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Cabe informar que o termo ‘imigrante’ foi redefinido pelo Decreto nº 24.215, de 9 de maio de 1934.
Desse modo, imigrante passou a ser aquele que vinha ao Brasil para exercer um ofício ou profissão por
mais de 30 dias; o não imigrante, por sua vez, era quem permanecia no país por até 30 dias. Essa
definição foi considerada insatisfatória, e por conta disso, quatro anos depois a legislação foi novamente
alterada, pelos decretos nº 406, de 4 de maio de 1938, e nº 2.010, de 20 de agosto de 1938, incluindo
agora as categorias ‘permanente’ e ‘temporário’. Os classificados como temporários eram os turistas,
viajantes em trânsito; os permanentes os que constituíam lar definitivo no país (KNOWLTON, 1961, p.
35, apud SIQUEIRA, 2000, p. 26-27).
Paraná 1.625 1.576
Pará 1460 848
Mato Grosso 1232 1.066
Bahia 1206 947
Quadro 1 – quadro montado pelo autor. Fonte: Recenseamento do Brasil
1920, 1947, p. 123, apud PIMENTEL, 1986, p. 56.
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Muhamad Baccar foi um pioneiro da Petrobrás. Faleceu aos 79 anos em 06/09/2011 no Rio de Janeiro.
Para maiores informações consultar http://memoria.petrobras.com.br (procurar depoimento pelo nome)
Meu pai veio do Líbano, acho que com uns 18 anos...
Meu pai veio do Líbano, acho que com uns 18 anos. Ele é de uma cidade chamada
Joadet Marjayoûn. Minha mãe já é filha de libaneses, nascida no Brasil. A minha
mãe nasceu em Rio Pardo, no Rio Grande do Sul. A família dela é Bugazel, em
árabe eu não sei, talvez seja Burdzem ou coisa que o valha. Minha mãe falava
português, ela não falava árabe. Aprendeu a falar árabe com meu pai, ou seja, o
que ele tinha que falar com ela em árabe ela entendia... Tenho duas irmãs vivas,
são Bader e Fátima.
Somos quatro filhos, meu pai se estabeleceu depois que casou. Creio que deve ter
casado com uns vinte e quatro anos. Acho que ele mascateou durante muito tempo
antes de casar, então, depois que ele casou, se estabeleceu numa vila com uma
sorveteria e um bar. Na época, chamava-se Vila Teresa, hoje é Vera Cruz, é um
município. Era um distrito de Santa Cruz do Sul e hoje é município de Vera Cruz.
Tanto é que eu disse assim Santa Cruz, mas de fato eu nasci em Vera Cruz. Era um
povoado. Quando ele se mudou para Santa Cruz, foi logo depois que eu nasci, acho
que eu tinha um ano. Ele chegou e já botou uma faixa, de sorveteria e bar.
Lá não havia nenhum outro árabe. Teve apenas um outro patrício que era um
solteirão, ele era muito amigo do meu pai e de mais ninguém. Esse solteirão
chamava-se Hassib Zorbi. Era conhecido por seu Filipe. É interessante essa coisa,
porque ele bebia e meu pai evidentemente não bebia. O Hassib bebia qualquer
coisa. Mas ele bebia, não é que ele vivesse bêbado, nunca viveu, eu nunca vi ele
bêbado, mas ele bebia. Gostava de um traguinho, Dom Bosco. Uma garapa. E vivia
do jogo. Jogo carteado. Mas ele jogava. Jogava com os alemães, toda vida que eu
conheci ele assim. Ganhava dinheiro. Vivia com aquilo. Ele gostava muito de mim,
eu era pequeno. Ele gostava de fazer um churrasquinho e tal. Ele era cristão. Só sei
que ele era assim. O Hassib não ia lá em casa porque ele vivia lá no bar, sempre as
nove horas ele chegava e sentava lá numa mesa. Falava árabe com meu pai, era
muito amigo dele, e aí saía de lá e ia jogar a noite, ganhava o dinheirinho dele,
vivia numa pensão, tomava chimarrão.
Meu pai ele era contra o sionismo. Ele começou a ser contra o sionismo quando
eles tomaram a Palestina e fizeram a Palestina. Mais ou menos em 1948. Até então
ele se dava bem com os judeus. Como eles conviveram bem durante quatro mil
anos ali. Esse problema é dos últimos cinquenta anos. É que a gente tende a
aumentar os cinquenta anos e esquecer a história que tem quatro mil anos.
Tenho cara de brasileiro, não é?
Meu pai era muito bem aceito também. Falava um pouquinho de alemão. Ele era
igual a um brasileiro. Parecia assim comigo. Eu tenho cara de brasileiro, não é?
Moreno. Mas meu pai, quando ele falava o “P” denunciava. O alemão falava pior
ainda.
Ah, interessante isso, quando meu pai casou com a minha mãe, ela era cristã e ele
muçulmano. Eles concordaram que os filhos homens seriam batizados católicos e
as filhas mulheres, não. Então eu sou batizado católico e as minhas irmãs não eram
batizadas. Hoje elas são católicas, as minhas irmãs e eu não, nunca frequentei
igreja. Do lado, cinquenta metros de casa, na rua principal, ficava o Colégio
Marista, então meu pai, que se dava com os padres, também acordou com eles que
eu ia estudar no Colégio Marista, desde que não precisasse fazer o curso de
religião. Os padres concordaram, chegou-se a um acordo. Então eu não estudava
catecismo, não estudava e nem prestava exame.
A comida lá de casa era comida árabe. Duas ou três vezes por semana. Os vizinhos
não vinham na nossa casa não. Os alemães não têm essa sociabilidade é cada um
por si. O alemão é muito fechado, cada família para si. Não é como o árabe que
gosta de juntar a parentada, juntar os amigos. Na cidade não havia chegada
constante de outros imigrantes árabes. Isso era muito raro. Só depois de 1948, com
a criação de Israel é que chegaram novos imigrantes Palestinos ao Sul.
Conclusão
ALMEIDA, Ludmila Savri. “Sírios e libaneses: redes familiares e negócios”. In: Célia
Maria Borges (org.). Solidariedades e conflitos. Histórias de vida e trajetórias de
grupos em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2000.
LESSER, Jeffrey Negociating the national identity. Immigrations, minorities and the
struggle for ethnicity in Brazil. Durham, Duke Uni. Press, 1999.
KEMEL, Cecília L.A. No resgate das raízes. In: Rio Grande do Sul: continente múltiplo
Porto Alegre: Riocell, 1993. p. 126-137.
_______, Cecília L.A. Sírios e libaneses: aspectos da identidade árabe no sul do Brasil
Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
KNOWLTON, Clark Sírios e libaneses em São Paulo: ascensão social e mobilidade
espacial. São Paulo: Anhembi, 1961.
TRUZZI, O. Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1992.