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COEFICIENTE ELEITORAL: COMO SÃO ELEITOS OS DEPUTADOS

E VEREADORES NO BRASIL

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Jaime Barreiros Neto

Mais uma eleição se aproxima! A partir das próximas semanas, os


municípios de todo o Brasil serão invadidos por propagandas de milhares de
candidatos a vereador e prefeito, fomentando a incessante luta pelo voto de
mais de cento e vinte milhões de brasileiros, em mais um capítulo da
chamada “festa da democracia”. Ante a proximidade de mais um processo
eleitoral, alguns esclarecimentos acerca dos sistemas eleitorais adotados no
Brasil, em especial no que se refere ao sistema proporcional, utilizado nas
eleições para deputados e vereadores, fazem-se necessários, de forma a
melhor instruir o eleitor sobre a função e a importância do seu voto.
Por sistema eleitoral, podemos compreender as técnicas que
determinam a forma de escolha dos representantes do povo nas eleições.
Dois são os sistemas eleitorais verificados no Brasil: o sistema majoritário,
aplicado às eleições para os cargos de presidente da república, governador
de estado ou do Distrito Federal, prefeitos e senadores; e o sistema
proporcional, utilizado nas eleições para os cargos de deputado federal,
deputado estadual, deputado distrital e vereador.
Em relação ao sistema majoritário, poucas dúvidas persistem na
mente dos eleitores: ganha a eleição o candidato mais votado, sendo que
nas eleições para presidente da república, governador e prefeito de
município com mais de duzentos mil eleitores é possível a ocorrência de
segundo turno, entre os dois candidatos mais votados, caso nenhum
candidato alcance, no primeiro turno, votação superior aos votos dados a
todos os seus adversários somados, excetuados aqueles brancos, nulos e as
abstenções. As maiores perplexidades, assim, ecoam das chamadas
“eleições proporcionais”, para os cargos de deputados e vereadores, onde
nem sempre o candidato mais votado é eleito e, em algumas ocasiões, um
candidato pouco votado conquista um assento em disputa na casa
parlamentar. Por que tal fato ocorre? Por que candidatos menos votados

*
Mestre em Direito Público / UFBA, professor da Universidade Católica do Salvador e da Faculdade
Baiana de Direito, Analista Judiciário do TRE-BA.
conseguem, em uma mesma eleição, conquistar uma vaga de deputado ou
vereador enquanto outros, com votações mais expressivas, não conseguem
se eleger?
Nas eleições para os cargos de vereador e deputado, em nosso país,
ao contrário das eleições para os cargos de presidente, governador, prefeito
e senador, adota-se o sistema eleitoral proporcional, que, em sua essência,
privilegia uma distribuição mais ampla das vagas em disputa, consagrando,
de forma mais eficiente, o princípio democrático, consistente não apenas no
respeito à vontade da maioria, mas também na consagração da
representação das minorias, fundamental à fomentação do salutar processo
dialético de construção da vontade geral. Assim, em linhas gerais, cada
partido ou coligação partidária conquistará, proporcionalmente à soma dos
votos obtidos pela legenda e por todos os seus candidatos somados, um
determinado número de cadeiras em disputa, privilegiando a ampliação da
representação das mais diversas correntes políticas e ideológicas existentes
na sociedade.
Para melhor compreendermos o funcionamento do sistema eleitoral
proporcional, imaginemos que em um determinado município existam
1.200.000 eleitores. No dia da eleição, do total de eleitores comparecem às
urnas 1.000.000 de pessoas, sendo que destas duzentas mil votam branco
ou anulam o voto, totalizando-se, assim, 800.000 votos válidos (imputados a
algum candidato ou coligação). Imaginemos ainda que, neste município,
estejam em disputa 40 vagas para a câmara de vereadores, concorrendo
para as mesmas candidatos de vários partidos políticos. Qual será o
primeiro passo para determinar os eleitos? A resposta para este
questionamento é o cálculo do chamado “coeficiente eleitoral”, vislumbrado
a partir da divisão do número de votos válidos (800.000, no presente
exemplo) pelo número de vagas em disputa (40 vagas). Assim, o coeficiente
eleitoral será de 20.000 votos.
Calculado o coeficiente eleitoral, o segundo passo para a definição
dos eleitos é o cálculo do chamado quociente partidário. Para isso, é
necessário que o número de votos sufragados para cada partido ou
coligação (somados os votos de todos os seus candidatos e os votos de
legenda) sejam divididos pelo coeficiente eleitoral, estabelecendo o número
de vagas em disputa a que cada partido fará jus. No exemplo citado, um
partido ou coligação que obtivesse a soma de 100.000 votos teria garantido
o direito a cinco das vagas em disputa (quociente partidário igual a cinco).
Como quase nunca a divisão do número de votos válidos sufragados a
um determinado partido ou coligação pelo coeficiente eleitoral resulta em
um número inteiro, é natural que nem todas as vagas em disputa sejam
preenchidas a partir do simples cálculo dos quocientes partidários,
resultando sobras de vagas. Como tais sobras não podem existir, devendo
todas as vagas serem preenchidas, um terceiro passo é procedido, a partir
da divisão do coeficiente eleitoral pelo quociente partidário obtido por cada
partido ou coligação mais um, concedendo-se a vaga remanescente ao
partido ou coligação que obtiver a maior média. O mesmo procedimento se
repete, tantas vezes forem necessárias, até que todas as vagas
remanescentes sejam preenchidas, devendo-se observar, evidentemente,
que, a cada nova vaga conquistada, ao quociente partidário de cada partido
será somado um.
Ao longo da história brasileira, algumas distorções já ocorreram em
virtude do desconhecimento popular acerca do sistema eleitoral
proporcional e da tradição fomentada nos eleitores de votar em pessoas, e
não em partidos. Assim, por exemplo, famoso se tornou o episódio Enéas,
ocorrido em São Paulo em 2002, quando o falecido deputado, a partir da
sua estupenda votação, elegeu mais cinco correligionários, todos
inexpressivos. Da mesma forma, notável foi a grande votação obtida em
1998 pelo ex-líder estudantil Lindberg Farias, candidato a deputado federal,
no estado de São Paulo, pelo PSTU, que, no entanto, não conseguiu se
eleger, em virtude do não alcance, por seu partido, do quociente partidário
mínimo de um.
Mesmo diante de tantas críticas, produto muito mais da falta de
conhecimento do eleitorado do que de falhas intrínsecas, o sistema eleitoral
proporcional pode ser considerado um instrumento de grande relevância
para a consagração do regime político da democracia, devendo, no entanto,
ser mais divulgado e explicitado ao nosso povo. Afinal, a essência da
democracia reside na dialética e na existência de oposições, e não na
imposição cega da vontade da maioria.

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