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Situações-problema como Estratégia Didática

para o Ensino dos Modelos Atômicos


Mauro de Souza Lima Prates Júnior

Jose Euzebio Simões Neto


Resumo
O presente trabalho teve como objetivo principal analisar como a
estratégia didática do uso das situações-problema pode auxiliar no processo de
ensino e aprendizagem do conteúdo de modelos atômicos no Ensino Médio, em
uma escola da rede estadual de Minas Gerais da região metropolitana de Belo
Horizonte. Elaboramos duas situações-problema, com contextos relacionados aos
modelos atômicos. Durante a intervenção didática, ministramos aulas sobre o
tema como Sistema de Recursos para a resolução das situações-problema. A
obtenção dos dados foi feita por observação durante as intervenções,
questionários a priori e a posteriori e as soluções apresentadas às situações-
problema pelos grupos de alunos. A resolução das situações-problema pelos
estudantes contribuiu de forma significativa para o entendimento do conceito de
modelos atômicos, pois 35% das respostas foram consideradas satisfatórias, um
bom índice para o contexto desta pesquisa.
Palavras-chave: situações-problema, modelos atômicos, ensino de
química.
Abstract
Problem-Situations as Didactic Strategy for the Teaching of the Atomic
Models
This study aimed to analyze how the teaching strategy of using problem-
situations can assist in the teaching and learning of the content of atomic models
in high school, in Minas Gerais, in metropolitan region of Belo Horizonte. We have
prepared two problem-situations, with contexts related to the atomic models.
During the didactic intervention, we gave classes about the subject as a way to
appeal to there solution of problem-situations. Data collection was done by
observation during the intervention, questionnaires were made before and after
classes and solutions to problem-situations presented by groups of students. The
resolution of problem-situations by students contributed significantly to the
understanding of the concept of atomic models, as 35% of the responses were
considered satisfactory, a good index for the context of this research.
Keywords: problem-situations, atomic models, chemistry teaching.

R. B. E. C. T., vol 8, núm. 2, mai-ago.2015 ISSN - 1982-873X 181


DOI: Em andamento.
Introdução
Um dos grandes problemas encontrados no ensino de ciências nas escolas do Brasil está
relacionado ao método de ensino escolhido pelo professor. Basicamente são observados os
métodos tradicionais, conhecidos por diversas alcunhas, tais como: modelo baldista (CÂMARA
DOS SANTOS, 2002) ou da educação bancária (FREIRE, 2005). Esses modelos se baseiam nas
máximas quase totalmente aceitas no senso comum de que “educador é o que sabe e educandos,
os que não sabem”; “educador é o que pensa e os educandos os que escutam e replicam” e “o
educador é o sujeito do processo de ensino e aprendizagem e os educandos meros objetos”.

No entanto, pensamos que as formas tradicionais de ensino que fazem com predominância
o uso de exercícios – mecanismos automatizados priorizando a memorização – não são capazes
de formar cidadãos críticos, pois não os fazem aprender ciências como uma realidade e sim como
uma entidade totalmente desligada dos fenômenos reais, requerendo um poder maior da
memória (para fatos, equações e definições) do que o estabelecimento de relações entre o que se
ensina e o que explica os fenômenos da natureza (MORTIMER, MACHADO, ROMANELLI, 2000).

A complexidade do mundo atual não mais permite que o Ensino Médio seja encarado
apenas como um preparatório para os exames de seleção para as universidades e faculdades, em
que o estudante é um perito, pois é treinado em resolver questões engessadas, que exigem
sempre uma mesma resposta padrão. A vida exige que cada indivíduo se posicione, julgue e seja
capaz de tomar decisões, arcando com as consequências da decisão tomada, sendo
responsabilizado pelas escolhas feitas. Essas são capacidades mentais construídas nas interações
sociais vivenciadas na escola, em situações complexas que exigem novas formas de participação.
Para isso, não servem componentes curriculares desenvolvidos com base em treinamento para
respostas padrão. Um projeto pedagógico escolar adequado não é avaliado pelo número de
exercícios propostos e resolvidos, mas pela qualidade das situações propostas, em que os
estudantes e os professores, em interação, terão de produzir conhecimentos contextualizados.
(BRASIL, 2006).

Para a química, é comum encontrarmos currículos deveras tradicionais, focados na


aprendizagem de conteúdos puramente conceituais. Porém, além dos conceitos, existem ainda
conteúdos ligados às atitudes (comportamentos, valores) e conteúdos ligados aos procedimentos,
estes integrados em atividades mais amplas que, de modo geral, envolvem a utilização de vários
processos de ação. Dentre essas atividades, podemos destacar a resolução de problemas. (POZO;
GOMEZ CRESPO, 2009)

Não é fácil pensar em um processo de ensino e aprendizagem baseado na resolução de


problemas, sem de fato entender o que é um problema. Sendo assim, é importante apresentar
distinções entre as definições e características de exercícios e problemas. De acordo com Batinga
e Teixeira (2009), podemos entender o exercício como:

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“Situação em que o aluno dispõe de respostas, utilizando de mecanismos
automatizados que levam a solução de forma imediata, priorizando a
memorização de regras, fórmulas, equação e algoritmos. O exercício é
normalmente utilizado para operacionalizar um conceito, treinar um algoritmo
e o uso de técnicas, regras, equações ou leis químicas, e para exemplificar.”
(p.04).

Para as mesmas autoras, problema é:

“Situação que um sujeito ou um grupo quer ou precisa resolver e para a qual


não dispõe de um caminho rápido e direto que leve à solução. Seguindo esse
conceito, uma situação somente pode ser concebida como um problema na
medida em que os sujeitos atribuam um reconhecimento dela como tal, e
quando requer dos que a tentam resolver um processo de reflexão ou uma
tomada de decisão sobre a estratégia a ser seguida no processo de resolução
de problemas. Um problema é uma situação nova ou diferente do que já foi
aprendido, que requer a busca de estratégias ou de conhecimentos, ou de
técnicas, ou ambos, para encontrar sua solução.” (BATINGA;
TEIXEIRA, 2014, p.25).

Pozo e Gómez Crespo (2009) classificam os problemas em três diferentes tipos, a saber:
problemas qualitativos, problemas quantitativos e pequenas pesquisas. Podemos entender um
problema qualitativo como problemas abertos, nos quais os estudantes devem analisar as
situações apresentadas em contextos científicos ou cotidianos, para interpretá-las a partir dos
seus conhecimentos prévios ou em vias de aprendizagem. Já um problema quantitativo envolve o
uso da linguagem matemática, exigindo a manipulação de números para obtenção de uma
solução. Por fim, as pequenas pesquisas são atividades que simulam o trabalho científico, a partir
de diversos procedimentos de trabalho em laboratório escolar, ou fora dele.

Podemos então dizer que exercícios e problemas são ferramentas bastante diferentes,
cabendo ao professor saber fazer o uso correto e adequado de cada, pois, o mesmo possui
flexibilidade para adaptar seu currículo de acordo com os objetivos que tem para usar exercícios
ou problemas, além das necessidades, realidades regionais e as características dos estudantes.
Ainda, é fundamental que o professor tome consciência que as atividades elaboradas a partir de
problemas exigem um compromisso maior dos estudantes para resultados significativos.

A partir das dificuldades apresentadas pelos docentes em distinguir exercício de problema,


além da necessidade de se usar problemas com contextos que sejam reconhecíveis e
interessantes para os estudantes, parece necessária uma melhor formação dos professores, ação
que, em conjunto com outras medidas políticas e econômicas, pode transformar o ensino de
química na direção de uma maior qualidade. Assim, como afirma Simões Neto (2009), os cursos

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superiores de licenciatura em química devem apresentar estratégias didáticas diferenciadas e
motivadoras, para que os licenciandos possam aplicar quando ingressarem nas escolas ou mesmo
nos estágios obrigatórios. Uma potente estratégia didática baseada na resolução de problemas é
o trabalho com situações-problema.

Adotamos para esta pesquisa a visão de Meirieu (1998) sobre situação-problema (SP), que
a define como:

“Uma situação-didática na qual se propõe ao sujeito uma tarefa que ele não
pode realizar sem efetuar uma aprendizagem precisa. E essa aprendizagem,
que constitui o verdadeiro objetivo da situação problema, se dá ao vencer
obstáculos na realização da tarefa.” (p.189)

Para fazer o uso desta estratégia é necessário criar condições para que o sujeito consiga
efetuar as solicitações operacionais mentais, dentro dos limites individuais, construindo o
conhecimento, sendo esta construção o verdadeiro objetivo da situação-problema. Na literatura
(AZEVEDO, 2004; POZO; GOMÉZ CRESPO, 2009), encontramos alguns direcionamentos sobre as
situações-problemas:

A) Devem ser interessantes para o aluno, de preferência evolvendo aspectos das relações CTS.

O contexto escolhido como situação é determinante para o sucesso da situação-problema.


Para cumprir o que Meirieu (1998) chama de função erótica, ou seja, despertar o interesse em
saber, aprender e crescer do ponto de vista cognitivo, os contextos escolhidos devem ser atuais,
de relevância local ou global e que façam parte, de alguma forma, do cotidiano dos estudantes
para os quais são dirigidos.

B) Devem ser problemas abertos que permitam resolução inicial qualitativa, baseada no
levantamento de hipóteses.

Uma situação-problema deve ser aberta, sem dirigir as possibilidades de resposta e deve
ser resolvida a partir do levantamento de hipóteses, para testes que as confirmem ou as refutem.

C) Devem ser reconhecidas pelos alunos como um desafio intelectual, porém, não deve ser tão
difícil para que esse aluno busque evitar a aprendizagem.

As situações-problema devem exigir, para sua solução, que um obstáculo seja transposto, e
é neste processo que está a aprendizagem. No entanto, se o obstáculo é muito distante dos
conhecimentos prévios que podemos mobilizar para sua superação, naturalmente buscamos
respostas que evitam a aprendizagem:

“Sempre inventamos para não termos que aprender. Fabricamos e trocamos


objetos manufaturados que podemos utilizar com economia, ignorando todas
as aprendizagens que tornaram possível sua elaboração. É por isso que não
devemos atribuir à má vontade do aluno o fato de tentarem sempre executar o

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projeto sem aprender. Não devemos estranhar o fato de procurarem
sistematicamente a facilidade, o amigo que já sabe fazer e o objeto já pronto”
(MEIRIEU, 1998, p. 172).

D) Ao professor é fundamental saber para quem a situação-problema deve ser proposta.

Tão importante como a definição do contexto e do obstáculo, é reconhecer o estudante,


para evitar que o contexto seja impróprio, o obstáculo intransponível ou ambas as situações.

Meirieu (1998) aponta as principais características que deve apresentar uma situação-
problema para que consista em importante dispositivo dentro de uma estratégia didática
inovadora:

“Propõe-se aos sujeitos a realização de uma tarefa. A tarefa só pode ser


executada se o obstáculo for transposto. A transposição do obstáculo deve
representar um patamar no desenvolvimento cognitivo do sujeito. O obstáculo
deve apresentar um sistema de restrições a fim de que os sujeitos não
executem o projeto sem enfrentar os obstáculos. Deve ser fornecido aos
sujeitos um sistema de recursos (materiais e instruções) para que eles possam
vencer o obstáculo.” (p.173).

Ou seja, toda situação-problema deve apresentar: um contexto (e este deve ser


interessante para o estudante); um obstáculo (que deve ser transposto, sendo este movimento de
superação o real objetivo da situação-problema); um sistema de restrição (instalado na própria
situação-problema, para evitar que respostas que não superem o obstáculo sejam fornecidas); e,
por fim, um sistema de recursos, que consiste em algum material físico ou digital, instruções-alvos
ou atividades dialógicas em sala de aula), que forneçam as condições para construção de
conhecimento e resolução da situação-problema.

Diante do exposto, o processo de construção de uma situação-problema não parece


simples. Por isso, o próprio Meirieu (1998) propõe um caminho para construção, baseado em
perguntas que devem ser respondidas previamente ao uso do dispositivo, com a finalidade de
garantir características que a validem dentro de uma estratégia didática:

“1. Qual o meu objetivo? O que quero fazer com que o aluno adquira e que
para ele representa um patamar de progresso importante?; 2. Que tarefa
posso propor que requeira, para ser realizada o acesso a este objetivo
(comunicação, reconstituição, enigma, ajuste, resolução, etc.)?; 3. Que
dispositivo devo instalar para que a atividade mental permita, na realização de
tarefa, o acesso ao objetivo? Que materiais, documentos, instrumentos devo
reunir? Que instruções-alvo devo dar para que os alunos tratem os materiais
para cumprir a tarefa? Que exigências devem ser introduzidas para impedir
que os sujeitos evitem a aprendizagem?; 4. Que atividade posso propor que
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permitam negociar o dispositivo segundo diversas estratégias? Como variar os
instrumentos, procedimentos, níveis de orientação, modalidades de
reagrupamento?” (p. 181)

Espera-se que na maioria das intervenções baseadas na estratégia de resolução de


situações-problema, seja possível ao sujeito vencer os obstáculos que estão presentes nela, ou
seja, que a solução esteja ao alcance deste sujeito e que ao mesmo tempo ele venha a obter tal
solução sempre acompanhada da aprendizagem de novos conceitos, procedimentos e/ou
atitudes.

Cabe destacar a questão da avaliação em atividades envolvendo situações-problema, que


deve ser feita de três formas: diagnóstica, formativa e somativa (SIMÕES NETO, 2009). A primeira
tem a função de conhecer o grupo de estudantes, para saber quais são os caminhos tomados para
elaboração das situações-problema. A segunda tem por objetivo avaliar o momento de resolução
das situações-problema, incluindo o uso do sistema de recursos. Por último, a avaliação somativa
que avalia o final de todo o processo.

Diante do exposto, optamos por abordar o uso de situações-problema como estratégia


didática no trabalho envolvendo as discussões acerca dos modelos atômicos, por tratar-se um
conteúdo-chave para o ensino de química nas escolas, que tem se mostrado, principalmente no
ensino público, inadequado pelas estratégias propostas para sua aprendizagem (SALGADO et al,
2009).

Em estudo realizado com alunos do Ensino Médio por Souza, Justi e Ferreira (2006),
aprender modelos atômicos é considerado algo difícil de realizar. A maioria dos alunos não
associa bem as analogias, tal como “modelo do pudim de passas” em relação ao átomo de
Thomson ou o “sistema solar” do modelo de Rutherford. Cabe ao professor então, tomar
conhecimento disto e refletir sobre como discutir o tema de forma a favorecer uma compreensão
mais ampla do conteúdo científico e como utilizar as analogias. França, Marcondes e Carmo
(2009) perceberam que a maior parte dos sujeitos de sua pesquisa não identificava em seus
modelos representativos o núcleo e a eletrosfera, mesmo se tratando de palavras que estão
presentes frequentemente na representação dos modelos atômicos escolares.

O uso de situações-problema como estratégia didática para o ensino do conteúdo de


modelos atômicos se apresenta como uma interessante e válida proposta para tentar auxiliar o
professor nos processos de ensino e aprendizagem. Podemos apresentar os objetivos deste
trabalho: 1. Identificar as concepções dos estudantes de duas turmas do Primeiro Ano do Ensino
Médio acerca do conteúdo de modelos atômicos;2. Analisar como a estratégia didática do uso das
situações-problema pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem do conteúdo de
Modelos Atômicos no Ensino Médio.

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Metodologia
A pesquisa foi realizada com duas turmas noturnas do Primeiro Ano do Ensino Médio, de
uma escola da rede estadual de educação de Minas Gerais, em Betim, região metropolitana de
Belo Horizonte. Na turma I participaram das atividades 31 alunos e na turma II um conjunto de 33
alunos. Na escola as aulas têm duração média de quarenta minutos e não existem laboratórios
para práticas experimentais.

A intervenção foi montada para um total de quatro encontros com cada turma, com
duração de uma aula, e mais um momento de retorno. O percurso metodológico está descrito a
seguir:

1 Primeiro Momento da Intervenção: Avaliação Diagnóstica

Elaboramos um questionário com quatro questões, com objetivo de auxiliar na construção


das situações-problema. Para análise dos dados, classificamos as respostas em quatro categorias,
de acordo com Simões Neto, Campos e Marcelino-Jr. (2013) e Silva (2013): Resposta Satisfatória
(RS); Resposta Pouco Satisfatória (RPS); Resposta Insatisfatória (RI) e Sem Resposta (SR). As
questões e os critérios utilizados estão no quadro 1:

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Quadro 1 –Questionário e Critérios para as Respostas

RS: se abordasse como forma em que filósofos e


cientistas tentavam descrever o átomo ou a
1. O que você entende por modelo atômico? matéria; RPS: se abordasse apenas como uma
Comente. tentativa de descrever o átomo; RI: não
abordasse a questão da descrição do átomo ou
matéria.

RS: se citasse pelo menos um erro e um acerto


2. Cite para cada um dos modelos atômicos
de cada em relação ao modelo atual; RPS: se
quais são as principais falhas e acertos nos
abordasse apenas um erro ou acerto de cada
modelos de Dalton, Thomson, Rutherford e
em relação ao modelo atual; RI: fora das duas
Bohr? Justifique.
classificações anteriores.

3. Considerando os modelos até aqui RS: se desenhasse o átomo semelhante ao


discutidos, como você desenharia o átomo de apresentado pelo modelo de Rutherford-Bohr;
hidrogênio, sabendo que ele tem um próton, RPS: se fosse capaz de separar o átomo como
um elétron e nenhum nêutron. Descreva a núcleo e eletrosfera; RI: fora das duas
figura. classificações anteriores.

4. De acordo com a teoria de Bohr, o átomo é


RS: se a resposta fosse “sim” e explicasse os
formado por uma massa centrada no núcleo e
espaços vazios pela eletrosfera; RPS: se “sim”,
uma eletrosfera, onde estão os elétrons.
mas com outra explicação; RI: se respondesse
Baseado nesta teoria, você acredita que em
“não”.
uma mesa de madeira, que é formada por
átomos, existam partes vazias? Por quê?

2 Elaboração das Situações-Problema e do Sistema de Recursos

Para elaborar as situações-problema, recorremos as ideias de Meirieu (1998), que sugere


que os conhecimentos prévios dos alunos sejam levados em conta como uma forma de promover
a interação problema/resposta. Para isso, levamos em consideração os resultados obtidos na
análise do questionário aplicado na primeira etapa da intervenção.

Elaboramos duas situações-problema que fornecessem condições para provocar nos alunos
uma ou mais operações mentais, tais como: a dedução, a indução, a dialética ou mesmo
divergências requeridas para que eles conseguissem vencer o obstáculo proposto (MEIRIEU, 1998;
BATINGA; ALMEIDA; CAMPOS, 2005).

A primeira visava suscitar no aluno os motivos que levaram Rutherford a elaborar a teoria
atômica, com base nos resultados experimentais, e a segunda de usar um contexto bem comum

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ao cotidiano dos alunos– a explosão de fogos de artifício, aqui relacionada com a teoria atômica
de Bohr:

SP1: O experimento de Rutherford, feito através da orientação do mesmo ao aluno de doutorado


em Física, Hans Geiger e ao professor Ernest Marsden. O experimento consistiu na emissão de
partículas α (He2+) sobre uma placa muito fina de ouro (Au), com um anteparo fosforescente, que
sob radiações alfa, emite luz, possibilitando observar onde ocorreriam as colisões,
como na figura 1.

Figura 1 – O Experimento de Rutherford.


(Fonte: www.alunosonline.com.br)

A partir das conclusões deste experimento, Rutherford pode então elaborar uma teoria que
melhorava as ideias de Thomson para o átomo. Baseado na figura e em seus conhecimentos,
quais as conclusões de Rutherford ao observar os resultados do experimento de Geiger-Marsden?

SP2: O conhecimento atual sobre a estrutura dos átomos nos indica que seus elétrons têm
diferentes quantidades de energia: uns são mais energéticos, outros menos. Sabe-se ainda que
esta quantidade de energia é fixa e denominada nível de energia. Segundo estudos de Bohr, os
elétrons que estão nos níveis de menor energia ocupam uma região mais próxima do núcleo; os
que estão em níveis de maior energia ocupam regiões mais afastadas. Sabe-se ainda que existem
transições eletrônicas entre níveis distintos. Baseado no texto anterior e nos conhecimentos
adquiridos nas aulas de química, explique o fenômeno da liberação de luzes com cores diferentes,
ocorrido nos fogos de artifícios.

Como sistema de recursos para resolução das situações problemas, elaboramos um


material didático textual de nove páginas, usado como instrumento de consulta pelos estudantes
durante a intervenção.

Tanto o material textual quanto as aulas preparadas não levaram em consideração o


modelo do átomo quântico, pois exige um alto grau de abstração e não se apresenta como
inerentemente melhor que a visão clássica, quando pensamos na aplicação em contextos
socioculturais dos estudantes do Ensino Médio (EICHLER; DEL PINO, 2000).

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3 Segundo, Terceiro e Quarto Momentos da Intervenção

Para as aulas (segundo e terceiro momentos da intervenção), usamos uma abordagem


comunicativa, na dimensão de um discurso dialógico e interativo, onde professor-pesquisador
buscou a voz dos estudantes, incentivando a participação e levando em consideração tudo que
falaram (MORTIMER; SCOTT, 2002). O professor-pesquisador fez o uso do diálogo e do quadro
branco para anotar aquilo que os alunos poderiam necessitar de pesquisar para auxiliar na
elaboração das respostas das situações-problema posteriormente.

No quarto momento da intervenção, dividimos os estudantes em grupos de


aproximadamente quatro componentes e entregamos as duas situações-problema. Era permitido
e incentivado o debate interno entre os grupos, mas não poderiam consultar materiais adicionais,
nem os grupos vizinhos. Analisamos as respostas como satisfatórias ou não-satisfatórias mediante
a transposição do obstáculo instalado em cada situação-problema.

4 Momento de Retorno

Escolhemos para participar do momento de retorno três alunos de cada turma, usando
como critério de seleção, na ordem: disponibilidade de tempo, interesse e participação durante a
intervenção didática.

Elaboramos um questionário para avaliar as potencialidades da estratégia didática baseada


nas situações-problema. Seis perguntas foram pensadas e estão descritas a seguir:

1. O que você achou do trabalho envolvendo situações-problema?

2. Você achou as situações-problema fáceis ou difíceis? Por quê?

3. Após a resolução das situações-problema, você acredita que aprendeu algo novo sobre modelos
atômicos?

4. As situações-problema foram resolvidas em Grupo. Você responderia diferente do seu grupo


caso a atividade fosse individual?

5. O Modelo Atômico de Rutherford foi tema da primeira situação-problema. Você seria capaz de
explicar tal modelo com poucas palavras?

6. Você gostaria de trabalhar com situações-problema também em outros conteúdos da química?


Por quê?

Antes de responder o questionário, os estudantes puderam ter contato com as respostas


do seu grupo para que pudessem refletir sobre o que responderam.

Analisamos as respostas individualmente, buscando identificar quais foram os pontos


positivos e negativos apontados pelos estudantes.

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Resultados e Discussão
Apresentamos os resultados em três partes: análise da avaliação diagnóstica, análise da
resolução das situações-problema e análise do questionário aplicado no momento de retorno.

1 Análise da Avaliação Diagnóstica

Na primeira questão, nas duas turmas trabalhadas, não emergiram respostas satisfatórias.
Devido ao caráter autoexplicativo do tema trabalhado, tivemos algumas respostas pouco
satisfatórias, conforme tabela 1:

Tabela 1 – Respostas à primeira questão do Quadro 1.


Classificação da Resposta Turma I Turma II

RS 0 0

RPS 46% 44%

RI 43% 45%

NR 11% 11%

Mesmo sem ocorrência de respostas satisfatórias, os resultados demonstram um


conhecimento, mesmo que mínimo, sobre modelos atômicos, talvez pela evidência que os
átomos possuem fora do meio científico-escolar. Alguns exemplos de respostas pouco
satisfatórias e insatisfatórias:

RPS: “Modo como os átomos (menor partícula em que se divide uma matéria) são classificados”.

RI: “São moléculas”.

A segunda questão apresentou o maior nível de dificuldade nas respostas, alto índice de
respostas em branco e respostas insatisfatórias, além de não emergir nenhuma resposta
satisfatória. A tabela 2 apresenta a distribuição dos resultados:

Tabela 2 – Respostas à segunda questão do Quadro 1.


Classificação da Resposta Turma I Turma II

RS 0 0

RPS 25% 11%

RI 32% 44,5%

NR 43% 44,5%

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Tal questão exigia conhecer bem os modelos atômicos. Talvez por isso o índice de respostas
satisfatórias e pouco satisfatórias tenha sido tão pequeno. Para apontar falhas e acertos é
necessário entender o que cada modelo apresenta, e conseguir compará-lo com os demais.
Seguem exemplos de respostas em cada categoria onde houve ocorrência:

RPS: “Falhas: O fato de não possuir núcleo (no começo). Acertos: Possuir cargas positivas, cargas
negativas, e neutras. Possuir um núcleo e ao redor do núcleo uma eletrosfera”.

RI: “As falhas são as radiações”.

Na terceira questão, surgem algumas respostas consideradas satisfatórias nas duas turmas.
A tabela 3 apresenta a distribuição das respostas:

Tabela 3 – Respostas à terceira questão do Quadro 1.


Classificação da Resposta Turma I Turma II

RS 11% 18,5%

RPS 14% 15%

RI 61% 55,5%

NR 14% 11%

Alguns fatores extraescolares podem ter ajudado para que os alunos desenhassem o átomo
de hidrogênio como esperado, como por exemplo, a animação “Jimmy Neutron”, onde o
personagem principal usa uma camisa com o desenho de um átomo semelhante ao modelo de
Rutherford. Ainda assim, a ocorrência de respostas pouco satisfatórias foi alta. Na figura 2, um
exemplo de resposta satisfatória, pouco satisfatória e insatisfatória:

Figura 2 – Resposta Satisfatória (A), Resposta Pouco Satisfatória (B) e


Resposta Insatisfatória (C) para a terceira questão

Na quarta questão, tivemos uma diferença significativa entre as turmas na ocorrência das
respostas, como é mostrado na tabela 4:

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Tabela 4 – Respostas à quarta questão do Quadro 1.
Classificação da Resposta Turma I Turma II

RS 18% 44%

RPS 39% 30%

RI 25% 22%

NR 18% 4%

A diferença nas respostas se concentra no entendimento maior dos estudantes da turma II


sobre a eletrosfera, como um espaço quase vazio, em contrapartida ao denso núcleo central.
Seguem exemplos de respostas satisfatória, pouco satisfatória e insatisfatória

RS: “Sim. Já que a mesa é formada de átomos, e cada átomo tem seu espaço vazio, na eletrosfera,
a mesa terá partes vazias, mas muito pequenas e não podem ser vistas a olho nu”.

RPS: “Acredito que sim, se a mesa for feita de madeira, pode ter sim partes ocas, espaços vazios”.

RI: “Não, porque tem os furos na mesa”.

2 Análise das Respostas às Situações-problema

As respostas, quando apresentadas, foram transcritas originalmente como feitas pelos


alunos. A turma I foi dividida em seis grupos identificados como grupos A até F, enquanto a turma
II foi dividida em sete grupos identificados como grupos de G a M. As situações-problema foram
analisadas independentes entre si, para cada grupo.

TURMA I

A turma I apresentou pouco interesse –pouca discussão entre os alunos – e isto ficou
evidente nas respostas dos grupos, com destaque para o grupo A, que sequer apresentou
resposta às situações-problema. O grupo B também apresentou dificuldades, pois copiaram
trechos do enunciado do problema como prováveis respostas. Não houve discussão ou
questionamento com o professor-pesquisador em nenhum momento.

O grupo C, para solucionar a primeira situação-problema, tentou explicar os desvios das


partículas alfa no experimento pela natureza elétrica positiva, mas não explicaram o
comportamento das partículas que não sofriam desvio. A segunda situação-problema também foi
respondida de forma não satisfatória por este grupo – embora tenham comentado que átomos
diferentes causam explosões de cores diferentes, a causa não foi explicada.

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SP1: "Se as cargas elétricas dos átomos das duas substâncias forem iguais ocorre um desvio do
percurso dos átomos dessas substâncias" (grupo C)

SP2: "Dependendo dos átomos presentes, as explosões (sic) adquirem cores diferentes." (grupo C)

O grupo D apresentou uma solução satisfatória para a primeira situação-problema, uma


demonstração de entendimento parcial do assunto, apesar de não abordarem questões relativas
ao núcleo, no modelo atômico de Rutherford. Na segunda SP, observamos também um certo
conhecimento, embora com uma argumentação um tanto superficial. Ainda assim, conseguiram
propor as melhores soluções entre os grupos da turma I.

SP1: "No experimento de Rutherford os raios de radiação alfa, a maioria, passavam direto na
placa de ouro, isso porque os átomos possuem espaços vazios." (grupo D)

SP2: "Quando o elétron se solta ele pula o nível de energia liberando uma luz." (grupo D)

Os grupos E e F apresentaram respostas insatisfatórias para as duas situações-problema. No


caso do grupo E, apenas trechos dos enunciados foram copiados, enquanto que no outro grupo,
as respostas foram pensadas, no entanto, o obstáculo não foi transposto e a situação-problema
não foi respondida de maneira satisfatória.

TURMA II

A turma II apresentou um comportamento melhor durante a discussão, mostrando mais


interesse, compromisso e sempre levantando questões e dúvidas. O debate entre os grupos foi
mais evidente. No entanto, alguns grupos não conseguiram transpor o obstáculo instalado nas
situações-problema, dando respostas não-satisfatórias para ambas: caso dos grupos G, J e I. O
grupo K, embora não tenha dado resposta alguma para a primeira situação-problema, mostrou
uma resposta no caminho correto para a segunda, embora não associem esse movimento às
mudanças de órbitas:

SP2: "Quando no átomo o elétron se move, libera energia em forma de luz ". (grupo K)

Os grupos H, L e M conseguiram responder de maneira satisfatória as duas situações-


problema. Destacamos o grupo H, que apresentou a visão de átomo de Rutherford para explicar o
experimento, além de fornecer uma boa visão das transições eletrônicas na segunda situação-
problema, como podemos ver na figura 3:

SP1: "Átomo possui um núcleo muito pequeno, e positivamente carregado e rodeado por uma
nuvem de elétrons quase vazia." (grupo H)

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SP2: "Um elétron se move em uma órbita circular, estável, sobre uma atração coulombiana.
Quando esse átomo é aquecido os elétrons se movem (exemplo na figura) e no percurso de volta
sua energia é liberada em forma de luz." (grupo H)

Figura 3 – Representação da transição eletrônica na resposta


do grupo H
O grupo L apresentou, na primeira questão algumas das conclusões de Rutherford sobre a
estrutura do átomo, de maneira satisfatória. Na segunda situação-problema, os alunos do grupo L
explicaram por movimentação que os elétrons liberam energia na forma de luz e ainda que a cor
da luz pode variar conforme a energia também varia, mas foram imprecisos ao deixarem de
mencionar os níveis de energia, sendo classificada como uma resposta parcialmente satisfatória.

SP1: "Rutherford conclui que o átomo tem a maior parte dele como um espaço vazio e que maioria
de sua massa se concentra no núcleo." (grupo L)

SP2: "Quando no átomo, os elétrons se movem e liberam energia em forma de luz. A cor da luz
varia de acordo com a diferença de energia na movimentação." (grupo L)

Por fim, o grupo M apresentou texto confuso na resposta à segunda situação-problema,


por não tratar a transição do elétron para um nível interno como o momento em que há liberação
de energia. No entanto, apresentou o motivo das cores diferentes para os fogos de artifício.

SP1: "Átomo: núcleo muito pequeno, positivamente carregado e rodeado por uma nuvem de
elétrons. A massa desse átomo estaria quase totalmente concentrada no núcleo (modelo
planetário).” (grupo M)

SP2: "As luzes refletem cores diferentes porque os elétrons possuem energias diferentes. Na
transição de energia o elétron começa em uma energia menor a cada nível que avança aumenta
sua energia." (grupo M)

3 Análise do questionário Aplicado no Momento de Retorno

O questionário final foi aplicado a seis alunos, sendo três da turma I os outros três da turma
II. Eles foram selecionados pelo interesse em participar da intervenção e foram nomeados como
cores: Marrom, Bege e Cinza, para a turma I; Branco, Preto e Vermelho, para a turma II. A partir

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das respostas dadas ao questionário, procuramos analisar os pontos positivos e a dificuldade da
metodologia, e ainda se eles reconhecem a ajuda das situações-problema no entendimento de
modelos atômicos.

1. O que você achou do trabalho envolvendo situações-problema?

As respostas mostram opiniões semelhantes, todos afirmaram que foi bom trabalhar com
situações-problema, dentro da proposta de intervenção apresentada, pois é método de ensino e
aprendizagem que exige do aluno o raciocínio, pois cabe a cada um, com ajuda do sistema de
recursos e dos colegas, construir o conhecimento necessário para que possa transpor o obstáculo.
Destacamos duas respostas, uma de cada turma:

“Eu gostei do trabalho, porque ele ajuda a desenvolver a sua mente. Com respostas que você dá
sem ter nenhum texto como base”. (Marrom)

“Achei esse trabalho muito interessante, porque, força um pouco mais nosso pensamento, nossas
ideias, fazendo com que pudéssemos aprender mais”. (Preto)

2. Você achou as situações-problema fáceis ou difíceis? Por quê?

Com exceção do aluno Marrom, os estudantes da turma I acharam difícil trabalhar com as
situações-problemas, porém, atribuíram a dificuldade ao conteúdo de modelos atômicos. Já a
turma II aponta dificuldade moderada, mas destacam que quando o conteúdo é aprendido, o
obstáculo é facilmente transposto e a dificuldade só aparece quando a construção do
conhecimento não ocorre.

“Fica no meio termo, pois como eu havia dito na questão anterior envolvia conteúdos conhecidos
(mas que partes já tinha esquecido, mas foi bom relembrar) e conteúdos desconhecidos (foi bom
pegar um pouco do que vem pela frente) ”. (Branco)

“Eu achei fáceis, pois gosto de ler revistas, jornais, assistir televisão, tenho conhecimento, por isso
foi fácil" (Marrom)

“Difícil. Pois eu não sei muito de química, e na verdade não entendo nada. ” (Bege)

3. Após a resolução das situações-problema, você acredita que aprendeu algo novo sobre
modelos atômicos?

As respostas convergiram no sentido de que situações-problema acrescentaram algo novo,


o que valida a estratégia de ensino. Pelas respostas, percebemos também a importância do
material textual e das aulas como sistema de recursos.

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“Sim, porque do meu ponto de vista eu via os modelos atômicos de um jeito, e depois da SP eu
passei a ter outro ponto de vista”. (Marrom)

“Sim, porque eu entendi melhor algumas coisas”. (Bege)

“Sim, pois a aula e a tarefa me apresentaram vários fatores que eu desconhecia”. (Branco)

“Sim. Aprendemos mais sobre modelos atômicos e descobrimos coisas que nunca ouvimos falar
antes”. (Preto)

4. As situações-problema foram resolvidas em Grupo. Você responderia diferente do seu grupo


se fosse individual?

Os alunos Marrom e Cinza mostram nas respostas a dificuldade de trabalho observada na


turma I, com grupos pouco participativos e desinteressados.

“Eu respondi sozinho, meu grupo só tinha 'gênios'”.(Marrom)

“Não. Pois eu respondi quase sozinho”. (Cinza)

Ao contrário da turma I, todos os alunos da turma II mostram que trabalhar em grupo ajuda
a vencer o obstáculo proposto ao poder juntar os conhecimentos para propor a solução e ainda
destacando a importância individual da participação na elaboração desta solução.

“Não, pois foi resolvido com alguns palpites meus que combinaram com os palpites dos outros
componentes do grupo”. (Branco)

“Não. Porque todos aprendemos juntos, então nossas ideias eram parecidas, então não mudaria a
resposta”. (Preto)

“Não, porque as respostas em grupo foram formadas com a ajuda de todos inclusive eu”.
(Vermelho)

5. O Modelo Atômico de Rutherford foi tema da primeira SP. Você seria capaz de explicar tal
modelo com poucas palavras?

Bege, cinza, marrom e branco explicaram não o modelo atômico de Rutherford, mas o
experimento descrito na situação-problema. Talvez o apelo visual dado pela figura possa ter
dirigido a esse tipo de resposta. Apresentamos a resposta de Cinza:

“Era uma caixa de chumbo com um tubo com radiação a radiação ia de encontro a uma folha de
ouro alguns raios passavam direto e outros desviavam”. (Cinza)

Preto e vermelho, sem consulta a nenhum material, conseguiram explicar o modelo


atômico de Rutherford:

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“No modelo de Rutherford um átomo tem um núcleo pequeno no centro que é envolvido pela
eletrosfera.” (Preto)

“Possui um núcleo pequeno que está rodeado de elétrons carregados”.

6. Você gostaria de trabalhar com SP em outros conteúdos? Por quê?

Apenas um aluno dentre os seis indica que não gostaria de trabalhar novamente com esta
estratégia, mas ainda assim apresenta um argumento inconsistente, uma vez que o trabalho com
situações-problema é encontrado na literatura também para outros conteúdos e disciplinas
escolares.

“Não. Porque nas outras matérias não se encaixaria”. (Bege)

Pelo exposto por Branco, Preto e Marrom, a estratégia mostra validade e, mesmo
colocando o aluno numa posição diferente do ensino tradicional, exigindo mais trabalho, agradou
aos participantes:

“Sim, pois é muito interessante e gostei muito de aprender e gostaria muito de saber mais.”
(Branco)

“Sim. Porque nosso aprendizado com certeza seria maior e melhor”. (Preto)

Algumas Considerações
O uso das situações-problema estimula o raciocínio dos estudantes, pois quando eles se
deparam com o obstáculo e constroem uma solução para o problema, ocorre situação de
aprendizagem. Percebemos a partir das respostas ao questionário final que a estratégia foi bem
aceita pelos estudantes e que as situações-problemas criadas atingiram o objetivo proposto,
fazendo com que os alunos buscassem vencer este obstáculo, construindo o conhecimento
quando possível.

Destacamos a realidade do trabalho com turmas noturnas, que são diferentes das turmas
diurnas no perfil dos alunos. Geralmente, os estudantes deste turno são mais velhos, já estão
inseridos no mercado de trabalho e buscam a complementação da educação básica para melhoria
de vida, em busca de uma promoção ou novo emprego, para aumentar a renda e sua qualidade
de vida. Assim, chegam à sala de aula já cansados da jornada diurna e pouco produzem, sendo
evasão e desistência situações bastante comuns, pois o que aprendem nas escolas não se
relaciona efetivamente com seu cotidiano, em casa ou no trabalho (GONÇALVES; PASSOS;
PASSOS, 2005). Porém, é importante evidenciar a importância no entendimento dos modelos
atômicos para a compreensão dos conteúdos subsequentes da química, o que justifica a
relevância em trabalhar com essa temática nesta pesquisa.

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As respostas à avaliação diagnóstica mostraram que a maioria dos alunos não possuía
concepções científicas definidas para modelos atômicos. Acreditamos que eles ainda não tinham
assistido as aulas de modelos atômicos até o momento da intervenção, sendo a primeira
experiência deles com o conteúdo abordado. A ideia de átomo como uma pequena entidade que
forma a matéria parece ser aceita pelos estudantes, porém, entender a natureza dessas
partículas, partes que as compõem, quais as principais características de cada modelo formulado
e porque eles são confrontados por outras propostas não fazem parte dos conhecimentos prévios
apresentados pelos estudantes. O grande número de respostas pouco satisfatórias e
insatisfatórias nos levam a esta conclusão.

A maioria dos alunos da turma I se comportou de forma desatenta, com pouco ou nenhum
interesse em aprender durante a intervenção, enquanto que uma parcela significativa dos alunos
da turma II demonstrou interesse, fato que fica evidenciado ao analisarmos as soluções propostas
para as situações-problema – as respostas para a segunda turma se mostraram mais efetivas, o
que evidencia o valor da motivação inicial em participar de qualquer tipo de atividade dentro de
uma estratégia didática.

De forma geral, foram consideradas como satisfatórias 35% das respostas apresentadas.
Vários são os fatores que podem justificar este resultado, alguns intrínsecos ao próprio conteúdo
escolhido, a saber: nível de abstração exigido para uma visão microscópica da matéria,
abordagem classicamente histórica e pequena relação direta com atividades do cotidiano dos
estudantes. Ainda, possivelmente existem outros fatores relacionados a gestão escolar e
planejamento do ensino e a aparente falta de interesse dos alunos (principalmente na turma I).
No entanto, consideramos os resultados satisfatórios, pois o trabalho com situações-problema
demanda um esforço do estudante, o que é pouco comum nas escolas atualmente,
principalmente no turno escolhido para a pesquisa.

É considerável a diferença no resultado entre as duas turmas participantes da pesquisa:


enquanto a turma I apresentou apenas 17% de respostas classificadas como satisfatórias para as
situações-problema, a turma II teve 50%, das respostas nesta classificação. Já comentamos o
comportamento diferente das turmas em relação à estratégia. Essa diferença pode ser explicada
pelo engajamento dos estudantes na participação durante a intervenção. Embora 17% de
respostas satisfatórias pareça um resultado ruim, é evidente o avanço na compreensão dos
conceitos pelos estudantes das duas turmas. Acreditamos que a estratégia didática se mostrou
eficiente.

Por fim, analisando cada situação-problema de forma independente, podemos verificar


dificuldades relativas para cada uma: a primeira situação-problema teve 34% de respostas
consideradas como satisfatórias, enquanto a segunda 39%, indicando nível de dificuldade
equivalente.

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DOI: Em andamento.
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