Você está na página 1de 90

O Bandido da Luz Vermelha, de

Rogério Sganzerla, Matou a Família e


foi ao Cinema, de Júlio Bressane, A
Margem, de Ozualdo Candeias.
Produzidos sob o signo da rebeldia
durante o auge da ditadura militar, da
censura e da tortura, esses filmes
fizeram parte de um movimento único
dentro do panorama cinematográfico
brasileiro: o Cinema Marginal.
Reerguendo ideais deixados pelo
Cinema Novo, seus diretores
rejeitaram sistematicamente aderir ao
cinema comercial, levando até as
últimas conseqüências os limites que
existiam entre a exibição de seus
filmes e o que seria o objeto natural
de sua ação, o povo. Neste livro,
Fernão Ramos traça os contornos da
produção marginal em São Paulo, Rio
e Salvador entre 1968 e 1973 e
apresenta a estética do lixo, além de
reunir uma filmografia completa de
todos os filmes do· Cinema Marginal.

Áreas de interesse: Cinema, História.

EMBRAFILME/Ministério da Cultu
. r
/ 'l \

Cinema Marginal (1968 -1973)


A representação em seu limite

.,.,
1
;,;

.. ' ~ ,j -

• l 1( ·.: 1, •
Fernão Ramos

• Antropologia do Cinema - Massimo Canevacci


• Cineastas e Imagens do Povo - Jean-Claude Bernardet
• Cinema: Imagem-Movimento - Gil!es Del!euze
• O Direito de Comunicar - Expressão, informaç.ão e liberdade
- Desmond Fisher
• Hitchcock/ Truffaut - Entrevistas
• Memória da Telenovela Brasileira - Ismael Fernandes
• Paulo Emílio - Um intelectual na linha de frente - C. A.
Calil/M. Teresa Machado
• Sertão Mar - Clauber Rocha e a estética da fome - lsmail
Xavier '
CINEMA MARGINAL
• Um Pais no Ar - História da TV brasileira em três canais -
Alcir Henrique de Costa/ lnimá F. Simões/Maria Rita Kehl
(1968-1973)
Coleção Primeiros Passos A representação em seu limite
• O que é Ator - Ênio J. C. de Carvalho
• O que é Cinema - Jean-Claude Bernardet
• O que é Comunicação - Juan E. D. Bordenave
• O que é Contracultura - Carlos A. M. Pereira
• O que é Cultura - José Luiz dos Santos
• O que é Indústria Cultural - Teixeira Coelho
• O que é Política Cultural - Martin Cézar Feijó

Coleção Tudo é História


• A Chanchado no Cinema Brasileiro - Afrânio M.
Catani/ José Inácio M. Sousa
• Cultura e Participação nos Anos 60 - Heloisa 8 . de
Hollanda /Marcos A. Gonçalves
• Tio Sam Chega ao Brasil - A penetração cultural americana
- Gerson Moura

EMBRAFIIME/Ministério da Cultura
editora brasiliense
OIVlOINOO OPIMOES MUlTIPI.ICANOO CULTURA

1 9 B7
Copyright© Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo,
V da Secretaria Municipal de Cultura. ;.

1
Capa:
Deise T omoco Oda

Revís4o:
Carmen T. S. da Costa
Antonio C. M . Genz

li
editora brasilienses.a.
rua da consolação, 2697
01416 · são paulo. sp.
fone· (0111 280-1222 ao André, em memória.
telex: 11 33271 OBLM SR

l
1

1
.1


l
1

Índice

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Variações sobre o tema da marginalidade no ci -


nema brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Cinema Marginal: tentativa de uma definição. . . . 45

A estética marginal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115


Procedimentos de agressão: o horror e a ima-
A edição deste livro não teria sido possível sem a cola- gem abjeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
boração dos colegas da Área de Cinema da Divisão de Procedimentos de estilização: a construção do
Pesquisas do CCSP e o interesse e a paciência de Ma- universo ficcional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
rília Garcia. A fragmentação narrativa . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Agradeço igualmente à Fundação Cinemateca Brasi-
leira, à Cinemateca do MAM e à Embrafilme . Filmografia indicativa do Cinema Marginal . . . . . 143
''Mas seria necessário esperar a literatura 'abjeta ' do século
XX (que busca suas fontes no apocalipse e no carnaval) para
compreender que a trama narrativa é uma peifcula muito fina
constantemente ameaçada de rompimento . Pois quando a iden·
tidade do narrado é insustentável, quando a fronteira sujeito/
objeto estremece e mesmo o limite entre interior e exterior se
toma incerto, a narrativa é a primeira interpelada. Se ela con ·
tinua, no entanto, ela muda de figura: sua linearidade se que·
bra, ela procede através de rupturas, enigmas, atalhos, pontos
em suspenso, enca1.:alamentos, cortes .. . A um estado posterior
a identidade do narrador e do universo destinado a lhe sustentar
n4o se narra mais, mas se grita, se garrancha, com uma inten·
sidade estil!stica máxima (... ). A narrativa cede ent4o diante de
um 'tema-grito' , que quando coincidente com os estados de
alma incandescentes da subjetividade limite que nós chamamos
de abjeç4o, torna -se o 'tema-grito I da dor-do horror. 11

Júlia Kristeva - Pouvoirs de I 'Horreur ~

l
Introdução

Este livro foi escrito, em 1984, a partir de um pro-


jeto apresentado à Divisão de Pesquisas do Centro Cul-
tural São Paulo. Para além da elaboração de um texto ex-
plicativo sobre o Cinema Marginal, pretendi aqui fixar
seus contornos na medida em que avançasse na análise
dos filmes e da época em que foram feitos. '
Gostaria igualmente de colocar duas palavras em
torno da metodologia utilizada. A formação do corpus
de pesquisa, assim como a denominação dada ao con-
junto de obras, foi elaborada a partir da hipótese (que
é examinada no decorrer do texto) de que existiu, em
um determinado período da história do cinema brasi-
leiro , uma série de filmes possuindo traços narrativos
singulares.
Sem cair em atitudes às vezes puristas, estabele-
cidas em torno de conotações secundárias atribuídas à
palavra ''marginal'', considero ser esta a designação
mais apropriada para este conjunto de filmes . Obvia-
mente outros nomes (e temos vários: udigrudi , do lixo ,
da boca, under~round, marginalizado, experimental,
f'T'laldito, etc. ) não devem ser encarados de forma exclu-
12 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 13

dente. É, no entanto, importante frisar que a língua é mérides múltiplos do sistema decimal. No entanto, 1973
um patrimônio social. Querer, portanto, transformar o parece definir com mais precisão a produção histórica
nome Cinema Marginal em, por exemplo, Cinema do Cinema Marginal enquanto grupo relativamente
Marginalizado (porque o cinema, na verdade, foi mar- coeso. Eu estenderia a existência desta organicidade da
ginalizado e na verdade nunca se propôs, etc., etc.) cor- produção até os filmes feitos no exterior durante o exí-
responde, a meu ver, à mesma ilusão de ignorar que em lio voluntário a que foram submetidos g~ande parte dos
relação à língua e seus significantes o indivíduo cumpre cineastas marginais. Na volta ao Brasil passam a seguir
um papel essencialmente passivo. O importante a frisar carreiras individuais, conforme o caso , ainda forte-
aqui é que a escolha do nome se relaciona muito mais mente marcadas pela estética marginal, mas onde oca-
com seu caráter propriamente lingüístico , enquanto ráter de '' movimento '', o caráter mais conjunto da
signo utilizado socialmente para se referir mal ou bem a produção marginal, deixa de existir. O momento histó-
uma realidade determinada, do que a uma eventual rico jâ é outro e a força motriz que na virada da década
adequação entre o conceito marginal e a realidade a que impulsionou a singular extensão da produção marginal
ele se refere. Esta adequação , como veremos adiante, havia cessado. '
se válida ao ser aplicada em grande parte da produção Para terminar esta introdução gostaria de frisar
analisada, demonstra-se inadequada com relação a obras- que parto para o te~o propriamente com uma preocu -
chaves do período. pação central: a de conseguir demonstrar que existe o
A delimitação do período histórico (1968-1973) meu objeto de pesquisa. Esta foi uma dúvida que me
deve ser igualmente encarada de forma ''indicativa' ' assolou durante muito tempo e que tem sido constante-
e de maneira alguma excludente. O ano de 1968 foi mente manifestada pelas poucas pessoas que se aproxi-
escolhido por ser o ano em que começam a ser produ- maram mais detidamente deste conjunto de obras. Ge~
zidos os primeiros filmes considerados ' ' marginais'' ralmente d~uido e disposto de forma dispersa no tempo
(poderíamos citar C4ncer, de Glauber Rocha; Hitler no - confundido às vezes com o cinema independente que
III Mundo, de José Agripino de Paula, Jardim de Guer- existe hoje e existiu na década de 50, ou com o cinema
~

ra, de Neville d' Almeida; e O Bandido da Luz Verme- experimental que viria-de Mário Peixoto e se estenderia
lha , de Rogério Sganzerla), além de se constituir uma até os experimentos dos cineastas atuais mais inventi-
data histórica com acontecimentos marcantes no Bra- vos - o Cinema Marginal perde sua especificidade his-
sil e em todo o mundo. Para frisar o caráter indicativo tórica e principalmente sua riqueza que é realçada num
do período poderíamos lembrar o filme A Margem , de cotejamento mais próximo com o momento histórico
Ozualdo Candeias, 1967 , que, por se tratar de uma crítico, e talvez por isso mesmo tão rico , em que foi
exceção em vários aspectos, não justifica a meu ver o situada acima sua produção mais significativa.
abandono do ano de 1968, mais significativo para uma A caracterização do Cinema Marginal enquanto
demarcação histórica do Cinema Marginal. A data de um "movimento" dentro do cinema brasileiro é pro-
1973 talvez pudesse ser avançada para 1975 se preferís- blemática e será abord~da no transcorrer do texto. Sinto
semos dar uma abrangência maior ao período, seguindo no entanto existir uma organicidade igual ou maior ao
a tradição de nossa sociedade em utilizar para suas efe- seu ponto de referência e também de partida: o Cinema
.
l4 FERNÃO RAMOS

Novo. Da mesma maneira que considero falsa a questão


de se uma obra pertence ou não ao Cinema Novo, não
pretendo direcionar este texto no sentido de dar uma
caracterização exaustiva do quadro de filmes que pode-
rão ser denominados "marginais". Trata-se de uma
questão que gira em torno da própria cauda e para rom-
permos com este círculo vicioso é necessário que deslo-
quemos seu eixo. Devemos buscar os traços estruturais
de sua estética em um conjunto determinado de filmes e
Variações sobre o tema
a partir daí, deste instrumental, nos lançarmos à análise da marginalidade
de cada filme individual. A formação do corpus do Ci-
nema Marginal será abordada mais detidamente adian- no cinema brasileiro
te. Quisemos aqui apenas excluir de início uma pers-
pectiva de análise por onde não pretendemos adentrar.
Se ao final do texto tivermos desenvolvido um instru-
mental significativo para a.análise dos filmes marginais, O marginal e a. marginalidade parecem ser figuras
assim como para o próprio período histórico correspon- constantes no panorama do cinema brasileiro dos últi-
dente, caracterizando desta forma a organicidade do mos trinta anos. Antes, no entanto, de nos aprofundar-
conjunto de filmes, teremos em parte alcançado nossos mos na discussão das formas através das quais este con -
objetivos. ceito aparece na história do cinema brasileiro, vamqs
nos deter um pouco no leque semântico atribuído à
palavra ' 'marginal' ' .
Numa consulta ao Dicionário Aurelio podemos
perceber dois significados centrais, ambos intimamente
relacionados com a produção de cinema no Brasil. O
primeiro se refere a ''estar à margem de, à beira de, ao
lado de alguma coisa'', ou seja, próximo e relativo à
significação da palavra "margem" para a qual, inclu-
sive, nos remete o dicionário. O segundo significado já
exprime uma postura ideológica de nossa sociedade com
relação ao ' 'estar à margem de' ' contido na primeira
definição. A própria disposição das palavras no texto
já é significativa: "pessoa que vive à margem da socie-
dade ou da lei, vagabundo, mendigo ou delinqüente,
fora da lei". Junta-se, então, ao significado "estar à
margem de' ' , quando pensado em termos sociais, a car-
16 FERNÃO RAMOS
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 17
ga pejorativa contida em "vagabundo" ou "delin-
qüente". Para a compreensão da significação do Ci- ção do objeto cultural e que interfere de forma especial-
mente intensa na su·a elaboração.
nema Marginal dentro do panorama do cinema brasi-
leiro, teremos de ter sempre presente esta conotação A forma que este elo da realização do valor da met-
pejorativa inerente ao fato de estar ã margem. Uma das , cadoria toma para o cineasta é o da ' 'aceitação do pú·
principais características deste "cinema" está exata- blico''. Dos esquemas de produção onde este último elo
mente no deslocamento ideológico desta carga pejora- da cadeia condiciona de forma merament~ matemática
tiva, que passa a ser valorada de outras formas. O es- todos os outros estágios, até esquemas mais abertos
tudo deste deslocamento é um dos objetivos centrais para o imponderável e para a relevância da capacidade
deste primeiro capítulo. criativa do ''autor'', este último estágio (a realização
A estrutura de produção que envolve a elaboração do valor da mercadoria-filme) parece ser uma espécie de
de um filme, enquanto objeto cultural e mercadoria fantasma, uma má consciência que atormenta os impul-
numa sociedade capitalista, coloca como central a ques- sos mais criativos dos "autores" . A esta "má cons·
tão da marginalidade. Ao nos aproximarmos destaques- ciência' ', tão característica da prática cinematográfica
- escapa a produção do Cinema Novo e, como vere-,
nao
tão é imprescindível termos em mente o processo de
produção característico do cinema numa sociedade capi- mos adiante, teve a ela de pagar seu tributo o Cinema
talista industrial, assim como o conflito existente entre Marginal. Sobrepõem-se a esta questão, crucial para a
a realização do valor da mercadoria cultural no mercado c?mpreensão da atividade cinematográfica, diversos
e suas pretensões de refletir ou abordar uma realidade discursos ideológicos que a problematizam, realçando
em contradição com esta estrutura. Mais detidamente ainda mais seu papel determinante.
;
poderíamos isolar três momentos na realização do valor O Cinema Novo, no início, aborda esta problemá-
da mercadoria cinematográfica, tendo sempre como tica dando ênfase a um pólo do processo (a produção)
parâmetro a questão da marginalidade: a produção da em detrimento dos seguintes (a circulação e a exibição).
mercadoria, sua circulação no mercado (a distribui- Não se trata, logicamente, de uma atitude consciente
ção) e a efetiva realização de seu valor através da exibi- de.desprezo e negação destes dois últimos estágios, mas
ção. Os altos custos envolvidos em qualquer produção um privilegiamento do papel criador da individualidade
cinematográfica fazem com que este esquema clássico artística na realização do produto filmice. É o chamado
da efetivação do valor de uma mercadoria na sociedade ' 'cinema de autor' ' a que se oporia o ' 'cinema de di.
capitalista tenha para o cinema - para além de seu as- reter''. O cinema de autor permitiria a prática cinema-
pecto de lugar-comum - um especial interesse. Mais tográfica desvinculada das exigências opressoras do úl-
do que em qualquer outra arte; a produção do objeto timo elo (a realização do valor) e, dando ênfase ã di-
cultural no campo cinematográfico se relaciona de for-
ma estreita com a circulação do produto final e sua exi-
bição. Não se trata apenas de uma vontade subjetiva
mensão pessoal do auto( e à individualidade de sua ins-
piração, possibilitaria a liberação do ''artista'' da dialé-
tica da mercadoria.
l
inerente ao artista de ''mostrar'' seu trabalho, mas,
além disso, uma necessidade ao nível da. própria produ- G lauber Rocha nos dá a medida desta ' 'liberação',
ao afirmar em seu livro Revisão Critica do Cinema Bra·

1,
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 19
l8 FERNÃO RAMOS

sileiro ser o ''autor' '1' 'o maior responsável pela ver- rativa tomada pelos próprios filmes. Esta marginaliza-
dade: sua estética é uma ética, sua mise-en-scene é uma ção em relação ao cinema industrial chega a ser pro-
posta explicitamente por Glauber Rocha em ''Uma Es-
política''. Tenta, desta forma, situar o plano da ação do
tética da Fome": "( ... )por esta definição o cinema se
autor na verdade, na ética e na política em oposição às
marginaliza da indústria porque o compromisso do ci-
leis que regeriam a ação do ''di·retor '' , do mero ''arte -
nema industrial é com a mentira e a exploração'' .4
são" situadas ao nível do mercado, portanto do não-
ético ~ do reificado: ' 'o cineasta que pensa sobre a reali-
O Cinema Novo, no entanto, não passaria impune
pela experiência de tentar fazer o cinema existir fora do
dade é o autor cinematográfico ( ... ) o diretor é o arte-
são, é aquele que não tem ética ( ... ) que ficou no co- circuito industrial de produção e circulação. Atestam
mercialismo' ' .2 Na medida em que as exigências deste isto (e aqui não incluo nenhum juízo de valor) sua
mercado travestem a expressão da verdade às necessi- forma narrativa e o dilema que consistiu em seu rela-
dades de realização do valor da mercadoria, cabe ao au- cionamento com o público. O privilegiamento do àgen-
tor descobrir fórmulas que permitam sua desvinculação te criador do objeto cultural, enquanto individualidade
do esquema industrial. N? entanto, ~sta ~epara~ão., .im- anística, tem como conseqüência o relativo desliga-
prescindível para se atingir a verdadeira dimensao ettco- mento deste autor individual dos vínculos que fazem
política da obra não é simples e Glauber a percebe em com que o objeto produzido venha a ser exibido. Passa a
todas as suas contradições: ' 'o que lança o autor no ocorrer uma percepção do objeto artístico enquanto
grande conflito é que seu instrumento para esta ontolo- unicamente produção do artista. A conseqüência disto
gia" (a ontologia do cinema de autor) "pertence ao é um aprofundamento da expressão do ''autor'', agora
mundo objeto contra o qual ele intenciona sua crí- livre das amarras que o condicionavam a determinadas
tica'' .3 expectativas, com relação ao estágio ''exibição'' no
i
Este confluo aludido é sentido com intensidade processo de realização do valor da mercadoria fílmica.
1 Esta 1iberação - que veremos aparecer de forma bem
~; pelo Cinema Novo e, sem dúvida, vai aparecer em t?da
sua dimensão nos dilemas sofridos pelo grupo no final mais radical no Cinema Marginal - é ainda relativa no
da década de 60. Na época, no entanto (a Revisão Cri- Cinema Novo. A ligação com o -mercado não se mani-
tica do Cinema Brasileiro é de 1963 e a' 'Uma Estética da festa tanto na forma de uma crítica à não-realização do
Fome", de 1965), a "política do autor" tem com? valor do objeto cultural enquanto mercadoria, mas na
correlato imediato uma certa marginalização do_ C1- presença de uma '' má consciência'', difusa mas muito
~ema Novo com relação aos esquemas industriais de forte, relacionada à insuficiente realização da dimensão
produção e exibição, sendo determinante na forma nar- ''política'' da obra.
Esta dimensão política, conforme sentida e cobrada
na época, se manifestaria na intervenção concreta do
(1) Rocha, Glauber, Revisão Crftica do Cinema Brasileiro , Rio de Ja· filme na ''realidade'' social através de um contato di-
neiro, Civifuação Bmileira, 1963, p. 14.
(2) Rocha, Glauber, " O Diretor (ou O Autor)", in Rocha, ~lauber, et
alii, Cinema Moderno-Cinema Novo, Rio de Janeiro, José Alv~r~ Editor, 1966.
(4) Rocha, Glauber, "Uma Estética da Fome", Revi.ta Civilizaçtlo
(3) Rocha, Glauber, Revisão Crftica do Cinema Brasileiro , Rio de Ja-
Brasileira, Rio de Jantíro, julho de 1965.
neiro, Civilização Brasileira, 1963, p. 15.

j
l
l
20 FERNÃO RAMOS

reto entre a obra e o público/povo. Ora, na medida em


CINEM A MARGINAL (1968-1973)

O discurso gerado pela contradição, embutida na


2l

que o acesso ao público/ povo está mediatizado pela re- n·egação do valor mercantil da mercadoria dentro de
1 lação capitalista de realização do valor mercantil, e que uma sociedade capitalista, gira, então, em torno da efe-

j o Cinema Novo não consegue estabelecer circuitos al-


ternativos de exibição fugindo desta lógica, o que se
concretiza é um imenso fosso entre o primeiro estágio
tiva dimensão social da obra. Este é, a meu ver, um as-
pecto essencial para a compreensão do Cinema Novo e
que, ao mesmo tempo, o distingue do Cinema Margi-
do processo da produção filmica (a produção do filme nal. A falha geológica, por onde explodem todas as con-
propriamente) e os seguintes (a distribuição e a exi- tradições ae uma produção cinematográfica que ''per-
bição). tence ao mundo objeto contra o qual ela intenciona'',
A isso vêm se acrescentar dois fatores agravantes. manifesta-se exatamente aí: na impossibilidade de o Ci-
Em primeiro lugar, a intensidade da cobrança ideoló- nema Novo alcançar uma dimensão "política", de
gica exercida no sentido da efetivação da '' dimensão acordo com as necessidades e expectativas da época com
política'' das obras, facilmente perceptível na leitura de relação a este termo.
textos e depoimentos da época. E, em segundo lugar, A marginalidade a que Glauber se refere como
a forma narrativa que toma a liberação dos impulsos proposta em seu manifesto e a situação de fato do Ci-
criativos do "autor" longe das amarras do mercado. nema Novo - sempre se debatendo sem sucesso em
Esta forma caminha no sentido de um questionamento busca de um público mais amplo - se tomam ainda
radical da linguagem clássica do cinema e da percepção mais críticas pela valoração negativa existente com re-
a que o público está habituado e dentro da qual dimen- ferência a qualquer atitude existencial de marginalidade
siona sua fruição. Dilema para o "autor" que não sabe relativamente aos interesses da ''imensa maioria da 1
mais à qual das vozes discordantes atender: se a que população''. Para ilustrar este aspecto acho interes-
vem do seu interior e o leva a arrebentar com a forma e sante observar o tom pejorativo utilizado por Carlos Es-
com o contato com o grande público; ou a que vem do tevam Martins, ideólogo do CPC (Centro Popular de
exterior - ou talvez da parte crítica de seu ego - e que Cultura), quando numa polêmica com o Cinema Novo,
o culpa por uma não-interferência mais direta na reali- referindo-se ao isolamento a que este se vê relegado, diz
dade em favor da ' 'imensa maioria da população' ' . que estes cineastas '' estão querendo criar uma nova
Na medida em que nega as próprias estruturas da linguagem, por isso m~smo o que conseguem é ficar
sociedade em que se efetiva, a política do "autor" vai, falando sozinftÕs" .5 Ora, "falar sozinho" é o que o
aos poucos, aparecendo em toda sua complexidade. Cinema Marginal fará durante anos na década seguinte,
Para este trabalho interessa captar seu movimento, que sem que ninguém venha lhe culpabilizar por isto. Já no
não é uniforme, de uma posição inicial de tentativa de caso do Cinema Novo, o remorso parece vir a cavalo:
ruptura do esquema industrial e a conseqüente margi- '' a platéia solta piadas e prefere se divertir consigo mes-
nalização e busca de circuitos alternativos para uma po-
sição cada vez mais forte , no interior do próprio Ci-
(}) Martins, Carlos Est~vam, "Artigo sobre Aristocratas", O Metro·
nema Novo, no sentido de se alcançar o grande público politano, Rio de Janeiro, 3. L0.1962. in Galvão, Maria Rita, O Nacional e o
através da inserção no mercado. Popular na Cu/lura Brasileira, São Paulo, Brasiliense, p. 158.
22 FERNÃO RAMOS
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 23
ma, desinteressada daquela lingu<1-gem que de tão nova
e diferente parece até estrangeira' ' , deixando assim a plano tradicional ocorreria então o filme, que ele, como
suspeita de que ''no fundo, não estão lá com tanta von- "autor", elabora e onde "haveria outras significações
tade assim de falar com o povo' ' . e harmonias que não fariam falta essencialmente a
Trata-se, realmente, de uma suspeita a que o Ci- quem só atingira o primeiro plano''. Esta complexa
nema Novo está exposto e contra a qual se debate em construção, buscando uma solução de compromisso
vão. A pecha é forte e vários autores convivem com ela para tentar satisfazer, de um lado, as exigências de in-
de maneira problemática. De um lado, a possibilidade tervenção "política" da obra e, de outro, a expressão
de expressão da individualidade do autor geralmente em da individualidade do autor no entanto fracassa: "a ho-
contradição com a forma clássica da narrativa; de outro, nestidade com que procurei fazer (o filme), na hora de
a necessidade, sentida principalmente ao nível ideoló- desenvolver o roteiro e de dirigi-lo, fez com que essa
gico, de comunicação com o público que, por sua vez, primeira estrutura desmoronasse completamente. Eu
tem dificuldades em aceitar a nova forma narrativa. passei a recusar uma porção de soluções conhecidas que
Numa entrevista concedida em 1966 por Joaquim Pe- permitiam essa comunicação fácil, porque percebia que
dro de Andrade a Alex Viany na Revista Civilização era impossível conciliar''. A conciliação parece ter sido
realmente impossível e o que se vê na tela é um filme
Brasileira 6 este dilema é expresso de forma exemplar.
Joaquim Pedro, diante das colocações do entrevista- onde a estrutura mais folhetinesca está ausente. Na
dor, refletindo alguns pontos abordados acima ("diz-se continuação da entrevista, Joaquim Pedro nos deixa
por aí que o cineasta em busca desta autoria, dessa afir- antever toda a dimensão do dilema a que está submetido
mação pessoal, estaria fugindo da verdadeira arte popu- ao tentar atingir esta '' dimensão política'', considerada
lar''), desenvolve um surpreendente esquema de reali- por ele como essencial na composição de um filme: 1
1
zação de roteiro como forma de fugir ao dilema. Esta '' Para que um filme seja um instrumento político efe-
construção teria estado em sua cabeça durante as filma- tivo, é preciso primeiro que se comunique com o pú-
blico visado. No caso de usar-se o cinema como instru-
1 gens de O Padre e a Moça, sendo que, no final, ele não
a teria conseguido concretizar. Constitui o que ele mento revolucionário, é preciso que ele atinja a classe
.1
chama de "um processo que tinha algo de engodo" , potencialmente revolucionária" e, no entanto, "os fil-
visando garantir a comunicação com a platéia: '' era a mes feitos a partir de uma posição supostamente revo-
tentativa de dar um primeiro plano tradicional para que lucionária fracassam justamente nos cinemas localiza-
ocorresse o processo de comunicação com a platéia'' . dos em zonas habitadas pelas classes potencialmente
Este primeiro plano tradicional se constituiria de ''uma revolucionárias' ' .
I" estória realista mais ou menos de folhetim' ' , já que A intenção deste breve recorte na entrevista dada
' ' a estória do padre e da moça tinham elementos para por Joaquim Pedro é colocar em evidência o dilema vi-
assegurar esta comunicação''. Por trás deste primeiro vido pelo grupo do Cinema Novo, exposto ali clara-
mente. O que se pode perceber através desta entrevista
é que a relativa posição de marginalidade que os filmes
(6) Andrade, Joaquim Pedro, "Critica e Auto-Crítica: O Padre e a
Moça", entrevista dada â Revista Civi/izaç4o Brasileira , Rio de Janeiro, p. 251.
ocupam - devido exatamente à desintegração da forma
clássica e à expressão sP.m Pntraves do autor - inca-
l

1
24 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973)

moda e é motivo de um sentimento difuso de culpa na resse em mostrar. Quando a análise se aproxima mais
medida em que é confrontada com o discurso em torno dos filmes se nota uma nítida torcida do autor no sen-
da necessidade de uma dimensão política da obra. tido de que caminhem para a representação de persona-
Pode-se igualmente sentir a presença do discu~so gens autenticamente populares. A narrativa, no en-
crítico da posição marginal - ai centrado na posição tanto, parece repetidamente teimar em não satisfazer
dos personagens dentro da diegese - no livro Brasil em o gosto do crítico e permanece sempre um passo aquém
Tempo de Cinema , de Jean-Claude Bemardet. 7 Escrito do que seria o "bom filme". A valoração dada, então,
em meados da década de 60 e plenamente imerso no à mimese da ' 'classe média representando seu margi-
" caldo cultural" que embala o Cinema Novo, o livro nalismo'' é negativa.
aponta com extrema agudeza para o fato de que os au- A marginalidade, portanto, tanto ao nível diegé-
tores do Cinema Novo , embora pretendendo a repre- tico como ao da distribuição e exibição dos filmes, cons-
sentação do ''povo'', acabam efetivamente por apre- titui uma contradição que insiste em persistir embora
sentar " uma classe média à cata de raízes e que quer seja ponto passivo que se trata de algo a ser combatido.
representar na tela o seu marginalismo" .8 Jean-Oau- Mesmo a marginalidade que alguns defendem (a rela-
de, no entanto, não se atém a uma situação de fato e tiva ao cinema industrial) nunca é pensada em termos
desenvolve todo um discurso em tomo de como deveria absolutos. Já em direção ao final da década começa, no
ser este cinema da classe média. Parte, então, do ponto entanto, a ficar clara uma diferença na p~stura de diver-
- que no desenrolar do texto aparece como um dado sos diretores quanto à maneira de se ultrapassar esfa
a priori - de que estes filmes de classe média deveriam posição marginal e se atingir ' ' os amplos setores da
retratar o povo e não o próprio universo marginalizado população '' . O desenvolvimento desta posição toma
da classe média. A não-existência no horizonte do livro uma forma que cada vez mais se desliga do discurso
da possibilidade de valoração de um personagem mar- armado em torno da ' ' dimensão política' ' ·d~ obra para
ginal, que dentro de sua marginalidade realiza mal ou se fixar em termos de "necessidade econômica" e
bem uma opção de vida e nega assim maiores vínculos " realização pessoal", como justificativa para a busca
com a alta burguesia ou com as classes populares é, de um público maior.
a meu ver, significativa. Demonstra a existência de toda Significllúvu ciesla paulatina transformação é o
uma produção cinematográfica que se choca com o dis- texto de Gustavo Dahl 9 publicado na Revista Civiliza-
curso vigente e com as próprias intenções dos autores. ção Brasileira , em março de 1966. Seguindo uma pos-
O livro de Jean-Claude Bernardet foi o primeiro que tura que permitiu (numa entrevista à mesma revista,
apontou para isso, mas ele próprio acaba enrolado por em 1965) que ele se colocasse como tendo " a fama de
sua teia ao pretender exigir de um filme de ' 'classe mé- reacionário de minha geração' ' , Gustavo Dahl aborda
dia' ' o que este não tem condições e , às vezes, inte- de forma direta o problema da relação com o público,
situando este aspecto ao nível de uma relação econô-
(7) Bernardet , Jean -Claude, Brasil em T , mpo de Cin em a, Rio de Ja·
neiro, Civifüação Brasileira, 1966, p. 25 1. (9) Dahl, Gustavo, " Cinema Novo e Estruturas Econômicas Tradicío·
(8) Idem , ibidem , p. 38. nais", Revista Civili:zaç4o Brasileira , n~ 5/6, Rio de Janeiro, 1966, p. L93.

1
26 FERNAO RAMOS 27
CINEMA MARGINAL (1968-1973)

mica de mercado. Depois de dizer que ' 'a maravilhosa a ele. Não que ela tenha sido completamente abando-
alquimia, pela qual alguns visionários transformam pre- nada por este, como veremos ainda por sua presença
juízos financeiros em altas manifestações da cultura constante em discursos elaborados durante a década de
brasileira tornou-se insustentável", propõe cruamente 70, mas sim que deixa de existir, enquanto contradição
"a transformação da estrutura semi-industrial do ci- insolúvel, para se tomar objeto localizável de crítica.
nema brasileiro" (leia-se cinema de autor) "numa es- A questão é complexa, pois seus fios aparecem às
trutura verdadeiramente industrial, através da difusão vezes embaralhados. O que é claro, no entanto, é que
da mentalidade empresarial''. ''O sistema de produção alguns elementos do grupo do Cinema Novo endossam
isolada'' (leia-se cinema de autor) ''revelou não só sua as idéias explicitadas acima no artigo de Gustavo Dahl e
ineficiência econômica mas também sua impossibili- partem para a ' 'alegoria-espetáculo' ' e o filme em cores
dade de romper as barreiras que mantém nossa indús- como uma tentativa (aliás não bem-sucedida) de se atin-
tria cinematográfica no estiolamento. ' ' A proposta aí gir o grande público. Deixam, no entanto, para trás
é clara e em flagrante contradição com as int~nções ini- uma série de jovens que, tendo se identificado com al-
ciais do Cinema Novo. Mais do que isto, ela não aponta gumas posições iniciais do Cinema Novo, acabam por
em direção ao discurso relativo à dimensão necessaria- radicalizá-las, distanciando-se, assim, do grupo que na
mente política da obra para a problematização da ques- época avançava em direção oposta. Estes jovens, que no
tão da marginalidade, mas vai diretamente aos aspectos início faziam parte do que alguns jornalistas chamavam
relacionados à produção da obra cinematográfica. O " ·cinema novíssimo" (1966-1967), acabam, na evolu-
texto é ainda mais incisivo: "Não participando de eta- · ção dos fatos, por matar o pai que antes idolatravam
pas importantes da fabricação do filme, como os traba- assumindo os seus mais ultrajosos farrapos.
lhos de laboratório e o estúdio de som, e desligado do Glauber Rocha, num artigo intitulado ''Udigrudi:
distribuidor e do exibidor, peças fundamentais em sua uma velha novidade'', 10 nos dá a exata dimensão da dis-
venda, o produtor independente perde absolutamente o tância entre os dois grupos·. Como bom "xerife tene-
controle de seu produto e de seu capital'' . A postura broso" (a expressão é de Júlio Bressane) do grupo mais
explicitada -é, portanto, claramente a favor de uma velho ataca os novos cineastas que estão despontando
maior interligação entre ' 'o produtor independente'' numa trilha, cujo abandono parece trazer alguns pro-
(o autor) e as amarras inevitáveis de uma produção vi- blemas .de consciência para o Cinema Novo: "Os jo-
sando o mercado. vens cineastas Tonacci, Sganzerla, Bressane, Neville e
Este posicionamento do grupo do Cinema Novo, outros de menor talento levantaram-se contra o Ci-
cada vez mais a favor de um cinema espetáculo ligado a nema Novo, an unciando uma velha novidade: cinema
esquemas industriais de produção, não será realizado barato, de câmara na mão e idéia na cabeça''. Sem dú-
sem profundas divergênaas internas e acusações de vida , trata-se de uma "velha novidade" que, no en-
"adesão ao inimigo". É, no entanto, dentro do uni- tanto, exatamente por ser velha e cada vez mais esque-
verso colocado por esta questão que a problemática do
marginalismo se desloca imperceptivelmente para fora
(10) Rocha, Glauber, "Udigrudi: uma velha novidade" , Arte em Re-
do Cinema Novo e começa a existir em ''oposição'' vista, n\l 5, São Paulo, Kairós, maio de 1981.
J
1
28 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968 -1973) 29

cida e distante da prática do Cinema Novo faz dela um calhar, não tenho nenhum vínculo com atitudes cons-
pólo de conflito. trutivas de ação. O avacalho é a ação desordenada, uma
A polêmica entre o Cinema Novo e os ''jovens ci- ação que não se propõe um alvo definido e que retorna
neastas" é, às vezes, vista com as lentes trocadas. Mui- para sua própria incapacidade de maneira afirmativa.
tas das propcstas contidas no discurso destes ''jovens'' Daí, talvez, a pecha de "irracionalidade" comumente
e, principalmente, as relativas a uma produção distante atribuída aos filmes que estes ' 'jovens autores' ' produ -
dos circuitos industriais, de cinema barato, câmera na ziam no começo da década de 70 e que aparece como
mão, etc., consis!em apenas, como frisa Glauber no ar- um dos poucos adjetivos que a critica da época conse-
tigo, numa reciclagem de propostas antigas do Cinema guiu encontrar para refletir sua perplexidade diante de
Novo. As condições ideológicas da época (1968-1970) obras que fugiam completamente a determinados pa-
propiciam, então, que algumas destas propostas antigas drões convencionais de representação.
sejam reativadas, agora de maneira mais contu ndente e · Retomando as colocações feitas atrás temos, então,
sem o freio a que elas foram submetidas quando do seu um quadro em que determinadas prioridades com rela-
aparecimento no começo da década. ção â efetiva realização "social" da obra cinematográ-
Refiro-me, em especial, à desvinculação dó elo exi- fica - e que eram encaradas como prioritárias inclusive
bição do processo de produção do objeto cinematográ- para a definição da qualidade estética destas - apare-
fico industrial , implicitamente existente nas colocações cem agora como secundárias e distantes do centro ne-
em torno do cinema de autor. A esta desvinculação vrálgico do universo ideológico destes novos autores.
vem se adicionar um dado novo que permite a radicali- Importante, sem dúvida, para a compreensão deste
zação desta pcstura. A problemática da marginalidade deslocamento é um estudo mais aprofundado da époq1
no cinema brasileiro - quando situada hist oricamente histórica em que se situa (virada da década de 60).
por volta de 1970 - tem, a meu ver, a singularidade de Poderíamos lembrar que esta coincide com o fecha-
não conter em seu horizonte o discurso, extremamente mento político do regime m ilitar provocando o defini-
reincidente no começo da década, em torno da necessi- tivo desmoronamento das ilusões reformistas nutridas
dade efetiva de uma intervenção da obra na realidade durante os anos 60 por boa parte da intelectualidade
concreta de maneira a transformá-la. brasileira, com a qual se identificavam os produ tores de
''Quando a gente não pode fazer nada a gente ava- cinema aqui analisados. Junto com este desmorona-
calha e se esculhamba'', esta conhecida frase pronun- mento e a conseqüente incapacidade ou impossibilidade
ciada em O Bandido da Luz Vermelha, filme de Rogé- de uma ação política nos termos anteriormente estabe-
rio Sganzerla (1968), dá, a meu ver, a dimensão exata lecidos surge um clim a especialmente carregado de ten-
das transformações sofridas pel.a ideologia estabelecida são onde o terror e a paranóia parecem dar o tom pre-
em torno da necessária inserção da obra no social du- dominante. A tortura física nesta épcca extravasa o
rante o transcorrer da década. Primeiro uma constata- gueto do submundo em que sempre foi praticada e passa
ção crua: '' a gente não pode fazer nada''; a seguir, a a atingir os filhos excluídos de uma classe média desi-
atitude que se segue ao fato consumado: o avacalho e o ludida. A própria evidência pessoal, que a prática cine-
esculhambo; ou seja, na medida em que eu passo ava- matográfica tem o dom especial de colocar os seus au-

1
CINEMA MARG[NAL (1968-1973) 31
30 FERNÃO RAMOS
mesmo ser considerada como um elemento central para
tores, destaca sobremaneira os diretores, acentuando, a caracterização do período. A principal contradição
assim, as perseguições e a paranóia. Este clima, em que embutida nas propostas de '' cinema de autor'' elabo·
delírio e realidade muitas vezes se misturam, tem como radas pelo Cinema Novo desaparece. A realidade poli·
pano de fundo não tanto a revolta, mas o terror. E, tica e social excludente impede e, principalmente, <leso·
dentro deste terror, o horror, principalmente o horror briga uma vinculação maior entre a obra produzida e
do dilaceramento corporal contido na perspectiva da sua destinação social. O aspecto da "desobrigação" é
tortura. fundamental no caso, pois os cineastas marginais per-
O clima é de completa impossibilidade de ação e de dem o "sentimento de culpa" relativo a este aspecto,
constante constrangimento de intenções em face de tão bem expresso atrás, na entrevista de Joaquim Pedro
uma realidade bruta que se torna inacessível e exclu· de Andrade. A dimensão redentora de um trabalho em
denté. A questão da marginalidade dentro deste quadro prol de terceiros, este aspecto um pouco cristão, um
ganha contornos mais fortes. A postura marginal co· pouco altruísta do Cinema Novo, desaparece para ceder
meça a evoluir da definição pejorativa, contida na se· espaço a um mundo ficcional que alterna entre a "cur-
mântica de dicionário apresentada no início, para uma tição' ' e o ' 'horror' ' , mas tendo sempre como referên-
valoração positiva e que vai se constituir em lema e cia a própria classe média , os próprios produtores dos
bandeira de toda uma geração. Os grandes circuitos in- filmes, os seus terrores, suas angústias e seus prazeres.
dustriais de produção e difusão cinematográficos são Estes últimos (os prazeres), assim como os pri-
completamente desprezados (procedimentos idênticos meiros (os terrores), são completàmente libertos e ex-
ocorrem em outros circuitos culturais) e identificados plodem com violência nas telas. Constituem estes ter-
como inerentemente aliados à estrutura opressora que a
·~ postura marginal pretende questionar. A obra de arte
mos a antinomia básica do Cinema Marginal (curtição/
1
1
horror) sobre a qual voltaremos ainda diversas vezes no
passa a ser elaborada (e isto, como foi dito atrás, é parti· decorrer do texto . Para definirmos com m,aior precisão
cularmente problemático no caso do cinema) sem que a dimensão que esta postura de ''curtição'' introduz no
esteja no horizonte sua veiculação. A estrutura exclu- universo ideológico do cinema brasileiro conforme deli-
dente da sociedade faz com que o cineasta marginal dê neado na época, vamos nos remeter a um filme do Ci-
as costas para a exibição de sua obra, na medida em que nema Novo e analisar seu posicionamento em face do
esta exibição distante não aparece como uma realidade prazer sexual, intimamente relacionado a este aspecto.
tangível, interagindo, assim, na feitura da obra. Este É comum, ao lermos artigos do período, deparar-
quadro admite vários matizes, quando relativos à pro- mos com críticas de cineastas marginais a respeito do
dução do Cinema Marginal, que serão abordados mais " ascetismo" do Cinema Novo e do lado pouco desen-
detidamente no capítulo seguinte. No entanto, sua vali- volvido do erotismo em seus filmes. Poderíamos pensar
dade se mostra como referência geral a partir da qual os o lado erótico dos marginais (que é bastante acentuado)
diferentes cineastas se posicionam com um grau maior como relacionado à metade ''curtição'' que nos refe-
ou menor de proximidade. rimos, aparecendo em contraste à elegia do trabalho e
A marginalidade encontra, então, um quadro ex· da ascese consciente do operário, presente principal-
tremamente propício para seu desenvolvimento e pode
- 1
32 FERNÃO RAMOS

mente em alguns filmes da primeira fase do Cinema


1 CINEMA MARGfN AL (1968-1973)

que o filho responde (enganado): '' mas mamãe só volta


33

Novo. quinta-feira''. Duas são, então, as ameaças ao mun<lo


No filme Cinco Vezes Favela , por exemplo, pro- corrompido do prazer / luxúria: uma é a volta da mãe
dução do CPC de 1962, no episódio ' 'Zé da Cachorra' ' , que reinstaura a ordem familiar; a outra, a revolta dos
de Miguel Borges, esta dicotomia é claramente ex- favelados também destinada a findar com a situação
pressa. A personagem do burguês - dono do terreno
de urna favela que tenta desapropriar os favelados -
1 anômala da família.
Em um outro episódio do mesmo filme (' 'Um Fa-
é identificada ao erotismo das mulatas que aí toma a velado '' , de Miguel de Farias) o favelado é ludibriado
forma de lascívia. Quando o capanga do burguês vem por um malandro que quer explorá-lo, induzindo-o a
dar a notícia de que a favela se revoltou, encontra o pai realizar um furto. Quando aquele chega na casa do
e o filho no jardim com uma mulher em pose erótica, de bandido, a câmera focaliza detidamente uma mulata
maiô, sentada numa cadeira de praia. Enquanto o ca- sensual sentada a seu lado que envia ao favelado olhares
panga relata a situação, a câmera percorre o corpo da que parecem ser incompreensíveis,para sua pureza. O
mulher estendida. Uma montagem paralela estabelece a corpo da mulata é explorado diversas vezes , lentamente,
relação de causalidade entre a exploração do povo pelo pela câmera, enquanto o malandro a seu lado tem um
burguês e o erotismo que exala das pernas da mulata. olhar parado. A sensualidade que·emerge da cena é, no 1
A seguir, o burguês recebe um grupo de favelados que entanto, canalizada no sentido de identificar a perfídia 1
vem negociar . A montagem paralela, com suas conse- do malandro com o erotismo de sua mulher. O favelado,
qüências conotativas, funciona outra vez: enquanto o em sua pureza idealizada, não entende a ambas . A pos-
burguês negocia e, portanto, explora os favelados ten- sibilidade da conscientização e posterior revolta é deter- 1

1
tando conseguir suas terras, duas mulheres em postu- minada por sua desvinculação das estruturas sórdidas 1

ras de luxúria ~ ao som de jazz rolam numa cama, rindo do mundo capitalista. O prazer erótico aparece como
alto e balançando um véu de seda (cena que nos l~mbra
bastante algumas imagens do Cinema Marginal). O
1 uma dimensão deste mundo na medida em que mancha
a pureza do favelado , agora identificada a uma pureza
i
mundo do trabalho e da '' conscientização' ' é aí oposto que lembra bastante (talvez com o sinal invertido) ao
ao universo da curtição do prazer erótico (reduz.ido à
luxúria), relacionado com a exploração. Ou seja, a 1 ascetismo pregado pela ética protestante. O mundo do
trabalho surge em oposição ao mundo do prazer: a um é
questão do prazer aparece como diretamente vinculada identific~do o povo , o favelado; ao outro, o · burguês.
à negação do trabalho (e, portanto, à exploração) e daí
limitada em sua fruição. A ordem · familiar aparece 1 Como trabalho e prazer são duas estruturas geralmente
opostas na atividade humana, a sobreposição destes
igualmente no filme como o baluarte do mundo do tra- conceitos ao caráter dualista da oposição operário/ bur-
balho em oposição ao prazer/luxúria. Logo no início do guês é facilmente realizada.
episódio, o capanga chega ao palacete do burguês com Reduzir a questão do erotismo no Cinema Novo a
as notícias da revolta. O pai aflito vira-se para o filho
(este também com algumas mulheres em volta): "eu
1 este aspecto (e principalmente a este filme) é empobre-
cer uma problemática mais complexa e cheia de nuan-
acho que a farra acabou" (referindo-se à revolta): Ao ças. Não obstante, considero, dentro desta questão ,
34 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968·1973) 35

como pertinente o quadro traçado acima. Interessaria Cuba, em 1967, declara que na época nutria "uma
aqui, para a nossa análise, a percepção da manifestação grande admiração e carinho pelo terrorismo' ' , princi-
da parte crítica do ego associada à sexualidade enquanto palmente por seu lado de thriller, "pela emoção de vi-
discurso com tonalidades políticas. No caso do Cinema ver a coisa proibida, o lado suicida, proibido do pe-
Marginal, a proclamação de uma suposta sexualidade rigo". Ainda segundo Bressane, "o manual do guerri-
livre de culpas e pecados será um dos pontos centrais de lheiro urbano deu muito cinema, a Belair tem muito
sua ideologia. disso, de fazer um filme em três ,- quatro dias, montar
Em oposição ao prazer relacionado à dimensão do no negativo, fazer filme com um preço cem vezes me-
sofrimento que causa a terceiros, o discurso ''marginal'' nor que o produto' '. 11 As distinções ideológicas entre
elabora este prazer como algo a ser vivenciado e que se as duas posturas marginais, no entanto, existem, e ten-
legitima em relação à própria sensação que proporciona dem a se acentuar durante o transcorrer da década
ao individuo em sua singularidade. O ser " odara" - de 70.
para utilizar um termo cunhado por Caetano Veloso a Um dos aspectos principais para entendermos o
partir deste universo ideológico - e o descompromisso discurso da "contracultura" reside, como disse atrás,
inerente a esta postura constituem uma das facetas cen - no centramente do universo ideológico em torno do
trais a que me refiro ao aludir ao termo ' 'curtição' ' . próprio ego, do mundo pessoal, do "eu" mais íntimo
O centramento das atenções do sujeito em torno de seu do autor. Este centramento permite a ''curtição'' refe-
próprio corpo (do próprio umbigo), de forma a deil:á:lo rida o usufruir de uma série de coisas relacionadas ao
'' odara' ', constitui a medida da abertura perm1t1da ' .
prazer do sujeito, muitas delas condenadas pela 1deolo-
ao prazer. dia retratada , por exemplo, no filme de Miguel Borges/"
Esta postura vai de encontro a toda uma ideologia Nos objetos passíveis de "curtição" - ~ que se cho-
não definida - difundida principalmente a partir dos cam não só com a sempre criticada moral burguesa,
Estados Unidos - que começa a penetrar em camadas mas também com todo um quadro ideológico que boa
da classe média dos grandes centros urbanos e que se parte do Cinema Novo se identificava - estão, certa-
convencionou chamar de movimento hippie ou "con- mente, as drogas , o sexo livre, o não-trabalho, a falta de
tracultural' '. A realidade de per si excludente se vem um objetivo' 'válido'' na ação. Deslocados no espaço e
somar este quadro ideológico, caracterizado por reivin- na sociedade oficial, os personagens elaborados pela fic-
dicações de marginalidade em relação à sociedade como ção marginal erram no vazio. Longe, no horizonte, às
um todo. vezes no meio de muitos fragmentos, vislumbra-se o
Poderíamos lembrar aqui a outra opção de ação resto da sociedade, suas necessidades, suas obrigações.
"marginal", delineada na época, referente à ação de E, no entanto, algo parece incomodá-los. Além da pos·
grupos armados de esquerda. Os contatos emre estes sibilidade ilimitada do prazer, alguma coisa de outro
grupos e os cineastas marginais, embora esparsos, che-
garam a ocorrer em diversos n.íveis, deixando marcas
inegáveis no próprio materiai narrativo dos filmes. Jú-
(11) Bressane, Júlio, Depoimento, Arquivo Multímeios, Centro Cul-
lio Bressane, que já havia conhecido Marighella em tural São Paulo.
36 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 37

existe que faz com que o "horror" e a "abjeção" se- tativa mais efetiva de participação e interferência na
jam traços centrais da representação marginal. realidade social, realça a postura de marginalidade. A
De um lado teríamos, então, a experimentação do censura se reforça, o retorno econômico dos filmes há
prazer qrie transparece na ausência de uma teleologia muito deixou de ser viável. A própria representação es-
quanto à ação dos personagens. Errando sem destino, tética que estes cineastas elaboram tende a se direcio-
sem causa e sem objetivos pelo mundo, suas ações são, nar em posição inversa ao caminho, também extremo,
geralmente, direcionadas pelo experimentar, pelo cur- que tomam as condições necessárias para a efetiva exi-
tir de determinadas experiências que lhe são colocadas bição social da obra cinematográfica. Os extremos se
por um destino diegeticamente gratuito e inexplicável. radicalizam e o elo ''exibição '' , do processo de produ-
Estas experiências, no entanto, não são vivenciadas de ção da mercadoria-filme , se rompe definitivamente.
forma tranqüila, apesar da ausência de uma causa apa- Diversos filmes marginais foram censurados (entre
rente. Tudo se passa como se, estando o campo aberto outros poderíamos lembrar de: Barão O/avo, o Horrí-
para o usufruto do prazer, alguma outra força impri- vel, A Família do Barulho, Hitler no Ill Mundo, Repú-
misse dentro deste (talvez excessivamente aberto) a di- blica da Traição, Bárbaro & Nosso, Jardim de Guerra,
mensão do horror e da abjeção que, como extremos, Orgia ou o Homem que Deu Cria , Os Monstros de Ba-
parecem coincidir. baloo, O Despertar da Besta) ou tiveram negados o cer-
Dentro da ideologia da '' contracultura' ', caracte- tificado de ''boa qualidade'' , o que é bem significativo
rística do início dos anos 70, a conjuntura política parti- da postura ideológica dos ''marginais'' e seu conflito
cular do Brasil parece ter acrescentado um novo fator, com as instituições sociais encarregadas da veiculação
condizente com nossa realidade: o terror. Todo o dis- da mercadoria-filme. Márcio Souza, cineasta do grupo
curso em torno da experimentação do prazer se choca marginal que depcis se tornou conhecido romancista,
com um universo de repressão à individualidade extre- comenta um destes ''vetos'': '' com o filme pronto
mamente brutal. A distância ideológica entre grupcs tentei participar do Festival de Brasilia·de 1970, mas o
armados de esquerda e cineastas marginais não aparece filme não foi liberado pela censura por 'falta de condi-
como suficiente aos encarregados da repressão para exi- ções técnicas'. Positivamente o deboche não é uma lin-
r mir estes últimos de toda a culpa. A própria atitude de guagem entendida por aqui''. 12
contestação serve como motivo para perseguições. Al- De um lado, ternos , então, um sistema em todos
guns cineastas do grupo analisado chegaram a ser pre- os sentidos refratário â produção dos cineastas margi-
sos, muitos foram seguidos, tiveram suas casas revista- nais e, de outro, urna produção que cada vez mais se
das , foram intimados a prestar depoimentos, etc. E, ao torna refratária a qualquer sistema de exibição, por
fundo, dando o tom a este ambiente um tanto para- mais aberto que seja. São, sem dúvida, dois extremos
nóico e que permite dimensionar muito do que vemos que se conjugam e que dão toda a dimensão da ''margi-
expresso na tela quando analisamos os filmes margi-
nais, a perspectiva da tortura e do dilaceramento cor-
(12) Sou:ta, Márcio, " Bárbaro e Nosso - Imagens para Oswald de An·
poral. drade ' ', trecho de carta do autor , constante da ficha técnica do filme, Fundação
Este sentimento de terror, inerente a qualquer ten- Cinemateca Brasileira.
38 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968·1973) 39

nalidade'' a que está sujeito o cinema feito por estes perspectiva e da necessidade de exibição exerce sobre a
'' jovens autores'' no começo da década. narrativa do filme.
Devemos, no entanto, traçar alguns parâmetros Nos primeiros anos da carreira de N eville d' Al-
neste quadro de marginalidade. O grupa paulista dos meida , poderíamos igualmente detectar um direciona-
cineastas marginais - principalmente os mais ligados mento parecido. Partindo de um filme como Jardim de
aos produtores da Boca - conseguiu uma boa inserção Guerra (1968), onde apesar da fragmentação narrativa
no mercado de exibição, apesar de esteticamente pró- existem fortes ingredientes para um contato mais in-
ximo do restante da produção margmal. Alguns destes tenso com o grande público, caminha em direção a fil-
filmes chegaram a ter um bom lançamento batendo mes como-Piranhas no Asfalto (1970) e Mangue Ban-
mesmo recordes nacionais de público pagante e arreca- gue (1971), nos quais esta relação é extremamente difi-
dação. Essencialmente, no entanto - e isso se refere cultada. Na carreira de Júlio Bressane e de outros ci-
também ao grupa de São Paulo - , a tendência geral neastas da épaca não seria difícil encontrar um direcio-
existente entre 1968 e 1973 é de um progressivo afas- namento parecido, na medida em que finda a década
tamento do mercado exibidor. de 60. Para alguns cineastas (e não são poucos) este
Apenas como ilustração deste movimento podería- progressivo aprofundamento num modo de produção
mos citar o caso de Rogério Sganzerla, que começa pro- marcado pela marginalidade dificulta, após o esgota-
duzindo O Bandido da Luz Vermelha (1968), fazendo a mento de seu período mais fecundo, a continuidade da
seguir A Mulher de Todos (1969), ambos com produ- carreira desviando-os para atividades paralelas à criação
ção final e distribuição asseguradas par produtores da cinematográfica (propaganda, crítica) e criando, dentro
Boca, com relativo sucesso de público e bom retorno do Cinema Marginal, um enorme número de cineastas
financeiro. As produções seguintes realizadas na Belair de um filme só. Quando por volta de 1972-1973 o auge
(produtora criada por Rogério Sganzerla juntamente do boom marginal começa a declinar e estas condições
com Júlio Bressane), durante o ano de 1970, radicali· específicas de produção deixam de existi,r, poucos são os
zam alguns elementos estéticos contidos em seus dois que conseguem manter uma atividade cinematográfica
primeiros filmes e acentuam a ruptura com relação a voltada para a narrativa ficcional.
possíveis expectativas de aceitação por parte do público À conjuntura histórica traçada atrás vem se juntar
espectador. Copacabana M on Amour, Betty Bomba, a um fator determinante que vai caracterizar uma parte
E.xibicionista, que depois virou parte de Carnaval na dos filmes destes cineastas. O ambiente irrespirável
Lama e Sem Essa Aranha , trazem em sua narrativa um existente no país no início dos anos 70 chega a um nível
completo despreendimento em relação ao mercado exi- de tensão limite que obriga uma boa parte dos cineastas
bidor que uma obra como A Mulher de Todos não con- a emigrar em direção à Europa. Embora nem sempre
tém. É importante frisar que o que está aí em jogo não é coincidindo na época e na região geográfica escolhida
uma atitude consciente do diretor em termos de conces- para o exílio (Londres - onde já se encontravam Cae-
sões que devem ou não serem feitas ao público ou ao tano Veloso, Gilberto Gil e outros expoentes do tropi-
produtor. O nível a que estamos tentando direcionar a calismo - parece ter sido o local preferido), estiveram
análise se refere às determinações que a ausência da no exterior: Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, Neville
40 FERNÃO RAMOS 41
CINEMA MARGINAL (1968-1973)

d' Almeida, Andrea Tonacci, Sylvio Lanna , Elyseu mes como Jardim de Guerra, de Neville d' Almeida, ou
Visconti, Geraldo Veloso, Luiz Rosemberg e outros. mesmo em C4ncer (este produto da metade esquizo-
O fator "marginalidade" é, então, ainda mais frênica de Glauber Rocha), ou ainda em Meteorango
realçado por esta produção no exílio. Qualquer pessoa Kid (1969), de André Luiz de Oliveira, o discurso rela-
tendo vivido um período no exterior pode aquilatar o tivo a esta temática começa a penetrar dentro do uni-
aspecto de marginalidade inerente a esta vivência. A verso ideológico do cinema brasileiro e irá caracterizar
isto vem somar-se toda uma ideologia própria da época a seguir, de maneira marcante , a ideologia do Cinema
já abordada atrás, que propunha explicitamente formas Marginal.
"alternativas" e " marginais" de convivência com a Esta postura irreverente com relação a uma série
sociedade industrial capitalista. O contato mais pró- de valores tidos como ''válidos'' e o questionamento de
ximo com essa ideologia, irradiada principalmente a discursos competentes em torno de '' responsabi~idades
partir do Primeiro Mundo (as tentativas de comunida- sociais'' permite uma atitude irônica e descompromis-
des alternativas defendidas pelos hippies, as experiên- sada em relação ao próprio filme, ao mundo do cinema
cias alucinógenas, a música inglesa e americana), é feita e à realidade concreta que circunda o cineasta. Este
de forma intensa. A produção no exilio não é muito procedimento, que atrás denominamos de ' ' curtição'',
extensa em termos de produtos acabados. Além dos tem um pouco do antropofagismo característico do tro-
poucos filmes concluídos existem filmagens documen- picalismo na medida em que deglute esteticamente,
tando viagens, filmes começados no Brasil e montados sem preconceitos, a totalidade das representações que
no exterior, e produções mais ou menos caseiras nunca cercam o artista, para depois devolvê-las numa forma
terminadas. Temas que já estão presentes nos primei- estética que tem algo a lembrar um procedimento 1de
ros film~s marginais encontram agora uma dimensão colagem.
mais definida ao se confrontarem com a realidade social Analisando a atitude dos cineastas em relação à
que inicialmente os elaborou: consumo de drogas; se- própria obra nos remetemos a uma visão do mundo
xualidade livre e fora dos padrões institucionais; des- como uma grande piada e de sua obra como o espelho
prezo pelos valores tradicionais tais como a família, a através do qual eles parecem fazer uma imensa gozação.
propriedade, a carreira profissional; a exaltação do não- Declarações da época são neste sentido contundentes e
trabalho e da preguiça; a aparência suja e descuidada desnorteadoras. A postura de '' avacalho ,, que a maio-
.
desprezando valores de comportamentos cotidianos ria tomou em relação ao cinema "sério", de arte, pre-
(maneira de andar, de se vestir, etc.); abandono do uni- tendido pelo Cinema Novo, é sintoma da "curtição".
verso de realização "burguês" para uma vida alterna- Neste sentido é que seus integrantes diziam fazer filmes
tiva em lugares isolados (o famoso pé-na-estrada); rei- "impuros e pretensiosos", ou ainda estar "buscando
vindicações relativas a grupos marginais tais como os aquilo que o povo brasileiro espera de nós desde a chan-
negros, homossexuais, indios , mulheres , etc. chada: fazer do cinema brasileiro o pior do mundo' ' .13
Estes temas esboçam um quadro ideológico bas-
tante distinto da problemática e do questionamento so- (13) Sganz:erla, Rogério, Declaração contida e~ u~ artigo in~itulado
" A Mulher de Todos·' , publicado no Jornal do Brasil, Rio de JaneU'o, 20.
cial levantado pelo Cinema Novo. Desde 1968, em fil- 2.1970, caderno B, p. 4.

*
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 43
42 FERNÃO RAMOS
O deboche e o avacalho atingem aí a tessitura da ima-
Rogério Sganzerla se refere a seus filmes como "filme- gem e a própria película é atingida: negativos riscados,
cos' ', e diz ter como objetivo o '' autopastiche'' .14 fotografia suja (numa declaração sobre como foi foto-
Numa declaração à revista Veja, em 1968, 15 o mesmo grafado As Libertinas, Carlos Reichenbach conta que
cineasta diz estar preparando um filme (não realizado) '' até nosso iluminador W aldemar Lima - Deus e o
com Gilberto Gil e que se chamaria O Índio e a Vam- Diabo na Terra do Sol - torceu o nariz quando eu pedi
pira e acrescenta: ''vai ser um filme voluntariamente uma fotografia porca"), pontas de montagem apare-
ruim, contra o slogan vamos promover o que é nosso''. cendo, erros de continuidade, descuido na produção,
Sérgio Bernardes, outro cineasta do grupo, diz no etc.
mesmo artigo que seu filme Desesperado ' 'respeita
uma tradição brasileira e nisso é ruim'' e continua, re-
ferindo-se à "importância" do filme: "é um dos úl- A postura que permite uma reflexão sobre. a rró-
timos filmes ruins do Brasil''. O discurso em torno do pria obra, povoada de adjetivos desqualificantes e assim
'' cinema cafajeste'', mantido principalmente pelo gru- mesmo recuperada de forma irônica, dimensiona igual-
po paulista, aponta na mesma direção. Publicado ini- mente o universo ficcional do Cinema Marginal. A
cialmen::e no folheto promocional do filme As Liberti- ''curtição' ' e o ' 'avacalho' ', junto a uma atração sin-
nas (1969) e citado em alguns artigos e jornais da época gular da câmera pelo ''abjeto'', constituem, a meu ver,
como sendo o '' Manifesto do .Cinema Cafajeste'', o traços centrais para a definição da diegese própria aos
texto de apresentação de ''Ana'' ló (episódio dirigido filmes marginais. Esta se apresenta intimamente rela-
por João Callegaro no filme As Libertinas) , escrito pelo cionada com a posição de marginalidade ocupada por
próprio João Callegaro, nos apresenta o Cinema Cafa- estes filmes em relação à sociedade em geral, que v'em
jeste como '' o cinema que aproveita 50 anos de mau sendo delineada no decorrer do texto.
cinema americano " e que "não se perde em pesquisa O "avacalho" surge exatamente dp deslocamento
estetizantes e elucubrações intelectualizantes'', numa da obra com relação às estruturas sociais com que esta
clara referência às pretensões estéticas do Cinema Novo. estava anteriormente comprometida. Em O Bandido da
O ruim, o sujo, o lixo, o cafajeste, são todos aspectos de Luz Vermelha , o personagem central declara -entre
uma mesma faceta que, se vem caracterizar de maneira agonia e ironia: "Eu tinha que avacalhar, um cara as-
marcante a estética do Cinema Marginal, ganha toda sim só tinha que avacalhar para ver o que saía disto
sua dimensão quando os incluímos dentro do quadro de tudo; era o que eu podia fazer''. O despreendimento do
humor irônico e debochado da ''curtição'', acima men- Cinema Marginal com relação a formas de compro-
cionado. misso e expectativas socias permite um afrontamento
1
Seria interessante lembrarmos aqui toGo um dis- radical com a sociedade institucionalizada que, às ve-
curso próprio dos marginais favorável ao filme ''sujo ' '. zes, beira o histerismo. A representação do ' 'abjeto' '
(14) Idem, ibidem. se torna possível por este mesmo deslocamento na me-
(15) Revista Veja , "Na Base do Grito ", São Paulo, 25.12.1968, p. 52. dida em que não veicula sua elaboração a um contato
(16) Callegaro, João , " Nasce o Cinema Cafajeste: Ana'' , in " As Liber·
1 tinas - Três Estórias de Amor e Sexo ' ' , folheto promocional do filme As maior com o espectador. A narrativa pode, então, pe-
Libertinas.

~
1
' 1
44 FERNÃO RAMOS

netrar profundamente nos recantos mais íntimos da


alma, que aparecem na tela em toda sua fúria de impul-
l
sos ainda não domesticados. O momento histórico in-
centiva esta explosão que o desvinculamento da socie-
dade como um todo permite. Os traços que algumas
obras do Cinema Novo (principalmente as de Glauber
Rocha) já delineavam - a criticada " linguagem mal-
dita do Cinema Novo'', conforme definida por Gustavo
Dahl - parecem agora ter encontrado campo propício
para a expansão acentuada de alguns de seus compo- Cinema Marginal:
nentes.
A questão da marginalidade, sempre presente de tentativa de uma definição
maneira difusa na história do cinema brasileiro através
da produção '' independente' ', ''experimental'' e ou-
tras, adquire nesta época e nesta produção uma tonali-
dade específica de grande significação. Tonalidade que Antes de avançarmos no sentido de definir mais
não pode ser expandida extensivamente pela história do precisamente o que nà: primeira parte deste .texto foi
cinema brasileiro e que tem uma duração histórica de- chamado, de uma maneira vaga , Cinema Marginal,
terminada. coloca-se a resolução de alguns problemas metodológi-
A produção de cinema que se realizou sob o nome cos. Uma questão central aparece neste sentido: terá
de Cinema Marginal possui uma consistência conside- mesmo existido o objeto deste trabalho ou tudo não 1

rável , que permite sua localização e seu isolamento como passa do desejo subjetivo de um pesquisador mais entu-
uma produção de características próprias que teve seu siasmado?
auge no início dos anos 70. No panorama do cinema Questão que, embora possa parecer ociosa para al-
brasileiro, estes filmes tiveram uma presença marcante guns , não deixou de ser colocada por diversos interlo-
influenciando um grande número de autores das mais cutores durante o desenrolar das pesquisas. A própria
diversas origens. Mesmo cineastas aparentemente des- ausência de textos mais longos sobre o assunto justifica,
vinculados desta realidade tiveram, neste período, obras de certa forma, a dúvida. A querela em torno do nome
em que se percebem nitidamente traços de uma estética a ser adotado vem realçar este aspecto na medida em
que foi levada até às últimas conseqüências pelo grupo que nega uma denominação e, com isto, acaba atin-
analisado. É exatamente a esta produção e às caracterís- gindo o objeto a que ela se refere. Os próprios cineastas,
ticas deste " movimento", nunca assumido como tal , dentro da postura de ' 'curtição' ' e ''avacalho' ' exposta
que este texto tentará dar forma a seguir. atrás, negavam qualquer proposta de trabalho coerente
e ' ' construtivo'' em torno da elaboração de um cinema
edificado dentro de determinados postulados estéticos.
A falta de manifestos, declarações de princípios ou
46 FERNÃO RAMOS
CINEMA MARGINAL (1968· 1973) 47
declarações públicas do grupo enquanto tal faz tam-
bém que permaneça a impressão de algo extremamente "mostras" de Cinema Marginal que tiveram lugar du-
disperso e difuso . As condições políticas e sociais des- rante a década de 70 até os dias de hoje. Neste sentido
favoráveis não só à exibição dos filmes, mas também a reproduzo , a seguir, trechos de nove artigos que sele-
qualquer atitude mais ousada de conjunto assumida em cionei dentro dos que pude ter acesso. O número de
termos públicos, fizeram com que toda a intensa produ- textos mais detalhados que versam sobre o Cinema
ção marginal existente no começo da década de 70 aca- Marginal não é muito grande e, dentro destes, dei pre-
basse por cair num total esquecimento. ferência aos que nomeavam de forma extensiva autores
Periodicamente, algum abnegado cinéfilo desen- e filmes que consideravam ''marginais' '. Os nomes dos
1
1. cavava algumas obras e organizava a exibição de um filmes e de seus autores, às vezes discordantes, foram
ciclo. Ou, então , alguma cinemateca ou museu lançava mantidos de acordo com a grafia original dos artigos.
uma dessas obras ''inéditas'' em sessão única. Passado_ Na filmografia indicativa existente no final do livro foi
o boom da produção marginal, que não correspondeu tentado o estabelecimento de uma certa uniformidade,
de forma alguma a um movimento idêntico na exibição porém algumas divergências foram obedecidas. Os tex-
as projeções isoladas aparecem como praticamente ~ tos são apresentados como documentação não só da
única forma de difusão para um público evidentemente existência, mas igualmente da extensão do Cinema
restrito. Estes fatores fizeram com que, pouco a pouco, Marginal.
fossem sendo esquecidas a dimensão e a extensão de Flávio Moreira da Costa, na revista Filme e Cul-
todo um àiscurso difuso de como se fazer cinema - tura de 1970,17 num artigo intitulado ''Notas para um
além da prática que correspondeu a este discurso tra- Cinema Underground' ', escreve sobre '' a existência
duzida ~m um vasto número de filmes - que pare~e ter. de alguns filmes marginais''. Seriam eles:
percorrido corno pólvora o cenário do cinema brasileiro
no início da década de 70. "( ... )os de José Mojica Marins, e os dos novos
A questão que coloca como seu objetivo uma res- Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha e
posta afirmativa quanto a ser ou não determinado filme Mulher de Todos), Júlio Bressane (Matou a Famí-
"m_arginal" é, a meu ver, uma faisa questão . Vamos lia e Foi ao Cinema e O Anjo Nasceu) , André Luís
aqm apenas tentar levantar uma série de traços estru- de Oliveira (Meteorango Kid, Herói Intergalá-
turais que supostamente percorrem de forma constante tico), João Calegaro (O Pornógrafo), Luís Rosem-
um conjunto predeterminado de obras. A oartir da berg Filho (Balada da Página Três, Dois mais Dois
constatação do que foi considerado como Cin;ma Mar- igual a Isso), Eliseu Visconti Cavallero (Os Mons-
ginal, pretendemos averiguar se no lugar-comum das tros de Babaloo), João Batista de Andrade (Ga-
denominações e impressões de momento existe algo de mai, o Delírio do Sexo), Álvaro Guimarães (Ca-
mais substancial. veira My Friend) e Antonin Lima (As Libertinas e
Com vistas à delimitação deste conjunto de filmes Audácia)' '.
me aterei a artigos de jornais e revistas que versem so-
bre o assunto. lguaímente serão abordadas as diversas
l ( 17) Cose~, Flávio Moreira, " Notas para um Cinema Underground' ',
revista Filme e Cultura , Rio de Janeiro , 1970.

il
48 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 49

E conclui dizendo: Esta ''postura de estar à margem'' é ''ponto co-


mum de uma considerável quantidade de filmes reali-
'' esses filmes existem, se são poucos ou mal vistos zados por pessoas e processos diferentes entre si". E,
é outra história.( ... ) Eles são prejudicados por mil a seguir, cita alguns destes filmes:
problemas. Não chegam a constituir um Cinema
Marginal. Formam apenas uma fase transitória: '' ( ... ) que chegaram a ser exibidos comercialmente
não existe ainda entre nós um Cinema Marginal. no Rio de Janeiro: Matou a Familia e foi ao Ci-
O que existe na verdade são filmes marginalizados nema de Júlio Bressane, O Bandido da Luz Ver-
por situação e não como programa político ou es- melha e A Mulher de Todos de Rogério Sganzerla,
tético '' . Pecado Mortal de Miguel Farias. E outros, vistos
apenas em pré-estréias: Meteorango Kid de André
O crítico José Carlos Avellar, num artigo publi- Luiz de Oliveira, G~mal de João Batista de An-
cado em 1971 no Jornal do Brasil, 18 tenta igll,almente drade, Jardim das Espumas de Luís Rosemberg
definir o que seria este cinema, encontrando dificulda- Filho, Bang Bang de Andrea Tonacci, Perdidos
des em torno da nomeação do objeto: · e Malditos de Geraldo Veloso, Piranhas no As-
falto de Neville·Duarte, Nent Bandalho de Emí-
"( ... ) existe um Cinema Marginal no Brasil? Dar lio Fontana, Caveira my Friend de Alvaro Guima-
nome às coisas freqüentemente explica muito pou- rães, Orgia ou O Homem· que deu cria de João
co, provoca uma série de equívocos' ' . Silvério Trevisan, Possuída pelos mil demónios de
Carlos Frederico, O Anjo Nasceu, Barão O/avo,,
No entanto: o Ho"fvel e Família do Barulho, os três de Júlio
Bressane' ' .
' ' ( ... ) a denominação poderá ser um bom ponto de
partida se evitarmos o erro de chamar de marginais
Num artigo publicado pela revista Vozes 19 em
os filmes realizados com orçamentos reduzidós à
1970, intitulado "Por um Cinema Marginal", o crí-
margem dos recursos dos grandes produtores na-
. . ,, tico José Wolf faz uma singular análise tentando rela-
c1ona1s . cionar ' 'o chamado Cinema Marginal como efeito para-
lelo ao existencialismo' ', na medida em que ' 'seu objeto
A postura marginal estaria, então, relacionada
número um é a existência concreta do homem aqui-e-
com a atitude de assumir '' até as últimas conseqüências
agora' ' . Existência esta que é feita de ' 'angústia, con-
a impossibilidade de ultrapassar a barreira que existe
flitos (. .. ) de procura desenfreada da liberdade e de au -
entre eles (os cineastas) e o que seria o natural objetivo
tenticidade individual' ' . A frase ' 'qual é a tua bicho' ' ,
de sua ação cultural (o povo)' ' .

(18) A vellar, Josê Carlos, "O Ci.oema Feito à Margem ", Jornal do (19) Wolf, Jose, " Por um Cinema Marginal" , revi$ta Vozes , Petró-
Brasil. Rio de Janeiro, 13.2.197L polis, junho/julho de 1970.
)0 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973)

resumiria toda essa filosofia. Cita o jovem hippie cruci- mostra 'N.ovos Rumos' (ver adiante no retros ·
ficado de Meteoraneo Kid como um exemplo pecto das 'mostras ' de Cinema Marginal). BrasiliE
fortemente influenciada pela inte/ligentsia, v m!1,
"( ... ) do novo Cinema Marginal que aos poucos de 1968 com a premiação de O Bandido da Luz
tomou-se a palavra de ordem da cinematurgia jo- Vermelha de Rogério Sganzerla, grande sucesso
vem com Jardim de Guerra de Neville d' Al- no Festival e de 1969, quando teve de engolir O
meida, Balada da Pdgina Três de Luís ·Rozemberg, Anjo Nasceu de Júlio Bressane, um novo Sg.~::i -
Matou a Familia e foi ao Cinema de Júlio Bressa-· zerla A Mulher de Todos e, sobretudo, Meieo -
ne, Desesperado de Sérgio Bernardes, Betty Bom- rango Kid, Herói Intergaldtico de André Luís Oli-
ba de Rogério Sganzerla, a admirável A Margem veira, escolhido pelo voto do público ( ... ) como o
de Ozualdo Candeias, e O Mosca de Nelson Cana- melhor füme do festival em detrimento de Macu-
barro'' . naima ( ...)que ficou com os prêmios oficiais. 1970
foi então o ano do basta!''.
li O cineasta Carlos Frederico, autor do filme Pos-
suída dos Mil Demónios, publica na revista Beijo n~ 6 20 Além dos filmes constantes da mostra ''Novos
um artigo intitulado ''Cinema Marginalizado'', onde, Rumos'' (ver adiante) do MAM, Carlos Frederico cita
como integrante deste cinema, traça algumas conside- como filmes marginais:
rações sobre o movimento . Afirma que o Cinema Mar-
ginal ousou "O Anunciador, O Homem das Tormentas de
Paulo Bastos Martins; A Margem de Ozualdo
"( ... ) desafiar a estratégia de nosso cinema esta- Candeias; O Bandido da Luz Vermelha de Rogéri~
belecido que já se animava para alçar o vôo indus- Sganzerla; Jardim de Guerra de Neville d' Al-
1 ~.T,1 triai-burocrático. Com seu modelo de filme-pobre, meida; 1~1eu Nome é Tonho e A. Herança de
questionava toda uma política cinematográfica (e Ozualdo Candeias; Ji/Iatou a Familia e foi ao Ci -
seu modelo padrão) que então ameaçavam im- nema de Júlio Bressane; A Mulher de Todos de
por''. Rogério Sganzerla; Viagem ao Fim do Mundo de
Fernando Campos; Crioulo Doido de Carlos Al-
Por esta razão teria, então, sido marginalizado. berto Prates Correa; Um Homem sem Jmportdn·
Aponta como característico desse processo, eia de Alberto Savá; Na Boca da Noite/O A ssalto
de Walter Lima Jr.; Triste Trópico de A rthur
"( ... ) quando o Festival de Brasília versão 70 re- Omar; O Lobisomem de Elyseu Visconti. Mais re-
cusa em bloco - e sob protestos dos cineastas - centemente vamos ~ncontrar novos fiirnes àe Bres-
todos os filmes que comporiam pouco a seguir a sane , Sganzerla e Rosemberg Filho (fala-se muito
bem de Assuntina das Amerikas e de Mem órias de
um Industriai) e Rose Lacreta (Encarnação ), Luna
(20) Frederico, Carlos, "Cinema Marginalizado", revista Beijo, n~ 6
maio de 1978 . ' Alkalay ( Cristais de Sangue) e poucos mais'' .
1
FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 53

Na Arte em Revista, n? 5, maio de 1981, que ver- em São Paulo um curta metragem Bárbaro & Nos-
sava sobre independentes, experimentais, etc., em di- 1 so de Oswald de Andrade' '.
versos segmentos da cultura brasileira, é publicado um
artigo intitulado '' O Cinema Sob o Signo da Rebeldia' ', O crítico norte-americano Robert Stam, num ar-
de autoria de Walter Cezar Addeo, 21 onde o autor tenta tigo publicado em 1979, intitulado "Brazilian Avant-
fazer um histórico do cinema experimental. Ao chegar Garde Cinema from Limit to Red Light Bandit'' n sa-
ao Cinema Marginal diz que nesta produção '' irá refle- lienta que '' o ponto alto do movimento underground
tir-se toda a efervescência do movimento tropicalista,
1 coincide com o amplo movimento cultural denominado
da vanguarda teatral (principalmente o teatro Oficina) 'tropicalismo' ". O Cinema Novo torna-se, então, para
e,,quanto à banda sonora, irão recuperar os elementos o movimento underground, '' embourgeiosé, respeitá-
musicais radiofônicos ditos de "mau gosto". Para o vel, paternalista, e duplamente cauteloso: na sua lin-
autor , guagem e nos seus temas". A proposta do cinema un-
derground é, neste sentido, "a rejeição do cinema bem
"o movimento apesar de nascido em São Paulo é feito em favor da 'tela suja' e da estética do lixo' ':
contemporâneo às experiências de cineastas inde-
pendences do Rio (Boca da Fome), B9ca do Lixo de '' A estética do lixo era, segundo os autores, o es-
Mansur e Boca do Inferno em Salvador. Em São tilo mais apropriàdo para um , país do Terceiro
Paulo filmariam: Rogério Sganzerla, Ozualdo Can- Mundo, na medida em que possibilita a transfor-
deias, Andréa Tonacci, Júlio Bressane, Carlos mação das sobras de um sistema internacional do-
Reichembach, João Batista de Andrade, Maurício minado pelo monopólio capitalista do primeiro
Capovilla, João Silvério Trevisan, Neville de Al- mundo''.
meida, Carlos Alberto Eghbert, João Callegaro,
José Mojica Marins e diversos outros''. Para Robert Stam,

'' o primeiro autêntico filme underground foi o


E continua o autor:
filme de Ozualdo Candeias profeticamente intitu-
lado A lvfargem (1967) ( ... ). Em 1971 o movi-
" Concomitantemente filmam dentro desta ten- mento podia reivindicar um número significativo
dência marginal brasileira: André Luiz de Oli- de cineastas e ao menos trinta filmes, incluindo
veira, em Salvador, realizando Meteorango Kid, Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha,
O Herói Intergalático; Eliseu Visconti , no Rio de 1968), Ozualdo Candeias (A Margem, 1967; Meu
Janeiro, filma Os Monstros de Babaloo; Márcio Nome é Tonho, 1969); Júlio Bressane (Matou a
Souza, vindo de Manaus , filma na Boca do Lixo Família e foi ao Cinema, 1970); João T revisan
1

(21) Addt0 , Walcer Cez.ar, "O Cinema sob o Signo da Rebeldia ··. A rte
em Revista , n\> 5 , São P~ulo. Kairós .
(22) Stam , Robert, "Brazilian Avant·Garde Cinema from Límit to Red
l ighc Bandit' ', Brazilian Cinema , Associaced Univenity Press, 1982.
l
1
54 FERNÃO RAMOS
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 55
( Orgia ou o Homem que deu Cria, 1970); Andrea
T onacci (Blá, blá, bld, 1968; Bangue Ban![ue, O crítico Jairo Ferreira - um dos mais antigos
1971); André Luiz de Oliveira (Meteorango Kid, cronistas do Cinema Marginal, que manteve no co-
O Herói Inter![alático, 1969); Neville Duarte meço da década de 70 uma coluna diária no jornal da
d' Almeida Uardim de Guerra, 1970) e Luiz Ro- colônia japonesa São Paulo Shimbum sobre a produção
semberg Filho (América do Sexo, 1970)'' . na '' Boca do Lixo'' - num artigo escrito para a re-
vista Lampião da Esquina,1.S em 1978, realiza um apa-
A revista Manchete publica, em 29.8.1970,2.l ar- nhado retrospectivo do ''melhor cinema feito no país:
tigo que serve como uma espécie de catalisador do Cinema Marginal, também conhecido por Cinema Udi-
movimento marginal na Boca do Lixo, em termos de grudi , Underground , Subterrâneo ou Tupiniquim''.
existência para o grande público. Algum tempo depois, A história deste movimento teria começado:
referindo-se a este artigo, João Callegaro, numa entre-
vista para a revista Artes, 24 diria que o termo '' Cinema '' Em 1967, em São Paulo, quando ( ...) Ozualdo
da Boca'' foi um rótulo inventado pela revista naquele Candeias deu luz a um filme não considerado de
artigo para caracterizá-los frente ao grande público. Na imediato que eu ousei considerar o filme mais de-
reportagem são apontados, entre outros , como ''ci- flagrador no Cinema Brasileiro desde Limite.
neastas da Boca'', tendo como estética o '' cafona tro- Como o filme não- era Cinema Novo nem chan-
picalismo brasileiro' ' : chada passou a ser chamado de Cinema da Boca do
Lixo(. .. ) um rótulo que nasceu dos bate-papos en-
tre jovens cineastas que freqüentavam o pedaço a
" Betty Bomba, de Rogério Sganzerla; Caveira My
partir do ano seguinte: Carlos Reichembach, João
Friend de Álvaro Guimarães; Em cada coração um Callegaro, João Batista de Andrade, João Silvério
punhal, filme de três episódios dirigido por João
Trevisan, Sebastião de Souza, José M9jica Ma-
Batista de Andrade, José Rubens Siqueira e Sebas- rins, Rogério Sganzerla, Candeias e eu, é claro''.
tião Souza; Gamai, o Delírio do Sexo, de J. B.
Andrade; O Pornógrafo, de João Callegaro; Repu-
Continuando o artigo, Jairo Ferreira traça uma
blica da Traição, de Carlos Albert Ebert; Ritual
retrospectiva de alguns filmes de produção ' 'udigrudi'':
dos Sádicos, de José Mojica Marins. Estavam
ainda em preparação O Herdeiro, de Ozualdo Can-
' ' ( ... ) todos os teóricos de 68 passaram à prática
deias , Peregrinações Galantes de uma Heroína
em 69 (. .. )João Batista começou filmando 'O Fi-
Heróica , de Carlos Reichenbach e Audácia, de
lho da TV', um episódio para Em Cada Coração
Antônio Lima'' .
um Punhal ( ... ) outro episódio deste longa reve-
lava Sebastião de Souzá ('Coração de Mãe'). ( ... )
(23) " Cinema Boca qo LiJCO " , revistª Mçnchete, Rio de Janeiro, Bloçh, Em Salvador, André Luiz de Oliveira fazia Me-
19.8 . 1970.
( 24) Callegaro, João , Entrevista à revista Artes, n? 23, 1970, in Arte
em Revistu, n? 5, São Paulo, Kairós , 1981. . (25) Ferreira, Jairo. " Udigrudi: os Marginais do Cinemão Brasileiro " ,
l.Amp,ão da Esquina, Rio de Janeiro , julho 1978, p. 11.
.
'
CINEMA MARGINAL (1968-1973)
56 FERNÃO RAMOS

teorango Kid, o Herói lntergaldtico ( .. .)enquanto "( ... ) os filmes de Neville , Márcio Borges e Luiz
Alvaro Guimarães realizava Caveira My Friend. Otávio (Taca) foram se juntar aos de Tonacci e Ro-
( ... ) Márcio de Souza veio de Manaus e fez ( ... ) gério no II Festival JB-Mesbla que já havia nos
o belo e escroto Bárbaro & Nosso ( ... ) outros jo- revelado no ano anterior, Antonio Calmon, Xa-
vens da pesada engrossaram as fileiras do Cinema vier de Oliveira, Carlos Frederico e José Alberto
Marginal: Elyseu Visconti (Os Monstros de Baba- Lopes. Podemos considerar que aí se iniciaria o
loo ) e Luís Rozemberg Filho. ( ... ) Em 69 já seco- núcleo que formaria o que pode se chamar de Ci-
nhecia os resultados do filme O Ritual dos Sádicos, nema Marginal (. .. ). Júlio, Rogério, Neville, To-
de José Mojica Marins ( ... )além de República da nacci , eu é alguns incorporados adiante (Elyseu
Traição , talentoso policial de Carlos Eghbert ( .. .) Visconti, Sylvio Lanna. Paulo Bastos Martins)
Em 1970, quando João Silvério Trevisan realizou ( ... )ou figuras que se mantiveram numa linha de
Orgia ou o Hom em que deu Cria, o Cinema Mar- independência mas bem próximos como Carlos
ginal, desarticulado enquanto movimento, teve Frederico, Luís Rozemberg, Sérgio Santeiro, Car-
um enterro à altura'' . los Prates Correia, Sylvia Ferreira, Edson Santos,
Serginho Bernardes' '.
"(. .. ) em São _Paulo em tomo de Rogério
Ainda são apontados, no entanto, pelo autor como Sganzerla começa a surgir o movimento da Boca
filmes marginais: do Lixo paulista: Antônio Lima, Carlos Reichem-
1
bach, João Callegaro, João Silvério T revisan Emi-
''Lilian M (1974), de Carlos Reichembach; As- lio Fontana, João Batista de Andrade , Carl~s Al-
suntina das Américas (1976) ('chanchada under- berto Egbert irão arejar o tão esclerosado cinema
ground), de Luís Rozemberg Filho; Documentá-
rio, de Ivan Cardoso sobre José Mojica Marins , 1 paulista''.

além do longa metragem feito em super 8 pelo pró- Em seguida, Geraldo Veloso traça um breve pano-
prio Jairo Ferreira, em 1977, intitulado O Vam- rama da situação do Cinema Marginal na virada da
piro da Cinemateca' ' . década:

Geraldo Veloso , num dos mais ricos e interessan- " 1) Neville, ainda não bem recebido pelo Ci-
tes artigos publicados sobre o movimento, intitulado nema Novo , terminava Jardim de Guerra·
'' Por uma Arqueologia do Outro Cinema' ' ,26 ao longo
' Ignez
2) Rogério ( ... ) dá junto com Helena
de uma narrativa pessoal de sua participação no Cinema sua mais famosa e violenta entrevista ao Pasquim
Marginal, nos faz um retrospecto histórico do mesmo: aonde torna pública uma nova postura de cisão
com o cinema de origem;
1 3) a produção de Rogério A Mulher de To -
(26) Veloso, Geraldo. " Por uma Arqueoiog1a do 'Outro' Cinema 'º dos vai ao mercado com grande sucesso de bilhe-
1 ( 1.11. III. IV. final), Estado de Minas . Belo Horizonte. de 17 .'i .1983 a 14.
11 6.1983. teria ;
1
58 FERNÃO RAMOS
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 59
4) Júlio realiza O Anjo Nasceu e Matou a
Emílio Fontana, Trevisan, Ebert e Carlos Prates
Familia e Foi ao Cinema (que montei para ele);
Correia faz seu primeiro longa O Crioulo Doido;
5) Neville radicaliza o discurso poético( ... ) e 12) Glauber faz seu experimento 'udigrudi',
faz Piranhas no Asfalto; até hoje inédito, Câncer''.
6) Júlio e Rogério fundam então a Belair Pro-
duções Cinematográficas que vai nos dar seis lon- Uma outra forma de se detectar o que foi conside-
gas-metragens (Barão O/avo, o Horrível; Cuidado rado o Cinema Marginal durante a década de 70 é aten-
Madame; Familia do Barulho; Betty Bomba, a exi- tarmos para as ''mostras'' e ''ciclos'' (que não foram
bicionista; Copacabana Mon Amour; Sem Essa muitos) organizados por cinematecas, museus ou cine-
Aranha). Em seguida exilam-se na Europa. clubes, onde o bit parade do Cinema Marginal era, vez
7) Tonacci e Sylvio Lanna, unidos na Total ou outra, mostrado ao público aficcionado.
Filmes vão realizar em Minas com recursos do Em novembro de 1970, '' com toda Ipanema pre-
Banco do Estado de São Paulo, Bang Bang (To- sente'', conforme nos informa uma nota publicada no
nacci) e Sagrada Familia (que chamou antes Decú- jornal Última Hora, se inicia na cinemateca do MAM
bito Dorsal e [legitima Defesa) de Sylvio; - Rio de Janeiro, a "Semana do Cinema Maldito" ,
8) Elyseu vai rodar seus Monstros de Baba- também chamada de "Novos Rumos do Cinema Bra-
loo (l970)eLobisomem (1971); sileiro I' '. Foram apresentados: Piranhas do Asfalto,
9) eu vou filmar com produção inteiramente de Neville Duarte d' Almeida; Caveira My Friend, de
independente Perdidos e Malditos em 1970; Alvinho Guimarães; Gamai, o Delírio do Sexo, de João
Batista de Andrade; Barão O/avo, o Horrível, de Júlio
10) outros filmes da época vão completar o
painel( ... ): Bressane e Meteorango Kid, o Herói lntergaldtico, de
André Luiz de Oliveira.
a) O Anunciador, O Homem das Tormen-
Numa segunda etapa ("Cinema Brasileiro Novos
tas, de Paulo Bastos Martins (inteiramente ro-
dado em Cataguazes); Rumos'', segunda parte), a cinemateca do MAM exibe,
b) Vida de Artista, de Haroldo Marinho Bar- em janeiro de 1971, os seguintes filmes: Possuída dos
bosa; Mil Demónios, de Carlos Frederico; Bang Bang, de
Andrea Tonacci; Perdidos e Malditos, de Geraldo Ve-
c) A Possuída pelos Mil Demónios, de Car-
los Frederico; loso; Nenê Bandalho, de Emílio Fontana; Betty Bomba,
a Exibicionista, de Rogério Sganzerla, e Orgia ou o Ho-
d) Meteorango Kid, o Herói lntergaldtico, de
André Luiz de Oliveira ('realizado um pouco antes mem que deu Cria, de João Silvério Trevisan.
na Bahia e que se tornou um dos filmes manifestos Em setembro de 1975, o "Grupo Novo de Ci-
do movimento'); nema'' organiza em Minas Gerais (Belo Horizonte)
e) Jardim de Espumas, de Luiz Rosemberg; uma '' Semana do Cinema Marginalizado Brasileiro''.
11) outros autores surgiram na época na Ba- Foram exibidos os seguintes filmes: Perdidos e Maldi-
hia, São Paulo, Minas e Rio: Álvaro Guimarães, tos, de Geraldo Veloso; Bangue Bangue, de Andrea
Tonacci; Vida de Artista , de Haroldo Marinho Bar-
60 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 61

bosa; O Lobisomem, de Elyseu Visconti; A Possutda da mostra foi publicada uma espécie de manifesto
dos Mil Demônios, de Carlos Frederico; O Homem das (" Deflagração") que, entre outras coisas, propunha a
Tormentas (O Anunciador) , de Paulo Bastos Martins; "retomada da linha evolutiva do Cinema no Brasil",
Crio/o Doido, de Carlos Prates Correia. dando a entender que esta retomada se daria a partir da
Ainda em 1975, no mês de abril , foi organizada no ''produção principal'' dos marginais em '' 1968-1971' ' .
T eatro Anchieta, em São Paulo, uma mostra de Ci- É nítida a proximidade da linha predominante nos ar-
nema Marginal. Consta terem sido projetados Possutda tigos da revista com alguns aspectos da produção mar-
dos Mil Demônios, Vida de Artista, Meteorango Kid, ginal. Aléin da mostra foi promovido um ciclo com vá-
o Herói Intergalático, O Anjo Nasceu, Jardim de rios filmes de Júlio Bressane, seguido de um número
Guerra e Jardim das Espumas. especial sobre o autor. No manifesto acima referido são
O cineclube Oficina realiza em 1977, no teatro citados como cineastas marginais (sem que sejam cha-
Oficina, com sessões à meia-noite, um ''Ciclo de Ci- mados assim): Rogério Sganzerla, Júlio Bressane,
nema Bandido'', em que foram apresentados: Jardim de Ozualdo Candeias, André Luiz de Oliveira, Andrea
Guerra, de Neville d ' Almeida; Nenê Bandalho, de Tonacci, Neville d' Almeida , Luiz Rosemberg, Carlos
Emílio Fontana; Interprete J,,fois, Ganhe Mais , de An- Reichenbach , Ivan Cardoso, Júlio Calasso, João Tre-
drea Tonacci; O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério visan.
Sganzerl;; Gamai, o De/trio do Sexo, de João Batista de Também em julho de 1978, durante o Festival de
Andrade; Meteorango Kid, de André Luiz de Oliveira; Brasília, os cineastas marginais, excluídos da exibição
e O Rei do Baralho , de Júlio Bressane . oficial, organizam urna mostra paralela denominada
Em julho de 1978, a revista Cine Olho organiza "I Mostra de Horror Nacional", onde são exibidos
uma ' 'Mostra de Cinema Marginalizado' ' , onde foram vários filmes feitos no início da década. A bifurcação
exibidos: O Pornógrafo , de João Callegaro; Lilian M, entre a exibição oficial e a paralela nos permite consta-
de Carlos Reichenbach ; Meu Nome é Tonho, de Ozu- tar que as feridas abertas quando da eclosão do movi-
aldo Candeias; Orgia ou o Homem que deu Cria, de mento ainda estão presentes, assim como os processos
João Trevisan; Monstros Caratba, de Nlio Bressane; de exclusão que alguns destes cineastas sofreram.
Jracema, de Jorge Bodansky; O Longo Caminho da Durante o Festival foi publicado, como encarte da
Morte, de Júlio Calasse; O Vampiro da Cinemateca - edição de domingo do Correio Braziliense, o caderno
Umas e Outras, de Jairo Ferreira, além de curtas de "Questões", intitulado " HORROR! " , preparado in-
Ivan Cardoso. A revista Cine Olho constituiu, no final tegralmente por cineastas marginais presentes no festi-
da década de 70, um local privilegiado para o debate val. 11 Além de Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, José
cinematográfico, onde os filmes marginais encontraram Mojica Marins , Ivan Cardoso e Elyseu Visconti, são
uma caixa de repercussão que não tiveram quando do
auge de sua produção em 1969-1971. Todo um questio-
namento da narrativa clássica que se supõe presente nos (27) " Questões " (um suplemento de domingo do Co"eio Braziliense);
"HORROR !" , José Mojica Marins, Ivan Cardoso, Júlio Bressane, Rogério
marginais vem de encontro a alguns pressupcstos es- Sgan zerla, Elyseu Visconti, Fem:indo Cony Campos. Arquivo Multimeios,
téticos que estavam no ar na época. Junto com o folheto Centro Cultural São Paulo.
62 FERNÃO RAM OS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 63

dados créditos na elaboração do caderno a Décio Pigna- Trópico, de Arthur Omar; Viaiem ao Fim do Mundo,
tari, Oliveira Bastos, Fernando Lemos, Haroldo de de Fernando Cony Campos; Perdidos e Malditos, de
Campos, T ete Catalão, Lopes e Jane Well. O encarte é Geraldo Veloso; Meteorango Kid, o Herói Intergaiá-
dedicado às "presenças" de Torquato Neto e Dyo- tico, de André Luiz de Oliveira; Capitão Bandeira con-
nellio Machado. Segundo notícia, participaram da ''I tra o Dr. Moura Brasil, de Antonio Calmon; e Gamai,
Mostra do Horror Nacional": Agonia, O Rei do Ba- o Delírio do Sexo, de João Batista de Andrade.
ralho e O Anjo Nasceu , de Júlio Bressane; Delírios
de um Anormal e A Sina de um Aventureiro, de José
Mojica Marins; Sem Essa Aranha e Abismu, de Rogé- O corpus de pesquisa sobre o qual trabalharei está
rio Sganzerla; Nosferatu, O Universo de Mojica ~a- atrás definido , nos artigos e no conjunto dos filmes
rins, Sexta-Feira 13 , Chuva de Brotos e Alô Alô Cmé- apresentados nas diversas " mostras" . No final do tex-
dia, de Ivan Cardoso; O Lobisomem, Os Monstros ~e to está relacionada uma filmografia indicativa do Ci-
Babaloo, Marttcatu, Estrela da Tarde, de Elyseu Vis- nema Marginal, onde este corpus está definido com
conti. mais precisão. Esta foi elaborada a partir dos artigos
Em setembro de 1984, o Centro Cultural São Pau- mencionados e através de observações pessoais. Dentre
lo conjnntamente com o Museu Lasar Segall, organi- os filmes citados atrás existem alguns que considero
zou, uma ''Mostra.de c·mema Margm . al" 28 em que w-
s: distantes das caracted.sticas estéticas e ideológicas do
ram exibidos: Câncer, de Glauber Rocha; Hitler no Cinema Marginal, outros que não foram lembrados e
III Mundo de José Agripino de Paula; Bang Bang, de que considero mais próximos. No entanto, são exce-
Andrea T~~acci; As Libertinas, de Carlos Reichen- ções e, como já foi frisado, não pretendo orientar a pes-
bach, Antonio Lima e João Callegaro; Jardim das Es- quisa de maneira a poder conferir, no final dela , aos
pumas, de Luiz Rosemberg; O Despertar da Besta, de filmes, uma estampa com o carimbo "marginal legí-
José Mojica Marins; O Pornógrafo, de João Callegaro; timo''. Iremos agora tentar ver se é possível encontra.r
O Vampiro da Cinemateca, de Jairo Ferreira; O Longo algo um pouco mais orgânico relacionando estes filmes,
Caminho da Morte, de Júlio Calasse; O Rei do Bara- assim como definir que tipo de relacionamento existiu
lho, de Júlio Bressane; Auddcia - A Fúria dos Dese- entre seus diretores. Neste sentido, devemos traçar al-
jos , de Carlos Reichenbach e Antonio Lima; Em _Cada gumas linnas demarcatórias dentro do ''movimento' ' ,
Coração um Punhal, de Sebastião de Souza, Jose Ru- sob pena de supormos uma homogeneidade que de fato
bens Siqueira e João Batista de Andrade; Lilian M, de não existiu.
Carlos Reichenbach; Os Monstros de Babaloo, de Ely- Conforme foi dito no capítulo 1, o início da forma-
seu Visconti· A Margem, de Ozualdo Candeias; Orgia ção do grupo se dá historicamente no momento em que
ou o Home./n que Deu Cria, de João Silvério Trevi- uma parte do Cinema Noyo abandona propostas mais
san; Jardim de Gue~ra, de Neville d' Almeida; Triste radicais de questionamento da narrativa cinematográ-
fica e caminha em direção à conquista do mercado ,
através de um cinema de espetáculo. O Cinema Margi-
(28) Folhetos dessa " mostra" estão disponíveis no Arquivo Multi-
meios da Divisão de Pesquisa do Centro Culrural São Paulo. nal pegaria, então, esta bandeira deixada para trás e a
64 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 65

levaria adiante. Esta formulação está em parte correta, Cinema São Luiz (Carlos Reichenbach e João Calle-
e uma análise mais detida das propostas contidas em garo) junto com um crítico de cinema (Antonio Lima)
''Uma Estética da Fome'' não deixa a menor dúvida de resolvem "fazer um filme sacana no momento em que
que se alguém saiu dos trilhos para pegar outro .bonde todos os colegas sonhavam com o filme político''. 30 A
foi esta parcela majoritária do Cinema Novo, deixando saída que se apresentava, então, era "começar a filmar
nas mãos dos marginais as novas perspectivas da "ve- e deixar o filme pessoal, político, participante, para uma
lha novidade'', segundo os termos de Glauber. segunda etapa ". " (. .. ) Estávamos no ano do 'Rei 'da
Oiversos parágrafos de ' ' Uma Estética da Forne ' ' 29 Vela', tropicália, Kuarup, Te"a em Transe. Já se fa-
são proféticos com relação aos rumos que tomaria a lava em antiestética. O Callegaro foi ver Sexy Gang e
representação nos filmes marginais no começo da dé- teve um estalo.'' (É interessante notar que, em uma
cada seguinte. Além da passagem já citada em que é das cenas de O Bandido da Luz Vermelha, é focalizado
frisado que, por definição, o Cinema Novo " deve se com destaque um cartaz deste filme.)
marginalizar da indústria'' , toda a proposta estética Este estalo, '' que teve o Callegaro' ' , permite deli-
propondo a violência e o horror como única forma near a singularização deste grupo não só em relação a
''para que o colonizador compreenda a existência do outros marginais paulistas, mas, principalm~nte, com
colonizado" aponta nesta direção. Embora a dimensão relação ao grupo ce{ltrado no Rio de Janeiro. A produ-
mais social contida no manifesto esteja ausente do Cine- ção que começa com As Libertinas e que tem depois
ma Marginal, a constante referência em ''Uma Estética Audácia , O Pornógrafo e ainda influencia fortemente
da Fome" ao "horror", â "violência", "aos filmes Sganzerla em A Mulher de Todos, possui como seu
feios e tristes ( ... ), filmes gritados e desesperados onde eixo central a feitura de filmes em esquemas precários
nem sempre a razão fala mais alto'', não deixa dúvidas de produção (no que coincide com o grupo carioca)',
quanto à ligação do grupo marginal com o legado do mas também uma abertura para o relacionamento com
Cinema Novo. '' Amais nobre manifestação da cultura o público e para com a exibição do produto final que o
da fome é a violência'' , nos diz Glauber a certa altura singulariza quando pensamos no conjunto do Cinema
do manifesto, e esta violência, enquanto representação Marginal.
do horror e do abjeto, irá mais tarde se constituir em João Callegaro, em seu " Manifesto do Cinema
um dos traços característicos do Cinema Marginal. A Cafajeste'', define bem esta posição: '' o valor (do filme)
filiação do Cinema Marginal 'à postura de recuperação será contado em cifras, em borderôs, em semanas de
de um Cinema Novo radical é, no entanto, mais com- exibição, em público. E os filmes serão geniais". Para
plexa e cheia de nuanças do que parece à primeira vista. tal, deve ser abandonada a linguagem ''estetizante' ' do
Em 1968-1969, depois de batalhar em vão finan- Cinema Novo, assim como ''as elocubrações intelec-
ciamentos para filmes considerados de ''arte'', dentro tuais, típicas de uma semi-analfabeta classe média' ' .31
de uma proposta de cinema ''sério'' e com perspectivas
sociais, um grupo de cineastas da Escola Superior de (30) Reicbenbach , Carlos, texto datilografado intitulado .. Parte Inicial
de Texto para UFF '' ( Universidade Federal Fluminense), Arquivo Multimeios,
Centro Cultural São Paulo.
(29) Rocha, Glauber, " Uma Estética da Fome", op. cit. (31) Callegaro, João, "Nasce o Cinema Cafajeste: Ana", op. cit.
66 FERNÃO RAMOS UNEMA MARGINAL (1968·1973) 67

O abandono da linguagem ''elaborada'', que não cons- relacionamento problemático com o Cinema Novo que,
trói uma comunicação ativa com o grande público, se- enquanto ponto de partida para uma negação de suas
ria feita em favor do aproveitamento '' de 50 anos de propostas (a distância aqui é bem maior do que no grupo
mau cinema americano devidamente absorvido pelo es- carioca), permanece no horizonte. Presença fantasmá-
pectador''. Poder-se-ia, então, atingir o grande público tica que toma a forma do' 'pai mau'' (ou "xerife tene-
através do aproveitamento ''cafajeste'' da linguagem 1 broso' ') ao qual o filho rebelde, apesar da rebe~dia, deve
que ele está habituado, com uma temática de inevitável prestar suas contas. Carlos Reichenbach, numa carta
apelo comercial: o erotismo. simulada da personagem central de seu filme '' A Bada-
O veio que este grupo pressente abre caminho para ladíssima dos Trópicos X Picaretas do Sexo" (episódio
a comunicação tão almejada pelo cinema brasileiro com do filme Audácia) à sua própria pessoa,32 nos fala da
o público/povo e, principalmente, permite o levanta- ' 'aflição' ' ' 'em romper os laços paternalistas do vovô
mento de fundos para realizar a produção. O contato Cinema Novo" e, dirigindo-se aos "marginais" · do
com os produtores da Boca é intenso, as produções são Rio de Janeiro, diz não saber "se o pessoal do Rio vai
rápidas, precárias, e se tornam sucessos de bilheteria. entender a importância da Audácia pois a chancela des-
Um jornal da época define este esquema: '' Alfredo Pa- gastada que o movimento (Cinema Novo) deve ter cria-
lácios e um espanhol conhecedor profundo de todos os do na inteligência carioca pode ter cegado os mais che-
trambiqueiros de São Paulo , Galante, começaram a dar gados a nós' ' . ·
a mão para alguns meninos que apareciam com os fil- A evolução (possível geradora desta' 'incompreen-
mes por terminar debaixo do braço ( ... ) conseguiram são") que autores como Carlos Reichenbach e Anto-
(os meninos) ser ouvidos até pelo todo poderoso Os- nio Lima sofreram entre As Libertinas e Audácia é
wald Massaini' '. A coisa parece ter dado certo e os fil- clara. A narrativa se fragmenta progressivamente e a ·
mes '' dos meninos'' vão se revelar realmente um su- ''boçalidade'', o ''avacalho'', se acentuam. O des-
cesso: As Libertinas, lançado em 1969, em Santos, bate prezo pelo momento da criação artística, enquanto um
o recorde nacional de arrecadação em primeiros dias de momento de certa nobreza com vista~ à criação do '' ob-
exibição; Audácia se pagou três vezes, segundo nos in- jeto belo'' é total. Os críticos de Audácia acentuam o
forma um depoimento da época; e O Pornógrafo, lan- fato da incompetência se cruzar aí com a proposta esté-
çado simultaneamente em seis cinemas da capital, tam- tica. Na realidade, há o cruzamento de um completo
bém não decepcionou. desleixo com uma tentativa de agressão ao ''bom gos-
Alguns destes filmes são considerados pioneiros do to''. A atração pelo ruim e pelo kitsch é grande , mas
que mais tarde se chamaria a ' 'pornochanchada' ' . No praticamente não existe uma tentativa de se elaborar
ei:itanto, aspectos estéticos centrais e o estreito relacio- este aspecto em termos da narrativa. Ê o ruim a seco,
namento entre seus autores e o resto do grupo marginal e a ''curtição'' maior parece ter sido realizar o filme
paulista permitem que os encaremos como filmes carac- neste total desprezo. Em As Libertinas, embora estes
terísticos do Cinema Marginal.
O ''marginal-cafajeste'' mantém, igualmente - 1 (32) " Audácia, um Filme Másculo", folheto promocional do filme
e nisto coincide com o resto do grupo marginal - , um Auddcia, Arquivo Multímeios, Centro Cultural São Paulo.
68 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 69

momentos de '' obviedade estilística'' enquanto ele- de uma linguagem mais próxima daquela a que o grande
mento estético estejam presentes, não existe a dimen- público está acostumado , gerando um contato maior
são de ''avacalho'' , tão forte em Auddcia. A relação com este. No entanto, o que os caracteriza mais profun-
com os '' 50 anos de mau cinema'' desejada pelos auto- damente como ' 'marginais'' é exatamente a utilização
res é explicitada por uma declaração de Carlos Rei- desta linguagem num segundo nível, corno ''curtição; '
chenbach sobre as filmagens de As Libertinas: "ia de enquanto referência, não tanto reflexiva mas debo-
noite ao cinema de ltanhaém ver o Zurlini mais re- chada, e contendo, de qualquer forma , a dimensão me-
cente, e no dia seguinte procurava os ângulos mais es- talingüística da utilização de um estilo. A fragmentação
túpidos para enquadrar as minhas cenas''. 33 da narrativa aparece também no horizonte, tensionada
A dimensão que une , portanto, esta parcela do Ci- no caso pela presença próxima da exibição no circuito
nema Marginal com o resto do grupo se localiza muito comercial.
mais do que em uma posição comum com vistas ao O avanço progressivo da fragmentação própria ~o
mercado exibidor, no aspecto da "curtição" degluti- grupo marginal também está presente nesta produção.
dora própria do movimento. A relação com o cinema Em As Libertinas podem-se sentir alguns germes de uma
americano é nitidamente mais forte aqui do que no Rio ruptura narrativa, principalmente no episódio de Carlos
de Janeiro. Igualmente o cinema japonês, ao qual os Reichenbach, onde três ou quatro vezes é utilizada
cineastas têm acesso nos cinemas de colônia no bairro uma montagem em descontinuidade que nos causa sen-
da Liberdade, é constantemente citado nas entrevistas sação de estranheza. Algumas. ações são repetidas em
seqüência, como se o montador, distraído, tivesse se es-

i
como grande inspirador. Cineastas americanos como
Fuller, Welles e Hitchcock são plagiados, citados e lou- quecido de separar diferentes tornadas de uma mesma
vados com todas as letras. O filme ' 'B ' ' americano cena no copião. Mesmo no filme do Callegaro (0 Por-
exerce uma especial atração por sua estética e, princi- nógrafo) - pouco próximo da problemática relativa à
fragmentação da· narrativa - há uma cena onde-o edi-
palmente, por seu esquema de produção. O Pornó-
grafo, por exemplo, é um filme recheado de citações a
J tor das revistinhas pornográficas vai à casa de um amigo
filmes americanos. Trechos de filmes de gangster são e encontra um casal de jovens se drogando. Nesta cena,
mostrados no início do filme. Para o diretor Ooão Calle- o ritmo do filme sofre uma nítida queda no sentido de
garo), O Pornógrafo é ' ' nitidamente americano: west- deixar transparecer, na própria disposição narrativa, o
ern, jing/es, chicotes de câmera, tudo de cinema ame- desespero e o vazio. Mas o auge da fragmentação - e
ricano ( ... )". E acrescenta: "o público não entende o
Cinema Novo porque ele é filiado ao (cinema) eu-
1 seu acompanhante costumeiro, a exasperação, ao nível
da ação dos personagens - ocorre em Auddcia, onde a
ropeu'' .34 intriga (falamos aqui do 1~ episódio, '' A Badaladíssima
Esta referência constante ao cinema americano dos Trópicos X Os Picaretas do Sexo", de Carlos Rei-
permitiria, então, a estes cineastas o desenvolvimento chenbach; o filme contém um outro episódio dirigido
por Antonio Lima, '' Amor 69' '), que narra a realiza-
ção de um filme pela cineasta Paula Nélson , é inteira-
(33) Reichenbach , Carlos, op. cit .
(34) Callegaro, João, Entrevista à revista Artes, op. cit. mente submersa em meio a citações cinematográficas,
70 FERNÃO RAMOS
1 CINEMA MARGINAL (1968-1973) 71

discursos inflamados sobre cinema, cenas gratuitas,


etc. A tendência própria do Cinema Marginal de se ma-
ravilhar com o próprio umbigo ou, em outras palavras,
l Ao traçar este panorama, tentando singularizar o
grupo " cafajeste" do Cinema Marginal, deixei de fora
um elemento essencial para sua compreensão, na me-
de se voltar para as condições mesmas da filmagem e
para o mundo cotidiano de seus participantes faz com
1 dida em que esta ausência me facilitou o trabalho de
realçar os traços distintivos. Trata-se do cineasta Rogé-
que na narrativa de Audácia a intriga apareça como rio Sganzerla, que cumpre u ma espécie de papel inter-
pano de fundo, em meio de uma caleidoscópica ficção- mediador entre a Boca e o Rio de Janeiro. Não só por
documental sobre o universo dos próprios cineastas. seus constantes deslocamentos geográficos, mas tam-
Um bom exemplo deste posicionamento da narra- bém ao nível de um discurso sobre cinema e da própria
tiva em torno do próprio universo, bem como da forte produção enquanto cineasta.
atração exercida pelas produções '' B'' americanas na Antes de avançarmos um pouco mais nesta_dire-
concepção de cinema dos marginais , é o diálogo man- ção , quero frisar mais uma vez que grupos concr~tos ,
tido entre a personagem central de '' Os Picaretas'', assumidos enquanto tal, nunca houve; o que tentamos
a cineasta Paula Nélson, e uma sua amiga numa mesa fazer aqui é traçar algumas distinções que declarações
de bar. Diz a amiga: de intenções e a própria obra dos autores permitem.
- No Brasil é assim mesmo . A gente para cavar Em 1968, Rogério Sganzerla faz na Boca e sobre a
1' ' cl
• uma fita tem que apelar para o gangsterismo.
Ao que a cineasta responde:
1 Boca O Bandido da Luz Vermelha, filme considerado
por muitos (juntamente c9m A Margem, de Ozualdo
- Já mostrei meu copião para um monte de caras Candeias) como deflagrador do Cinema Marginal. O es-
da Boca, mas os caras querem que a gente entupa o quema de produção parece ter sido o mesmo que depojs
filme de aberrações. seguiriam os diretores de As Libertinas . Carlos Rei-
A outra responde falando de suas preferências ci- chenbach nos descreve 35 este esquema: ''Rogério
nematográficas: Sganzerla, que na mesma época filmava O Bandido da
~ . Luz Vermelha, havia montado seu quartel general ao
- Samuel tem razão: cinema é ação. Você lembra
lado de um hotel suspeito . Era um dos nossos poucos
daquele filme que eu queria fazer todo influenciado pelo
amigos locais e se não me engano foi quem sugeriu de
Samuel Fuller?
procurarmos o Galante". Rogério, portanto, teve em
Não, inclusive não entendo este seu amor pelo
suas duas produções iniciais ( O Bandido da Luz Ver-
cara.
melha , 1968 , e A Mulher de Todos, 1969), principal-
Você está por fora mesmo, Samuelzinho é o
.1 maior.
mente na segunda, contatos com os produtores da Boca.
1
O Bandido , filme singular em diversos aspectos por seu
1 Além de ser romântico, politicamente o cara é ineditismo, já incorpora u ma certa desenvoltura com
furado.
relação à utilização irônica da narrativa clássica, em-
A última frase do diálogo é conclusiva: bora seja ainda bastante marcado pelo Cinema Novo e,
Por isso é que ninguém quer te comprar o
filme. (35) Reichenbach , Carlos, op. cit..
"
.,

72 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968·1973) 73

em especial, por Terra em Transe. O seu segundo produção e é utilizada, depois de As Libertinas, em
longa-metragem, A Mulher de Todos, é, no entanto, Auddcia e A Mulher de Todos. A própria temática é
um exemplo concreto de sua ligação com as ''propos- parecida (como são os paulistas na praia, fora de São
tas•• do grupo marginal-cafajeste e de uma postura mais Paulo?), o que nos faz supor um bom veio de produção
aberta em relação aos elementos necessários para uma descoberto e que aos poucos vai sendo explorado por
exibição demorada no mercado. diversos autores.
Já o nome escolhido para o filme (A Mulher de Ao nível do estilo, propriamente, encontra-se em
Todos), de claras conotações eróticas, nos remete ao Sganzerla uma igual preocupação com o óbvio, com o
filão iniciado com As Libertinas, onde a postura ' 'cafa- lugar-comum, já manifestada atrás por Carlos Reichen-
jeste' • mistura irreverência estética e deboche, com pi- bach como procedimento narrativo de grande alcance
tadas comerciais para efeito de grande público. A ''bo- estético. A obviedade estilística aparece como procedi-
çalidade,, e o "cafajestismo" são constantemep.te cita- mento ideal para mecanismos intertextuais de citação.
dos ao longo do filme e acabam personificados nas ati- Neste sentido, Rogério Sganzerla comenta sobre seu se-
tudes de Angela Carne e Osso, personagem central in- gundo longa-metragem: ''em A Mulher de Todos sou
terpretada por Helena lgnez. Durante o filme, Angela voluntariamente acadêmico porque só assim estarei fa-
Carne e Osso se refere constantemente à sua atração zendo cinema de inveo.ção. (. .. )Isto é A Mulher de To-
inevitável pelos boçais (' 'no começo eu não sabia, mas dos, filme das panorâmicas didáticas, das situações ób-
eu preciso dos boçais ") e seu percurso na história é
pontilhado de encontros amorosos com diversos deles.
1 vias, dos movimentos corretos e eloqüentes. O estilo é
supernormal para melhor afirmar sua anormalidade'' .36
Com seus amantes cafajestes, Helena lgnez vai fundo A narrativa, no entanto, em vários pontos se distancia do 1
no deboche e no avacalho, revelando sua atração por estilo mais característico do marginal-cafajeste para se
personalidades degradadas: o gordo e asqueroso Polen- aproximar dos filmes seguintes que Rogério Sganzerla
1' guinho, contratado pelo marido para segui-la; o ''único fará na Belair, produtora fundada junto com Júlio Bres-
1' negro rico do Brasil,', desempenhado por Antonio Pi- sane, em 1970. A fragmentação narrativa e o dilacera-
tanga, com uma pinta única de cafajeste; o esplendo- mento existencial dos personagens começam aqui a to-
roso toureiro espanhol (intepretado por Paulo Villa- mar contornos que avançam em progressão geométrica,
ça), que depois se revela uma bicha desenfreada; e se comparados com As Libertinas, e mesmo com Au-
mesmo seu marido, Dr. Plirtz (Jô Soares), imagem per- dácia. O "avacalho" e a "curtição" têm, igualmente,
sonificada do gordo degenerado(' 'por isso foi muito di- um sentido mais voltado para a manutenção de uma
fícil pra mim encontrar um marido, tinha que encon- postura de agressão com relação ao espectador. Quan-
trar o mais boçal de todos' '). do abordamos a questão deste prisma, temos o Sgan-
A produção do filme parece ter sido realizada den- zerla conhecido, o Sganzerla maldito que se acentuará
tro da trilha vislumbrada por As Libertinas: pitadas de nos filmes seguintes e durante o exílio em Londres.
sexo, uma história cafajeste, dinheiro conseguido junto
aos produtores da Boca com retomo garantido. A praia (36) Sganzerla, Rogêrio. "A Mulher de Todos para Seu Autor" , re-
aparece como um cenário ideal para este esquema de vista Artes, o~ 20 , 1970, iff Arte .im Revista , o~ 5, São Paulo, Kairós.
74 FERNÃO RAMOS
1 CINEMA MARGINAL (1968-1973) 75

Mas é inevitável o relacionarmos com o grupo de As tos do Cinema Novo e, principalmente, aparecem como
Libertinas, principalmente ao analisarmos um filme argumentando surdamente com '' Uma Estética da
como A Mulher de Todos. Fome''. Aqui, no entanto, são apresentadas soluções
A singularidade de Sganzerla neste panorama, no diferentes das propostas pela ' 'Estética' ' . A ' 'provoca-
entanto, se acentua ao pensarmos no quadro do cinema ção final da fome'', que no texto de Glauber correspon-
brasileiro da época, traçado a partir de uma negação das deria a '' uma cultura da fome minando suas próprias
perspectivas propostas pelo Cinema Novo. Numa fa- estruturas", seria, diferentemente desta, realizada se
mosa entrevista ao jornal O Pasquim ,31 dada em feve- "devorando o cinema desenvolvido", devoração que
reiro de 1970, Sganzerla diz textualmente que "o Ci- produziria o pastiche. O dimensionamento da cultura
nema Novo passou para o outro lado' ' . O tom da entre- da fome em termos de uma elaboração intertextual, as-
vista, recheada de incriminações (entre outras, o Ci- sim como toda problemática metalingüística e:n cor.n o
nema Novo é acusado de "paternalizador", "conser- da "curtição" de gêneros e estilos cinematográficôs,
vador de direita", e de "representar a antivanguar- está de forma geral ausente do horizonte do Cinema
da"), gira em volta desta suposta mudança de lado do Novo. Não se vislumbra em ' 'Uma Estética da Fome''
Cinema Novo. Ora, esta postura supõe um ''lado mes- a possibilidade de questionamento do universo que se
mo" que seria, então, o ocupado pelo Cinema Margi- combate, através do aproveitamento lixoso de seus de-
nal. Esta era uma posição mais próxima do grupo ca- tritos: o choque proposto é frontal, o contato com o
rioca e não pode ser tão facilmente percebida no grupo objeto negado inevitavelmente comaminaria a lança
paulista analisado, cuja ruptura com o Cinema Novo com que se pretende atingi-lo.
não passa pela recuperação de antigas propostas aban- Se as propostas estéticas são diferentes, a questão
donadas. colocada em termos de mundo desenvolvido, subdesen-
A própria definição de Sganzerla sobre o que seria volvido , terceiro mundo , provocação da fome, aparece
seu cinema inclui termos nitidamente próximos do ainda dentro de uma terminologia própria do universo
discurso cinemanovista e que estão ausentes em seus cinemanovista. O vômito do terceiro mundo vem, desta
companheiros de Boca: ''Devorando o cinema desen- forma, se relacionar com a violência defendida por
volvido produzo sua negação imediata: o pastiche total, Glauber como única forma do ''colonizador compreen-
a cópia auto-redentora, nossa única saída para saindo der pelo horror a força da cultura que ele explora''. No
uma vez mais da verdade do subdesenvolvimento - entamo, o resultado desta estética da violência, deste
chegar a uma noção invertida de 'bom' ou 'ruim', per- vômito, é para Sganzerla filmes "péssimos" e, por
vertendo o objeto inicial na provocação final da fome: isso, "livres", outro traço que as propostas contidas
o terceiro mundo vomitando filmes péssimos e li- em "Uma Estética da Fome" não chegam a vislum-
vres'' .38 Os termos grifados nos remetem a vários tex- brar.
Aprofundando um pouco mais esta questão do
e
(37) Sganzerla, Rogério e lgnez, Helena, "Helena, a Mulher de Todos,
seu Homem " , Entrevista concedida ao jornal Pasquim, Rio de Janeiró,
5/1 1/2 .1970, n9 33.
(38) Sganzerla, Rogério, "A Mulher de Todos para seu Autor ", re-
1 filme ' ' ruim,' como traço diferenciador do Cinema
Novo, podemos distinguir um forte interesse dos cineas-
vista Artes. ofJ. cit. tas marginais pelo lixo. tanto industrial (o que nos le-
76 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 77

varia até o tropicalismo), mas, principalmente, pelo nema Novo. E a convivência com os " papas" do ci-
lixo da própria indústria cinematográfica. O prurido da nema brasileiro da época parece ter sido intensa em suas
maior parte dos críticos que abordaram o assunto im- estadas no Rio de Janeiro. O cineasta Geraldo Veloso ,
pede que a admiração_por parte destes cineastas por au- no artigo já citado, intitulado ' 'Por uma Arqueologia
tores nitidamente desprezíveis, em termos de uma esté- do 'Outro ' Cinema'' , 40 relata desta forma os contatos
tica mais elaborada, seja exposta em toda sua dimensão. mantidos por Sganzerla com o pessoal do Cinema Novo:
Interessa ,:os marginais exatamente uma crítica à linha
''esteticista' ' do Cinema Novo que tinha como refe- ' ' Rogério por sua vez tentava sistematicamente a
rências cineastas evidentemente com uma obra maiús-
cula e um lugar garantido na história do cinema. A atra-
ção por cineastas e produções classe ''B' ' , assim corno
aproximação com os ' cardeais' do Cinema Novo .
Fazia um trabalho de defesa sistemática do Cinema
Novo em uma geografia dominada por um grupo
1
a atração pelo estilo kitsch, se desenvolve neste sentido. de críticos extremamente hostil a ele, Cinema
De toda a obra de Orson Welles, Sganzerla diz preferir Novo, que era São Paulo. E quando vinha ao Rio
o filme O Estranho, '' qu~ eu não vi mas dizem que é mostrava seu 'work in progress ' obsessivo, O Ban-
horroroso(. . .) um filme que em vez de estar baseado no dido da Luz Vermelha a Cacá Diegues, a Glauber
luxo e no equilíbrio do Cidadão Kane. , ele está baseado Rocha , a Gustavo Dahl, com quem, principal-
na miséria, na escrotidão dos atores, na diferença de mente , mantinhà contatos' ' .
qualidade , de técnica, de negativo" .39
O Bandido da Luz Vermelha pode ser compreen- Progressivamente, no entanto, parece haver um
dido como o deflagrador deste processo , que se apre- afastamento entre o dileto pupilo e os ' 'cardeais ' '. Tri-
senta como uma ruptura que parte do bojo do Cinema lhando um caminho de aprofundamento e radicalização
Novo e vai, aos poucos, se distanciando dele. É evidente , de algumas propostas estéticas que estavam no ar, a
no caso, uma problemática relação umbilical manti- narrativa explosiva e irriquieta de O Bandido aparece a
da com o Cinema Novo por esse grupo (atrás deno- estes ' ' cardeais ' ' como algo essencialmente incômodo .
minadç, de carioca, na falta de um termo melhor), que Talvez fosse o reconhecimento de que a' 'franja da· van-
incluiria também cineastas mineiros (Neville, Sylvio guarda'' , a menina dos olhos verdes da ' ' invenção '' ,
Lanna, Geraldo Veloso) , paulistas (Tonacci e Sgan- não mais pertencesse àqueles que desde o começo da
zerla) , além dos propriamente cariocas (Bressane e Ely- década a detiveram . De qualquer forma a recepção es-
seu Visconti, apenas para citar os nomes mais eviden- boçada pelos ' 'cardeais ' ' a O Bandido foi fria e pouco
dentes) . estimulante. Ainda Geraldo Veloso, em seu artigo, nos
A carreira de Rogério Sganzerla, enquanto crítico descreve essa recepção: ' ' O filme (Bandido) cai com
no ' ' Suplemento Literário ' ' de O Estado de S. Paulo, é enorme impacto sobre a comunidade cinematográfica.
pontuada de artigos elogiosos a diversos aspectos do Ci- A inesquecível sessão na.cabine da Líder (o laboratório

(39) Sganz.erla, Rogério e lgnez, Helena, Entrevista ao jornal O Pas · . (40) Veloso, Geraldo, " Por uma Arqueologia do ' Outro' Cinema ",
quim , or. cit. op. czt.
~I

78 FERNÃO RAMOS 1 CINEMA MARGINAL (1968-1973) 79

cinematográfico do Rio), com todo o Cinema Novo pre- '' Alegria, Alegria'' , em meio de bancas de jornais,
sente, vai desencadear uma série de reservas mais ou guerrifüeiros, Coca-Cola, Claudia Cardinale, o lema 1

menos veladas, a meu ver causadas pelos ciúmes dos que norteia a ação do filme parece ser o ' 'por que '1
resultados fantasticamente criativos alcançados por Ro- não?''.
gério em seu filme. Ferido, Rogério se recolhe e pro- A filiação do Cinema Marginal com o tropicalismo 11
'1
cura continuar seu trabalho em esquemas bastante pes- - embora a ligação seja tentadora - deve ser traçada 1
soais. Em torno dele vai começar a surgir o movimento com reservas. Na entrevista concedida ao Pasquim, em
da ' Boca do Lixo' paulista' ' . 1970, respondendo a Glauber que havia acusado o gru-
O Bandido é um filme marco que, se quisermos
traçár linhas demarcatórias , pode ser considerado como
po marginal de fazer uma ''parafernália tropicalista'',
Rogério afirma que ' 'quem faz tropicalismo são os ve- 1
o ponto de partida para o que mais tarde seria o Cinema lhos como Joaquim Pedro de Andrade e Walter Lima
Marginal. Ponto de partida na medida em que ainda Junior''. Tropicalismo aparece aí para o cineasta como 1

dialoga surdamente com o terreno que foi aplainado sinônimo de alegoria em sua forma mais tradicional e
para se traçar esta linha e deflagrador, no sentido em menos fragmentária; enquanto espetáculo, que aponta 1
li
que coloca elementos radicalmente novos, de ruptura, na direção em que o grupo do Cinema Novo evoluía.
no quadro cinematográfico da época ao qual se remete A seguir, na continuid~de da entrevista, diz que estes
enquanto negação e referência irônica. Sua produção se autores (Cinema Novo) ''tentaram fazer tropicalismo e
localiza dentro do quadro ideológico do Brasil dos anos não conseguiram'' (o que supõe um outro tropicalismo
60, onde a falência dos projeros revolucionários de do que este feitos pelos "velhos") e conclui "o que
transformação social permite a emergência de um dis- não é o meu caso, que pô, desde do inicio tinha dito que
curso ainda referente - e ao mesmo tempo descentrado não era essa a jogada''. Os vínculos do Cinema Mar-
- com relação ao embasamento da prática política que ginal com o tropicalismo - embora existentes inclusive
em 1968 se esvaneceu. O tropicalismo é um dos exem- por razões de convivência tempera! e espacial - não ,1
plos mais patentes desta relativização de discursos antes devem ser sobrejulgados. A justaposição do arcaico e
homogêneos e de pretendida abrangência totalizadora. do moderno, a exposição fragmentária dos detritos in-
A capacidade de deglutição é exatamente o que, dustriais e das relíquias do Brasil e, principalmente-, a
a meu ver, distingue de forma radical O Bandido do articulação destes elementos numa forma alegórica,
Cinema Novo, em cujo estômago objetos menos ape- embora se façam presentes em alguns filmes marginais
tecíveis eram imediatamente expelidos e ainda acompa- (poderíamos citar especialmente Orgia ou o Homem
nhados de toda uma ladainha sobre as impurezas de sua que Deu Cria, de João Silvério Trevisan e os episódios
constituição. A atração antropofágica de O Bandido ''Transplante de Mãe'', de Sebastião de Souza, ''Clep-
por todo um mundo industrial, urbano, cinematográ- susana" , de José Rubens Siqueira e "O Filho da Tele-
fico, que circunda a realidade da metrópole , não con - visão", de João Batista de Andrade, contidos no filme
tém em si um discurso valorativo que intervenha dis- Em Cada Coração um Punha{), não podem ser conside-
pondo este universo numa hierarquia de importâncias. rados como traços estruturais do Cinema Marginal. A
Da mesma maneira que na música de Caetano Veloso alegoria, que pressupõe uma tentativa de representar
80 FERNÃO RAMOS CINEMA MARG[NAL (1968·1973) 81

uma totalidade ou ao menos a remetência do discurso que provoca os conflitos conhecidos. Entre estes ele-
literal a uma outra instância discursiva fragmentada, mentos, essencialmente urbanos , poderíamos destacar:
parece não ter uma presença muito marcante na narra- as histórias em quadrinhos, a propaganda, o romance
tiva marginal. O ponto limite da representação alegó- policial, os meios de comunicação de massa (rádio,
rica - o instante em que a alegoria (que então já não é TV) e suas mensagens (cantores de iê-iê-iê, locutores
alegoria) consome-me em si mesma pelo acúmulo de cafajestes, mocinhas apaixonadas, galãs cafonas, etc.),
significações fragmentadas instaurando o universo do o jornalismo sensacionalista, o próprio cinema em sua
gratuito e do "sem sentido" (aí já enquanto significa- vertente mais consumista, etc .
ção literal) - parece ser o pólo de maior atração da
A atração pelo que a "boa consciência" valora
narrativa marginal. A vontade de '' representação da negativamente (o sujo, o lixo, o ruim) permite uma
brasilidade' ', através da junção alegórica de fragmentos
comparação interessante entre os personagens centrais
diversos de diversos "Brasis", aparece, no entanto, às de duas obras limítrofes nesta virada de década - O
vezes de forma intensa, em obras singulares. Bandido da Luz Vermelha e Terra em Transe - que se
No caso de O Bandido, par seu caráter deflagrador
parecem na forma que têm de rodopiar pelo mundo, em
e demarcatório, estas afirmações são apenas parcial - agonia e sem satisfação. O dilema existencial de Paulo
mente válidas. A tradição presente desde o Cinema
Martins (Terra em Trann) entre "o cosmo sangrento
Novo de ' 'construir sistemas abrangentes'', para utili-
e a alma pura' ', sua tentativa inútil, mas abnegada, de
zarmos uma expressão de Jean-Claude Bernardet, pede
firmar o " nobre pacto", nos remete a uma represen-
ser facilmente localizada em O Bandido (o que já não'
tação onde estão significados sentimentos ' ' nobres' ' .
ocorre no segundo filme de Sganzerla, A Mulher de
Em meio ao seu desespero existencial, em meio aos di1
Todos). O que caracteriza, no entanto, a ruptura de
lemas e oscilações que a tentativa do ''pacto'' provoca,
O Bandido com o universo do Cinema Novo é sua capa-
sua postura moral em face dos fatos a que é exposto cria
cidade de um diálogo, não apenas crítico mas também
um sentimento de compaixt!o no espectador que é real-
incorparador, com o mundo industrial e os modernos
çado pelo sacrifício final.
meios de comunicação existentes neste mundo (entre
os quais o cinema se inclui). A partir do abandono da Os dilemas de consciência altruístas, tão caracte-
postura valorativa - que uma ideologia centrada na rísticos do Cinema Novo, são substituídos no· caso do
compreensão do universo social enquanto totalidade Cinema Marginal par um individualismo mesquinho,
coerente permite - , todo o universo fragmentário da onde as personagens patinam em desespero na poça e
realidade industrial-urbana que cerca o sujeito se relati- acabam par se afogar em meio à lama. No caso de O
viza e a percepção deglutidora capta os impulsos múl- Bandido , isto é patente: a identificação redentora é
tiplos e díspares desta realidade como alimento desejá- combatida par um personagem que se declara diversas
vel para a representação. vezes um " boçal" e que é construído de maneira a
A partir daí se encontra aberto o campo para o realçar o seu lado mais sórdido. A relação com o espec-
aproveitamento de uma série de elementos estéticos tador não passa mais pela catarse através da compaixão,
condenados pela tabela valorativa do Cinema Novo, o mas permanece a um certo nível de distância, onde a
l 82 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 83
'li,
1
1
irritação com o representado, propositadamente dis- ção do filme é complexa, pois este foi realizado simulta-
forme e abjeto, aparece como identificação possível. neamente com A Sagrada Família , de Sylvio Lanna (na
Antes de seguirmos nesta trilha - aproveitando a época chamada Ilegítima Defesa), a partir de um em -
ligação problemática de O Bandido com a herança do préstimo concedido pela Secretaria de Cultura do Es-
Cinema Novo para abordarmos o grupo marginal do Rio tado de São Paulo, com a apresentação do roteiro deste
de Janeiro - , convém olharmos um pouco mais de último filme. As filmagens foram iniciadas em 1969,
perto outros autores que não foram citados quando em Minas Gerais - Belo Horizonte e Montes Cla-
atrás abordamos o marginal-cafajeste da Boca do Lixo ros - , onde haviam sido oferecidas condições de infra-
' em São Paulo. estrutura. Primeiro foram feitas as tomadas de A Sa-
Em especial, gostaria de lembrar cinco cineastas grada Família, seguidas de Bang Bang, sendo que a .
rtl cujas obras aparecem em qualquer filmografia do Ci- montagem e acabamento final dos filmes se realizaram
' nema Marginal: Andrea Tonacci (Bang Bang)·1 João em épocas e locais distintos. As equipes de filmagens
Silvério Trevisan (Orgia ou o Homem que Deu Cria)· têm nomes em comum (foto e som), além do mesmo
João Batista de Andrade (Gamal,o Delírio do Sexo ~ ator no papel principal (Paulo César Pereio). A estru-
também '' O Filho da Televisão'', episódio de Em Cada tura narrativa dos dois filmes é similar, com a su-
~oração_ um Punhal); Ozualdo Candeias (A Margem), cessão de seqüências articulando-se livremente a partir
figura smgular em todo este panorama; e José Mojica de estímulos ocasionàis. Sente-se, no entanto, em Bang
Marins , o '' Zé do Caixão' ', sempre citado pelos mar- Bang, um diálogo mais intenso com o cinema clássico,
ginais como uma figura inspiradora. próprio dos marginais paulistas, assim como a presença
?mbora seja original de São Paulo , Andrea To- do universo das· histórias em quadrinhos. Talvez se
~acc1 se coloca de forma independente do grupo pau- deva frisar neste filme uma atitude menos debochada ;
lista até aqui analisado. Mais ligado a Rogério Sgan- não tão atraída pelo ruim e pelo sórdido, embora haja
zerla , Júlio Bressane e alguns dos mineiros (Sylvio Lan- traços característicos da imagem do abjeto , A narrati".'a
na_ e Ge~aldo Veloso), aparece próximo do grupo que de Bang Bang se volta constantemente sobre si mesma
va1 se delmeando a partir dos Festivais JB-Mesbla (prin- em abismo, como se a ação linear fosse de repente apri-
c1palmente o segundo , de 1966), onde boa parte dos fu- sionada nas malhas de um círculo infindável de repe-
.turos ' 'marginai~' ' se conhece. T onacci reside no Rio tições (próximo da sensação de um pesadelo), cujo
de Janeiro durante os anos de 1967 -1968 de onde · é fundo parece fugir toda a vez que cremos finalmente
obrigado a sair às pressas após ter sua casa i~vadida pela conseguir pôr o pé. O estilo elegante de Andrea To-
polícia, atrás de supostos ''subversivos'' . nacci faz deste filme figura singular no cenário traçado:
. Seu primeiro longa-metragem , Bang Bang r foi rea- como um cisne branco que atingido pelos estilhaços da
lizado através de esquemas de produção distintos dos fragmentação ainda mantém sua postura e sua fluência.
utilizados pelo grupo ''marginal-cafajeste'' (ou seja João Silvério Trevisan e João Batista de Andrade,
com o auxílio dos produtores da Boca). O dinheiro le~ embora freqüentadores da Boca e com uma produção
vantado para a compra dos negativos foi obtido através que nitidamente se aproxima da .estética marginal, dis-
de um prêmio estímulo recebido pelo autor. A produ- tinguem-se em alguns aspectos do panorama deste d-
,,
.

- _,,,_ -~-- ____, __,


84 FERNÃO RAMOS <:INEMA MARGINAL (1968-1973) 85

nema traçado até aqui. Talvez a distinção se localize público mais amplo. Ao nível narrativo se encontra um
mais ao nível narrativo propriamente, pois parece ter veio marginal mais distante da ''curtição'' e mais pró-
havido um contato próximo entre ambos e o grupo de ximo do dilaceramento dramático.
As Libertinas. Na reportagem citada atrás, da revista Isto é particularmente forte em Gamai, o De/frio
Manchete sobre a Boca do Lixo, há uma foto onde se lê do Sexo, filme que é percorrido de ponta a ponta por
na legenda: "A equipe de João Silvério Trevisan que berros angustiantes, sem que haja, ao nível da própria
filmou Foi Assim que Matei o Meu Pai (que depois se diegese, uma motivação para tal. O dilaceramento e a
chamaria Orgia, ou o Homem que Deu Cria), urna das ação gratuita coincidem para transformar o filme num
mais típicas da Boca do Lixo''. Entre os participantes estilhaço fragmentário em que determinadas persona-
da foto se distinguem: Carlos Reichenbach, Jairo Fer- gens ' 'tipificadas' ' tentam se cristalizar, mas acabam
reira, João Callegaro, além do próprio Trevisan. Igual- diluídas por uma narrativa onde o centro funcional pa-
mente na ficha técnica dos filmes estão alguns nomes rece estar localizado na expressão de uma agonia abso-
citados atrás, quando falávamos do marginal-cafajeste. luta, sem fundo nem causa. A dimensão do "horror'' à
No filme de T revisan ( Orgia ou o Homem que abjeção, aparentemente incomensurável, tem aí uma de
Deu Cria) sente-se uma forte influência da ''tendência suas expressões mais típicas.
a construir sistemas abrangentes'', própria do Cinema
Novo. Pode-se igualmente distinguir toda uma pers- Em seu filme posterior, " O Filho da Televisão" ,
pectiva alegórica com pitadas tropicalistas, traços em a fragmentação diegética, acompanhada da elevação do
geral ausentes do marginal-cafajeste. O acentuado dila- tom dramático, é mantida, embora se possa delinear
l ceramento existencial dos personagens e também, em com mais clareza a evolução da intriga. O universo fic-
·1' determinadas cenas, a compulsão da câmera em se ater 1 cional nos remete ao tropicalismo. Um certo esforço
demoradamente na representação do abjeto remetem, alegórico em termos de representação de uma ·"brasi-
,!1
no entanto, este filme, de forma nítida, à estética mar- lidade '' contemporânea da época - em que à presença
ginal. A própria alegoria é estilhaçada e os fragmentos cada vez mais forte da sociedade de consumo, ainda sen-
não se relacionam de forma automática à totalidade que tida como novidade, juntam-se elementos arcaicos per-
se quer representar. mitindo a emergência do ''cafona'' - aparece tanto
Com relação à veiculação do produto final no mer- neste filme de João Batista qu:mto no de Trevisan, como
cado, a proposta do filme difere radicalmente do margi- traço estético característico.
nal da Boca, analisado atrás. Filme de difícil fruição, Antes de terminarmos este apanhado geral (e , por -
não está evidentemente destinado ao sucesso de público tanto, seletivo sem pretensões de ser exaustivo) do mar-
dentro do mesmo veio aberto por As Libertinas e O ginal da Boca na virada da década, cabe, sem dúvida ,
Pornógrafo. Deve-se frisar que, tanto Orgia como Ga- nos determos em duas figuras essenciais deste pano-
mai, o Delírio do Sexo, contêm em seus próprios nomes rama: José Mojica Marins e O:z.ualdo Candeias. Advin-
o tributo ao esquema de produção marginal-cafajeste. dos de camadas sociais distintas da classe média intelec-
A dívida, no entanto, não vai muito além do tí- tualizada, de onde provém a maior parte dos cineastas
tulo , que abre a possibilidade de veiculação para um brasileiros, sua narrativa possui um inegável sabor de
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 87
86 FERNÃO RAMOS

coisa popular. Fácil de se perceber, mas difícil de se de- nema Marginal buscava mais ardorosamente mostrar
finir, esse ' ' tom' ' popular aparece na época como algo em seus filmes.
extremamente atraente para os '' marginais'' que ele- As relações com Ozualdo Candeias caminham na
geram o cinema de José Mojica Marins (que filma desde mesma direção. Seu filme A Margem. tido como defla-
1958) e o filme A Margem , de Ozualdo Candeias, como grador do Cinema Marginal, é constantemente citado
seus inspiradores máximos. nas entrevistas como exemplo típico do' 'lixão'' . O fato
De Mojica, além de sua figura pessoal extrema- de ter sido realizado às margens de um rio-esgoto (o
mente condizente com a' 'curtição'' marginal, os mar- Tietê), ao lado de uma favela onde abundam lixo e mi-
ginais admiravam o despreendimento técnico que lem- séria e com personagens que se locomovem lentamente
bra o ''avacalho ' ' e que aparece de maneira espontânea neste ambiente sórdido, parecem ser os aspectos do
nos filmes do '' Zé do Caixão''. Os enquadramentos filme com os quais mais se identificam os marginais. A
óbvios a que se referem Reichenbach e Sganzerla quan- narrativa, também fragmentada e sem uma continui-
do louvam o filme péssimo, assim como o tom de acen- dade linear ao nível da intriga, constitui uma caracte-
tuada artificialidade na representação dos atores (que, rística próxima. Deve-se frisar igualmente o esquema
às vezes , beira a paródia), são igualmente pontos de re- de produção - com poucos recursos e utilizando ma-
ferência. Um universo ficcional , onde a dramaticidade terial humano e cenográfico que não exige grandes in-
exacerbada atinge graus elevados, não poderia deixar de vestimentos - , sempre elogiado em depoimentos da
causar admiração aos marginais. A atração de Mojica época.
pelo '' horror" , mais do que propriamente pelo terror , Há , no entanto, aspectos cencrais deste filme que,
faz com que em seus filmes a representação do abjeto e a meu ver, destoam frontalmente de tdda estética que a
do grotesco encontrem um lugar de destaque. O tom seguir (o filme é de 1967) apareceria nas obras do grupo.
grandiloqüente da representação dos atores, as falas re- Um destes traços é, sem dúvida , a ausência da dimen-
citativas, parecendo peças de oratória, nos lembram são irônica da curtição / avacalho e, principalmente, a
bastante personagen·s de filmes como Sem Essa Aranha busca do sublime dentro do abjeto, dimensão total-
ou Abismo, de Rogério Sganzerla (neste último filme , mente ausente no Cinema Marginal que se desenvolve-
inclusive, Mojica atua como ator). ria a seguir.
O universo do gênero - outra presença marcante Elemento característico da obra de Candeias, o
em Mojica, onde as personagens se.submetem a códigos ' 'sublime'' parece ser o ponto nodal para onde a ação
preexistentes e artificias de conduta - , assim como um do filme converge: o que resgata e ao mesmo tempo
estilo de interpretação próprio e invariável, cria em permite a existência do abjeto. Trata-se de um mundo
torno de si uma mística própria. Bangue-bangue, west- onde a totalidade existe: as ações são plenas de sentido,
ern do Terceiro Mundo, policial: o Brasil tem um mes-
de razão de ser, seu alvo é a instauração da ordem da
tre do horror.. um mestre além do mais autenticamente
pureza onde reina a sordidez.
subdesenvolvido, com todas as características do lixo
tropical cultuado pelos marginais. Mojica constitui O estabelecimento progressivo da ordem do ' ' su-
uma espécie de síntese espcntânea daquilo que o Cí- blime' ' é um traço constante desta obra e percorre a
88 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 89

ação de ponta a ponta. No meio do lixo, da margem, O final apologético tem algo de uma redenção final ,1
aonde habitam os seres sórdidos, o autor vislumbra a do lixo. Os que foram mortos pelas baixezas vis do lixo
possibilidade de se encontrar o imaculado, no filme, ressuscitam e todos , junto com os símbolos da pureza 1
simbolizado pela flor que um dos personagens carrega (o demente com a flor e a personagem negra vestida de
por quase toda a narrativa. Ao nível da ação propria- noiva), sentam altaneiros no barco que navega em dire-
mente, a preocupação em demonstrar a existência da ção a um futuro certamente promissor. No último
pureza, mesmo nos seres do lixo, parece ser central: plano, um sol a pino- brilha redentor no firmamento
uma negra olha desdenhosamente um homem de pé na com toda sua potência iluminando as trevas.
margem do rio e acaba por empurrá-lo com um sorriso Apresentar A Margem como filme completamente
desdenhoso; no final, ela também escorrega e cai no destoante do Cinema Marginal seria exagero. A pre-
rio , mas o homem , agora já na margem, em vez de se sença do lixo, do abjeto, fez com que os próprios cineas-
vingar-lhe , lhe estende a mão, generoso: a câmera focali- tas marginais se referissem a ele como um precursor e
za em primeiro plano o contato das duas mãos e e!}fatiza o também como fonte de inspiração. Numa análise mais
gesto. Exemplo característico da moral edificante que atenta, no entanto, ao examinarmos alguns traços cen-
percorre o filme: um ato de pureza mesmo no mais pro- trais do filme, percebemos uma grande distância entre o
fundo lixo. Alguns planos depois, a metáfora ' 'mãos se lixo de A Ma1'gem e~ representação deste mesmo uni-
unindo no meio do lixo' ' é novamente utilizada. Cami- verso no restante do Cinema Marginal.
nhando em direção a um barranco (lixo e detritos se
vislumbram em segundo plano), a moça vem correndo
,, de encontro ao mesmo pomem, agora em cima de um Vamos agora nos deslocar um pouco no espaço e
11 monte: há um corte e no plano seguinte uma mão entra nos aproximar do outro pólo do cinema brasil~iro, o Rio
no quadro por baixo (de forma inteira e posada) e é es- de Janeiro, pólo este que tem como especificidade o fato
tendida em direção à mão da moça que busca auxilio. A de ter sido o berço do Cinema Novo.
junção das duas mãos com o lixo atrás é focalizada deti- Em 1968, o cinema brasileiro parece se encontrar
damente pela câmera. face a uma encruzilhada e, no caso da produção carioca,
No decorrer da narrativa a oposição "flor/lixo" , esta encruzunaaa se mostra em toda sua evidência. O
assim como " vestido branco de noiva/ lixo" , aparece grupo marginal carioca, a começar por Júlio Bressane,
como as oposições escolhidas pelo autor para significar tinha suas raízes fortemente fincadas no Cinema Novo
a existência do sublime em meio ao abjeto. O persona- e a ruptura, além de dolorosa, traz de perto a imagem
gem meio bobo que carrega durante o filme a flor na do padrasto, na véspera admirador do filho rebelde e
mão simboliza esta busca. Seu estado demente lhe con- agora seu perseguidor implacável. Até hoje estão vivos
fere autoridade para tal na medida em que , excluído na memória destes cineastas os processos de exclusão,
pela loucura do universo da abjeção partilhado por to- fantasmáticos ou reais, a que foram submetidos pelos
dos , pode simbolizar a pureza. Em sua peregrú;iação em "cardeais" do Cinema Novo .
meio à podridão hesita alternadamente a quem entregar ''Caiu a ponte das gentilezas( ... ), o udigrudi é um
o símbolo da inocência. aborto", afirma Glauber , taxativo, num artigo de 1970
ILI·
CINEMA MARGU\IAL (1968-1973) 91
90 FERNÃO RAMOS

referida: "naquela época (filmagem de Câncer) alguns


constante em Revolução do Cinema Novo .41 A seguir,
continua em seu costumeiro estilo provocativo, abor: diziam: o caminho do cinema é o filme em cores, de
dando um termo que lhe é caro: "O primeiro e único grande espetáculo; e outros: o caminho do cinema é o
filme underground 68 é Câncer, made by Glauber Ro- filme de 16mm, underground. ( ... ) O caminho do ci-
cha''. A ruptura provocada pelo '' golpismo udigru- nema são todos os caminhos' ' .43 Sua opção, no en -
dista" (outra definição de Glauber para a disputa) pa- tanto , dentro da polêmica que se trava então, não é tão
rece ter tocado fundo na personalidade sentimental do aberta a "todos os caminhos": trata-se de apoiar a op-
' 'papa' ' do cinema brasileiro e as acusações sobram ção pelo espetáculo e a cor da velha guarda do Cinema
para todos os lados, atingindo até mesmo o crítico Paulo Novo, defender O Dragão da Maldade e apontar Cân-
Emílio Salles Gomes: "Paulo Emílio não consegue, cer como o único, primeiro e último filme marginal.
como John Reed, criticar o fenômeno com que convive A defesa de O Dragão passa pela conquista e a
e o chama para liderar. Recusa a coroa várias vezes, comunicação com o grande público e justifica o sacri·
deixa o grupo sem o Comando Imperial, atiça crises, fício de algumas ousadias estéticas: " tenho certeza' ' ,
racionaliza sucessos, e, quando da intentona udigru- afirma Glauber, '' que este filme (o Dragão) vai ser um
dista de 1968 (o grifo é do texto) apóia os insurrectos grande sucesso de público ( .. -~o cinema é uma arte que
como se o Cinema Novo fosse o Politsburgo''. 42 tem que comunicar-se, se isso não ocorre, não tem sen-
Mesmo descontados os arroubos, próprios da per- tido fazê-lo (. .. ) a crítica esteticista e prejudicial vai di-
sonalidade de Glauber Rocha, o termo ''intentona udi- zer que abandonei as pesquisas de Terra em Transe.
grudista" não fica muito distante da realidade e é sen- Isso não tem importância (. .. )''. 44
tido em toda sua intensidade no cenário cinematográ- As " pesquisas de Terra em Transe " ainda exer-
fico do Rio de Janeiro. O que estava em jogo nesta ''in- cem , no entanto, inegável fascínio no autor e a elas é
tentona'' é claro ao gênio extremamente perspicaz de dedicado Câncer , uma espécie de testemunho secreto à
Glauber. Mais do que um ódio ou uma aversão à esté- outra trilha da encruzilhada, que atrai um número cada
tica marginal, o que se descortina para o autor é um vez maior de cineastas.
conflito íntimo, em que incomoda a possibilidade dos fi- Filmado em 1968, Câncer pode, sem dúvida, ser
lhos rebeldes caminharem mais na direção do cinema aproximado dos filmes que mais tarde formariam o Ci-
que ele próprio almejou um dia, isto numa trilha que nema Marginal. Não pretendo entrar aqui na polêmica,
não a que ele havia escolhido no momento. tão a gosto de Glauber , se Câncer teria sido ou não o
Sintomático deste dilema é a realização seguida de primeiro filme marginal do qual os seguintes seriam
dois filmes em 1968 (Câncer e O Dragão da Maldade meras cópias. O fato é que, tanto em sua temática como
contra o Santo Guerreiro), ambos apontando, como fle- em seu esquema de produção e mesmo em sua forma
chas opastas, para os extremos .da encruzilhada acima narratíva, o filme se aproxima bastante da produção
marginal na virada da dééada. Marginais que erram

(41) Rocha, Glauber, Revoluç4o do Cinema Novo Alhambra/ EM· (43) Idem , ibidem , p. 148 .
BRAFILME, Rio de Janeiro, 1981 , p. 214. '
(44) ldem ,ibidem , p. 144.
(42) idem , ibidem , p. 436.
92 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 93

sem destino, através de uma ação desprovida de coerên- Cinema Marginal. A sexualidade é um dado presente
cia ou propósito, podem, sem grandes dificuldades, ser no universo ficcional do filme da mesma maneira que a
relacionados aos personagens de filmes como O Anjo problematização do social acaba por se centrar em tomo
Nasceu e O Bandido da Luz Vermelha, inclusive radi- da figura do negro (como minoria), abandonando assim
calizando de forma mais incisiva o processo de repre- questionamentos mais abrangentes.
sentação. Este, como em todo Cinema Marginal, apa- A relação com o púbfü:o, decorrente da forma nar-
rece dilacerado: os planos são longos e "puxados" ao rativa específica de Câncer, é nítida para Glauber:
extremo, a intriga praticamente não existe e as cenas ' ' Ctincer era um filme que não tinha sentido fazer em
não se articulam em função dela. E, principalmente - cor ou em 35mm. Não é filme comercial, não o fiz para
o que ajuda a diferir este filme da produção ''cor, espe- ser exibido em circuito. É obra que fiz para me divertir
táculo' ' trilhada pelo Cinema Novo - , estão pratica- com meus amigos' ' ...s Esta definição, colocando o filme
mente ausentes as grandes alegorias tão a gosto da esté- à margem do circuito exibidor, serve inclusive para jus-
tica glauberiana. O filme não possui a ânsia globalizante tificar sua opção pelo mercado (representada por O
de T erra em Transe ou O Dragão da Maldade e se atém Dragão) e atacar tanto a opção pela marginalidade como
ao nível mais literal da significação sem extrapolar para as possíveis ilusões de contato com o grande público
as conotações alegóricas. Poderíamos lembrar uma existentes no Cinema Marginal: '' eu só podia fazer isso
cena ainda alegórica onde temos , de um lado, um ser- (Câncer) com uma Éclair 16mm. Se o tivesse feito em
vente em pé segurando um bule de café; de outro, tam- 35mm não teria interessado ninguém. E me teria cus-
bém de pé, um homem segurando uma cruz; e, no tado muito, para não interessar mais do que aos críticos
meio , o personagem marginal/ intelectual desempe- e a grupos fechados , ou à circulação em cineclubes, sem
nhado por Hugo Carvana - mas de uma forma geral nenhum interesse para o grande público''. 46 Declara-
o filme não possui intenções de abarcar ou significar ção esta que, sem dúvida, pode ser oposta ao Glauber de
toda uma realidade social que escape às significações "Uma Estética da Fome" e de Revisão Crliica do Ci-
mais imediatas do universo fragmentado representado . nema Brasileiro quando diz ser ' 'a missão única dos
A atração pelo degradante aparece nitidamente na autores brasileiros lutar contra a indústria cinemato-
personagem do marginal negro (Antonio Pitanga) - gráfica". •7 A distância entre as duas declarações dá
.11
'· um misto de pedinte e cafajeste com personalidade osci- igualmente a medida da separação entre os marginais e
lante - e também na do marginal branco (Hugo Car- o Cinema Novo.
vana), arrogante e boçal. A representação dos senti- A ruptura com esquemas de produção, que levam
mentos baixos e pouco nobres é central no desenvolvi- em consideração o capital investido e seu retorno atra-
mento da narrativa. Ao mesmo tempo é abordada toda vés da exibição do filme no mercado, é um traço mar-
uma temática nitidamente ''urbana'' relacionada a
drogas, direitos da mulher, problemas existenciais de
um casal de classe média, temas estes ausentes dos fil- (45) idem , ibidem , p.148 .
mes anteriores de Glauber e bastante próximos do uni- (46) idem , ibidem .
(47) Rocha, Glauber, Reuis4o Critica do Cinema Brasileiro, op. cit.,
verso ideológico definido atrás como característico do p. 17.
1

1
94 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968· 1973) 95
.,
cante do Cinema Marginal e que se acentua ao consi- todo. Após a realização de Cara a Cara, em 1967, ainda
.~ derarmos a produção carioca. Sem o mesmo esquema fortemente influenciado pela temática e pela forma
'
de distribuição paulista através dos produtores da Boca, cinemanovista, abandona as referências de outrora para
o marginal produzido no Rio de Janeiro aparece mais uma ruptura clara em O Anjo Nasceu e Matou a Famí-
próximo do legado do Cinema Novo e aprofunda, de lia e Foi ao Cinema - obras pioneiras onde já se sente o
forma incisiva, os aspectos mais radicais que a' 'política estilo marginal mais característico. Filmados conjunta-
do autor" deixava antever em meados da década de 60. mente em 1969, possuem um ritmo bastante distinto
A estrutura de produção, descrita por Glauber a pro- dos dois primeiros filmes da fase paulista de Sganzerla.
pósito de Câncer, é geralmente a utilizada: pequenos Bressane voltava, então, de uma viagem ao exterior em
recursos , filmagens em poucos dias, equipe e atores 1968 quando, na companhia de Glauber Rocha, havia
'' amigos' ' , completa liberdade para a exploração ' 'au · assistido a diversos filmes e a vários festivais. Sua v.on -
toral' ' . As filmagens feitas em condições precárias e tade na época era fazer um filme '' contra toda a márê' ' ,
sem recursos financeiros se tomam possíveis pelo clima ''uma oitava acima das tendências mais radicais do Ci-
de envolvimento afetivo existente entre toda a equipe e nema Novo' '. 48
a produção do filme . Este clima favorece, inclusive, a O Anjo Nasceu retrata a vida de dois marginais
improvisação e a criação no instante de filmar de forma que perambulam sem destino pelo Rio de Janeiro. O
independente do roteiro. Em depoimentos atuais toma· salto qualitativo com relação às experiências narrativas
dos de alguns diretores é comum se ouvir referências mais ousadas da primeira fase do Cinema Novo é ní-
saudosistas ao clima efusivo daquelas filmagens no iní- tido, assim como o completo abandono da temática das
cio da década de 70 e da vida coletiva que se tinha du- ''origens''. Planos longos, extrema rarefação dramá -
rante seu transcorrer. Este ambiente (sem dúvida sedu- tica, temática urbana distante de elaborações social-
tor) que viabiliza urna produção semiprofissional se re- mente abrangentes, acabam por congelar a ação do
flete igualmente na matéria mesma da narrativa margi- filme que não evolui de forma a constituir situações em
nal que possui uma tendência, já referida, de se voltar um crescendo dramático. Exemplo disto é o gratuito da
sobre si mesma e admirar o instante mágico da filma- ação na última cena com a câmera voltada fixamente
gem alongando indefinidamente os planos. O ato de fil- para uma estrada vazia, onde carros passam por acaso.
mar aparece como um ato essencialmente lúdico e a re- Em Matou a Família e Foi ao Cinema podemos perce-
presentação encontra sua validade na medida em que ber uma estruturação narrativa parecida, com uma frag-
proporciona prazer aos que a realizam . A tendência dos mentação curiosa da intriga, estabelecida em torno de
marginais é, então, evoluir cada vez mais em direção a vários assassinatos iamiliares que se acumulam não se
essa produção ' ' familiar' ' , desvinculada de qualquer articulando de forma causal. A falta de uma teleologia
relação mais efetiva com os ditames e necessidades do no sentido das ações que se sucedem também é nítida.
mercado exibidor. Não existe a preocupação de articular uma ''represen-
Como figura central no marginal carioca devemos
destacar Júlio Bressane que, na própria seqüência de (48) Depoimento Júlio Bressane, Arquivo Multimeios, Centro Cultural
sua filmografia , revela a evolução do grupo como um São Paulo.
96 FERNÃO RAMOS

tação'' do universo concreto. Os assassinatos se suce-


dem de forma arbitrária e gratuita. A imagem do abjeto
e do horror - sempre dentro de um certo tom coo/
próprio a Bressane - também está presente: berros,
latrinas, muito sangue e uma impressionante e deta-
lhada cena de tortura.
No início de 1970, Júlio Bressane e Rogério Sgan-
zerla criam a Belair onde no curto espaço de três meses
realizaram seis longas-metragens e ainda um filme em
super 8 (de Júlio: Barão O/avo, o Horrível, Cuidado
Madame e A Família do Barulho; de Rogério: Betty
Bomba, a Exibicionista (mais tarde Carnaval na Lama),
Copacabana Mon Amour e Sem Essa Aranha; além
de A Misse o Dinossauro , longa-metragem sonoro em
super 8 de criação coletiva). Sganzerla, que vinha de
dois filmes produção "boca do lixo" ( O Bandido da
Luz Vermelha e A Mulher de Todos) com razoável su-
cesso comercial, aplicou o dinheiro recebido na criação
da produtora. Júlio Bressane entrou com suas econo-
mias pessoais viabilizando a compra de uma grande
quantidade de negativos. Os filmes, de baixo custo,
eram realizados seguidamente em um esquema ágil de
produção a partir dos negativos acumulados. O nome
''Belair' ' , segundo Rogério Sganzerla, teria surgido a
partir da marca de um carro conversível dos anos, 50,
· significativo da atração do grupo pelo objeto kitsch.
Os filmes da Belair apresentam os traços mais ra-
dicais do grupo marginal em termos de um questiona-
mento da narrativa cinematográfica e do próprio ato
através do qual a representação cinematográfica se cons- Luiz Rosemberg dirigindo Jardim das Espumas
titui . São filmes que mantêm entre si uma impressio-
nante coesão estilística. O mundo ficcional se apresenta
fragmentado e o tom da representação constantemente
se eleva para atingir graus extremos de intensidade dra-
mática. A ação parece ter uma direção única em seu
movimento: no sentido da repetição, da fragmentação e
Rogério Sganzerla operando a câmara em O
Bandido da Luz Vermelha.

Julio Bressane (com Guará Rodrigues ao fundo) dirigindo Renata


Sorrah em Matou a Familia e Foi ao Cinema.

Carlos Reichenbach em Audácia· A Fúria dos Desejos.

Satã. Ivan Cardoso. Mojica e Julio Bressane. já em


1978 durante o Festival de Brasilia.

Elyseu Visconti (direção e fotografia) em O Lobisomem. o


Terror da Meia-No;,,. Andrea Tonacci (à direita) na tomada de luz em Bang·
,1

l ·--- - - - - ---::--- - --------,--=,---,.-,----........,___ =---==--~--------------.J Bang.


F•D IPA~~4DIUll~fi
1
-.. __ ,,,__________ ;,
,...:, ... ,..,..,. ,..., __. ;
~

HiE'-ENA ...,; A MVI..HER DE ~


TODOS - E SEU HOMl!!M ;
pa de O Pasquim com a famosa entrevista onde
"'
Rogério Sganzerla rompe com o Cinema Novo.

'
1
Cartaz (frente e verso) de Nosferato "º Brasil, l

"~""~::: :: :::.~"''~ 1
t

1
1
'1
!r
1

11

Im agens do
Horror: seqüências de Gamai, o Delírio do Sexo
e Es,a Noite Encarnarei' no Teu Cadáver.

A singularidade de A Margem: o final altaneiro (última foto) e


{foto central) a busca do sublime em meio ao lixo.
Ainda o dilaceramento
corporal em Orgia ou o Homem que Deus
Cria, Sentença de Deus e O Anjo Nasceu.

A marca do terrorismo: Joel Barcelos em Jardim de


Guerra.

Cenas de tortura abundam no


Cinema Marginal: ac,i,ma.Guará Rodrigues e Joel
Barcelos em Jardim de Guerra. Ao lado, Antero
de Oliveira em Matou a Fami1ia e Foi ao
Cinema.
Cena de Sexy Gang, o
filme "que deu o estalo no
Callegaro··.
A atração pelo estilo
marcado: República da Traição. O - .~ - ~ •
Bandido da Luz Vermelha, O Pornógrafo
e Bang·Bang .

nB M=l~~aa-a q
'

A influência do filme de gênero: Nosferatu, o


Vampiro (na loto Torquato Neto e Scarlet Moon) e Bang·Bang.
na [gnez: a imagem do •
. tie. Embaixo e ao lado, a atraçao por
jestes e boçais.
.1

Imagens da abjeção: a baba de sangue


Helena lgnez em A Famíliu do Ban,/
a deglutição aversiva de Mojica em
Trilogia do Terror e Paulo Villaça •
ingerindo uma lata de tinta em
O Bandido da Luz Vermelha .

O corpo coberto com substâncias


asquerosas (em Trilogia do Terror .)
l

lj
___
..;.._
A presença do Kitsch: o pé de
Maria Gladys em A Família do Barulho .

A imagem do lixo (A Margem ): recorrente no Cinema


Marginal.

1
Proximidade com latrinas e excrementos: Paulo Víllaça em Perdidos e
Malditos.

rca do Cinema Novo:


1
nto alegórico em Câncer e
gaceiro grávido de Orgia, ou o
A ideologia da cootracultura: Lula (personagem de em que Deus Cria. Ao lado. a
Meteorango Kid, o Herói Intergaláctico ) moStra um "baseado" · tropicalista de Maria Sílvia em
tina das Américas.
a seu pai.
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 97

da elevação do tom dramático. Apesar de seus autores


haverem pensado na construção de um cinema e em
começar a garantir a distribuição e exibição dos filmes
- planos estes frustrados pelo momento político extre-
mamente delicado - , estas obras se caracterizam, den-
tro do quadro traçado no primeiro capítulo, por serem
uma produção centrada nas passibilidades ilimitadas de
expressão do autor e um total des.vinculamento com o
momentos extremos: a vinculo da exibição. O clima de criação coletiva e vi-
proximidade com a morte. vência cotidiana da equipe de filmagem , com influên-
cias diretas sobre o produto final, aqui transparece niti-
damente.
Estes filmes aparecem desvinculados do esquema
1 ;
industrial e acentuam, de maneira especial, o aspecto tão
palêmico da "marginalidade", própria ao Cinema
Marginal. A exacerbação dramática, expressão do hor-
ror incomensurável ao desmedido, fecha-se em circulo.
Mostra bem a característica de um momento histórico e
de uma produção interagindo estilisticamente com as
próprias condições de sua feitura. À dimensão do hor-
ror é, então, permitido que seja dada toda sua expres-
são. A convivência grupal da equipe acentua esta forma
e os vinculas com o resto da sociedade não interferem
na intensidade que toma a expressão do dilacerado: o
campo parece estar aberto para uma produção em vá-
rios aspectos singular (tanto no número de filmes reali-
zados, no tempa gasto para sua feitura, como no pro-
cesso de produção destoante dos esquemas tradicionais)
e que tem em seu âmago a expressão de um elemento
sempre evitado na construção do "bom" objeto artis-
tico: o abjeto.
A Beiair serviu igualmente como panto de inter-
secção onde se aglutinou a produção mais significativa
do marginal carioca. Segundo Júlio Bressane, ''pela
Belair passaram cineastas com extraordinários primei-
ros filmes, como o Elyseu Visconti (Os Monstros de
l
98 FERNÃO RAMOS

Babaloo), o Neville Uardim de Guerra e Piranhas do


Asfalto), o Sylvio Lanna (A Sagrada Familia), o Sergi-
l CINEMA MARGINAL (1968-1973)

ville d ' Almeida, Aodrea Tonacci, Sylvio Lanna, Ely-


seu Visconti e outros.
99

nho Bernardes (Desesperado) e diversos outros''. 4<J Júlio Bressane e Sganzerla levam para a Europa os
Ainda Bressane comenta o ambiente da época: ''as ses- negativos de Cuidado Madame e Sem Essa Aranha,
sões destes filmes (da Belair), as filmagens, as conver- onde terminam a montagem e a revelação. Bressane
sas, se deram aqui no Rio, na Cinemateca do MAM e mora três anos em Londres, onde realiza Crazy Love
com grande onda. Houve, no entanto, um corte nisso (1971), O Estrangulador de Loiras (1971) e Lágrima
que foi a minha saída e a do Rogério para a Europa n~ Pantera (de 1971 , filmado em Nova Iorque); passa tam-
início de 1970' '. 50 bém uma estada no Marrocos onde faz A Fada do
Este corte parece ter sido efetivamente brusco. Em Oriente. Em 1972 , Andrea Tonacci, juntamente com
abril de 1970, Bressane foi chamado à casa de um mili- Júlio Bressane, realiza uma viagem de carro ao Ex-
t~ de alta patente, que o convidou a se retirar do país tremo Oriente atravessando toda a Ásia (Irã, Paquistão,
[ Índia, etc.). A viagem foi fotografada por Tonacci e ce-
dizendo ter evidências de que ''fazia parte de uma ação
de subversão na cultura, fomentada pelo terrorismo' '. nas dela podem ser vistas em O Monstro Caraíbas. Ne-
J Menos de 24 horas depois, Júlio Bressane, Rogério ville termina junto com Geraldo Veloso Mangue Ban-
Sganzerla e Helena lgnez embarcavam para Paris, de gu.e e faz, segundo seu depoimento, o mais "maldito"
onde seguiriam para Londres. de todos os seus filmes, Night Cats, até hoje em um
A vivência no exilio é outro traço comum a quase armário londrino. Rogério Sganzerla filma Fora do Ba-
todos os integrantes do grupo marginal carioca. Por ralho, inédito, sobre suas andanças nas Arábias (Saara).
''exílio'' devemos entender não tanto a expulsão oficial Sylvio Lanna, em 1972, faz em Londres um rascunho
do país, mas uma emigração forçada devido à falta de em super 8, Way Out, e, em 1973 , na África filma
c~:mdições par~ o desenvolvimento de um trabalho cria- Forofina. Rosemberg, na época em Paris, realiza algu-
ttvo den~o do país. A dimensão da produção realizada mas filmagens esporádicas. Maria Gladys , estrela emi-
n~ extenor não é muito grande e sua localização é difícil nente do Cinema Marginal, dirige The First Odalisca,
e mcerta devido às próprias condições precárias em que filme inacabado, com som de Sylvio Lanna.
estes filmes foram feitos. O esquema de produção "fa- O período auge deste êxodo se localiza em torno de
miliar'' é ainda mais acentuado. Muitos deles retratam 1971, com duração variada segundo o caso. Em geral,
viagens a pontos distantes do planeta, ou, então, ficam não é escolhido um local determinado de moradia e
na própria sala de jantar tendo como cenário a vivência muitas são as viagens realizadas entre um ponto e outro
cotidiana. Londres parece ter sido o local preferido para do planeta, com preferência por lugares exóticos. Em
o exílio. Lá estiveram, às vezes em épocas distintas: Ro- 1972-1973 começa o retomo que encerra, a meu ver,
gério Sganzerla, Júlio Bressane, Geraldo Veloso , Ne- o período mais característiço do Cinema Marginal. em-
bora muitos de seus autores continuem trabalhando na
mesma linha, a coesão estética da produção assim como
(49) Idem , ibidem . o momento máximo de sua extensão parecem já ter al-
(50) Idem, ibidem . cançado seus limites. T onacci parte para uma linha de
LOO FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) LOl

trabalho mais ligada a filmes de caráter antropológico, não abordados por ser outro o momento histórico -
embora ainda mantendo em sua produção característi- pelo Cinema Novo. Igualmente típicas de uma época
cas marcantes do período marginal. Elyseu Visconti se são as cenas de tortura, terrorismo, interrogatórios po-
dedica mais a atividades de documentação de festas e liciais, contidas no filme. A fragmentação da história e
cerimônias folclóricas; Neville rompe com a marginali- a presença de elementos urbanos da sociedade de con-
dade e atinge em cheio o mercado exibidor com A sumo (história em quadrinhos, posters americanos,
Dama da Lotaçtlo. Sganzerla, Bressane e Rosemberg são imagens de produtos industriais), utilizados pela narra-
os que continuam mais próximos esteticamente da pro- tiva através de um procedimento de citação e colagem,
dução marginal, mas já sem o ímpeto inicial e dentro aproximam o filme da estética marginal. É, no entanto,
de propostas pessoais de trabalho. Outros, a grande
maioria - seguindo um traço inquietante e até certo
uma obra distante do esquema de produção descrito
quando abordamos a Belair. Seu destino seria, sem dú-
t
ponto frustrante do Cinema Marginal - , após a pro- vidar o grande público, não fosse o rígido esquema de
dução do primeiro longa no auge do movimento, aca- censura que, na época, impediu sua divulgação.
bam em outros ramos que não o da direção de filmes de A evolução do autor em direção á marginalidade e 1
ficção. à progressiva ruptura com o vínculo exibição - que
Antes, no entanto, ~e findarmos este esboço do mais tarde em sua carreira seria recuperado de forma
período ''áureo' • do Cinema Marginal, vejamos um estrondosa com o sucesso de A Dama da Lotaçtlo - é,
pouco mais de perto alguns cineastas marginais em ati- a meu ver, significativa. Em seus filmes seguintes (Pi-
vidade na época. Neste sentido, poderíamos definir um ranhas do Asfalto e Mangue Bangue) a proximidade
núcleo central do marginal carioca composto por Júlio estética com a produção da Belair fica patente. Em Pi-
Bressane, Rogério Sganzerla, Andrea Tonacci, Neville rar,,has do Asfalto transparece com toda evidência o
d' Almeida, Sylvio Lanna, Geraldo Veloso, Elyseu Vis- dilaceramento existencial, a fragmentação 'diegética e a
conti, além de alguns "independentes próximos" elevação do tom dramático , típicas do Cinema Margi-
como Luiz Rosemberg , Carlos Frederico, Sérgio Ber- nal. Cenas de castração, torturas, berros histéricos , fra-
·nardes, Haroldo Marinho Barbosa, Paulo Bastos Mar- ses sem nexo, sangramentos abundantes, vômitos, per-
tins, Ivan Cardoso, José Setti e outros. correm o filme de ponta a ponta acentuando sobrema-
Por ser um dos poucos marginais que mantiveram neira a atração da câmera pelo abjeto e o aversivo. Seu
uma produção constante, mesmo após o boom do início filme seguinte, Mangue Bangue, um pouco menos vol-
da década, a trajetória de Neville é, a meu ver, bastante tado para o abjeto e mais atraído pela ''curtição'' da
significativa. Seu primeiro filme, Jardim de Guerra , já filmagem , retrata com nitidez ·o esquema de produção
apresenta uma clara ruptura com o Cinema Novo, tanto ' 'familiar' ' a que me referia ao falar da Belair. Boa
em SIJa temática como em sua forma narrativa. Estão parte do filme se desenrola numa sala onde os ocupan-
presentes elementos típicos da ideologia marginal do fi- tes (entre eles o diretor) estão entretidos em fumar um
nal da década descrita no primeiro capítulo. Drogas, basead9 com todas as brincadeiras que o ato comporta e
feminismo, sexo livre, minorias raciais são temas novos que são registradas lentamente pela câmera. O '' ba-
para o cinema brasileiro e que foram ignorados - ou rato'' aí não está tanto no filme enquanto produto, mas
102 FERNÃO RAMOS
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 103

recai sobre o próprio ato de filmar o grupc ' ' dando uma rama do Cinema Marginal. Como todo movimento ci-
bola''. O filme inteiro se desenvolve no mesmo es- nematográfico que se constitui em estilo, este possui
quema com destaque para uma cena, também longa, de atores característicos que parecem ter o dom de encar-
Maria Gladys tomando banho, em que o alongamento nar, em sua representação, a imagem exata da persona-
dos planos permite - assim como em Câncer - um gem que o diretor busca elaborar.
questionamento da representação do ator frente à câ-
mera. A duração esticada dos planos chega geralmente Como atores tipicamente afinados com o "espí-
a um pcnto delicado onde a vivência cotidiana e a per- rito'' da estética marginal e integrando plenamente o
sonalidade viva do ator se misturam ao ato de represen- grupo em suas andanças poderia citar quatro: Helena
tar, revelando ao mesmo tempo a representação en- lgnez, Maria Gladys, Paulo Villaça e Guará (Guaracy
quanto trabalho e apontando em direção a uma faceta Rodrigues).
do ator geralmente oculta nas telas: a de sua dimensão Helena lgnez é uma figura à parte neste panorama.
enquanto pessoa. Injustamente esquecida pela crítica é, a meu ver, um
Ainda com relação a Neville, devemos lembrar o dos elementos mais representativos da trajetória de
contato que manteve durante esta época com Hélio Oi- nosso cinema na década de 60. Em sua vida sentimental
ticica, responsável pela realização conjunta, em 1973 , (de Glauber a Rogério~ passando por Júlio Bressane)
do projeto ' 'Cosmo-Coca' ' , ainda inédito. Trata-se de acompanha com precisão, de seu núcleo central, as cri-
um conjunto de séries de eslaides para projeção elabo- ses e reviravoltas sofridas pelo cinema brasileiro na
rados em torno da criação de um ambiente audiovisual época. Sua trajetória coincide com a de muitos cineas-
a partir de uma trilha sonora determinada. Oiticica tas marginais, inicialmente pupilos diletos de Glauber e
também escreveu em Nova Iorque, em 1973, dois tex- posteriormente em conflito com o antigo mestre. Quan-
tos sobre Mangue Bangue, onde diz perceber no filme do da ''intentona udigrudista'', Helena lgnez aban-
uma ''proposição fragmentada de linguagem-necessá- dona a antiga facção e adere integralmente ao inimigo,
ria que resultou dos restos magros de gratuidades levia- posando junto com Sganzerla, em 1970, na capa do
nas de prazer de filmar ( ... ) mostrando a simplicidade Pasquim para a referida entrevista (a chamada de capa é
magra e necessária da não-preocupação em conscienti- "Helena - A Mulher de Todos - e seu homem",),
zar a linguagem-cinema em termos de inovação formal onde ambos arrasam com o Cinema Novo.
(se bem que termine por sê-lo no todo)' ' .51 O ' 'espírito' ' marginal encontra em Helena lgnez
a figura, própria por excelência, onde pode se encarnar.
Gostaria aqui de abrir um parêntese para tratar Como uma luva, em seus diversos papéis a atriz - de-
mais de perto alguns atores que se destacam no pano- bochada, irreverente, degradante - apreende compre·
cisão a constituição que os diretores tentam dar aos per-
sonagens que representa. Aos berros e gargalhadas erra
(51) Oiticica, Hélio, in " Quase Cinema", Filmes de, com e sobre, pelo universo ficcional do Cinema Marginal: urros dila-
texto de 2 de julho de 1973, Nova Iorque, Arquivo Multimeios, Centro Cu!· cerados em Bardo Olavo; atração pelos mais boçais em
tural São Paulo.
A Mulher de Todos; prostituta traidora em O Bandido;
1

J

1
~

104 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 105

exacerbada, aos vômitos, em Sem Essa Aranha; empre- marginal-carioca. Integra o grupo desde seus primór-
gada e madame degradada em Cuidado Madame; pe- dios em 1967-1968 e o acompanha posteriormente no
ralta irritante em Os Monstros de Babaloo; além de êxodo para o exterior.
papéis desempenhados em Carnaval na Lama, Copa- Paulo Villaça é outro ator que consegue captar
cabana Mon Amour, Memórias de um Estrangulador de com precisão o lado mais boçal dos personagens margi-
Loiras e A Família do Barulho. nais, assim como a agonia presente no dilaceramento
Outra atriz ''possuída'' pelo espírito marginal, dramático. A começar por sua interpretação marcante
Maria Gladys, tem em seu estilo de representar e na em O Bandido da Luz Vermelha , quando exprime com
maneira de interpretar os personagens a marca do exas- perfeição , além da boçalidade, a indiferença existencial
peramento e dos estados de espírito extremos, próprios do personagem central. Em Perdidos e Malditos, Man-
ao ' 'udigrudi' '. Fazendo dupla com Helena lgnez em gue Bangue, Carnaval na Lama, Copacabana Mo~
Sem Essa Aranha, Cuidado Madame, A Familia do Ba- Amour, Cuidado Madame , Jardim de Gue"a, O Lobi-
rulho , ou só , na cena descrita atrás de Mangue Ban- somem, Paulo Villaça representa de maneira especial-
eue, ou ainda em Piranhas do Asfalto, O Anjo Nasceu, mente forte a exasperação dos personagens que encena,
e Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, Maria e tem, a meu ver, uma capacidade singular para expres-
Gladys, com seu físico magro e seu jeito irreverente e sar nos berros e em sua.expressão facial a dimensão do
avacalhado, acabou criando uma imagem própria explo- incomensurável horror. Em A Mulher de Todos, na fi-
rada pelos cineastas marginais em seus filmes. Faz parte gura de toureiro machão que acaba se revelando um
integrante ativa do grupo carioca, tendo em 1970 acom - bicha desbundado, interpreta uma das figuras mais
panhado a trupe em sua debandada em direção à Eu- '' debochadas' ' do Cinema Marginal.
ropa. Em Londres realiza o filme, citado atrás, The
First Odalisca. Voltando aos diretores, é importante destacarmos
Dos atores masculinos uma ênfase especial deve a obra de Luiz Rosemberg, onde o dilaceramento exis-
ser dada a Guará, a figura mais cool do Cinema Mar- tencial, seguido de forte fragmentação narrativa, é um
ginal. Com seu ar de mineiro desconfiado interpreta pa- elemento estrutural. Esta característica com face dupla
péis como o de um maníaco estrangulador de loiras em que percorre o Cinema Marginal tem como um de seus
M emórias de um Estrangulador de Loiras , ou o de um expoentes máximos o filme Jardim das Espumas. Ci-
suspeito personagem que, em Barão O/avo , aparece di- neasta que, embora tendo uma produção com traços
versas vezes na calada para avisar Helena lgnez que bem próximos do grupo marginal , manteve sempre
" tenha cuidado com o Barão". Guará trabalha em di- uma postura pessoal independente, retrata bem, a meu
versos outros filmes marginais ( Copacabana Mon ver , a fluidez do Cinema Marginal enquanto grupo so-
Amour, Carnaval na Lama , A Familia do Barulho, Pi- cial coeso e sua extrema densidade em termos estéticos.
ranhas do Asfalto, Night Cats, Jardim de Guerra, Menos voltado para a ''curtição'' e mais marcado por
Crazy Lave ), onde sua imagem forte e seu estilo singu- algumas preocupações sociais e políticas do Cinema
lar de interpretação são sempre marcantes. Igualmente Novo , Jardim das Espumas é um filme em que a repre-
é um elemento-chave para a compreensão da produção sentação de um seqüestro (tema que se delineia) acaba
106 FERNÃO RAMOS

atropelada pela encenação da agonia e do desespero. É


nítida a atração que exerce sobre a narrativa os momen-
l CINEMA MARGINAL (1968-1973)

no Brasil, mostrando as andanças de um vampiro no


país tropical. Com Torquato Neto no papel principal,
107

tos de dilaceramento, nos quais a câmera se demora to- o filme (uma produção em super 8) retrata bem os es-
mando todo o tempo necessário para mostrá-los detida- quemas alternativos próprios do '' udigrudi''. Ainda
mente ao espectador. E é exatamente em torno da mi- em super 8, Ivan realiza no período Sentença de Deus
mese do dilaceramento e da agonia que a narrativa se (1972) e A Múmia Volta a Atacar (1972), prenun-
articula. Sente-se que há algo de infinito em sua dimen- ciando o estilo característico que adotaria posterior-
são e, por mais que a câmera os acentue, parece haver mente em sua carreira. É importante realçar a proximi-
ainda mais podridão e sordidez a ser extraída dos perso- dade do diretor com Torquato Neto, Hélio Oiticica e
nagens. A intriga é estilhaçada e os personagens alter- por tabela o grupo neoconcreto do Rio de Janeiro. A
nam erttre uma ação, às vezes simbólica, às vezes lite- proàução e exibição de Nos/eratu é constantemente ci-
ral, o que fragmenta igualmente a constituição de sua tada na coluna mantida por Torquato (' 'Geléia Geraf' ')
personalidade. Cenas de tortura, berros de agonia: a ab- no jornal Última Hora, entre agosto de 1971 e março
jeção do mundo constitui o tema central deste filme, de 1972.
a postura diante de sua inquietante proximidade é a do Esta coluna era, aliás, um dos únicos espaços na
desespero lacerante. A representação do horror aparece imprensa da época onde a produção cultural alternativa
aí como paradigma que norteia a ação. encontrava eco. Lá são noticiadas a produção e a exibi-
Como igualmente impregnado de exasperação po- ção dos filmes da Belair e de diversos outros filmes mar-
deríamos citar o filme Perdidos e Malditos, de Geraldo ginais. É lá, também, que explode a acirrada polêmica
Veloso. A história se delineia com uma nitidez um entre Ivan Cardoso e Antonio Calmon, significativa da
pouco maior e narra a transformação do pacato coti- intensidade emocional havida nas discussões entre o
diano de um repórter policial quando , num repentino grupo cinemanovista e o marginal. Antonio Calmon,
impulso, este assassina sua esposa e parte para urna vida cineasta da geração intermediária entre Cinema Novo/
nova. O procedimento narrativo - próprio a Câncer e Marginal, toma o partido dos mais velhos na polêmica
a Mangue Bangue - de alongamento dos planos até movida pelo ''udigrudi'' contra o cinema industrial.
uma situação limite é um traço estilístico característico Numa entrevista ao próprio Torquato, Calmon declara
deste filme. Esta situação limite é ' 'puxada' ' até o ''não existir mais a menor possibilidade de se fazer
ponto onde o próprio ator começa a ficar embaraçado e qualquer tipo de cinema experimental no Brasil ( ... )
sua desenvoltura diante da câmera é substituída por (esta é) a perspectiva mais bacana que eu vejo para o
uma sensação de vazio. Diálogos insossos, gestos gra- cinema brasileiro agora: um nacionaiismo agressivo,
tuitos, preenchem estes momentos. Igualmente, como antropofágico também, filmes de uma nacionalidade
comprovação à regra, abundam cenas relativas a excre- agressiva de fato - o que é nma linha paralela e não
mentos, vômitos, berros, babas de sangue, que carac- oposta à do governo'' .52 A declaração cai como uma
terizàrn à expressão do abjeto.
(52) Calmon, Antonio, Entrevista para Torquato Neto, jornal O Cor-
Em 1971, Ivan Cardoso (que havia permanecido reio da Manhã, citado in "Mixagem Alta Não Salva Burrice" , jornal Última
no Brasil quando da debandada geral) realiza Nosferatu Hora, de 11.1.1972 .

.l'
.,
108 FERNÃO RAMOS

bomba no meio cinematográfico e Ivan Cardoso (na CINEMA MARGINAL (1968-1973) 109
época, devido à idade, "lvanzinho") redige uma "Ge-
léia Geral'' inteira sobre o assunto, criticando de forma Esse artigo botou mais lenha numa polêmica já
irônica as posições de Calmon. Nesse artigo, intitulado antiga e o nome de Calmon se toma s4tônimo na co-
'' Mixagem Alta Não Salva Burrice'' ,53 são sobrepos- luna de Torquato da "opção industrial" por onde ha-
tas à declaração de Calmon frases de diversos cineastas via enveredado o Cinema Novo. A critica aos "sacer-
elogiando o esquema de produção alternativo e o expe- dotes" do cinema brasileiro fica mais aguda, na "Ge-
rimentalismo: "Colonizados e reacionários ( ... ) os sa- léia Geral'', de 7 de fevereiro de 1972, Torquato afirma
bidos armaram a 'jogada industrial', se uniram ao que que "Glauber Rocha já era( ... ) Antonio Calmon disse
há de pior, é claro, e conseguiram fazer os piores filmes que não havia mais a menor possibilidade de se fazer
de todos os tempos" (de Bressane); "a cultura liberal um cinema experimental no Brasil. E ilustrava as teo-
progressista, de esquerda tradicional está cada vez mais rias do novo guru Gustavo Dahl, atualmente transadas
falida (. .. )todo mundo sabe que os órgãos que se pro- nos círculos dos herdeiros ( ... ) o que resta do falecido
punham ser os mais progressistas são na realidade os movimento do Cinema Novo é a nova nefasta aristo-
mais diluídos reacionários e irracionais, tanto é que o
Teatro Opinião falhou, como o Cinema Novo também
falhou, como a Música Popular Brasileira e essas coisas
cracia do cinema brasileiro ,-do cinema, e a ruptura que
já existe exposta desd.e de 1969/70 por Rogério Sgan- 1
1,

zerla e Júlio Bressane, nas telas, deve ser mantida, e


não estão desligadas uma da outra'' (de Sganzerla); está sendo'' .54
'' em 1944 eu tinha uma máquina de 16mm. Fazia umas Na correspondência entre Torquato Neto e Hélio
fitinhas e ia nas cidades do interior e projetava. Pegava
os atores, botava atrás da tela com alto-falante e eles
Oiticica - que pode ser encontrada no livro Os Últi-
mos Dias de Paupéria - 55 sente-se os reflexos que a
1
iam falando. Ganhávamos um dinheirinho e com esse troca de acusações entre o pessoal do Cinema Novo e os
dinheiro íamos fazendo outros. Com essa brincadeira marginais havia produzido. Além do clima paranóico
eu fiz dezessete filmes em 16mm " (de Mojica). A con- que se respirava por aqueles dias, e que aparece nas car-
clusão do artigo continua no tom polêmico: ''Capitão tas sob a forma de uma desconfiança generalizada, Tor-
Bandeira, Deuses e Mortos, Barões Otelos, Calmons, quato se refere seguidas vezes à polêmica: "eu estou
Simonais, Gustavos, Vera Cruz, indios, carneiros, bo- uma fera porque todo mundo baixou no pé do meu ou-
des , ah ah ah ah ah ah ah, estou acendendo as velas para vido, de leon a capinam e com sorrisos pra argumentar
ver o desfile de fracassos. Eis umas verdades: nenhum que prosseguir nessa é, ou gastar energias à-toa ou,
:iesses filmes dará dinheiro. Nenhum destes filmes deu quando muito, quando pouco, 'dar cartaz', infanti-
dinheiro. Nenhum destes filmes presta. Todos esses fil- lismo , ' reagir à altura do baixo nível de lá' e outras
mes dão sono. Nenhum destes diretores fará bons fil- coisas que não me dizem o menor respeito (. .. ) quando
mes '' . eu cheguei da europa, duda me recomendava que não
mencionasse rogério e julinho quando encontrasse al-
(H ) Cardoso, Ivan, " Mixagem Alta Não Salva Burrice", jornal L
ttma Hora, de 11.1.1972. (54) Neto, Torquaro, " Quem Cala Consente", jornal Última Hora, de
7.2.1972.
(5 5) Neto, Torqua10, Os Últimos Dias de Pauptria, 2~ ed .. Silo Paulo,
Ed. Max Llmonad, 1982.
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 111

nema Marginal: Meteorango Kid, o Herói Intergalá- ii


110 FERNÃO RAMOS
tico, de André Luiz de Oliveira, e Caveira My Friend
' '
guém, mesmo dos 'queridos' do cinema novo. e era de Alvaro Guimarães.
assim mesmo (. .. ) enfim, eu estou achando que essa é Meteorango Kid tem sua ação centrada num dos
uma boa briga e que deve ser mantida tensa em todos os personagens característicos do Cinema Marginal: o jo-
níveis e várias estratégias. acho muito legal que ivansi- vem de classe média deslocado dentro das perspectivas
sociais que a sociedade lhe oferece. Este deslocamento ti
nho tenha sido o novo grilo da moçada, e expliquei isso
a várias pessoas 'de formação neoconcretista', mas ge- atinge igualmente as saídas que lhe são apresentadas em
ralmente as pessoas preferem chamar a atitude de ivan termos de um questionamento político da sociedade. A
de 'provocação' e 'imaturidade' ". 56 Esta polêmica, já este personagem a ação política não aparece como mó-
em 1972, embora não levada diretamente por seus pro- vel suficiente para servir como justificativa de uma op-
tagonistas maiores, Bressane e Sganzerla, então no ex- ção de vida. Em plena assembléia estudantil, com várias
terior, é reflexo das ácidas discussões referidas atrás, facções se degladiando em torno de questões suposta-
havidas em 1969/1970, quando do aparecimento do mente vitais para a vida nacional, Lula (o personagem
grupo marginal e de sua postura propositadamente pro- central) estica seus pés em cima de urna cadeira e abre
vocativa. um gibi. Seu desinteresse e o ar de mofo em cima do
Antes de terminarmos o marginal carioca é neces- empenho dos colegas é patente. O niilismo de Lula em
sário frisar a figura singular de Fernando Cony Campos face da vida não parece, no entanto, lhe incomodar.
e seu filme Viagem ao Fim do Mundo (de 1967 /1968), Erra pelas ruas de Salvador e as aventuras vão lhe suce-
baseaào no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas , dendo·, um pouco como nas revistas de histórias em
de Machado de Assis, lembrado diversas vezes em de- quadrinhos. Vampiros, Batman, discos voadores, bata-
poimentos como fonte inspiradora. A utilização do lhas navais, assassinato da familia, todo o universo fic-
texto de Machado, mesclado a situações bizarras dentro cional próprio ao Cinema Marginal se encontra pre-
de um avião, trechos de iê-iê-iê, hipopótamos místicos, sente. Numa das cenas centrais do filme estão Lula e
música tropicalista, imagens de Hitler, criam um am- mais dois personagens (um estudante engajado e outro
desbundado), num quarto, fumando maconha. En-
biente ficcional extremamente atraente para a degluti-
ção marginal. Fernando Campos, no entanto, afirma quanto fumam, brincam muito e Lula começa a ridicu- 1
ser um cineasta pessoalmente avesso a grupos e movi - larizar as ilusões do estudante engajado que havia sido
mentas, e suas relações com os marginais, para além da expulso da universidade por suas atividades políticas.
própria obra, foram ocasionais. Este tem uma perspectiva de vida, quer se profissiona-
lizar, luta por objetivos definidos. Para Lula e seu amigo
A produção marginal teve igualmente seus repre- ''maluco'' os objetivos do estudante engajado são mo-
sentantes na Bahia, estado que marcou de maneira inci- tivo de uma crítica agressiva e debochada. Ambos aca-
siva diversos ramos da cultura brasileira nos anos 60 e, bam se unindo no ''avacalho'' das pretensões do estu •
em especial, o cinema. Neste sentido poderíamos citar dante tidas como inocentes e a cena, inicialmente agra-
dois filmes inteiramente inseridos no contexto do Ci- dável, termina no costumeiro horror, com um jogo

(56) Idem, ibidem , cana de 24 de janeiro de 1972, p. 348.


112 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 113

mortal de roleta russa onde a gratuidade das ações e da sem o intermédio da articulação do concreto em lingua-
vida ficam patentes. gem. O que Jacques Derrida, em seu livro sobre Anto-
Neste filme, como em vários outros do Cinema nin Artaud, coloca como sendo o ''fim da representa-
Marginal, aparece nitidamente a ruptura e:rjstente ao ção mas também representação originária'' encontra
nível do discurso ideológico com a geração anterior do plena correspondência na análise de como se configura
Cinema Novo. Aparentemente houve um deslocamento a representação no Cinema Marginal. Trata-se de um
considerável no universo ideológico da juventude de trabalho mimético que tenta nos remeter a um "es-
classe média que não foi captado em toda sua amplitude paço'' inacessível à palavra ou à imagem articulada. Os
pelos sismógrafos críticos da época. A extensão do Ci- limites se delineiam claramente e a expressão pura é o
nema Marginal, apesar de sua relativa diversidade, con- que se almeja no horizonte. O discurso clássico que
firma esta afirmação. Este nos mostra, na virada da dé- ''nomeia'' deve ser abandonado para que se passa atin-
cada, uma classe média completamente desvinculada da gir o universo dos extremos, aquém da representação.
idéia do Brasil enquanto um todo social, no qual cabe- Este universo é fugaz e existe somente enquanto ten-
ria uma interferência política com vistas a transfor- ciona, dilacera e fragmenta o médium utilizado para
má-lo. Neste momento ela está voltada para si e con- exprimir.
templa seu umbigo, impressionada com a beleza e pro- A dimensão do hQrror e do abjeto. explode, então,
fundidade deste. A curtição é realmente a palavra de na tela em toda sua intensidade. Ao se voltar sobre si
ordem: ela legitima e justifica a ação dos personagens, mesmo sem mais o discurso redentor da participação
anteriormente relacionada com uma interferência na política, o cineasta marginal vê em sua própria ima-
sociedade em benefício dos ''menos favorecidos''. gem, refletida, a aversão que lhe causa a realidade cir-
Este retorno sobre si mesmo, realizado pelos ci- cundante e o terror que lhe inspiram as ameaças castra-
neastas marginais, descobre na vivência cotidiana do doras a seu comportamento irreverente. A liberação da
autor, de seus amigos, no inter-relacionamento da ética tradicional proporciona a dissolução de conceitos
equipe de filmagem, fonte inesgotável de matéria para relativos ao "proibido", mas, nesta liberação, tanto o
inspiração. O abismo profundo a que esta opção pelo caminho de ida ao prazer como a trilha na direção in-
próprio ' 'eu' ' impele alguns cineastas faz parte desse versa podem ser percorridos. Neste movimento o ''ab-
voltar-se sobre si para ir, sem antigas barreiras morais, jeto' ' aparece como jorro que não deve e não pode ser
até às últimas conseqüências. Na gaveta mais funda, direcionado. Interessa ao Cinema Marginal a expressão
não raro encontramos a imagem do dilaceramento e da do extremo enquanto momento originário, para além
abjeção que o corpo ' 'odara' ' conseguia enganar. E de sua formulação em representação de urna realidade

i
esta, quando vem à tela, também não encontra as bar- que pode ser nomeada. O imaginário que circunda o
reiras críticas que normalmente se oporiam à sua mani- abjeto pode, neste extremo, ser significado corno ima-
festação suavizando seus aspectos mais horrendos e de- gem: vômitos, fezes, baba, sangue, vísceras, castra-
sagradáveis. ções, etc. O grito de horror que percorre os filmes mar-
j '
A representação marginal parece poder acreditar ginais é a reação em face da proximidade excessiv.a desta
na possibilidade da expressão de sentimentos extremos ima2em .
r

114 FERNÃO RAMOS

O questionamento da narrativa clássica ocorre a


partir do momento em que ela não mais comporta este
jorro que a liberação das represas morais e críticas per-
mite. A posição de questionamento mais consciente da
narrativa se dá em obras isoladas, geralment~ não pro-
duzidas no período abordado. Daí,'a meu ver, ser pro-
blemático se chamar de experimental um cinema que
teve em suas produções muito mais impulso que expe-
rimento . O relacionamento com as vanguardas cons-
trutivistas, embora presente em alguns autor·es, não
aparece como dado central para a compreensão do
movimento. É inegável sua presença no horizonte cu1- A estética marginal
tural, mas, na maioria dos casos, a aproximação, quan-
do existiu, ocorreu após o período que estamos anali-
sando.
O quadro geral do movimento traçado atrás serviu A definição do qu_e veio a ser o Cinema Marginal
para delinear uma produção cinematográfica e uma rea- constituiu o centro de nossas preocupações até aqui .
lidade social que a análise de alguns aspectos estruturais Neste sentido, o texto evoluiu de maneira a mostrar
de sua narrativa, a ser feita a seguir, dará contornos que - mesmo não havendo uma coesão muito intensa
mais precisos. ao nível de idéias, grupos autodefinidos, manifestos -
a produção marginal se caracterizou por uma inegável
coesão ao nível estético, permitindo-nos abordá-la corno
11
um "movimento" dentro do cinema brasileiro. Cabe
i
agora aprofundar a análise da narrativa marginal e do
universo ficcional construído como forma de definirmos
esta ' 'estética' ' . Dentro dos elementos estruturais que
percorrem o conjunto de obras, pretendo dar especial
atenção a três deles, a meu ver centrais: a agressão,
a estilização e a fragmentação narrativa.

[ PROCEDIMENTOS DE AGRESSÃO:
O HORROR E A IMAGEM ABJETA

A imagem do abjeto constitui um momento privi-


legiado da narrativa marginal. O discurso narrativo,
1

1
116 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 117
1
como que atraído por um ímã oculto, caminha sempre depósitos de lixo. Figura constante nos filmes margi- • 1
em sua direção, parecendo ter um prazer secreto em nais, este., depósitos, geralmente localizados em gran-
significar para o espectador a representação do abjeto. des cidades, são um dos cenários prediletos para am-
As cenas se alongam, a intensidade dramática atinge bientar a ação. Em alguns dos filmes (Perdidos e Mal-
seu ápice, a narrativa toma todo o tempo necessário ditos e Jardim das Espumas, por exemplo), os persona-
para que esta imagem seja significada. O nojo, o asco, gens passam a apanhar detritos e levá-los diretamente à
a imundície, a porcaria, a degradação, enfim, todo o boca.
universo "baixo" compõe a diegese típica da narra- A forma de trazer os alimentos à boca, quando se
tiva marginal. Esta negação da representação do " no- aproxima do animalesco, nos remete a um outro traço
bre" (em termos das "intenções de ação" dos perso- da imagem do abjeto constituído pela representaçtlo de
nagens no universo ficcional que lhes cerca) é uma das seres humanos com características animais. O anima-
características centrais da estética marginal e também a lesco aparece , então, como imagem da degradação ou
razão , para a qual chamamos atrás a atenção, sobre a da violência. Em Hitler no III Mundo, filme de José
singularidade e o certo descompasso do filme A Mar- Agripino de Paula, a animalidade humana é represen-
gem, de Ozualdo Candeias, sobre o restante do Cinema tada nos dois sentidos. O filme se inicia com uma série
Marginal. O universo do "baixo" se reflete não só ao de sons guturais de ~nimais selvagens. Jô Soares, no
.• -- nível das ações dos personagens desprovidas de inten- papel de um singular samurai, joga folhas velhas de le-
ções altruístas ou outras valoradas positivamente pela gumes aos favelados que reagem como animais sendo
moral, mas principalmente pela significaçi!o imagética alimentados; algumas cenas depois , seres animalescos,
da abjeção. lembrando macacos, dançam em volta de um corpo tor-
Uma das imagens preferidas do Cinema Marginal turado; no final do filme ainda o samurai, de frente para
é a da '' deglutição aversiva''. O personagem enche a uma televisão, leva um pedaço de carne à boca e oba-
boca de comida, acima de sua capacidade de mastigar, lança convulsivamente, soltando grunhidos. Também
e deixa a massa formada escapar pelos cantos da boca. neste sentido, são marcantes as cenas de Bang Bang,
Ou, então, abre os dentes de forma ostensiva deixando em que um homem se barbeia com uma máscara de
o espectador antever o bolo de alimento e saliva que se macaco , indo a seguir fazer amor, de forma animalesca,
· forma ·no interior desta. Em Gamai, o De/trio do Sexo, com uma moça estendida numa cama. · ·
apenas para citar um exemplo, um dos personagens , de Outra imagem abjeta, recorrente da estética mar-
aparência imunda e repulsiva, deseja ardentemente a ginal , é a ' ' baba de sangue' ' escorrendo pela boca ou o
muiher do personagem central do filme; em determi- próprio sangue espalhado pelo rosto e outras partes do
nada altura esta o encontra num parque, junto a uma corpo. Paradigma desta imagem é a figura de Helena
pedra, comendo restos de comida. A câmera explora, lgnez no filme A Familia do Barulho, de Júlio Bres-
então, de forma detalhada, a maneira aversiva auavés da sane, que após fitar por vários minutos o espectador em
qual o personagem imundo deglute animalescamente silêncio abre levemente a boca e deixa escorrer uma
estes restos. A deglutição aversiva compreende igual- baba vermelha que lhe cobre todo o queixo . As imagens
mente a ingestão de detritos, geralmente apanhados em de corpos ou rostos cobertos de sangue são igualmente
118 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 119

constantes no Cinema Marginal repetindo-se pratica- que atinge a tudo e a todos, e que tem em sua imagem
mente em todos os filmes analisados. exemplar o berro histérico e convulsivo, que percorre
O ''vômito'' é outro instante privilegiado como de ponta a ponta os filmes marginais.
imagem aversiva. Seus restos são muitas vezes espalha- O horror é a medida do sentimento causado pela
dos pelo corpo com o intuito de acentuar o aspecto re- expressão do abjeto. É o grito em face do monstro pa-
pulsivo. A imagem do vômito (uma imagem tensa e rido, em face da proximidade excessiva da deformidade.
dramaticamente forte), pelas próprias características "O ser é o mal-estar", para utilizarmos a precisa ex·-
naturais do ato de vomitar, se aproxima do berro lace-
rante, tão presente na narrativa marginal. Um vômito
pressão de Júlia Kristeva. O horror tem igualmente sua
imagem e o Cinema Marginal penetra a fundo em toda
li
marcante, se podemos falar assim, e significativo do sua dimensão simbólica. 1
dilaceramento presente na estética marginal, é, sem dú- A cena fantasmática da castração é diversas vezes
vida, o da cena em que Helena Ignez, no filme Sem sugerida e em dois casos representada efetivamente (em 1

Essa Aanha, de Rogério Sganzerla, vomita de forma Hitler no III Mundo e em Piranhas do Asfalto). O hor-
convulsiva durante um longo plano seqüencial em face ror atinge aí seu ponto limite na imagem significada da
da janela de um salão·de danças. castração como representação da perda incomensurável
O corpo humano parece ser um local especialmente temida. A vingança contra o fantasmático ser castrador
atraente para a construção da imagem do abjeto. Seus é coberta de horror pela dimensão hedionda da ação . O
orifícios e as substâncias que com eles se relacionam são assassinato do pai provoca em Orgia uma das mais for-
exploradas no sentido de significar o aversivo. Em al- tes cenas de dilaceramento no Cinema Marginal. O
guns filmes marginais são vistas cenas de ' 'defecação' ' personagem parricida erra durante vários minutos, aos ,
ou de grande proximidade com ' 'excrementos' ' . Igual- berros, entre as encostas de uma estrada. O horror
mente. como já foi frisado, vômitos, babas, alimentos ''marginal'' é inexprimível, sua motivação transcende
semideglutidos ou, então, deteriorados, são espalhados a ''motivação da ação'' situada no universo da repre-
pela superfície corporal. Corpos imundos rolando na sentação clássica. O horror da morte do pai em Orgia
lama, ou se arrastando com dificuldades em superfícies dispensa a racionalização da perda, assim como sua ex-
cobertas de lixo, fazem parte deste quadro. pressão em palavras. O que interessa para a narrativa é
A representação do abjeto traz consigo uma pre· a expressão do incomensurável, significado através de
sença inevitável que sua concretização enquanto ima berros lacerantes, repetidos de forma convulsiva.
gem provoca: o horror. Não o horror moralista em íact A imagem da castração aparece relacionada ao
da existência do que a boa ética condena, mas um hor· horror do sofrimento corporal que, como vimos no pri-
ror mais profundo, advindo das profundezas da alma meiro capítulo, o clima político da época tornava in-
humana - um horror de temores pré-históricos e inco- quietantemente próximo. A efetivação da "tortura",
mensuráveis - e que aflora em toda sua potência origi- ou sua presença ameaçadora, é igualmente um mo-
nal. O horror com seu lado grotesco, com seu lado re- mento privilegiado para a representação do horror. Em
pulsivo, seu lado de terror, é um dos elementos carac- vários filmes marginais, a dilaceração corporal na tor-
terísticos do Cinema Marginal. O horror sem medida, tura é mostrada de forma detalhada. !l 1

li
'
120 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 121

A imagem do berro nos aparece como o signifi- mito sobre o mundo. Lá dentro como um filho que
cante característico do horror. Longos e exasperados, não vai nascer( ... ) a miséria, a dor da dor".
costumam interromper o desenvolvimento linear da
narrativa para serem significados detidamente. O berro Horror e abjeção coincidem para o estabelecimento
histérico e convulsivo aponta em direção aos fantasmas de uma forma de relacionamento com o espectador ba-
mais arcaicos de dilaceramento do ego presentes no su- saeada na "agressão" a supostas expectativas de frui-
jeito. Horror não apenas do objeto exterior que ameaça ção por parte deste. A relação agressiva com o espec-
a integridade física do indivíduo, mas antes de tudo vol- tador parece inevitável na medida em que o autor tende
tado para o próprio ''eu'', agora antevisto como cons- a reproduzir nesta o horror que a proximidade do abjeto
tituído de matéria abjeta e repelente. A proximidade do lhe causa. O objeto filmico deve, então, ocupar a mesma
hediondo faz com que, no espelho, a imagem vista seja posição que o objeto aversivo mantém com relação à
a do ser repelido. Sua significação gera, inevitavel- câmera (aí, antes de tudo, enquanto "olho " do autot).
mente, o berro do horror pela imagem narcísea esti- Para tal, não só a imagem do abjeto é utilizada. Toda
lhaçada. uma atitude debochada e irritante dos personagens tem
A dimensão do horror e a presença próxima do como objetivo criar no espectador um sentimento de
abjeto podem ser percebidas, em toda sua dimensão, irritação (quando da significação do berro-horroc) que se
nestes dois textos extraídos de Jardim das Espumas e de mescla ao da repulsa (quando da significação da imagem
abjeta). O vínculo catártico, próprio à narrativa clás-
Gamai, o Delírio do Sexo (reproduzidos nesta ordem)
enunciados nos filmes, durante a narrativa, na forma de sica, não se estabelece e, em seu lugar , se instaura uma 1
vozo/f: relação em que o espectador se sente incomodado pelo 1
deboche-agressivo, não conseguindo projetar sentimen-
tos agradáveis no ficcional representado . A fruição pode-
" Sou inumano! Digo isso com um riso louco e rá novamente se instaurar a partir de uma elaboração in-
alucinado ( ... ). Mais claro que tudo, vejo meu pró- telectual (não mais baseada na identificação catártica)
prio crânio de dentes arreganhados, vejo o esque- que considere instigante a imagem do abjeto e do berro
leto dançando no vento, serpentes saindo da língua despropositado e gratuito. Resta, no entanto, parecer
apodrecida e os fotogramas deste filme inchados de não ser esta a intenção dos autores ao elaborar estes fil-
êxtase, enlameados de excrementos coletivos. E mes , voltados nitidamente para a obtenção de um efeito
junto à minha lama, minha loucura, meu excre- de ' 'incômodo' ' no espectador.
mento, meu êxtase que flui( ... ) da carne apodre- A tentativa de estabelecer novas formas de relacio-
cida deste corpo fatigado. namento entre o texto (fílmico ou cênico) e seu destina-
tário não é exclusiva do Cinema Marginal e atinge di-
'' As mães desesperadas dos filhos desta guerra versos outros ramos do quadro cultural brasileiro na
santa. O s filhos perdidos no tráfico dessa dor, os época. Em especial, poderíamos citar o grupo Oficina
homens estampados de boca aberta e os olhos es- liderado por José Celso Martinez que, dentro da di-
bugalhados anunciando a grande dor, o grande vô- mensão do dilaceramento e da significação do horror
f
FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 123
122

1 através da presença do abjeto, se aproxima em alguns comprometida in~vitavelmente com o conteúdo veicu-
1
aspectos do Cinema Marginal. Roberto Schwarz, em lado mesmo que se pretendendo "popular".
seu ensaio "Cultura e Política (1964-1969)" ,57 fala Num texto de Luiz Rosemberg sobre Jardim das
deste "ritual abjeto" como "uma resposta radical Espumas ,59 o cineasta, analisando o filme, diz que o es-
pectador deverá nele exercer ' 'seu processo construtivo . I;
(mas não política) à derrota de 64' '. A seguir nos des- 1
creve uma parte de um dos espetáculos do grupo, que de reflexão que existe e pelo qual Brecht se bateu no seu j
11

nos remete diretamente a cenas de filmes marginais: teatro materialista". No final do artigo, Rosembe:g
' 'o espectador da primeira fila era agarrado e sacudido cita Anatol Rosenfeld num texto em que este anaV·,a o
pelos atores que insistem que ele 'compre! '. No corre- "choque como recurso estético": "O choque cúena-
dor do teatro, a poucos centímetros do nariz do público, dor é suscitado pela omissão sarcástica de toda uma sé-
as atrizes disputam, estraçalham e comem um pedaço rie de elos lógicos, fato que leva à confrontação de si-
de fígado cru ( ... )". De fato, no cinema, os atores não tuações aparentemente desconexas e mesmo absurdás.
podem sacudir os espectadores da primeira fila, mas a Ao leitor assim provocado cabe a tarefa de restabelecer
intensidade da representação exerce um efeito similar o nexo''.
enquanto agressão à costumeira atitude passiva da O Cinema Marginal se situa dentro deste contexto
platéia. ideológico onde a relação de agressão com o espectador
A relação agressiva com o público tem por fundo é valorada como tentativa de questionar sua posição so-
um discurso estético com ' 'tonalidades' ' brechtianas cial e despertá-lo do universo reificado. Na narrativa
onde '' o recurso principal é o choque profanador e não
o didatismo'' .58 Para além do didatismo - encarado
como intrinsecamente alienante por não questionar a
marginal, no entanto, os elementos deste discurso -
relacionados a uma proposta estética brechtiana, elabo-
rada em torno do '' afastamento crítico'' (ou da '' agres-
! 1

forma do discurso em que veicula sua mensagem - , a são' ' ao espectador como elemento de ' 'conscientiza-
função do choque seria a de acordar as massas (e a pró- ção ") - aparecem em segundo plano, como sustenta-
pria burguesia) de sua letargia, confrontando-as com ção ideológica para um cinema onde o que parece ser
um discurso agressivo que em sua própria forma narra- central é a significação do abjeto. A relação agressiva
tiva colocasse em xeque expectativas de uma possível com o público decorre de processos inerentes à presença
"redenção" pela mimese e a instauração, através dela, da imagem aversiva e é assumida em toda sua extensão
da ''boa consciência''. O deslocamento do discurso em e com todas as suas conseqüências.
torno da inserção social-política da obra caminha, en- A relação agressiva da narrativa com o espectador
tão, durante os anos 60-70, do didatismo revolucionário aparece igualmente como decorrência do próprio uni-
em direção à validade do ' 'choque profanador' ' como verso ficcional criado pelo Cinema Marginal. A forma
maneira de questionamento da forma ''burguesa'', narrativa, baseada na fragmentação da intriga, com lon-

(57) Schwarz, Roberto, "Cultura e Política 1964/ 1969", in O Pai de (59) Rosemberg, Luiz, ''Tr!s Anos Depois no Reino Encantado do
Familia e Outros Ensaios , Rio de Janeiro , Paz e Terra, 1978, p. 86. Jardim das Espumas" , texto datilografado, Arquivo Multimeios, Centro Cul·
rural São Paulo.
(58) Schwarz, Roberto, op. cit.
FERNÃO RAMOS CL'IEMA MARGINAL (1%8-1973) 12\
12'1

gos espaços mortos no desenvolvimento da história, cantarola longamente sons desconexos em cima de um
colabora para o estabelecimento destas estruturas de barco; Helena lgnez senta no bote e abre as pernas sem
agressão na medida em que colide com a fruição que se motivação, com uma expressão vazia; Jorge Loredo
atém ao desenvolvimento linear da ação. Ao nível das pronuncia suas frases grandiloqüentes sem nexo. O de-
personalidades dos personagens é comum a presença do boche agressivo se constitui a partir da instauração da
personagem ' 'chato'', que ''avacalha'', em meio a sig- ação desconexa no universo ficcional desprovido de sig-
nificação do horror, como forma de irritar não só os nificações relacionadas à disposição da intriga. O tom
espectadores mas seus companheiros ao nível propria- dramático se remete ao vazio de motivação da ação inte-
mente diegético. A linha que leva do horror ao deboche rior à diegese.
nos dá a dimensão desta relação agressiva característica Ao universo ficcional construído pelo Cinema
na medida em que faz com que a significação do hprror Marginal caberia, a meu ver, um adjetivo preciso: "o
passe, através dela, pela irritação do espectador. esporro''. Se compreendermos neste termo sua conota-
Personagens meio retardados, que fazem ações ção de ''agressão'', acrescida do sentido ''avacalho '',
sem sentido, que como uma mosca impertinente per- teremos a principal característica da narrativa marginal
turbam e chateiam os outros com miudezas e pequenas em seu contato com o espectador. O ' 'espcrro' ' pro-
irritações (puxões de cabelo, beliscões, dedo no nariz, voca no espectador uma sensação de incômodo e difi-
cutucões, gemidos longos e outros sons de mal.estar), culta sua relaç~o com a obra, principalmente se esta é
são personagens constantes nos filmes marginais. Pode- dimensionada pela fruição-identificação própria à narra-
ríamos citar como exemplo do deboche-avacalho o grito tiva clássica. A atitude do deboche histérico-agressivo é
longo e baixo, numa mesma tonalidade, que vem das geralmente sentida como uma afronta ao senso estético
entranhas do personagem e transmite uma indisfarçável e, acrescida da imagem do abjeto, confronta-se com a
sensação de mal-estar. Um grito gratuito e que , desa- percepção do '' objeto belo''. Poderiamos, sem dúvida,
companhado de qualquer motivação diegética, tem considerar esta relação determinada com o espectador
como função na narrativa o deboche-agressivo. corr1:o um dos traços centrais do Cinema Marginal e que
No filme Sem Essa Aranha, de Rogério Sgan~erla, caracteriza igualmente sua posição dentro da totalidade
existe uma confluência destes elementos de ''avaca- que constitui a circulação da mercadoria cinematográ-
lho'' que delineiam um universo ficcional onde o deses- . fica dentro da sociedade capit;üista.
pero, embora figura central, não é assumido como tal, Antes de terminar este item gostarja de lembrar a
deslizando para o lado do deboche e do achincalhe. Há dimensão do ''grotesco'' e do ''disforme'' presente no
uma cena rodada em torno de um lago/represa onde abjeto. A representação do belo é aí abandonada e, em
tanto Maria Gladys como Helena lgnez, assim como seu lugar, surgem as formas destoantes e despropcrcio-
um outro personagem representado por Jorge Loredo , r:iais. Uma imagem nítida me vem neste sentido à ca-
têm como função única este deboche. Não é tanto a beça: no filme Os Monstros de Baba/oo , de Elyseu
representação do horror que está em jogo, mas .ª de um Visconti, uma das personagens centrais é Wilza Carla,
deboche, surdo e constante, em volta de atitudes toma- conhecida por suas dimensões corporais exuberantes. O
das numa situação de extremo cansaço. Maria Gladys corpo da atriz é aproveitado durante todo o filme em
li
126 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 127

seus aspectos mais grotescos e utilizado em imagens tário. A ficção igualmente se distancia de qualquer pa-
nitidamente abjetas (nojo), como a de uma cena em que râmetro realista e caminha, através de procedimentos
a atriz aparece lambuzada de óleo devorando várias la- de estilização diversos, para o universo do gênero, onde
tas de sardinhas. Mas há um plano em que a atração as atitudes dos personagens são exageradas, deforma-
pelo disforme se evidencia: estão Wilza Carla (Madame das ou caricaturais.
Babaloo) e uma antiga empregada atravessando a rua Ao examinarmos de perto o universo ficcional do
em direção a uma fábrica de sardinhas. As pernas de Cinema Marginal nos deparamos com uma '' diegese''
Wilza Carla, transbordantes de celulite e gordu ras, apa- alimentada por apetites vampirescos, que têm suas pre-
recem totalmente à mostra e são apanhadas por trás ferências centradas em narrativas que possuam estilos
pela câmera, formando uma massa disforme de carne. marcantes e característicos.
Ao seu lado está a antiga empregada (já de uma certa Antes de avançarmos mais neste aspecto gostaria
idade), portadora de um defeito que faz com q~e suas de frisar o outro lado do procedimento de "avacalho"_,
pernas finas sejam completamente arqueadas, formando atrás identificado com o deboche-histérico e a agressão.
praticamente um círculo entre o calcanhar e a cintura. O avacalho, quando voltado para a própria narrativa,
As duas caminham juntas e o contraste acentuado entre ressalta uma forma de abordagem intertextual essen -
as formas transborda em seu aspecto grotesco. cialmente lúdica. Aqui-caberia um parêntese metodo-
A proximidade do abjeto é, então, enfatizada pela lógico. Inicialmente cogitei centrar a discussão da esté-
narrativa marginal de maneira que sua figuração na tela tica marginal em torno de duas estruturas básicas que
incomode e agrida: o espectador se sente tentado a seriam a ' 'curtição' ' e a ' 'abjeção' ' . A curtição seria
abandonar a sala. Para o autor, no entanto, esta proxi- definida pela atitude irreverente, ' 'carnavalesca' ' , dos ,
midade incômoda é a medida de seus fantasmas, sua personagens em face do universo que os cerca. A abje-
presença corrói em todas as direções o universo repre- ção estaria delineada dentro das características enume-
sentado. Para este não há saída, mesmo porque a atra- radas atrás, principalmente enquanto significação da
ção da narrativa marginal é pelo caminho que leva cada imagem do abjeto. Preferi, em seguida, desenvolver
vez mais para o fundo. mais detidamente o elemento ''curtição'', enquanto
postura lúdica da narrativa, como forma de estilizar
outros discursos e relacionar a abjeção às estruturas de
PROCEDIMENTOS DE ESTILIZAÇÃO: agressão.
A CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO FICCIONAL O ' 'avacalho'', enquanto estrutura básica do Ci-
nema Marginal, relaciona-se aos dois procedimentos:
Nem tudo, porém, é horror no Cinema Marginal. como avacalho-curtição do discurso alheio e enquanto
O aspecto que analisaremos agora se relaciona à posição avacalho-agressão das perspectivas de fruição na repre-
lúdica que mantém a narrativa marginal para com o sentação debochada-histérica do horror.
próprio cinema e para com a 'ficção exuberante que ela É ·importante frisar aqui a presença do elemento
constrói. Significativo deste aspecto é o completo aban- '' carnavalizador'' no que denominamos por ' 'avaca-
dono, dentro do Cínema Marginal, do filme documen- lho". A perspectiva de reinversão da ordem social, a
FERNÃO RAMOS CIN EMA MARGINAL (1%8-1973) 129
128

atração pelo excêntrico, pelo desmedido, pela invers~o, gênero, tradição característica do cinema americano, é,
são expressas par personagens que encarnam em s1 a sem dúvida, privilegiado.
dualidade, mistura de vulgar e sublime, noj~ e atração, A relação com o cinema americano, e em especial
horror e alegria. Cenas de inversão de papéis, as trans- com o filme palicial, é marcante em boa parcela do Ci-
formações bruscas, ou, para utilizarmos um termo de nema Marginal, com mais ênfase em sua vertente pau-
Bakhtin, "os ritos de destronalização", são significa- lista. Filmes como Q Bandido da Luz Vermelha, Bane
dos em diversos filmes sob as mais diversas formas. Bane, O Pornógrafo, Auddcia e As Libertinas travam
Apenas como exemplo paderíamos lembrar os assassi- um diálogo intenso, em termos deglutidores, com a
natos familiares em Matou a Familia e Foi ao Cinema e narrativa clássica. Declarações par parte dos diretores,
Meteoraneo Kid, o Herói Jnterga/dtico, o massacre das de admiração e paixão pelo cinema americano, abun-
patroas em Cuidado Madame ou ainda o assassinato da dam nos jornais da época com nítidas intenções provo-
esposa e pasterior ' 'curtição' ' da vida em Perdidos e cativas ao universo estético do Cinema Novo. Samuel
Malditos. A "profanação" avacalhada da ordem vi- Fuller, Nicholas Ray , Hitchcock, Orson Welles são os
gente, e o pasterior ''entronizar'' da atitude excêntrica preferidos.
e seus agentes, permite uma reinversão de atitudes A forma pela qual a narrativa marginal se apropria
onde ' 'aquilo que é normalmente reprimido no homem da narrativa clássica é ã ''citação'', ou seja, a inserção
.
se abre e se expnme sob uma 1orma
l
concret''60
a . dentro da tessitura do filme de trechos inteiros caracte-
Interessante igualmente é percebermos a postura rísticos de outras obras. Ou , então, esta incorporação é
lúdica do ' 'avacalho-curtição' ' direcionada a uma ati- realizada através da reprodução, de forma estilizada, do
vidade intertextual de ' 'curtição ' ' do discurso-outro universo ficcional próprio da narrativa clássica: a foto- 1

estilizado. O objeto desta é, no caso, o próprio cinema. grafia, a trilha musical, cenários, personagens. Nesta
Um dos aspectos centrais da "curtição" intertextual (e reprodução, raramente paródica, são aproveitados de-
onde a pastura de avacalho mais transparece) é a assun- terminados traços marcantes do universo do gênero
ção da narrativa mal elaborada, mal fotografada, mal que, acentuados, passam a existir enquanto elementos
montada, e a elegia do filme "ruim", dos "enquadra- estéticos de comunicação intertextual. A ' 'estilização' '
mentos óbvios'' , conforme vimos em citações constan- para se constituir depende da existência de um texto
tes no primeiro capítulo. original já marcado enquanto estilo (conjunto de nor-
Na medida em que o texto-base onde se realiza a mas e procedimentos narrativos) aonde vai buscar sua
'' deglutição curtidora'' é a própria narrativa cinemato- referência. É a partir desta perspectiva que se coloca a
gráfica, a tendência é voltar os olhares preferencial- influência do cinema de gênero sobre os marginais.
mente para os ' 'estilos' ' que se sedimentaram enquanto A relação , por exemplo, de Bane Bang com o filme
tais na história do cinema. Neste sentido, o cinema de policial americano é clara e constantemente acentuada
pela própria narrativa: ao avançar interminável de um
(60) Bakhtin, Mikbail, La Pottique dt Dostoievski, Paris, Seuil, 1970,
jipe num descampado do Brasil Central é dada uwa
p. 170. tonalidade singular através da sincronização da imagem
130 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 131

a uma trilha sonora do tipo ' 'Exploradores na Savana' ' , mas significativo aproveitamento irônico do discurso
retirada do filme Hatari, de Howard Hawks. O diálogo original.
com os elementos mais realçados do estilo é, então, Ainda podemos abordar a estilização do universo
feito de forma deglutidora e incorporado na tessitura ficcional do Cinema Marginal a partir da forte presença
mesma do filme, como citação. Igualmente sua fotogra- do elemento kitsch e ''cafona'' em seu horizonte. O
fia, bastante estilizada, nos remete ao universo da nar- ' 'cafona' ' é a reelaboração, que aparece como excessi-
rativa clássica e, em especial, ao do filmenoir. vamente marcada, de determinados padrões de beleza
O universo do gênero exerce de forma idêntica um ou procedimentos estéticos. A estilização é aí diredo-
inegável fascínio sobre Rogério Sganzerla. N uma de nadano sentido do destoante, do exagero, e confrontada
suas frases mais conhecidas, o autor declara ser O Ban- - explícita ou implicitamente - com conceitos da
dido da Luz Vermelha "um /ar west sobre o terceiro ' 'forma bela' ' , tidos como tal socialmente. A atração
mundo". A faceta ambígua de O Bandido, entre o marginal pelo kitsch e pelo ''cafona'' se dá na medida
Marginal e o Cinema Novo, revela-se mais uma vez: em que esta postura, para além de seu aspecto agressivo
/ar west em sua metade Marginal; terceiro mundo em às expectativas do belo analisadas atrás, se apresenta
sua metade Cinema Novo. Mas o autor ainda é mais como formação característica do produto artístico ela-
enfático em sua admiração pelo univer,so do gênero: (0 borado pela indústria- cultural. A voracidade antropo-
Bandido) ' 'é fusão e mixagem de vários gêneros pois fágica do Cinema Marginal por este universo e a possi-
para mim não existe separação de gêneros. Então fiz um bilidade de sua absorção pela narrativa do filme singu-
filme soma: um /ar west mas também musical, docu- larizam o movimento dentro do panorama do cinema
mentário, policial, comédia ou chanchada (não sei exa- brasileiro no final da década de 60. Na atitude ''curti- ,
tamente) e ficção cientifica''. dora " do kitsch os marginais mantêm sempre a distân-
Esta declaração deve ser tomada, em sua excessiva cia intertextual, não se confundindo com a mera repro-
abrangência, como a caracterização do Cinema Margi- dução deste universo. Sem dúvida, o descentramento
nal em face da relação intertextual - em especial com a ideológico, a que nos referimos atrás quando analisá-
narrativa clássica - completamente fora dos horizontes vamos a ruptura com o Cinema Novo, permite e incen-
do Cinema Novo. A somatória, frisada atrás por Sgan- tiva esta abordagem.
zerla, transparece no filme através de mecanismos de A atração pelo gênero e pela estilização se apre·
citação onde outros discursos, não só cinematográficos, senta em outro aspecto fundamental da estética margi-
são incorporados na narrativa antropofagicamente. Isto nal: o intenso caráter ficcional de seu universo diegé-
é claro no estilo da ''voz off'' que narra o filme nos tico. A ficção marginal c~nstitui uma singularidade no
remetendo diretamente ao universo da transmissão cinema brasileiro, geralmente distante do gênero e tam·
radiofônica sensacionalista; na velocidade e na forma, bém da fantasia (poderíamos lembrar a chanchada,
características do filme policial, através da qual a narra- sempre citada com admiração pelos marginais). Direta-
tiva se desenrola; na citação de filmes de ficção cientí- mente relacionada com o universo das histórias em qua-
fica, através das imagens de discos voadores; com o pró- drinhos, a narrativa marginal constitui um mundo
prio Cinema Novo (Terra em Transe), em um singular ficcional marcadamente fantasista .
·,
132 FERNÃO RAMOS CJNEMA MARGINAL (1968-1973) 133
l
Como exemplo característico deste traço podería- terização excessiva de atitudes que forma o tipo. Geral-
mos lembrar a ficção de Rogério Sganzerla na virada da mente não evoluem no decorrer da narrativa, permane-
década de 60 (O Bandido da Luz Vermelha, A Mulher cendo inalterados em sua personalidade. São persona-
de Todos, Sem Essa Aranha e outros), em que atitudes gens fortes e que permanecem em nossa memória.
características são aguçadas, estilizando os procedimen- Quem, tendo visto o filme, não se lembra do mafioso
tos. Em filmes como Jardim de Guerra, Capitão Ban- "Babaloo", do "Aranha", ou de "Angela Carne e
deira contra Dr. Moura Brasil, Meteorango Kid, O Osso' ' , a mulher mais boçal do Brasil? Neste sentido é
Pornógrafo, Bane Bane, fica igualmente evidente a for- que são ''tipos'', estabelecidos a partir de um universo
te elaboração ficcional da narrativa marginal e sua pro- que não se remete à realidade concreta para se cons-
ximidade com o mundo dos "gibis" (poderíamos, tam- truir em sua verossimilhança. A narrativa constrói os
bém, citar o interesse de Sganzerla pelo assunto que, padrões de conduta dos personagens a partir de atitudes
em 1969, realizou dois curtas intitulados História em ''chupadas'' (ou que se remetem) a outros discursos já
Quadrinhos e Quadrinhos no Brasil). de per si estilizados. O universo ficcional se sustenta,
1
O ''Aranha'', personagem desempenhado por \ então, a partir de um discurso-narrativa base preexis-
Jorge Loredo em Sem Essa Aranha, evidencia o proce- l tente, já cristalizado enquanto quadro de referências.
dimento de '' estilização de atitudes'' a que me referia. O terror (Bardõ O/avo, O Terrível), o /ar west
1
Suas ações, seus movimentos corporais, são extrema- (Bane Bane), o policial (0 Bandido da Luz Vermelha),
l mente rebuscados, o que é acentuado por sua fala mui- 1 a ficção-científica (as cenas do disco-voador em O Ban-
tas vezes em rima, a partir de ditos populares, com fra- 1 dido), o melodrama (algumas passagens de As Liberti-
ses desconexas e extremamente grandiloqüente. O re- nas), a história em quadrinhos (A Mulher de Todos), a'
buscado da interpretação de Loredo, acrescido do figu- chanchada (O Rei do Baralho), e até o cinema russo de
\! rino com conotações fortemente cafonas, além de seu Serguei Eisenstein (Piranhas no Asfalto) vêm parar na
discurso também cafona do tipo latin lover, é significa- goela pantagruélica do Cinema Marginal. A devoração
tivo do procedimento de caracterizaçt!o excessiva de ati- é feita sob forma de citação: pega-se o discurso-outro,
tudes próprio da narrativa marginal. Elementos sociais, incorporam-se às vezes pedaços inteiros do original, às
que já tenham no imaginário popular estas atitudes tí- vezes se reelabora a matriz deixando, no entanto, indí-
picas (o bicha, o galanteador, a madame, o boçal, o ma- cios claros da procedência. Nesta reelaboração - que
chão, a prostituta, o burguês) serão privilegiados. constitui, sem dúvida, o aspecto mais atual do Cinema
O personagem tipificado, embora sem densidade Marginal - o original sofre geralmente uma acentua-
psicológica, toma-se ''espesso'' pelos procedimentos ção na coloração de seus traços mais marcantes, criando
de estilização acima referidos. Este traço pode parecer um universo ficcional extremamente estilizado onde os
como algo contraditório, principalmente se atentarmos · personagens parecem ter saído de um álbum de revistas
para a extrema rarefação da intriga e o completo des- do fundo do baú.
caso para a construção do universo diegético em sua
função. Os personagens que tomam vida neste ambiente
rarefeito são, no entanto, alimentados através da carac-
CINEMA MARGINAL (1968-1973) 135
134 FERN,3-0 RAMOS

nal - em direção a um progressivo questionamento da


A FRAGMENTAÇÃO NARRATIVA
representação baseada em seus postulados clássicos.
A narrativa clássica, dentro dos moldes em que foi Um marco a ser apontado neste sentido é o filme Deus
desenvolvida pela indústria cinematográfica americana e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha.
na primeira metade do século XX, nunca esteve l~gada Glauber é , sem dúvida, uma figura central neste pro-
de modo orgânico à história do cinema brasileiro. Unica cesso devido a seu estilo pessoal. Em Deus e o Dia-
tentativa no gênero , a Vera Cruz - embora apresente bo na T erra do Sol a representação , dentro dos mol-
filmes interessantes exatamente pela singularidade - des clássicos, é tomada de assalto pela ânsia de signifi-
tem na artificialidade um de seus traços marcantes_ O cações abarcantes e acaba completamente estilhaçada.
Cinema Novo, desde seus primórdios, aproveitando um Embora na primeira parte do filme ainda se possa dis-
ambiente cultural na época favorável ao questionamento tingÚir traços da intriga com os personagens se co~sti-
desta forma narrativa , coloca em xeque postulados bá- tuindo em sua função, há uma nítida ruptura na se-
sicos da tradição clássica. gunda metade, com o final completamente ''cenográ-
Em um texto de Jean-Claude Bernardet sobre o fico'' e os personagens encenando teatralmente, na
filme Rio 40 Graus , que consta do livro Trajetória Cri- caatinga deserta , sem qualquer vínculo com a disposi-
tica / 1 é analisada a fragmentação "das diferentes histó- ção clássica da ação em função da intriga.
rias que compõe o enredo do filme'' - As articulações Apesar do caráter radical deste filme - principal-
existentes entre estes diversos fragmentos de intriga, por mente se pensarmos em termos da época em que foi
serem motivadas em termos de tempo e espaço - em- produzido - , diversas outras obras do Cinema Novo
bora esta motivação não acrescente informação à his- atacam frontalmente a forma clássica e apontam , já no
tória - , são encaradas pelo autor como sendo talvez início dos anos 60, em direção a uma trilha que seria
'' um tributo pago à montagem cinematográfica clás- posteriormente aprofundada por obras do Cinema Mar-
sica". ginal. A vinculação ao universo ficcional -fragmentado
O tributo não impede, no entanto, que este filme , não esconde, no entanto, diferenças essenciais. No Ci-
tido como um dos pioneiros do novo cinema, apresente nema Novo (principalmente em sua segunda fase), o
uma intriga disposta dentro da narrativa de forma já movimento da narrativa em direção a "significantes
bastante diferenciada da evolução característica da ação abarcantes'' que possam, na forma de alegorias, retra-
na narrativa clássica. Esta forma de dispor a intriga , tar a totalidade do representado acaba por minar o desen -
onde os vínculos estabelecidos entre as ações dos perso- volvimento da intriga dentro dos moldes clássicos. O
nagens e sua motivação fogem a esquemas lineares de desejo, sentido como necessidade , de representar o
evolução, será uma constante no Cinema Novo . universo social brasileiro em todos seus conflitos e con -
A direção a ser trilhada por este questionamento tradições aparece como ''motor'' desse movimento.
aponta , durante a década 60-70 - principalmente se Já no Cinema Marginal, a significação que tem por
considerarmos a linha evolutiva Cinema Novo/ Margi- pano de fundo uma referência analógica aõ concreto é
geralmente deixada de lado e a narrativa mergulha den-
(ó l ) Bernardet, Jean-Claude , Trajetória Crítica , São Paulo, Pólis, 1978 ,
tro de um espesso universo ficcional fantasista . Lá ela
p. 223.
FERNÃO RAMOS CINEMA MARGlNAL (1968·197}) 137
136

parece crer ser possível significar uma "representação realismo crítico a oscilação do personagem tem que ser
originária'' - aquém do intermédio da linguagem - deduzida do seu comportamento e da sua ação imposta-
que mantenha intacta a força da dramatiddade extrema dos em termos realistas' '; no caso de Gamal, esta ' 'ca-
que tenta transmitir. O dilaceramento da própria narra- mada intermediária'' , que a construção da ação em ter-
tiva aparece como forma possível, como linha de comu- mos ·realistas determina, estaria ausente, o que faz com
nicação direta entre a exaltação dramática, o horror, que '' as relações interpersonagens que constroem o ar-
a abjeção em níveis extremos, e sua comunicação. No cabouço tendam a se manifestar diretamente, sem pas-
limite desta postura se rompe a tessitura existente entre sar por situações que as traduzam''.
a representação e seu referente: almeja-se a significação Podemos entender esta '' manifestação direta'' de
de estados dramáticos em si mesmos, em sua própria situações dramáticas como decorrente da falta de moti-
concretude material. Se tivermos como parâmetro o vações articuladas através de uma história. A não-evo-
costumeiro dobrar-se da representação sobre seu refe- lução dos personagens em função das situações dramá-
rente, diversas seqüências do Cinema Marginal perten- ticas leva à estagnação destas que, fora de uma relação
cem ao universo do "não-sentido", não se articulando mais íntima com a intriga , tendem a se condensar e per-
em função de uma instância outra do que sua constitui- manecer estáticas. Sua evolução é difícil e se realiza aos
ção em imagem. Em boa parte dos filmes (mas não em saltos.
todos) este fechamento sobre si mesmo da representa- A dificuldade de realizar progressões horizontais
ção é articulado em torno da imagem da exacerbação em torno do desenvolvimento da intriga nos permite
dramática, conforme já analisado atrás. Como uma das traçar distinções entre uma evolução narrativa mais li-
exceções poderíamos lembrar o filme A Sagrada Fami- gada à função "contar" e um outro movimento , bem
lia, de Sylvio Lanna, característico da forma com que os característico da estética marginal, próximo ao "mos-
filmes marginais "significam", mas onde o dilacera- trar". Estas funções estabelecidas em relação à narra-
mento dos personagens está ausente. Neste filme, o ele- tiva não se definem de maneira excludente, sendo sem-
mento articulador das imagens é uma trilha sonora pre inter-relacionadas (todo plano que mostra conta um
(com diálogos cotidianos e músicas da virada da década pouco e vice-versa). No entanto, tendo em vista a eco-
de 60) que se desenvolve casualmente . Não são criadas nomia geral do texto filmice , creio poder distinguir pla-
situações dramáticas e mesmo os personagens não con- nos mais próximos a uma função de fazer avançar a in-
seguem se cristalizar. As imagens vão se alternando , triga, enquanto outros só podem ter sua existência na
geralmente em planos longos, sem nenhuma função narrativa explicitada em termos de uma função '' des-
dramática , como é próprio da forma narrativa do Ci- critiva".
nema Marginal. Embora não seja nosso intuito afirmar que os fil-
Esta forma narrativa é abordada por Jean-Claude mes marginais sejam filmes ''descritivos'', a narrativa
Bernardet num artigo em que Cúüienta Gamai, o Deli- marginal possui uma inegável atração por quadros
rio do Sexo .62 Para o crítico, "nos filmes ligados ao constantes onde está em questão para a câmera explorar
uma determinada situação dada. A tendência, já abor-
(62) Idem , ibidem , p. 240. 1 dada atrás, de alongamento dos planos até o limite , de
l
[I t.
tf
l38 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 139

forma a tensionar o ato mimético e a relação câmera/ esboçados durante o filme, mas não sofrem solução de
referente , constitui um dos principais aspectos danar-
rativa marginal. A câmera é encaminhada para um olhar
continuidade. A atração da câmera pelo plasticismo da
imagem tem como contrapartida sua aversão ao movi-
1
fixo ao representado, perscrutando-o com insistência.
Os filmes de ação, onde o central para a nar rativa é o
mento que conduz à ação, ao personagem e também
a. mtnga.
. . ' ' 1
desenvolvimento da intriga (ou seja, o "contar" uma A narrativa marginal, de forma geral costuma
ação elaborada em história), não são numerosos dentro sacrificar o desenvolvimento linear da ação p;ra se fixar
do Cinema Marginal. de~oradamente num rosto, numa paisagem, num ber-
Nos filmes de Bressane (e, em especial, em O Rei r?, ou até mesmo num vômito. O espesso universo fic-
do Baralho), em Bane Bane, em Gamai, em A Mar- cional a que nos referimos é geralmente elaborado a
eem, em Perdidos e Malditos, em Sem Essa Aranha, partir destes planos ''demonstrativos'' (de ' 'mostrar'')
A Sagrada Família, e muitos outros , a câmera." descri- con_str~ídos em função de sua potencialidade imagética,
tiva'' é uma constante. Em alguns destes filmes, a atra- e nao vmculados ao desenvolvimento dramático da his-
ção pelo "mostrar" e a aversão pelo "contar" é tão tória. Restam, então, as estruturas diretamente vincu -
grande que até mesmo a fala acaba por ser abolida. lada~ à imagem _e à exploração (o ''mostrar'') destas, a
Esta se apresenta na narrativa como um dos meios mais partir de uma s1tuaç~o dada, independentes da articu-
eficazes de se enunciar a informação tendo-se em vista o lação com a intriga. Esta disposição funcional dos pla-
desenvolvimento da intriga. A partir do momento em nos gera a constituição vertical de "núcleos" narrati-
que a intriga se estilhaça - e a narrativa sente uma vos estabilizados, que mantêm pouco ou nenhum con-
inegável atração pela expressão dramática acentuada, tato entre si. Exemplo claro desta estrutura é o filme
feita através de berros - , a fala acaba por perder sua Sem Essa Aranha, de Rogério Sganzerla. Poderíamos
função e em alguns filmes marginais é praticamente distinguir no filme seis núcleos narrativos daramente
abolida. delimitados: o inicial, com Aranha declamando e um
Como paradigma deste aspecto, em que planos s~mbista tipo malandro cantando um sambinha no pá-
longos, ausência de fala e fragmentação da intriga coin- ~o de um palacete; o segundo , no cabaré com as pros-
cidem para o realçamento da função "mostrar" dos titutas dançando; o terceiro, no Paraguai (?) com a
planos, citaria o filme de Júlio Bressane, O Rei do Ba- trupe de Aranha nos camarins; o quarto, com toda a
ralho. Exemplo extremo desta tendência é o plano está- equipe descendo o morro numa favela; o qu into, no
tico da silhueta de Grande Otelo, onde até mesmo o lago/represa; e o sexto, no forró em volta de Luiz Gon-
movimento da imagem foi abolido: a câmera se fixa, zaga. São núcleos claramente demarcados em termos da
então, na imagem enquanto elemento plástico. Durante narrativa e que não apresentam nenhum ponto de con-
todo o filme se sente esta predileção pela exploração tato entre si - a não ser a permanência de alguns per-
plástica da imagem em termos fotográficos e cenográfi- sonagens, que mesmo assim sofrem modificações na
cos. A articulação entre os planos aparece como pano passagem para o núcleo distinto. O universo diegético
de fundo para este virtuosismo na construção da ima- dentro dos núcleos é, no entanto, bastante estável. Os
gem enquanto plano em si. Fragmentos de intriga são personagens , o cenário, o tempo e o espaço da história
140 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 141

se mantêm dentrq de uma certa linearidade. Na mu- será que vejo Deus o tempo todo? Resolve então visitar
dança sentimos claramente como que um salto na nar- o pai-de-santo Joãozinho da Goméia. Para quebrar o
rativa: todo o universo ficcional construído anterior- feitiço que atua sobre seu irmão, só encontra uma saída:
mente é, então, transformado e deslocado sem que essa assassinar o Dr. Grilo. Para tanto vai à .casa onde seu
transformação seja motivada . A exacerbação dramática irmão trabalha e se deixa seduzir por Grilo. Finalmente
que percor re o filme de ponta a ponta impede o desen- rompe o sortilégio deixando Vidirnar em pânico''.
volvimento dos personagens para além da caracteriza- Como podemos constatar na leitura da sinopse
ção em tipos. acima, a intriga (apesar de alguns descompassos) além
Neste sentido é que entendemos a "verticaliza- de existir, disposta de maneira linear, formaria urna
ção'' narrativa própria ao Cinema Marginal e a explo- história dentro dos parâmetros da narrativa clássica. No
ração de situações dramáticas sem que haja preocupa- entanto , quem já viu o filme e ainda traz na memória
ção em relacioná-las com outros momentos, posteriores algum traço dele pode facilmente constatar que a hístó-
ou anteriores , da ação. As noções de tempo e espaço ria da sinopse transparece de maneira muito fragmen-
diegético são reformuladas radicalmente. Para além do tada.
questionamento narrativo parcial destas noções - que Percebe-se que não é a intriga que condiciona a
se traduziria numa tentativa, cara às vanguardas euro- disposição dos planos_, mas sim, e isto é especialmente
péias do início dos anos 60, de jogar com estas estrutu - claro neste filme, a significação de estados de espírito de
ras diegéticas de forma a relativizá-las - , a narrativa dramaticidade elevada que se estabelecem de forma gra-
marginal simplesmente as abandona e elabora a ficção tuita. Sovina ao extremo, o filme marginal faz da infor-
sem se preocupar com sua disposição espacial ou tem- mação narrativa objeto de conta-gotas. Sua veiculação
1
poral. não é o centro de atenções da narrativa. Algumas das
É importante frisar que , apesar da intensa frag - informações constantes nesta sinopse são de difícil per-
mentação da intriga, a construção da história é um ele- cepção , ainda quando analisadas numa · leitura mais
mento constante da narrativa marginal e vem ao en- detida.
contro do caráter fantasista da ficção apontado atrás.
Como exemplo de uma intriga característica do Cinema
Tocamos aí em mais um ponto delicado da narra-
tiva marginal. Ao espectador , viciado em mecanismos 1.
Marginal poderíamos citar esta sinopse do filme Copa- de fruição próprios da narrativa clássica e que se abs-
cabana Mon Amour, de Rogério Sganzerla, encontrada tenha de seguir a intriga (delineada com tanto charme
nos arquivos da EMBRAFILME: ''No morro, uma na instauração do universo ficcional e depois obstruída
mãe acredita que seus filhos estão possuídos pelo demô- pela narrativa), resta um trabalho árduo e uma extrema
nio. São Sônia Silk e Vidimar. Ela sonha ser cantora da " atenção " ao nível de recolhimento de dados para a
Rádio Nacional, enquanto ele é empregado doméstico constituição da história . O pólo aglutinador, no caso,
do Dr. Grilo. Para conseguir meios de subsistência, Sô- parece , no entanto , ser outro que o da significação de
nia se entrega a turistas em Copacabana. Vidimar se personagens e intriga , de maneira a formar o represen-
apaixona pelo patrão. Sônia vê espíritos em seres e ob- tado. A significação do horror e da ' 'curtição' ' tem sua
jetos os mais variados; desnorteada pergunta: por que forma característica numa narrativa fragmentada, onde
FERNÃO RAMOS
142
a disposição funcional dos planos é avessa a mecanismos
clássicos de equilíbrio. A representação de um universo
ficcional permeado pela imagem abjeta, pelo avacalho,
pela deglutição estilística, faz com que a forma clássica
exploda e, em seu lugar, o estilhaçamente narrativo
apareça comó uma luva para o universo que se quer
representar.

A condição histórica do Cinema Marginal foi uma Filmografia indicativa


das preocupações básicas deste texto. Quisemos assim do Cinema Marginal
não deixar que sua particularidade se desfizesse em rei-
vindicações, geralmente vagas, de vanguardas e moder-
nidades constantes, e sempre perseguidas na história do
cinema. Filho de sua época, o Cinema Marginal deitou,
sem dúvida, raízes profundas no cinema brasileiro que O Anjo Nasceu, Rio de Janeiro, 1969, 82 min.
dir./rot:: Júlio Bressane;-foto: Thiago Veloso; cenografia: Gua-
continuam dando seus frutos até hoje. Sua especifici-
rá Rodngues; montagem: Mair Tavares; música: Guilherme
dade se constituiu, no entanto, em buscar, para utilizar Magal~ães Vaz; som: Walter Goulart; produtor Júlio Bres-
as palavras de um pensador alemão,63 "um estilo vio- sane; cta. produtora: Júlio Bressane Prod. Cinem.
lento que esteja à altura da violência dos acontecimen- elenco: H~go Carv~na, Miltoi:i Gonçalves, Norma Benguell, 1

tos históricos' ' . E é esta própria violência estilística que Carlos Gu1ma, Neville d1 Almeida, Maria G!adys.
atrai no Cinema Marginal, figura por excelência destes O Anunciador - O Homem das Tormentas Rio de Janeiro
momentos em que na vida, ou na história, o chão parece 1970, 92 min. ' · '
l faltar e o buraco que se vislumbra é, ao mesmo tempo, dir./rot.: Paulo Bastos Martins; foto: Mário Simões; monta-
aterrorizador e profundo demais para ser levado a sério. gem: Paulo Bastos Martins, Mário Simões; música: Carlos
r Moura, Alíredo Condé, Maria Alcina; produção: Francisco
Marcelo_Cabral; co-prod.: Paulo Bastos Martins, Djarmo Sou-
za Hennques, Pref. Mun. de Cataguazes; dir. prod.: Silvério
Ezequiel Torres; eia. produtora: Agedor Prod. de Filmes Ltda.
elenco: Carl~~ Moura, Klelma Soares, Mário Simões, Josélia
Mendes, Mano César, Paulo Bastos Martins, Antonio Jaime
Haroldo Teixeira, Silvério Torres, Waldemar Moreira Carlo~
Sérgio Bittencourt, Dalva Bastos, W aldemar Ferreira,' Hércio
Machado.

Assuntina das Américas (também A'SSuntina das Amerikas)


(63) Benjamin, Walter, Origem do Drama Barroco Alemt!o, São Paulo , Rio de Janeiro, 1973-1975, 90 min. '
Brasiliense, 1984. dir./rot.: Luiz Rosemberg; assist. dir.: Ana Ladeira; foto: Re-
.,
r

144 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968·1973) 145

naut Leenhardt; música: Cecília Condé; cenografia: Lena; som: Bittencourt, Ezequiel Neves, Sérgio Mamberti, Antonio Lima,
Carvalinho; montagem: Luiz Rosemberg eSeverino Dadá; prod. Maurice Capovilla, Ozualdo Candeias, Ítala Nandi, Sônia Bra-
execut.: Luiz Rosemberg; eia. produtora: Bang Bang Filmes, ga, Renata Souza Dantas, Carlos Reichenbach, Neville d' Al-
Luiz Rosemberg, Lente Filmes. meida, Índio, Júlio Calasso.
elenco: Analú Prestes, Cidinha Milan, Nélson Dantas, José
Celso Martinez, Ivan Pontes, Rheia Sílvia, Sérgio Pizzoli, Jair- Bang Bang, São Paulo, 1970, 93 min.
zinho, Maria Silva. dir./rot. : Andrea Tonacci; foto: Thiago Veloso; cenografia:
Andrea Tonacci e Milton Gontijo; montagem: Roman Stul-
Auddcia! (A Fúria dos Desejos), São Paulo, 1970, 87 min. bach; seleção musical: Mário F. Murano; som: Geraldo Ve-
(filme em episódios) . loso; produt. execut.: Luis Carlos Pires; eia. produtora: Total
''Prólogo'' - dir.: Carlos Reichenbach, Antonio Lima. Filmes.
elenco: José Mojica Marins, Maurice Capovilla, Júlia Miranda, elenco: Paulo César Pereio, Jura Otero, Abraão Farc, Ezequias
Mauricio do Vale, Jorge Bodansky, Rogério Sganzerla. Marques, José Aurélio Vieira, Antonio Naddeo, Milton Gon-
" A Badaladíssima dos Trópicos X Os Picaretas do Sexo" - tijo, Thales Penna.
dir.: Carlos Reichenbach; rot.: Jairo Ferreira e Carlos Rei-
chenbach. Bid Bld Bld, São Paulo, 1967-1968, 30 mio.
elenco: Maria Cristina Rocha, Sabrina, Marco Antônio Lellis, dir./rot.: Andrea Tonacci; foto: João Carlos Horta; montagem:
Francis Cavalcanti, Cléo Ventura, Wanda Rocha, Gilberto Sál- Geraldo Veloso; produção: Andrea Tonacci.
vio , José Carlos Cardoso. elenco: Paulo Gracindo, -Nélson Xavier, Irma Alvarez, Mar-
" Amor-69" - dir.: Antonio Lima; rot.: Dirceu Soares, An- celo Pitch, Bazer, Leto, Kiko, Eduardo M~mede, Teo Feltrini.
tonio Lima.
elenco: Júlia Miranda, Gilberto Sálvio, Sílvio Navas, Dirceu Barão O/avo, o Horrível , Rio de Janeiro, 1970, 70 min.
Soares, Bill Foster, Letácio Camargo, Tereza Sodré, Nei Lator· dir. / rot.: Júlio Bressane; foto: Renato Laclette; montagem:
raca , Cléo Ventura, Zilda Cheneme, Maria Vicente, Maria Amauri Alves; cenografia: Elyseu Visconti; eia. produtora:
Joaquina Fernandes e The Jet Blacks. Belair Filmes.
(nos dois episódios e no prólogo) - assist. dir.: Jairo Ferreira; elenco: Helena lgnez, Lilian Lemmertz, Rodolio Arena, Isa·
foto: Carlos Reichenbach; montagem: Jovita Pereira Dias; bella, Guaz:á Rodrigues, Poty, Othoniel Serra.
som: Júlio Perez Caballar; prod.: Enzo Barone; prod. execu·
tiva: Percival Gomes de Oliveira; eia. produtora: Xanadu Prod. Bárbaro & Nosso (Imagens para Oswald de Andrade ), 1969,
Cinem. / Horus Filmes. 10 min.
dir./mont.: Márcio Souza; foto: José Marreco; roteiro: Ana
O Bandido da Luz Vermelha , São Pãulo, 1968, 92 min. Lúcia Franco ~.Márcio Souza; eia. produtora: Amplivisão e Ser-
dit:. / rot.: Rogério Sganzerla; assist. dir.: Afonso Coaracy; foto: vicine; prod. execut.: João Francisco Paulon; narrador: José
Peter Overbeck; câmera: Carlos Alberto Ebert; montagem: Síl- Fernandez; participação especial: Antônio Bivar.
vio Renoldi; dir. mus.: Rogério Sganzerla; som : Edmar Agos-
tinho; narração: Hélio Aguiar e Mara Duval; dir. prod.: Júlio C4ncer, Rio de Janeiro , 1969, 86 min.
Calasse; eia. produtora: Urânio Filmes; produtores: José da dir./rot.: Glauber Rocha; foto: Luís Carlos Saldanha; monta-
Costa Cordeiro, José Alberto Reis, Rogério Sganzerla; prod. gem: Tineca Mireta; som: José Antônio Ventura; co-prod.:
assist. : Paulo Villaça e Flávio Sganzerla. Gianni Barcelloni, RAI (Radiotelevisione Italiana); eia. produ-
elenco: Paulo Villaca, Helena lgnez, Luiz. Linhares, Pagano So- tora: Mapa Filmes.
brinho, Roberto Luna, José Marinho, Renato Consorte, Lola elenco : Odete Lara, Hugo Carvana, Antonio Pitanga, Eduardo
Brah, Carlota Whitacker, Paula Ramos, Sérgio Hingst, Renoir Coutinho, Rogério Duarte, Hélio Oiticica, José Medeiros, Luís
FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 147
146

Carlos Saldanha, Zelito Viana e pessoal do morro da Man- Bressane e Gilberto Macedo; produção: Júlio Bressane.
gueira. elenco: Guará Rodrigues , Júlio Bressane, Rosa Dias, Joca, Luís
Pelé Mendes_
Capit4o Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, Rio de Janeiro,
1971, 80 mio. Cuidado Madame, Rio de Janeiro, 1970, 70 min.
dir./rot.: Antonio Calmon; argumento: Hugo Carvana; foto: dir./rot.: Júlio Bressane; foto: José Antonio Ventura, Edson
Afonso Beato; montagem: Nazareth Ohana; música: Nélson Santos; montagem: Júlio Bressane; som: Guará Rodrigues , José
Ângelo; som: Nélson Ribeiro e José Tavares; eia. produtora: Antonio Rodrigues; eia. produtora: Belair Filmes.
Trópico Cinematográfica/JP Produções/ Promoções Artísticas elenco: Maria Gladys, Helena lgnez, Suzana de Moraes, Re-
Cláudio Marzo. nata Sorrah.
elenco: Cláudio Marzo, Norma Benguell, Hugo Carvana, Su-
zana de• Moraes, Dina Sfat, John Hebert, Wilson Grey, Ro- O Despertar da Besta (ex-Ritual dos Stidicos), São Paulo, 1968-
berto Maia, Paulo César Pereio, Maria Gladys, Otávio Au- 1969, 100 mio.
gusto, Rose Lacreta, Miéle, Billy Davis. dir./arg.: José Mojica Marins; assist. dir. : Mário Lima; ro-
teiro: Rubens Luchetti; foto: Giorgio Attili; montagem: Nilce-
Carnaval na Lama (ex-Betty Bomba, a Exibicionista), Rio de mar leart; cenografia: Graveto; prod. execut.: Mário Lima; eia. 'f
Janeiro, São Paulo e Nova Iorque, 1970, 80 min. produtora: Ovni Indústria Cinematográfica, Fotocena Filmes e
dir./rot.: Rogério Sganzerla; foto: Édson Santos; montagem: MMS/ Cltda. 1
Amauri Alves e Elyseu Visconti; som direto: Guará Rodrigues elenco: José Mojica Marins, Mário Lima, Sérgio Hingst, Os-
e Sganzerla (Nova Iorque); eia_ produtora: Beiair Filmes. waldo C3.1,1deias, Ítala N'andi, Anik Malvil,.Mauricio Capovilla,
elenco: Helena lgnez, Jorge Mautner, Maria Regina, Chico Ronney Wanderley _
Marcondes, conjunto Hic Hoc Sunt, Antônio Bivar e Jorge
Cunha Lima. Desesperado, Rio de Janeiro, 1968, longa-metragem.
dir.: Sérgio Bernardes ; roUarg.: Sérgio Bernardes e Leopoldo
Caveira My Friend, Rio de Janeiro, 1970, 86 mio. Serran; foto: Edson Santos; cenografia: Geraldo Andrada; mon-
dir. Álvaro Guimarães; foto: Sérgio Maciel; montagem: Glauco tagem: Gilberto Bernardes Macêdo; som: Aloísio Vianna; eia.
Mirko Laurelli; roteiro: Léo Amorim, Ivan Leão e Álvaro Gui- produtora: SW Bernardes Prod. Cinem.
marães; música: Novos Baianos; produção: Joaquim Guima- elenco: Mariza Urban, Ítalo Rossi, Norma Benguell, Raul
rães e Orlando Senna_ Cortez, Ferreira Goulart, Fernando Campos, Nélson Xavier,
elenco: Nonato Freira, Baby Consuelo, Sonia Dias, Manoel Mário Lago.
Costa, Nilda Spencer, Gessy Gesse, Maria da Conceição Senna.
Em Cada Coraç4o um Punhal , Sao Paulo, 1969, 90 mio. (filme
Copacabana Mon Amour, Rio de Janeiro, 1970, 95 mio. em episódios).
dir. / rot.: Rogério Sganzerla; assistência: Guará Rodrigues; "Transplante de Mãe" - dir./rot.: Sebastião de Souza; assist.
foto: Renato Laclette; montagem: Mair Tavares; música: Gil- dir.: Wilson Barros; foto: Hélio Silva; cenografia: Jean Laffront;
berto Gil e Rogério Sgan2erla; som : Anézio; eia. produtorã: montagem: Glauco Mirko Laurelli; música: Rogério Duprat.
Belair Filmes. dir. prod: Enzo Barone.
elenco: Helena lgnez, Othoniel Serra, Paulo Villaça, Lilian elenco: John Hebert, Etty Fraser, Liana Duval, Ze2é Motta.
Lemmertz, Guará Rodrigues, Laura Galano, Joãzinho da Go- " Clepsusana " - dir. / rot.: José Rubens Siqueira; argumento:
méia (participação especial). Helena Grembecki; foto: Jorge Bodansky; montagem: Sílvio
Renoldi.
Crazy Love, Londres, 1971, 72 mio. elenco: Júlia Miranda, Marcos César Nase, Maria Helena Cres-
dir./rot.: Júlio Bressane; foto: Laurie Gaine; montagem: Júlio centi , Edgar Gurgel Aranha, Rodrigo Santiago.
148 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1%8-1973) 149

• ' O Filho da Televisão'' - dir./rot.: João Batista de Andrade; Hitler no III Mundo, São Paulo, 1968, 90 mio.
assist. dir.: Wilson de Barros; foto: Jorge Bodansky ; monta· dir. / rot. : José Agripioo de Paula; assist. dir.: Luiz Fernando de
gero: Sílvio Renoldi; música: João Silvério -i:revis~n. Rezende, Valdir Gonçalves; foto: Jorge Bodansky; montagem:
elenco : Joanna Fomm , John Hebert, Medeiros Lima, João Ba· Rudá de Andrade e Walter Luiz Rogério; som: Jorge Bodansky;
tista de Andrade, Ana Maria Cerqueira Leite , Abraão Farc, seleção musical: José Mauricio Nunes; dir.prod.: Danielle Pa-
J immy Cobel, Toni Penteado. lumbo e J . A . Paula.
eia. _produtora (dos três episódios): Lauper Filmes/Tecla/RPI. elenco: Jô Soares, José Ramalho, Eugênio Kusnet, Luiz Fer-
nando de Rezende, Túlio de Lemos, Sílvia Werneck, Mária Es·
Esta Noite Encarnarei no teu Caddver, São Paulo, 1966, 105 ther Stockler, Ruth Escobar, Jairo Salvini, Danielle Palumbo,
mio. Jonas Mello, Carlos Silveira, Fernando Benini e Manoel Do-
dir./rot.: José Mojica Marins; foto: Giorgio Attili; montagem: mingos Filho.
Luís Elias; som: Salatiel Coelho; cenografia: José Vedovato;
dir. prod.: Antonio Fracari; eia produtora: Ibéria Filmes; pro· Jardim de Guerra, Rio de Janeiro, 1968, lOOmio. .
dutores : Augusto Pereira, José Mojica Marins , Antonio Fra· dir. : Neville d' Almeida; assist. dir.: Guará Rodrigues; rot.:
cari. Neville d'Almeida, Jorge Mautner, Guará Rodrigues; argu·
elenco: José Mojica Marins, Tina Wohlers, Oswaldo de Souza, meato: Jorge Mautner; foto: Dib Lutfi; montagem: Geraldo
Nádia Freitas, Tânia Mendonça, Mina Monte, Esmeralda Ra· Veloso; cenografia: Neville d' Almeida; cia. produtora: Neville
chel, Roque Rodrigues, Willian Morgan, Arlete Brazolin, Gra· Duarte d' Almeida Prod . Cinem .
veto, José Carvalho. elenco: Joel Barcelos, Maria do Rosário, Vera Brahim, Carlos
Guima, Ezequiel Neves, Paulo Goes, Dioa Sfat, Guará Rodri·
A Fada do Oriente, Marrocos, 1972, 70 min.
dir.: Júlio Bressane; foto: Júlio Bressane e Elyseu Visconti; gues, Glauce Rocha, Jorge Mautner, Paulo Villaça, Nélson Pe-
montagem: Gilberto Macedo; produção: Júlio Bressane. reira dos Santos.
elenco: Elyseu Visconti, Júlio Bressane, Rosa Dias.
Jardim das Espumas, Rio de Janeiro, 1970, 100 mio.
A Familia do Barulho, Rio de Janeiro, 1970, 75 mio. dir. / rot.: Luiz R osemberg; foto: Renaut Leenhardt; montagem:
dir./rot.: Júlio Bressane; foto: Lauro Escorel, Renato Laclette; Manoel de Oliveira, Luiz Rosemberg; cenografia: Stênio Pe·
cenografia: Guará Rodrigues; montagem: Amauri Alves e Mair reira; som: Walter Goulart; produtores: Sônia Andrade, Blay
Tavares; eia. produtora: Belair Filmes. Bittencourt; ger. prod. : Maria Anita, Sônia Andrade; eia. pro·
elenco: Guará Rodrigues, Helena lgnez, Maria Gladys, Grande dutora: Multifilmes.
Otelo, Kleber Santos, Pocy. elenco: Ecchio Reis, Grecia Vanicori, Labanca, Fabiola Franca·
roli, Getúlio Ferreira Haag, Luiz Rosemberg, Nildo Parente,
Gamai, o Dei/rio do Sexo, São Paulo, 1969, 80 min. Sônia Andrad.e.
dir. / rot.: João Batista de Andrade; foto: Jorge Bondansky; câ·
mera: Hermano Penna; cenografia: Sebastião de Souza; monta· Ldgrima Pantera , Nova Iorque, 1971, 95 min.
gem: Glauko Mirko Laurelli, Jean-Claude Bernardet, João Ba· dir./ rot.: Júlio Bressane; foto: Miguel Rio Branco; montagem:
tista de Andrade; música: Ivan Mariotti e Judirnar Ribeiro; Geraldo Veloso; cenografia: Hélio Oiticica; produção: Júlio
som: Júlio Perez Caballar; dir. prod.: Percival Gomes de Oli- Bressane.
veira; assist. prod.: Jean-Claude Bemardet; cia. producra: Tecla elenco: Cildo Meirelles, Rosa Dias, Patrícia Simpson, Bob
Prod. Cioem. Grass, Hooey, Hélio Oiticica. '
elenco: Joana Fomm, Paulo César Pereio, Lorival Pariz, Fer·
nando Peixoto, Flávio Santiago, Samuel Costa, Janira Santiago, As Libertinas (filme em episódios), São Paulo, 1969, 90 mio.
Valquíria Mamberti , Samuel Costa (Samuca). "Alice" - dir./ rot.: Carlos Reichenbach; assist. dir.: Anto-
{ \

150 FERNÃO RAMO~


CINEMA MARGINAL (1968-1973) 15 1
nio Manuel dos Santos Oliveira; montagem: Glauco Mirko
Laurelli. tagem: Geraldo Veloso; prod. execut.: Marcelo França; eia
elenco: Célia de Assis, José Carlos Cardoso, Tereza Sodré, produtora: Neville Duarte d' Almeida Prod. Cinem .
Eduardo Campos, Madi Sand, Benedito Lara, Antonio Manuel, elenco: Maria Gl~dys, Paulo Villaça, Damião Experiência, Ne-
Wilson Monteiro Filho, Renoir Bittencou·r t. ville d' Almeida, Erico de Freitas, Sérgio Bandeira.
"Angélica" - dir./rot.: Antonio Lima; assist. dir.: Otoniel
Santos Pereira; montagem: Sílvio Renoldi; assist. mont.: Jovita A Margem, São Paulo, 1967, 96 min.
Pereira Dias. dir. / rot. : 01.ualdo Candeias; foto: Belarmindo Manccini; mú-
elenco: Neusa Rocha, Alberto Aguas, lracema Neves, Dirceu sica: Luiz Chaves, Zimbo Trio; montagem: Ozualdo Candeias;
Soares, Mara Lisa, Benedito Lara, Dirceu Soares. som: Júlio Caballas, Estélio Carlini; produtor: Oi.ualdo Can-
"Ana" - dir./rot.: João Callegaro; assist. dir.: Mário Mei- deias; eia. produtora: Ozualdo R. Candeias Prod. Cinem.
reles; montagem : Glauco Mirko Laurelli. elenco: Mário Benvenutti, Valeria Vidal, Bentinho, Lucy Ran-
elenco: Carmen Monteiro, Milton Lopes, Sabrina, José Rama- gel, Telé, Karé, Paula Ramos, Brigitte, Ana F. Mendonça,
lho, Sônia Helena. Paulo Gaeta, Nelson Gasparini.
(nos três episódios) - foto: Waldemar Lima; assist. de foto:
José Alexandre, Sílvio Bastos; dir. prod.: Wilson Monteiro Fi- Matou a Familia e Foi ao Cinema, Rio de Janeiro, 1969, 80
lho; eia. produtora: Xanadu Prod. Cinem./Cia. Cinematográ- min.
fica Franco-Brasileira. dir./roc.: Júlio Bressane; assist. dir.: Guará Rodrigues; foto:
Thiago Veloso; montagem: Geraldo Veloso; som: Walter Gou-
O Lobisomem, o Terror da Meia -Noite, Rio de Janeiro, 1971, lart; produtor: Júlio Bressane; produt. execut.: Mair Tavares;
eia produtora: Júlio Bressane Prod. Cinem.
lOOmin. elenco: Márcia Rodrigues, Renata Sorrah, Antero de Oliveira,
dir./rot./fot / mús.: Elyseu Visconti; montagem: Mair Tava-
V anda Lacerda, Paulo Padilha, Rodolfo Arena, Carlos Eduardo
res; cenografia: Elyseu Visconti; figurino: Hélio Eichbauer;
Dolabella e Maria Rodrigues.
dir. prod.: Neville d' Almeida; eia. produtora: Elyseu Visconti
Prod. Cinem.
A Meia-Noite Levarei sua Alma, São Paulo, 1963-1964, longa-
r
1
elenco: Wilson Grey, Suzana de Moraes, Paulo Villaça, Jack de
metragem .
Castro, Jacira Silva, André Valli, Marth, Marize, Daniela.
dir./ rot.: José Mojica Marins; assist. dir.: Ozualdo Candeias;
r O Longo Caminho da Morte, São Paulo , 1971, 85 min.
foto: Giorgio Attili; montagem: Luís Elias ; cenografia: José
Vedovato ; música: Hermínio Gimenez; som: Antonio S. Go-
dir.: Júlio Calasso; assist. dir.: Tânia Savietto, Cláudio Mam- mes; produtores: Geraldo Martins, Ilídio Martins, Arildo lr-
berti; rot : Júlio Calasso e Cláudio Polopoli; foto : Peter Over- vam; ,dir. de prod.: Nélson Gasparini; eia. produtora: Cinema-
beck; montagem: Jovita Pereira Dias e Júlio Calasso; dir. mus.: tográfica Apolo.
Júlio Calasso e Marjorie Baum; som: Orlando Macedo; prod. elenco: José Mojíca Marins, Magda Mei, Nivaldo de Lima, Va-
execut.: Renê Martins Costa Filho; dir. prod.: Vito Facciola léria Vasquez, Ilídio Martins, Arildo Irvan, Genê Carvalho,
Jr. ; eia. produtora: Teatro Sociedade Civil. Vânia Rangel, Graveto, Robinson Aielo, Avelino Marins.
elenco: Othon Bastos, Assunta Perez, Rosãngela Pinheiro, Ce-
cília Thumin, Dionísio Azevedo, Ana Mauri, Benê Silva, Gé· Memórias de um Estrangulador de Loiras, Londres, 1971, 71
sio Amadeu , Viven Mahr, Ary Moreira, Vicente Pellegrino. min.
dir. / rot.: Júlio Bressane; foto: Laurie Gaine; montagem: Júlio
Mangue Bangue , Rio de Janeiro, 1970, 80 min . Bressane e Gilberto Macedo; produção: Júlio Bressane.
dir./rot.: Neville d'Almeida ; foto : Pedrinho de Moraes; mon- elenco: Guará Rodrigues, Emile Bronte, Jane Austin.
152 FERNÃO RAMOS CINEMA MARGINAL (1968-1973) 153
Meteo-rango Kid, o Herói lntergaldtico, Bahia, 1969, 85 min. muner; montagem: Luís Elias; produção: Emilio Fontana;
dir. / rot.: André Luiz Oliveira; assist. dir.: José Walter; foto: prod. execut.: Douglas Marques de Sá; eia. produtora: EF
Vito Diniz; cenografia: José Wagner, Édson Grande; monta- Prods. Artísticas & Prod. Cinem. DMS.
gem: Márcio Cury; música: Moraes & Galvão; som: Celso Mu- elenco: Rodrigo Santiago, Leda Vilela, Maria do Carmo Bauer,
niz; dir. prod.: Mário Cury; eia. produtora: ALO Prod. Cinem. Jô Soares, Sandro Polônio, Nagib Eichmar, Jonas Melo, Telcy
elenco: Antonio Luís Martins, Carlos Bastos, Milton Gaúcho, Peres, Fernando Benincase, Alessandra Memmo, Oswaldo
Manoel Costa Júnior, Antonio Vianna, Nilda Spencer, Ana Barreto, Carlos Costa, Inácio de Souza, Jairo Salvini, Emilio
Lúcia Oliveira, João Di Sorde, Caveirinha, Sônia Dias, José Fontana Filho.
Wagner, João Dsordi, Nilda Spencer.
Night Cats, Rio de Janeiro, Londres, 1971, 75 mio.
Os Monstros de Babaioo, Rio de }!'fleiro, 1970, 120 min. dir./rot.: Neville d'Almeida; assist. dir.: Guará Rodrigues;
dir./rot.: Elyseu Visconti; foto: Renato Laclette; montagem: foto: Laurie Gaines; montagem/cenografia: Neville d' Almeida·
Geraldo Veloso; música: Édson Machado, Elyseu Visconti; ce- co-prod.: Júlio Bressane; produção: Neville d' Almeida. '
nografia: Elyseu Visconti; figurino: Hélio Eichbauer; produtor: elenco: Guará Rodrigues, Liange Monteiro, Jorge Mourão,
João Batista Ferreira; eia. produtora: Elyseu Visconti Prod. Suely, Gilberto Macedo, Pelé (Dom Pepe), Creuza Carvalho.
Cinem.
elenco: Wilza Carla, Zezé Macedo, Helena Ignez, Betty Faria, Nos/étato no Brasil, Rio de Janeiro, 197i, 45 mio. (super 8).
Tânia Scher, Jack de Castro, Badu, Kleber Santos. dir./rot./foto/produção: Ivan Cardoso.
elenco: Torquato Neto, Scarlet Moon, Daniel Más, Helena
A Múmia Volta a Atacar, Rio de Janeiro, 1972, 25 min. (su- Lustosa, Cristiny Nazareth, Zé Português, Ciça Afonso Pena,
per 8). Ricardo Horta, Marcelino Ana Araújo, Martha Flaksman.
dir./rot./foto/produção: Ivan Cardoso.
elenco: Zé Português, Wilma Dias, Helena Lustosa, Torquato Orgia ou o Homem que Deu Cria, São Paulo, 1970, longa-me-
Neto, Neville d' Almeida, Ciça Afonso Pena, Jorge Salomão, tragem.
Óscar Ramos, Clarice Pelegrino, Lon Choney Jr. dir./rot.: João Silvério Trevisan; assist. dir.: Tânia Geni Sa-
f vietto, Jairo Ferreira; argumento: João Silvério Trevisan, Se-
A Mulher de Todos, São Paulo, 1969, 93 min. l bastião Millaré e os atores; foto: Carlos Reichenbach; som:
dir./rot.: Rogério Sganzerla; argumento: Egydio Eccio; assist. Jairo Ferreira; montagem: João Batista de Andrade; cenografia:
dir.: Helena Solberg; foto: Peter Overbeck; cenografia: Rogério Walcir Carrasco; música: Ibanez de Carvalho; produção: João
Sganzerla; mont11gem: Franklin Pereira; seleção musical: Ana Silvério Trevisan; àir. prod.: Percival Gomes; eia. produtora:.
Carolina Soares; som: Júlio Perez Caballar; produtores: Rogé- INF (Indústria Nacional de Filmes).
rio Sganzerla, Alfredo Palácios e Antonio Galante; produtor -elenco: Pedro Paulo Rangel, Ozualdo Candeias, Janira San-
executivo: Wilson Monteiro; eia. produtora: Rogério Sganzerla tiago, Fernando Benini, Jean-Claude Bemardet, Sérgio Couto,
Prod. Cinem./Servicine. Marcelino Buru, José Fernandez, l'.'leusa Mollon, Jairo Ferrei-
elenco: Helena lgnez, Jô Soares, Stênio Garcia, Paulo Villaça, ra, Cláudio Mamberti, Sebastião Millaré, Antonio Vasconce-
Antonio Pitanga, Renato Corrêa de Castro, Teima Reston, los, Zenaider Rios, Mário Alves, José Caspar e Marisa Leone.
Abraão Farc, Sílvio de Campos Filho, J. C. Cardoso, Antonio
Moreira e José Agripino. Perdidos e Malditos, Rio de Janeiro, 1970, 75 min.
dir./rot./mont.: Geraldo Veloso; foto: João Carlos Horta; som:
Nenê Bandalho, São Paulo, 1970, 82 min. Carlos de la Riva; prod. execut.: Geraldo Veloso e Maria Eli-
dir.: Emílio Fontana; assist. dir.: Douglas Zanei; roteiro: Emí- zabeth Pereira; eia. produtora: G. Veloso Prod. ·cinem.
lio Fontana, baseado em conto de Plínio Marcos; foto: Pio Za- elenco: Paulo Villaça, Maria Esmeralda, Carlos Figueiredo da

t
'( '

154 FERNÃO RAfy10S


CINEMA MARGINAL (1968-1973) 155
Silva, Billy Davis, Marcelo França, Dina Sfat, Célia Messias,
Selma Caronezzi, Geraldo Veloso. elenco: Grande Otelo , Marta Andersen , Wilson Grey, Fini-
nho, Cavê Filho, Elisa.
Piranhas do Asfalto, Rio de Janeiro, 1970, 80 min. República da Traiçào, São Paulo, 1970, longa-metragem.
dir.: Neville d' Almeida; assist. dir./rot.: Guará Rodrigues;
dir./foto: Carlos Alberto Ebert; roteiro: Carlos A. Ebert e
foto: Édson Santos; montagem: Geraldo Veloso; eia. produtora:
Cláudio Polopoli; montagem: Jovita Pe.reira Dias e Carlos A.
Stella Dalas Corporação de Filmes.
Ebert; som: Júlio Perez Calabar; eia. produtora: Ebert Poló·
elenco: Maria do Rosário, Betty Faria, Guará Rodrigues, Maria pole Prod. Cinem.
Gladys, Lelé, Carlos Figueiredo, Billy Davis.
elenco: Vera Barreira Leite, Zózimo Bulbul, Antonio Pedro,
Antonio Pitanga, Selma Caronezi, Benê Silva, Cláudio Mam·
O Pornógrafo, São Paulo, 1970, 88 min. be.rti.
dir. / arg.: João Callegaro; assist. dir.: Enzo Barone; roteiro:
João Callegaro, Jairo Ferreira; foto: Osvaldo de Oliveira; ceno· Sagrada Familia , Rio de Janeiro, 1970, 85 min.
grafia: Enzo Barooe; montagem: Sílvio Renoldi; som: Júlio Pe- dir./rot.: Sylvio Lanna; foto: Thiago Veloso; montagem: Ge-
rez Caballar, Orlando Macedo; produtores: Antonio Polo Ga- raldo Veloso; mont. sonora: Geraldo Veloso, Sylvio Lanna,
lante, Alfredo Palácios, João Callegaro, Sílvio Renoldi; dir. José de Barros; eia . produtora: Tão Filmes; prod. execut.: AI·
prod. : Sérgio Ricci; eia. produtora: Servicine/ Itú Prod. C~- berto Graça.
nem. /João Callegaro Prod. Cinem ./Silvio Renoldi Prod. C1· elenco: Paulo César Pereio , Nélson Vaz, Walda Maria Fran-
nem. queira, Teresinha Soa.res~ Milton Gontijo, Maria Olívia e José.
elenco: Stênio Garcia , Edgard Gurgel Aranha, Liana Duval,
Sérgio Hingst, Júlia Miranda, Betinbo, Francisco Di Franco, Sem Essa Aranha, Rio de Janeiro, 1970, 102 min.
Sabrina, Ednardo Pinheiro , Vera Sampaio, Clarisse Piovesan , dir./rot.: Rogério Sganzerla; assistência: Ivan Cardoso; foto:
Pedrão, Antonio Moreiras, Antonio Lima, Carlos Reichen· Édson Santos; câmera: José Antônia Ventura; montagem : Ro-
bach, Oswaldo Sampaio , Jairo Ferreira, Sérgio Ricci, Sílvio Re- gério Sganzerla e Júlio Bressane; som direto: Guará Rodrigues ;
noldi. · eia. produtora: Belair Filmes.
elenco: Jorge Loredo, Helena lgnez, Maria Gladys, Luiz Gon-
A Possuída dos Mil Demônios, Rio de Janeiro, 1970, 71 min. zaga, Aparecida, Morengueira (Moreira da Silva).
dir. / rot. : Carlos Frederico; assist. dir.: João Daniel Tikhomi-
roff; foto: Edison Baptista; montagem: Amauri Alves; música: Sentença de Deus , Rio de Janeiro, 1972, 50 min. (super 8).
Danilo Caymmi; som: Celso Muniz; vest. / maq.: Isabella; pro- dir./rot./foto/ produção: Ivan Cardoso.
dutor: Carlos Frederico; prod. execut.: Adir Ben Kaus; eia. elenco: Ricardo Horta, Zé Português, Helena Lustosa, Cristiny
produtora: Agedor. Nazareth, Ciça Afonso Pena, Paulo Suply.
elenco : Isabella, Antero de Oliveira, Dita Corte Real, Arthur ·
Maia, Ecchio Reis, Poti , Alberto Salvá, Paulo Bastos Martins, Trilogia de Terror, São Paulo, 1968, 92 min. (filme em episó-
Amauri Alves, Armênia Nercessian, Xavier de Oliveira. dios)
" Pesadelo Macabro" - dir. / rot.: JoséMojica Marins; assist.
O Rei do Baralho, Rio de Janeiro, 1974, 81 min . dir.: Roberto Leme; foto: Giorgio Attili; música: Damiano
dir. / rot. : Júlio Bressane; foto: Renato Laclette; cenografia: Jú- Cozzela; assist. prod.: Mario Lima.
lio Bressane, Nezinho e Guto; montagem: Amauri Alves ; som: elenco: Vani Myller, Mário Lima, lngrid Wolt, Nélson Gaspa-
José Tavares e Walter Goulart; dir. prod.: Ivan Cardoso; Pro· rini, Walter Portela, Paula Ramos , Sebastião Grandim.
dut. execut.: L. C. Assumpç~o; eia. produtora: Júlio Bres5'ane
Prod. Cinem .
" O Acordo" - dir./rot.: Ozualdo Candeias; assist. dir .:
Eduardo Lunardelli; foto: Peter Overbeck; música: Damiano
1
Cozzela; assist. prod.: Oarcy Pinto, Rubens de Souza.

J
(. SHOAH - Vozes e faces do Holoéausto
Claude Lanzmann - 272 pp. - 14 x 21 cm
Nove horas e meia de testemunhos e depoi-
mentos pessoais de sobreviventes dos cam-
pos de concentração de Auschwitz, Sobibor,
Treblinka, e do Gueto de Varsóvia. Foi com
eles que Claude Lanzmnnn filmou Shoah,
um documentário impressionante e aplaudi-
do pela crítica internacional por narrar o
Holocausto judeu segundo a memória das
vítimas. Neste livro, o seu texto integral, com
apresentação de Simone de Beauvoir.
HITCHCOCKITRUFFAUT · Entrevistas

H~ UM PAÍS NO AR - A história da TV
T RUFfAUT
_.,_, brasileira em três canais
,'
Alcir Henrique da Costallnimá
Simões/Maria Rita Kehl -14 x 21 cm -
Uma revisão crítica dos 37 anos da televisão
brasileira, desde a inauguração da TV Tupi·
Difusora, em setembro de 1950, passando
pelo amadorismo da TV Rio e os interesses
monopolistas da TV Excelsior, até a Rede
Globo de Televisão,o mais elic;iente veículo
de integração nacional.
Tradução de Maria Lucia Machado -
21 x28 cm -224 pp.
SIGNAGEM DA TELEVISÃO
Publicadas originalmente no Cahiers du Ci-
néma, a principal publicação francesa de Décio Pignatarz - 14 x 21 cm - 192 pp.
cinema, esta é a reunião das 16 antológicas Muito mais do que a simples linguagem tele-
entrevistas com o gênio do suspense, o ci- visiva, o que Décio Pignatari analisa neste li-
neasta inglês AHred Hitchcock com nin- vro é a sua signagem: aquilo que está por
guém menos que outro gênio, François Trul- trás das novelas da Globo, dos programas de
laut, seu colega da Nouvelle Vague france- auditório do Sílvio Santos e Chacrinha, e
sa. Em um livro ricamente ilustrado, a histó- dos gols da rodada. Todo um sistema de sig-
ria e a técnica cinematográficas pelas pala- nificação que, aparentemente oculto, traba-
vras de dois mestres, além de um mapea- lha o inconsciente do espectador. Basta gi-
mento completo de toda a obra de Hitch - rar o seletor.
cock. 1
Impresso na t:;;J,,ol_._. .,...,._
j

Você também pode gostar