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BE_310 CIÊNCIAS DO AMBIENTE – UNICAMP

ESTUDOS
Turma 2014. Disponível em: http://www.ib.unicamp.br/dep_biologia_animal/BE310

TORNANDO A CANNABIS MAIS VERDE: IMPACTO AMBIENTAL DO


CULTIVO INDOORS DE MACONHA E ALTERNATIVAS

DOUGLAS AFONSO DE SOUSA COSTA*; MATHEUS FERREIRA


TAVARES BOY & THIAGO ROSARIO CAETANO

Curso de graduação - Engenharia de Computação / IC - Unicamp


*E-mail do autor correspondente: douglasascosta@gmail.com

A Cannabis está presente na cultura humana desde os primórdios da civilização e durante a maior
parte da sua história com a humanidade, seu uso não foi proibido. Apenas desde 1961, pela Convenção
Internacional de Narcóticos da ONU, é que o uso da maconha foi internacionalmente banido
(VERSIGNASSI, 2014).
2014 é um ano de mudança para o cenário mundial de maconha. Até o fim do ano, o Uruguai e
dois Estados norte-americanos serão as primeiras jurisdições do mundo a ter o comércio de maconha
recreativa legalizado (VERSIGNASSI, 2014).
No Brasil, uma proposta de legalização criada por iniciativa popular que reuniu mais de 20 mil
assinaturas na internet foi entregue ao Congresso (SENADO FEDERAL, 2014). Está nas mãos do
senador Cristovam Buarque transformar a proposta em um projeto de lei (BLOG DA MARCHA DA
MACONHA, 2014).
Além dessas propostas para a legalização da maconha recreativa, já existem estados dos Estados
Unidos onde a maconha já é legalizada para uso medicinal (WIKIPEDIA_1, 2014) e essa tendência tem
se espalhado pelo mundo, com alguns países como Israel e Canadá já legalizando a maconha para uso
medicinal (WIKIPEDIA_2, 2014). No Brasil, grupos de usuários de maconha medicinal lutam pela
legalização para fins medicinais (FOLHA DE SÃO PAULO, 2014), indo ao encontro da tendência
mundial.Mesmo em países onde a maconha é de certa forma legalizada, como nos Estados Unidos ou na
Holanda, a produção da erva tem algum grau de ilegalidade. Nos Estados Unidos, a produção é banida
por lei federal, mas permitida por leis estaduais para uso medicinal em 23 estados e para uso recreativo
em dois estados (WIKIPEDIA_5, 2014), enquanto na Holanda a produção é proibida, mas a venda é
permitida tanto para fins medicinais quanto recreativos (WIKIPEDIA_3, 2014).
Muitos produtores de maconha em países onde a legalização não é absoluta optam pelo cultivo
indoors de Cannabis, empregando estufas para crescer as plantas dentro de imóveis e não serem
detectados pelos órgãos de combate ao tráfico de drogas. Contudo, o cultivo indoors de maconha gera
impactos ambientais significativos, chegando a ser responsável por 1% do consumo energético dos EUA
(MILLS, 2012).
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Figura 1. Cultivo in doors de


Canabis (Disponível em:
Cultivating Cannabis; Indoor
Growing Tips For Marijuana-
http://marijuananewsnetwork.co
m/cultivating-cannabis/indoor-
growing-tips-for-
marijuana/#sthash.ANnp5fLA.dp
uf )

O objetivo deste ensaio é


fazer uma análise dos impactos
ambientais do cultivo indoors de
maconha, e discutir como
potencialmente reduzir esses
impactos e propor soluções para tornar o cultivo de Cannabis mais sustentável. Realizou-se uma pesquisa
de referências na literatura de intersecção dos temas cultivo de maconha e meio-ambiente, usando-se
ferramentas de busca acadêmica (i.e. Google Scholar), além de pesquisa em literatura impressa e busca na
Web, verificando as referências citadas.
Num primeiro momento, foi realizada pesquisa sobre a produção de maconha em países em que
ela foi legalizada, porque era esperado que mais dados estivessem disponíveis para esses países. O foco
foi encontrar relações entre produção de maconha e impacto ambiental. Em seguida, o foco de pesquisa
foi na produção indoors, porque existem evidências de que essa é a forma de produção que tem maior
impacto ambiental.
Estabeleceu-se que um estudo da situação dos Estados Unidos seria interessante devido às
peculiaridades apresentadas por este país na sua relação com a maconha. Além disso, apresenta diversas
similaridades com o caso da Holanda, principalmente no que se trata do cultivo indoors de maconha,
visto que este é o principal método de produção de Cannabis dos Países Baixos.
Devido ao sistema legislativo e político norte-americano, os governos estaduais possuem grande
autonomia em relação às leis federais, e podem passar leis estaduais que eventualmente entrem em
conflito com alguma lei federal em vigor (WIKIPEDIA_4, 2014). Existe uma lei federal norte-americana
que torna a maconha ilegal em todo o território do país, mas em 23 estados dos Estados Unidos a
maconha é legalizada para uso medicinal, e no estado do Colorado e no estado de Washington a maconha
é legalizada para uso recreativo (WIKIPEDIA_5, 2014). Desse modo, a produção de maconha continua
sendo ilegal - do ponto de vista federal - mesmo nos estados onde é legalizada, e os produtores podem ter
sua safra apreendida pelo DEA, órgão norte-america de combate ao tráfico de drogas.
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Sendo essa a situação da produção de Cannabis nos Estados Unidos, a solução encontrada pelos
produtores foi cultivar a maconha não em espaço aberto, onde poderia ser facilmente detectada pelas
agências federais de combate ao tráfico de drogas, mas sim em ambiente fechado, dentro de imóveis.
Assim, surge o cultivo indoors em larga escala de Cannabis.
O cultivo indoors de maconha exige um consumo muito elevado de energia, principalmente por
dois fatores: o nível da luz, que é comparável ao utilizado em salas de operação de hospitais (500 vezes
maior que o recomendado para leitura); e a troca do ar, da ordem de 30 vezes por hora (6 veze maior que
em laboratórios de alta tecnologia) (MILLS, 2012). A densidade de potência resultante é da ordem de
2000 W/m², que é comparável à de data centers modernos (MILLS, 2012).
Outros usos de energia incluem desumidificação para remover vapor de água e evitar a formação
de bolor, controle de temperatura durante períodos não-iluminados, pré-aquecimento de água para
irrigação e geração de dióxido de carbono pela queima de combustíveis fósseis (MILLS, 2012).
Aproximadamente 13.000 kWh/ano são necessários para sustentar um módulo de produção de maconha
de 1,2 m x 1,2 m x 2,4 m, capaz de produzir cerca de 0,5 kg de produto final por ciclo, com 4 a 5 ciclos
por ano. O resultado acumulado para os EUA é estimado 20 TWh/ano, que corresponde a
aproximadamente 1% da energia consumida nos EUA (MILLS, 2012) e é comparável à energia
consumida na Irlanda (26,1 TWh/ano em 2011) (WIKIPEDIA_6, 2014).
Além do consumo de energia, a produção indoors de maconha também é responsável pela emissão
de quantidade significativa de dióxido de carbono. Considerando condições médias dos EUA, 1 kg de
maconha produzido resulta em uma pegada 4.600 kg de dióxido de carbono. Um único cigarro de
maconha resulta na pegada de 1,5 kg de dióxido de carbono, o equivalente ao produzido por um carro que
faz 18 km/litro numa corrida de 35 km (MILLS, 2012).
Um fato interessante do cultivo de Cannabis é que o vegetal ajuda a fixar dióxido de carbono na
sua produção caso haja o aproveitamento e subsequente produção da fibra de cânhamo (fibra da planta de
Cannabis) juntamente com a produção de maconha medicinal ou recreativa no seu cultivo.
A fibra de cânhamo tem diversos usos industriais, e pode ser usada como matéria-prima para
produção de cordas, tecidos, papel (PERVAIZ & SAIN, 2003), plásticos e até mesmo em construção civil
como hempcrete (WIKIPEDIA_7, 2014).
Se a fibra de cânhamo for aproveitada na produção de maconha medicinal ou recreativa, pode
gerar um sequestro de carbono de 325 kg por tonelada de composite plástico contendo 65% de fibra de
cânhamo (PERVAIZ & SAIN, 2003). Em alguns casos, o sequestro de carbono por plantas de maconha é
mais eficiente do que o realizado por florestas (PERVAIZ & SAIN, 2003). Desse modo, o
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aproveitamento da fibra de cânhamo pode ajudar a aliviar o impacto ambiental da produção indoors de
Cannabis pelo menos no aspecto das emissões de carbono.
Outras medidas podem ser tomadas para diminuir ainda mais o impacto ambiental da produção
indoors de maconha. Se possível, a produção de maconha em ambientes abertos praticamente elimina o
consumo de energia para o cultivo (MILLS, 2012). A principal causa para essa alternativa não ser usada
sempre é, naturalmente, o status ilegal do cultivo da planta.
Considerando o cenário hipotético em que a maconha é produzida legalmente em ambientes
abertos, a redução do custo de produção tornaria a venda de maconha produzida indoors rapidamente
inviável. Cuidado deve ser tomado, entretanto, porque o cultivo em ambientes abertos também tem riscos
ambientais intrínsecos, como, por exemplo o desmatamento, uso de pesticidas e consumo de água para
irrigação intensiva (MILLS 2012).
Um cenário de pior caso para o problema do desmatamento seria a derrubada de uma floresta para
o plantio de maconha. Neste caso, cada hectare de floresta tem de 125 a 1.500 ton de dióxido de carbono,
dependendo das espécies de árvores, idade e localização. Para um caso médio de 750 ton/ha,
considerando uma produção típica de 5.000 kg/ha, as emissões de dióxido de carbono, considerando uma
safra, seriam de 150 kg/kg de Cannabis, ou 3% do valor para emissões com cultivo indoors (MILLS,
2012).
O estudo apresentado mostra que o cultivo de maconha, especialmente o cultivo indoors, tem um
impacto ambiental muito significativo, tanto em termos de energia quanto em termos de pegada de
carbono. Paralelamente, estudos sobre outros usos da maconha além do psicoativo podem ajudar a
minimizar o impacto ambiental do cultivo da erva. E por essa razão, é indispensável que a discussão sobre
a legalização da maconha no Brasil leve em consideração a dimensão energética e não somente as
dimensões sociais e de saúde, sobre as quais a discussão geralmente é pautada.
O exemplo dos Estados Unidos mostra que a decisão sobre a legalização pode estar fortemente
ligada ao impacto ambiental do cultivo e, por isso, essa dimensão do problema não pode ser ignorada.
Não foram encontradas referências na literatura que sugiram que o caso dos EUA possa ser extrapolado
para o caso brasileiro, o que aponta para a necessidade de se pesquisar o impacto ambiental da maconha
produzida no Brasil. Essa necessidade de pesquisa é urgente, porque a discussão sobre a legalização da
maconha no Brasil segue adiante, aumentando o risco de que ocorra um processo de legalização com
pouca ou nenhuma preocupação ambiental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ESTUDOS
Turma 2014. Disponível em: http://www.ib.unicamp.br/dep_biologia_animal/BE310

BLOG DA MARCHA DA MACONHA, 2014. Cristovam pede estudo de viabilidade sobre proposta de
legalização da maconha. Disponível em http://blog.marchadamaconha.org/cristovam-pede-estudo-
de-viabilidade-sobre-proposta-de-legalizacao-da-maconha_4042 . Acessado em 18/05/2014.
FOLHA DE SÃO PAULO, 2014. Usuários de maconha medicinal lutam pela legalização no Brasil; veja.
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/videocasts/2014/04/1447409-usuarios-de-
maconha-medicinal-lutam-pela-legalizacao-no-brasil-veja.shtml . Acessado em 29/06/2014.
MILLS, E, 2012. The carbon footprint of indoor Cannabis production. Energy Policy v. 46 p. 58-67.
PERVAIZ, M.& SAIN, M. M., 2003. Carbon storage potential in natural fiber composites. Resources
Conservation & Recycling v. 39 p. 325-340.
SENADO FEDERAL, 2014. Sugestão n. 8, de 2014. Disponível em
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116101 . Acessado em
18/05/2014.
VERSIGNASSI, A. et al. A Revolução da Maconha. São Paulo, Abril, 2014. 96p.
WIKIPEDIA_1, 2014. Medical cannabis in the United States. Disponível em
http://en.wikipedia.org/wiki/Medical_cannabis_in_the_United_States . Acessado em 29/06/2014.
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