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Resumo: O presente trabalho tem como objetivo expor uma possível interpretação do
problema levantado nos diálogos da maturidade de Platão, em especial o Parmênides,
sobre a natureza da Forma inteligível e dos modos possíveis de participação, nesta, dos
entes sensíveis. A partir das dificuldades levantadas pelo próprio Platão no referido
diálogo, por meio da fala da personagem que dá nome à obra, busca-se verificar de que
modo o problema encaixa-se no itinerário do pensamento platônico e como o filósofo
pode ter solucionado esta aporia.
Dos quase trinta diálogos que compõem a obra filosófica de Platão, a sua teoria
das Formas ideais inteligíveis aparece, de maneira mais clara e sistemática, naqueles
considerados pela crítica especializada como os da maturidade do autor1. Em grande
parte dessas obras, onde Platão necessita, por meio da personagem Sócrates, responder à
dificuldade de conciliação entre o devir e a multiplicidade dos entes físicos e a unidade
e imutabilidade do conhecimento e da linguagem, ele lança mão da teoria das Formas.
Nas demonstrações socráticas, um conjunto de seres ou de ações diversas é explicado
pela unidade de uma Forma puramente inteligível, representada mais das vezes por uma
qualidade que une em um conceito a pluralidade daquilo que a sensibilidade nos
apresenta. Em linhas gerais, concebe-se a Forma ideal descrita por Platão como a
unidade inteligível de uma diversidade de coisas sensíveis, a qual chamamos pelo
mesmo nome. Assim, por exemplo, podemos ler no Fédon que a beleza de um objeto,
1 Há grande controvérsia, desde a Antiguidade, quanto à cronologia exata das obras de Platão. A
mais antiga classificação que se conhece dos diálogos foi estabelecida por Trasilo no primeiro século de
nossa era, na qual esse autor dividiu a obra de Platão em nove tetralogias; o Parmênides figura na
terceira, seguido do Filebo, do Banquete e do Fedro (cf.: TANNERY, s/d, p.18). O presente trabalho, no
entanto, pauta-se sobre a visão do comentador Auguste Diès, que em sua análise da ordem cronológica
dos diálogos classifica o Parmênides entre aqueles da maturidade de Platão, sendo imediatamente anterior
ao Teeteto, ao Sofista e ao Político, e posterior à República e ao Fédon (cf.: DIÈS, 1950, pp. V-XIII).
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bem como a sua grandeza ou pequenez, não se encontra em seus atributos físicos, mas
sim no fato de este objeto participar do “Belo em si”, da “Grandeza em si” e da
“Pequenez em si” (PLATÃO, 1972, 100b – 101a). Desse modo, os objetos da percepção
apenas podem ser conhecidos na medida em que participam da Forma em si, como uma
cópia imperfeita dessa que está impressa na matéria. As Formas são, portanto, entes
inteligíveis, distintos dos entes sensíveis. No grego ático, no qual Platão se expressava,
Forma se diz pela palavra eîdos (aspecto); o aspecto é aquilo que se conserva, aquilo
que se mantém em meio à mudança e multiplicidade inerentes ao mundo das sensações.
As Formas se apresentam como aspectos imóveis do mundo sensível e dos entes
sensíveis, por isso, Platão sustenta sua epistemologia na apreensão dessas Formas.
Essa concepção das coisas sensíveis como participantes das Formas puras é
utilizada por Platão na primeira argumentação do Parmênides, onde o jovem Sócrates
não vê dificuldades em refutar a aporia levantada por Zenão de Eleia. A fim de defender
a tese de seu mestre Parmênides sobre a unidade do ser, Zenão cria uma controvérsia
acerca da aceitação da existência do múltiplo, que implicaria em aceitar que as coisas
são, ao mesmo tempo, semelhantes – em relação às coisas que são semelhantes – e
dessemelhantes – em relação às coisas que são dessemelhantes – o que seria uma
contradição absurda (idem, 2001, 127b – e). Sócrates objeta que, havendo as Formas em
si da Semelhança e da Dessemelhança – pois são elas as causas da semelhança e da
dessemelhança dos objetos sensíveis – é perfeitamente compreensível e não implica
contradição que as coisas sejam semelhantes e dessemelhantes ao mesmo tempo, uma
vez que podem participar concomitantemente de ambas as Formas. O que seria
assombroso, diz o jovem ateniense, seria que a Semelhança mesma – i.e., a Forma da
semelhança – fosse, de algum modo, dessemelhante, e que a Dessemelhança mesma – a
Forma da dessemelhança – fosse, de algum modo, semelhante (ibidem, 129a – e). Pode-
se considerar essa exposição inicial de Sócrates contra Zenão um esboço necessário que
o próprio Platão traça no momento inicial do diálogo, como forma de apresentar sua
teoria aos problemas que ela mesma implica.
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de Zenão:
– Sócrates, és muito digno de louvor pelo ardor de teus argumentos. Mas diz-me, és tu próprio
quem assim distingue, separando para um lado as formas, e para outro as coisas que nelas
participam? E parece-te que há uma semelhança em si, separada da semelhança que temos em
nós, e também o uno e o múltiplo e todas as coisas de que ouviste Zenão falar agora mesmo? –
Parece-me – disse Sócrates. [...] – E que tal uma forma de homem separada de nós, e de todos
quantos são como nós, uma forma em si de homem e de fogo e de água? – Muitas vezes me
tenho encontrado em dificuldades a esse respeito, Parmênides – disse ele – sem saber se devo
dizer o mesmo sobre elas ou não (ibidem, 130b – c).
De fato, imaginar que tudo aquilo que nossa vista alcança seja a reprodução de uma
Forma ideal implica pensar que há Formas para tudo aquilo do qual possa haver
conhecimento, mesmo das coisas mais estapafúrdias – lama, cabelo ou lixo (ibidem,
130d). A essa dificuldade, Sócrates silencia.
Pode-se notar, inclusive com certa curiosidade, como o protagonista dos grandes
diálogos platônicos, dessa vez, encontra-se de tal modo enredado por uma dificuldade
imposta contra sua teoria, que este prefere manter-se em silêncio. Tal não significa, de
maneira alguma, que a teoria das Formas tenha alcançado seu limite, o ponto de onde
ela não pode ir além, a objeção irrefutável. Filiamo-nos, aqui, à posição de Auguste
Diès, que escreve em seu comentário ao Parmênides: “As declarações de Parmênides
são uma resposta de uma clareza incontestável: quaisquer contradições que elas
pudessem envolver, a aceitação da realidade das Formas é condição absoluta do
pensamento” (1950, p.42, tradução nossa).
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em parte – tal como Sócrates optou por asseverar – ocorreria, por exemplo, o absurdo de
um objeto grande ser grande devido a uma parte da “Grandeza em si” que é menor que
o todo, i.e., ser-se-ia grande por uma pequenez (!). Sócrates, então, procura representar
as Formas como pensamentos ou como paradigmas; novamente é refutado pelo eleata,
pois se são as Formas pensamentos, são de algo que pensa; logo, ou tudo seria
pensamento e tudo que existe pensa, ou tudo é pensamento que não pensa. Se ainda elas
fossem paradigmas, a Forma mesma deve ser semelhante a alguma outra Forma, tal qual
um objeto sensível que dela participa é semelhante a ela, e assim regrediríamos ao
infinito; dá-se aí o contra-argumento do “terceiro homem”2. Continuando a refutação,
Parmênides afirma que se as Formas fossem por si e em si, não poderíamos conhecê-las,
uma vez que elas não se encontrariam nas coisas sensíveis, mas só em relação a elas
mesmas; desse modo, os deuses, que possuem conhecimento das Formas, não poderiam
comunicar-se com os homens nem gerir os assuntos terrenos. O ápice do absurdo era,
assim, atingido.
2 Aludido por Aristóteles na Metafísica A9, 990b 17. Para uma explicação sucinta do argumento,
citamos, na íntegra, a nota de rodapé de Edson Bini ao texto da sua tradução da Metafísica (Bauru:
Edipro, 2006, p. 68, n.74): “... hoi de ton triton anthropon: não é possível saber precisamente a que
argumento alude Aristóteles, pois mais de um recebe esse nome. Provavelmente o autor refere-se ao
seguinte: se x, no mundo sensível, é um ser humano porque ele é uma cópia (e, portanto, um segundo ser
humano) da Ideia de ser humano no mundo inteligível, deve haver um terceiro ser humano no qual está
fundida a humanidade desses dois”.
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impossível, sem ela, fazer filosofia. Para isso, ele conduz o jovem Sócrates a um novo
modo de argumentação. O método empregado pelo eleata e sua relação com a primeira
parte do diálogo constituem a espinha dorsal do texto e é muito provável que todo o seu
sentido esteja a jazer ali.
Admitindo-se ambas as hipóteses – tanto que o uno é como que o uno não é – as
conclusões a que chegam Parmênides e Sócrates são contraditórias – ao mesmo tempo
ele é e não é, está e não está no tempo, é uno e múltiplo, inteiro e em partes, e pode-se e
não se pode conhecê-lo. Depois que todas as conclusões são extraídas das duas
premissas, chega-se à declaração de aporia, pois não se pôde decidir nem pela existência
nem pela inexistência do uno; assim, Platão conclui a narrativa sem responder ao
principal problema do diálogo: a questão da natureza por si e em si da Forma e dos
modos como ela se comunica com as coisas apresentadas na sensibilidade. A conclusão
aporética a que chega a narrativa pode levar-nos a considerar o Parmênides um puro
exercício dialético preparatório para as questões a serem tratadas em diálogos
posteriores, tais como o Teeteto, o Sofista e o Político. No entanto, tal resolução não
responderia ao nosso objetivo; faz-se necessário buscar um ponto desde o qual se possa
compreender a argumentação das hipóteses como um importante passo na dissolução do
problema referente à compreensão da Forma e de seu modo de comunicação com o
sensível. Pode-se perceber que a argumentação de Parmênides, incapaz extrair qualquer
3 Dada a amplitude de nosso tema e das análises já realizadas sobre ele, optamos por não
considerar aqui uma imensa parte da literatura filosófica já existente sobre o Parmênides. Aludimos,
contudo, àqueles trabalhos que nortearam nossa investigação: o estudo realizado sobre Parmênides por
Auguste Diès, que introduz a edição de Paris: Les Belles-Lettres, 1950, e, em nosso idioma, as
introduções escritas por José Trindade dos Santos à edição portuguesa (cf. Referências) e por Maura
Iglésias e Fernando Rodrigues à edição brasileira (São Paulo: Loyola, 2005).
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predicado.
Referências bibliográficas
TANNERY, Paul. Platão: Vida, obra, doutrina. In: PLATÃO. Diálogos (contém Mênon,
Banquete e Fedro). Traduções de Jorge Peleikat e notas de João Cruz Costa. Rio de
Janeiro: Ediouro, s/d, pp.13-54.
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