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Acumulação por espoliação e violência no campo brasileiro contemporâneo

Bárbara Lourenço de Moraes


Graduanda de Geografia
Universidade de São Paulo

Resumo
Este paper constitui parte da avaliação para a conclusão da disciplina de Geografia Agrária II,
ministrada pela Profa. Dra. Marta Inez Medeiros Marques. O trabalho trata do aumento
progressivo da violência no campo brasileiro relacionado aos processos de acumulação via
espoliação, nos termos de David Harvey (2014) e as mudanças políticas a partir de 2016. Com
isso, espera-se compreender o papel da acumulação via espoliação no campo brasileiro
contemporâneo e os meios de sua realização.

Palavras-chave
Acumulação; espoliação; campo brasileiro.

Apresentação
Os recentes episódios de violência envolvendo as populações do campo colocam à
luz o acirramento dos conflitos fundiários e o aprofundamento da violência no campo. O ano
de 2017 choca pelo número recorde de 5 ocorrências de massacres no campo. Em 2018,
somente no mês de novembro, 200 famílias foram despejadas de um acampamento no
Maranhão 1 , cerca de 450 famílias quilombolas sofreram reintegração de posse em Minas
Gerais 2 e agricultores foram despejados em Rondônia 3 . Ainda neste ano, observa-se a
expansão da degradação ambiental (com o avanço do desmatamento 4 e a destruição de
nascentes5, por exemplo) em favor de interesses de empresas ligadas ao agronegócio.

1
Ver: Direção Nacional do MTS, MST repudia despejo de mais de 200 famílias no Maranhão, 13 nov. 2018.
Disponível em: <http://www.mst.org.br/2018/11/13/mst-repudia-despejo-de-mais-de-200-familias-no-
maranhao.html>. Acesso em 20 nov. 2018.
2
Ver: Arthur Stabile, Caio Palazzo e Daniel Arroyo, MST luta contra reintegração de posse em quilombo
mineiro, 17 nov. 2018. Disponível em: <https://ponte.org/mst-luta-contra-reintegracao-de-posse-em-quilombo-
mineiro/>. Acesso em 20 nov. 2018.
3
Ver: Josep Iborra, Juiz de Buritis (RO) manda despejar na rua agricultores e agricultoras, 07 nov. 2018.
Disponível em: <https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/4541-juiz-de-buritis-
ro-manda-despejar-na-rua-agricultores-e-agricultoras> Acesso em 20 nov. 2018.
4
Ver: Isabel Harari, Em 2018, 150 milhões de árvores foram derrubadas no Xingu - e o ano não acabou, 23 out.
2018. Disponível em: <https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-xingu/em-2018-150-milhoes-de-
arvores-foram-derrubadas-no-xingu-e-o-ano-nao-acabou>. Acesso em 20 nov. 2018.

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Dado o contexto, não devemos ignorar o atual momento político no qual o presidente
eleito para o próximo período (2019-2022) se posicionou em diferentes ocasiões contra os
direitos dos povos do campo. Em novembro deste ano, Jair Bolsonaro declarou que “no que
depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena [...] Um fazendeiro não pode
acordar hoje e, de repente, tomar conhecimento, via portaria, que ele vai perder sua fazenda
para uma nova terra indígena”6. Em relação aos quilombolas, os quais Bolsonaro disse que
“não servem nem para procriar” 7 , o presidente eleito defende que suas terras possam ser
comercializadas8.
Esses dados apontam o acirramento da disputa fundiária no Brasil, mobilizada tanto
pelo Estado quanto por empresas do agronegócio, que resulta na ascensão da violência contra
os povos do campo. Diante disso, este paper trata do aumento progressivo da violência no
campo brasileiro, sobretudo a partir de 2016, relacionado aos processos de acumulação via
espoliação, nos termos de David Harvey (2014). Com isso, esperamos compreender o papel
da acumulação via espoliação no campo brasileiro contemporâneo e os meios para a sua
realização.
A primeira parte do trabalho é dedicada à retomada do debate de David Harvey a
respeito da acumulação por espoliação, teoria que fundamenta a análise aqui proposta. No
item Violência no campo brasileiro contemporâneo são abordados trabalhos que tratam da
violência no campo contemporâneo, relacionada principalmente com o período político a
partir de 2016. Por fim, esboçam-se algumas considerações na tentativa de amarrar os
conteúdos tratados.

A acumulação via espoliação


Para discutir a acumulação por espoliação, David Harvey (2014) retoma a ideia de
Rosa Luxemburgo de que existe um duplo aspecto da acumulação capitalista. Luxemburgo

Ver: Fabiano Maisonnave, Desmatamento na Amazônia explode durante período eleitoral, 11 nov. 2018.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2018/11/desmatamento-na-amazonia-explode-
durante-periodo-eleitoral.shtml>. Acesso em 20 nov. 2018.
5
Comissão Pastoral da Terra Minas Gerais, NOTA PÚBLICA - Mineradora ilegal destroi nascente e reserva de
reassentamento em Minas Gerais!, 09 nov. 2018. Disponível em:
<https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/4545-nota-publica-mineradora-ilegal-
destroi-nascente-e-reserva-de-reassentamento-em-minas-gerais>. Acesso em 20 nov. 2018.
6
Sarah Mota Resende, 'No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena', diz Bolsonaro a
TV, 5 nov. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/no-que-depender-de-mim-nao-
tem-mais-demarcacao-de-terra-indigena-diz-bolsonaro-a-tv.shtml>. Acesso em 20 nov. 2018.
7
Congresso Em Foco, Bolsonaro: “Quilombola não serve nem para procriar”, 05 abr. 2017. Disponível em:
<https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/bolsonaro-quilombola-nao-serve-nem-para-procriar/>.
8
Eduardo Bresciani, Bolsonaro defende que áreas quilombolas possam ser vendidas¸ 06 jul. 2018. Disponível
em: <https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-defende-que-areas-quilombolas-possam-ser-vendidas-
22859321>. Acesso em 20 nov. 2018.

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aponta que há, por um lado, a acumulação dada a partir da relação entre capitalista e
trabalhador assalariado e, por outro, a acumulação do capital dada pelas relações entre
capitalismo e modos de produção não capitalistas. Como abordado por Harvey, Luxemburgo
compreende que mediante as crises de subconsumo, entendidas como crises causadas pela
falta de demanda efetiva, “o comércio com formações sociais não capitalistas proporciona a
única maneira sistemática de estabilizar o sistema” (idem, p. 116). São exemplos desse tipo de
relação o sistema colonial, a guerra e o sistema internacional de empréstimos, sendo o uso da
força um recurso utilizado, se necessário, para viabilizar esse processo. Para Luxemburgo,
este movimento constituiria o cerne do próprio imperialismo.
No sentido de compreender e explicar as tendências de crise do capitalismo, Harvey
considera que a teoria da sobreacumulação é mais bem aceita em relação à teoria do
subconsumo de Luxemburgo. Em termos gerais, a crise de sobreacumulação diz respeito à
“falta de oportunidades de investimentos lucrativos como o problema fundamental” (p. 116).
Neste caso, Harvey sugere que a crise de subconsumo, identificada por Luxemburgo, seria
transposta pelo reinvestimento, “que gera sua própria demanda de bens de capital e outros
insumos” (idem, p. 116-117).
Apesar da inflexão em relação à obra de Luxemburgo, Harvey reconhece suas
astúcias, sobretudo com respeito à “ideia de que o capitalismo tem de dispor perpetuamente
de algo ‘fora de si mesmo’ para estabilizar-se” (idem, p. 118). Com a referência de
Luxemburgo, Harvey sugere que para sanar as crises de sobreacumulação do capitalismo é
necessário o reinvestimento lucrativo desses capitais excedentes a partir da abertura de
mercados e liberação de ativos de modo a retomar e estabilizar a acumulação. Um exemplo é
o exército industrial de reserva, possível de ser produzido a partir da abertura de mercados e
ampliação de mão de obra barata ou da diminuição de postos de trabalho por inovações
tecnológicas, por exemplo. A ideia é que “algum tipo de ‘exterior’ é necessário à estabilização
do capitalismo” (idem, p. 118). Dentro dessa concepção, Harvey aponta para a relevância do
espaço no movimento de abertura de mercados, uma vez que

[...] no caso das ordenações espaçotemporais, a expansão geográfica do


capitalismo que está na base de boa parte da atividade imperialista é bastante
útil para a estabilização do sistema precisamente por criar demanda tanto de
bens de investimento como de bens de consumo alhures. [...] A implicação é
que territórios não capitalistas deveriam ser forçados não só a abrir-se ao
comércio (o que poderia ser útil), mas também a permitir que o capital
invista em empreendimentos lucrativos usando força de trabalho e matérias-
primas mais baratas, terra de baixo custo e assim por diante (idem, p. 117).

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O diálogo com Marx surge de forma crítica, pois Harvey considera que o recurso a
elementos exteriores, frequentemente violentos e predatórios, relacionado por Marx à
acumulação primitiva, é reposto ao longo do desenvolvimento do capitalismo. Trazendo o
debate de Arendt, nas palavras de Harvey, “os processos [...] de acumulação ‘primitiva’
constituem [...] uma importante e contínua força na geografia histórica da acumulação do
capital por meio do imperialismo” (idem, p. 119). A acumulação “primitiva”, tratada por
Marx, não seria um processo datado, mas em andamento ao longo da geografia histórica da
acumulação do capital. Por isso, Harvey opta por denominar de “acumulação por espoliação”,
desvinculando o processo do período histórico específico estudado por Marx.

Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona


permanecem fortemente na geografia histórica do capitalismo até os nossos
dias. A expulsão de populações camponesas e a formação de um proletariado
sem terra tem se acelerado em países como México e a Índia nas três últimas
décadas; muitos recursos antes partilhados, como a água, têm sido
privatizados (com frequência por insistência do Banco Mundial) e inseridos
na lógica capitalista da acumulação; formas alternativas (autóctones e
mesmo, no caso dos estados unidos, mercadorias de fabricação caseira) de
produção de consumo têm sido suprimidas. Indústrias nacionalizadas têm
sido privatizadas. O agronegócio substituiu a agricultura familiar. E a
escravidão não desapareceu (particularmente no comércio sexual). (idem, p.
121)

Apesar de apresentar estes mecanismos, amplamente reconhecidos como


característicos da acumulação primitiva, Harvey aponta especificidades para o processo
contemporâneo. São exemplos dos mecanismos de acumulação por espoliação: o
aprofundamento da financeirização e do sistema de crédito que possibilitou a estes se
tornarem “trampolins de predação, fraude e roubo” (idem, p. 122), com o endividamento,
fraude corporativa, desvios de fundos, por exemplo; o patenteamento e licenciamento de
material genético; a biopirataria e pilhagem do estoque mundial de recursos genéticos; a
mercadificação por atacado da natureza e de formas culturais e históricas; a corporativização
e privatização de bens até agora públicos. Harvey cita, ainda, o papel dos Estados,
influenciados pelos Estados Unidos e FMI, na promoção da espoliação a partir da regressão
de direitos trabalhistas, frouxidão da regulação ambiental e privatização de direitos,
“implantadas em nome da ortodoxia neoliberal” (idem, p. 123).
No sentido de “resolver” as crises de sobreacumulação, “o que a acumulação por
espoliação faz é liberar um conjunto de ativos (incluindo força de trabalho) a custo muito
baixo (e, em alguns casos, zero). O capital sobreacumulado pode apossar-se desses ativos e
dar-lhes imediatamente um uso lucrativo” (idem, p. 124). Para além das privatizações e

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injeção de matérias-primas baratas no sistema, Harvey acrescenta a desvalorização, aliás, a


criação periódica de ativos desvalorizados, como mecanismo de produção de estoques aptos
para receber os capitais excedentes. Novamente, o Estado, influenciado pelo poder estatal
superior dos Estados Unidos, possui papel importante, pois é responsável por promover
programas de austeridade que podem produzir tais condições.

Violência no campo brasileiro contemporâneo


Em uma análise ampla dos relatórios da Comissão Pastoral da Terra sobre dados da
violência contra os povos do campo, Mitidiero aponta que “o ato da violência física ou da
ameaça dela é uma constante e serve como mediação entre o avanço do capital agronegócio
no espaço rural e as populações que ali vivem ou anseiam viver” (MITIDIERO, 2016). No
entanto, para o autor, atualmente há outro tipo de violência que atinge os povos do campo
coletivamente. Ele sugere que com a crise de 2008 e a necessidade de “segurança jurídica”
para os investimentos capitalistas, objetivou-se criar leis que favoreçam e garantam esses
investimentos ao passo que é necessário destruir leis que os impeçam.
No que tange a realidade do campo no Brasil, Mitidiero identifica uma novidade, em
favor dos interesses dos ruralistas do agronegócio, no processo de violação dos direitos dos
povos do campo, a partir de uma outra via, a institucional. O autor traz uma série de
ações/ataques promovidas pelo poder legislativo (Projeto de Lei (PL), Projeto de Lei
Complementar (PLP), Projeto de Emenda Constitucional (PEC), Projeto de Lei do Senado
(PLS), Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)) contra os povos do campo que escancaram
o que ele chama de violência institucional, ou violência legislativa ou violência política.

Os temas mais tradicionais que dão corpo as ações dos ruralistas sempre
foram o financiamento da agropecuária e a defesa da propriedade privada da
terra, porém o que se percebe nos últimos anos é uma ofensiva contra as
conquistas das populações rurais em geral e das também denominadas
comunidades tradicionais que estão no caminho da frente de expansão do
capital agronegócio (idem).

Apesar de existirem projetos que datam do início deste século, o que Mitidiero
observou é que a partir de 2015 há uma retomada de projetos antigos e sugestão de novas leis
que atacam os direitos dos povos camponeses. Os temas das propostas giram em torno de:
destruição, relativização ou relaxamento de leis que garantem a realização da reforma agrária,
da decretação de terras indígenas e de territórios quilombolas e da legislação trabalhista;
criminalização das manifestações e movimentos sociais de luta pela terra. Mitidiero relaciona

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esse movimento de propostas com a ascensão do legislativo conservador e retrógrado a partir


de 2015, com grande representatividade dos interesses de ruralistas, que tem colocado em
questão a segurança e a reprodução dos povos do campo pela via institucional.
Em trabalho posterior, Mitidiero Jr. e Feliciano (2018) compreendem a violência
histórica no campo brasileiro a partir de dois aspectos: a violência estrutural do sistema
capitalista e as especificidades do capitalismo brasileiro como, apoiados em Boff (apud.), o
passado colonial, o genocídio indígena, a escravidão e a Lei de Terras de 1850. Mais
recentemente, eles também atribuem o “golpe político/parlamentar/jurídico/midiático” de
2016, constituindo estas três dimensões da violência “as determinantes genéticas para
ascensão de violência no campo” (idem, p. 221).
Para Mitidiero Jr. e Feliciano a crise financeira de 2008 e o golpe de 2016 se
relacionam como momentos de intensificação dos processos de acumulação primitiva (Marx)
ou acumulação por espoliação (Harvey). Estes processos são entendidos como momentos de
profunda expropriação e violência e suas recorrências apontam para estas características como
inerentes à reprodução capitalista. Mais especificamente, os autores reconhecem certa coesão
entre a remoção da presidente Dilma Rousseff, movido pelas casas legislativas com
fundamental apoio da bancada ruralista, e o aumento significativo de violência no campo
como meio de expansão do agronegócio no Brasil. Assim,

[...] assumindo como foco a interpretação da questão agrária brasileira,


acumulação primitiva serve tanto para criar novos capitais (grilagem de
terras e roubo), para se apropriar de frações do território já ocupadas
(expulsões, expropriações, saque e assassinatos) e como forma de absorver
capital sobreacumulado na economia (corrupção e especulação) (idem, p.
224).

Logo, os autores sugerem vinculação direta entre acumulação capitalista e as


diferentes práticas de violência como forma de viabilizar a reprodução econômica, indicando
que “a face contemporânea de processos de acumulação capitalista que são claramente
criminais, conformando uma relação sólida entre o que podemos chamar de capitalismo
criminal e agronegócio (o agrobanditismo)” (idem, p. 228). No caso brasileiro, além dos
ganhos citados pelos autores como meio de viabilizar a reprodução capitalista, o interesse em
perdão e abatimento das suas dívidas foi fator importante para o posicionamento favorável do
agronegócio ao golpe. Além disso, criou-se certa “impunidade” às ações predatórias desse
setor, seja pela via institucional, com a proposta de leis de diminuição dos direitos dos povos
camponeses, seja pela violência física.

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Apoiados nos relatórios anuais “Conflitos no campo Brasil” da Comissão Pastoral da


Terra, os autores identificam a intensificação da violência como mediação das demandas por
terra, água e trabalho. A partir de 2016, ocorre concentração da violência, sendo este o ano
com 61 assassinatos e o maior número de ocorrências de conflitos por terra (1295 casos) de
todo o registro da CPT, e o ano de 2017 que marca o recorde nunca antes registrado pelo CPT
de cinco massacres, além dos 71 assassinatos (segundo maior número, ficando atrás do ano de
2003, com 73 mortes).

Na perspectiva das disputas por terra no Brasil, a sanha violenta do


latifúndio, ora pelo seu braço político, a Bancada Ruralista, ora pelas mãos
armadas dos seus jagunços, constrói, cotidianamente, as páginas tristes e
revoltantes do relatório ‘Conflitos do Campo Brasil’ da CPT. A
desterritorialização da luta pela terra significa o aniquilamento das vidas e
dos corpos daqueles que lutam por dias melhores e quiçá por transformações
radicais na organização territorial brasileira. De 2015 a 2017 - antes, durante
e depois do golpe político - parece ter aberto uma temporada de caça aos
lutadores do campo. O golpe potencializou uma ‘licença moral’ para matar,
licença essa que sempre pairou em terras das oligarquias (idem, p. 238).

Algumas considerações
Orientados pelo texto de Harvey (2014), observamos que o aumento da violência no
campo brasileiro está relacionado com a necessidade de liberação de ativos para dar
continuidade ao processo de acumulação e reprodução econômica dos setores ligados ao
agronegócio. Por isso, torna-se necessário criar novas rodadas de expropriação, fraude,
retirada de direitos, corrupção etc., mostrando que a acumulação por espoliação é uma
condição para a reprodução capitalista, atualizando o processo que Marx denominava
acumulação primitiva.
Para tanto, como já tratava Harvey, o Estado tem um papel importante na
viabilização para a acumulação por espoliação. Como aponta Mitidiero (2016), há uma
atualização dos mecanismos de violência com a ascensão da violência política, que pretende
dificultar o acesso e a legalização de terras, criminalizar movimentos sociais, enfim, retirar
coletivamente os direitos dos povos do campo, a fim de assegurar os investimentos
capitalistas. A violência política orquestrada pelo legislativo brasileiro parece se relacionar
com o “golpe” de 2016 (MITIDIERO; FELICIANO, 2018), que deu certa impunidade aos
movimentos violentos do agronegócio. Neste contexto, a violência física no campo aumentou
expressivamente, sobretudo os dados de conflitos por terras e assassinatos no campo,
conforme se verifica pelo relatório da CPT.

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Os conflitos contemporâneos pela terra têm colocado as opressões de classe na


ordem do cotidiano das populações camponesas. Este contexto de ações predatórias,
mobilizadas pelo Estado e o agronegócio, tem suprimido as populações do campo, que
perdem suas vidas, suas terras e seus direitos, bem como a natureza, que tem sido explorada
desmesuradamente. O neoliberalismo, do agronegócio amparado no Estado, mostra suas
consequências mais drásticas com a violação das vidas no campo. Devemos tratar com
atenção o fato de esta faceta mais perversa da reprodução ampliada do capital não mais ser
realizada de forma mascarada, mas de forma clara e evidente. Dada a importância do Estado
nesse processo, é preciso se atentar às práticas políticas do próximo governo uma vez que,
com base nos discursos do futuro presidente, já se observam tendências repressivas.

Referências

HARVEY, D. A acumulação via espoliação. In: O novo imperialismo. São Paulo: Loyola,
2014.

MITIDIERO JUNIOR, M. A.; FELICIANO, C. A. A violência no campo brasileiro em


tempos de golpe e a acumulação primitiva de capital. João Pessoa: Revista OKARA:
Geografia em debate, v.12, n.2, 2018, p. 220-246.

MITIDIERO, M. Ataque aos direitos dos povos do campo. In: Conflitos no Campo - Brasil
2015. Goiânia: Comissão Pastoral da Terra/Expressão Popular, v. 32, 2016.

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