Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Quando nos deparamos com estudos da História da Igreja nos primeiros séculos do
Cristianismo, devemos considerar, primordialmente, uma época em que a Igreja viveu no
âmbito da cultura greco-romana. Do nascimento de Cristo até fins do século VII quando do
sínodo de Trulano de Constantinopla, época denominada Antiguidade Cristã, o cristianismo
havia se difundido por todo o Império Romano e já ganhava também novos espaços fora das
fronteiras do Império. Se na África romana contavam-se muitas sedes episcopais no fim do
século I, no Egito há referências importantes sobre a Igreja de Alexandria que teria sido
fundada por São Marcos. O fato inegável é que Alexandria foi um pólo refletor importante de
cultura cristã, tanto que se achavam em mais de 100 dioceses episcopais, no decorrer do
século III na região, segundo o sínodo de Alexandria de 318. 2
O Império Romano que se estendia da Síria até a Espanha, do rio Nilo ao Danúbio,
mesmo tendo criado uma vasta organização política enlaçada por um mesmo sistema jurídico
e administrativo, nunca deixou de congregar culturas bastante distintas entre si. Mesmo na
África, se Cartago foi um centro importante de fé cristã, impregnado de cultura e língua latina
e que teve em Tertuliano (155-220) um timoneiro original porque deu à linguagem teológica
uma ênfase latina bem diferente do estilo oriental, em Alexandria, centro do helenismo cristão,
o universo cultural era bem diferente. Enquanto na África latina a fé se orientava para a ação,
no Egito, e especialmente em Alexandria, florescia uma cultura refinada carregada de
tradições mitológicas e religiosas, uma literatura especulativa que buscava unir pontos
1
Angela Cristina Sarvat de Figueiredo é doutoranda em história, pelo Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação da Prof.ª Maria Teresa Toríbio B. Lemos. E-mail:
angelafigueiredo@ibest.com.br
2
BIHLMEYER, Karl e TUECHLE. Herman. História da Igreja. Vol. I Antiguidade Cristã. São Paulo: Edições
Paulinas. p.74.
15
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
A religião tradicional dos egípcios foi uma das grandes expressões do mundo antigo.
Os antigos egípcios criaram várias teorias sobre a criação da vida, assim como sobre o mundo
dos deuses e sua influência no pensamento humano; modelaram os aspectos divinos da realeza
e identificaram características humanas nas divindades; definiram o papel dos sacerdotes na
comunidade e, acima de tudo, afirmaram outra dimensão dos homens ao crerem na eternidade
e na vida além-túmulo. Essa profunda experiência do pensamento religioso no Egito Antigo
foi tão importante que produziu uma identidade religiosa-cultural transportada por milênios,
assim como influências e reconhecimento duradouros sobre o mundo exterior. Para a História
Religiosa, é particularmente visível a influência religiosa egípcia sobre certos aspectos das
religiões do mundo greco-romano, como se pode constatar através do prestígio e popularidade
da deusa Ísis e do seu culto em diversas partes do mundo grego, como a antiga Mesopotâmia,
e do Império Romano como em templos na Inglaterra.
16
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
17
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
Outros aspectos também precisam ser considerados para a expansão da nova religião
cristã no Egito e em todo o mundo mediterrâneo. Temos que lembrar que havia uma crise
religiosa em todo o mundo não cristão, cujas religiões tradicionais não respondiam e
satisfaziam as necessidades espirituais dos povos da época. Na verdade, essa crise religiosa
crescia tanto no Egito como em outras partes do Império Romano. Muitos historiadores
explicam essa crise de identidade religiosa das populações com as várias religiões do Império
em função das desigualdades sociais e crises econômicas. A “felicidade” proporcionada pelas
riquezas materiais beneficiava, cada vez mais, uma minoria de privilegiados. Até no Egito,
convivia-se com uma concentração maior da propriedade das terras e consequente direito de
coletar impostos por esses proprietários. Essa tendência à formação de uma sociedade
dominada e organizada em torno dos grandes proprietários de terras opunha-se um aumento de
despossuídos que tendiam a se agrupar em torno desses potentados, acreditando na sua
proteção e em troca da disponibilidade de suas pequenas propriedades. Ao mesmo tempo,
inaugurava-se uma divisão maior no conjunto dos cidadãos entre humiliores e honestiores (os
humildes e os notáveis), ou seja, entre duas categorias segundo a fortuna e o nível social, fato
que conduzia a dois pesos e duas medidas em termos de justiça. Assim, podemos explicar a
crescente adesão a uma nova proposta religiosa cuja promessa de felicidade acolhia todos os
homens e, inclusive de forma inversa aos seus bens terrenos.
18
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
19
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
signos derivados do Demótico (antiga escrita egípcia utilizada pelo povo) destinados a traduzir
sons próprios da língua egípcia. Surgida no século III da era cristã e adotada como língua
oficial do Cristianismo Copta, tanto ortodoxo como católico, a língua Copta ainda se mantém
como língua litúrgica no Egito do século XXI. O fato é que ter sido veiculado em língua copta
deu ao cristianismo espaços e status populares privilegiados. Isto porque presbíteros e
diáconos ao falarem em copta às classes mais humildes da população, àquelas que não tinham
acesso à cultura grega das classes dominantes e que também não gozavam pela Constituição
Antoniniana ou Edito de Caracala, de 212, do status de cidadãos do Império, galvanizaram-nas
para a fé cristã, como também, ao confrontarem o cristianismo às religiões romanas,
transformaram-nas em sinônimo de pagãs e de conotação pejorativa.
A partir do momento que o cristianismo ganhou status de religião oficial sob Teodósio,
a história religiosa do Egito vinculou-se diretamente à Constantinopla, ficando a cristandade
sob a égide dos imperadores que guardavam para si o direito de definir e validar os dogmas a
serem difundidos no Império. Na verdade, o cristianismo havia se caracterizado, desde os
primórdios de sua existência, por uma certa variedade de artigos de fé e que geraram, por sua
vez, divergências entre os fiéis em função de concepções e interpretações locais. Contudo,
enquanto o cristianismo mantinha-se como religião minoritária, nos quadros culturais do
Império, essas querelas não tinham expressão significativa, mas, ao tornar-se religião
expressiva senão majoritária, o cristianismo suscitou debates que se tornaram assuntos de
Estado no Império.
20
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
21
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
Os inúmeros lugares santos coptas nos remetem, até hoje, a acontecimentos bíblicos
locais. Assim, a Igreja de El Mouallaga sinaliza o lugar onde José e Maria descansaram
quando da fuga para o Egito, empreendida pela perseguição de Herodes. A denominada “gruta
do menino Jesus” marca, por sua vez, o local onde a sagrada família teria vivido no período do
exílio. Do período romano, no Egito, o cristianismo copta absorveu não só a arte, mas
inclusive, o registro de uma das repressões mais rigorosas que se abateu sobre os cristãos
instaurada pelo imperador Diocleciano. Assim, o ano litúrgico é calculado de acordo com a
“era dos mártires” e datado a partir de 29 de agosto de 284, quando do início do reinado desse
imperador.
22
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
23
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
24
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Emanuel d’Able do, Dom. Introdução à História Monástica. Salvador: Edições
São Bento, 2006.
AUBERT, Roger. Nova História da Igreja. Vol.I. São Paulo: Vozes, 1968.
COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja: das origens ao século XV. São Paulo: Loyola,
1993.
MOKHTAR, G (coord.). História Geral da África: A África Antiga. Vol. II. São Paulo:
Ática, 1983.
PIERINI, Franco. Curso de História da Igreja: A idade Antiga. Vol. I. São Paulo: Paulus,
2004.
25