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Resumo
Este paper constitui parte da avaliação para a conclusão da disciplina de Geografia Agrária II,
ministrada pela Profa. Dra. Marta Inez Medeiros Marques. O trabalho trata do aumento
progressivo da violência no campo brasileiro relacionado aos processos de acumulação via
espoliação, nos termos de David Harvey (2014) e as mudanças políticas a partir de 2016. Com
isso, espera-se compreender o papel da acumulação via espoliação no campo brasileiro
contemporâneo e os meios de sua realização.
Palavras-chave
Acumulação; espoliação; campo brasileiro.
Apresentação
Os recentes episódios de violência envolvendo as populações do campo colocam à
luz o acirramento dos conflitos fundiários e o aprofundamento da violência no campo. O ano
de 2017 choca pelo número recorde de 5 ocorrências de massacres no campo. Em 2018,
somente no mês de novembro, 200 famílias foram despejadas de um acampamento no
Maranhão 1 , cerca de 450 famílias quilombolas sofreram reintegração de posse em Minas
Gerais 2 e agricultores foram despejados em Rondônia 3 . Ainda neste ano, observa-se a
expansão da degradação ambiental (com o avanço do desmatamento 4 e a destruição de
nascentes5, por exemplo) em favor de interesses de empresas ligadas ao agronegócio.
1
Ver: Direção Nacional do MTS, MST repudia despejo de mais de 200 famílias no Maranhão, 13 nov. 2018.
Disponível em: <http://www.mst.org.br/2018/11/13/mst-repudia-despejo-de-mais-de-200-familias-no-
maranhao.html>. Acesso em 20 nov. 2018.
2
Ver: Arthur Stabile, Caio Palazzo e Daniel Arroyo, MST luta contra reintegração de posse em quilombo
mineiro, 17 nov. 2018. Disponível em: <https://ponte.org/mst-luta-contra-reintegracao-de-posse-em-quilombo-
mineiro/>. Acesso em 20 nov. 2018.
3
Ver: Josep Iborra, Juiz de Buritis (RO) manda despejar na rua agricultores e agricultoras, 07 nov. 2018.
Disponível em: <https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/4541-juiz-de-buritis-
ro-manda-despejar-na-rua-agricultores-e-agricultoras> Acesso em 20 nov. 2018.
4
Ver: Isabel Harari, Em 2018, 150 milhões de árvores foram derrubadas no Xingu - e o ano não acabou, 23 out.
2018. Disponível em: <https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-xingu/em-2018-150-milhoes-de-
arvores-foram-derrubadas-no-xingu-e-o-ano-nao-acabou>. Acesso em 20 nov. 2018.
Dado o contexto, não devemos ignorar o atual momento político no qual o presidente
eleito para o próximo período (2019-2022) se posicionou em diferentes ocasiões contra os
direitos dos povos do campo. Em novembro deste ano, Jair Bolsonaro declarou que “no que
depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena [...] Um fazendeiro não pode
acordar hoje e, de repente, tomar conhecimento, via portaria, que ele vai perder sua fazenda
para uma nova terra indígena”6. Em relação aos quilombolas, os quais Bolsonaro disse que
“não servem nem para procriar” 7 , o presidente eleito defende que suas terras possam ser
comercializadas8.
Esses dados apontam o acirramento da disputa fundiária no Brasil, mobilizada tanto
pelo Estado quanto por empresas do agronegócio, que resulta na ascensão da violência contra
os povos do campo. Diante disso, este paper trata do aumento progressivo da violência no
campo brasileiro, sobretudo a partir de 2016, relacionado aos processos de acumulação via
espoliação, nos termos de David Harvey (2014). Com isso, esperamos compreender o papel
da acumulação via espoliação no campo brasileiro contemporâneo e os meios para a sua
realização.
A primeira parte do trabalho é dedicada à retomada do debate de David Harvey a
respeito da acumulação por espoliação, teoria que fundamenta a análise aqui proposta. No
item Violência no campo brasileiro contemporâneo são abordados trabalhos que tratam da
violência no campo contemporâneo, relacionada principalmente com o período político a
partir de 2016. Por fim, esboçam-se algumas considerações na tentativa de amarrar os
conteúdos tratados.
Ver: Fabiano Maisonnave, Desmatamento na Amazônia explode durante período eleitoral, 11 nov. 2018.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2018/11/desmatamento-na-amazonia-explode-
durante-periodo-eleitoral.shtml>. Acesso em 20 nov. 2018.
5
Comissão Pastoral da Terra Minas Gerais, NOTA PÚBLICA - Mineradora ilegal destroi nascente e reserva de
reassentamento em Minas Gerais!, 09 nov. 2018. Disponível em:
<https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/4545-nota-publica-mineradora-ilegal-
destroi-nascente-e-reserva-de-reassentamento-em-minas-gerais>. Acesso em 20 nov. 2018.
6
Sarah Mota Resende, 'No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena', diz Bolsonaro a
TV, 5 nov. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/no-que-depender-de-mim-nao-
tem-mais-demarcacao-de-terra-indigena-diz-bolsonaro-a-tv.shtml>. Acesso em 20 nov. 2018.
7
Congresso Em Foco, Bolsonaro: “Quilombola não serve nem para procriar”, 05 abr. 2017. Disponível em:
<https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/bolsonaro-quilombola-nao-serve-nem-para-procriar/>.
8
Eduardo Bresciani, Bolsonaro defende que áreas quilombolas possam ser vendidas¸ 06 jul. 2018. Disponível
em: <https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-defende-que-areas-quilombolas-possam-ser-vendidas-
22859321>. Acesso em 20 nov. 2018.
aponta que há, por um lado, a acumulação dada a partir da relação entre capitalista e
trabalhador assalariado e, por outro, a acumulação do capital dada pelas relações entre
capitalismo e modos de produção não capitalistas. Como abordado por Harvey, Luxemburgo
compreende que mediante as crises de subconsumo, entendidas como crises causadas pela
falta de demanda efetiva, “o comércio com formações sociais não capitalistas proporciona a
única maneira sistemática de estabilizar o sistema” (idem, p. 116). São exemplos desse tipo de
relação o sistema colonial, a guerra e o sistema internacional de empréstimos, sendo o uso da
força um recurso utilizado, se necessário, para viabilizar esse processo. Para Luxemburgo,
este movimento constituiria o cerne do próprio imperialismo.
No sentido de compreender e explicar as tendências de crise do capitalismo, Harvey
considera que a teoria da sobreacumulação é mais bem aceita em relação à teoria do
subconsumo de Luxemburgo. Em termos gerais, a crise de sobreacumulação diz respeito à
“falta de oportunidades de investimentos lucrativos como o problema fundamental” (p. 116).
Neste caso, Harvey sugere que a crise de subconsumo, identificada por Luxemburgo, seria
transposta pelo reinvestimento, “que gera sua própria demanda de bens de capital e outros
insumos” (idem, p. 116-117).
Apesar da inflexão em relação à obra de Luxemburgo, Harvey reconhece suas
astúcias, sobretudo com respeito à “ideia de que o capitalismo tem de dispor perpetuamente
de algo ‘fora de si mesmo’ para estabilizar-se” (idem, p. 118). Com a referência de
Luxemburgo, Harvey sugere que para sanar as crises de sobreacumulação do capitalismo é
necessário o reinvestimento lucrativo desses capitais excedentes a partir da abertura de
mercados e liberação de ativos de modo a retomar e estabilizar a acumulação. Um exemplo é
o exército industrial de reserva, possível de ser produzido a partir da abertura de mercados e
ampliação de mão de obra barata ou da diminuição de postos de trabalho por inovações
tecnológicas, por exemplo. A ideia é que “algum tipo de ‘exterior’ é necessário à estabilização
do capitalismo” (idem, p. 118). Dentro dessa concepção, Harvey aponta para a relevância do
espaço no movimento de abertura de mercados, uma vez que
O diálogo com Marx surge de forma crítica, pois Harvey considera que o recurso a
elementos exteriores, frequentemente violentos e predatórios, relacionado por Marx à
acumulação primitiva, é reposto ao longo do desenvolvimento do capitalismo. Trazendo o
debate de Arendt, nas palavras de Harvey, “os processos [...] de acumulação ‘primitiva’
constituem [...] uma importante e contínua força na geografia histórica da acumulação do
capital por meio do imperialismo” (idem, p. 119). A acumulação “primitiva”, tratada por
Marx, não seria um processo datado, mas em andamento ao longo da geografia histórica da
acumulação do capital. Por isso, Harvey opta por denominar de “acumulação por espoliação”,
desvinculando o processo do período histórico específico estudado por Marx.
Os temas mais tradicionais que dão corpo as ações dos ruralistas sempre
foram o financiamento da agropecuária e a defesa da propriedade privada da
terra, porém o que se percebe nos últimos anos é uma ofensiva contra as
conquistas das populações rurais em geral e das também denominadas
comunidades tradicionais que estão no caminho da frente de expansão do
capital agronegócio (idem).
Apesar de existirem projetos que datam do início deste século, o que Mitidiero
observou é que a partir de 2015 há uma retomada de projetos antigos e sugestão de novas leis
que atacam os direitos dos povos camponeses. Os temas das propostas giram em torno de:
destruição, relativização ou relaxamento de leis que garantem a realização da reforma agrária,
da decretação de terras indígenas e de territórios quilombolas e da legislação trabalhista;
criminalização das manifestações e movimentos sociais de luta pela terra. Mitidiero relaciona
Algumas considerações
Orientados pelo texto de Harvey (2014), observamos que o aumento da violência no
campo brasileiro está relacionado com a necessidade de liberação de ativos para dar
continuidade ao processo de acumulação e reprodução econômica dos setores ligados ao
agronegócio. Por isso, torna-se necessário criar novas rodadas de expropriação, fraude,
retirada de direitos, corrupção etc., mostrando que a acumulação por espoliação é uma
condição para a reprodução capitalista, atualizando o processo que Marx denominava
acumulação primitiva.
Para tanto, como já tratava Harvey, o Estado tem um papel importante na
viabilização para a acumulação por espoliação. Como aponta Mitidiero (2016), há uma
atualização dos mecanismos de violência com a ascensão da violência política, que pretende
dificultar o acesso e a legalização de terras, criminalizar movimentos sociais, enfim, retirar
coletivamente os direitos dos povos do campo, a fim de assegurar os investimentos
capitalistas. A violência política orquestrada pelo legislativo brasileiro parece se relacionar
com o “golpe” de 2016 (MITIDIERO; FELICIANO, 2018), que deu certa impunidade aos
movimentos violentos do agronegócio. Neste contexto, a violência física no campo aumentou
expressivamente, sobretudo os dados de conflitos por terras e assassinatos no campo,
conforme se verifica pelo relatório da CPT.
Referências
HARVEY, D. A acumulação via espoliação. In: O novo imperialismo. São Paulo: Loyola,
2014.
MITIDIERO, M. Ataque aos direitos dos povos do campo. In: Conflitos no Campo - Brasil
2015. Goiânia: Comissão Pastoral da Terra/Expressão Popular, v. 32, 2016.