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Para o Editor do La Réforme

Karl Marx
8 de Março de 1848

Escrito: por volta do dia 6 de março de 1848;


Primeira Edição: La Réforme, 8 de março de 1848;
Fonte: Marx-Engels Collected Works, volume 6, p.564.
Tradução: Rafael Duarte Oliveira Venancio, novembro de 2008.
HTML: Fernando A. S. Araújo, novembro 2008.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e
indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

Prezado Senhor,

Nesse mesmo momento, o Governo Belga está se alinhando


inteiramente com a política da Santa Aliança. Sua fúria reacionária
atinge os democratas alemães com brutalidade sem precedentes. Se
não estivéssemos tão preocupados com a perseguição direcionada a
nós, estaríamos rindo abertamente da atitude ridícula assumida pelo
ministério Rogier quando acusa um punhado de alemães de querer
impor uma república aos belgas contra o desejo deles; mas acontece
que, no presente caso que aqui tratamos, o aspecto odioso disso
supera o absurdo.

Primeiro de tudo, senhor, é bem sabido que quase todos os


jornais de Bruxelas são editados por franceses, a maioria deles
escapou da França para evitar punições inglórias que os ameaçavam
em seu próprio país. Esses franceses agora têm o máximo interesse
em proteger a independência belga, que fora traída por todos eles em
1833.(1) O Rei,(2) o ministério e seus apoiadores usaram tais tablóides
para darem credibilidade para a idéia que a revolução belga, no
sentido republicano, seria uma mera imitação de
(3)
uma francequillonnerie e que toda atividade democrata que é
sentida agora na Bélgica só foi provocada por alguns alemães de
cabeça quente.

Os alemães nunca negaram que eles se associaram abertamente


com os democratas belgas, e sem o mínimo sinal de ser um ato
impulsivo. Aos olhos do promotor do Rei isso significa evocar os
trabalhadores contra a burguesia, fazendo os belgas suspeitarem de
um Rei “alemão” que eles amam tanto e abrindo os portões da
Bélgica para uma invasão francesa.

Recebendo, às cinco horas da tarde do dia 3 de março, um ordem


para sair do “reino” da Bélgica em 24 horas, eu estava atarefado,
nessa mesma noite, com os preparativos para a viagem quando um
comissário de polícia, acompanhado por dez guardas municipais,
invadiram o lugar onde eu morava, procuraram por toda a casa, e
acabaram por me prender sob o pretexto que eu estava sem papéis.
Além dos papéis enviados a mim pelo Sr. Duchâtel na minha
expulsão da França,(4) eu tinha em mãos os papéis de extradição
entregues a mim pelos belgas apenas algumas horas antes.

Eu não estaria falando com você, senhor, sobre a minha prisão e


as brutalidades que sofri, se essas não estivessem conectadas com
um incidente que seria difícil de entender até mesmo na Áustria.

Imediatamente após a minha prisão, minha esposa foi à casa do


Sr. Jottrand, Presidente da Associação Democrática de Bruxelas, para
pedir que ele tomasse as medidas necessárias. No retorno para casa,
ela encontrou em sua porta um policial que contou a ela, com
impecável polidez, que se ela queria falar com o Sr. Marx, ela devia
apenas segui-lo. Minha esposa aceitou a oferta animadamente. Ela foi
levada para a delegacia e o comissário, primeiramente, contou que o
Sr. Marx não estava lá; depois ele brutalmente perguntou quem era
ela, por que ela tinha ida à casa do Sr. Jottrand, e se ela tinha
documentos com ela. Um democrata belga, Sr. Gigot, acompanhou
minha esposa até a delegacia com o guarda municipal, e quando ele
protestou fortemente contra as questões insolentes e absurdas do
comissário, ele foi silenciado por guardas que o prenderam e o
jogaram em uma cela. Minha esposa, sob a acusação de
“vagabundagem”, foi levada para a prisão em Hôtel de Ville e
trancada em uma sala escura com prostitutas. Às 11 horas da
manhã, ela foi levada, sob escolta policial e à luz do dia, para o
escritório do magistrado responsável. Por duas horas, ela foi mantida
sob forte custódia, apesar dos mais vigorosos protestos emitidos por
todos os lados. Ela foi mantida lá, no frio congelante, exposta aos
comentários mais vergonhosos feitos pelos policiais.

Finalmente ela apareceu perante o magistrado responsável, que


estava surpreso porque a polícia, em sua solicitude, não prendeu ao
mesmo tempo as crianças. O interrogatório foi, naturalmente, uma
fraude, e o único crime de minha esposa consiste no fato de que,
apesar de pertencer à aristocracia prussiana, ela possui as mesmas
opiniões democráticas de seu marido.

Eu não entrei em todos os detalhes desse caso revoltante. Eu


meramente devo adicionar que, quando fomos soltos, as 24 horas
dadas já tinham se passado, e nós tivemos que sair sem levar o mais
essencial de nossos pertences.

Karl Marx,
Vice-Presidente da Associação Democrática de Bruxelas

Notas:

(1) Nota 319 do volume 6 do MECW: A referência é sobre a política dupla dos
franceses orleanistas acerca da questão belga na década de 1830. Durante o
período da revolução de 1830-31, eles planejaram a anexação da Bélgica e
incitaram os belgas a lutarem pela separação da Holanda. Simultaneamente, na
Conferência dos Cinco Poderes em Londres (Grã-Bretanha, França, Rússia, Áustria
e Prússia) realizada em intervalos em 1830 e 1831, eles uniram forças, no caso da
Bélgica, apoiando a Holanda. Como resultado disso, os belgas tiveram que aceitar
os termos desfavoráveis com o Rei holandês (finalmente assinado em Maio de
1833) e ceder parte de seu território a ele. (retornar ao texto)

(2) Nota do Tradutor: O Rei em questão é Leopold I. (retornar ao texto)

(3) NT: Expressão jocosa em flamengo que significa copiar tudo que é francês.
(retornar ao texto)

(4) Nota 320 do volume 6 do MECW: Por ordem das autoridades francesas, Marx foi
expulso da França no começo de Fevereiro de 1845 junto com os outros editores do
jornal radical Vörwats! Publicado em Paris. Seu empastelamento foi ordenado pelos
círculos dirigentes prussianos. Para detalhes sobre a expulsão de Marx e sua
mudança para Bélgica, ver a série de artigos para o jornal inglês The New Moral
World intitulada posteriormente pelos editores do MECW como Rápido Progresso do
Comunismo na Alemanha (MECW, vol 4, p.237). (retornar ao texto)

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