estados Unidos, quando ocorreu o Concerto do Carnegie

Hall, de que foi organizador outro colega e amigo de Vinícius, o diplomata Má-

rio Dias da Costa. Também em 1962, o poeta torna-se, finalmente, parceiro

de Pixinguinha, seu amigo e sua máxima referência em música popular. Viní-

cius o convida para dirigir musicalmente a trilha sonora do filme "Sol sobre

a lama", de seu amigo, o crítico e cineasta Alex Viany. Coloca então letra em
dois choros do mestre, "Lamentos" e "Mundo melhor", além de produzir um
pequeno poema em francês para uma antiga valsa do enorme baú de melodias
do Pixinguinha, que recebeu o nome de "Seule", até hoje inédita.

V \plXlN6UINHA
\

Pixinguinha
1955
Caricatura do Nássara
'

l/>
o 03 Morena, tem pena \
Mas ouve o meu lamento
1— o
c 2 Tento em vão te esquecer Mas, ai, o meu tormento é tanto
CD acu
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E 3 Que eu vivo em prantos, sou tão infeliz


03 _i_;

Não há coisa mais triste meu benzinho


Que esse chorinho que eu te fiz

a.
Sozinho, morena |
Você nem tem mais pena
Ai, meu bem,fiquei tão só \
Tem dó, tem dó de mim
Porque eu estou triste assim por amor de você

Não há coisa mais linda neste mundo


Que o meu carinho por você i
Morena, tem pena

Mas ouve o meu lamento j


Tento em vão te esquecer

Mas, ai, o meu tormento é tanto

Que eu vivo em prantos, sou tão infeliz

Não há coisa mais triste meu benzinho


Que esse chorinho que eu tefiz

Sozinho, morena \
Você nem tem mais pena
Ai, meu bem,fiquei tão só j
Tem dó, tem dó de mim
forque eu estou triste assim por amor de você

Não há coisa mais linda neste mundo

Que o meu carinho por você


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Vinícius de Moraes vw
e Baden Powell, em 1964.
Ainda neste ano Vinícius começa a compor com Baden Powell de Aquino, a

quem conhecera por volta de 1961 como solista de violão na Boate Arpège,

quando Tom Jobim fazia mais um de seus shows. Os primeiros sambas da

generosa safra com Baden foram feitos quase de uma tacada só. Vinícius

levou o novo parceiro para sua casa de Petrópolis e ali se trancaram tendo

por companhia uma caixa de uísque. Em menos de quinze dias estavam

prontas jóias como "Samba em Prelúdio", "Consolação", "Apelo", "Tem dó"

e o "Samba da bênção". Neste, o poeta pede a bênção à boa parte do olimpo

centenário da MPB, começando por chamar-se a si próprio de "capitão do

mato Vinícius de Moraes, o branco mais preto do Brasil, na linha direta de

Xangô, saravá!"

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82 VINÍCIUS
DEMORAES

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5 É melhor ser alegre que ser triste
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Alegria é a melhor coisa que existe
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É assim como a luz no coração
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UO C Mas pra Jazer um samba com beleza

E preciso um bocado de tristeza

E preciso um bocado de tristeza

Senão, não seJaz um samba não...

Ponha um pouco de amor numa cadência


E vai ver que ninguém no mundo vence

A beleza que tem um samba, não

Porque o samba nasceu lá na Bahia

E se hoje ele é branco na poesia

Se hoje ele é branco na poesia

Ele é negro demais no coração. .


VINÍCIUS
DEMORAES

...Eu, por exemplo, o capitão do mato Branco, preto, mulato

Vinícius de Moraes Lindo como a pele macia de Oxum

Poeta e diplomata A bênção, maestro António Carlos Jobim

O branco mais preto do Brasil Parceiro e amigo querido

Na linha direta de Xangô, saravá! Que já viajaste tantas canções comigo

A bênção, Senhora E ainda há tantas por viajar

A maior ialorixá da Bahia A bênção, Carlinhos Lyra

Terra de Caymmi ejoão Gilberto Parceiro cem por cento

A bênção, Pixinguinha Você que une a ação ao sentimento

Tu que choraste najlauta E ao pensamento

Todas as minhas mágoas de amor A bênção, a bênção, Baden Powell

A bênção, Sinhô, a benção, Cartola Amigo novo, parceiro novo

A bênção, Ismael Silva Quefizeste este samba comigo

Sua bênção, Heitor dos Prazeres A bênção, amigo

A bênção, Nelson Cavaquinho A bênção, maestro Moacir Santos

A bênção, Geraldo Pereira Não és um só, és tantos como

A bênção, meu bom Cjro Monteiro O meu Brasil de todos os santos

Você, sobrinho de Nono Inclusive meu São Sebastião

A bênção, Noel, sua bênção, Arj Saravá! A bênção, que eu vou partir

A bênção, todos os grandes Eu vou ter que dizer adeus

Sambistas do Brasil
84
VINÍCIUS
DEMORAES

O "Samba da Bênção" não apenas virou um dos cartões postais do poe-

ta em quase todas suas apresentações públicas. Virou também um grande

problema internacional para seus autores. Em 1964, servindo em Paris e

integrando a delegação brasileira junto à UNESCO, o poeta conheceu o

produtor Pierre Barouh. Com ele negociaria a venda de um argumento ci-

nematográfico chamado "Arrastão", que resultaria num filme "detestável",

segundo Vinícius. Mais tarde, já no Brasil, Barouh pediu aos autores uma

gravação especial do "Samba da Bênção", que o produtor levou para Paris,

prometendo-lhes incluir numa grande produção francesa.

Quase dois anos depois, em 1966, Vinícius foi convidado a participar do

cobiçado júri do Festival Internacional do Cinema em Cannes. Era o ano

da apresentação do filme de Claude Lelouch "Um homem, uma mulher",

por sinal, grande sucesso de público. Vinícius, contudo, teve dupla surpresa
VINÍCIUS 85
DEMORAES

quando assistiu ao filme: a primeira, a de ouvir o seu "Samba da Bên-

ção" e a segunda, a de comprovar que nos créditos finais do filme era dada

uma citação marotíssima que dizia apenas: "musique e paroles: Francis Lai

et Pierre Barouh". Como se não apenas a canção título ("Un homme, une

femme", sucesso mundial, de resto), mas também o "Samba da Bênção" fos-

sem genericamente da dupla francesa.

Vinícius reclamou, mas Claude Lelouch alegou que a simples inclusão dos

nomes Vinícius de Moraes - Baden Powell custaria mais de 1 60 mil fran-

cos. Vinícius ameaçou processá-lo. Lelouch, pressionado, incluiu o nome da

dupla brasileira no filme, muito embora, ao que comprovou depois o poeta,

não em todas as centenas de cópias espalhadas pelo mundo inteiro...

Tão intensa, aliás, seria a temporada etílico-musical com Baden, entre 62 e 63,

que Vinícius internou-se numa clínica para desintoxicar-se, o que, de resto, fazia

com prudente frequência, sempre acompanhado pelo médico Clementino Fraga

Filho. Ali, além de limpar o fígado, tinha ainda a missão de colocar letra no sam-

ba "Pra que chorar", que Baden lhe entregara dias antes. O poeta me contou a

seguinte historinha: "Mal me deitara, passei a ouvir um choro, um chorinho de

mulheres que vinha do quarto ao lado. Levantei-me e dei com um velhinho à mor-

te, cercado por duas velhinhas inconsoláveis. Voltei para meu quarto, passei a me
inspirar no ato de chorar das velhinhas e terminei o samba alta madrugada. Nesse

exato momento, o chorinho das velhinhas parou. Fui até lá, o velhinho estava mor-

to e as velhinhas, ajoelhadas e contritas, rezavam um terço interminável".


86
VINÍCIUS
DEMORAES

Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira e Chico Buarque, em 1967


1 w
<T3 Pra que chorar
o ^
_1_ cu Se o sol já vai raiar
CQ
d; - Se o dia vai amanhecer
O g Pra que sofrer

Se a lua vai nascer

E só o sol se pôr

Pra que chorar

Se existe amor

A questão é só de dar

A questão è só de dor

Quem não chorou

Quem não se lastimou

Não pode nunca mais dizer

Pra que chorar

Pra que sofrer

Se há sempre um novo amor

Em cada novo amanhecer

am
88
VINÍCIUS
DEMORAES

Esse período todo, o decénio que medeia entre 1957 e 1967, marca o apo-

geu de Vinícius de Moraes como letrista de música popular, o que, segundo

alguns críticos mais ortodoxos, define também seu afastamento da litera-

tura. Vinícius, contudo, regurgitava com o acesso às massas brasileiras, o

enorme público que só a extensão e o prestígio da música popular podem

permitir. Sobre essa dicotomia, música popular ou literatura, eu ouvi do

poeta, certa noite no Antonio's, lá por 1968 ou 1969, uma sentida confis-

são feita a Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Sérgio Porto e, creio,

Fernando Sabino:

"Você, Otto, está me cobrando mais um livro de poesia. Só que eu quero lhe dizer

que o meu trabalho como letrista nesses anos todos dá para fazer de oito a dez

livros. E mais: apenas uma ou duas dessas letras me rendem o dobro que dois ou

três livros de literatura. E, finalmente, meu xeque-mate para esses críticos que me

ficam a fazer cobranças. Essas canções dão-me muito prazer, porque minhas letras

são reverenciadas por todos os brasileiros. A maioria - para minha glória - as canta

de cor, quando estão alegres ou tristes. Ou seja, o destino do poeta é esse mesmo,

fazer de sua poesia uma arma para a emoção das pessoas. Portanto, eu recuso

qualquer cobrança".
VINÍCIUS
DEMORAES

E Vinícius, com efeito, trabalhou muitíssimo. Entre 1962 a 1967 são grava- Os Cariocas

das quase cem composições suas. O poeta participa intensamente de shows

no Rio. Em 1962 comanda "Encontro", ao lado de Tom Jobim, João Gil-

berto e Os Cariocas, com direção de Aluísio de Oliveira (na boate Au bon


gourmet), quando são lançadas músicas dardejantes como "Garota de Ipane-

ma", "Só danço samba", "Insensatez", "Ela é carioca", "Samba do avião" e

o "Samba da Bênção". Nessa mesma boate foi apresentada sua peça "Pobre

menina rica" (com músicas de Carlos Lyra), que projeta Nara Leão e ainda

pepitas da canção como "Primavera", "Sabe você" e "Pau de arara". Nesse

ano grava o primeiro disco como cantor (para a Elenco), estreando ao lado da

cantora-atriz Odette Lara. Em 1964, aparece publicamente um novo parcei-


ro de Vinícius, Francis Hime, com quem faz "Eu te amo, amor", "Saudade

de amar" e "Sem mais adeus", jóias que testemunham a chegada de um dos

mais refinados compositores do Brasil a partir de então.

Tom Jobim
e João Gilberto

Vinícius de Moraes
e João Gilberto
Insensatez
Vinícius de Moraes /António Carlos Jobim

Ah, insensatez que vocêjez Coração mais sem cuidado

Fez chorar de dor o seu amor Um amor tão delicado

Ah, por que vocêjoijraco assim Assim tão desalmado

Ah, meu coração, quem nunca amou Não merece ser amado

Vai, meu coração, ouve a razão Usa só sinceridade


Quem semeia vento, diz a razão Colhe sempre tempestade

Vai, meu coração, pede perdão Perdão apaixonado

Vai, porque quem não pede perdão Não è nunca perdoado


Ela é Carioca
Tom Jobim /Vinícius de Moraes

Ela é carioca, ela é carioca j


Basta o jeitinho dela andar

Nem ninguém tem carinho assim para dar

Eu vejo na cor dos seus olhos J


As noites do Rio ao luar

Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu j


Vejo o mesmo mar

Ela é meu amor, só me vê a mim \


A mim que vivi para encontrar

Na luz do seu olhar \


A paz que sonhei

Só sei que sou louco por ela J


E pra mim ela é linda demais

E além do mais J
Ela é carioca, ela é carioca
92
VINÍCIUS
DEMORAES

Nara Leão

Nara Leão
Coisas do Mundo
1969 -Philips
Coleção Instituto Cravo Albin
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depois
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carnaval
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nTj.Voalof.^H

CARIO»
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Carlos Lyra João Gilberto


Depo/s cio Carnaval João Gilberto
1963 -Philips 1961-Odeon
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

v/l
<cu
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CU
ro . ..Sabe você o que é o amor? Não sabe, eu sei
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"D
cu Sabe o que é um trovador? Não sabe, eu sei.
CD l/l

-O 3
03 ~cz
Sabe andar de madrugada tendo a amada pela mão
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fU Sabe gostar, qual sabe nada, sabe, não
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o
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Você sabe o que é umajlor? Não sabe, eu sei.
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Você já chorou de dor? Pois eu chorei...


94 VINÍCIUS
DEMORAES

Francis Hime

ru § Deixa eu te dizer, amor j


Que não Jeres partir

nunca mais tempo sem amor


< 1
Partir \
Pois o

CU it E uma dura ilusão I E não volta mais


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CU 5
"D |
Se tu pudesses compreender \
A solidão que é
"O "o
13 S Te buscar por aí J
Andando devagar
A vagar por aí j
Chorando a tua ausência

Vence a tua solidão j


Abre os braços e vem
Meus dias são teus I
E tão triste se perder

Tanto tempo de amor \


Sem hora de adeus

Oh, volta \
Que nos braços meus

Não haverá adeus j


Nem saudade de amar
E os dois, sorrindo a soluçar \ Partiremos depois

Vinícius ainda estreia na boate Zum-zum um show memorável com Dori-

val Caymmi, que não só viraria disco (Elenco, de Aluísio de Oliveira) como

também lançaria o Quarteto em Cy. Mas, em 1967, após a estreia do filme

"Garota de Ipanema" de Leon Hirshman, Vinícius começa a se afastar da

intensa, sempre trepidante vida artístico-musical do Rio. Vai então organizar


VINÍCIUS 95
DEMORAES

VINÍCIUS

VrUJSCAYrVM NO ZUM ZUM


em
PORTUGAL
Com o
QUARTETO
EMCY OSCAR CASTRO
e o conjunto NEVES

ii- ^Hil
um Festival de Arte em Ouro Preto, onde fica uma temporada com seu amigo, Vinícius / Caymmi
1965 -Elenco
o pintor Carlos Scliar, e onde dsecobre o jovem estudante de engenharia João Coleção Instituto Cravo Albin

Bosco. Logo depois participa de shows em Lisboa com Chico Buarque e Nara

Leão (1968), em Buenos Aires com Dorival Caymmi e Baden Powell (1968) Vinícius em Portugal
1965 -Festa
e em Punta dei Este com Dori Caymmi e Maria Creusa (começo de 1969). Coleção Instituto Cravo Albin
96
VINÍCIUS
DEMORAES

Os Afro sambas de Baden e Vinícius de Moraes en "la fusa"

Vinícius con Maria Creuza y Toquinho


1966 -Philips 1970 -Selo Diorama
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

Quando Vinícius de Moraes é desligado do Itamaraty, pelo Ato Institucional

no 5 em abril de 1969, o poeta pensa, inicialmente, em auto-exilar-se na

Europa, onde boa parte de seus amigos já estava, inclusive, Chico Buarque,

além de Caetano, Gil, Vandré e tantos intelectuais, escritores, amigos e com-

panheiros seus. Vinícius, contudo, decide resistir e fica no Brasil. Ferido

com o afastamento da carreira diplomática, sua produção cai verticalmen-

te, gravando em 1969 apenas uma única composição. Em contrapartida,

volta a escrever, a fazer crónicas, a trabalhar para jornais. E descobre um


novo parceiro, Toquinho, um violonista de São Paulo que era amigo de Chico
98
VINÍCIUS
DEMORAES

Buarque. Logo Vinícius reencontra o sabor de fazer novas composições e

lança em 1970, dois sucessos populares, o "Samba da Rosa" e "Na tonga da

mironga do Kabuletê", um título indecifrável mas que escondia um protesto


solitário do poeta à censura, à repressão política e à sua própria aposenta-

doria do Itamaraty. Segundo Vinícius confidenciaria a boca pequena pelos

bares do Rio, a expressão significava, em dialeto nagô, algo próximo a "vão

todos à merda".

Eu caio de bossa

Eu sou quem eu sou


S
\S
"
£
afc> o Eu saio da fossa
O s
-D -S
LO Xingando em nagô
<T3 .2

Você que ouve e nãojala

03 Você que olha e não vê


"O
CD Eu vou lhe dar uma pala
Você vai ter que aprender
(T3
A tonga da mironga do kabuletê

A tonga da mironga do kabuletê

A tonga da mironga do kabuletê.


VINÍCIUS
DEMORAES

Você que lê e não sabe

Você que reza e não crê

Você que entra e não cabe

Você vai ter que viver

Na tonga da mironga do kabuletê

Você quefuma e não traga

E que não paga pra ver

Vou lhe rogar uma praga


Eu vou é mandar você
= H

Vinícius de Moraes , em 1971

^í*;

I
Entre 1970 e 1980, Vinícius de Moraes resiste aos governos mi-

litares fazendo o que sabia e aquilo no que foi mestre: o exercí-

cio concreto de sua sedução pessoal, encenando espetáculos em


todo o país para os jovens do Brasil. Onde a poesia e a música se

conjugavam para que o poeta destilasse, gota a gota, as emoções

que brotavam do seu coração generoso e fiel aos destinos mais

heróicos dos poetas clássicos. Isto é, viver como poeta, livre das

amarras, liberto como um pássaro em pleno vôo, como a ele se

referiu Drummond, com uma ponta assumida de inveja, ao fazer

setenta e cinco anos de vida em 1975.


"

102
VINÍCIUS
DEMORAES

Pouco antes de morrer, o que ocorre aos 10 de julho de 1980, num dos

prolongados banhos de banheira em sua casa da Gávea, mesmo bairro onde

nascera em 1913, Vinícius sente-se pronto a retomar o filão da literatura.

Copo de vinho ao lado, violão do Toquinho em frente e mulher nova (Gilda

Mattoso) a acarinhá-lo de atenções e mesuras, Vinícius registra em belo

texto seu, para uma televisão a meu pedido, a seguinte declaração de amor à

poesia e à beleza, uma precisa e cortante mensagem para a posteridade:

"Por isso que eu chorei tantas lagrimas para que não precisasses

chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vórtices

te haverias também de perder. E amordacei minha boca para que

não gritasses e ceguei meus olhos para que não visses; e quanto

mais amordaçado, mais gritavas; e quanto mais cego, mais vias.

Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços

me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas

as mulheres que por ela abandonei. E assim como sei que toda a

minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar,

assim é o canto que te quero cantar...

Rio, 20 de junho de 1980.


VINÍCIUS 103
DEMORAES

Vinícius, em 1976

m
•-**•

m
VINÍCIUS
DEMORAES

Um verbete de honra
no Dicionário Cravo Albin
em 51 tópicos
106
VINÍCIUS
DEMORAES

Retrato do jovem Vinícius de Moraes, por Cândido Portinari, em 1 938


VINÍCIUS 107
DEMORAES

Seu pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, era funcionário da Prefeitura,

poeta e violonista amador, e sua mãe, Lidia Cruz de Moraes, era pianista

amadora. Nasceu no bairro da Gávea e em 1916 mudou-se com a família

para Botafogo, onde estudou na Escola Primária Afrânio Peixoto e onde es-

creveu seus primeiros versos. Em 1922, sua família mudou-se para a Ilha

do Governador, mas ele permaneceu com a avô, a fim de terminar o curso

primário. Durante as férias, nos fins de semana na Ilha, seus pais costu-
.1
mavam receber em casa a presença de Henrique de Melo Moraes, tio de

Vinícius, e do compositor Bororó, o que garantia sempre boa música. Em


1924, ingressou no Colégio Santo Inácio, onde passou a cantar no coro e

principiou a montar pequenas peças de teatro. Em 1927, tornou-se amigo

dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajós, com quem formou um conjunto que se

apresentava em festas na casa de amigos e com quem começou a escrever

suas músicas iniciais. Em 1929, concluiu o curso ginasial e sua família voltou
108
VINÍCIUS
DEMORAES

a morar na Gávea. Nesse mesmo ano, ingressou na Faculdade de Direito do

Catete, onde conheceu e tornou-se amigo do romancista Octávio Faria que

o incentivou na vocação literária. Concluiu o curso de Direito em 1933. Em


1936, obteve o emprego de censor cinematográfico junto ao Ministério da

Educação e Saúde. Em 1938, ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para

estudar língua e literatura inglesas em Oxford. Em 1941, retornou ao Bra-

sil empregando-se como crítico de cinema no jornal "A Manhã". Tornou-se

também colaborador da revista "Clima" e empregou-se no Instituto dos Ban-

cários. Em 1942, foi reprovado em seu primeiro concurso para o Itamarati.

Em 1943, tornou a concorrer e foi aprovado. Em 1946, assumiu o primeiro

posto diplomático em Los Angeles como vice-cônsul. Em 1950, com a morte


do pai, retornou ao Brasil. Nos anos 1950, atuou diplomaticamente em Paris

e em Roma, onde costumava realizar animados encontros na casa do escritor

Sérgio Buarque de Holanda.


VINÍCIUS 109
DEMORAES

Em 1928, compôs "Loura ou morena" (c/ Haroldo Tapajós), foxtrote gra-

vado em 1932 pela dupla Irmãos Tapajós, primeiro registro de sua atuação

como letrista.

Em 1933, publicou seu primeiro livro, "O caminho para a distância". Em se-
guida, foram gravadas outras canções de sua autoria: "Dor de uma saudade"

(c/ Joaquim Medina), por João Petra de Barros e Joaquim Medina, em 1933,

"O beijo que você não quis dar" [cl Haroldo Tapajós) e "Canção da noite" (c/

Paulo Tapajós), ambas pelos Irmãos Tapajós, em 1933, "Canção para alguém"

(c/ Haroldo Tapajós), pela mesma dupla, em 1934. Nesse período, estabele-

ceu amizade com os poetas Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Mário

de Andrade. Ainda na década de 1 930, foi contemplado com o Prémio Felipe

D'01iveira por seu livro "Forma e exegese" (1935) e lançou o livro "Ariana

a mulher" (1936).
110
VINÍCIUS
DEMORAES

Na década de 1940, publicou os livros "Cinco elegias" (1943), que marcou

uma nova fase em sua poesia, e "Poemas, sonetos e baladas" (1946), ilustrado

4. com 22 desenhos de Carlos Leão. Atuou como jornalista e crítico de cinemas

em diversos jornais. Em 1947, lançou, com Alex Vianny, a revista "Filme".

Dois anos depois, publicou em Barcelona o livro "Pátria minha".

Em 1951, já de volta ao Brasil após um período nos Estados Unidos, co-

meçou a trabalhar no jornal "Última Hora", exercendo funções burocrá-


5. ticas na sede do Ministério das Relações Exteriores, na antiga Rua Larga,

Palácio do Itamaraty, ao lado do também futuro escritor Afonso Arinos

de Mello Franco.
Pátria minha

Não te direi o nome, pátria minha


Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a ilha

Brasil, talvez

in Pátria minha (1949)


112
VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1953, Aracy de Almeida gravou "Quando tu passas por mim" (c/ António

Maria), primeiro samba de sua autoria, dedicado à esposa Ta ti de Moraes,


6.
marcando literariamente também o fim do casamento. No mesmo ano, foi

para Paris como segundo secretário da embaixada.

No ano seguinte, Aracy de Almeida registrou mais uma de suas parcerias

com António Maria, "Dobrado de amor a São Paulo". Também em 1954, sua
7.
peça "Orfeu da Conceição" foi premiada no concurso do IV Centenário de

São Paulo e publicada na revista Anhembi.

8. No ano seguinte, publicou sua "Antologia poética".


VINÍCIUS 113
DEMORAES

Em 1956, montou a peça "Orfeu da Conceição", com cenário de Oscar

Niemeyer e música de um jovem pianista que lhe foi apresentado por Lúcio

Rangel, no Bar Gouveia, em frente à Academia Brasileira de Letras: António

Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. A trilha sonora incluiu "Lamento no

morro", "Se todos fossem iguais a você", "Um nome de mulher", "Mulher

sempre mulher" e "Eu e você". As canções foram lançadas em disco por

Roberto Paiva, Luiz Bonfá e Orquestra. Desse encontro, nasceria uma das

mais fecundas parcerias da MPB, que marcaria definitivamente a música

brasileira. A peça estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. No mesmo

ano, o fox "Loura ou morena" foi gravado por Joel de Almeida.

No período de 1957 a 1958, o diretor francês Mareei Camus filmou, no Rio

de Janeiro, "Orfeu do carnaval", que recebeu o nome de "Orfeu negro".

mmBBimmamwuÊÊmm
114
VINÍCIUS
DEMORAES

Amália /Vinícius Contracapa


Gravado ao vivo da casa da Amália - Lisboa
1961 - Chantecler - Coleção Instituto Cravo Albin

SÃO DEMAIS SÃO DEMAIS


OS PERIGOS DESTA VIDA... OS PERIGOS DESTA VIDA.
TOQUINHO-VINICIUS

VM^iliai

TOQUINHO-VINICIUS

São Demais os Perigos Desta Vida Contracapa


1972 -RGE (Mesmo desenho de Carlos Leão)
Coleção Instituto Cravo Albin
VINÍCIUS 115
DEMORAES

A história dos
SHOWS INESQUECÍVEIS
SHOWS INESQUECÍVEIS POETA. MOÇA E UIOLÃO

GRfíTIS
> IntcQTm .!.. .no-- il.

ifracntaita no TCaUn (-!*!.-«

Shows Inesquecíveis - Poeta, Moça e Violão Contracapa


Vinícius, Clara e Toquinho
1974 - Odeon - Coleção Instituto Cravo Albin

Toquinho /Vinícius Um Pouco de Ilusão


1976 -RGE 1 978 - Ariola

Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

I IIMl I ffllIlMfflM^
116 VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1957, teve gravadas várias canções de sua autoria: "Bom-dia, tristeza" (c/

Adoniran Barbosa), por Aracy de Almeida, "Se todos fossem iguais a você"

(c/ Tom Jobim), por Tito Madi, "Eu não existo sem você", por Bill Farr, e

"Serenata do adeus", por Agnaldo Rayol. Nesse mesmo ano, foi transferido

para Montevideu, onde permaneceu até 1960.

Em 1958, Elizeth Cardoso lançou o LP "Canção do amor demais", contendo

canções de sua parceria com Tom Jobim, como "Luciana", "Estrada branca"

e a faixa-título, entre outras, além de "Chega de saudade" e "Outra vez", re-

gistrando a "batida diferente" de um jovem violonista: João Gilberto. Nascia

ali a Bossa Nova. João Gilberto só lançaria sua versão de "Chega de saudade"

quatro meses depois da gravação de Elizeth Cardoso.


VINÍCIUS 117
DEMORAES

Em 1959, Lueli Figueiró gravou "A felicidade" e "O nosso amor", ambas

feitas para a trilha sonora do filme "Orfeu do carnaval". "A felicidade" foi

também gravada, no mesmo ano, por Severino Araújo e Sua Orquestra e

por Chiquinho do Acordeom, Ainda em 1959, Lenita Bruno lançou o LP

"Por toda minha vida", contendo parcerias do poeta com Tom Jobim. Nesse

mesmo ano, o filme "Orfeu do carnaval" foi contemplado com a Palma de

Ouro no Festival de Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em .13


Hollywood. Também em 1 959, Albertinho Fortuna gravou "Eu sei que vou

te amar" (c/ Tom Jobim), que logo viria a se tornar um clássico com inúmeras
regravações. No mesmo período, Diana Montez gravou "O nosso amor" (c/

Tom Jobim), canção também lançada na trilha sonora do filme, juntamente

com "A felicidade", por Agostinho dos Santos e, logo depois, por João Gil-

berto em compacto duplo.


118
VINÍCIUS
DEMORAES

1 A Em 1 960, mais gravações por Jandira Gonçalves ("Janelas abertas", com Tom

\ Jobim) e Maria Porto de Aragão ("Bate coração", com António Maria).

Em 1961, registrou sua voz em disco contendo os sambas "Água de beber"

e "Lamento no morro", ambos com Tom Jobim. No mesmo ano, a Banda do

Corpo de Bombeiros gravou a marcha-rancho "Rancho das flores", versos

do poeta sobre tema de "Jesus, alegria dos homens", de J. Sebastian Bach.

Ainda em 1961, tornou-se parceiro de Carlos Lyra nas canções "Você e eu",
15.
"Coisa mais linda" "Primeira namorada" e "Nada como te amar". Também

nesse ano, foi inaugurado no Rio de Janeiro o Teatro Santa Rosa, com uma

peça de sua autoria, Pedro Bloch e Gláucio Gil, "Procura-se uma rosa", fil-

mada depois pelo cinema italiano com o nome de "Una Rosa per Tutti". O
longa-metragem foi rodado no Rio e estrelado por Cláudia Cardinale.
VINÍCIUS 119
DEMORAES

Em 1962, a Banda do Corpo de Bombeiros gravou "Serenata do adeus", Or-

lando Silva gravou "Canção da eterna despedida" (c/ António Carlos Jobim)

e Ângela Maria gravou "Em noite de luar" (c/ Ary Barroso). No mesmo ano,

publicou "Antologia poética", "Procura-se uma rosa", e "Para viver um gran-


de amor", livro de crónicas e poemas. Compôs, com Pixinguinha, a trilha

sonora do filme "Sol sobre a lama", de Alex Vianny. Escreveu letras para

duas músicas desse parceiro, "Lamento" e "Mundo melhor", que logo se


.16
tornariam clássicos. No mesmo período, nasceu a parceria com Baden Po-

well, que renderia inúmeros sucessos, entre os quais "Só por amor", "Can-

ção de amor e paz", "Pra que chorar", "Tem dó", "Tempo feliz", "Formosa",

"Apelo", "Samba em prelúdio", "Canto de Ossanha" e muitos outros, além

de "Samba da bênção", que mais tarde seria incluído na trilha sonora do

filme "Um homem e uma mulher", do diretor francês Claude Lelouch. Em


agosto de 1962, participou, juntamente com Tom Jobim, João Gilberto e Os
120
VINÍCIUS
DEMORAES

Cariocas, de um dos mais importantes shows da bossa nova, "Encontro",

realizado na Boate Au Bon Gourmet (RJ), onde foram lançadas, entre outras,

"Garota de Ipanema", "Só danço samba", "Insensatez", "Ela é carioca" e

"Samba do avião", que se tornariam clássicos da música popular brasileira.

Na mesma casa noturna foi montada a peça "Pobre menina rica", de sua au-

toria, cuja trilha sonora, em parceria com Carlos Lyra, trazia canções como

"Sabe você", "Primavera" e "Samba do carioca", lançando a cantora Nara

Leão. No mesmo período, compôs com Carlos Lyra "Marcha da quarta-feira

de cinzas" e "Minha namorada".


VINÍCIUS 121
DEMORAES

Em 1963, Jorge Goulart gravou a "Marcha da quarta-feira de cinzas" e Elize-

th Cardoso gravou mais duas de suas canções: "Mulher carioca" (c/ Baden

Powell) e "Menino travesso" (c/Moacir Santos). No mesmo ano, Elza Soares

gravou "Só danço samba", Pery Ribeiro e também o Tamba Trio gravaram

"Garota de Ipanema" e Jair Rodrigues gravou "O morro não tem vez", todas

com Tom Jobim. No mesmo período, lançou um LP com a atriz Odete Lara, .17
contendo "Berimbau", "Só por amor", "Mulher carioca" e "Samba em pre-

lúdio", entre outras, todas com Baden Powell, com arranjos e regência de

Moacir Santos. Ainda em 1963, a Copacabana lançou o LP "Elizeth interpre-

ta Vinícius", contendo parcerias do poeta com Moacir Santos, Baden Powell,

Vadico e Nilo Queiroz, com arranjos de Moacir Santos.


122
VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1 964, retornou ao Brasil e logo em seguida apresentou-se na Boate Zum


Zum, ao lado de Dorival Caymmi, Quarteto em Cy e o Conjunto de Oscar

Castro Neves, em show que teve enorme repercussão nos meios artísticos.

O show foi lançado em LP da Elenco, com direção de Aloysio de Oliveira,

contendo, entre outras, as composições "Carta a Tom", "Dia da criação",

"Minha namorada", com Carlos Lyra, "Bom-dia, amigo", com Baden Powell,

além das composições "...Das rosas", "Saudades da Bahia", "História de pes-

cadores" e "Adalgiza", todas de autoria de Dorival Caymmi.

Em 1965, participou do I Festival Nacional de Música Popular Brasileira

(TV Excelsior), obtendo o primeiro e o segundo lugares com suas canções

"Arrastão" (c/ Edu Lobo), defendida por Elis Regina, e "Valsa do amor que

não vem" (c/ Baden Powell), defendida por Elizeth Cardoso. Também com

Edu Lobo, compôs "Zambi" e "Canção do amanhecer", que se engajaram


VINÍCIUS 123
DEMORAES

no clima de protesto da época, apresentadas em projetos do CPC (Centro

Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes). Foi designado

para trabalhar na delegação do Brasil junto à Unesco e retornou para a Euro-

pa. No mesmo período, trabalhou com o diretor Leon Hirszman no roteiro

do filme "Garota de Ipanema" e voltou a apresentar-se no Zum Zum com


Dorival Cayrnmi. Ainda em 1965, lançou o livro "Cordélia e o Peregrino",

pelo serviço de Documentação do MEC, e foi realizado, em sua homena-

gem, o show "Vinícius: poesia e canção", no Teatro Municipal de São Pau-

lo, com roteiro, produção e direção de José Marques da Costa, cenário de

Flávio Império e iluminação de Flávio Rangel. O espetáculo contou com a

participação da Orquestra Sinfónica de São Paulo sob a regência do maestro

Diogo Pacheco. As composições apresentadas receberam arranjos dos ma-

estros Guerra Peixe, Radamés Gnattali, Luiz Eça, Gaya e Luiz Chaves. Entre

os intérpretes, estiveram Carlos Lyra, Edu Lobo, Suzana de Morais, Francis

Hime, Paulo Autran, Cyro Monteiro e Baden Powell. Quando o poeta termi-

nou a apresentação da composição "Se todos fossem iguais a você", a plateia

respondeu com 1 minutos ininterruptos de aplausos.


124 VINÍCIUS
DEMORAES

VINÍCIUS

MARÍLIA
MEDALHA

TOQUINHO
Como Diria o Poeta - Vinícius, Maria Medalha e Toquinho Toquinho e Vinicius
1971 -RGE 1975 -RGE
Coleçâo Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

Vinicius & Odete Lara Vinicius: poesia e canção


1967 -Elenco 1969 -Forma
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

^H
VINÍCIUS 125
DEMORAES

Maria Bethânia, Vinícius de Moares e Toquinho Marília /Vinícius


1971-Odeon 1972 -RGE
Coleçâo Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

•-^v;'.^ [X>lvctor
TOQUWHQ/ VINÍCIUS
& AMIGOS
MARU BCTHAMA

VINÍCIUS CJROMOWraMO
SERGfO EHDfttCO
MUMCROSA
CMCO aUlROUT DE HQU.4MU
canta
"NOSSA FILHA
GABRIELA" £

música de
VINÍCIUS DE MORAES
e TOQUINHO

Vinícius Canta "Nossa Filha Gabriela" Toquinho / Vinícius & Amigos


1972 -Polidor 1974 -RGE
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin
126 VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1966, participou, ao lado de Maria Bethânia e Gilberto Gil, do show

"Pois é", no Teatro Opinião, com direção de Francis Hime. Nesse espetáculo

foram lançadas para o público carioca as músicas do compositor baiano. No


mesmo ano, gravou o LP "Afro sambas", com suas composições em parceria

com Baden Powell, que participou da gravação tocando violão. Constam do

repertório do disco "Canto de Ossanha", "Canto de Xangô", "Canto de Ie-

manjá" e "Lamento de Exu", entre outras. No mesmo período, foi convidado

a participar do júri do Festival de Cannes, ocasião na qual descobriu que o

"Samba da Benção", de sua parceria com Baden Powell, havia sido utilizado

na trilha do filme "Um homem e uma mulher", vencedor do festival, sem

os devidos créditos, o que somente foi feito após uma ameaça de processo.

Lançou também o livro de crónicas "Para uma menina com uma flor". Entre

1 963 e 1 967, viveu um período áureo na MPB, no qual foram gravadas cerca

de 60 composições de sua autoria.


VINÍCIUS! 127
OEMORAES

Vinícius com Maria Bethânia, em 1966


128
VINÍCIUS
DEMORAES

VINÍCIUS.
TOOUINHC

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Autógrafos de Sucesso - Vinícius de Moares Vinícius / Toquinho


1978 -Fontana 1980 -Philips
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

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TOQUINHO
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O Poeta e oViolão

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1

Toquinho e Vinícius - O Poeta e o Violão Os Grandes Sucessos de Toquinho e Vinicius


1975 -RGE 1980 -RGE
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin
VINÍCIUS 129
DEMORAES

ornelia^vanoni
cv7nicius de woraes
toquinho

GRAVADO AO VIVO NO CANECAO


I LITBfc
Direção; Aloysio de Oliveira

Ornella Vanoni, Vinicius de Moraes e Toquinho Tom, Vinicius, Toquinho e Miucha


La Voglia La Pazzia, Llncoscienza, UAIlegria 1971 -Som Livre

1976 - RGA- Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

GALAAI>l?l=5liNTA:
O GRANDE lENCCNTHC IX
S-IAKIA CHEUZA/VNCIUS \X MCIÍAliS/TCQUINHC
incuiindc tamiji^i as nunKawçõia d& maruamsmlha é monsuuto

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Vinicius de Moraes - Colagem Gala apresenta: O Grande Encontro de Maria Creuza /

1971 -Odeon Vinicius de Moraes / Toquinho


Coleção Instituto Cravo Albin 1980 - Gala - Coleção Instituto Cravo Albin

I
130 VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1967, estreou o filme "Garota de Ipanema", que ele sugeriu ao cineasta

Leon Hirzman realizar, baseado em sua música homónima, já um sucesso

internacional e considerada a mais vendida do repertório brasileiro em todo

o mundo depois de "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso. Organizou um


festival de artes em Ouro Preto. Nesse período, fez viagens à Argentina e

ao Uruguai.

Em 1968, depois de 26 anos de serviços prestados, foi aposentado do Ita-

maraty pelo AI-5, fato que o magoou profundamente. Nesse mesmo ano,

no dia em que no Brasil era editado o Ato Institucional número 5, Vinícius

encontrava-se em Portugal, onde viveu um dos episódios mais marcantes de

sua vida. Após um show, foi avisado de que estudantes salazaristas estavam

aglomerados na porta do teatro para protestar contra ele. Aconselhado a


VINÍCIUS 131
DEMORAES

retirar-se pelos fundos do teatro, optou por enfrentar os protestos. Parando

diante dos manifestantes, começou a declamar um de seus poemas que

dizia: "De manhã escureço/De dia tardo/De tarde anoiteço/De noite ardo."

Um dos jovens tirou então o casaco e o colocou no chão para que o poeta

passasse, no que foi imitado pelos outros manifestantes. Ainda em 1968,

participou de shows em Lisboa, na companhia de Chico Buarque e Nara

Leão. Também nesse ano, prestou histórico depoimento para o Museu da

Imagem e do Som, de onde era membro do Conselho Superior de MPB,

a convite do fundador da instituição, o crítico Ricardo Cravo Albin, que

também o convidara, dois anos antes, a integrar o corpo de fundadores

do Clube de Jazz e Bossa. Um ano depois, foi o principal entrevistador, no

mesmo ciclo de depoimentos, do parceiro António Carlos Jobim. Fez ainda

apresentações em Buenos Aires ao lado de Dorival Caymmi, Baden Powell,

Quarteto em Cy e Oscar Castro Neves. Foi lançada no mesmo período sua

"Obra poética" em edições Aguilar.


132
VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1969, apresentou-se ao lado de Maria Creuza e Dorival Caymmi em

Punta dei Este. No mesmo ano, fez suas primeiras composições com um

novo parceiro, o violonista Toquinho, entre as quais, "Tarde em Itapoã",

"Testamento" e "Como dizia o poeta". Também nesse ano, fez recital na

Livraria Quadrante, em Lisboa, apresentando, entre outros, os poemas "A

uma mulher", "Soneto da intimidade" e "O falso mendigo", além de "Sob

o Trópico de Câncer", no qual trabalhou durante nove anos. O evento foi

gravado ao vivo e lançado em LP pelo selo Festa.

Em 1968, depois de 26 anos de serviços prestados, foi aposentado do Ita-

maraty. Em 1970, apresentou-se, ao lado de Toquinho e Marília Medalha, no

Teatro Castro Alves, em Salvador, e na boate La Fusa, em Buenos Aires, em


show do qual resultou um LP gravado ao vivo e lançado pelo selo Diorama.
VINÍCIUS 133
DEMORAES

Nesse período, dividiu o palco do Canecão (RI) com o parceiro Tom Jobim,

o violonista Toquinho e a cantora Miúcha, relembrando sua trajetória como

poeta e compositor. O show ficou em cartaz quase um ano, devido ao gran-

de sucesso obtido.

Em 1971, voltou a apresentar-se na Argentina, no Café Concerto de Sylvina

e Coco Perez, em Mar Del Plata, com a participação de Toquinho e Maria

Bethânia, em show registrado em disco pela EMI, no qual estão presentes,

entre outras, algumas parcerias com Toquinho como "A tonga da mironga

do Kabulete", grande sucesso na época, "Testamento" e "Tarde em Itapoã". .25


Nesse período, um de seus grandes sucessos foi "Gente humilde", com ver-

sos assinados com Chico Buarque sobre antigo choro de Garoto. A música

foi gravada pelo parceiro da letra e regravada pouco depois, também com

grande êxito, por Ângela Maria.


134
VINÍCIUS
DEMORAES

A parceria com Toquinho começou a render vários sucessos e a dupla passou

a realizar uma série de shows pelo Brasil, percorrendo todo um inédito,

até então, circuito universitário. A dupla também excursionou no exterior.


26.
Ainda em 1971, lançou com Toquinho seu primeiro LP na RGE, com desta-

que para "Maria vai com as outras", "Testamento", Morena flor" e "A rosa

desfolhada", parceria de ambos.

Em 1972, lançou, com Toquinho. o LP "São demais os perigos dessa vida",

com destaque para as composições "Para viver um grande amor", "Regra três",

27. , "Cotidiano n° 2" e a faixa-título. As canções, em parceria com o violonista, tor-

naram-se grandes sucessos. Compôs, com Toquinho, a trilha sonora da novela

"Nossa filha Gabriela" (TV Tupi), registrada em disco nesse mesmo ano.
VINÍCIUS 135
DEMORAES

Em 1973, apresentou-se ao lado de Toquinho e Clara Nunes no Teatro Cas-


.28
tro Alves, em Salvador, no show "O poeta, a moça e o violão". f.

Em 1974, suas composições "As cores de abril" e "Como é duro trabalhar",

ambas com Toquinho, foram incluídas na trilha sonora da novela "Fogo so-

bre terra" (Rede Globo). No mesmo ano, lançou o LP "Toquinho, Vinícius e

amigos", com a participação de Maria Bethânia (em "Apelo" e "Viramundo")

e Cyro Monteiro ("Que martírio" e "Você errou", últimas gravações do can-

tor), Maria Creuza ("Tomara" e "Lamento no morro"), Sérgio Endrigo ("Po- .29
ema degli occhi" e "La casa") e Chico Buarque ("Desencontro"). No mesmo

ano, lançou o LP "Toquinho e Vinícius", trazendo, entre outras, "Tudo na

mais santa paz", "Sem medo" e "Samba do jato", todas com Toquinho, e

ainda "Samba pra Vinícius", com Toquinho e Chico Buarque, que fez uma
participação especial no disco.
136 VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1975, lançou o LP "O poeta e o violão", gravado em Milão, com a parti-

cipação especial dos maestros Bacalov e Bardotti. No mesmo ano, a Philips

lançou o LP "Toquinho e Vinícius", com destaque para "Onde anda você",


30.
parceria com Hermano Silva e que alcançou enorme sucesso, sendo regrava-

da por Maria Creuza e outros intérpretes. Ainda nesse ano, lançou pela José

Olympio o livro de poemas infantis "A Arca de Noé".

Em 1976, a RCA Victor lançou o LP "Ornella Vanoni, Vinícius de Moraes e

Toquinho La voglia/La pazzia/Linconscienza/Lallegria". Também nesse ano, a


31. -

EMI lançou o LP "Deus lhe pague", com as composições de sua parceria com

Edu Lobo.
VINÍCIUS 137
DEMORAES

Em 1977, publicou o livro "O breve momento", com 15 serigrafias de Carlos

Leão. No mesmo ano, a Philips lançou o LP "Antologia poética", com uma

seleção de sua obra poética e participação especial de Tom Jobim, Francis .32
Hime e Toquinho. A Som Livre colocou no mercado "Tom, Vinícius, Toqui-

nho e Miúcha gravado ao vivo no Canecão".

Em 1978, a Chantecler lançou "Vinícius e Amália", LP gravado em Lisboa,

no qual o poeta canta com a cantora portuguesa Amália Rodrigues. No mes-


.33
mo ano, a Philips editou "10 anos de Toquinho e Vinícius", com um resumo

de uma década de trabalhos da dupla.


138
VINÍCIUS
DEMORAES

CDUMBIA

COLUMBIA

Original de Loura ou Morena A Arte de Vinícius de Moraes


1938 - RPM - Original Columbia 1979 -Philips
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

Vinícius de Moraes Toquinho e Vinícius - OPoeta e o Violão


1974 -Editora Abril Gravado em Milão - 1975 - Odeon
Coleção Instituto Cravo Albin Coleção Instituto Cravo Albin

1
VINÍCIUS 139
DEMORAES

VINICtUS DE MORAES
VINÍCIUS DE MORAES AARCADENOE

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A Arca de Noé- vol. 1 Contracapa


1980-Odeon
Coleção Instituto Cravo Albin

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Arca de Noé 2 Contracapa


1981 -Som Livre

Coleção Instituto Cravo Albin


140
VINÍCIUS
DEMORAES

Em 1980, saiu pela Ariola o disco "Arca de Noé", no qual diversos intérpre-

tes cantam músicas infantis do poeta, musicadas a partir do livro homónimo.

O disco gerou um especial infantil na TV Globo. Na madrugada de julho

34. de 1980, começou a sentir-se mal na banheira de sua casa, na Gávea, onde

morava com sua última mulher, Gilda Mattoso, vindo a falecer pouco depois.

No mesmo ano, a Ariola lançou "Toquinho e Vinícus - Um pouco de ilusão",


último LP da dupla, que totalizou 20 discos gravados.

35. J No ano seguinte, foi lançado o volume 2 da "Arca de Noé".

2 /C Em 1988, foi lançado "Toquinho, Vinícius e Maria Creuza - O grande encon-

Á tro", pela Som Livre, com a participação de Marília Medalha e Monsueto.

?am
VINÍCIUS 141
DEMORAES

Em 1991, foi lançado o CD triplo "A história dos shows inesquecíveis - Poeta,

e violão: Vinícius, Clara e Toquinho", pela Collector's Editora. Ainda


moça
.37
nesse ano, José Castelo publicou, pela Companhia das Letras, o livro "Vinícius

de Moraes - Livro de letras".

Em 1993, a Lumiar Editora do Rio de Janeiro, de Almir Chediak, editou os


) $
três volumes do "Songbook Vinícius de Moraes". h

Em 1995, a cantora portuguesa Eugenia de Melo e Castro gravou um CD


\.
.39
contendo exclusivamente músicas de sua autoria.
142 VINÍCIUS
DEMORAES

No ano seguinte, José Castelo publicou, pela Relume-Dumará/Rio Arte, o


40.
^ livro "Vinícius de Moraes".

Em 1997, Geraldo Carneiro lançou, pela Toca do Vinícius, "Vinícius de Mo-


41. raes", uma edição ampliada do livro publicado em 1 984, na série Encontro

Radical da Editora Brasiliense.

Em 2000, por ocasião dos 20 anos de sua morte, foi realizado um show
em homenagem na de Ipanema, com a participação da Orquestra
42. sua Praia

Sinfónica Brasileira, Roberto Menescal, Wanda Sá, Zimbo Trio, Os Cariocas,

Emílio Santiago e Toquinho, interpretando composições de sua autoria.


VINÍCIUS 143
DEMORAES

Em 2001, foi editado, pelo Ministério das Relações Exteriores, em edições

trilingues, o livro organizado pela embaixador e académico Alberto da Costa

e Silva sobre os grandes escritores e poetas da diplomacia brasileira, sendo o

capítulo a ele dedicado escrito por Ricardo Cravo Albin. O livro foi lançado em .43
brochura pela Editora Franciso Alves ao final de 2002. Nesse ano, foi lançado o

"Arquivinho do poeta", contendo documentos, fotos e textos organizados por

Lélia C. Frota para a Editora Bem Te Vi.


144
VINÍCIUS
DEMORAES

O ano de 2003, em que o poeta completaria seu 90° aniversário, acolheu a

realização de vários projetos em tributo à sua criação artística. A gravadora


Som Livre lançou o CD duplo "Vinicius 90 anos", produzido por Gilda Ma-

toso, contendo gravações de Agostinho dos Santos ("A felicidade"), Maysa

("Água de beber"), Alaíde Costa ("Insensatez") e Maria Bethânia ("O que

tinha que ser"), entre outros artistas, além de depoimentos de Chico Buar-

que, Tom Jobim e Carlos Drummond de Andrade e Calazans Neto. Olívia

Byington regravou, mantendo o mesmo título, as canções do histórico dis-

co de Elizeth Cardoso "Canção do amor demais" (1958), que consolidou a

parceria do poeta com António Carlos Jobim. O CD "Miúcha canta Vinicius

& Vinicius - Música e letra", contendo exclusivamente obras do poeta sem

parceiros, foi lançado pela cantora. Virgínia Rodrigues regravou os afro-sam-


VINÍCIUS 145
DEMORAES

bas, parcerias com Baden Powell, no CD "Mares profundos", lançado nos

Estados Unidos pelo selo Deutsche Grammophon. Foi lançado o website

www.viniciusde moraes.com.br, registrando altos índices de visitação. Che-

gou às livrarias o "Cancioneiro Vinicius de Moraes: Orfeu" (Jobim Music),

songbook do espetáculo "Orfeu da Conceição", encenado em 1956 no Te-

atro Municipal, trazendo 14 partituras das canções compostas com Tom

Jobim, desenhos de Carlos Leão e Carlos Scliar, cartazes, críticas, capas de

discos, textos de Sérgio Augusto, Susana de Moraes, Paulo Jobim e Caca

Diégues, uma edição assinada por Maria Lúcia Rangel dos textos do poeta

sobre a criação da peça e a correspondência mantida com Tom Jobim acerca

da primeira adaptação da obra para o cinema, realizada por Mareei Camus,

em 1959, com o título de "Orfeu negro".


146
VINÍCIUS
DEMORAES

Em 2005, "The Girl from Ipanema", histórica gravação de Astrud Gilberto,

ao lado de Tom Jobim, João Gilberto e Stan Getz, realizada em 1963, foi

escolhida como uma das 50 grandes obras musicais da Humanidade pela

Biblioteca do Congresso Americano. Também em 2005, estreou, na abertura

45. da sétima edição do "Festival do Rio", o documentário "Vinicius", dirigido

por Miguel Faria Jr. e produzido por Suzana de Moraes, filha do poeta, com

a participação de Chico Buarque, Carlos Lyra, Caetano Veloso, Maria Bethâ-

nia, Adriana Calcanhoto, Mariana de Morais e Olívia Byington, entre outros

convidados. A trilha sonora do filme foi lançada em CD pela Biscoito Fino.


VINÍCIUS 147
DEMORAES

Em 2007, foi lançado "Cancioneiro Vinicius de Moraes - Biografia e obras

escolhidas" (Jobim Music), contendo partituras, biografia, fotos e cartas. A


pesquisa realizada para a produção do livro revelou a letra "Bonita demais",

escrita para a música "Bonita", de Tom Jobim, gravada com letra original em
inglês de Tom em parceria com Gene Lees e Ray Gilbert no disco "A cer-

tain Mr. Jobim". Revelou ainda a canção inédita "Por onde andará o amor",

parceria de Tom e Vinicius que acabou ficando de fora do disco "António .46
Brasileiro", de 1994. Nesse mesmo ano, foi lançado o CD "O cinema de

Pixinguinha", reunindo pela primeira vez em disco a trilha do filme "Sol

sobre a lama", de Alex Viany, para a qual o poeta escreveu cinco letras, em
regravações de Elza Soares ("Mundo melhor"), Jards Macalé ("Samba fúne-

bre"), Diogo Nogueira e As Gatas ("Iemanjá"), Marcelo Vianna e Mariana de

Moraes ("Lamento") e Céu ("Seule", com letra em francês).


148
VINÍCIUS
DEMORAES

Em 2008, foi lançado o livro "Samba falado" (Azougue Editorial), organizado

por Miguel Jost, Sérgio Cohn Simone Campos, com o texto de apresenta-
47. e

ção de Miguel Jost "A bênção, Vinícius", contendo crónicas musicais deixa-

das pelo poeta.

Em começo de 2008, a Fundação Alexandre de Gusmão prestou-lhe uma

grande homenagem no velho Palácio do Itamaraty, no Rio, onde Vinícius

trabalhou durante décadas. Deu-lhe o nome uma do


48. a ala Palácio, inaugu-

rando seu busto em bronze feito em alto relevo, ocasião em que houve uma

celebração pública juntando 300 pessoas e reunindo as Escolas de Samba da

Mangueira e da Portela.

M
VINÍCIUS 149
DEMORAES

Em 2009, um abaixo -assinado criado pelo Instituto Cultural Cravo Albin

arrecadou quase mil assinaturas pedindo a promoção "post mortem" do Se- .49
cretário Vinícius de Moraes a Embaixador da República.

Depois de o Chanceler Celso Amorim propor ao Presidente Lula a promo-

ção de Vinícius a Embaixador, o Presidente enviou ao Congresso Nacional a .50


mensagem, que transitou durante quase um ano.

Finalmente, no dia 21 de junho de 2010, o Presidente da República assinou

a Lei 12.265, que promoveu "post mortem" Vinícius a Embaixador. Em ou-


tubro do mesmo ano, em solenidade no Palácio do Itamaraty em Brasília a .51
que acorreram todo o Ministério e o corpo diplomático, o Poeta da Paixão foi

consagrado publicamente como Embaixador do Brasil.


PALAVRA
,-»~\
VINÍCIUS 153
DEMORAES

TESTEMUNHO HISTÓRICO
DO CHANCELER QUE AUTORIZOU
O PROCESSO DE PROMOÇÃO
Celso Amorim
Ministro das Relações Exteriores

Um dos maiores poetas em língua portuguesa de todos os tempos, Vinícius

de Moraes foi também diplomata de carreira. Tendo ingressado no Itama-

raty por concurso, em 1942, serviu em Los Angeles, Paris e Montevideu.

Cultivou amizades e admiração nos círculos artísticos e diplomáticos que

frequentou. Foi aposentado compulsoriamente em 1969.

Em 21 de junho último, o Presidente Lula sancionou a lei que promove

Vinícius, que não está entre nós já há trinta anos, ao cargo de Embaixador.

A promoção póstuma de Vinícius de Moraes a Ministro de Primeira Classe

da carreira diplomática teve duplo propósito.

O primeiro foi reverter a injustiça perpetrada pelo regime militar, que apo-

sentou prematuramente o então Primeiro Secretário como parte do movi-

mento de "caça às bruxas" no serviço público. O Secretário Vinícius - poeta e


154 VINÍCIUS
DEMORAES

compositor de renome - não se encaixava exatamente no modelo de funcio-

nário público imaginado pelos donos do poder em tempos de AI-5. Embora

fosse um diplomata competente, que cumpria suas funções no Itamaraty

com esmero, foi vítima da intolerância característica do regime.

Por outro lado, a homenagem póstuma a Vinícius - um dos pais da bossa nova
e autor de clássicos que ecoam no cancioneiro popular até hoje - representa
um reconhecimento a sua enorme contribuição à divulgação da imagem do

Brasil no exterior. Garota de Ipanema, fruto de sua prolífica parceria com


Tom Jobim, é das canções mais tocadas em todos os tempos. Vinícius cantou

o nome e as belezas do Brasil mundo afora. Traduziu na música e na poesia

os ideais da diversidade racial. Foi, sem dúvida, um grande Embaixador

da cultura popular brasileira.


u.

wm mm
VINÍCIUS 157
DEMORAES

DEPOIMENTO

Embaixador Affonso Arinos de Mello Franco

Ao entrar no Itamaraty, fui designado para servir na Comissão de Organismos

Internacionais, subordinada à Divisão de Atos Internacionais. Ali chegado,

apontaram-me uma mesa vazia, que seria a minha. Na mesa pegada, abole-

tava-se o diplomata Vinícius de Morais. Desde então, ficamos praticamente

inseparáveis por todo o tempo em que servimos juntos na Secretaria de

Estado - durante o dia no Ministério, à noite em romaria incessante pelos

bares de Copacabana. O horário manso do trabalho permitia a vida boémia

colateral.

Findo o expediente, nos dirigíamos à sede do jornal Última Hora, distante

apenas uns quarteirões, onde Vinícius devia entregar sua crónica diária, com
que suplementava os modestos vencimentos funcionais. Eu desconhecia,

a princípio, que a colaboração do poeta com a imprensa ia além daquela

coluna. Uma tarde, estávamos em nossa sala no Itamaraty, quando entrou


158
VINÍCIUS
DEMORAES

o contínuo trazendo a correspondência para o cronista, que aproveitava as

folgas do serviço para respondê-la. Só que, naquele dia, a grande quanti-

dade de cartas me surpreendeu. Intrigado, indaguei-lhe se eram todas de

leitores da sua crónica. Meio sem jeito, ele perguntou se eu lia mesmo a

Última Hora, ao que confirmei lê-la diariamente. Seu embaraço aumentava:

" - Flan, semanário da Última Hora, tem um consultório sentimental." "- Eu

sei, assinado por Helenice."

Helle Nice fora uma corredora de automóveis francesa, conhecida no Rio de

Janeiro ao disputar o Circuito da Gávea em seus tempos heróicos, antes da

segunda guerra mundial. Fazia sensação, ao posar, fumando, na praia de Co-

pacabana, com maio de duas peças. O próprio ditador Getúlio Vargas, adepto

do género vedette, deixou-se fotografar a cumprimentá-la, embevecido.

Veio, em seguida, a confissão encabulada de Vinícius: " - Helenice sou eu.

Esse monte de cartas se deve ao fato dela ter anunciado uma receita infa-

lível contra a queda de cabelos." Conhecendo o poeta, não duvido de que

seus conselhos possam ter desfeito vários lares de leitoras incautas. E ainda

ganhei uma receita de próprio punho, dedicada por Helenice, que começava

mais ou menos assim: "Comprar uma escova de pelo-de-arame. Esfregar com


força o couro cabeludo. Vai cair cabelo á beça. Não dar bola."

Na redação da Última Hora, formavam uma rodinha, conversando e comen-

tando os fatos do dia, os queridos Oto Lara Resende e Hélio Pellegrino,

além de outros amigos. Oto cobrava de Vinícius, o grande lírico de Poemas,

sonetos e baladas, a continuidade da obra literária, mas o poeta se defen-

dia, embrando que suas letras para a música popular estavam no coração

e na boca do povo, ao passo que a leitura dos versos ficaria restrita a uma
elite. Eu achava que os dois tinham razão, mas a verdade é que, no caso, a

música, sempre bonita, matou a poesia, cujas últimas tentativas foram bem
medíocres. Beatriz de Morais, a Tati, fazia crónica de cinema. Recém-sepa-

rada de Vinícius, era constrangedor para ela juntar-se ao grupo. No entanto,

caminhando de um lado para o outro, passava por nós com frequência, e daí

nasceu o primeiro samba-canção de Vinícius de Morais, "Quando tu passas

por mim".

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^—
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(TI
Quando tu passas por mim
Por mim passam saudades cruéis
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< Passam saudades de um tempo
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03 £
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o
^ Em que a vida eu vivia a teus pés
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Quando tu passas por mim

O Passa o tempo e me leva para trás

03
Leva-me a um tempo semjim
cr A um amor onde o amorjoi demais

E eu que sófiz te adorar

E de tanto te amar penei mágoas sem fim

Hoje nem olho para trás

Quando tu passas por mim


160 VINÍCIUS
DEMORAES

Vinícius separou-se de Tati, pela primeira vez, por causa de Regina Peder-

neiras, arquivista do Itamaraty, inspiradora da sua "Balada das arquivistas".

Arranjou, lá pela região serrana, um padre que o casou com a nova amada,

na ausência conspícua da mãe e das irmãs. Passados uns dias, reapareceu em


casa e cobrou: "- Vocês não apareceram no meu casamento." Elas ficaram

esperando a reprimenda, mas a reação veio sob forma carinhosa: "- Pois

perderam. Estava muito bonitinho."


VINÍCIUS 161
DEMORAES

O resto da história me foi contado por Pedro Nava, companheiro fraterno de

Vinicius. Mais tarde, aquele dormia, por volta das quatro da manhã, quando

Regina telefonou acordando -o, alarmada: "- Nava, Vinicius está desmaiado.

Não sei o que fazer. Me ajude!" Nava vestiu-se, arrumou a maleta de instru-

mentos e remédios, e rumou para a casa do amigo, bem distante. Deu-lhe

uma injeção, reanimou-o e foi-se embora. Uma semana depois, de novo:

"- Nava, Vinicius voltou a desmaiar." Lá estava o poeta, desacordado. Desta

vez, o médico pediu: "- Regina, traz-me um café forte, por favor." Quando
ela desapareceu na cozinha, Nava sacudiu severamente o corpo inerte do

amigo: "- O que é que há?" E Vinicius, entreabrindo um olho súplice:

"- Pedrinho, eu não aguento mais ..."

O poeta não seria réu primário neste truque. Um dia, com o lar já sob outra

gerência, a musa de turno recorreu a Oto Lara Resende, pois o companheiro

sentia-se mal. Oto se fez acompanhar por Hélio Pellegrino, que tinha formação

médica. Mas, ao adentrar o quarto onde jazia Vinicius, lobrigou, sobre a

cabeceira, a intimação de uma promissória vencida. Tirou, então, da carteira

uma nota de dois cruzeiros, cuja cor alaranjada era semelhante à de mil,

ilustrada por um retrato de Pedro Álvares Cabral. Dobrou-a com cuidado e,

ao despedir-se de Vinicius, passou-a sorrateiramente ao pseudo-enfermo,

que, na sua expressão, a capturou "com mão de garçom recebendo gorjeta".

Os dois amigos pretextaram sair, mas ficaram esperando atrás da porta, até

ouvirem uma risada. O poeta confessou: "- Eu pensava que fosse um


Cabralzinho..." E, já reconfortado, seguiram juntos para a cidade.
162 VINÍCIUS
DEMORAES

Voltemos, porém, à Última Hora. Do jornal, saíamos para o bar Maxim's,

na Avenida Atlântica. Lá era também diária a presença de escritores e

jornalistas talentosos, e boémios contumazes, como Rubem Braga, Fernando

Sabino, Paulo Mendes Campos, Sérgio Porto, Lúcio Rangel e António Maria,

então inseparável de Vinícius. E começava a paixão de Vinícius por Lila

Boscoli, que gerou a "Poema dos olhos da amada".

ru
"O
-g
Oh, minha amada Que os olhos teus
-g
CO -Si

< -i
São cais noturnos Cheios de adeus
ro ^
"O ui
ai São docas mansas Trilhando luzes
LO 2
O °
Que brilham longe Longe nos breus
-o

LO
o
~a > Oh, minha amada Que olhos os teus
ru
E
a; Quanto mistério Nos olhos teus
o
Quantos saveiros Quantos navios
Quantos naufrágios Nos olhos teus...

Naquele tempo, eu frequentava o Grémio Recreativo Escola de Samba União

i de Vaz Lobo, do qual era sócio,

todas às sextas-feiras. E, às
com carteirinha e tudo. Tínhamos ensaios

vezes, o grande compositor da escola, Zé Kéti, vinha

fazer uma escola de samba em casa de parentes ou amigos nossos. Uma


noite, a reunião ocorreu em casa do senador Hamilton Nogueira, cujo filho

Luís Paulo era prócer importante do Grémio Recreativo. Convidei Vinícius e

Lila para irmos juntos. Lá chegados, encontramos Zé Keti na sua animação

habitual, acompanhado por um amigo silencioso. Este começou a dedilhar

seu violão, cantarolando:

"Se alguém diz que eu sou um covarde, errou /

Só porque abandonei aquela mulher / Quem con-


dena é certamente porque nunca amou."

Lila ficou no auge da excitação: "- Vinicius, o samba da minha vida! Por favor,

de quem é ele?", exultava. "- Meu, minha senhora", respondeu discreto,

o senhor moreno e grisalho. "- Mas, então, o senhor..." "- Sou Nelson

Cavaquinho, para servi-la, minha senhora."

Certa vez, Vinicius e António Maria, acompanhados das respectivas amadas

de ocasião, passaram em minha casa, já tarde, para levar-me com ele a São

Paulo, aonde chegamos ao amanhecer. O pernambucano gordo dirigia o

Zé Keti
164
VINÍCIUS
OEMORAES

m automóvel, e, de repente, pôs-se a reproduzir, em


imaginava estar-se travando entre o casal que viajava no carro ao lado,
voz alta, a discussão que

com o

qual ele apostava corrida para ultrapassá-lo: "Cuidado, Azevedo, vá mais de-

vagar... Azevedo, você está andando depressa demais... Não corra, Azevedo,

por favor... Azevedo, aquilo é um negro, Azevedo!".

Às vezes, íamos ao Michel, que ficava atrás, no "beco das garrafas", para ouvir

Dolores Duran. De uma feita, Vinícius e eu percorremos vários pontos de en-

contro dos notívagos em Copacabana, até amanhecermos em um bar da praia,


comemorando o nascimento, naquele dia, da sua filha Georgiana. Afonso Ari-

nos, ao saber disso, insinuou que o poeta, esquerdista festivo, dera o nome à

filha para homenagear Stalin, nascido na Geórgia. (Um dia, Oto, Marco Aurélio

Matos e eu resolvemos visitar Vinícius, que estava doente. Encontramos Tom

Jobim sentado à cabeceira do poeta. A conversa descambou para os crimes de

Stalin. Os amigos mineiros pressionavam Vinícius, que acabou concordando:

"Foi uma grande figura, mas era um monstro moral.").

A Embaixada em Paris lhe foi destinada como posto diplomático. Então nos

afastamos, mas ele precisou de dinheiro no Rio, e arranjei-lhe empréstimo

com parente meu que geria uma agência bancária. Por carta de março de

1955, Vinícius me informava da França que "figura de Pedro Nava esteve

excelente aqui. Grandes bate-papos. Ele te contará aí. Consta que meu livro

esgotou rápido, e eu estou brilhando muito por aí. Se for verdade, escreve

contando, pois sempre dá prazer saber que a gente ainda não foi esquecido."
O poeta diplomata pedia ainda: "Manda me avisar da data do vencimento."

Eu já estava noivo; ao aproximar-se a ocasião do matrimónio, verifiquei que

teria necessidade das parcas economias imobilizadas pela fiança. Então, es-

crevi-lhe recordando que a promissória por mim avalizada estava por vencer;

e me lembro de cor, até hoje, da sua resposta telegráfica, redigida em latim

macarrônico: "Non Afobare Fili Mihi. Papagaius Pagatus Est. Vinícius".

Ao felicitar-me pelo casamento, em agosto, contou-me que, apesar da grande

agitação social, mesmo em Château d'Eu, "este sarcófago onde me enterrei

por quinze dias para poder trabalhar um pouco em coisas minhas - o que é

impossível em Paris", ia "tocando assim mesmo o cenário de um filme e uma


Dolores Duran
166
VINÍCIUS
OEMORAES

peça de teatro noite adentro". Eram o Orfeu Negro e o Orfeu da Conceição,

a propósito dos quais ele me pedia, em setembro, para ajudá-lo a apressar

uma resposta favorável ao pedido, que fizera ao Itamaraty, para passar dois

meses de férias no Brasil. "O tempo está correndo, e eu não posso perder

essa minha viagem, que é importantíssima, do ponto de vista 'cinematográ-

fico' da carreira. Você, por essa altura, já deve ter lido aí sobre o meu filme

com o Gourdine, etc. (...) Breve nos veremos aí, para trançar um violão.

Estou cheio de sambinhas novos."

Casei-me, e fui removido para a Embaixada em Roma. Passamos em férias

por Paris, revimos Vinícius e Lila, e revivemos por uma noite, saindo em
bando, a boémia do Rio de Janeiro. Mas, naquela mesma noite, o casal se

desfazia; enquanto eu me sentava no meio-fio, consolando Lila, acontecia

ali mesmo, bem por detrás de nós, um novo amor para Vinícius, a namorar

ostensivamente Lúcia Proença.

Devoto dos encantos femininos, o poeta não era discreto sobre suas deten-

toras que lhe retribuíam as atenções. De um desses amores, flama alta e

brilhante, muito exótica, mas de curta duração, confidenciou-me, certa vez,

não saber se a considerava "uma beleza ou um bofe".

Mas tinha o coração bondoso. Um dia, desafiou o brutamontes que, no bar

Recreio, ousara falar mal de Alceu Amoroso Lima. De outra feita, já havia

bebido bastante, no Maxim's, quando disse de repente: "Eu sinto uma pena
das pessoas...". E pôs-se a chorar.
Voltamos a estar juntos no Rio, bem mais tarde, e por pouco tempo, Vinicius

se apresentava, então, num vasto auditório, com Tom Jobim, Toquinho e

minha prima Miúcha. Terminado o espetáculo, esticávamos a noite numa


churrascaria, o poeta na cabeceira da mesa comprida, o dinheiro da bilhete-

ria a estufar os bolsos da camisa, pagando tudo para nós.

Nosso encontro final ocorreu quando ele vivia com a argentina Nelita. Duas

amigas da nova mulher passavam uma temporada em sua casa no Rio, en-
Tom Jobin e Miucha
quanto a companheira permanecia em Buenos Aires. Fomos jantar os quatro

num restaurante em Ipanema. Vinicius bebia muito, e ora se inclinava sobre

uma das moças, ora caía por cima da outra, que lhe endireitava a roupa.

Levei- os para casa, na Gávea, à qual dava acesso, a partir da rua, uma vasta
escadaria. Dali o vi pela última vez, como que subindo aos céus, amparado

por um par de anjos portenhos.

Em uma das fases mais sombrias da nossa história recente, Vinicius foi ex-

cluído da carreira diplomática por ato arbitrário do regime militar. Os ca-

tões de plantão, capachos da ditadura, julgavam sua vida artística e boémia

incompatível com a alegada pureza revolucionária. Mas poucos diplomatas

contribuíram como ele para divulgar o Brasil no exterior. Seu nome deveria

ser dado a algum órgão do Itamaraty encarregado de promoção cultural, pelo

tanto que a cultura brasileira deve a Vinicius de Morais.

Fonte: Mello Franco Filho, Affonso Arinos. Mirante. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.
VINÍCIUS 169
DEMORAES

TURMA VINÍCIUS DE MORAES


DO INSTITUTO RIO BRANCO PARA NOVOS
DIPLOMATAS DO BRASIL
2001-2003

Palácio Itamaraty, em 20 de abril de 2004

Discurso do Ministro das Relações Exteriores,


Embaixador Celso Amorim

(...)

Não posso deixar, também, de, num momento como este, lembrar que Viní-

cius de Moraes foi muito mais do que poeta e diplomata. Foi, também, uma

fonte de inspiração para muitos de nós, e permito-me, Senhor Presidente,

numa nota também pessoal, lembrar que o Embaixador Ruy Nogueira, hoje

Subsecretário de Cooperação e há até pouco tempo Embaixador em Caracas,

lia para nós poemas do Vinícius de Moraes, de quem ele era especialmente

adepto, e conquistava nossos corações, mesmo que hoje não fosse sábado.

(...)
Discurso do Paraninfo,
Ministro Rubem António Corrêa Barbosa

Junto-me a vocês na justa homenagem que prestam a Vinícius de Moraes,

ao elegê-lo patrono da turma. Poeta maior e diplomata, intelectual e artista

como vários de nossos pares, soube abrilhantar as cores da bandeira nacional

com seu talento reconhecido dentro e fora do Brasil. Sinto que, obrigado

a afastar-se de nosso convívio, em virtude de decisões tomadas em outros

tempos de nossa História, muito perdeu o Itamaraty, ao não poder continu-

ar a tê-lo em seus quadros. Mais ganhou o Brasil, que pôde desfrutar por

inteiro do talento, sensibilidade, carisma e simpatia deste destacado colega,

que tinha no culto à liberdade e na máxima do amor eterno enquanto dure

normas de vida de uma sabedoria talvez à frente de seu próprio tempo.

Carioca, como eu, Vinícius deixou nosso convívio em julho de 1980. Con-

sultando dados relevantes de sua vida, encontrei, referente ao ano de 1979:

participa de leitura de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernar-

do do Campo, a convite do líder sindical Luís Inácio da Silva.


Discurso do Orador,
Rubem Mendes de Oliveira

(...)

Como patrono de nossa turma escolhemos um desses nomes de expressão


cultural, o diplomata Vinícius de Moraes. Tendo ingressado no Itamaraty

em 1943, Vinícius já era poeta e letrista reconhecido e premiado, pois bem


antes desta data já havia publicado mais de um livro de poemas, e já havia

igualmente lançado algumas de suas primeiras canções. Por essa razão, cer-

tamente, Vinícius se auto-definiu, no célebre "Samba da Benção", como "...

poeta e diplomata", como a ressaltar, na ordem cronológica de suas ativida-

des, aquilo que deveria ter sido também a ordem desejada para seu pai. Na
bela e comovente "Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes,

poeta e cidadão", o filho Vinícius o apresenta como "...poeta e funcionário",

revertendo a realidade da vida daquele que, também poeta talentoso, man-

teve a veia artística confinada à intimidade familiar em favor da segurança e

regularidade do emprego público.

Tendo iniciado sua carreira nesta Casa na então Divisão Económica e Social,

o diplomata Vinícius obteve, apenas um mês depois de nomeado, a con-

firmação no serviço público com nota máxima na avaliação que levava em


conta itens como discrição, pontualidade, iniciativa, urbanidade, capacidade

intelectual, disciplina, dedicação ao serviço e caráter.

No exterior, Vinícius serviu em Los Angeles, em Montevideu e na Dele-

gação do Brasil junto à UNESCO, em Paris. A experiência do amor à pátria

- experiência comum a todos nós nesta Casa - que se manifesta de forma

mais intensa quando estamos fora do Brasil, foi também objeto de sua poe-

sia, em "Pátria minha", por exemplo:


172
VINÍCIUS
DEMORAES

"...Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa

Que brinca em teus cabelos e te alisa

Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade me vem de adormecer-me


Entre teus doces montes, pátria minha

Atento à fome em tuas entranhas

E ao batuque em teu coração"

Do mesmo modo, é essa experiência permanente da Pátria para a qual nos

alertou o Barão do Rio Branco que encontramos na comovente alegria que

Vinícius manifesta em "Do amor à pátria", quando, atravessando o oceano,

consegue ouvir num rádio de ondas curtas uma emissora brasileira:


VINÍCIUS 173
DEM0RAES

"Adorável prefixo noturno, nunca te esquecerei!

Foste mais uma vez essa coisa primeira tão única como o

primeiro poema.
primeiro amigo, a primeira namorada, o

direi: é possível que o padre Vieira esteja certo ao


E a ti eu

dizer que a ausência é, depois da morte, a maior causa da

se cresceu
morte do amor. Mas não do amor à terra onde
imagem e semelhança se
e se plantou raízes, à terra a cuja

onde um dia, num pequeno lote, se espera poder


foi feito e

nunca mais esperar"

(...)

Funag, 2009)
FORMATURAS DO INSTITUTO RIO BRANCO (2004-2008): Discursos. Brasília:
(Fonte:
CARTAS

POETA
176
VINÍCIUS
DEMORAES

Los Angeles, Novembro 2, 1949

Lauro querido,

Al te mando, Junto eon una plaquettinha de surpreza, que

o nosso João fêz, UB pedido de reserva de 3 exenplares do ensaio dele


scbre Hirô. .'-lies, recebi carta dele, há uns três ou quatro dias, me

dizendo que ia fazer una trepanação, multo breve. Fiquei nuito aflito,

nas por ftutro lado a gente tem sempre a esperança de que seja o remédio

para aquelas chat ís sinas dores de cabeça que êle vinha, nantendo. De qual

quer modo é un troço seríssimo.

dinheiro (30 dólares, se nao ne engano) sô te poderei

mandar en dezembro, pois una viagem que fiz ao México me arruinou. Pui
para estar un pouco com o Di, que anda por lá, para ver ITeruda, que esta

va nuito nal - Já vai nelhor - de uma flebite trombósica, e para dar uma

olhada em llexico City, que ne deixou louco. Adorei tudo. País formidável

povo louco, genial. Coisas lindas, mulheres inclusive. Conheci bem Ouer-

rero e Siqueiros, nas não pude estar com Rivera, de quem vi no entanto

a exposição completa - nuita porcaria, muita coisa formidável - os mura

is são o melhor que há. Andei con quase todos os artistas de lá, gente

sin;.ática e bastante piroquete. Nesse ínterim, fundamos 1


o Di, o Carlos

Obregon Santacília e um poeta-arquiteto chamado Cones Hayoroaf depois


de um lauto Jantar e porre) o Bureau Interamericano de Arte, para divul'

gação interanericana das obras de arte e cultura dos países. A Secretas!

ria Central será em México City. Obregon ê 4m dos maiorais da arquite*

tura lá, e alén de tudo muito rico. "stá louco pelo projeto. Já ne man-

dou a fatostática do documento de fundação, escrito num menu de reatau-

rante.

"Canto General", do Neruda, vai sair até o fim do ano, com

ilustrações do Siqueiros e do Rivera. Se quiseres um exemplar manda


VINÍCIUS 177
DEMORAES

15 dólares, que os remeterei a Delia. 3u assinei dois. Vê se há alguéij

mais ai que 3e interesse, nas faz a coisa con discreçao, poi3 o nome do

Meruda é muito hot em rodas burguesas, quanto mais diplomáticas.


Mando-te também o 18 exemplar de AFilma ", que nos custou tanto supr,
1

Ficou boa. Podes divulgá-la ai, e cavar assinaturas. A revista precisa mul-

to delas para viver. secundo número sai agora (só está esperando por um

zrtigo meu sobre "The iuiet One", que vou mandar já). terceiro será uma

homenagem a 2isenstein, sobre quem colhi material excelente r.o ''éilco, qua-

se tudo inédito. S G conseguires assinaturas para "Filme", que sejam dire-

tamente endereçadas à redaçao no Rio.


escrefer mais
Tati desculpa-se de ainda não poder *»»»**
a Sarinha, nas que
Pergunta ge ela recebeu a carta dela Tati. / ,
está nuna ocupação feroz. E Fstá mesmo, coitada. Trabalha de sõire. sol, co-

mo soi dizer, e está na maior aporrinh%çao disso aqui. Agora, ainda por ci-

ma estamos hpspedando a "lsinha do Sá Pires, também apelidada Pudim Carnal,

Mas não está mais Pudim Carnal não, senão engraçadinha.

Ando trabalhando e escrevendo muito, "ão há tempo para nada. 3e ti-

veres alguma notícia da operação do João, manda imediatamente, que eu farei

o mesmo. -i escreve.

Abraços nos dois.

Carta ao amigo e também diplomata Lauro Escorei - Los Angeles, 1949


Coleção AML - Lauro escorei - AMLB/FCRB.
178 VINÍCIUS
DEMORAES

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»n> Cl Qacajlima oUhtUh. núcleo j&u'*} a^h/W/ masi

<aj U-tíà CLAjeAAd d m&iA fàA , &cc< i/4A aie nf~y&> , ru-

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CcAOajS , ç JjU%<M c^vifiA . fraT t\-ue O çux^htexxÁC


I
«*hiU4AJ. e* klL<u *> Lua. ejuM. Lui/n , ma* e*/ e*, hw» ,c

\fiAjrv<djUj.(uaA. U4ju'i ^ , t/c... f&tc* tru^uM o íleo JíuxjCí

UamtusO CATrvx eh. rv\jul A aio n\C<J (/d.<LA^O

Manuscrito de carta ao amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade - Londres, 1938


Arquivo Rodrigo Melo Franco de Andrade - AMLB/FCRB.
AFETO
ENTES

QUERIDOS
\~>>

\
síntese de testemunho filial

Luciana de Moraes

I
O grande pai, o grande amigo,

cujas lições de vida que me deu


me servem até hoje como exemplo de amor,

generosidade e harmonia.

Grande pai, grande poeta.


PARA SEMPRE EMBAIXADOR
DO AMOR

Gilda Mattoso
:-.^ir. . I

Sempre que me pedem que eu escreva algo sobre Vinícius, fico parada,

pensando na importância imensa que ele tem na minha vida afetiva e inte-

lectual, tendo sido o maior amor de minha vida e um interlocutor fantástico,


sempre pronto pra qualquer conversa, sempre valorizando a mulher, sobre-

tudo a dele!!! Sinto uma saudade diária dele, sobretudo quando vê-se tanta

canalhice assolando nosso pobre pais (Pátria Minha!!!), ele que foi um ser

tão generoso e correto com tudo em sua vida, espalhando amor por onde

passasse e sendo sempre correto sem ser chato nunca.

Agora que estamos em plena reabilitação do Vinícius de Moraes diplomata

muito tem se falado dele que tanto sofreu com o afastamento do Itamaraty,

tão injusto em pleno período de chumbo do Brasil. Vinícius é agora Embai-

xador, coisa que ele, mesmo afastado da "carriere", sempre foi, levando o

nome do Brasil ao mundo inteiro onde se toca e se ama sua musica, o maior

produto de exportação da nossa pátria


186
VINÍCIUS
DEMORAES

Mas não é do Vinícius diplomata nem do Vinícius poeta e musico que quero

falar aqui. Quero falar do homem extraordinário que Vinícius foi para suas

mulheres, seus parceiros, seus amigos em geral. Sempre atencioso e cheio

de afeto, Vinícius viveu pouco já que morreu há 30 anos com apenas 66

anos mas viveu muito intensamente. Os anos que vivi com ele foram os mais

importantes de minha vida que se divide em AV e DV (Antes de Vinícius e

Depois de Vinícius). Por ele, abandonei uma vida já bastante estruturada

em Paris onde eu vivia e depois de ficarmos juntos por uns 6 meses na

Europa, eu larguei tudo para vir com ele viver no Brasil (eu sairá daqui em
73 e voltava em 78) e tenho a impressão de que, não tivesse a sua morte

nos separado, estaríamos juntos ate hoje. Quando via minha amiga Enrica e

seu Michelangelo Antonioni que tem, mais ou menos, a mesma diferença

de idade minha com Vinícius (39 anos!!!), ficava pensando em como teria

sido nossa vida caso Vinícius tivesse me brindado com mais uns anos em
sua doce companhia. Pensava o mesmo quando via fotos de Oona e Chaplin,

outro casal celebre e feliz com uma enorme diferença de idade.

Vivi na Inglaterra 3 anos (adoro o texto dele "Porque amo a Inglaterra" e foi

em Londres que deu-se nosso primeiro encontro), 1 ano na Itália (onde em


11 começou nosso romance!!!) e 2 anos em Paris (onde decidimos que íamos

viver juntos e para sempre!!!). Ainda hoje quando volto a Roma ou a Paris

o que faço com bastante frequência, graças a meu trabalho de assessora de

Caetano Veloso (de 89 a 2004) e de Gilberto Gil (de 2004 até agora), todas

as vezes refaço os roteiros que fiz com ele, vou a restaurantes que íamos jun-

tos (alguns já não mais existem) e revejo amigos que testemunharam nosso

amor (Franco Fontana, Marília Torres, Fiorella Amico, Dominique Dreyfuss e

os agora já falecidos Gianni Amico, Sérgio Endrigo, Sérgio Bardotti, Jean Ge-

orge Rueff). Minha alma fica alegre ao atravessar as pontes que cortam o Rio

Sena ou passear pelas Vias Sistina, Veneto, Del Corso onde caminhei muito
VINÍCIUS 187
DEMORAES

de mãos dadas com Vinícius. Tive este privilégio e era como casar com um

príncipe encantado já que desde a adolescência eu tornara-me fã de sua

poesia e de suas musicas. E ter como cenário de nosso amor essas 2 cidades

tão românticas!!! Nunca refiz minha vida afetiva e ainda hoje parece que foi

tudo um sonho e tenho muita revolta por Vinícius ter me deixado tão cedo,

tão jovem e tão desamparada. Felizmente logo me refiz, arranjei trabalho na

industria fonográfica e pude assim seguir em contato com sua musica, com

seus parceiros com seu amor. O que faço ainda hoje, 30 anos depois de sua

morte e cheia de saudades!!! Viva Vinícius, o Embaixador do Amor.

/
VINÍCIUS 189
DEMORAES

A PRESENÇA DE VINÍCIUS

Haroldo Costa
Primeiro Orfeu da peça Orfeu da Conceição

A primeira vez que vi Vinícius de Moraes pessoalmente, foi no Consulado

Brasileiro em Paris, onde ele exercia as funções de adido cultural. Era abril

de 1954, primavera. A companhia de danças Brasiliana, chegava à capital

francesa, depois de três anos de peripécias pelo mundo, tendo começo em


Buenos Aires. Éramos 50, entre bailarinos, coreógrafos, músicos e diretores.

Continha varias funções, mas a mais constanteera era a de bailarino e dire-

tor artístico, por ter sido um dos idealizadores do grupo no Rio de Janeiro,

mais precisamente no Largo do Machado, no Café Lamas.

Ao chegar a Paris, contratados pelo empresário Claude Giraud para uma


temporada no Theatre de L'Étoile, soube que deveríamos pagar umas taxas

para a prefeitura, a menos que tivéssemos a chancela de espetáculo cultura,

o que de verdade éramos, e isto deveria ser testado pelo Consulado. Fomos

em grupo procurar o cônsul que nos encaminhou ao adido, e era Vinícius.


190
VINÍCIUS
DEMORAES

Ali começou uma grande amizade que durou enquanto ele viveu, mas que

permanece aquecida pelas lembranças de coisas que vivemos juntos e, claro,

pela sua poesia e música. Vale dizer que o atestado foi concedido e Vinícius

não perdeu nenhum dos espetáculos apresentados.

Rara a noite que não saiamos em bando pelas ruas de Paris, parando em
alguns bares e conversando pela madrugada a dentro. Por coincidência na-

quele momento o Brasil estava nos noticiários artísticos da cidade por causa

de uma exposição do acervo do Museu de Arte de São Paulo, um grande

grupo de brasileiros, residentes ou de passagem, animava ainda mais as

nossas apresentações no teatro e se juntava também às nossas andanças. Foi

assim que conheci o pintor Augustinho Rodrigues, o musicólogo Luiz Heitor

Azevedo e sua mulher Violeta, o jornalista Paulo Mendonça, o embaixador

Paulo Carneiro, o escritor Otávio Tarquino de Souza, o maestro José Siqueira

e sua mulher a soprano Alice Ribeiro.

Para nós da Brasiliana, Paris era uma festa, regada à simpatia e carinho do po-

eta Vinícius. Por sua iniciativa a UNESCO promoveu uma tarde brasileira em
sua sede e os palestrantes foram, Miecio Askanasy, produtor e diretor-geral

da Brasiliana, ele e eu. Para mim aquela tarde tornou-se inesquecível por vá-

rios motivos. Nunca imaginei, nem no mais ambicioso dos meus sonhos, falar

para uma plateia daquele nivel e importância, sobre um tema que era muito

importante para o nosso grupo: a contribuição do negro nas artes cénicas do

Brasil e ainda ao lado de Vinícius de Moraes.

No seu apartamento, após uma feijoada que ele nos ofereceu, li o primeiro

ato da peça Orfeu da Conceição, que me levou às lágrimas e ficou gravado

na minha memória.

Dois anos depois, depois de algumas tentativas de conseguir financiamento

para fazer o filme, Vinícius já estava para voltar ao seu posto, quando - na

feijoada de despedida - surge um amigo que se dispõe a montar a peça. O

#
VINÍCIUS 191
DEMORAES

poeta adiou a viagem e começou a trabalhar para a montagem convocando


amigos como Oscar Niemeyer, Carlos Scliar, Di Cavalcanti, Djanira e, por

indicação de Nelson Rodrigues, o diretor Léo Jusi.

Como já é do domínio público, foi nesta ocasião que o critico musical Lúcio

Rangel, sugeriu e apresentou o jovem pianista e compositor António Carlos

Jobim, para musicar os poemas que deveriam ser cantados na peça. Desde

Paris que Vinícius afirmava que queria que eu fizesse o Orfeu, mas para que

o diretor se sentisse à vontade eu pedi para ser submetido a um texto,assim


com o outros atores que se apresentaram ou foram indicados por outras

pessoas. E assim foi feito. Tive a aprovação do Léo e assim fui o Orfeu, tendo

como Eurídice a bela Daise Paiva.

O seu cuidado era tão grande e a paixão com que se entregou à montagem da
peça, que me ensinava com enorme paciência, as canções e as intenções de

alguns trechos do grande poema que constitui a sua primeira obra teatral.

A partir dali nossa amizade foi ficando cada vez mais estreita. Víamos com
frequência excetuando, claro, quando ainda estava no serviço diplomático,

fora do país, e quando participava dos shows itinerantes pelas universidades

de outros estados e no exílio.

Cultivo a sua poesia, como o também poeta José Marti em um poema seu

diz :
" Cultivo una rosa blanca...". Continua bela e fresca. Não raro procuro

refugio em seus versos, para escapar da mediocridade reinante. Como dizia

Sérgio Porto, Vinícius de Moraes já era plural, senão seria Vinício de Moral.

Verdade, ele era vários para quem quisesse vê-lo com tal, mas era único e in-

tegral no seu sacerdócio de amigo e no seu estado permanente de poesia.


PROCESSO DE
= -
EXPULSÃO

RESGATE
VINÍCIUS 195
DEMORAES

BERNARDO DE MELLO FRANCO

Artigo - O Globo, 28 de junho de 2009

Itamaraty usou AI-5 para investigar vida privada e expul-


sar diplomatas

No período mais sombrio da ditadura militar, o Ministério das Relações Ex-

teriores usou a segurança nacional como pretexto para violar a intimidade

de funcionários e expulsar diplomatas que, segundo o próprio órgão, eram

considerados homossexuais, emocionalmente instáveis ou alcoólatras. Do-

cumentos obtidos pelo

provam que a
GLOBO
homofobia
no Arquivo Nacional, vinculado

e a intolerância
à

pautaram o funcionamento da
Casa Civil,
* W
Comissão de Investigação Sumária, que fez uma caça às bruxas em todos os

escalões do Itamaraty. O órgão secreto deu origem a 44 cassações em abril

de 1969, no maior expurgo da história da diplomacia brasileira.


A comissão foi criada pelo ministro Magalhães Pinto e chefiada pelo embai-

xador António Cândido da Câmara Canto, que teve 26 dias para confeccio-

nar a lista de colegas a serem degolados com base no Ato Institucional no5.

Em vez de perseguir esquerdistas, como fizeram outros ministérios na épo-

ca, o Itamaraty mirou nos funcionários cujo comportamento na vida privada

afrontaria os "valores do regime". Entre os aposentados à força, sem direito

a defesa, estava o poeta e então primeiro-secretário Vinícius de Moraes.

Mantido em segredo há 40 anos, o relatório da comissão confirma que o

ódio contra homossexuais foi o fator que mais pesou na escolha dos cas-

sados. Dos 15 pedidos de demissão de diplomatas, sete foram justificados

com as seguintes palavras: "Pela prática de homossexualismo, incontinência

pública escandalosa". A lista segue com "incontinência pública escandalosa,

decorrente do vício de embriaguez" (três casos), "insanidade mental" (mais

três), "vida irregular e escandalosa, instabilidade emocional comprovada e

indisciplina funcional" (um caso) e "desinteresse pelo serviço público resul-

tante de frequentes crises psíquicas (um)".

Outros dez diplomatas "suspeitos de homossexualismo" deveriam ser sub-

metidos a "cuidadoso exame médico e psiquiátrico" por uma junta de dou-

tores do Itamaraty e da Aeronáutica. "Se ficar comprovada a suspeita que

V
w
paira sobre esses funcionários, a comissão

lado dos nomes, Magalhães Pinto anotou:


recomenda que sejam também

definitivamente afastados do serviço exterior brasileiro", diz o relatório.

"Chamar a serviço e submeter ao


Ao

exame médico". Não há registros de realização das consultas.


A comissão ainda receitou penas como repreensão e remoção do cargo a

cinco diplomatas por motivos como "demonstrações de irresponsabilidade"

e "desmedida incontinência verbal". Também pediu a demissão de oito ofi-

ciais de chancelaria e 25 servidores administrativos, além de exame médico

para verificar a orientação sexual de outros quatro.

A lista de afastamentos sumários inclui funcionários humildes, como oito

serventes, cinco porteiros e auxiliares de portaria, dois motoristas e um


mensageiro. Junto aos nomes, aparecem acusações vagas, como "embria-

guez" e "indisciplina". De todos os pedidos de cassação, só os de dois ofi-

ciais de chancelaria indicam alguma motivação política. Trazem a explicação

"risco de segurança". Outros documentos secretos mostram que eles eram

acusados de simpatizar com o comunismo.

Entre os diplomatas cassados estava Arnaldo Vieira de Mello, que era cônsul

em Stuttgart e acabara de ser promovido a ministro de segunda classe, pe-

núltimo degrau na hierarquia da carreira. O episódio, anos depois, levou seu


filho, Sérgio Vieira de Mello, a buscar outra carreira. O diplomata brasileiro

mais conhecido das últimas décadas se recusou a prestar concurso para o

Instituto Rio Branco e foi trabalhar na ONU. Sérgio - morto em 2003 num
ataque terrorista em Bagdá - dizia não ver sentido em servir à casa que

expulsou seu pai.

Os 13 diplomatas cassados na ocasião foram Angelo Regattieri Ferrari, Arnaldo

Vieira de Mello, Jenny de Rezende Rubim, João Batista Telles Soares de Pina,

José Augusto Ribeiro, José Leal Ferreira Júnior, Marcos Magalhães Dantas Ro-
*
W
mero, Nísio Batista Martins, Raul José de Sá Barbosa, Ricardo Joppert, Sérgio

Maurício Corrêa do Lago, Vinícius de Morais e Wilson Sidney Lobato.


Para compor a lista, a comissão recrutou informantes civis e militares. Sua

primeira medida foi despachar circular telegráfica aos chefes de missão no

exterior, intimados a entregar os nomes de servidores "implicados em fatos

ou ocorrências que tenham comprometido sua conduta funcional". Arapongas

das Forças Armadas cederam fichas individuais de mais de 80 diplomatas.

Também assinam o relatório os embaixadores Carlos Sette Gomes Pereira e

Manoel Emílio Pereira Guilhon, que auxiliaram Câmara Canto na missão si-

O chefe da comissão encerrou o texto com um autoelogio patriótico:

*
gilosa.

"Tudo fizemos para atingir os objetivos colimados e preservar o bom nome

W do Brasil e do seu serviço exterior". O chanceler Magalhães Pinto devolveu

o documento assinado e com uma ordem escrita à mão: "Recomendo que se

cumpram as determinações".

Cinco integrantes da lista seriam poupados até a publicação das aposentado-

rias, por ato do presidente Costa e Silva. Perderam o cargo 1 3 diplomatas,

oito oficiais de chancelaria e 23 servidores administrativos. Os decretos de

cassação ocupam três páginas do Diário Oficial de 30 de abril de 1969.


Preconceito interrompeu carreiras em ascensão

O expurgo de 1969 interrompeu várias carreiras em ascensão no Itamaraty.

O primeiro-secretário Raul José de Sá Barbosa servia na embaixada do Brasil

em Jacarta quando recebeu um telegrama com a notícia da aposentadoria

compulsória. Era considerado um dos melhores textos da sua geração de

diplomatas. Aos 42 anos, encabeçava a fila de promoção por antiguidade.

Ele atribui o afastamento ao fato de ser homossexual.

- Fui vítima de preconceito. Cortaram minha carreira, destruíram minha

vida. Minha turma de Rio Branco tinha 1 5 pessoas. Todos viraram embaixa-

dores, menos eu.

Barbosa sofreu uma pena adicional: passou dois meses na Indonésia rece-

bendo apenas um salário mínimo, em cruzeiros. De volta ao Brasil, viu as

dificuldades financeiras se agravarem. A discriminação, também: - Muitos

colegas que considerava amigos nunca mais me procuraram. Houve um si-

lêncio acovardado da carneirada, do rebanho.

O diplomata se tornou um tradutor respeitado de autores como Charles


Dickens e Virgínia Woolf. Vive com poucos recursos numa casa em Santa

Teresa, sozinho e com um cachorro.

O mais novo da lista era o segundo secretário Ricardo Joppert.

de 1969, ele servia no consulado de Gotemburgo quando

a voltar às pressas para o Brasil. Ao embarcar num


foi
Em abril

convocado

avião da Varig, leu num


*
W
exemplar do GLOBO a notícia da sua aposentadoria. Tinha apenas 28 anos.
- Nunca escondi que era homossexual. Na época isso era visto como pro-

blema, porque a sociedade não estava preparada para encarar as minorias

- analisa ele, que foi reintegrado em 1986 e hoje serve no Museu Histórico

e Diplomático, no Rio.

Para a oficial de chancelaria Nair Saud, a demissão significou uma ruptura

* com onde conseguiu seu primeiro emprego, aos


traumática a casa 1 7 anos.

Aos 86, ela ainda não se conforma com a cassação por "risco de segurança",

w como indica o relatório secreto da Comissão de Investigação Sumária.

- Meu irmão ficou oito anos sem falar comigo. Disse que preferia ter uma
irmã prostituta a uma irmã comunista. Era tudo mentira, porque eu nunca

me meti com política. Mas gente que frequentava minha casa deixou de me
cumprimentar, como se eu tivesse uma doença - emociona-se.

Vinícius: vida boémia vigiada de perto

Como pode um poeta ameaçar uma ditadura? No caso de Vinicius de Mora-

es, o risco parecia ainda mais remoto. Nos anos 60, enquanto os militares

caçavam comunistas, ele cumpria uma rotina inofensiva e movimentada. De

dia, dava expediente como diplomata no Palácio do Itamaraty. À noite, fazia

a ronda pelos bares de Copacabana, quando não estava no palco de boates

ao lado de colegas da bossa nova como Tom Jobim e Nara Leão. Com os li-

vros, os discos e os sucessivos namoros e casamentos, às vezes simultâneos,

sobrava pouco tempo para pensar em política. Mesmo assim, os arapongas

mantiveram vigilância cerrada sobre os passos do poetinha.


Um dossiê secreto do Serviço Nacional de Informações (SNI) a que O GLO-
BO teve acesso revela que Vinícius esteve na mira de diversos órgãos de

espionagem antes de ser cassado, em 1969. A lista vai da polícia da antiga

Guanabara ao temido Centro de Informações da Marinha (Cenimar). Até a

aposentadoria pelo AI-5, o resumo do seu prontuário registra 32 anotações,

em cinco páginas batidas à máquina.

A maior parte dos arquivos narra fatos sem importância, como a participação

em shows e manifestos de intelectuais. Outras folhas descrevem Vinícius

como "comunista e escritor" e sócio do Centro Brasileiro de Cultura, "or-

ganização de fachada do movimento comunista internacional". Em 1966, a

agência gaúcha do SNI tratou o poeta como "marginado, que é ao mesmo


tempo diplomata e sambista". Em 1968, um araponga do Centro de Infor-

mações do Exército (CIE) redigiu uma nota mais sucinta: "Boémio, parece

ter errado de profissão".

A preferência pela noite foi a desculpa da Comissão de Investigação Sumária

para incluir Vinícius entre os cassáveis. A justificativa aparece num dossiê

da Aeronáutica sobre as demissões. Junto a seu nome, o documento traz a

explicação: "alcoólatra".

Surpreendentemente, o relatório secreto elogia o poeta e oferece uma alternativa à demis-

são. "Considerando que a conduta do primeirosecretário Vinícius de Moraes é incompatível

com as exigências e o decoro da carreira diplomática, mas em atenção aos seus méritos de

homem de letras e artista consagrado, cujo valor não desconhece, a comissão propõe o seu

aproveitamento no Ministério da Educação e Cultura".


Não se sabe se a sugestão era para valer, mas Vinícius foi aposentado com-

pulsoriamente dias depois, aos 55 anos. Ficou indignado com o ato arbi-

trário, mas manteve o bom humor. Quando circulou que a degola atingira

homossexuais e bêbados, apressou-se a avisar:

Eu sou alcoólatra!

Apesar da brincadeira, o poeta se abateu com a demissão sumária.

- Foi uma sacanagem a forma como me expulsaram do Itamaraty

- desabafou, numa entrevista em 1979.

A imagem de vagabundo traçada pelos militares não combina com os re-

gistros funcionais do poeta. Dividida em três pastas amareladas, a ficha de

Vinícius contém fartos elogios a seu talento e conduta profissional. Três bo-

letins de avaliação interna o classificam como "acima da média" nos quesitos

"atento e aplicado no trabalho", "permanece durante todo o expediente" e

"realiza os serviços com presteza".

O documento mais recente antes da aposentadoria atesta, para os devidos

fins, que o poeta "não responde a processo administrativo e goza de bom


conceito funcional". Tem data de 1968. A página seguinte reproduz o Diário

Oficial com a cassação.

Embora sua expulsão ainda seja tratada como tabu, Vinícius é personagem

de algumas das melhores histórias do Itamaraty. Em 1 946, após manter um


caso ostensivo com a arquivista Regina Pederneiras, casou-se em segredo

com ela numa igreja de Petrópolis. A relação durou pouco - entre outros

motivos, porque ele já era casado. Mas deixou os versos da "Balada das

arquivistas".

Um dia, na mesma época, um colega se espantou com o volume de cartas na

mesa de Vinícius. Assim descobriu que ele mantinha um segundo emprego:

escrevia o consultório sentimental da revista "Flan", assinado sob o insus-

peito pseudónimo de Helenice.

Nos 24 anos de Itamaraty, o poeta nunca escondeu o fastio com a burocracia


e a formalidade da carreira.

- Detesto tudo

que o diplomata é

com Clarice Lispector


o que oprime o

um homem que
em 1967.
homem, inclusive a gravata. (Ora, é notório

usa gravata - queixou-se, numa conversa *


W

Mas a boémia confessa não era sinónimo de vadiagem. Pelo contrário: foi

nesse período que Vinícius escreveu a peça "Orfeu da Conceição" e compôs

as músicas mais famosas com Tom Jobim, como "Garota de Ipanema".

Em 1979, o poeta tentou ser readmitido com base na Lei da Anistia. O


ministro Ramiro Saraiva Guerreiro respondeu pelo Diário Oficial, em 4

de junho de 1980: "Indeferida a reversão". Vinicius morreria no mês


seguinte. Seus papéis estão guardados no Itamaraty e no Arquivo Na-

cional de Brasília. Foram consultados pelo GLOBO com autorização de

suas filhas.

[^QHBH
Quarenta anos depois, poeta pode ganhar promoção a
embaixador

Quarenta anos depois de ser cassado pela ditadura militar, Vinícius de Moraes

pode ser agraciado com uma inédita promoção postmortem a embaixador. A


ideia foi lançada em 2006 no antigo Palácio do Itamaraty, no Centro do Rio,

que teve uma ala batizada com o nome do poeta. Apesar das boas intenções, a

proposta ainda não conseguiu vencer a burocracia do governo federal.

Uma minuta de decreto, a ser assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula

da Silva, está engavetada desde agosto passado no Ministério do Planeja-

mento. De lá, o documento ainda terá que passar pela Casa Civil antes de

chegar ao presidente.

O documento já tem a assinatura do ministro das Relações Exteriores, Celso

Amorim. O texto vai direto ao ponto: " É promovido post-mortem a ministro

de primeira classe da carreira de diplomata o primeiro-secretário Marcus

Vinícius da Cruz de Mello Moraes, mundialmente conhecido como Vinícius

de Moraes".

No Itamaraty, um dos principais defensores da homenagem é o embaixador

Jerónimo Moscardo, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão. Ele de-

fende a medida com um argumento singelo: o Barão do Rio Branco, patrono

da diplomacia brasileira, teria aprontado muito mais que o poeta.

- Perto do Barão, o Vinícius foi um congregado mariano - brinca.


Por ironia, chegar ao nível máximo da carreira era uma ideia temida por Vi-

nícius. Ele explicou o motivo em depoimento ao Museu da Imagem do Som,

no Rio de Janeiro, em 1967:

- Nos escalões inferiores da carreira, ninguém presta atenção em você. O


perigo é você virar embaixador, né? Minha grande luta no Itamaraty tem

sido para não ser promovido.

Embaixador chefiou caça às bruxas

O responsável pelo maior expurgo da diplomacia brasileira era uruguaio.

António Cândido da Câmara Canto nasceu em Montevideu, em 1910, mas

herdou a nacionalidade brasileira do pai. Pouco lembrado nas publicações

oficiais do Itamaraty, foi uma das figuras mais influentes na casa durante

os anos de chumbo da ditadura militar. Após comandar a caça às bruxas no

governo Costa e Silva, teve papel central no golpe que derrubou Salvador

Allende no Chile, em 1973.

Câmara Canto é considerado o quinto homem da junta chefiada pelo gene-


*
W
ral Augusto Pinochet, que se manteria no poder até 1990. Contrariando a

tradição da diplomacia brasileira, negou asilo a compatriotas que moravam


no país e entraram na mira dos golpistas. No fatídico 1 1 de setembro, en-

quanto o Palácio La Moneda, da Presidência da República chilena, ardia em


chamas, ele atendia o telefone com uma exclamação festiva: "Ganhamos!"
No livro "A ditadura derrotada", o jornalista Elio Gaspari descreve Câmara

Canto como "um golpista militante". Traça o perfil de um homem conser-

vador, "famoso no Itamaraty pela severa sinceridade e, nos postos onde pas-

sou, pelas habilidades como cavaleiro". Um embaixador aposentado, que na

época das cassações ainda estava em início de carreira, o classifica apenas

como fascista.

Antes de colaborar com a repressão no Chile, Câmara Canto chefiou a repre-

sentação do Brasil na Espanha, que vivia a ditadura do generalíssimo Francis-

co Franco. Seu currículo oficial, no Almanaque do Ministério das Relações

Exteriores, registra a participação em duas comissões de inquérito. Sobre

as cassações que comandou em 1969, nenhuma palavra. A ditadura militar

soube reconhecer os serviços prestados pelo embaixador. Em 1970, um


ano depois de instruir a cassação de 15 colegas, ele foi agraciado com a

Ordem do Rio Branco no grau de Grã Cruz. O diplomata se aposentou em


1975. Morreu de câncer, no Rio, dois anos depois.

Expurgo não foi o único

O expurgo de 1 969 foi o maior, mas não o único da história do Itamaraty. Em


1954, em meio a uma campanha anticomunista liderada por Carlos Lacerda,

*
W
o rótulo de "subversivo" selou a demissão de cinco diplomatas, entre eles os

intelectuais João Cabral de

ram reaver o cargo num julgamento


Melo Neto e António Houaiss. Todos consegui-

histórico do Supremo Tribunal Federal

(STF). A ilegalidade das cassações foi defendida por uma banca que reunia

Evandro Lins e Silva, Sobral Pinto e Luiz Gonzaga do Nascimento Silva.


Os militares esperaram dez anos para dar o troco em Houaiss. Em 1964, o

filólogo seria afastado definitivamente, junto com os colegas Jayme Azevedo

Rodrigues. Dessa vez, Houaiss foi punido por um discurso na Assembleia das
Nações Unidas em que atacou a ditadura salazarista em Portugal, durante

o governo João Goulart. Todas as cassações foram decretadas dois meses

depois do golpe.

Além dos 13 da lista de Câmara Canto, outros cinco diplomatas seriam cas-

sados pelo AI-5 entre 1969 e 1975. O caso mais conhecido foi o dos se-

cretários Mário da Graça Roiter e Miguel Darcy de Oliveira, acusados de

ação antipatriótica. Segundo os militares, os dois teriam ajudado brasileiros

exilados a denunciar, no exterior, a prática de tortura e perseguição política

no Brasil.

Globo, 1 de janeiro de 201


A reabilitação de Vinícius no Itamaraty

Trinta anos depois de sua morte, o diplomata cassado Marcus Vinicius da

Cruz de Mello Moraes vai virar embaixador. A Câmara aprovou ontem a

promoção do ex-servidor a ministro de primeira classe do Itamaraty, cargo

mais alto da carreira diplomática. O ato reabilita a trajetória profissional do

poeta Vinicius de Moraes, que foi perseguido pela ditadura militar e expulso

do Ministério das Relações Exteriores em abril de 1969, com base no Ato

Institucional n° 5 (AI-5).
Redigido por amigos de Vinícius no Itamaraty, o texto da promoção passou

três anos numa gaveta do Ministério do Planejamento. Foi finalmente envia-

do ao Congresso no fim de 2009, depois que uma reportagem do GLOBO


revelou bastidores da demissão sumária do poeta. Documentos inéditos do

Serviço Nacional de Informações (SNI) comprovaram que ele foi vigiado de

perto por diversos órgãos de espionagem, incluindo a polícia da antiga Gua-

nabara e o temido Centro de Informações da Marinha (Cenimar).

- A expulsão de Vinícius foi mais um ato de violência e arbítrio da ditadura.

Ele foi embaixador não só do Itamaraty, mas da cultura brasileira- disse on-

tem a cineasta Suzana de Moraes, filha primogénita do poeta.

A homenagem foi aprovada num raro consenso entre governo e oposição,

com discursos favoráveis de representantes dos principais partidos políticos.

O único deputado a se manifestar contra a promoção foi o militar da reserva

Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido por defender o golpe de 1964. Após a apro-

vação do texto no Senado, os dependentes de Vinícius terão direito a pensão

correspondente ao topo da carreira do Itamaraty.

*
w
O poeta foi a vítima mais conhecida da Comissão de Investigação Sumária,

que usou o AI-5 para investigar vidas privadas e expulsar diplomatas que o

regime tachava de homossexuais, alcoólatras ou emocionalmente instáveis.

Vinicius foi punido por sua vida boémia, que desagradava à linha-dura da

caserna. Apesar disso, os registros do Ministério das Relações Exteriores

revelam que ele era considerado um diplomata exemplar e recebeu uma


série de elogios por tarefas em nome do Brasil no exterior. O poeta morreu

em julho de 1980, aos 66 anos.

A caça às bruxas no Itamaraty foi comandada pelo embaixador António Cân-

dido da Câmara Canto, aliado da ditadura que mais tarde apoiaria a derru-

bada do presidente chileno Salvador Allende, em 1973. No maior expurgo

da história da diplomacia brasileira, foram cassados 44 servidores, sendo 13

diplomatas, oito oficiais de chancelaria e 23 funcionários administrativos. As

demissões foram assinadas pelo chanceler Magalhães Pinto e pelo presidente

Costa e Silva.
10 • O PAÍS Domingo, 28 de |unho de 2009

PERSEGUIÇÃO COM PUNHOS OE RENDA: Comissão de Investigação Sumária afastou 44 servidores de todos os escalões

Bemiido Mello Franco

• BRASÍLIA No período mal;


sombrio da ditadura militar, o
Ministério das Relações Esterto-
Itamaraty usou AI-5 para investigar
res usou a segurança nacional
como pretexto para Molar a

vida privada e expulsar diplomatas


Irv

OmKlaue de funcionários e ex-


pulsar diplomatas que, segundo
o próprio órgão, eram conside-
rados homossexuais, emocio-
nalmente Instáveis ou alcoóla- Homofobia e intolerância motivaram perseguições; Vinícius de Moraes foi um dos 13 afastados
tras Documentos obtidos pelo
GLOBO no Arquivo Nacional,
vinculado a Casa Ovil, provam
que a homotobla e a Intolerân-
cia pautaram o fundonamenlo
da Comissão de Investigação Su-
miria, que ta uma caça as bru-
xas em todos os escalões do Ita-
maraty O órgão secreto deu ori-
gem a 44 cassações em abril de
1969. no maior expurgo da his-
tória da diplomacia brasileira
A comissão lol alada pelo mi-
nistro Magalhães Pinto e chefia-
da pelo embaixador António
Cândido da Câmara Canto, que
teve 26 dias para confeccionar a
lista de colegas a serem degola-

dos com base no Ato Institucio-


n- 5. Em vez de perseguir es-

mintstértos na época, o Itamara-


ty mirou nos funcionarias cu]o
comportamento na vida prtvada
afrontaria os "valores do regi
me" Entre os aposentados à lor
ca sem direito a defesa, estava o
poeta Vinícius de Moraes.
Manlldo em segredo há 40
anos, o relatório da comissão
confirma que o ódio contra
homossexuais foi o lalor que

cassados. Dos 15 pedidos de


demissão de diplomatas, sele
loram justificados com as se-
guintes palavras "Pela prática
de homossexualismo. Inconti-
nência pública escandalosa"

nencla pública escandalosa, de-


ck, V mbria
guez" (três casos). "Insanidade
mental" {mafs três). "Vida irre-
gular e escandalosa. Instabilida- I
Os documentos secretos do Itamaraty Preconceito interrompeu
de emocionai comprovada e In-
disciplina funcional" (um caso)
e 'desinteresse pelo serviço pú-
A PERSEGUI'
JIÇAO
MATA!
Algumas justificativas para as dispensas carreiras em ascensão
blico resultante de (requentes "5£ Pnmeira paginado «£> Dl
crises psíquicas (um)" l.lYn:. da omissáo
'

niiitrnrnriT 'Houve um silêncio acovardado do rebanho', lamenta


Outros dez diplomatas "sus- de Investigação
pellos de homossexualismo* oV- r«->l»(rlu cuji MB
diplomata aposentado compulsoriamente em 1969
i >t i.ut' ser submetidos a "cuida- mio do chanceler tJszxíL. • brasIua. expurgo
doso exame médico e psiquiátri- Magalhães Pinto
co' por uma |unta de doutores IV- *>r (,-„ ,w.v ..,!;. de 1969 Interrompeu
do Itamaraty e da Aeronáutica várias carreiras em as-

"Se ficar comprovada a suspeita censão no llam.ir.ilY D


que paira sobre esses tundonA- pilmelro-secretái
rtos, a comissão recomenda que Raul José de Sá Barbo-
se|am também definitivamente sa servia na embaixada
afastados do serviço exterior do Brasil em Jacarta
brasileiro*, diz o relatório. Ao la- quando recebeu um tt>

do dos nomes, Magalhães Pinto legrama com a noticia


anotou: "Chamar a serviço e da aposaitadorta com-
submeter ao exame médico" pulsória. Era considera-

Nâo há registros de realização do um dos melhi


das consultas textos da sua geraçá"
A comissão ainda receitou
A INVESTIGAÇÃO SOBRE VINÍCIUS DE MORAIS dr diplomatas Aos 42
Trecho de dossiê com anos. encabeçava a 111a
penas como repreensão e remo-
informações do Exército
ção do cargo a cinco diploma- de promoção por antl-
las por motivos como "demons- gulda t. Ele
trações de Irresponsabilidade" afastamento
e 'desmedida Incontinência ser homossexual
verbal" Também pediu a de- — Fui vitima de pre-

missão de oito oficiais de chan- conceito. Cortaram minha car-


celaria e 25 servidores adminis- reira, destruíram minha vida gundo-secretárlo Ricardo Jop-
trativos, além de exame médico Minha turma de Rio Branco ti- pert Em abril de 1969. ele ser-
para verificar a orientação se- nha 15 pessoas. Todos viraram via no consulado de Gotembur-
xual de outros ni.itri i
embaixadores, menos eu. go quando lol convocado a vol-
Barbosa sofreu uma pena adi- tar ás pressas para o BiasIL Ao
cional passou dois meses na In- embarcar num aviáo da Varlg.
Só dois casos de donésia recebendo apenas um leu num exemplar do GLOBO a
salário mínimo, em cruzeiros noticia da sua aposentadoria
motivação política De volta ao Brasil, viu as dificul- Tinha apenas 28 anos
dades financeiras se — Nunca escondi que era
• A lista de afastamentos sumá- A discriminação, também. homossexual Na época Isso
rios Inclui funcionários li um li- Ca virtude 4a Tida 1 -rotular d legas que con- a visto como problcr
des, corno oito serventes, cinco • eeraníu- looo, In» loull linda siderava amigos nunca mais icledade náo estav
porteiros e auxiliares de porta- me procuraram Houve u preparada para encarar os m
nji;ioi.al eco[>t-o*-t.dn, —
ria, dois motoristas e um men- lênclo acovardado da ca norlas analisa ele, que li

sageiro Junto aos nomes, apare- indim lpllnn (Woio- n«l reintegrado em 1986 e ho)
cem acusações vagas, como pfbliea eacondaloca ,
conatotoda ao loru»o O diplomata se tornoi serve no Museu Histórico e D1-
tradutor respeitado de aul
"embriague/" e "Indisciplina"
De lodos os pedidos de cassa-
flCf— corrente do vfoio »i« "»« oaoa lncl flCDtOD como Charles Dlckens e Virgínia Para a oficial de chancelaria
ção, so os de dois ollclals de da ccori^uc»! •a ijuo ca envolvem WòoU Vive com poucos recur- Nalr Saud. a demissão significou
chancelaria Indicam alguma mo- ruptura traumática com a
tivação poDtlca Trazem a expli- conseguiu seu primei-
cação "risco de segurança" Ou- ro emprego, aos 17
in - documentos secretos mos- nâo ver sentido em servir i ca- exterior. Intimados a entregar lhães Pinto devolveu o docu- unis Aiis 86, ela ainda
tram que eles eram acusados de sa que expulsou seu pai os nomes de servidores "Impli- mento com sua assinatura e náo se conforma com a
Os 13 diplomatas cassados cados em fatos ou ocorrências uma ordem escrita à mâo "Re- cassação por "risco de
Entre os diplomatas cassa- na ocasião loram Angelo Regai que tenham comprometido sua comendo que se cumpram as segurança", como Indi-

dos eslava Arnaldo Vieira de tlerl Ferrari, Arnaldo Vieira de conduta funcional" Arapongas determinações da comissão" ca o relatório secreto
Mello, que era cônsul em Stutt- Mello, lenny de Rezende Ru- das Forças Armadas cederam Cinco Integrantes da lista se- Ma Comboio de Investi-
gan e acabara de ser promovi- bim. João Batista Telles Soares tlchas Individuais de mais de riam poupados até a publicação gação Sumária.
do a ministro de segunda clas- de Pina, José Augusto Ribeiro. HO diplomatas das aposentadorias, por ato do —
Meu IrmSo llcou
se, penúltimo degrau na hierar- José Leal Ferreira Júnior. Mar- Também assinam o relatório presidente Costa e Silva. Perde- oitoanos sem falar co-
quia da carreira. O episodio, cos Magalháes Danlas Homero. os embaixadores Carlos Sette ram o cargo 13 diplomatas, oito migo Disse que preferia
anos depois. levou seu filho. Nlslo Ballsto Martins, Raul José Gomes Pereira e Manoel Emillo oficiais de chancelaria e 23 ser- ter uma Irmã prostituta
Sérgio Vieira de Mello, a optar de Sá Barbosa. Ricardo Jop- Pereira Guilhon, que auxiliaram vidores administrativos Os de- a uma Irma comunista.
por outra carreira Apesar da pert. Sérgio Maurício Corrêa do Camará Canto na sua mlssáo SI cretos de cassação ocupam três
vocação o diplomata brasileiro Lago. Vinícius de Morais e Wil- gilosa. O chele da comissão en- páginas do Diário Oficial de 30 eu nunca me meti
iii.il'. conhecido das últimas dé- son Sldney Lobato. de abril de 1969 > politica. Mas gente
Para compor a lista, a comis- glo em tom patriótico Tudo fi- Irequentava minha
cadas se recusou a prestar con-
curso para o Instituto Rio Bran- são recrutou InJormanles civis zemos para atingir os objetlvos NA INTERNET
co e lol trabalhai na ONU Sér- e militares Sua primeira medi- colimados e preservar o bom
gio — morto em 2003 num ata- da foi despachar circular tele- nome do Brasil e do seu serviço
que terrorista em Bagdá dizia — gráfica aos chefes de missão no exterior". O chanceler Maga- RAUL BARBOS*. -Destruíram
12 • O PAIS Domingo. 28 de junho de 2009

PERSEGUIÇÃO COM PUNHOS DE RENDA: 'Foi uma sacanagem a forma como me expulsaram do Itamaraty', disse o poeta

Vinícius: vida
boémia vigiada
de perto
Gosto pela noite e pela bebida foi o
motivo usado para afastar o poeta

Bernardo Mello Franco trSilo. r

f. Quando clrcu-

• brasIlia Como pode a degola atingira ho-


poela ameaçar uma ditadura? xuals e babados,
No caso de Vlnlclu apressou-se a avisar:
— Eu sou alcoólatra!
mais remoto. Nos anos 60, en- Apesar da brincadeira, o
quanto os militares caçava poela se abateu com a demls-
iluministas, ele cumpria uri sio sumária
rolina Inolenslva e movlmen- — Foi ur ia sacanagem a (or-

tada. De dia, dava expediente ma como ne expulsaram do


como diplomata no Palácio do Itamaraty - desabafou, numa
Itamaraty Á noite, fazia a ron- em jy/y.
entrevista
da pelos bares de Copacaba- A Imagem de vagabundo
na quando nflo estava no pai- traçada pelos militares nâo
i
de boates ao lado de cole- combina com os registros lun-
gas da bossa tais do poeta. Dividida i

Joblm e Nara Leão Ci três pastas amareladas, a ficha


de Vinícius contém la/tos do-

zes simultâneos, sobrava pou- profissional Tr&s boletins dí


co tempo para pensar po- avaliação Interna o classificam
lítica Mesmo , os ara- como "acima da média" nos
pongas Igllâncla quesitos 'atento e aplicado no
passos do trabalho", "permanece duran-
poetlnha. te todo o expediente" e "reall-
Um dossiê do Ser- za os serviços com presteza".
viço Nacional de Informações O documento n I Expurgo não
(SNI) a que O GLOBO t.
acesso revela que Vinícius
antes da aposentadoria atesta
para os devidos Uns. que o poe-
Embaixador chefiou caça às bruxas foi o único
teve na mira de ta "náo responde
diversos órgãos a processo admi- • expurgo de 1969 foi o
Câmara Canto, uruguaio de nascimento, cassou 15 colegas
de espionagem nistrativo e goza
de bom
conceito da história do Itamaraty.
funcional" Tem Em 1954, em meio a uma
data de 1968 A O responsável pelo maior expur-
• iikasIija mar a Canto como "um golpista militante". campanha antlcomunls-
pagina seguinte go da diplomacia brasileira era uruguaio Traça o perfil de um homem conservador, ta liderada por Carlos
reproduz o Diário Aniõmo ('ãndido da amara Canto nasceu
i "lamoso no Itamaraty pela severa sincerida- Lacerda, o rótulo de
Oficial coma cas- em Montevideu, em 1910, mas herdou a na- de e, nos pastos onde passou, pelas habili- "subversivo" selou a de-
clonalldade brasileira do pai Pouco lembra- dades como cavaleiro" Um embaixador apo- missão de cinco dlplo-
Embora sua ex- do nas publicações oficiais do Itamaraty, foi sentado, que na época das cassações ainda
pulsão ainda se|a uma das figuras mais Influentes na casa du- estava em Início de carreira, o classifica ape- lectuals João Cabral de
tratada como ta- rante os anos de chumbo da ditadura mili- nas como fascista Melo Neto c António
bu. Vinícius é per- tar. Após comandar a caça as bruxas no go- Antes de colaborar com a repressão no Houalss Todos conse-
sonagem de algu- verno Costa e Sirva, leve papel central no Chile. Câmara Canto chellou a represen- guira :argo
mas das melhores golpe que derrubou Salvador Allendc no tação do Brasil na Espanha, que vivia a di- julgamento históri-

histórias do Ita- Chile, em 1973 tadura do generalíssimo Francisco Fran- co do Supremo Tribunal
maraty. Em 1946, Câmara Canto co. Seu currículo Federal (STF). A Ilegali-

após manter um oficial, no Almana- dade das cassações foi

que do Ministério defendida por uma ban-


das Relações Exte- ca que reunia Evandro
Regina Pedernd- Uns e Silva, Sobral Pinto
nochet, que se :lpaçáo cm e Luiz Gonzaga do Nasci-
Importância, co- segrrrio tom ria manteria no poder mento Silva
mo a participa- numa lgre|a de até 1990 Contra- Os mltilares espera-
ção em shows e Petrópolis. A rela- riando a tradição bre as cassações ram dez anos para dar o
manifestos de In- Detesto tudo o ção durou pouco da diplomacia bra- que comandou em troco em Houalss Em
telectuais Ou- sileira, negou asilo 1969. nenhuma pa- o filólogo seria
195-1,

tras folhas des-


que oprime o motivos, porque a compatriotas que afastado dellnltlvamen-
nVInl homem, casado
efe )a era A ditadura mlll-
Mas deixou os Jayme Azevedo Rodri-
inclusive a cer os serviços gues, Eugênio Calllar
sócio do Centro prestados pelo em- Ferreira, Hugo Gouthler
gravata. Ora, é
Brasileiro de Cul- lembro, enquanto o baixador Em 1970. e Jatlr de Almeida Rodri-
notório que o Palácio La Moneda. um ano depois de gues. Oessa vez. Houalss
da Presidência da Instruir a cassação foi punido por um dis-
ção de fachada
diplomata é República chilena. de 15 colegas, ele curso na Assembleia das
ta Inter- U/71 Ao/7Ir?/71 foi agraciado com a Nações Unidas em que
ele atendia o teleio- Ordem do Rio Bran- atacou a ditadura salaza-
agéncía Q Ue USQ &MDatQ Vinícius. Ass co no grau de Grã rista em Portugal, duran-

do SNI maçflo festiva "Ga- Cruz diplomata te o governo João Gou-


Vinícius t)t Moraes
tra elemantinha um nham osf lart. Todas as cassações

(egundo empre- No livro "A dita- foram decretadas dois


do, que é ao mesmo tempo di- y escrevia i
consultório «en- dura derrotada", o meses depois do golpe
plomata e sambista" Em 1968. lomalista Eito Gas- 13 da
um araponga do Centro de In- sinado sob o Insuspeito pseu- parl descreve Ca- EMBAIXADOR a. de Cãr a Canto, i

formações do Exército (CIE) dónimo de Helenlce. d diplor


redigiu uma nota mais sucinta: Nos 24 anos de Itamaraty, o sados pelo
"Boémio, parece ler errado de poela nunca escondeu o asilo I
AI-5 entre 1969el975.0

A preferencia pela noite foi


com
dade da
a burocracia e a formali-
carreira.
Quarenta anos depois, poeta pode caso mais conhecido lol
o dos secretários Mário
a desculpa daComissão de In- - Detesto tudo o que oprl- da Graça Roiter e Ml
vestigação Sumária para
cluir Vinícius entre os cassá-
In- o homem. Inclusive a gra-
a. Ora. é notório que o di-
ganhar promoção a embaixador guel Darcy de Oliveira
acusados de açâo anti
veis A justificativa aparece plomata é um homem que usa patriótica. Segundo o:
num dossiê da Aeronáutica so- gravata — quelxou-se. numa Ideia, defendida por Celso Amorim, esbarra na burocracia do governo federai militares, os dois tenan

bre as demissões. Junto a seu a Clarice Uspec- ajudado brasileiros exi


nome, o documento traz a ex • BRASÍLIA. Quarenta anos de- da com um argumento singe- lados a denunciar. n<
pllcaçâo: "alcoólatra" Mas a boémia confessa náo pois de ser cassado pela dita lo: o Barão do Rio Branco, exterior, a prática dl
Surpreendentemente, o rt era sinonimo de vadiagem. Pe- dura militar, Vinícius de Mo- patrono da diplomacia brasi- tortura e perseguição
latôrio secreto elogia o poeta i lo contrário: foi nesse período raes pode ser agraciado com leira, leria aprontado multo política no Brasil.

olerece uma alternativa á de- que Vinícius a peça uma Inédita promoção post- mais que o poeta.
mlssfto. "Considerando que a "Orfeu da Conceição" rnortem a embaixador A Ideia — Perto do BarSo, o Viní-
conduta do prlmeiro-secretá- s famosas lol lançada em 2006 no antigo cius foi um congregado marla-
rlo Vinícius de Moraes ê In- com Tom Joblm. como "Garo- Palácio do Itamaraty, no Cen- prlin
compatível cnm as exigências ta de Ipanema". tro do Rio,que teve uma ala de diplomai o primeiro Por Ironia, chegar ao nfvel
e o decoro da carreira diplo- Em 1979. o poeta tentou ser batliada com o nome do poe- cretárlo Marcus Vinícius máximo da carreira era uma
mática, mas em atenção aos readmitido com
base na Lei ta.Apesar das boas Intenções, Cruz de Mello Moraes, n Idel rnida poi
seus méritos de homem de le- da Anlslla. O ministro Ramiro a proposta ainda náo conse- dlalmente conhecido cc íxpllcc
tras e artista consagrado. cu|o Saraiva Guerreiro respondeu guiu vencer a burocracia do Vinícius de Moraes".
valor náo desconhece, a co- pelo Diário Oficial, em A de lu- governo federal. gem do Som. r

nho de "Indelerlda a re- Uma minuta de decreto, a "Perto do Barão, o Vinícius 1967:
missão propõe o seu aprovei- :

lamento no Ministério da Edu- versáo" Vinícius morreria no ser assinada pelo presidente foium congregado mariano" - Nos e alões li

coçao e Cultura". mês seguinte. Seus papéis es- Luiz Inácio Lula da Silva, es- No Itamaraty, um dos prln- ninguém presta
pião se sabe se a sugestão táo guardados no Itamaraty e tá engavetada desde agosto atenção em você. perigo é
era para valer, mas Vinícius no Arquivo Nacional de Brasi- passado no Ministério do nagem é o embaixador Jeró- você virar embaixador, né?
fol aposentado compulsória- Ha. Foram consultados peto Planejamento. De lá, o docu- nimo Moscardo, presidente Minha grande luta no Itama-
mente dias depois, aos 55 GLOBO com autorização de mento ainda lerá que passar da Fundação Alexandre de raty tem sido para não ser
anos. Ficou Indignado com o suas lllhas pela Casa Civil antes de che- Gusmão Ele defende a medi- promovido
PROMOÇÃO

MORTEM
i
CERIMÓNIA DE CONSAGRAÇÃO, EM BRASÍLIA,

DO EMBAIXADOR DO BRASIL

Palácio Itamaraty - Outubro 2010


VINÍCIUS 215
DEMORAES

LEI W 12-265 , DE 21 DE JUNHO DE 2010.

Promove post mortem o diplomata Marcus


Vinícius da Cruz de Mello Moraes.

O
Faço
PRESIDENTE
saber que o Congresso Nacional
DA
decreta
REPUBLICA
e eu sanciono a seguinte
Lei:

9
Art. I É promovido post mortem a Ministro de Primeira Classe da Carreira de
Diplomata o Primeiro-Secretário Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes.

Parágrafo único. Ficam assegurados aos seus atuais dependentes os benefícios de


pensão correspondentes ao cargo de Ministro de Primeira Classe da Carreira de Diplomata.

Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 21 de junho de 2010; 189° da lndepe a República.


216 VINÍCIUS
DEMORAES

Presidente Lula e a filha Luciana


VINÍCIUS 217
DEMORAES

mestre de cerimónias da solenidade Ricardo


Cravo Albin, sendo cumprimentado
O
pelo Presidente da República
218 VINÍCIUS
ÚEMORAES

Miucha e Georgiana cantando no show comemorativo

-
VINÍCIUS 219
DEMORAES

A neta Mariana de Moraes


220
VINIUIIK)
DEMORAES

Família e Miucha posam com o presidente


VINÍCIUS 221
DEMORAES

Ministério aplaude o show comemorativo. Entre Celso Amorim e Nelson Jobim, a viúva Gilda Matoso
VINÍCIUS
DEMORAES
W i ri

DVD e CD
VINÍCIUS
DEMORAES

UM DVD HISTÓRICO
Este DVD contém dois documentários caprichosamente produzidos pela

Fundação Alexandre de Gusmão, quando presidida pelo Embaixador Jeró-

nimo Moscardo. Doada ao Instituto Cultural Cravo Albin, o histórico DVD


preserva imagens exclusivas e preciosas dentro da seguinte distribuição:
VINÍCIUS
DEMORAES

DOCUMENTÁRIO 1

T~

Ligados pela terna narração do próprio Vinícius do poema antológico "Pátria

Minha", depoimentos de amigos e familiares se sucedem em belo painel

que põe de pé a altura humana, lírica e orgiástica do poeta.

DOCUMENTÁRIO 2

Exibe fragmentos principais da solenidade em que Vinícius foi promovido a

Embaixador do Brasil, realizada no salão de honra do Palácio do Itamaraty

em Brasília. Contando com números musicais interpretados por Miúcha, pela

neta Mariana de Moraes e pela filha Georgiana (estreando como cantora),

sucedem-se as narrações ao vivo de Ricardo Cravo Albin e Eucanaan Ferraz,

além das falas do Presidente Lula e do Chanceler Celso Amorim ante todo

Ministério e corpo diplomático acreditado na capital Federal do pais.


I II

UM CD HISTÓRICO
Este CD contém dois registros da mais alta relevância histórica e musical.

Apresenta duas únicas faixas, que valem por dezenas de músicas já gravadas

e conhecidas.

FAIXA I

"Trata-se de uma fita de rolo guardada com desvelo pelo pianista/compositor

Everardo Magalhães Castro, que a doou em 2002 ao ICCA, e é um raríssimo

documento histórico-musical, considerado por Ary Vasconcellos (nosso

grande historiador da MPB) o mais importante documento musical jamais

gravado em som na segunda metade do séc. XX."

a) E com razão, porque marca um encontro único, a que eu assisti e apre-

sentei no Club de Jazz e Bossa (gravado por Sérgio Bittencourt para seu

programa na Rádio Nacional).

b) Discurso de Vinícius de Moraes saudando Pixinguinha, ao receber o título

de "Comendador da Ordem do Jazz e da Bossa".


c) Pixinguinha tocando Carinhoso ao saxofone acompanhado por Tom Jobim,

o que marca o ÚNICO encontro entre os maiores músicos do Brasil (Pixin-

guinha na primeira metade do século XX) e Tom Jobim (na segunda metade

do mesmo século).

d) E ainda uma intervenção espontânea do pioneiro Ismael Silva cantarolando

o Carinhoso, ele que foi o fundador das Escolas de Samba, no Bairro do

Estácio de Sá (Rio) em 1928.

FAIXA II

Traz uma até hoje inédita gravação feita pelo sambista Noca da Portela (então

Secretário de Cultura do Estado do Rio), acompanhado pelo parceiro Riko

Dorilêo.

Este raríssimo registro foi feito pelos dois compositores, Noca à frente, para

homenagear a inauguração do busto de Vinícius de Moraes no prédio do

velho Palácio do Itamaraty, quando a Fundação Alexandre de Gusmão deu


início ao processo de promoção de Vinícius a embaixador em 2006.
VINÍCIUS
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APOIO TÉCNICO

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Márcia Alves (Presidente da FUNAG)

Imprinta Express

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Documentário e Homenagem

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