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GRAMSCI C.Nelson 06.01.

2003

Segundo vários analistas Gramsci é um pensador fragmentário e que o seu valor está
precisamente nisto. Ele não teria fechado as suas reflexões, deixando-nos um conjunto aberto de
fragmentos que são estímulos à reflexão.
Eu me situo entre os que acham que há uma sistemática nos Cadernos. Ou seja, entendo que
há alguns eixos que G vai progressivamente afunilando e que explicam o conjunto de suas
intervenções. Eu sempre digo: o grande problema que G levou para a cadeia foi o seguinte:
PORQUE A REVOLUÇÃO PROLETÁRIA TEVE ÊXITO NA RÚSSIA (NO ORIENTE) E
FRACASSOU NO OCIDENTE ? É claro que isso é muito redutor. Existem outras indagações
em G. Mas esta me parece central.
Lukács desde que entrou para o PC de 1919 a 1930 é o que poderíamos definir hoje como um
esquerdista (hoje seria um membro do PSTU). Ele tem uma idéia do que ele chama de
“ATUALIDADE DA REVOLUÇÃO”. Dirá ele que a grandeza de Lênin é ter-se dado conta de que
estamos numa época histórica da revolução. Mas se pode perceber facilmente que L., e, aliás,
vários outros comunistas da época, confundem “época histórica” com “conjuntura histórica”. Pode-
se até dizer que estamos numa época de revolução social (lembrem-se de que Marx na Introdução,
no Prefácio, de 1857, da Crítica da Economia Política, diz que havendo uma contradição entre
forças produtivas e relações de produção abre-se uma época de revolução social), mas essa leitura
mencionada da “atualidade da revolução” era, em muitos pensadores da época, a idéia de uma
iminência de revolução, da existência de uma conjuntura revolucionária, o que a prática mostrou
que não era.
Todas as tentativas de reproduzir no Ocidente , seja na Hungria, seja na Alemanha, seja na própria
Itália, o modelo de revolução semelhante ao modelo bolchevique fracassaram.
Então G. é preso em 1926 num momento de claro refluxo da revolução, e mais do que refluxo,
num momento de ofensiva da direita. G. é preso pelo fascismo, o fascismo já é governo na Itália
desde 1922, vai-se tornar regime a partir d e 26, a partir do momento em que ele é preso. E por
toda parte, na Alemanha, na Europa Central, na própria Inglaterra se observa claramente um refluxo
da revolução. G. que é um revolucionário, que não abandona a idéia de revolução, portanto, vai se
preocupar nos Cadernos em responder à questão de porquê a revolução fracassou no “Ocidente”,
quando não fracassou no “Oriente” . O que distingue as estruturas dessas regiões do mundo, dessas
etapas históricas do mundo ? posto que em G. a diferença entre “Oriente” e “Ocidente” não é
apenas sincrônica , mas é também histórica. As sociedades de tipo oriental se tornam ocidentais
... Mas o fato é que G. se dá conta de que há estruturas sociais diferentes e que em função delas
é preciso propor um tipo diferente de estratégia revolucionária. Por isso ele é conhecido
como O TEÓRICO DA REVOLUÇÃO NO OCIDENTE.

A resposta a essa questão é, em termos, o centro articulador dos vários fragmentos que
compõem os Cadernos do Cárcere. Ou seja, os Cadernos são uma grande reflexão marxista
sobre o nosso tempo (o tempo de G). G. não era um filósofo, não era um politicólogo, não era um
sociólogo, ele era um marxista, e como tal ele ignora, ou pelo menos, ele não toma
fetichisticamente a divisão acadêmica do trabalho. Todos nós marxistas temos uma certa
dificuldade em nos indentificar. José Paulo é um Assistente Social ? Eu sou um Cientista Político ?
Essa identificação me desagrada. ... G. vai falar de vários assuntos como marxista, ou seja,
buscando relacionar as diversas temáticas com a visão de conjunto que em última instância é a da
época histórica dele e das raízes dessa época histórica.
Por isso eu diria que a forma fragmentária não nos deve ocultar uma trama sistemática que
atravessa os Cadernos e faz deles uma obra unitária. É claro, voltando ao paralelo com L., L. é
claramente um pensador sistemático. A ESTÉTICA e a ONTOLOGIA ... são obras organizadas,
estruturadas, concentradas em temas fundamentais, onde todas as partes se relacionem. Não
encontraremos nessas obras contradições como as que Perry Anderson descobriu nos Cadernos.
Porque L. escoimou os seus manuscritos de eventuais contradições. Ele teve tempo para isso. O
único texto de L. que ele não reviu – PROLEGÔMENOS ..., é um texto cheio de repetições mas
não tem contradições. A própria ONTOLOGIA ... em boa parte ele reviu. Embora haja aí partes
repetitivas, você pode perceber claramente a armadura categorial que organiza o pensamento de L.
E isso é assim não só nas suas obras finais (ESTÉTICA e ONTOLOGIA) mas ao longo de toda a
sua produção teórica. Ele é um pensador claramente sistemático. Eu diria que tão sistemático
que está em desfavor neste momento histórico onde há uma hegemonia do chamado pós-
moderno cuja idéia é a da superação das grandes narrativas (totalidade), onde se privilegia
claramente o fragmento, a diferença (não a universalidade). Portanto, não é casual que no
momento L. esteja em desfavor (ver artigo recentemente publicado de José Paulo), enquanto um
pensador aparentemente fragmentário como G. conseguiu resistir melhor a essa época de
refluxo do marxismo. Ele é hoje tão lido quanto o foi há 20/30 anos atrás. Outro pensador também
fragmentário – WALTER BENJAMIN, no meu entendimento fragmentário tanto na forma como no
conteúdo, é outro pensador marxista que também manteve uma certa influência nesse período
difícil . Notem: quando aqui viermos a discutir o CONCEITO DE POLÍTICA em G. , veremos
ainda mais claramente essa natureza sistemática da produção gramisciana.
Marx faz uma distinção no Prefácio do CAPITAL entre o que ele chama “método de
investigação” e “método de exposição”. E diz, no Préfácio ao PARA A CRÍTICA DA
ECONOMIA POLÍTICA algo como: a investigação parte do concreto diferenciado para chegar a
algumas abstrações, e a partir dessas abstrações volta ao concreto , que ele chama de “concreto
pensado” ( ... o concreto real estruturado sistematicamente numa teoria) . Então, o método de
investigação vai do concreto ... Ele diz assim: a primeira categoria é população. A população é um
todo indiferenciado. Você tem numa determinada população as classes sociais, nas classes sociais
os extratos de classes, e a partir de um certo momento você fixa determinadas abstrações (que são
momentos, são células da totalidade) e chega de novo ao concreto , que ele chama de concreto
pensado.
Se vocês leram os Grundrisse e O CAPITAL, pode-se dizer que os primeiros expressam a
investigação de Marx. Ele não tem a estrutura sistemática que, ao contrário, tem O CAPITAL,
onde claramente é empregado o método da exposição. Em que sentido? Marx começa tratando a
MERCADORIA, que para ele é uma abstração (A mercadoria existe evidentemente sempre numa
formação social específica etc. etc.), mas ele acha que a Mercadoria é a célula do capital, e que na
mercadoria estão contidas as várias determinações que o capital explicita. Por isso ele parte da
mercadoria. Atenção ! Ele não parte da Mercadoria apenas (o que a meu ver é uma leitura
equivocada) porque a mercadoria precede o Capital. Não é apenas uma prioridade histórica, no
sentido de que existe mercadoria antes que exista o capital. Pode-se até dizer que isso existe
também no CAPITAL. Mas o fundamental é que a mercadoria é ponto de partida do ponto de vista
lógico-teórico. Porque a mercadoria é aquele feixe de relações onde estão presentes, se explicitadas,
as várias determinações do capitalismo. Da MERCADORIA se chega ao VALOR, daí ao
DINHEIRO, daí ao CAPITAL, daí ao TRABALHO ,e por aí vai, pela seqüência de categorias
teóricas que formam o aparato do CAPITAL, e que dão ao CAPITAL um caráter claramente
sistemático. Você não pode entender a transformação do valor em preço de produção (que está no
Livro III) se você não sabe o que é valor que está no Livro I. Tanto mais você se aproxima da
realidade empírica tanto mais as categorias se tornam concretas. Mas elas só podem ser entendidas
na sua complexidade se você as remete aos momentos abstratos que estão na sua base.
Toda essa parafernália a respeito do CAPITAL é para dizer o seguinte: os Cadernos do Cárcere
são os Grundrisse de uma obra que não foi escrita. Nos Cadernos há esboços de temas tratados
segundo o método de exposição ? Certamente. Há um caso muito curioso. Num dado momento G.
diz: elemento fundamental da ciência política é que existem GOVERNANTES e
GOVERNADOS. Ou seja, GOVERNANTES e GOVERNADOS funcionam na reflexão
política de G. como a mercadoria funciona na reflexão crítico-econômica de Marx no
CAPITAL. Você pode, a partir da idéia de que há governantes e governantes, indagar: como é que
os governantes governam ? Pela coerção, pelo consenso. Como é que se estruturam a relação entre
governantes e governados ? Ou seja, todas as categorias da teoria política de G. têm, digamos, na
distinção entre governantes e governados, o seu ponto de partida.
Qual é a diferença básica entre G. e Marx por um lado, e a dita cuja ciência burguesa, por
outro ? É que assim como Marx sabe que a mercadoria é histórica, ela é ponto de partida para
o Capital mas ela não é ponto de partida para o ser social em geral (o ponto de partida do ser
social em geral é o Trabalho. É o que o L. vai dizer na ONTOLOGIA. O trabalho é a condição
eterna de intercâmbio dos homens com a natureza). (A mercadoria é o ponto de partida do
Capital, mas ela é histórica. E Marx vai mostrar que ela tem uma origem e vai desaparecer.
Tomara ! Temos aí esse tal do mercado toda hora nervoso . Nós temos a esperança de que algum
dia desapareça o mercado). Do mesmo modo G ... Vejam bem: essa idéia de que a distinção entre
governantes e governados é a base da ciência política é uma idéia muito presente no pensamento
italiano da época, sobretudo num autor chamado Gaetano Mosca ??? , um elitista, ... política é
sempre a ação de minoria, é governante sobre governado. Max Weber é também a mesma coisa.
Isso não é uma peculiaridade de G. Assim como a idéia de que a mercadoria é ponto de partida
não é uma peculiaridade de Marx, está nos economistas clássicos. A peculiaridade deles está
exatamente no dizerem que são elas são duas formas historicamente datadas. E G. pergunta: vai
sempre existir a distinção entre governantes e governados ? Ele responde: não. Essa é uma
distinção que surgiu num momento da história e com a criação da sociedade regulada (=
comunismo) vai desaparecer. Governantes e governados serão funções intercambiadas. Isso é um
momento importante do método histórico que está na base da obra tanto de Marx quanto de G.
Mas ... voltanto atrás, eu dizia: o conjunto de apontamentos e reflexões contidos nos Cadernos do
Cárcere são basicamente um momento da investigação gramsciana. Se pegarmos os Manuscritos
de Marx veremos que Marx fala aqui de uma coisa ali de outra. Ele está juntando material para
depois trabalhar. Os Grundrisse são muito isso e já apontam algumas linhas, digamos, desse ....
de estruturar a matéria segundo essa idéia da passagem do abstrato para o concreto. Mas isso
aparece claramente no CAPITAL. Malgrado os Grundrisse seja um livro belíssimo , fecundo,
cheio de idéias que ele não retoma no CAPITAL (por exemplo, há uma previsão da automação nos
Grundrisse que é simplesmente fantástica. Marx já prevê, há cento e tantos anos atrás, que o
capitalismo tende para a automação) . Mas, malgrado essas antecipações presentes nos Grundrisse,
certamente a obra madura de Marx é O CAPITAL. Seria um equívoco preferir os Grundrisse ao
CAPITAL por causa dessas antecipações. O CAPITAL é a obra madura.
Pois bem, eu dizia antes o seguinte: os Cadernos do Cárcere nos apresentam a investigação de G.
num estado puro. Isso é muito interessante. Por exemplo: “Na nova antologia de 15 de março de 32
fulano escreveu um artigo assim, assim assim ...” Ele vai comentar esse artigo. Quer dizer, ele está
escrevendo, respondendo as leituras que ele faz. Então temos aí o laboratório reativo do G. Ao
mesmo tempo temos o início de um tratamento teórico que se aproxima do método de exposição
presente no CAPITAL de Marx. Eu diria que se pode dizer que os Cadernos são ao mesmo tempo
os Grundrisse de G. e o início do que seria O CAPITAL.
Como isso se manifesta ? Eu diria que na distinção a que antes me referi entre os chamados
Cadernos Miscelâneos e os Cadernos Especiais. A partir de um certo momento, mais precisamente
a partir de l931, G. começa a pegar os vários apontamentos presentes nos Cadernos Miscelâneos ....
e começa a agrupar esses parágrafos por tema. O Caderno 11 é talvez o exemplo mais emblemático
de um Caderno Especial. G. reuniu nesse Caderno, reviu, reescreveu, re-elaborou. Nele há um
índice, sub-índice, capítulo, sub-capítulo onde ele tentou agrupar todas as reflexões feitas por ele
até então sobre questões que poderíamos chamar de filosóficas. O Caderno 10 , que é escrito mais
ao menos ao mesmo tempo que o 11, é um Caderno ainda, eu diria, misto. Já é Especial porque
tem um título - ...A Filosofia de Benedetto Croce. Mas é um texto formado essencialmente por
textos de tipo B, ou seja, de redação única, enquanto os Cadernos Especiais mais claramente
especiais são formados por textos C , ou seja, textos que ele re-elabora (texto A – primeira versão:
texto B – segunda versão) e, portanto, caracterizam mais o Caderno Especial. Eu diria que essa
passagem das notas miscelâneas para a tentativa de agrupá-las em blocos temáticos é um momento
de passagem do método de investigação para o método de exposição. Claro que não é com a
articulação rica, fechada, do CAPITAL de Marx. Marx passou quantos anos escrevendo O
CAPITAL ? E ele não o terminou ! Morreu . O segundo volume foi Engels quem armou,
sobretudo o terceiro foi Engels quem armou a partir dos Manuscritos. G. infelizmente não teve
tempo nem a pachorra de sair da cadeira, de conferir aquelas notas . Ele sempre dizia: tudo o que
eu estou dizendo, como eu não tenho uma biblioteca, não tenho fontes bibliográficas, pode estar
tudo diferente do que é. Quer dizer, ele está escrevendo em condições precaríssimas , para não
esquecer o fato de que ele está sendo censurado. Em princípio o Diretor da Prisão pode pegar os
Cadernos dele e ler, o que faz com que ele freqüentemente use fórmulas elípticas para dizer as
coisas. Rússia, por exemplo, é Oriente ... Virou um conceito ... quer dizer, ... outros países de tipo
oriental, países atrasados coloniais, mas, essencialmente, ele está se dirigindo à Rússia. Filosofia
da práxis é uma bela expressão que ele usa para definir Materialismo Histórico. Isso é fácil de se
ver comparando os textos A aos textos C . Nos textos A há sempre “Materialismo Histórico” . No
mesmo lugar, no texto C, há “Filosofia da Práxis”. Porque entre os textos A e C mudou o Diretor da
prisão, o segundo era mais chato que o anterior. ... daí essas fórmulas elípticas ou alegóricas ou
esopianas .
Então, não se pode ler os Cadernos do Cárcere sem ter em conta todas essas questões. É um livro
que não foi feito para publicação . A edição temática que foi indiscutivelmente base da grande
difusão de G. oculta esse aspecto. Parece que G. trabalhou em diferentes temas de uma maneira
mais ou menos orgânica. Não foi assim. Malgrado os Cadernos Especiais não é que ele tenha
tentado escrever livros. Ele tentou arrumar matérias por temas. Então a leitura dos Cadernos do
Cácere deve levar em conta isto. Nós estamos diante de um conjunto de investigações que
começam a ser elaboradas como uma teoria sistemática.
Qual é um dos principais males da famosa edição temática ? A idéia de que por exemplo G.
escreveu um livro de filosofia. Temos lá O MATERIALISMO HISTÓRICO e a FILOSOFIA
DE BENEDETTO CROCE .... Ali ele vai tratar de questões tais que: o que é o homem ? o
que é objetividade ? o que é ideologia ? quais são as formas de consciência ? o que é senso
comum ? o que é bom-senso ? É verdade. Esses temas estão todos tratados ali Mas não
podemos esquecer o seguinte: a preocupação de G. com a filosofia parte da centralidade que
a política tem na reflexão dos Cadernos do Cárcere. Notem bem: Política entendida não no
sentido estrito da palavra, não no sentido apenas da relação governantes/governados , mas política
entendida como um tipo de práxis humana que ele também chama umas duas ou três vezes de
CATARSE. A catarse seria toda a prática social que passa do particular para o universal. Então a
política em G. tem fortemente o sentido de alguma coisa que universaliza, que eleva do econômico-
corporativo, egoístico-passional, o particular à universalidade, que ele chama de ético-política.
Então, nesse sentido, a centralidade da reflexão de G. se concentra na categoria da política. E o que
ele vai fazer ao estudar filosofia, não é que ele reduza as questões filosóficas às questões
imediatamente políticas, não é isso. É que ele trabalha essas questões com a preocupação
fundamental de tentar entender o seguinte: quais são as formas de consciência que ocorrem na
prática política.
Já há aqui uma diferença marcada com L. que escreve a ONTOLOGIA ... no volume sistemático (o
primeiro é histórico. Há capítulos sobre Trabalho, Reprodução Social, Ideologia e
Alienação/Objetivação) onde há 40 páginas dedicadas a Política no capítulo sobre a Ideologia. Em
G. a ordem é inversa. G. sabe que a Ideologia é a forma de consciência mobilizada pela atividade
política. Então em vez de a Política ser um momento da ideologia , como em Luckács (não é que L.
diga isso, mas o tratamento dele leva a isto, daí aparecer a Política como uma sub-parte do capítulo
da Ideologia), enquanto isso, em G. é muito clara a idéia de que a práxis política é central e que a
ideologia é a forma de consciência da práxis.
Há diferenças, eu diria, substantivas entre as concepções filosóficas de G. e as de Lukács. Muitas
delas, eu diria, ...de que Lukács empenhou-se sistematicamente na elaboração das principais
categorias que permitem pensar o ser social, enquanto G. não se dedicou sistematicamente a isto
mas se preocupou sobretudo em esclarecer a forma concreta da atividade política.
Isso leva, por exemplo, a importantes diferenças no terreno da Teoria do Conhecimento, ou da
Epistemologia. L. insiste (e José Paulo deve ter dito) na idéia de que o pensamento humano é um
reflexo do real. A objetividade está fora da nossa consciência e a tarefa do pensamento é refletir
essa realidade e adequá-la ao conceito. É claro que esse reflexo não é um reflexo especular , um
espelho, é um reflexo complexo, a subjetividade humana também faz parte. Mas há essa clara idéia
de que o real que está fora de nós. E o correto é aliás que você desantropomorfize o conhecimento,
que você projete o mínimo possível da sua subjetividade na objetividade que você quer conhecer.

Notem bem: ao mesmo tempo na ONTOLOGIA isso é o que nós podemos chamar que estamos
diante do SUJEITO EPISTEMOLÓGICO, O SUJEITO DO CONHECIMENTO. Mas L. tem
clareza que o sujeito do conhecimento é o momento do sujeito ontológico, ou seja, do sujeito
prático, do sujeito que age, que introduz no ser um elemento novo que não existe nem na natureza
inorgânica nem na orgânica, que é o que L. chama de TELEOLOGIA. Retomo isto porque quero
fazer um paralelo com G.
Vejam bem: porque o homem interfere no real, porque o ser social é produto da articulação entre a
subjetividade do sujeito agente e objetividade ( que no fundo é gerada pelo sujeito-agente) é por
isso que o ser social é uma coisa específica. Portanto, não se pode dizer de modo algum o seguinte:
o ser social é independente da nossa consciência. Não ! O ser social é resultado dos vários atos
conscientes que cada indivíduo social desempenha na sua vida, na sua práxis. O resultado disso, o
conjunto dessas ações, geram uma objetividade que evidentemente transcende a vontade e a
consciência de cada indivíduo isoladamente. Mas não existe nenhum ato social que não mobilize
consciência.
Então vejam bem: o sujeito epistemológico é um modo subordinado de ser do sujeito ontológico .
Eu quero agir sobre a realidade. Eu quero construir uma casa. Projeto na minha cabeça a imagem
da casa, portanto eu tenho um fim a realizar na minha ação, um thelos a realizar na minha ação.
Mas para fazer uma casa ... Vejam bem, isso é o primário. O primário na relação do homem com a
natureza é o fato de que o homem usa a natureza para realizar, materializar suas finalidades, o seu
thelos. Para fazer uma casa (eu vou dar um exemplo de Marx quando define a diferença do
trabalho humano do arquiteto do trabalho lato da abelha - a abelha faz a casa sem saber que está
fazendo, enquanto o homem faz a casa colocando na cabeça dele preliminarmente uma imagem da
casa e um interesse em construir a casa).
Então, dizia eu, essa é a postura ontológica básica na relação do homem com a natureza . O
homem é um objeto, se preferirem. O momento epistemológico, esse momento pelo qual eu tento
pensar o objeto abstraindo-o da sua relação comigo, tentando entendê-lo tal como ele é, é um
momento necessário da realização do thelos. Eu não posso construir uma casa se eu não refletir por
exemplo sobre o seguinte: eu tenho que usar materiais suficientemente resistentes para que uma
chuva ou um vento forte não a derrubem; eu tenho que calcular corretamente o ângulo da parede
porque se ela estiver torta a casa cai. Então, todas essas tentativas de compreensão do objeto são
um momento necessário da realização do projeto teleológico do sujeito que está atuando sobre a
realidade. Então vejam: há uma subordinação no sentido ... do sujeito epistemológico, do sujeito
que conhece, ao sujeito que atua, ou seja, ao sujeito ontológico. Isso distingue,a meu ver muito
fortemente , a reflexão filosófica, particularmente a de Lukács, e o marxismo vulgar que durante
tanto tempo passou por verdadeiro marxismo:a realidade existe independente da minha consciência
e da minha vontade. Não ! A realidade não existe independentemente da minha consciência e da
minha vontade. No momento em que eu me ponho como sujeito epistemológico, eu quero conhecer
o real para atuar sobre ele, eu tenho que trabalhar sobre esse real como se ele independesse da
minha consciência e da minha vontade. Eu sei que a casa, por exemplo, ainda que independa da
consciência e da vontade de fulano, foi fruto da consciência e da vontade de um ser humano. Por
isso ela tem um sentido embutido nela. Quando eu olho essa mesa ela tem uma diferença clara para
um pedaço de madeira, de uma árvore, digamos assim, porque aqui tem subjetividade embutida,
tem a finalidade da mesa (sentar sobre ela, colocar o gravador em cima). A mesa tem uma
finalidade que resulta de um thelos. Alguém disse: eu vou fazer um objeto que permita que eu
sente em cima dele, coma em cima dele, e tal. Então isso não é pura matéria, independentemente
da consciência e da vontade dos homens, isso é resultado de uma ação humana que implicou uma
vontade e uma consciência.
Pois bem, isso leva L., eu diria, a elaborar uma teoria do conhecimento, uma teoria da ciência
subordinando a ciência à práxis, à ação humana, mas a elaborar uma teoria da ciência como
representação objetiva da objetividade. Em L. há dois tipos de ação (em Habermas também há mas
há uma diferença entre os dois): uma L. chamou de “intentio recta” – intencionalidade direta, que é
o que poderíamos chamar, com Habermas, de TRABALHO. É toda a ação humana que visa,
diretamente, diz L., a produção de valores de uso, e que, portanto, tem por seu objeto a natureza. O
arquiteto está usando materiais da natureza para fazer uma casa, é uma ação de “intentio recta”, está
voltada para a dominação da natureza; mais precisamente o thelos dirige-se ao domínio de
relações causais que independem da vontade do sujeito-agente. Mas um outro tipo de práxis, que
L. vai chamar de “intentio obliqua” - intencionalidade transversal, que em última instância esse
tipo de ação também tem por objeto produzir valores de uso mas o objeto da teleologia nesse caso
é uma teleologia de outra pessoa. Eu atuo não sobre a natureza no sentido de dominar suas leis, de
submetê-las ao meu projeto, eu atuo sobre o projeto de outro tentando influenciar esse projeto
dirigindo-o para aquilo que me interesse. Por exemplo, a construção de uma vontade coletiva.
Levar alguém a votar no Lula. Se eu tento convencer uma pessoa que não ia votar no Lula a faze-
lo, o meu thelos – votar no Lula, está atuando sobre o thelos de outra pessoa.
Vejam bem: não é que nesse tipo de conhecimento não haja também objetividade. Peguemos
Machiavel, por exemplo, ele diz ao Príncipe: você quer deixar de ser um privado, quer-se tornar um
Príncipe, quer deixar de ser um homem qualquer e virar um Príncipe ? Quer estabilizar o seu
domínio sobre uma determinada região ? Você tem de agir dessa e dessa maneira. Teu thelos deve
ser esse em relação a outros homens. Mas para que esse thelos seja eficaz, para que ele seja aceito
como Príncipe e possa dominar ele tem que conhecer os homens sobre os quais ele atua. Machiavel
dirá: os homens são pérfidos, mentirosos, é melhor ser amado do que ser temido ... enfim, fará
várias observações sobre a natureza humana, sobre o que é o homem, porque esse tipo de ação ,
ação sobre ação (que nós podemos chamar de inter-ação, com Habermas, práxis interativa), esse
tipo de ação sobre ação também mobiliza recursos de conhecimento eu diria objetivos. Vou dar um
exemplo: quando Marx diz que buscando cada um o seu lucro máximo aumenta-se o lucro. Mas,
quando todos fazem isso há uma tendência à queda da taxa de lucro. Ou seja, há uma objetividade
que resulta das minhas ações, e eu possa conhecê-la de uma maneira tão científica, ou quase tão
científica, quanto eu conheço a natureza. Qual é a diferença ...e nós vamos começar a ... talvez ...
G.
Essa é a grande idéia do Habermas: que há dois tipos de ação humana, a que chama de “agir
instrumental” , que é o trabalho strictu sensu que visa a dominação da natureza, que moviliza a
racionalidade instrumental etc. etc. ; e o que ela chama de “interação”, “ação sobre ação”, que
mobiliza um outro agir comunicativo, que mobiliza um outro tipo de racionalidade .... fundado no
consenso ... Eu diria que Lukács viu isso também, que há dois tipos de ação, que um pouco
sumariamente nós poderíamos chamar de “trabalho” e “práxis”. Mas qual é a diferença. É que
enquanto em Habermas há o dualismo realmente. O que é que vem primeiro ? A comunicação ou o
trabalho ? Os dois vieram, fazem parte do ser humano. Ora, em Lukács muito claramente o “agir
comunicativo” (essa expressão é de Habermas, não é de Lukács) esse agir interativo, essa intentio
obliqua tem a sua base ontológica no trabalho. É porque trabalham que os homens se comunicam.
Os homens não trabalham porque se comunicam mas se comunicam porque trabalham. Há uma
prioridade ontológica do trabalho sobre a comunicação, embora a prioridade ontológica não
necessariamente seja uma prioridade ética ou axiológica. Lukács insiste muito nisso. ... Sem
trabalho não há comunicação, assim como sem SER não há CONSCIÊNCIA. Mas uma vez que
surge a consciência, e que surge a comunicação, não é que o trabalho seja melhor que a
comunicação, o trabalho explica a comunicação. ....
Pergunta: Estar-se-ia falando aí de “momento prédominante”, mas não necessariamente
dominante ?
Professor: Não. Isso aí é outra coisa. Momento predominante é numa totalidade , segundo L. , ao
contrário de Hegel, Marx diz que há sempre um momento predominante. Na totalidade formada por
produção, consumo, distribuição , circulação, o momento predominante é a produção, embora seja
uma totalidade. Em Hegel não há essa idéia de momento predominante, porque a totalidade é
constituída por vários momentos mas uns atuam sobre os outros e não há um que puxa. Porque a
idéia de Marx é a de que se não houver um momento que puxe a coisa se neutraliza. É preciso que
haja o que ele chama de “......” que é difícil de traduzir, que é o momento que arrasta, não é bem o
momento predominante no sentido ... “...” . Então a produção é momento que puxa a totalidade e
que faz com que ela tenha dinamismo. Assim como a economia, as relações sociais de produção,
são o momento predominante da totalidade social. Não é que a superestrutura não tenha um peso.
Mas o momento predominante são as relações sociais de produção, é nelas que se dá o intercâmbio
do homem com a natureza que é condição eterna da re-produção do ser humano.
Mas voltlando... A diferença portanto básica entre Habermas (... o Habermas, diria eu, de um
pouco mais atrás, já que ele a cada ano publica um livro de 500 páginas e ele vai mudando.
Escrever sobre Habermas é aliás um problema porque se escreve, quando o livro está sendo
impresso ele publica um outro livro dizendo outra coisa), mas do Habermas da “Teoria do agir
comunicativo”, que é um livro de 80, tem essa dualidade entre o trabalho e interação, e eu diria que
o problema que Habermas viu, que é um problema real, Marx também viu. É o seguinte: força
produtiva é trabalho, e relação de produção é interação. Viu mas não trabalhou bem o assunto, e tal.
Lukács viu, e eu ousaria dizer (o José Paulo não está aqui), que viu mas não tirou todas as
conclusões necessárias dessa detecção.
Ou, em outras palavras, o tipo de conhecimento mobilizado (sim, eu já fui fanaticamente
lukásciano, hoje eu me permito, assim, algumas traições com Gramsci. José Paulo, não). Digo que
Lukács não tira da percepção dessa não dualidade mas dessa diversidade entre esses dois tipos de
ação, ou seja, ação diretamente sobre causas, e ação sobre ação do outro, conclusões
epistemológicas. O que seria isso ? São formas de consciência diferentes. Já disse anteriormente
o seguinte: também na interação há um momento de conhecimento “científico”. Eu tenho que
saber quem é o Fernando, como é que o homem atua, quais são os gostos de Fernando, as suas
inclinações para atuar sobre ele com alguma eficiência. Não é manipulação . No caso de
Maquiavel é um pouco. O Príncipe trata os indivíduos manipulatoriamente, mas é também uma
práxis interativa aquela que visa, por exemplo, uma vontade coletiva. ..... Não estou manipulando
ninguém, mas eu estou interferindo eu sobre os outros , os outros sobre mim, teleologia sobre
teleologia.
Vejam bem, eu acho que esse tipo de ação implica uma forma de conhecimento diferente do que
nós poderíamos chamar “ciência da natureza” ou, estendendo, certo tipo de ciência social, entre os
quais eu acho que a economia é o mais evidente. Falta. Lukács não se empenhou devidamente a
meu ver. É curioso observar o seguinte: quem lê a ESTÉTICA vai ver que L. atribui à obra da arte,
mas só à obra de arte, um tipo de conhecimento que eu acho que ele poderia ter estendido ao tipo
de práxis ... Ele diz: na obra de arte há a identidade do sujeito com o objeto. Não há uma
objetividade pura, porque dentro da objetividade na obra de arte há a subjetividade do artista. Uma
estátua grega não é um pedaço de mármore. É um pedaço de mármore trabalhado pela
subjetividade. Então, tanto na criação como na recepção da obra de arte há essa identidade (L. usa
inclusive a palavra “identidade” que eu acho um pouco radical) , há essa unidade (que pode ser na
diversidade) entre objeto e sujeito . Mas ele não aplica essa idéia de tipo de consciência que existe
na práxis estética às formas mais gerais de práxis interativa.
Voltemos ao nosso G. Qual é a grande preocupação de G ? É seguramente entender essas formas
de consciência que operam na práxis intelectual. Em G. não há uma distinção clara, explícita, entre
os dois tipos de práxis. Em geral o objeto de suas reflexões mais especificamente filosóficas é a
práxis interativa, que eu acho que ele vai chamar de política. Política no mínimo é a forma mais
elevada para G de prática interativa, é ação sobre ação. Assim como em L. você tem o thelos,
claramente em G você tem a vontade. G é dentre os marxista é o que mais trabalha com a noção de
vontade. Vontade o que é, é um projeto de atuação sobre o real, a vontade pode ser aproximada da
idéia lukásciana de teleologia. E aqui nesse conceito de vontade, eu diria, um conceito central de
suas reflexões filosóficas, há uma indiscutível evolução entre o primeiro G e o G dos Cadernos.
Quem lê A REVOLUÇÃO CONTRA O CAPITAL verá que G. atribui à vontade nesse período
juvenil de sua evolução um papel taumatúrgico.
(interrupção da fita)

.... objetivo da vida social, aquele momento da vida social que independe da nossa vontade ( e Marx
está sendo lido pelos opositores da Revolução Russa que estão dizendo que a Revolução Russa é
contra o que Marx disse. Um país que não tem força produtiva desenvolvida não pode passar para
o socialismo). Então, G, tentando se afastar dessa leitura determinista e objetivista de Marx e do
marxismo termina caindo no lado oposto quando diz que a vontade cria o real. Esse voluntarismo
do jovem G tem uma fonte muito expressiva. G se impressionou fortemente na sua juventude com
dois pensadores: Benedeto Croce e Giovani Gentile. , Ele chega a dizer nos Cadernos que nessa
época ele era sobretudo tendencialmente croceano. ... Esses dois pensadores foram muito amigos
em dado momento, colaboraram, criaram juntos uma revista chamada Crítica, depois se separaram
porque Croce prosseguiu sendo liberal, oposicionista, ainda que moderado, do fascismo, enquanto
Gentile aderiu ao fascismo, foi ideólogo do fascismo, foi até ministro ... do fascismo. Esses dois
pensadores se juntaram e tinham um inimigo comum: o positivismo, que está muito difundido na
Itália da época, sobretudo no norte da Itália, eles são ambos do sul (ou napolitanos ou sicilianos). E
eles recuperam elementos do idealismo clássico alemão para contrapô-los a essa hegemonia do
positivismo que dominava o pensamento filosófico ... particularmente no norte da Itália, aquela
parte mais desenvolvida, mais indusrializada da Itália.
Ora, essa recuperação de Hegel é extremamente problemática nesses dois autores, particularmente
em Gentile. Vejam bem: também Hegel ... você pode dizer o seguinte: o ser social é resultado de
uma interação entre subjetividade e objetividade. A idéia de Hegel é uma coisa que existe na
realidade ... mas idéia dele não é a idéia subjetiva, a idéia que está na minha cabeça. A idéia é a
realidade entendida enquanto articulação de natureza e espírito. Ou seja, de subjetividade e
objetividade. Nesse sentido eu diria que Hegel é o precursor da ontologia do ser social que Marx
desenvolve inconscientemente na sua obra e que Lukács vai extrair no final da sua vida. Claro, em
Hegel o peso do momento subjetivo é muito forte, é mais forte que no marxismo que reconhece
mais a dureza do real, a determinação objetiva do real. Mas essa idéia está em Hegel também, a
idéia de que a objetividade social (Hegel termina também aceitando a natural) é uma junção de
sujeito e de objeto. Hegel nisso corrige um pensador anterior a ele , chamado Fitche, onde é muito
clara a idéia de que o sujeito cria o objeto. Diz ele: o eu põe o não-eu, aquilo que está fora do eu.
Então enquanto em Hegel há, eu diria, um equilíbrio entre subjetividade/objetividade, ainda que
talvez incline de leve para a subjetividade, existe claramente na idéia de que a realidade é criação
do sujeito, de um eu que não é um eu que não é o eu Solange, é um eu transcedental , um eu que
está para além de nós indivíduos, ou seja, o sujeito humano. Eu diria que esses dois pensadores -
Croce e Gentile, ao tentarem recuperar Hegel e muito particularmente ... terminam recuperando
mais Fitche do que Hegel. Então neles há essa idéia de que o espírito cria a realidade. Em Gentile
então isso é muito claro. Ele chama a isso a filosofia do ato, o ato puro, o ato do espírito cria o
real, a realidade é uma criação do sujeito humano.
Mas é curioso o seguinte: em 1899 Gentile, então com vinte e poucos anos, publica um livro
constituído por dois ensaios chamado A FILOSOFIA DE MARX, um dos quais se chama A
FILOSOFIA DA PRÁXIS. É uma leitura extremamente interessante. Em primeiro lugar ele diz:
Marx não é Engels. Engels é o materialismo vulgar , o anti-Dhuring ... a idéia de que a consciência
é reflexo do ser, mas Marx, particularmente na Teses de Feuerbach, cria uma filosofia da vontade.
É a vontade humana que cria o real. É interessante observar que Lênin, que era um ortodoxo, faz
um verbete para uma Enciclopédia de Marx e recomenda na bibliografia a leitura do Gentile,
dizendo o seguinte: Gentile percebeu aspectos do marxismo que o pensamento marxista corrente
não percebeu. Ou seja, nesse momento ele se referia ao papel do sujeito na construção do real. Só
que Gentile radicalizou isto e argumentou no sentido de que Marx disse (e Marx não disse isso) que
o ser social é produto da vontade.
Eu diria que esse voluntarismo do jovem G é claramente de origem gentiliana (até eu diria mais
que croceana. Croce é mais cuidadoso quando diz que existe um momento prático do espírito , que
o momento econômico, o momento ético. Mas Croce também ... há a idéia de que o sujeito cria o
objeto). E G, ainda que se considerasse marxista já nessa época, certamente é muito influenciado
pelo pensamento desses dois autores. Curiosamente dois autores que serão nos Cadernos, sobretudo
Croce, alvos prioritários da sua crítica. ... ele vai criticar duramente um autor chamado Nicolai
Bukharin, que é um dos dirigentes da Revolução Bolchevique, que em 1923 escreveu um livro
chamado TRATADO DE MATERIALISMO HISTÓRICO, que marca, eu diria, o início do
chamado “marxismo soviético”, que depois seria chamado de “marxismo-leninismo”, “diamat”
(materialismo dialético), enfim, todas as formas de coagulação do marxismo que predominam na
época da III Internacional influenciada pelo marxismo soviético.
Esse conceito juvenil de vontade, que é um conceito idealista, ... terminou sendo infiel não só a
Marx (ele dirá que Marx tem incrustrações positivistas) mas infiel ao próprio espírito do marxismo
que articula sujeito e objeto e não subordina o objeto ao sujeito.
Nos Cadernos do Cárcere com freqüência G volta a trabalhar com o conceito de VONTADE mas
insistindo agora na idéia de que a vontade não cria a partir do nada. A vontade é consciência
atuante da necessidade histórica. Então notem que há aqui uma indiscutível correção materialista do
voluntarismo idealista da sua juventude. A vontade atua sobre o real, mas ela não cria a partir do
nada, e ela é a consciência atuante, não só consciência reflexiva, mas a consciência que serve para a
ação de uma necessidade histórica, é literal isso.
O que eu queria com essa digressão ? Chamar a atenção para a idéia de que também em G como em
L há essa idéia de que está no coração do ser social a ação humana. O ser social é construído pela
ação humana. Não uma ação humana abstrata e vazia, mas uma ação humana que opera nas
condições concretas de um mundo que ainda que posto pela subjetividade torna-se objetivo para o
indivíduo que atua. Os homens fazem sua própria história mas não a condição de escolhê-la, ...
condições que nos foram legadas pelo passado. Nós fazemos a nossa história, mas fazemos meio
sem saber, e meio sem querer. Nada acontece na minha a vida (talvez das ações do inconsciente,
mas isso é com Freud, é outro departamento) que não passe pela minha consciência. Mesmo os
atos mais automáticos um dia foram conscientes. Eu posso até adquirido um costume, acender a
luz, por exemplo. Mas um dia apertando a tomada e acendendo a luz eu usei a minha
consciência. Então não há nada no ser social, nenhuma ação que não passe pela consciência. Só
que essa consciência gera uma objetividade, aquilo que L vai chamar de objetivação, que se
defronta com o sujeito (expressão de Hegel, depois de L) como uma segunda natureza. Ele é tão
dura e tão espessa quanto a natureza , diferente da natureza que é objetividade, enquanto no ser
social é objetivação. O Estado é objetivação humana, mas ele aparece para nós como se
independesse da minha vontade pelo menos num primeiro momento e também da minha
consciência.
Então, nisso há uma identidade básica entre as concepções filosóficas de G e L. Resumindo: o ser
social, diferentemente do ser natural, é constituído por teleologia e causalidade, isto é, por ação
construtiva do indivíduo e por objetividades que independem da ação do indivíduo.
Onde começa as pegar a coisa ? Eu diria que começa a pegar pelo fato de que G, preocupado com
a Política, que é como disse o seu objeto prioritário, preocupado com um tipo específico de ação
interativa, ele freqüentemente assume posições idealistas, vejam bem, quando trata do sujeito
epistemológico. Eu passei a vocês uma nota chamada O QUE É OBJETIVIDADE. G. diz o
seguinte: objetivo é o universalmente subjetivo. Essa afirmação tomada ao pé da letra é uma
barbaridade. Aquilo em que nós todos acreditamos é objetivo. Vejam bem: isso é verdade, mas isso
nem sempre é verdade. Lei da Gravidade. Antes de cair a maçã na cabeça de Newton levando-o a
refletir sobre a lei da gravidade, a lei da gravidade existia, era um fenômeno objetivo independente
da consciência humana. As leis naturais são leis objetivas não porque sejam universalmente
subjetivas mas porque existem e atuam sobre nossa ação sem que nós saibamos. Muitos dos
fenômenos sociais têm também uma objetividade que transcende ao universalmente subjetivo. Já
dei aqui o exemplo da lei da queda tendencial de lucro. Volto a falar nele. Os homens
conscientemente – o empresário X e o empresário Y, começam a investir mais em máquinas para
poupar trabalho e aumentam a composição orgânica do capital, têm lucro individual no primeiro
momento mas a conjunção das várias tentativas de aumentar o seu lucro termina por fazer com que
a composição orgânica do capital aumente no conjunto da sociedade e, como sabemos, o que
produz valor é trabalho vivo e não trabalho morto, e com isso diz Mar, há uma tendência à queda
da taxa de lucro. Tendência à queda da taxa de lucro é um fato tão objetivo quanto uma hecatombe
natural. Então, G estaria errado se dissesse que a lei da queda da taxa tendencial de lucro só existe
quando os homens tomam consciência dela.
Esse concepção de G que aparece em vários lugares, Cito: “a matéria sem homem é uma abstração
metafísica” . “Não existe matéria sem o homem”, “A matéria é uma categoria histórica”. Essas
afirmações, eu acho, revelam uma tendência idealista. Em outras palavras, se quisermos pensar o
agir instrumental , a práxis se manifesta no trabalho, com essa categoria de que objetivo é universal
subjetivo, nós vamos dar com os burros n’água.
Se L. viu as diferenças dos tipos de práxis mas não viu as modificações que se produziam nas
formas de consciência, eu diria que G, tentando entender a especificidade da consciência no tipo de
prática interativa, termina por afastar da sua reflexão, ou não se interessar, pelo momento da ação
teleológica sobre a natureza que tem um tipo específico ... ciência enquanto reprodução objetivo
de uma realidade que existe independentemente da nossa vontade.
A lei da gravidade existe antes que os homens tomem consciência dela. Porém, na práxis
interativa, que é por excelência uma forma de práxis interativa, a afirmação de G é verdadeira no
sentido de que uma série muito grande de fenômenos sociais só se torna realidade quando são
universalmente subjetivos, ou seja, quando os indivíduos partilham de uma crença comum. Assim,
sem democratas não há democracia. Se não acreditamos que a democracia é melhor forma de
resolver os conflitos humanos, a democracia seguramente, a despeito de estar lá na Constituição,
ela não vai se estabelecer. Ouso dizer, embora por isso eu possa ser acusado de ser bersnstaniano,
que sem a consciência subjetiva de que o socialismo é melhor do que o capitalismo, o socialismo
não se efetivará. Ele está entranhado nas relações de produção , nas forças produtivas, nas
contradições do capitalismo ? Não. Ele é possibilidade por esses fenômenos objetivos. A
contradição estabelecida pelo capital possibilita o socialismo. Mas ele só virá quando for
universalmente subjetivo, em termos, não que 172 milhões e tantos brasileiros sejam socialistas,
mas no sentido de que ele se terá tornado um fenômeno significativo e que portanto universalmente
subjetivo nesse sentido.
Isso é HEGEMONIA. O que G quer dizer com essa idéia do objetivo em relação ao subjetivo é o
seguinte: para que as relações de interação contenham um momento hegemônico é preciso que as
crenças que fundam a hegemonia sejam universalmente partilhadas. É verdade portanto que existe
essa forma de consciência ligada à interação, uma forma de consciência na qual ... Vou dar um
exemplo.. Mas antes disso vamos ao que G vai chamar de IDEOLOGIA. Todas as formas de
consciência que G trabalha nos Cadernos são manifestações fenomênicas disso que ele chama de
Ideologia. Senso comum é ideologia, religião é ideologia , bom senso é ideologia, filosofia dos
filósofos é ideologia, ética é ideologia. Ou seja, ideologia são as formas de consciência que
possibilitam as práxis interativas. Eu não posso construir uma vontade coletiva se cada um dos
membros desse coletivo não acredita nos valores que eu estou propondo como cimento dessa
vontade coletiva. Eu não posso construir uma vontade coletiva para mudar o capitalismo e
construir o socialismo se as pessoas que partilham, que criam esse sujeito transformador não
partilham, não com-partilham mais precisamente alguns valores que G chamaria de hegemônicos.
Veja-se: o grande acerto das reflexões filosóficas de G é tentar entender o que é isso. Qual é a
forma de consciência que surge na ação interativa. Nesse particular, e só nesse particular, isso não
vale para o geral , senão nós caímos no idealismo, é verdade dizer que o objetivo é universalmente
subjetivo. Ou se nós preferimos, é a inter-subjetividade. Que é exatamente aquilo que preocupa
muito Habermas na AÇÃO COMUNICATIVA. Ou seja, se eu não partilho valores eu não crio um
fenômeno historicamente objetivo.
Com isso eu quero chamar a atenção para o seguinte: ideologia em G tem um sentido bem diferente
do que tem em Marx. E esse não é o único conceito ... Engraçado que o G sempre que fala de Marx
diz o seguinte: é muito difícil construir ... o novo não se valer de palavras velhas e com isso
contaminar um pouco a novidade ... Ele fala muito isso em relação a Marx a respeito do
MATERIALISMO. Ele usou o materialismo de uma maneira tão diferente do materialismo anterior
que termina se tendo uma leitura equivocada. Isso vale também para ele. Ele freqüentemente usa
palavras que não têm mais o velho sentido. Por exemplo: “sociedade civil”. Em G sociedade civil
nada tem a ver com o que é em Hegel nem em Marx. Isso causou confusões. Se quisermos entender
o papel que tem a sociedade civil em G comparando com o papel que tem em Marx vai dar com os
burros n’água, vai terminar em Bobbio, terminamos reduzindo G ao idealismo, quem determina a
história é a sociedade civil gramisciana , isto é, o mundo das organizações e não a economia.
No caso da Ideologia, ele está autorizado por Marx, como veremos adiante. Mas também aqui ele
criou um conceito que eu não hesitaria em dizer que é um conceito novo. Ideologia para G é a
forma de consciência que opera nas interações sociais. O que é ideologia em Marx e Engels ?
Lendo-se a IDEOLOGIA ALEMÃ veremos que Ideologia nesse momento da reflexão de Marx e
Engels é sinônimo de falsa consciência . Ou seja, como os indivíduos estão inseridos na sociedade
em posições diferentes, a consciência que eles elaboram tende a refletir a sua perspectiva parcial.
Então a ideologia é uma falsa consciência não porque seja uma mentira, não porque negue
rotundamente a realidade ou que ignore a realidade mas porque toma a aparência pela essência,
toma o particular pelo geral, imagina por exemplo que aquilo que é do interesse de uma classe
social é do interesse da humanidade como um todo. Um exemplo muito claro é que enquanto o
trabalhador tende a pensar a estrutura produtiva a partir da produção, precisamente porque ele está
inserido na produção , ele é o produtor, o capitalista tende a ver o mundo da economia a partir da
circulação, porque é na circulação que ele realiza a mais-valia, é na circulação que ele contrata a
força de trabalho, o que leva a economia política vulgar, segundo Marx, a se centrar na circulação
e não na produção. Então, ideologia é falsa consciência à qual se contrapõe a ciência. Enquanto a
ciência reproduz adequadamente a estrutura do real, a falsa consciência troca a aparência pela
essência (Marx: “se aparência e essência coincidissem, a ciência não seria necessária) . Isso até o
povo sabe; “as aparência enganam”.
Pois bem: esse é o conceito de ideologia presente na IDEOLOGIA ALEMÃ. É o conceito que
Marilena Chauí trabalha no seu livro O QUE É IDEOLOGIA . É um defeito considerar apenas esse
conceito de ideologia.
Mas eu diria que já em Marx surge em dado momento um outro conceito de ideologia, presente no
Prefácio de 1859 do PARA A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA em que Marx compacta
admiravelmente o Materialismo Histórico em 30 linhas. Aliás esse é o texto de Marx, além das
TESES DE FEUERBACH que G mais cita. Nesse texto há uma observação de Marx a propósito
da contradição que se estabelece entre as forças produtivas e relações de produção. Nesse nível ,
se me lembro bem, essa contradição pode ser apreendida com mera ciência natural (ele diz isso
prestando homenagem ao público cientificista da sua época) . O que ele quer dizer com isso ? Eu
posso afirmar o seguinte: há uma crise econômica porque 30% da produção não foi vendida, ou
30% da força de trabalho está desempregada , há uma contradição entre capital e trabalho na
medida em que 80% da população economicamente ativa, os assalariados, recebe 10% da renda,
enquanto os 20% não assalariados recebem 90%. Enfim, no terreno das contradições econômicas
eu posso estabelecer estatisticamente, e isso seria melhor do que dizer como disse Marx, segundo
os métodos da ciência da natureza , esse nível da contradições. Até aí nada. Curioso é observar
que quando G vai trabalhar no parágrafo famoso dos Cadernos do Cárcere na questão da
CORRELAÇÃO DE FORÇAS, ele vai dizer que há três níveis:1º) o nível econômico, esse onde se
trabalha com o método das ciências naturais; 2º) o nível político, que já é diferente; e 3º) o nível
político-militar, que é quando o pau efetivamente quebra e se resolve. Mas isso veremos mais
adiante, quando falarmos da teoria política de G. Então diz Marx: os homens tomam consciência
dessas contradições no nível da sua estrutura, nas formas de consciência social arte, religião,
filosofia, isto é,a ideologia, e ela aí resolve a contradição.
Notem: nesse texto ideologia deixa de ser a falsa consciência, e passa a ser a forma de
consciência para intervir em e solucionar conflitos sociais. Essa é aliás a definição estrita de
Lukács. Mas L. insiste nisso, e se aproxima do G. Ideologia é a forma de consciência social que
resolve conflitos. Também, vejam bem, embora em sentido diferente, Lênin modifica o conceito de
ideologia quando ele fala por exemplo, e é o primeiro a fazer isso, em “ideologia da classe
operária”. Para Marx isso não existe. A classe operária não tem ideologia. Porque ? Porque a
classe operária é portadora da ciência porque ela é capaz de apreender a totalidade e portanto
chegar à articulação justa do real e refletir essa articulação. Quer dizer, a ideologia é a expressão da
consciência das classes que confundem o particular com o universal ou que tentam fazer passar por
universal aquilo que é apenas particular. Segundo Marx o proletariado é uma classe universal. Essa
é uma outra questão. O Lênin claramente passa a falar em ideologia burguesa e ideologia proletária,
entendida aí a ideologia como concepção do mundo, acho eu que num sentido mais próximo do
sentido de G, de L e desse texto de Marx.
Então, há um conceito epistemológico de ideologia. Um não exclui o outro. Os dois são válidos.
Talvez fosse melhor que tivesses nomes diferentes, para não confundir a nossa cabeça. Eu diria que
no primeiro sentido, de falsa consciência, nós estamos diante de uma visão epistemológica de
ideologia. Ideologia é aquilo ... Marx tem uma bela expressão “é a aparência necessária” porque a
essência necessariamente aparece. O fetichismo da mercadoria em Marx é um fenômeno real. As
pessoas vêem, e em vez de verem as relações sociais, vêem a interação social como algo que se dá
através das mercadorias. O mercado ... fica nervoso, treme diante do Lula. O mercado virou uma
pessoa. Isso aparece assim. Nós sabemos que o mercado é uma relação de forças, é interação de
pessoas, mas a aparência é que as mercadorias se trocam entre si, elas têm em si valor . Ideologia
é tomar a aparência necessária por essência. E é exatamente o que todo mundo pensa em relação
ao mercado. Quem é que chega e diz assim: os banqueiros estão nervosos. A burguesia industrial
brasileira está nervosa. Ideologia é isso, é tomar a aparência por essência, sem esquecer que essa
aparência é necessária. No capitalismo a troca de trabalho não pode deixar de aparecer senão sob
a forma de troca mercadorias. Então eu diria que este é o sentido epistemológico. Neste sentido
falsa consciência – ideologia, se contrapõe a consciência verdadeira, ou ciência.
Aqui nós poderíamos entrar em vários viezes. Não é muito trabalhado por Marx, mas você pode
dizer o seguinte: o pensamento social é sempre ligado à classe ... social. Manheim num dado
momento chegou a inventar o seguinte: as classes subalternas têm utopias, as classes dominantes
têm ideologias. Umas querem mudar outras querem conservar. Mas no fundo são formas de
ideologia. A intelectualidade livre de vínculos é que elabora a verdadeira ciência. Muito simpático
isto, mas não é assim. Vejam bem: todo o pensamento social é ligado ... com uma classe social.
Porque uma classe é capaz de atingir a verdadeira consciência e outra não ? Isso depende da época
histórica e do ponto de vista da classe. Quando a burguesia, defendendo os seus interesses,
defendeu objetivamente os interesses do conjunto do Terceiro Estado, que não era nem Aristocrata
nem Clero, a burguesia foi capaz de elaborar reflexões sobre o social que se aproximaram da
verdadeira consciência. Há uma diferença muito grande entre Adam Smith e Marxall, ... ; entre
Hegel e Shoppenhauer. Na época de ascensão a burguesia elaborou um pensamento que visava a
totalidade, evidentemente com limites ideológicos. Em Adam Smith, por exemplo, há a idéia de
que o capital é eterno, não é uma forma histórica, o que indicaria que não se vai destruir nunca. Em
Hegel há a idéia de que enquanto a burguesia não havia chegado ao poder houve história, mas que
acabou a história quando ela chegou ao poder. Quer dizer, resíduos ideológicos aparecem.
Portanto o pensamento burguês, a depender da época histórica em que for situado, pode ser mais
ou menos ideológico, mas ou menos científico. A idéia de L é que depois de 1848 foi o reino da
Ideologia. E eu acho que ele radicalizou um pouco. Há manifestações importantes pós 1848 ... Ou
seja, depois que o proletariado apareceu na História como uma classe social contraposta ao
capitalismo, essa capacidade da burguesia de ter uma visão mais ampla e mais total do mundo
social tendeu a diminuir.
Ao contrário, pensa Marx, o ponto de vista da classe ... segundo Marx (isso pode até ser discutível),
mas Marx acha que o proletariado é uma classe realmente universal. Enquanto a burguesia quebra
com a dominação de uma classe, mais precisamente com a dominação de um estamento, para
estabelecer o seu próprio domínio de classe, o proletariado tem como objetivo extinguir as classes,
e por isso ele é uma classe realmente universal. O interesse particular dele se confunde com o
interesse universal ... É verdade ? Eu acho que é. Essa é a idéia de Marx.
Então, do ponto de vista do proletariado, você pode atingir uma concepção mais adequada do real.
Notem: o ponto de vista que Marx assume no CAPITAL é indiscutivelmente o ponto de vista do
proletariado, porque ele tenta entender o capital como um fenômeno histórico, entender o capital a
partir da produção e não da circulação, como um fenômeno histórico que portanto vai ser
superado. Eu acho que esse ponto de vista, só o proletariado pode ter. É claro que um burguês
pode ter o ponto de vista do proletariado se sair da sua classe. Marx, por exemplo, era um pequeno-
burguês e Engels era burguês, chegou a ser dono de uma fábrica em que explorava a mais-valia dos
trabalhadores. ...
Notem: alguém que escreve o CAPITAL não pode adotar o ponto de vista burguês. ... Se um
burguês chegar a pensar conforme o CAPITAL ele transcendeu o ponto de vista da classe
burguesa.
Então essa é uma acepção importante do conceito de ideologia. Essa outra acepção que aparece no
Prefácio de PARA A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA e que diretamente influencia G é o
que eu chamaria de uma visão ontológica de ideologia. É ideologia enquanto algo que opera
não na consciência do real mas que opera no próprio real.
Vou dar um exemplo: eu não acredito em Deus, mas Deus existe. Deus não existe como um
fenômeno natural, mas se a sociedade sempre foi um fenômeno universalmente subjetivo, ele
existe, ele atua, ele opera, ele determina as nossas ações. Tomemos o caso extremo - a Idade
Média, a chamada cristandade. Deus existia para aquelas pessoas. A moral era marcada pela
presença de Deus, a ação dos homens era marcada pela presença de Deus, a aceitação de uma
ordem injusta, desigual, estamental, era fruto da vontade de Deus. Então a Religião, mais do que
até Deus, religião como ... de valores, é um fenômeno social real. É ideologia no caso da religião
num duplo sentido: é falsa consciência – capta alguns elementos do real, mas não capta a sua
essência; e ao mesmo tempo é ideologia no segundo sentido, porque atua sobre o real. É um
momento do real. Eu me lembro de uma frase de Feuerbach muito boa que o Marx gostava: “ que
Deus existe é indiscutível. Eu quero saber é quem criou quem . Foi Deus quem nós criou ou nós o
criamos ? “. Agora, que ele existe, ele existe. É um fenômeno social, pode não ser um fenômeno
natural.
Então essa é uma outra acepção de ideologia que nesse caso da Religião, a meu “o suspiro da
criatura oprimida, o ópio do povo”. É muito curioso que sempre se esquece a primeira parte da
frase de Marx. Ele começa assim: “a Religião é o suspiro da criatura oprimida”, é o espírito
de um mundo sem espírito, é o ópio do povo”. Portanto, o momento de protesto que a Religião
contém está presente na frase de Marx, porque “o suspiro da criatura oprimida” não deixa de ser o
protesto contra a situação que a oprime. .. é falsa consciência no sentido epistemológico de
ideologia, e é um fenômeno social real, e portanto ideologia no segundo sentido.
Mas vejamos o outro caso. Eu acho que o MARXISMO É CIÊNCIA. Muitos podem achar que o
Marxismo é uma ideologia como as outras. Eu acho que é ciência. Mas o marxismo no segundo
sentido se transforma em ideologia. Na medida em que um conjunto de pessoas aceita os seus
valores , os valores do marxismo, a orientação de Marx na compreensão do real, e mais do que isso
as indicações de ação que o marxismo fornece o Marxismo se torna uma Ideologia, no sentido de
que ele vira um fenômeno social real que marca, muda e determina a vida das pessoas.
Em outras palavras: um fenômeno pode ser ideologia ontologicamente sem ser ideologia
epistemologicamente. E um fenômeno pode ser ideologia nos dois sentidos.
Dizia eu: toda a reflexão de G sobre formas de consciência se baseiam essencialmente num fato –
de que as formas de consciência da ação interativa são ideologia neste segundo sentido da palavra;
ele não se detém no primeiro sentido. Mais do que ideologia, ou melhor, expressão da ideologia, é
o que ele chama CONCEPÇÃO DO MUNDO. Todo o indivíduo, diz G, é um filósofo. Isso é uma
coisa muito bonita. Nem todo indivíduo é geólogo, nem tomólogo, etc. Mas todo o indivíduo é
filósofo, porque todo indivíduo tem uma concepção do mundo. E diz ele: que pode estar expressa
inclusive na sua linguagem. Mas todo mundo tem uma visão do real. Do mais ignorante ao mais
sábio , todos têm uma concepção do mundo, todos são intelectuais, todos pensam. Na sociedade
uns atuam em funções de tipo intelectual e outros não. É filósofo porque tem, eu diria, uma
ideologia, uma concepção do mundo, e concepção do mundo para G é não só uma concepção do
real mas um conjunto de normas para a atuação sobre o real. Croce chamou isso de Religião,
independentemente do seu caráter transcedental ou não. O G até chama também, sempre dizendo “
no sentido croceano e tal” . Mas CONCEPÇÃO DE MUNDO , tema que ele vai trabalhar
amplamente nos Cadernos Filosóficos é algo que implica não só uma representação do mundo mas
o conjunto de normas adequadas a essa representação. Se eu digo: o mundo é injusto, uns têm
muito outros têm pouco. A concepção do mundo é isto e mais as normas que me orientam para
que o mundo não seja assim. Vou me engajar no Plano Fome Zero do Lula ..., por exemplo.
Isso é uma coisa que eu acho que deve ficar bastante amarrado. Todo homem é filósofo, todo
homem tem uma concepção do mundo . Agora vejam bem: há níveis de concepção do mundo,
níveis de filosofia. Algo que todo os homens têm, todos, é o que G chamou de SENSO COMUM.
O senso comum é precisamente esse conjunto de idéias adquiridas mais ou menos
inconscientemente, sem muito estudo, sem muita avaliação crítica. O G diz assim: o senso comum
é o folclore da filosofia. São idéias que a pessoa tem sem que ele saiba da sua origem. Elas
podem vir de um filósofo, pode vir de uma religião, é portanto aquilo que faz que atuemos sobre o
real na nossa prática interativa. Vejam bem: eu não posso interagir com o outro se eu não tiver uma
concepção do mundo e um mínimo de regras de atuação. Eu não vou matar porque ... Não vou
roubar porque é feio roubar. Ou ... Esse conjunto de valores permite a prática interativa. Não
necessariamente o homem conhece geologia, não, isso aí é uma consciência especializada. Todo
mundo até tem uma noção do que é um mineral, uma pedra, mas é diferente de filosofia. Não é
que todo homem seja cientista no sentido de que tem conhecimentos que permitem a ele atuar
sobre o real, ele tem alguns, para atuar sobre o real, sobre a natureza. Mas sem senso comum, sem
concepção do mundo nós não interagimos uns sobre os outros. Toda interação implica ou em
respeito ou desrespeito pelo outro e, portanto, valores, concepção do mundo. Senso comum, diz G,
é esse conjunto heteróclito e bizarro no sentido de misturado, pouco claro, de visões do
mundo que nós temos, em geral, contraditórios. Freqüentemente você tem duas concepções que
se se observar bem são contraditórias entre si. E isso diz respeito não só ao povão não, pega muito
mais gente que o povão. A pessoa pode dizer: todos os homens são iguais indiscutivelmente, e ser
machista. Teoricamente é uma contradição. E isso deriva inclusive da nossa própria educação.
Nossas mães nos educam machisticamente. Não é só nossa culpa não. E superar o machismo é
duro.
Então você tem vários casos de contraditoriedade. Há pessoas que se dizem democratas, em alguns
casos até agem como democratas radicais, mas que em alguns casos é racista, ou é machista. No
senso comum , diz G., estão contidos elementos de conformismo e elementos de rebeldia. Essa
contradição, notem, isso é interessante, é uma contradição heteróclita, uma composição heteróclita,
contraditória porque você aceita idéias que vêm de fora sem fazer a crítica delas. O SENSO
COMUM SE CARACTERIZA PELA SUA ACRITICIDADE. ... É que nem o “imexível” do
Magri, todo mundo criticou o Magri ....
(interrupção da fita)

... portanto, dos intelectuais, é depurar este SENSO COMUM, elevá-lo ao nível do BOM SENSO,
e, portanto, de uma consciência crítica .
Temos um pouco um paralelo com Habermas. Sabemos que Habermas tem uma idéia de que a
grande tarefa emancipadora ... é criar uma situação ideal de fala onde as pessoas se comuniquem
sem coerção, se comuniquem livremente ... consensos para estabelecer o que é ciência, o que é
moral, quais devam ser as regras do Direito , e isso ser estabelecido na comunicação que segundo
ele deve ser livre de coerção. Se eu entrar nessa comunicação obrigado o resultado não vale, esta é
uma comunicação perturbada. Aliás, num livro bem anterior dele, ... ele vai dizer que ... para o
sujeito entrar sem coerção, é primeiro aprender a crítica marxista das ideologias, para não entrar
com ideologias, e segundo, Freud, para não entrar com neuroses. É o sujeito perfeito entrando na
comunicação.
E qual é o mal dessa afirmação de Habermas ? Ela é claramente utópica. Você tem uma reunião do
Pacto Social de que o Lula tanto fala. Ninguém tem ilusão de que lá vão sentar operários e
empresários todos livres, como se fossem seres humanos sem interesses, buscando um consenso
abstrato. Quer dizer, enquanto houver uma sociedade de classes, não haverá consenso assim
estabelecido. Você poderá ter até consensos pontuais, por exemplo, mudar a Lei Trabalhista nisso
ou naquilo, contemplando mais o interesse de um do que do outro, e tal, mas vejam, eu acho que
está por trás da concepção de G. que no comunismo isso vai ser possível. O estabelecimento da
objetividade como universalidade subjetiva numa ordem social que ele chamou de regulada eu
diria que para ele é uma coisa possível. É muito interessante porque ele diz assim: “o espírito não é
ponto de partida, o espírito é ponto de chegada”. O espírito entendido como esse universo de
valores comuns a todos, que é a noção mais ou menos de espírito de Hegel e Croce. O espírito não
é ponto de partida porque você não consegue a unificação do gênero humano enquanto as classes
não forem superadas. Eu diria, mais ou menos parodiando Freud, que G. ... mais ou menos uma
coisa assim: “onde está a coerção não vamos por o bom-senso”. Freud dizia assim: onde está o id
vamos botar o ego , onde está o inconsciente vamos botar o ego racional. Eu diria que para G. a
marcha da humanidade para o comunismo implica luta de classes, superação da ordem social
capitalista, tomada do poder do Estado, Revolução, mas o que isso vai produzir é uma sociedade
basicamente consensual, onde seja possível que consensos sejam estabelecidos, onde as pessoas
entrem realmente na discussão, sem o ônus , a hipoteca de sua pertinência a uma classe social. Eu
acho bonito isso que ele disse: “o espírito não é o ponto de partida, é o ponto de chegada”.
Tudo isso são reflexões filosóficas indiscutivelmente saborosas ... Mas qual é o conceito que está
por trás de tudo isso, qual é o conceito que puxa a preocupação de G com esses temas e que o leva
a dar essas soluções. É o conceito de HEGEMONIA, um dos conceitos centrais da sua teoria. O
que é HEGEMONIA. É, por exemplo, modificar o senso comum. O Olavo de Carvalho , um
sujeito de extrema direita que escreve todo o sábado no Globo, é filósofo, tem um inimigo
principal – Gramsci. ... O diabo para ele é esse G que induz a gente a lavar cérebro, a mudar o
senso comum ... É verdade que G não propõe que se mude o senso-comum sem que as pessoas
tenham consciência disso. É muito claro para ele que o diálogo entre intelectuais e simples não é
uma coisa imposta, diferentemente de Lênin que diz que a consciência política vem de fora do
movimento operário (vou abordar isso mais à frente). Em G ela resulta do diálogo entre o simples
e o intelectual. O intelectual aqui entendido como a pessoa que organiza, educa, pode até ser
analfabeto. G. dirá: entrou no Partido Político é intelectual, porque quem entrou no partido
político foi para organizar e educar. E organizar e educar é hegemonia.

Então tudo isso está claramente referido a essa noção nova em G de hegemonia, e nova porque é
um conceito que está na fronteira entre a política e a filosofia. Eu diria que está no ponto de
articulação entre as reflexões estritamente filosóficas e as reflexões políticas. Esse conceito surge
no debate político russo pré-revolucionário com a idéia de que a classe operária tinha que fazer
alianças na Rússia, ela não podia tomar o poder sozinha porque ela era minoritária, e cabia à classe
trabalhadora envolver os camponeses, exercendo sobre eles a hegemonia. ... Então é um conceito
muito restrito a essa idéia da direção política da classe operária sobre os camponeses e sobre seus
eventuais aliados. G. generalizou esse conceito dizendo que toda classe social pode obter
hegemonia sobre a classe dominada. Portanto a hegemonia não é só da classe operária sobre o
campesinato mas pode ser da burguesia sobre o proletariado. Um detalhe: ele não prevê a
possibilidade de hegemonia do proletariado sobre a burguesia. Mas mais do que isso, a
hegemonia em G não é estritamente política ela tem uma clara dimensão intelectual, moral ,
intelectual. Hegemonia é cultura (Gilberto Gil falou sobre hegemonia no seu discurso de posse
sobre cultura é um belo discurso. Acho que Gil fala isso, que cultura é hegemonia). Mas vejam
bem, a hegemonia portanto em G. se enriquece de novas determinações. Não é apenas a direção
política, é a direção intelectual-moral. E é exercida também sobre os aliados. O G não tem a idéia
de que o proletariado vai exercer hegemonia sobre a burguesia mas sobre camadas médias,
camponeses, intelectuais e ele acha ... que também a classe burguesa pode exercer hegemonia
sobre as classes subalternas ... Então o conceito é mais amplo. Mas sobretudo é importante
observar que essas preocupações aqui dizem respeito à questão da hegemonia. O que é o senso
comum ? É alguma coisa que contribui para a reprodução de uma hegemonia. Em geral o senso
comum heteróclito etc. etc. reproduz a hegemonia das classes dominantes. O bom senso já
permite imaginar a passagem para uma ideologia mais ligada à formação social, mais ligada ao
protesto que ao conformismo. Mas são observações voltadas em última instância para a questão da
hegemonia.
É até muito curioso quando ele diz assim: quando o maior teórico da filosofia da prática atual (
quer dizer Lênin) tomou o poder em determinado país ele criou também um progresso filosófico
porque ele desenvolveu o conceito de hegemonia. Vocês vêem pois que esse conceito tem uma
centralidade filosófica e política em G.
Então aqui já aparece como perfeitamente plausível a idéia de que o objetivo é o universalmente
subjetivo. Ou seja, não há relação de hegemonia sem que se forme um sujeito coletivo movido por
uma vontade coletiva com base no compartilhamento de visões do mundo e de propostas de ação
comum. Algo que é equivocado no terreno da psicologia revela a sua validade no terreno da
interação e particularmente naquilo que G. entendia como ... levando em conta que nem todas
sociedades têm hegemonia. Há sociedades baseadas na coerção essencialmente, em que a
hegemonia é residual. Mas nas sociedades de tipo ocidental onde a relação de hegemonia é a
relação dominante, forma dominante da interação, há hegemonia nas interações sociais porém
sobretudo evidentemente nas interações especificamente políticas.
Não se ficou clara a diferença e a convergência entre G e L. Eu gostaria que ficasse. Eu acho que
José Paulo é mais cético no que diz respeito à convergência e acentuaria a divergência. . Eu ao
contrário acentua a convergência mas não nego que haja diferenças. Eu diria que a visão de L
incorpora a visão da G no terreno da Ideologia , ou seja, ela é mais rica, ela permite dar conta da
problemática que G trabalha num contexto sistemático mais sólido, mas G completa mesmo no
terreno da filosofia, para não falar no terreno da política . L em matéria de política repetia Lênin
até o fim da vida, ele tem uma intervenção política pobre, G não, ela é riquíssima. Mas mesmo no
terreno da filosofia eu acho que a teoria da ideologia de G e da forma de conhecimento que a
ideologia expressa enriqueceria o arsenal categorial presente na ONTOLOGIA.
É curioso que eu tenho, eu e Leandro Konder, uma correspondência com L de 1961/70 recém
publicada nesse livro LUKÁCS E A ATUALIDADE DO MARXISMO, e em dado momento, em
64, Leandro pergunta a L : O que você acha de G ? Lukács reponde que ainda não tomou
conhecimento direto dos escritos de G . Depois dessa carta, não se por causa da carta, ele começou
a falar de G. E em duas ou três entrevistas ele disse: “nos anos 20, eu, Korch e G. tentamos
resolver esse problema, e mesmo G que era o melhor de nós, não conseguiu”. Ele acha ,
portanto, que a filosofia de G não resolveu o problema do marxismo. Quem resolveu foi ele,
no fim da vida, e tal. E na ONTOLOGIA ele abre o capítulo sobre Ideologia citando G. Diz:
“O G. está certo quando diz que Ideologia é alguma coisa prática”, ou, em outras palavra,
que a ideologia tem uma dimensão ontológica , mas G erra quando ele distingue entre
IDEOLOGIAS ORGÂNICAS E IDEOLOGIAS CEREBRINAS (a expressão não é dele, ele usa
“ideologias racionalistas”, mas não no sentido de cerebrinas, elaboradas). Qual é essa distinção
para G ? Ideologia orgânica é para G aquela ligada a um grande movimento social.
Exemplificando: a ideologia burguesa do Iluminismo, as grandes idéias da Revolução Francesa, o
Marxismo/Socialismo são ideologias orgânicas. A ideologia cerebrina, segundo ele, é aquela ligada
a estritos grupos sociais, e não tem , portanto ... são ideologia, mas não têm uma repercussão mais
forte no movimento da história. Uma seita religiosa, os Raelianos e o Raelianismo, por exemplo, é
uma ideologia cerebrina porque não envolveu ... O Islam, por exemplo, é uma ideologia orgânica.
Por exemplo, três malucos, eu, fulano e beltrano, inventamos uma teoria nova , como por exemplo:
o capitalismo/socialista, e começamos a difundir isto. É uma ideologia, mas é uma ideologia que
não vai passar ... talvez tenhamos uns dez discípulos, mas não vai passar disso. E L. diz: o G erra
ao fazer essa distinção. Só é ideologia aquilo que contribui efetivamente para resolver grandes
conflitos sociais. Portanto ele reduz o conceito de ideologia ao que G chamaria de Ideologia
Orgânica.
Eu prefiro a solução de G porque eu acho que ela dá uma noção de desenvolvimento maior. Quer
dizer, uma ideologia pode surgir cerebrina e se tornar orgânica. Você pode ter uma coisa de poucas
pessoas que se vai difundindo e que revela a sua organicidade. Então eu acho que são formas
menos universais de ideologia. Mas, segundo L, a Ideologia tem claramente uma dimensão
universal, no sentido de que ela se propõe a resolver conflitos de ordem universal.
Então vejam, chamo a atenção para o seguinte: na medida em que ambas partem do marxismo, da
reflexão sobre o pensamento de Marx, que ambas insistem no papel construtivo do homem na
história, na vida social , e que abandonam, portanto, o mecanicismo determinista do marxismo
vulgar, que ambos estão certos de que existe uma ação interativa, e que essa ação interativa se
caracteriza pela ação da vontade sobre a vontade , da teleologia sobre a teleologia, G e L
convergem para uma concepção filosófica do marxismo que eu chamaria com L de ontologia do
ser social.
O G deu a sua contribuição maior para essa ontologia no que eu chamaria de ontologia da práxis
política, que veremos mais adiante. Defenderei que ele criou não apenas uma teoria política, uma
ciência da política mas uma reflexão filosófica sobre a política, uma filosofia.

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