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10 Estivemos considerando aquilo que pode ser chamado o aspecto intelectual da mente — as experiéncias que a pessoa tem do mundo em que vive, suas inferéncias acerca da estrutura desse mundo, seus planos para lidar com ele, suas intengdes, propésitos, idéias, e assim por diante, Interpretci os fatos a que tais termos parccem referir-s¢ como aspectos do comportamento humano atribuiveis a contingéncias de reforco — ou, se 0 posso repetir, as complexas € sutis relagdes entre trés coisas: a situagdo em que ocorre 0 comportamento, 0 pré- prio comportamento e suas conseqiiéncias. Outro aspecto da vida mental, segundo se diz, relaciona-se com 08 instintos, pulsdes, necessidades, emogdes atividades impulsivas ou defensivas, tem atrafdo a atengdo principalmente por razoes terapéuticas. Para marcar essa distingdo, a palavra “psique”, ou- trora aplicada ao intelecto, tende hoje a ser reservada para de- signar a vida emotiva e motivacional. Os dois aspectos nao esto in- teiramente desligados. Tomando um exemplo muito simples, 0 reforco operante torna 0 comportamento controlivel por tipos. particulares de privagio e de estimulagao adversativa; em termos tradicionais, ne- cessidades ou sentimentos so satisfeitos ou expressos através de agio sobre o ambiente externo. Diz-se, por vezes, que 0 intelecto controla necessidades € emogées, embora malogre em fazé-lo de quando em quando. Personalidade Vimos que a vida intelectual da mente foi erigida segundo o mo- delo de vida no mundo exterior. Trazido para dentro, 0 meio am- biente se converte em experiéncia ¢ a aco, em idéias, propésitos € vontade. A feitura, armazenamento ¢ consulta de memorandos esta: beleceram 0 padrao para o processamento das recordagoes. As técni 129 de problemas tornaram-se estratégias cognitivas. O ser pensante € assim transformado numa mente pensante. Algo seme- Ihante ocorreu na invengéo de um mundo interior de motivagao emogao. A pessoa & substituida por um eu ou personalidade e, pos- sivelmente, por mais de uma. Um artigo sobre a juventude ativista da década de 60, por exemplo, chama a atengao para a “personalidade modal” dos ativistas. Descreve 0 que dizem e fazem os jovens quan- do esto com suas familias, seus companheiros © seus professores, bem como quando estéo sendo “ativos”. Trata-se de uma andlise do ativista modal, no da personalidade modal. Um eu ou uma personalidade é, na melhor das hipéteses, um re- pertério de comportamento partilhado por um conjunto organizado de contingéncias. O comportamento que um jovem adquire no seio de sua familia compde um eu; 0 comportamento que adquire, diga- mos, no servigo militar compde outro. Os dois eus podem coexistit na mesma pele sem conflito até as contingéncias conflitarem — © que pode ocorrer, por exemplo, quando amigos da vida militar o visitam em sua casa, Como Marx e muitos outros assinalaram, 0 individuo nasce na sociedade € sua indivisib'lidade depende da coe- réncia da scciedade que o deu A luz. Diz-se que “a fragmentagdo de uma vida” segue-se 3 “desorganizagdo social em que uma pessoa se desmantela”, sendo a fragmentacdo definida como uma “arrumacio feita pela consciéncia em resposta a um ambiente no qual 0 respeito nao & algo logicamente esperdvel”. Mas € 0 comportamento, nao a consciéncia, que se fragmenta e se desmantela, e o respeito € apenas um dos reforgadores desorganizados. Contingéncias conflitivas levam a repertérios de comportamento conflitivos, mas todos séo apresentados por um s6 corpo, por um membro da espécie humana. O corpo que se comporta de forma ponderada a maior parte do tempo é 0 mesmo corpo que, ocasional- mente, se mostra insensivel ou cruel; 0 corpo que se comporta como heterossexual a maior parte do tempo € 0 mesmo corpo que € ocasio- nalmente homossexual. O que uma pessoa é, de fato, pode significar © que seria se pudéssemos té-la visto antes de seu comportamento ter sido submetido & ago de um ambiente. Teriamos entéo conhecido sua “natureza humana”. Mas a dotacdo genética nada € até ter sido exposta ao meio ambiente, e a exposicéo a modifica imediatamente. Dentro de certos limites, podemos distinguir entre contribuigdes da sobrevivéncia e de reforco. Quando Pascal disse ser a natureza ape- znas um primeiro habito e 0 habito uma segunda natureza, poder- dizer que ele antecipou o atual reconhecimento de que as espécies adquirem comportamento (instintos) em contingéncias de sobrevi véncia, a0 passo que 0 individuo adquire comportamento (hébitos) em contingéncias de reforgo. 130 No grande triunvirato de Freud, 0 ego, 0 superego ¢ o id repre- sentam trés conjuntos de contingéncias que sio quase inevitdveis quando a pessoa vive em grupo. O id representa o “Velho Adio” da tradigao judaico-crista — a ““natureza pecaminosa” do homem deri- vada de suas suscetibilidades inatas para o reforgo, grande parte deles quase que inevitavelmente em conflito com os interesses de ou- trem. O superego — a consciéncia judaico-crista. — fala com a “voz ainda fraca” de um agente (usualmente) punitivo que repre- senta 05 interesses de outras pessoas. Ele € definido no Third Interna- tional Dictionary de Webster como tum dos setores principais da psique, na sua maior parte inconsciente mas em parte Consciente; que se desenvolve a partir do ego por interiorizagio ou introjegao em resposia a conselhos, amcagas, adver: téncias € punigoes, especialmente dos pais, mas também de professores € outros autoridades, as quais refletem a consciéncia paterna ¢ as regras da sociedade, € que servem como auxiliar na formtegéo do cardter © como protetor do ego contra impulses irresistiveis do id Mas cle € “um dos setores principais da psique” apenas no sentido de ser uma “parte principal do comportamento humano” e € em grande parte inconsciente somente porque a comunidade verbal néo ensina as pessoas observa-lo ou descrevé-lo, Ele € principalmente 0 produto das priticas punitivas de uma sociedade que tenta suprimir © comportamento egoista gerado por reforcadores bioldgicos, e pode assumir a forma de uma imitagdo da sociedade (“servir de vigario da sociedade”) na medida em que as injungdes de pais, professores & outros se tornem parte de seu repert6rio. O ego é 0 produto das con- tingéncias praticas da vida didria, envolvendo necessariamente susce- tibilidades a0 reforgo e as contingéncias punitivas organizadas por outras pessoas, mas exibindo um comportamento moldado e mantido por um ambiente atual. Diz-se que ele satisfaz 0 id quando aleanca certo nivel de reforco bioligico, ¢ o superego, quando o faz sem acar- retar dose excessiva de punigdo. Nao & preciso dizer que estas trés personalidades arquetipicas sio os atores de um drama interno, O ator. € 0 organismo, que se tornou uma pessoa com repert6rios dife- rentes e possivelmente conflitantes, em conseqiiéncia de contingéncias diversas e talvez. conflitivas. A anélise de Freud pareceu convincente por causa de sua uni- versalidade, mas so as contingéncias ambientais, mais do que a psique, que sdo invariantes. Os conflitos entre 0 superego e 0 id, que © ego raras vezes consegue resolver, exibem certos padres familia- res. Em algumas culturas, 0 fato de um filho amar a mae e encarar © pai como um rival € quase tao caracteristico do macho humano quan- to a anatomia que the define 0 sexo; contudo, uma universalidade wvel é encontrada entre as cont s sociais de reforgo 131

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