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1. Introdução
Na segunda seção, apontamos as relações da família com a Psicanálise, que tem como
eixo central de sua teorização o complexo de Édipo, conceito fundamental para compreender
a construção subjetiva, as identificações, os modos de relação de objeto e a neurose do sujeito
conforme concebido por Sigmund Freud. Falar de Édipo é seguir o caminho do pensamento
freudiano ao assistir a peça Édipo-Rei de Sófocles e de toda uma concepção de amores e
desejos atravessados pela heteronormatividade, por exemplo, inspiração para sua teorização
sobre os afetos que tramitam entre pais e filhos.
1 Psicóloga (IBMR-RJ)
2 Psicóloga (PUC-RJ), Especialista em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Psicologia
(UFRJ), Doutora em Teoria Psicanalítica (UFRJ)
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A família moderna, do final séc. XVII até meados do séc. XX, é fundada no amor
romântico, na qual o casal procura satisfação amorosa e sentimental, tem como cenário o
surgimento do Estado, da burguesia e o desenvolvimento industrial; valoriza a divisão do
trabalho entre os esposos e a educação do filho, a qual a nação passa a ter o dever de
assegurar. No entanto, o poder sobre os filhos é dividido entre o Estado e os pais, por um
lado, e entre os pais e as mães, por outro.
deixa de ser um pacto de família indissolúvel e passa a ser um contrato livremente consentido
entre um homem e uma mulher; repousando no amor, dura apenas enquanto durar o amor, o
que supõe o direito ao divórcio; reconhece que todo filho – ilegítimo, adulterino ou
abandonado – tem direito a uma família, a um pai e uma mãe.
Compreendamos aqui a lei como sendo aplicada a todos, submetendo inclusive o pai, e
como condição fundamental para a concepção de sujeito e de método clínico proposto pela
Psicanálise, contexto do qual advém esse saber.
Este foi o cenário no qual surgiu a Psicanálise, e foram os membros desta família
configurada nesse cenário social que Freud recebeu em sua clínica. A família passa a ser vista
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como o lugar de circulação dos afetos. De um modo geral, os filhos são monitorados pela
autoridade paterna e por uma educação repressiva por parte da mãe (PASSOS, 2015). A
família que chega à clínica é aquela burguesa, com pai e mãe engajados no projeto dos filhos,
responsáveis também, digamos assim, pelos seus destinos pulsionais - Dora e sua família são
um exemplo disso (FREUD, 1905).
A intimidade entre todos os membros do grupo passa a ser uma marca da família no
Ocidente, ou seja, as relações pais-filhos adquirem uma importância inédita. Surge uma nova
dinâmica que permite conceber uma configuração emocional da psique moderna, onde Freud
ganha substratos importantes para a construção de sua teoria (PASSOS, 2015).
O mito outrora interpretado e registrado por Sófocles ganha vida nova na Viena da
segunda metade do século XIX. Freud reinterpreta o mito em adequação ao pensamento
psicanalítico, ao procurar ilustrar por meio dele o conflito neurótico do histérico vienense.
Para Sófocles, Édipo de nada é culpado, é vítima do destino, uma vez que nasce de uma
família amaldiçoada, condenada à destruição. Mas para Freud foi por desejo à mãe que Édipo
matou o pai e, portanto, vai centrar-se no assassinato do pai e no incesto com a mãe. Esses
eventos irão representar os desejos fundantes e reprimidos do inconsciente, o conflito nuclear
em torno do qual ele constrói a psicanálise.
No mito de Édipo e a partir de outros textos como Totem e Tabu (1913), Moisés e o
Monoteísmo (1939), O Mal estar na civilização (1930), entre outros, Freud concebe a
organização psíquica e social através da instauração da lei simbólica.
Por esse ângulo, o complexo de Édipo seria a expressão dos dois desejos recalcados
pelos tabus do totemismo – o desejo de incesto e o desejo de matar o pai. Isto universaliza o
complexo, uma vez que, segundo Freud, é o correspondente psíquico dos dois grandes
interditos que fundaram a sociedade humana.
Nesse contexto, a difusão da Psicanálise abriu um espaço para a mulher falar sobre seu
desejo e para um empoderamento/legitimação do desejo e do seu discurso. A democratização
das técnicas anticoncepcionais possibilitou às mulheres diversificar suas experiências sexuais,
desvinculando a sexualidade da procriação, e a maternidade do casamento.
O casamento em vez de ser um ato fundador de uma célula familiar única e definitiva
passou a ser um contrato mais ou menos duradouro entre duas pessoas. Daí surgiu o termo
família recomposta, que remete a um duplo movimento - de dessacralização do casamento e
de humanização dos laços de parentesco.
Diante dessas novas situações, fatos que antes eram indissociáveis, hoje guardam cada
vez menos relações de dependência: o físico, o social e o psíquico (CECARELLI, 2007). O
nascimento, que é um fato físico, precisa ser transformado em filiação, um fato social e
político. Isto para que a criança seja inserida em uma organização simbólica, que é um fato
psíquico, e possa se constituir como sujeito.
As várias das desordens da família não são novas, mesmo que se manifestem de forma
inédita, e não impedem que ela seja reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém
quer renunciar. O que está em crise é o próprio princípio da autoridade, sobre o qual ela
sempre se baseou na sociedade ocidental pois, com o declínio das referências patriárquicas
como o exército, a Igreja, a nação, a pátria, o partido, parece ser a família a única instância
capaz de favorecer o surgimento de uma nova ordem simbólica (ROUDINESCO, 2003).
desafio contemporâneo é saber como cada sujeito vai fazer seu laço social e fabricar sua
montagem subjetiva.
A Psicanálise explica que é no laço social e no encontro com o outro que nos
construímos subjetivamente, ao compreender o outro-família como o portador da cultura, das
leis e das tradições, como também que é a partir dela que se instauram os nossos desejos e
nosso acesso ao mundo simbólico. É nessas tramas que a Psicanálise ainda escuta e dialoga
com o sujeito e as famílias do contemporâneo pois, transcendendo uma leitura burguesa ou
contextualizada do mito edípico, a ideia freudiana dos complexos de Édipo e de castração
opera na entrada do sujeito no universo simbólico, nas leis de parentesco, nas normas sociais e
jurídicas e nos determinantes da cultura (POSTIGO, 2010). Nesse arranjo edípico, que
transcende pai/mãe/filho, e se refere principalmente ao desejado/desejante/interdito (LEVY
STRAUSS apud ROUDINESCO, 2003) que instaura a Lei, está em cena a ideia do desejo e
da renúncia, da postergação da satisfação do desejo em outro objeto, e do desejo e da lei à
qual ele está submetido. Assim sendo, psicanalistas e seu método clínico e teoria,
permanecem à escuta...
5 - Referências bibliográficas
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