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Rodrigo Murtinho
ABSTRACT
The purpose of this work is of presenting the preliminary results of the research on
“Politics and communication practices in the SUS: mapping, diagnosis and evaluation
methodology”. After a contextual introduction concerning the field of health, it describes
the institutional and territorial universe of the research, the methodological procedures of
the first year of activities and the numeric data. Next, it analyzes two plotted scenarios: the
first confirms and consolidates the traditional concepts and dominant practices within the
scope of the Brazilian Unified Health System (SUS); the second points out other means of
conducting communication and health and identifies the trends.
105
Keywords: communication and health; communication evaluation; communication
RESUMEN
Este trabajo tiene como objetivo presentar resultados preliminares de la investigación
“Políticas y practicas de comunicación en el SUS: mapeamiento, diagnostico y metodología
de evaluación”. Después de una introducción contextual relativa al campo de salud, se
describe el universo institucional y territorial de la investigación, los procedimientos
metodológicos del primero año de actividad y datos numéricos. En seguida, analiza
dos escenarios mapeados: el primero confirma y consolida las concepciones y practicas
tradicionales y dominantes en el ámbito del Sistema Único de Salud (SUS); el segundo
apunta otras modalidades de hacer comunicación y salud e identifica tendencias.
Palabras clave: comunicación y salud; evaluación de la comunicación; prácticas de
ocupar um lugar mais institucionalizado, de dois anos de duração. Coordenada pelo LACES,
modificando ainda que timidamente as tem a participação de outros pesquisadores e
relações de poder até então vigentes; instituições de ensino e saúde7. Tem como objetivo
• Novas abordagens produzidas por alguns geral “contribuir para o fortalecimento do SUS,
setores, especialmente os vinculados à prevenção através de conhecimento analítico e crítico
do HIV/Aids, incorporando nas instituições que possibilite o aprimoramento das práticas e
públicas práticas típicas do terceiro setor; reflexões que aproximam e articulam os campos
• A crescente profissionalização e crescimento da saúde e da comunicação”. Os específicos:
das equipes profissionais de comunicação, que
trazem novas abordagens do campo; • Mapear políticas e práticas de comunicação
• A intensificação da discussão sobre o papel no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS);
dos mídias na produção dos sentidos da saúde • Desenvolver processos, instrumentos e
e o crescimento da demanda por maiores indicadores qualitativos para identificação e
espaços de fala; avaliação de políticas e práticas de comunicação
• O aumento das evidências de que a população no SUS;
conhece bem as medidas epidemiológicas • Sistematizar e analisar as principais ca
preventivas, mas que isto não garante sua adoção; racterísticas dos processos comunicacionais
• As conferências e conselhos de saúde vêm em curso no SUS, seus limites e potencialidades
progressivamente incorporando a comunicação para a melhoria da oferta dos serviços, redução
110 como um tema relevante; das distorções e iniqüidades, ampliação do
• O campo científico e tecnológico da saúde acesso e favorecimento da participação cidadã
começa a perceber a existência e importância da na formulação, implementação e avaliação das
comunicação como instância constitutiva das políticas públicas de saúde;
práticas institucionais, inclusive contemplando
o tema nas suas agendas de pesquisa. • Oferecer aos planejadores e gestores da saúde
coletiva subsídios para aprimoramento das
Este cenário, que visivelmente mantém seus estratégias de comunicação para a promoção
velhos pilares, mas que inequivocamente apresenta da saúde e prevenção dos agravos.
sinais de movimento, demanda hoje por uma
atualização do diagnóstico e por uma avaliação Em outros termos, queremos descobrir quem
que abranja as novas tendências, sem abrir mão está fazendo e falando o quê sobre comunicação,
da compreensão histórica da formação do campo, para quem, por que meios, de que modos, quando
que deixa suas marcas duradouras. e onde; quais as principais matrizes e concepções
Com apoio do CNPq6 e do ICICT/Fiocruz, a teóricas que informam essa prática; quem está
pesquisa teve início em abril de 2007 e previsão
7 Unisinos, UFRJ, Ministério da Saúde, CPqAM, SES-PA, ESP-
6 Edital MCT- CNPq/ MS-SCTIE- DECIT – Nº 23/2006. MT, GHC (RS), SMIC-RS.
ensinando o quê sobre comunicação e saúde; o que e o trabalho sobre os materiais coletados. Estão
pensam e fazem os gestores e comunicadores das previstos seminários regionais de apresentação e
instituições de saúde; como as novas tecnologias debate dos resultados com as instituições visitadas.
estão impactando a prática comunicativa na saúde.
Na impossibilidade de um levantamento 4. Cenários e tendências
censitário, privilegiamos Brasília, por sua O mapeamento descrito nos permite, ainda
centralidade nas decisões políticas que afetam que de maneira provisória, delinear dois cenários
o país e uma capital por região: Porto Alegre, referentes à comunicação no SUS. Podemos
Cuiabá, Belém, Recife e Rio de Janeiro, esta que, afirmar que não são cenários mutuamente
pela magnitude da rede e dos problemas de saúde excludentes: convivem no âmbito do SUS,
que enfrenta, pode ser considerada síntese dos podendo ser encontrados até numa mesma
desafios colocados ao SUS. instituição. Acreditamos que este fenômeno é
Em cada local foi formada uma equipe de
pesquisa (coordenador e dois pesquisadores). No Em outros termos, queremos descobrir
seu conjunto, visitaram 117 instituições, fóruns,
quem está fazendo e falando o quê sobre
redes, conselhos e movimentos e obtiveram 150
entrevistas, com 140 horas de gravação. Além de comunicação, para quem, por que meios, de
concepções e percepções, documentos (estatutos,
que modos, quando e onde (...)
planos e relatórios de comunicação, manuais
de procedimentos, planos de marketing etc.),
perfil de equipes, estratégias e práticas, foram próprio de momentos de transição, traduzindo o
coletados centenas de instrumentos e materiais embate entre forças centrífugas, que propugnam
de comunicação nos mais diferentes gêneros e pela renovação e pela ampliação do direito à
formatos: impressos (cartazes, revistas, folders, comunicação e as forças centrípetas que agem
livretos, postais, jornais, agendas, calendários, no sentido da manutenção do que já está 111
ventarolas etc.), audiovisuais, radiofônicos e cristalizado. No entanto, nossa experiência de
televisivos, páginas de internet e outros como muitos anos de ensino pós-graduado na saúde,
bonés, camisetas, bottons, móbiles, bolsas, que possibilita contato com um grande número
adesivos, squeezes etc. de profissionais da saúde (e da comunicação e
As entrevistas foram gravadas e os pesquisadores saúde) nos faz acreditar que grande parte do
locais preencheram sumários de visita, com a movimento centrípeto se dá muito mais pela força
síntese de suas observações. Um banco de dados do mecanismo da naturalização dos modelos do
acolheu as informações desse material. Após uma que propriamente por uma convicção de que
análise preliminar da coordenação, realizamos assim deve ser.
um seminário com todos os pesquisadores, para Por outro lado, os dois cenários não cor
coletivizar as percepções e definir os movimentos respondem necessariamente a paradigmas ou
seguintes. No momento em que este texto é modelos distintos. Ainda é cedo para afirmar isto,
escrito, a pesquisa divide-se entre a finalização somente ao final da pesquisa poderemos ter uma
do trabalho de sistematização, mapeamento e conclusão sobre que matrizes do pensamento
análise da situação de ensino da comunicação e estão orientando as práticas no âmbito do SUS,
saúde, estabelecimento das correlações por região, mas já é possível perceber evidências de que
por natureza institucional e por tipo de prática, algumas das práticas novas são registros distintos
No momento em que este texto é escrito, a pesquisa
divide-se entre a finalização do trabalho de sistematização,
mapeamento e análise da situação de ensino
da comunicação e saúde (...)
de um mesmo e renitente modo de pensar e fazer o predomínio das concepções e práticas trans
comunicação e saúde. Mas, vamos a elas. ferenciais, ocupadas em disseminar informações
Podemos caracterizar o primeiro cenário à população sobre os procedimentos a serem
como o marcado pelas práticas tradicionais. As adotados. A principal estratégia, sem dúvida, é a
estruturas de comunicação são frágeis, não existem comunicação sazonal, seguindo o princípio das
políticas ou mesmo planejamento: os setores de épocas mais favoráveis a determinada doença
comunicação operam como um “balcão”, com (p.ex, carnaval para a Aids), ou adotando a
atendimento de demandas pontuais. As demandas modalidade do Dia D, que caracteriza um in
emanam geralmente dos gestores, em alguns casos vestimento concentrado em ações informativas,
das equipes técnicas, sendo raras as equipes de ou atendendo a urgências epidemiológicas.
comunicação que afirmaram poder, em alguns Como meios preferenciais estão os impressos
momentos, propor estratégias a partir de análise (os chamados “materiais de comunicação” ou
situacional própria. “materiais educativos”).
Este dado é importante para nosso diagnóstico, Mantendo as características dessa matriz tra
caracterizando a pouca autonomia da comu dicional, a produção dos materiais constitui a
nicação frente às determinações político- ação prioritária, com pouca atenção às esferas
administrativas. Observa-se aqui a marca da da circulação e apropriação pelos destinatários.
112 centralização das decisões, que nos remete para Também não se identificou iniciativas no sentido
o que falamos sobre a prática da comunicação de conhecer melhor esse sintomaticamente
dissociada dos princípios do SUS, neste caso o chamado “público-alvo” e seus contextos de
da descentralização, que afeta sobremaneira os vida, prevalecendo as abordagens padronizadas,
demais. Encontramos centralização também que operam com uma concepção idealizada e
nos processos de produção e circulação dos frequentemente estereotipadas do receptor.
produtos comunicacionais, em grande medida Por fim, encontramos quase nenhum in
monopolizados pelo governo federal e, nos vestimento na formação e atualização das equipes
estados e municípios, pelas Secretarias de Saúde, de comunicação: os profissionais chegam sem
em detrimento de outros atores sociais e políticos. conhecer nada sobre o campo da saúde pública
Outro traço marcante é a forte presença da e não são oferecidas oportunidades de aprender
modalidade “assessoria de comunicação” (ou sobre suas temáticas e questões. No âmbito da
imprensa) como lócus das estratégias e ações, comunicação, propriamente, não há atualização.
que são, assim, quase exclusivamente focadas em Isto pode ser compreendido principalmente se
processos de “comunicação com a mídia” e com pensarmos na predominância da modalidade
objetivo principal de visibilização de uma gestão assessorias de comunicação ou imprensa, que
(ou de um gestor). não podem dispensar seus profissionais para
Nas ações dirigidas à população, encontramos aperfeiçoamento profissional.
O segundo cenário se apresenta caracterizado não de modo homogêneo, pois lida, revela e se
por outras tendências, que podem ser percebidas molda na tensão entre muitos outros processos,
tanto no âmbito dos órgãos públicos, quanto nos campos e relações sociais.
movimentos sociais e no âmbito privado. Um Foram também observados no mapeamento a
primeiro aspecto a ressaltar é a crescente diversidade expansão do uso de tecnologias de informação e
de perfis nas equipes de comunicação, que se comunicação, sobretudo associadas ao trabalho
constituem de forma multiprofissional. Podemos em rede, destacando-se o uso da Internet e
encontrar numa mesma equipe especialistas em do rádio. Em relação à Internet, boa parte das
webdesign, publicidade, jornalismo, relações públicas. experiências tem se limitado à manutenção de
Parte desses profissionais chega na área da saúde
com estudos pós-graduados, em geral especialização. Encontramos quase nenhum investimento
Outro ponto a acentuar, associado ao anterior, é
na formação e atualização das equipes de
a forte presença das noções e valores do “mercado”
em diversas instâncias: no discurso de dirigentes comunicação: os profssionais chegam sem
e comunicadores, nos critérios para a seleção conhecer nada sobre o campo da saúde pública.
dos membros da equipe (“não interessa que
saibam de saúde, mas de mercado”), nas formas
de planejar (planejamento mercadológico) e nos páginas e uso do correio eletrônico, revelando
objetivos a serem alcançados. Este ponto deverá dificuldades de apropriação das características
ser aprofundado na segunda etapa da pesquisa, de flexibilidade e ágil dinâmica de conexões que
entre outros, buscando-se associar às matrizes de possibilitam modalidades mais interativas, como
formação dos cursos de comunicação, que são os listas de discussão, blogs, fóruns e wikis. A internet
grandes “celeiros” dos profissionais da comunicação tem sido usada freqüentemente como um “mural
e saúde. Provavelmente suas determinações vão eletrônico”. Outro aspecto a observar é que ela vem
além destas, estando também associadas a um substituindo outras modalidades comunicativas, 113
processo mais amplo de midiatização da sociedade pois parece resolver, na percepção dos gestores e
e de concorrência discursiva. equipe, os problemas de uma dupla demanda de
Estes sinais são evidentes na intensa relação comunicação, a interna e a externa.
entre as organizações de saúde e a mídia, que nelas Em relação ao rádio é preciso levar em conta
desponta como principal estratégia de comunicação e aprofundar as análises sobre o fenômeno de
e como uma das principais aspirações, parâmetro e seu retorno, verificado em diferentes contextos
lógica das iniciativas para aumentar a visibilidade e e marcadamente em modelagens associadas à
melhorar as condições de concorrência discursiva, internet e a outras formas de trabalho em rede.
de forma articulada com a visão de mercado. Emanando de organizações do SUS (de gran
Este não é um fenômeno exclusivo da saúde, que des centros hospitalares, como INCA, ou de
como campo social, se integra ao que vem sendo programas específicos, como o PN-Aids) ou de
apontado por alguns autores (Fausto Neto, 2007; organizações do terceiro setor, o uso do rádio
Sodré, 2002) como a midiatização da sociedade, tende a adotar a modalidade de uma produção
com as múltiplas dimensões e abrangência desse centralizada, com espaços de inclusão de uma
processo. Seus estudos nos ajudam a perceber fala local. A modalidade rádio comunitária não
como a midiatização atravessa e constitui surgiu no mapeamento como estratégia das
sociedades e influencia suas práticas sociais, mas organizações visitadas, não sendo objeto de
Mesmo considerando as experiências inovadoras de
comunicação que estão em curso no SUS,
esta segue sendo vista fundamentalmente como
transmissão de informações.
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