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Africana e Indígena
Claudia Amorim
Mariana Paladino
2010
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ISBN: 978-85-387-0965-7
CDD 896
Mariana Paladino
Gabarito......................................................................................165
Referências.................................................................................173
Breve panorama
histórico da África lusófona
No ano de 1415, os portugueses tomaram dos mouros, em apenas um dia de
combate, a cidade de Ceuta, no Marrocos. Essa importante vitória da cristanda-
de sobre os “infiéis”, já nos primórdios do Renascimento, guarda um significado
simbólico também por ter sido exatamente de Ceuta que Tarik e o seu exército
de 7 mil berberes partiram no ano de 711 para invadir a Península Ibérica, per-
manecendo na Península durante sete séculos.
Para além do espírito cruzadístico dessa empreitada, a conquista de Ceuta
foi o primeiro passo do caminho que levou os navegadores portugueses da Pe-
nínsula Ibérica ao Extremo Oriente e ao Brasil no final do século XV e início do
século XVI.
A cidade de Ceuta era o ponto de chegada das rotas comerciais oriundas
do sul da Berbéria (nome com que os europeus designaram, até o século XIX, a
região que hoje compreende o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia – o atual
Magreb com exceção do Egito), e das caravanas com o ouro proveniente da
Guiné. Essas riquezas encontradas em Ceuta fizeram com que os portugueses
adivinhassem que havia outras maiores espalhadas em alguns pontos do con-
tinente africano. Na intenção de dominar esse comércio, ao mesmo tempo em
que buscava contato com um suposto soberano cristão na África – Preste João
das Índias1 –, a política de expansão portuguesa adotou a exploração da África
em detrimento da ocupação de territórios ao longo do Mediterrâneo.
Assim, a expansão portuguesa teve início no norte da África, seguiu para o sul
ao longo da costa ocidental africana, alcançando as ilhas do Atlântico e depois
avançou pela costa oriental do continente africano ao longo do Oceano Índico,
em direção ao Oriente e ao Extremo-Oriente, chegando finalmente à região do
Atlântico Sul com a colonização do Brasil.
O desejo de lutar contra os mouros e de alargar o império de Cristo entre os
povos não cristãos vai se misturando, pouco a pouco, a perspectivas economica-
mente mais enriquecedoras. A exploração da Costa Africana onde os navegantes
encontraram pimenta malagueta, canela e outras especiarias, além do marfim e
do ouro, se mostrava bastante lucrativa. Assim, novas expedições se organiza-
ram pelos mares já navegáveis da Costa ocidental e oriental da África, marcando
um período da história conhecido como Descobrimentos Portugueses.
O mapa a seguir indica os territórios ocupados pelos portugueses e a rota das
navegações portuguesas a partir de 1415 até meados do século XVI.
1
Nos séculos XV e XVI corria uma lenda na Europa de que havia um rei cristão no Oriente, cujo nome era Preste João das Índias, e acreditava-se
que seu reino, que não se sabia precisar exatamente onde ficava, mas que se pensava ser na África, poderia ser aliado europeu para a exploração do
caminho marítimo para as Índias. A Coroa Portuguesa, a partir dos relatos de viajantes e peregrinos, tentou encontrar o reino de Preste João com
o desejo de fazer possíveis alianças.
Territórios ocupados pelos portugueses e rota das navegações lusas nos séculos XV e XVI. Observe que o território português na América é delimita-
do pelo Tratado de Tordesilhas12, assinado em 1494 entre Portugal e Espanha.
2
O tratado de Tordesilhas, assinado pelas Coroas de Portugal e da Espanha, em 1494 para dividir as terras descobertas, ou a descobrir, por amabas as Coroas, delimitava uma linha imaginária a 370 léguas a oeste das linhas
de Cabo Verde. As terras a oeste desse meridiano pertenciam à Espanha e as terras a lesta dessa linha seriam portuguesas.
13
A África lusófona: um pouco de história
A África lusófona: um pouco de história
3
Golfo da Guiné é uma reentrância próxima às Ilhas de São Tomé e Príncipe e compreende o litoral da Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria,
Camarões, Guiné Equatorial e a parte norte do Gabão.
4
A feitoria de São Jorge da Mina, em Gana, é a construção europeia mais antiga ao sul do deserto do Saara.
A independência dos
cinco países africanos lusófonos
A Guerra Colonial durou treze anos – de 1961 a 1974 – e pôs fim à ocupação
portuguesa no território africano. Essa guerra ficou conhecida, ainda, entre os
portugueses, como Guerra do Ultramar ou Guerra da África. Entre os povos dos
territórios ocupados duas denominações foram adotadas: Guerra de Libertação
Nacional e Guerra pela Independência.
A República Portuguesa
e o golpe militar de 1926
No início do século XX, a situação das colônias africanas lusófonas não se al-
terou muito em relação ao século anterior. Segundo Enders (1997, p. 69), para
“Portugal, como para as outras potências europeias, a colonização supõe a con-
quista, o desenvolvimento de uma economia de exportação e a submissão da
mão de obra indígena para o trabalho e para o imposto”. Com isso, o trabalho
de exploração das terras africanas, sem nenhum investimento econômico, conti-
nuou e se agravou com o início das duas grandes guerras mundiais.
Como observa José Paulo Netto (1986, p. 18), durante a ditadura salazarista
“[...] um projeto econômico-social se integra organicamente à repressão antipo-
pular e antidemocrática. Trata-se, explícita e nitidamente, do projeto fascista do
grande capital, de que Salazar se fez um funcionário coerente, lúcido e pertinaz”.
Entre 1929 e 1933, Salazar acumulou os Ministérios das Finanças e das Colô-
nias, e com mão de ferro tomou medidas duras contra a enfraquecida oposição.
Em 1932, instaurou o Ato Colonial, que instituiu o trabalho forçado para os na-
tivos das colônias, obrigando a população negra a servir por um determinado
período de sua vida ao Estado ou a um patrão europeu. Esse Ato Colonial era, na
verdade, uma reedição do trabalho forçado instituído no século XIX pela Coroa
Portuguesa aos nativos dos territórios africanos ocupados. Além disso, a dita-
dura salazarista criou a polícia política portuguesa – PVDE (Polícia de Vigilância
e Defesa do Estado), mais tarde conhecida como PIDE (Polícia Internacional de
Defesa do Estado), que também teve sua área de atuação nas colônias do ultra-
mar, especialmente nos anos 1960 quando se inicia um movimento de grande
revolta nas colônias contra a política da Metrópole.
Além do trabalho forçado nas colônias africanas, instituído pelo Ato Colonial,
o regime português continuou a explorar vorazmente suas riquezas, especial-
mente algodão, cana-de-açúcar, café, petróleo, entre outros produtos. Os lucros
obtidos com essa exploração eram revertidos para a Metrópole, ao passo que as
colônias amargavam uma situação de penúria e ausência de perspectiva.
Todos esses movimentos africanos pela independência têm entre seus líde-
res escritores, poetas, jornalistas e outros intelectuais, muitos dos quais antigos
estudantes da Casa do Estudante do Império (CEI), em Lisboa – (havia uma em
Coimbra também). Essas casas funcionavam como um ponto de reunião de
jovens estudantes oriundos de vários territórios do ultramar, especialmente dos
países africanos, e especificamente a CEI de Lisboa acabou se tornando um local
estratégico e decisivo para a tomada de consciência e organização dos jovens
estudantes africanos, em sua maioria angolanos, que se aliaram aos estudantes
e intelectuais portugueses contrários ao regime fascista. Centro de articulação
política e resistência, a CEI de Lisboa também funcionou como um espaço para
o surgimento de uma literatura de valorização das raízes africanas.
5
Catana é um tipo de facão usado para cortar mato.
Texto complementar
O poema que você vai ler, do santomense Francisco José Tenreiro (1921–
1963), trata da saga africana, que se inicia com a chegada dos europeus à
África. É interessante notar que, ao contrário da epopeia camoniana, Os
Lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões, a façanha heroica aqui abordada
não é a façanha lusa, mas a façanha heroica dos negros que buscaram re-
sistir à dominação branca, porém acabaram sendo levados como escravos
para outras terras. O poema mostra, ainda, a saga do negro nessas terras,
lutando para fazer existir a sua cultura e termina evocando-o à luta pela
dignidade com novas armas, novas azagaias 1.
Epopeia
(TENREIRO, Francisco José in ANDRADE, 1975, p. 137-139)
Não mais a África
da vida livre
e dos gritos agudos de azagaia!
Não mais a África
de rios tumultuosos
– veias entumecidas dum corpo em sangue!
Fogos!
Milhões de fogos
num terreno em brasa!
1
Azagaia é uma espécie de lança curta usada pelos africanos, especialmente na África do Sul.
No Brasil
ganhaste calo nas costas
nas vastas plantações do café!
No norte
foste o homem enrodilhado
nas vastas plantações do fumo!
Os homens do norte
ficaram rasgando
ventres e cavalos
aos homens do sul!
Os homens do norte
estavam cheios
dos ideais maiores
tão grandes
que tudo foi um despropósito!...
Os homens do norte
os mais lúcidos e cheios de ideais
deram-te do que era teu
um pedaço para viveres...
Libéria! Libéria
Ah!
Os homens nas ruas da Libéria
são dollars americanos
ritmicamente deslizando...
Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o ritmo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadência de uma vida nova!
Dicas de estudo
História da África Lusófona, de Armelle Enders, Editorial Inquérito.
Estudos literários
1. Em 1415, a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, foi estratégica para a
empreitada portuguesa pelos mares do ocidente. Por que motivos partiram
os portugueses até Ceuta? E por que quando lá chegaram abandonaram a
ideia da ocupação dos territórios ao longo do Mar Mediterrâneo?
4. Quais foram os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das
colônias contra o regime fascista de Salazar?
Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar as características históricas,
culturais e literárias de dois arquipélagos, Cabo Verde e São Tomé e Prín-
cipe, e da Guiné-Bissau, territórios africanos colonizados por Portugal
no século XV e tornados independentes a partir de 1975. Após a inde-
pendência, essas três ex-colônias portuguesas adotaram oficialmente
a língua portuguesa, mas quase todos os cidadãos desses países falam,
paralelamente ao português, um crioulo1 como língua materna.
1
O crioulo é a língua materna das regiões colonizadas e é uma língua que evoluiu do pidgin, uma espécie de sistema verbal com que
dois povos não usuários de um idioma comum se comunicam. O pidgin nasce geralmente da necessidade de uma comunicação comer-
cial e, quando alcança a condição de língua materna de um grupo de indivíduos, ele se torna um crioulo.
2
Antônio de Oliveira Salazar assumiu em Portugal a Pasta das Finanças e das Colônias em 1928, dois anos após o golpe militar que
derrubou a República, e deixou o cargo de Presidente do Conselho de Ministros somente em 1968, sendo substituído nessa função por
Marcello Caetano que ficou no posto até a Revolução dos Cravos, ocorrida no dia 25 de abril de 1975.
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3
A data de 1460 é controversa, embora seja adotada por muitos historiadores portugueses como Antônio Sérgio, por exemplo. Para outros estu-
diosos, como Armelle Enders, os portugueses aportaram nas ilhas de Cabo Verde entre 1456 e 1462.
A produção têxtil que teve lugar nas ilhas de Cabo Verde era de grande impor-
tância para a Metrópole. Segundo Birmingham (2003, p. 29), Portugal tinha quase
tanta falta de têxteis como tinha de trigo. Nas ilhas foram estabelecidas plantações
de algodão para tecer e tingir. Porém, logo um outro negócio concorria com a
produção de algodão nas ilhas: a plantação de cana-de-açúcar, que também teve
lugar no arquipélago de São Tomé e Príncipe e depois se estendeu ao Brasil.
Com a entrada dos africanos nas ilhas de Cabo Verde, a mestiçagem tornou-se
comum e formou-se nas ilhas uma população de cabo-verdianos descendente
de portugueses e africanos. Essa miscigenação também resultou na criação de
uma língua crioula que se enraizou em Cabo Verde. Hoje, a língua oficial desse
país é o português, no entanto, o crioulo cabo-verdiano é usualmente falado
pela população, paralelamente ao português.
Com o lançamento dessa revista nas ilhas de Cabo Verde inicia-se o primeiro
movimento cultural-literário nativista da África lusófona. Entre os nomes impor-
tantes desse movimento destacam-se Baltasar Lopes da Silva, Jorge Barbosa,
Manuel Lopes, entre outros.
Manuel Lopes, um dos fundadores da revista Claridade, já afirmara que era ne-
cessário fincar os pés na terra para escrever e pensar naquilo que os pés pisavam.
Essa consciência para com a terra não dispensará um cuidado com a renovação
estética. A geração da Claridade tinha o propósito de “fincar os pés na terra” para
representar a imagem mais próxima da realidade antropológica, social e cultural
crioula. Essa imagem se configuraria a partir de uma ruptura literária com rela-
ção a tudo que anteriormente havia sido feito.
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Assim como nas outras colônias de Portugal, a difusão das ideias do Movi-
mento da Negritude, a insatisfação dos santomenses com as péssimas condi-
ções de vida no arquipélago e a repressão política da ditadura salazarista, exten-
siva às colônias, desencadearam a formação do Movimento pela Libertação de
São Tomé e Príncipe (MLSTP) que, por vias diplomáticas, conseguiu negociar a
independência do arquipélago em fins de 1974.
6
A Casa do Estudante do Império (CEI) de Lisboa reunia por volta dos anos 1950 um grupo de jovens estudantes oriundos de todos os territórios
colonizados pelos portugueses, em sua maioria da África. Na Casa, os estudantes se organizaram politicamente contra a política portuguesa na
África e também escreveram poemas e outros textos literários que estabeleceram as bases de uma nova literatura que buscava explicitar a situação
do negro nas colônias, utilizando formas poéticas que valorizassem a africanidade também na língua.
7
Note-se que o título da coletânea organizada por Tenreiro e Andrade remete à conhecida obra de Aimé Césaire Cahier d’un Retour au Pays Natal
(Caderno de um Regresso ao País Natal) no qual Césaire usou pela primeira vez o termo negritude.
MAPA DA GUINÉ-BISSAU
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Texto complementar
O poema a seguir, de Kaoberdiano Dambará, pseudônimo poético do
poeta e advogado cabo-verdiano Felisberto Vieira Lopes, foi escrito em
crioulo, e conclama os negros a lutarem pela justiça na África. Ao lado do
poema em crioulo, incluímos a versão em português extraída do livro Na
Noite Grávida de Punhais. Antologia temática da poesia africana, organizado
pelo poeta e escritor angolano Mário Pinto de Andrade.
1
Funco é uma espécie de habitação de formato cônico, construída com a utilização de folha de sisal, bananeira ou colmo.
Dicas de estudo
Literaturas Africanas de Expressão Português, de Pires Laranjeira, Editora
Universidade Aberta.
Esse livro é uma obra primordial para o estudo das literaturas africanas
dos países lusófonos, pois o autor analisa as literaturas de Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, desde a expressão
de uma literatura nativista até a contemporaneidade. Na obra, há ainda
os estudos de duas especialistas em literaturas africanas lusófonas: Elsa
Rodrigues dos Santos e Inocência Mata.
Estudos literários
1. De que maneira podemos afirmar que o lançamento da revista Claridade,
em 1936, em Cabo Verde, inaugura uma nova fase na literatura africana
de língua portuguesa e na literatura cabo-verdiana?
Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar as características históricas, culturais
e literárias de Angola, país cujos limites foram estabelecidos após a chegada
à região do navegador português Diogo Cão por volta de 1483. Com a vinda
do colonizador branco, o território foi demarcado e as diversas etnias que
viviam na região estiveram sob o jugo português até a independência do país
em 1975. Mesmo após a independência, o país adotou oficialmente a língua
portuguesa1, no entanto, em Angola, existem muitos dialetos e línguas locais,
entre as quais se destacam o umbundo, falado pelo grupo Ovimbundu (parte
central do país); o quicongo, falado pelos Bacongo, ao norte; e o chokwe-lunda
e o kioko-lunda, ambos correntes no nordeste do país. Há ainda o quimbundo,
falado pelos Mbundos, Mbakas, Ndongos e Mbondos, grupos aparentados,
que habitam o litoral de Luanda e arredores até o Rio Cuanza.
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de Angola, com cerca de 14 767 655 habitantes2. Foi a mais extensa das colônias
portuguesas na África e fazia parte de uma antiga região conhecida no século
XV como Reino do Congo, quando os portugueses lá chegaram. O nome Angola
é oriundo da palavra banto ngola, nome com que se designava o governante de
uma região que se localiza hoje a leste da capital Luanda.
No Reino do Congo havia um chefe local, denominado Mani Congo, que gover-
nava os diversos grupos étnicos bantos da região, especialmente os Bacongo. Após
o contato com os portugueses, o monarca, Mani Congo, converteu-se ao catolicismo
e a capital do reino, Mbanza Congo, recebeu o nome de São Salvador do Congo.
O Reino do Congo era uma região com grandes mercados regionais, nos quais
se comercializavam produtos como sal, metais, tecidos e derivados de animais por
meio de escambo ou através de uma moeda local – uma concha (nzimbu), coleta-
da na região de Luanda.
2
A página oficial do Governo de Angola encontra-se disponível no endereço: <www.info-angola.com>.
No que diz respeito à prosa, de modo similar ao que acontece com a poesia,
no século XIX, alguns escritores angolanos, sensíveis ao “sentimento nacional”,
buscam uma escrita que procura se descolar da ficção portuguesa. Um dos gran-
des romancistas desse período foi Alfredo Troni que procurou introduzir em suas
obras palavras de origem angolana.
A criação desses partidos na África lusófona é inspirada por sua vez nas lutas
pela independência engendradas por países da África, colonizados outrora por
outros países europeus como a França e a Inglaterra.
Desde a sua criação, o MPLA recebe pronta adesão do poeta Agostinho Neto,
na época preso em Lisboa, por conta de sua luta contra a ditadura salazarista.
Preso de 1955 a 1957 pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) em
Portugal, onde estudava Medicina, Agostinho Neto é escolhido, no ano em que
sai da prisão, o Prisioneiro Político do Ano pela Anistia Internacional. Sua liber-
dade, ainda no período ditatorial, é consequência, entre outras ações, da cam-
panha internacional que se articulou, sob a liderança de Jean-Paul Sartre, para a
anistia dos presos políticos. Após a independência do país, em 11 de novembro
de 1975, Agostinho Neto foi eleito o primeiro presidente do país.
O primeiro romance de Pepetela foi Muana Puó (1978), mas é com Mayombe
(1980), escrito nos anos da guerra pela independência, que chamou atenção da
crítica, exatamente no mesmo ano em que ganhava o Prêmio Nacional Angola-
no de Literatura.
Além de Mayombe (1980) e Muana Puó (1978), escrito em 1969, Pepetela es-
creveu mais um romance durante a Guerra Colonial. Trata-se de As Aventuras de
Ngunga, escrito e publicado em 1973. Esse texto, porém, tinha, a princípio, uma
destinação não literária5.
5
As Aventuras de Ngunga, escrito por Pepetela em 1973, em plena guerra pela independência, foi feito inicialmente para ser uma cartilha de for-
mação do guerrilheiro, sendo editado pelos órgãos de cultura do MPLA. No entanto, ao finalizar o livro, Pepetela percebeu que o texto final havia
ultrapassado o didatismo a que se propunha.
Como produção literária nessa linha de revisão da história, temos, por exem-
plo, José Eduardo Agualusa com A Conjura (1989), Henrique Abranches com
Misericórdia para o Reino do Kongo (1996) e Pepetela com A Gloriosa Família, o
Tempo dos Flamengos (1997).
Texto complementar
Invocação
(PEPETELA, 1998, p. 9)
Dicas de estudo
Entre a Voz e a Letra: o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século
XX, de Laura Cavalcante Padilha, EdUFF e Pallas Editora.
Estudos literários
1. Segundo Kwame Appiah, por quais motivos os angolanos, após a indepen-
dência do país, adotaram oficialmente, em Angola, a língua portuguesa se a
região comporta inúmeras línguas e dialetos?
2. A importância que Angola assumiu para Portugal durante o século XIX foi
prejudicial pelo aspecto econômico, porém foi benéfica em relação a algu-
mas mudanças que se operaram no país, especialmente na capital Luanda.
Explique o porquê disso.
Claudia Amorim
O propósito deste capítulo é apresentar as características históricas,
culturais e literárias de Moçambique, país em cujo território os portugue-
ses aportaram em 1498, e que conquistou a independência somente em
1975. Após o processo de independência, Moçambique adotou oficial-
mente a língua portuguesa, embora atualmente ela seja falada por apenas
10% da população do país.
No final do século XV, com o avanço das naus portuguesas pela Costa
Oriental da África, a região foi objeto de atenção da Coroa de Portugal, por
conta especialmente do comércio do ouro já existente no território. Os
portugueses edificaram na região duas fortalezas: uma em 1505 em Sofala
e a segunda, em 1507, na Ilha de Moçambique. Quando os portugueses
aportaram em Moçambique, os árabes já estavam há muito no território
e haviam fundado entrepostos comerciais na região. Além da de Sofala,
referida desde o século X, havia os entrepostos Quelimane, Angoche e a
da Ilha de Moçambique.
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1
A Ilha de Moçambique é uma cidade insular, que se liga ao continente atualmente por uma ponte de cerca de 3 quilômetros de comprimento. A
ilha situa-se junto à Província de Nampula, localizada no norte do país, e foi a primeira capital de Moçambique. Em 1996, a UNESCO (Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) elegeu-a Patrimônio Mundial da Humanidade, pela rica história e pelo seu interessante patri-
mônio arquitetônico.
(tempo favorável) para seguir viagem. Por conta dessas necessidades, a Coroa
Portuguesa construiu na Ilha de Moçambique uma fortaleza e um hospital.
A essa fase de incursão para o interior com fins comerciais, que será conheci-
da mais tarde como fase de ouro, seguiram-se duas fases de grande exploração
mercantil: a fase do marfim e a fase dos escravos. O marfim e os escravos saíam
da região através das feitorias2 e prazos3 da Coroa. Os prazos eram uma espécie
de feudo com atividade comercial dirigidos por senhores locais. Embora fossem
autônomos em relação às autoridades portuguesas, os senhores dos prazos rei-
navam sobre terras supostamente portuguesas e deviam à Coroa o pagamento
de um foro. As feitorias e os prazos constituíram a forma inicial da colonização
portuguesa em Moçambique.
bique. Outras publicações circularam durante o século XIX, mas nenhuma delas
verdadeiramente importante do ponto de vista literário, como O Progresso (1877–
1881), O Gato (1880), O Vigilante (1882), Clamor Africano (1892), entre outros.
canos que participaram ativamente do processo de luta armada que teve início
em 1961 em Angola e se disseminou também pelas colônias da Guiné Portugue-
sa e por Moçambique.
10
A Revolução dos Cravos, ocorrida a 25 de abril de 1974, pôs fim ao regime salazarista, assim conhecido pelo fato de Antônio de Oliveira Salazar ter
permanecido à frente do governo ditatorial desde 1928, quando assume a pasta das finanças e dos assuntos do ultramar. Em 1968, quando Salazar
está muito doente, é substituído na função por Marcelo Caetano que dará continuidade à política salazarista até a derrocada da ditadura em 1974.
nário da literatura moçambicana atual são Luís Carlos Patraquim, Nelson Saúte,
Eduardo White, Armando Artur, Filimone Meigos e Paulina Chiziane
Apesar desse potencial econômico que o país vem demonstrando aos poucos,
há em Moçambique muitas pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e o
país foi considerado um dos dez mais pobres do mundo. Continuam a existir os
bairros de cimento e de caniço, como na época colonial. O combate à pobreza
vem sendo a prioridade dos últimos governos, mas as iniciativas governamen-
tais ainda não operaram mudanças profundas nesse campo.
Texto complementar
O conto a seguir, intitulado “O embondeiro1 que sonhava pássaros”, in-
tegra, juntamente com outros contos, o livro Cada Homem é uma Raça, de
Mia Couto. A obra foi publicada em 1988, e o autor nos mostra nesse conto
1
Embondeiro é o nome utilizado em Moçambique e em Portugal para designar o baobá, uma árvore considerada sagrada para a cultura
de Moçambique.
Todas as manhãs ele passava nos bairros dos brancos carregando suas
enormes gaiolas. Ele mesmo fabricava aquelas jaulas, de tão leve material
que nem pareciam servir de prisão. Parecia eram gaiolas aladas, voláteis.
Dentro delas, os pássaros esvoavam suas cores repentinas. À volta do vende-
deiro, era uma nuvem de pios, tantos que faziam mexer as janelas. [...]
Fosse por desdenho dos grandes ou por glória dos pequenos, a verdade
é que, aos pouco-poucos, o passarinheiro foi virando assunto no bairro do
Os pais lhes queriam fechar o sonho, sua pequena e infinita alma. Surgiu
o mando: a rua vos está proibida, vocês não saem mais. Correram-se as corti-
nas, as casas fecharam suas pálpebras.
– Eles vêm aí, vêm-te buscar. Tiago ofegava. O vendedor não se desor-
denou: que já sabia, estava à espera. O menino se esforçava, nunca aquele
homem lhe tivera tanto valor. – Foge, ainda dá tempo.
Explicou: ele é que era natural, rebento daquela terra. Devia de saber re-
ceber os visitantes. Lhe competia o respeito, deveres de anfitrião. – Agora,
você vai, volta na tua casa. [...].
Decidiu voltar à árvore. Outro paradeiro para ele já não existia. Nem rua
nem casa: só o ventre do embondeiro. Enquanto caminhava, as aves lhe se-
guiam, em cortejo de piação, por cima do céu. Chegou à residência do passa-
rinheiro, olhou o chão coberto de pétalas. Já vermelhas não estavam, regres-
sadas ao branco originário. Entrou no tronco, guardou-se na distância de um
tempo. Valia a pena esperar pelo velho? No certo, ele se esfumara, fugido dos
brancos. No enquanto, ele voltou a soprar na muska. Foi-se embalando no
ritmo, deixando de escutar o mundo lá fora. Se guardasse a devida atenção,
ele teria notado a chegada das muitas vozes.
Dicas de estudo
Cada Homem é uma Raça, de Mia Couto, Editora Nova Fronteira.
Esse livro de contos, publicado por Mia Couto em 1988, foi editado no Bra-
sil pela Nova Fronteira e é um exemplário bem significativo da temática e
do estilo desse autor que já se consagrou como um dos nomes mais im-
portantes da literatura moçambicana e, consequentemente, da literatura
contemporânea em língua portuguesa.
A Magia das Letras Africanas, de Carmen Lúcia Tindó R. Secco, Editora ABE
Graph E Barroso.
Estudos literários
1. O processo de formação da literatura nos países africanos lusófonos foi di-
ferente em cada região, apresentando cada uma das literaturas a sua espe-
cificidade. Em que época podemos dizer que a literatura moçambicana de-
monstrou a busca pela moçambicanidade?
Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar as diferentes culturas da África
lusófona e do Brasil, destacando o que a cultura de Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique – os cinco países dos
Palop1 – têm em comum com a cultura brasileira, para além da língua de
expressão.
Os africanos no Brasil:
um pouco de história
A história do negro no Brasil remete, antes de tudo, à história da diás-
pora dos povos africanos que, antes da chegada dos europeus à África, ha-
bitavam esse continente. Além dos portugueses – os primeiros europeus
a ocuparem o continente africano – outros povos da Europa ali chegaram,
como ingleses, franceses e alemães, por exemplo. Com a chegada do euro-
peu à África, começa a diáspora negra com o tráfico de negros que viriam
a formar a mão de obra do trabalho agrícola do continente americano.
1
Palop é a sigla de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
É certo que no início do século XV esses objetivos ainda não estavam comple-
tamente delineados para a Coroa Portuguesa, ou para os nobres e comerciantes
interessados no empreendimento atlântico. No entanto, a conquista de Ceuta
e depois a de Tânger, no Marrocos, foram os atos fundadores do avanço para o
mar que modificaria definitivamente a história da humanidade. Podemos dizer
que, com as viagens marítimas do século XV e XVI, iniciou-se verdadeiramente
o conhecimento e o domínio das terras e mares do nosso planeta. Iniciou-se a
globalização.
2
Conforme sustenta Silva (2002), a escravidão doméstica na África consistia em se aprisionar os vencidos nas guerras étnicas para aproveitar sua
mão de obra no trabalho agrícola. A terra era abundante, mas muitas vezes faltava mão de obra e nesse tipo de cativeiro aproveitavam-se também
mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo e elas se tornavam concubinas de seus senhores e geravam filhos
que iam gradativamente perdendo a condição servil e sendo incorporados à linhagem do senhor.
3
A Feitoria de Arguim, na Ilha de Arguim, serviu de modelo para a construção de outros entrepostos comerciais como a Feitoria de São Jorge da
Mina, na cidade de Elmina (República do Gana).
4
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006) há uma estimativa de que 75% das pessoas vendidas nas Américas como escravos foram vítimas de
guerras entre os diversos povos africanos.
O tráfico de escravos foi uma atividade permanente entre os séculos XVI e XIX.
Durante esse período, estima-se que mais de 11 milhões de homens, mulheres e
crianças foram transportados da África para as Américas em grandes navios ne-
greiros (também conhecidos como tumbeiros)7. Desse total, cerca de 4 milhões
desembarcaram em portos brasileiros e eles pertenciam, principalmente, a dois
grandes grupos étnicos: os sudaneses (oriundos da Nigéria, Daomé8 e Costa do
Marfim) e os bantos (oriundos do Congo, Angola e Moçambique). Os bantos foram
destinados especialmente a Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro9, enquan-
to que os sudaneses foram levados, em sua maioria, para a Bahia10. Também da
5
De acordo com alguns estudiosos, alguns povos vizinhos que habitavam o sudoeste da Nigéria e o sudeste da República do Benin, por falarem
variações do mesmo idioma e compartilharem as mesmas crenças sobre a origem, foram identificados pelos missionários europeus como perten-
centes ao reino Iorubá.
6
O pano da costa era uma indumentária usada no Brasil por mulheres africanas ou descendentes, especialmente na Bahia e no Rio de Janeiro. O
nome provavelmente se deve ao fato de esse tipo de pano ser encontrado na região da Costa do Marfim, de onde foram trazidos muitos escravos
para o Brasil, ou ainda ao fato de esse pano retangular ser usado jogado por sobre os ombros e as costas. Ainda hoje é usado na composição da
roupa das baianas.
7
Conforme observam Albuquerque e Fraga Filho (2006) essa cifra não inclui aqueles que não resistiam à travessia atlântica feita em péssimas
condições nos navios negreiros e acabavam morrendo no caminho. Assim, se explica também o porquê de os navios negreiros serem também
conhecidos pelo nome de tumbeiros, uma vez que o número de mortos nas travessias era bastante grande.
8
Daomé situava-se na época onde agora é a República do Benin.
9
No Rio de Janeiro, os escravos que chegavam nos navios negreiros desembarcavam na região portuária denominada Valongo e eram levados para
os postos comerciais que se situavam no alto do Morro da Conceição, localizado na Praça Mauá.
10
A Coroa Portuguesa procurou sempre que possível misturar escravos de diferentes regiões e etnias para dificultar-lhes a concentração e a co-
municação, uma vez que os grupos étnicos falavam línguas diferentes. Contudo, nem sempre foi possível, pois os traficantes de escravos por vezes
tinha de transportar uma mesma região os escravos capturados.
Para melhor situarmos esses espaços de onde foram levados milhões de afri-
canos incluímos a seguir um mapa político da África com sua respectiva divisão
territorial.
0 420 Km
Domínio público.
eram acorrentados, passavam fome etc.) ou mesmo depois dela, uma vez al-
forriados, os negros não tinham onde ficar, nem do que viver, o que gerou um
grande número de indigentes que começou a ocupar as zonas mais afastadas
da cidade ou os morros nos quais construíram míseros casebres. O fato é que os
africanos e seus descendentes foram também construtores da cultura brasileira,
conforme atestam Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 43):
Foi na condição de escravos que africanos e seus descendentes chegaram aos locais mais
remotos da colônia. Mas apesar da escravidão, os africanos foram atores culturais importantes
e influenciaram profundamente as formas de viver e de sentir das populações com que
passaram a interagir no Novo Mundo. Os europeus os trouxeram para trabalhar e servir nas
grandes plantações e nas cidades, mas eles e seus descendentes fizeram muito mais do
que plantar, explorar as minas e produzir riquezas materiais. Os africanos para aqui trazidos
como escravos tiveram um papel civilizador, foram um elemento ativo, criador, visto que
transmitiram à sociedade em formação elementos valiosos da sua cultura. Muitas das práticas
da criação de gado eram de origem africana. A mineração do ferro no Brasil foi aprendida dos
africanos. Com eles a língua portuguesa não apenas incorporou novas palavras, como ganhou
maior espontaneidade e leveza. Enfim, podemos afirmar que o tráfico fora feito para escravizar
africanos, mas terminou também africanizando o Brasil.
Como observa Silva (2003, p. 158), nesses “[...] pontos de encontros, e nos
pátios que prolongavam as cozinhas, e nas senzalas, e nos esconderijos das
Mas não foram só os ritos próprios da África que vieram com os escravos.
Africanos islamizados, devido à presença árabe no continente, também chega-
ram ao Brasil em grandes navios negreiros. Os muçulmanos eram reduzidos no
Rio de Janeiro, mas em Salvador e no Recôncavo Baiano eram numerosos. De
acordo com Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 106) por serem “[...] adeptos de
uma religião militante, os muçulmanos organizaram na Bahia algumas rebeliões
escravas, sendo a de 1835 a mais conhecida. Por isso, ao longo do século XIX, foi
o grupo religioso mais perseguido pelas forças policiais”.
Iniciado no catolicismo na África ou no Brasil, o escravo africano ou crioulo dotou a religião dos
portugueses de ingredientes de tradições religiosas africanas, especialmente música e dança.
Era um catolicismo cheio de festas, de muita comida e bebida, de intimidades com santos,
tal qual a relação dos africanos com seus orixás, voduns e outras divindades. As promessas
de santos, pagas com missas, tinham função semelhante às oferendas que acompanhavam
pedidos feitos aos deuses e outras entidades espirituais africanas. Para homenagear santos de
sua devoção, os negros organizavam grandes festas nas suas irmandades. Daí porque muitos
escravos africanos se aproximaram do catolicismo sem que fossem forçados pelos senhores.
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 106)
No Rio de Janeiro, o carnaval ganharia outra dimensão com a criação das es-
colas de samba no início do século XX. Com músicos e sambistas, quase sempre
negros e oriundos das localidades mais pobres da cidade, o samba ganhava as
ruas e logo seria alçado ao patamar de grande festa popular da cultura brasi-
leira. As primeiras organizações de sambistas surgiram no Estácio, nos morros
do centro da cidade e na Mangueira. As escolas de samba eram inicialmente
agremiações de caráter assistencial e festivo. No entanto, elas foram aos poucos
conquistando espaço na cultura nacional e na indústria de entretenimento. Pau-
latinamente, começaram também a modificar sua estrutura: os ranchos carnava-
lescos – como eram chamados os desfiles dos passistas – ganharam uma nova
roupagem com a cadência rítmica do samba e das coreografias e com a incorpo-
ração de enredos com temas nacionais.
Texto complementar
O poema “Navio negreiro” do poeta baiano Castro Alves (1847-1871),
representante do Romantismo brasileiro, foi escrito quando o poeta tinha
apenas 22 anos de idade, ou seja, em 1869, quando já não havia mais o tráfi-
co negreiro no Brasil. No entanto, a condição do negro escravizado e arranca-
do da sua terra natal sensibilizou o poeta e as imagens fortes de seu poema
nos dão conta do horror e crueldade a que os africanos acorrentados eram
submetidos nessas viagens que duravam cerca de três meses. Alguns desses
navios podiam suportar um carregamento de cerca de 500 escravos, muitos
dos quais morriam antes de chegar em terra firme por conta especialmente
da fome e da sede, das doenças que se disseminavam nos porões com pés-
simas condições de higiene, por conta dos maus-tratos ou ainda por todos
esses fatores.
Navio negreiro
(ALVES, 1980, p. 74-83)
‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar – doirada borboleta –
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar. Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias
– Constelações do líquido tesouro...
‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
IV
Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...”
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Dicas de estudo
Uma História do Negro no Brasil, de Wlamyra R. de Albuquerque e Walter
Fraga Filho, Editora Centro de Estudos Afro-Orientais e Fundação Cultural
Palmares.
Esse livro, editado pela Fundação Cultural Palmares, traz uma ampla pes-
quisa sobre a história do negro no Brasil desde a chegada dos primeiros
africanos escravizados, passando pelas lutas e resistências negras até as
organizações que hoje resgatam a africanidade na cultura brasileira. O li-
vro traz imagens e fotos que ilustram o texto bastante didático e cuidado-
so de seus autores.
Essa obra já clássica nos estudos sobre a luta anticolonial e sobre os ne-
gros em geral, de autoria do martinicano Fanon Frantz, resultou de seu
testemunho como médico psiquiatra do exército francês na Argélia. Publi-
cada em 1961, a obra valoriza as lutas revolucionárias por uma sociedade
melhor.
Estudos literários
1. Quando os portugueses aportaram na África, havia dois tipos de escravidão
no continente: uma existente entre os povos nativos e outra introduzida pe-
los árabes. Explique a diferença entre cada uma dessas práticas.
3. Por que podemos dizer que os cultos religiosos africanos foram reinventados
no Brasil? De que maneira podemos falar de um sincretismo entre as religi-
ões no Brasil?
Mariana Paladino
Este capítulo tem como objetivo fornecer informações básicas e instru-
mentos de análise para a compreensão da presença indígena ao longo da
história do Brasil.
vigentes nos séculos XVIII até XX, que explicam em grande parte as políticas e
legislações existentes. Por fim, abordaremos as formas com que os povos indí-
genas percebem e explicam o contato com os brancos, chamando a atenção
para o fato de que – contra a ideia de que se tratariam de sociedades estáticas
– eles foram e são sujeitos ativos da história.
Descobrimento do Brasil, 1956. Candido Portinari. São Paulo. Óleo sobre cartão: Domínio público.
34,2 x 26cm. Coleção particular.
1
Este termo refere-se ao declínio populacional dos nativos americanos. Os acadêmicos acreditam que, entre vários fatores, as doenças epidêmicas
foram de longe a maior causa do declínio populacional dos nativos americanos.
Por outro lado, a escravidão foi o destino dos “índios inimigos”. Existiu uma
legislação que falava das “justas razões de direito” para a escravização dos in-
dígenas. Essas razões eram a “guerra justa” e o “resgate”. As causas legítimas
para estabelecer uma guerra contra os índios eram a recusa à conversão da Fé,
a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses e a quebra
dos pactos celebrados. Outros dois motivos que aparecem nas discussões
dos jesuítas sobre a guerra justa são a salvação das almas e a antropofagia
(PERRONE-MOISÉS, 1992, p.123–124). A escravização que resultava da captura
dos índios inimigos após o término da guerra justa era vista como lícita (Leis
de 20/3/1570 e de 11/11/1595).
É importante destacar que embora muitas das guerras contra os índios es-
tivessem motivadas por interesses econômicos e para as quais eram encontra-
das justificativas a posteriori, elas suscitavam discussões e controvérsias entre
missionários, reis e autoridades militares. Discutia-se acaloradamente acerca dos
fundamentos teológicos e jurídicos da justiça desta prática contra os indígenas,
e a questão preocupava bastante a Coroa, permanecendo um ponto controver-
5
A Lei de 1611 manteve a jurisdição espiritual de jesuítas, mas estabeleceu a criação de um capitão de aldeia para que se encarregasse da admi-
nistração. Porém, a Lei de 9 de abril de 1655 para o Estado do Maranhão e também a Lei de 12 de setembro de 1663 proibiram que se pusessem
capitães nas aldeias, estabelecendo que o governo estivesse em mãos dos missionários e dos chefes indígenas (“principais de sua nação”).
6
O Marquês de Pombal comandou durante 27 anos a política e a economia portuguesa. Ele reorganizou o Estado, protegeu os grandes empresá-
rios, criando as companhias monopolistas de comércio. Combateu tanto os nobres quanto o clero. Em conformidade com uma política de conso-
lidação do domínio português no Brasil, Pombal aplicou o Tratado de Madrid, que ampliava as fronteiras, tanto no Norte quanto no Sul, entrando
em confronto direto com as missões jesuíticas.
7
Língua franca é uma expressão latina para língua de contato ou língua de relação resultante do contato e comunicação entre grupos ou membros
de grupos linguisticamente distintos. Os jesuítas impuseram o uso do nheengatu como língua franca a partir do vocabulário e pronúncia tupinam-
bás, que foram enquadrados em uma gramática modelada na portuguesa. Em seu auge, chegou a ser a língua dominante no território brasileiro,
utilizada não apenas por índios e jesuítas, mas também como língua corrente de muitos colonos de sangue português. Entretanto, entrou em
declínio a partir do século XVIII, com o aumento da imigração portuguesa, e sofreu duro golpe em 1758 ao ser banida pelo Marquês de Pombal, por
ser associada aos jesuítas, os quais foram expulsos dos territórios dominados por Portugal.
8
O “poder secular” se refere ao poder de governo independente de religiões, crenças ou cultos. Utiliza-se como sinônimo de “poder temporal”, que
remete à ideia de duração finita, limitada, em contraposição ao poder “eterno” ou “infinito” da Igreja. Na Idade Média, os bispos detinham poder
religioso e também secular, enquanto reis, príncipes e nobres detinham apenas o poder secular. O surgimento da Idade Moderna se associa à
separação desses dois poderes.
9
O “assimilacionismo” é uma ideologia e uma política voltada a absorver os grupos ou minorias de modo a impor uma hegemonia político-cultural,
fazendo com que aqueles percam suas características distintivas. Para um Estado – como o brasileiro – que começava a ser construído, o assimilacio-
nismo foi percebido como condição para criar valores e sentimentos nacionais, solidez política, paz social e desenvolvimento econômico.
10
O conceito remete ao contato entre etnias diferentes. Os casamentos interétnicos podem se referir à união entre pessoas de povos indígenas
diferentes ou entre um índio e um branco. Ver Pacheco de Oliveira (1988) para uma análise das teorias de contato interétnico.
11
Sesmaria foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção. O Estado, recém-formado e sem
capacidade para organizar a produção de alimentos, legou a particulares essa função. Esse sistema surgiu em Portugal durante o século XIV, com a
Lei das Sesmarias de 1375, criada para combater a crise agrícola e econômica que atingia o país e a Europa, e que a peste negra agravara. Quando
a conquista do território brasileiro se efetivou a partir de 1530, o Estado português decidiu utilizar o sistema sesmarial no além-mar, com algumas
adaptações. Esse sistema iria garantir a instalação da plantation açucareira na colônia.
Em 1808, D. João VI, recém chegado ao Brasil, desencadeou uma guerra ofen-
siva contra os Botocudos, para liberar para a colonização o vale do Rio Doce no
Espírito Santo e os campos de Guarapuava, no Paraná. A declaração de guerra
justa legalizou, uma vez mais, a escravização dos índios. Como afirma Cunha
(1992, p. 146):
Numa retórica característica do início do século XIX, vem expressa em termos pedagógicos: a
escravidão temporária dos índios, dobrando-os à agricultura e aos ofícios mecânicos, deveria
fazer-lhes perder sua “atrocidade” e, sujeitando-os ao trabalho como os sujeitava às leis, elevá-
-los a uma condição propriamente social, isto é, humana.
Cuiabá a Rondônia, propôs que fosse criada uma agência indigenista que teria
por finalidades13:
fixá-los à terra;
índios tinham com a sociedade nacional. Eles eram classificados como: “iso-
lados”, “em contato intermitente”, “em contato permanente” e “integrados”.
Assim, por exemplo, se estabeleceram “postos indígenas de atração” para os
povos que não tinham quase contato com a população branca ou que manti-
nham com ela relações de conflito. Havia também “postos de criação”, onde se
introduziam atividades educacionais voltadas para incentivar a produção eco-
nômica dos índios que já tinham certo contato com a sociedade não indígena.
Planejava-se, de acordo com o grau de sedentarismo que manifestasse cada
grupo indígena, a demarcação de terras maiores ou menores para o desen-
volvimento da produção agrícola15. O objetivo era tornar os índios pequenos
produtores agrícolas, ou seja, “trabalhadores nacionais”. A educação foi vista
como uma ferramenta fundamental de mudança de hábitos e, por isso, foram
criadas escolas dentro dos postos. Nelas se ensinava português e se pratica-
vam rituais cívicos. Também se privilegiou o ensino prático através de oficinas
para o aprendizado de ofícios manuais.
Em 1973, foi sancionada a Lei 6.001, o Estatuto do Índio, que passou a regular
a situação jurídica dos índios e das comunidades indígenas, tanto no que diz
respeito às terras, quanto à educação, à cultura e à saúde. O artigo 65 das Dispo-
sições Gerais estabelecia o prazo de cinco anos para a demarcação de todas as
15
O respeito ao modo de vida dos índios implicou a garantia de posse do território desses povos. Daí a criação do Parque Indígena do Xingu
(1952), que se pensou como um espaço para que os índios não sofressem pressões das frentes de expansão econômica. Contudo, nem todas as
pacificações e a atração de povos indígenas para os postos se levaram a cabo com garantia de terras adequadas, o que causou em alguns casos
intensa depopulação provocada por fome e doenças.
terras indígenas, prazo não cumprido até hoje. O Estatuto manteve a ideologia
civilizatória, integracionista e protecionista do SPI.
Na década de 1970, no contexto de uma política desenvolvimentista, cria-
ram-se investimentos em infraestrutura e prospecção mineral na Amazônia, e
os índios foram vistos como empecilhos ao progresso. Forçou-se o contato dos
índios isolados para liberar suas terras para diversas empresas, como estradas e
barragens, e realocaram-se os índios segundo os interesses em jogo. As frontei-
ras se militarizaram e os índios passaram a ser considerados riscos à segurança
nacional, por ocuparem territórios próximos a essas regiões e por considerá-los
alvos suscetíveis de invasão ou influência por parte de nações vizinhas.
Neste período, em oposição à política governamental, multiplicaram-se as
organizações não governamentais de apoio aos índios e, no início da década de
1980, pela primeira vez, se organiza um movimento indígena de âmbito nacio-
nal: a União das Nações Indígenas. O conselho Indigenista Missionário (CTMI),
organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com
uma proposta de evangelização libertadora, teve um papel fundamental nisso.
A mobilização das organizações de apoio aos índios e o próprio movimento
de reivindicação que eles gestaram redundou na conquista de um reconheci-
mento dos direitos indígenas na Constituição de 1988, que abandona por fim a
perspectiva assimilacionista das Constituições anteriores.
A Constituição garante o reconhecimento da organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições indígenas, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam. O artigo 231 detalha o que são essas terras, a
que se destinam e como será o usufruto de suas riquezas. Também rompe com a
herança tutelar originada no Código Civil de 1916, mudando o status dos índios
e permitindo que individualmente ou através de suas organizações ingressem
em juízo para defender direitos e interesses.
Segundo destacam Pacheco de Oliveira e Freire (2006, p. 135–136), a proximi-
dade da reunião internacional sobre meio ambiente, a ECO-92, que foi realizada
no Rio de Janeiro, impulsionou a política de identificação e demarcação de terras
no início dos anos 1990. Como consequência da reunião, iniciou-se o financia-
mento internacional de programas para a proteção da floresta tropical e para a
demarcação das terras indígenas que foram realizadas a partir dos anos 1990.
Com o reconhecimento do direito territorial, o direito à saúde e à educação
bilíngue, intercultural e diferenciada, garantidos pela Constituição de 1988,
abre-se um novo panorama para os povos indígenas do Brasil. Contudo, ainda
falta muito caminho a percorrer para garantir esses direitos na prática.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 113
mais informações www.iesde.com.br
História e historiografia indígena
Nos últimos anos vem sendo desenvolvida uma linha de pesquisas de an-
tropologia histórica que privilegia a abordagem dos indígenas como agen-
tes ativos e sujeitos políticos, capazes de serem protagonistas do seu próprio
destino.
Texto complementar
O discurso a seguir foi registrado pelo missionário Claude d’Abbeville, em
sua História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão. Proferido
diante de um grupo de franceses que, em missão diplomática, tratava de
estabelecer aliança com os povos indígenas da região, teve um grande im-
pacto sobre os presentes.
16
Ver a coletânea organizada por Albert e Ramos (2002), para um aprofundamento sobre as formas em que alguns povos indígenas vivenciam a
história e entendem os processos de contato interétnico atravessados.
Assim aconteceu com os franceses. Da primeira vez que viestes aqui, vós
o fizestes somente para traficar. Como os peró, não recusáveis tomar nossas
filhas e nós nos julgávamos felizes quando elas tinham filhos. Nesta época,
não faláveis em aqui vos fixar. Apenas vos contentáveis com visitar-nos uma
vez por ano, permanecendo entre nós somente quatro ou cinco luas. Re-
gressáveis então a vosso país, levando os nossos gêneros para trocá-los com
aquilo de que carecíamos.
Dicas de estudo
Os Índios antes do Brasil, de Carlos Fausto, Editora Jorge Zahar.
História dos Índios no Brasil, organizado por Manuela Carneiro Cunha, Edi-
tora Companhia das Letras.
Criado por Darcy Ribeiro em 1953, o Museu hoje se descreve como “órgão
científico-cultural da Funai”. O site traz informações sobre o acervo da Bi-
blioteca Marechal Rondon, que é muito rico em documentos textuais e
visuais produzidos pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Estudos literários
1. Que fontes disponíveis existem para o estudo da história indígena? Que ca-
racterísticas elas têm e qual é a importância de considerar as narrativas his-
tóricas produzidas pelos próprios indígenas?
3. Qual era a política para os “índios aliados” e qual era a política para os “índios
inimigos” durante a colônia?
Mariana Paladino
Neste capítulo abordaremos a situação contemporânea dos povos indí-
genas no Brasil. O objetivo é apresentar a heterogeneidade das formas e con-
dições de vida desses povos, a riqueza de suas práticas culturais e de suas
vinculações com o território e o meio ambiente, compreendendo o valor que
elas têm e sua contribuição à diversidade sociocultural de nosso país.
As 220 etnias estão distribuídas ao longo de todo o país, somente nos esta-
dos do Piauí e do Rio Grande do Norte a Funai não reconhece presença indígena;
sendo que 162 dessas 220 etnias estão localizadas na Amazônia Legal3. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no censo
de 2000, a quantidade de indígenas ainda é maior. Estima-se um total de 740 mil
e compõem 0,4% da população brasileira.
3
A Amazônia Legal é uma área que engloba nove estados brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica e, consequentemente, possuem em seu
território trechos da Floresta Amazônica. Com base em análises estruturais e conjunturais, o governo brasileiro, reunindo regiões de idênticos
problemas econômicos, políticos e sociais e com o intuito de planejar o desenvolvimento social e econômico da região amazônica, instituiu o
conceito de Amazônia Legal. A atual área de abrangência da Amazônia Legal corresponde à totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas,
Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do estado do Maranhão, perfazendo uma superfície de aproximadamente 5 217 423km²
correspondente a cerca de 61% do território brasileiro.
Vamos considerar aqui como a fonte mais completa até o momento atual –
pelo fato de ter contemplado os índios urbanos – os dados do IBGE (2005) que
dão conta de 740 mil indivíduos, que formam parte de mais de 220 povos indí-
genas brasileiros.
As terras que até hoje o Estado reconheceu como de posse indígena repre-
sentam atualmente cerca de 12% do território brasileiro. A Constituição de 1988
garante o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocu-
padas por eles. Cabe aclarar que isto não significa que tenham a propriedade
dessas terras, que são bens e patrimônio da União, apenas lhe são garantidos a
posse e o uso delas.
Apesar do avanço que houve na garantia por parte do Estado de terras aos
povos indígenas, ainda faltam várias áreas a serem demarcadas e existem vários
grupos que estão sem terra, ou com terra insuficiente para garantir a sua so-
brevivência. É igualmente grave a situação de muitas terras que sofrem invasão
por parte de regionais não indígenas: madeireiros, caçadores, pescadores, entre
outros, sendo seus recursos naturais violentados.
Tronco Tupi
Língua Geral Amazônica (Nheengatú). É Amazônica para distinguir da outra Língua Geral, a Paulista,
* agora já extinta; Nheengatú é um nome tanto artificial, que lhe deu foi Gen. Couto de Magalhães em
seu livro de 1876 – O Selvagem.
** Puroborá é um povo cuja língua há documentos dos anos 20 (Th. Koch-Grünberg) e dos anos 50
(W. Hanke) e de que há ainda alguns remanescentes dispersos de Porto Velho até o Guaporé e o pes-
soal do Setor Linguístico do Museu Goeldi tem contactado alguns e gravado dados linguísticos).
Aikaná
Aikaná (Masaká e Kasupá)
Arúak
(Arawak, Maipune) Mandawáka Mehináku Palikúr Paresí (Arití, Haiti)
Guaikuru Kadiwéu
Koazá
(Kwaza) Koazá (Koaiá)
Máku Máku
sabané
Yawanáwa
Trumái Trumái
Tikúna Tikúna
Tuyúka Wanano
Yanomám Yanomami
Economias indígenas
Os índios que residem dentro das terras indígenas vivem dos recursos ofere-
cidos pela natureza, da pesca, da caça, da agricultura, da coleta de frutos silves-
tres. Nelas encontra-se uma diversidade de ecossistemas – entre outros, matas
das várzeas, matas de igapós, savanas de terra firme, florestas de terra firme, ser-
rado, mata atlântica etc. Cada um desses ecossistemas enseja aos índios uma
forma particular de manejo, de forma a otimizar a obtenção dos recursos que
são necessários ao seu bem-estar.
O território é a base da vida dos povos indígenas, não apenas por ser o meio
onde se encontram os recursos naturais que lhes garantirão sua subsistência
econômica, mas também por ele estar vinculado a seres, espíritos, valores e co-
nhecimentos de fundamental relevância para sua reprodução cultural. O terri-
tório representa o vínculo com a ancestralidade, com os antepassados, com os
mitos de origem e tem uma significação que transcende o sentido capitalista de
entender e de se apropriar desse espaço.
Nos mitos, fala-se que existem espíritos protetores, aos que chamam de “mães”.
Assim, por exemplo, quando um animal é caçado sem respeito a regras ou tabus
vinculados à captura de certos seres, a “mãe” ou espírito desse animal reagirá
vingando tal violação, provocando doença ou morte da pessoa. Em geral, se ex-
plica a origem das doenças a partir de relações que as pessoas mantêm de dese-
quilíbrio com a natureza (LUCIANO, 2006a, p. 190).
A economia dos índios urbanos é diferente das dos índios aldeados. Não de-
pendem das condições do território para sobreviver e sim do mercado de traba-
lho e da assistência social.
Contudo, em muitos casos não existe uma fronteira rígida entre essas formas
de economia e, crescentemente, os que vivem em terras indígenas dependem
do mercado e comerciam os produtos de sua roça por objetos manufaturados e,
ao contrário, alguns indígenas que vivem na cidade conservam roças na aldeia e
se deslocam para cuidar delas nos períodos necessários do ano.
Religiões indígenas
Os modos de vida indígenas seguem princípios e orientações cosmológicas
e ancestrais fortemente marcados pelos mitos6. Existem princípios culturais cru-
ciais para a existência étnica que não podem ser rompidos, uma vez que possi-
bilitam equilíbrio e bem-estar. Romper com esses princípios e valores poderá
significar a desestruturação da ordem social indígena (LUCIANO, 2006a).
Texto complementar
O texto a seguir é de um líder e escritor indígena da etnia Pareci do estado
do Mato Grosso. Trata-se de um depoimento feito em um encontro sobre
Educação Escolar Indígena, em Cuiabá, MT, em agosto de 1993.
Gostaria de dizer-lhes que faço parte de uma sociedade que possui normas
de vivência harmônica entre homens e natureza. Gostaria de dizer-lhes que
possuímos nossos valores sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos,
que adquirimos através dos tempos, de geração em geração.
Gostaria de dizer-lhes também que tudo, tudo isso vem sendo deturpado,
desrespeitado e destruído. Dizer que estamos despertando para uma nova
realidade. Estamos percebendo que todas as tentativas estão sendo feitas
para acabar com nossos princípios já constituídos. Dizer que um de nossos
objetivos fundamentais é levar à nossa comunidade o conhecimento desta
realidade nova que nos rodeia. Do interesse em perpetuar nossos valores
morais e culturais.
Dizer que estamos prontos para receber o que de útil a sociedade deles
nos oferecer e rechaçar o que de ruim ela nos apresentar. Mas a cegueira
etnocêntrica não permite este diálogo franco e sincero.
Dicas de estudo
O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil
de hoje, de Gersem dos Santos Luciano.
Com índios nos papéis principais, o filme conta ainda com atores como
Leonardo Medeiros, Matheus Nachtergaele, Claudio Santamaria, Fabiane
Pereira da Silva e a italiana Chiara Caselli. A ficção mostra de uma forma
sensível e complexa as relações entre índios e brancos num dos estados
do país onde mais conflitos existem entre esses segmentos pela posse de
terras.
Estudos literários
1. Que fontes de informação existem para uma abordagem demográfica dos po-
vos indígenas no Brasil? Quais são suas diferenças e quais são as estimativas da
quantidade de população indígena que elas apresentam?
Mariana Paladino
Neste capítulo vamos estudar os direitos indígenas e conhecer os avan-
ços, as conquistas e as ações que os povos indígenas têm levado a cabo
nos últimos anos para garantir seu bem-estar coletivo e o fortalecimento
de sua identidade cultural. Entre essas ações, vamos focar a produção de
escritores, pesquisadores e artistas indígenas.
Até hoje, o Estatuto ainda não foi revogado, embora a concepção sobre o
lugar dos índios na sociedade nacional tenha mudado profundamente a partir
da Constituição de 1988.
Assim, apesar dos dispositivos legais que o próprio governo criou, na prática
ocorreu um processo sistemático de negação dos direitos territoriais dos índios
e apenas foram demarcadas terras diminutas, permitindo-se a exploração das
áreas remanescentes por empresas. Foi, por exemplo, o que aconteceu com as
terras do povo Waimiri-Atroari, no Amazonas, exploradas até hoje pela minera-
dora Paranapanema (ARAÚJO et al., 2006).
1
Para um relato detalhado do processo de organização indígena daquele período, ver Santilli (1991) e Santos (1989).
Conquistas legais
Podemos dizer que a intensa mobilização indígena e das organizações de
apoio da sociedade civil, durante o processo constituinte, foi responsável pela
conquista de direitos importantes expressos no Capítulo VIII da Constituição de
1988, intitulado “Dos Índios”. Ela trouxe uma série de inovações no tratamento
da questão indígena, incorporando novos parâmetros para a relação do Estado
e da sociedade brasileira com os índios, assegurando o direito deles à diferença
e aos direitos coletivos. Inovou também ao reconhecer a capacidade processual
dos índios, de suas comunidades e organizações para a defesa dos seus próprios
direitos e interesses.
2
Ver o site da organização: <www.coiab.com.br>.
O artigo 231 da Constituição Federal explicitou, pela primeira vez, que “são re-
conhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradi-
ções, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, com-
petindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas exis-
tentes3;
3
Ficou também explícito que no caso de aproveitamento de recursos hídricos e de exploração mineral em terras indígenas é necessária a prévia
audiência das comunidades indígenas afetadas e a autorização do Congresso Nacional (art. 231, §3.º).
§1.º São terras tradicionalmente4 ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física
e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Contudo, as terras continuam sendo “bens da União” (art. 20, XI). Ou seja,
os índios não são proprietários das terras que ocupam no sentido de que não
podem dispor delas para venda.
Cabe destacar que há hoje mais de dez advogados índios atuantes na área
dos direitos indígenas. Eles vêm trabalhando com temas que vão desde a prote-
ção dos direitos territoriais até a questão do acesso aos recursos genéticos em
terras indígenas e os conhecimentos tradicionais a eles associados. Destaque-se
ainda a atuação de organizações e de alguns advogados indígenas em fóruns e
em organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e
a Organização dos Estados Americanos (OEA) (ARAÚJO et al., 2006).
O avanço no processo
de escolarização dos povos indígenas
Fazer com que as populações indígenas possam se defender das sociedades envolventes
usando o português como “arma”, sem perderem a identidade étnica.
Encontro de Educação Indígena, OPAN, 1989
ção de 1988 – era dirigida principalmente pelo órgão indigenista e por mis-
sões religiosas. Embora essas agências tivessem ideologias, intenções e práti-
cas diferentes, coincidiam no objetivo de assimilar o índio, tentando lhe impor
novas religiões, crenças e costumes. Por isso, no contexto da mobilização da
sociedade civil, na década de 1970, que denunciou a política desenvolvimen-
tista do governo militar da época, também as críticas voltaram a questionar o
tipo de educação escolar que os índios vinham recebendo.
A ocupação do cargo de professor nas mãos dos índios foi percebida como
uma grande conquista por eles, tanto pela possibilidade de assumir o ensino
escolar e elaborar outras modalidades e estilos de exercer tal função, quanto por
ser uma fonte de recursos e de acesso a novos espaços.
O Estado foi ampliando a oferta escolar nas terras indígenas e muitas delas
hoje têm Ensino Fundamental completo e Ensino Médio, embora ainda seja
grande a demanda por maior quantidade de estabelecimentos e assistência es-
colar nas aldeias.
5
Ver Ferreira (1992) e Silva (1998) para um histórico do movimento e organização de professores indígenas no Brasil, especialmente da região
amazônica.
6
Atualmente essa organização que reúne professores dos estados do Amazonas, Acre e Roraima chama-se Comissão dos Professores Indígenas
da Amazônia (Copiam).
7
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, artigos 78 e 79, garante aos povos indígenas a oferta de programas de educação escolar bilíngue
e intercultural.
Apesar dessas conquistas, observa-se uma brecha entre o garantido pelas leis
e sua aplicação prática. Isto se deve, entre outros fatores, às mudanças e descon-
tinuidade existentes nas políticas e nos programas de governo, a dificuldades
de ordem financeira e burocrática e à incompreensão e o preconceito em rela-
ção aos índios e à realidade indígena por parte dos gestores e funcionários dos
órgãos públicos de nível estadual e municipal, encarregados de aplicar as leis.
A escrita de mitos e histórias indígenas, que até poucos anos atrás vinham sendo
transmitidas somente por meio da oralidade, tem seus defensores e detratores entre
os especialistas em povos indígenas, principalmente preocupando os linguistas.
Existe também a posição dos que entendem que é possível incorporar novas
formas de sistematizar os conhecimentos indígenas de forma escrita e manter e pro-
mover, ao mesmo tempo, a tradição oral. Nesse sentido, a gravação de relatos orais
em CDs é um importante recurso, porque, por esse meio, não se perdem as sutile-
zas da linguagem, e estes podem circular amplamente pelas aldeias e serem apro-
veitados por toda a população – inclusive crianças e adultos não alfabetizados.
A maior parte dos povos indígenas não tem uma palavra na sua língua para
designar o que nós chamamos “arte”, porque para eles não se trata de uma es-
pecialidade separada do resto da vida. Porém, como parte do processo de afir-
mação identitária e reconhecimento do valor da sua cultura, muitos grupos – e
sobretudo as organizações que os representam – começaram a reivindicar que
sua cultura material fosse considerada ou tratada como “arte”. Assim, se criaram,
ao longo dos últimos anos, associações de produtores de artesanato e artistas
indígenas, que procuram divulgar sua cultura e também comercializar seus pro-
dutos de uma forma mais justa, valorizando quem os produz, para que possam
receber preços adequados ao custo e valor da habilidade do seu trabalho.
9
Como chamam a atenção Sonia Dorta e Lúcia van Velthem (1982 apud Lopes da Silva, 1995, p. 395): “[...] os adornos plumários não servem apenas
para enfeitar o corpo, e os elementos plumários aplicados a outras superfícies, como armas, instrumentos musicais, máscaras, não podem ser vistos
como atributo meramente decorativo. Eles podem ser considerados verdadeiros códigos, que transmitem, numa linguagem não verbal, mensagens
sobre sexo, idade, filiação clânica, posição social, importância cerimonial, cargo político e grau de prestígio de seus portadores. Além de enfeites,
portanto, são símbolos e, por isso, usados nos ritos e cerimônias, campo simbólico por excelência das culturas humanas”.
Texto complementar
O relato que leremos a seguir foi escrito por Daniel Munduruku, nascido
em Belém do Pará, da etnia mundurucu. Graduado em Filosofia, licenciado
em História e Psicologia é doutorando em Educação na Universidade de
São Paulo. É um autor conhecido nacional e internacionalmente, sendo que
vários de seus livros receberam prêmios no Brasil e no exterior. É também
presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (IN-
BRAPI) e pesquisador do CNPq. A história que escolhemos aqui foi retirada
do seu blog pessoal: <www.danielmunduruku.com.br>
Xipat?
1
(MUNDURUKU, 2008)
no rio. As sementes batiam duas ou três vezes na água formando círculos. Ela
ria tentando chamar a atenção do amigo de infância que continuava sem se
dar conta dos gracejos que a menina fazia.
Num momento de lucidez do amigo, Ianiurebê tomou-o pelas mãos e
fê-lo caminhar até a pequena praia mais abaixo do local onde estavam. No
primeiro momento Tawé recuou em pegar na mão dela, mas em seguida
deixou-se ser conduzido e seguiu os passos da pequena amiga que, agora,
ele via que estava crescendo. Ianiurebê chamou sua atenção para a areia da
praia e começou a riscar o chão. Fez primeiro um círculo pequeno; em se-
guida um maior e, depois, outro ainda maior. Pegou uma pedra circular e
lançou-a nas águas que absorveram-na em silêncio.
Tawé ficou imaginando o que aqueles círculos queriam dizer, mas não
teve coragem de perguntar. Deixou que Ianiurebê tomasse a iniciativa.
– Você está tão triste que não consegue distinguir o que os círculos querem
dizer, mas eu vou lhe contar. O círculo menor é o que você sabe, é o seu co-
nhecimento... bem pequeno. O círculo do centro é o que sabe nossa gente,
nossos velhos... um conhecimento maior que o seu e o meu; o círculo maior
é o que você ou eu, ou nossa gente não sabe... é o mistério que alimenta a
nossa vida... são as respostas que nossas perguntas ainda não encontraram.
Dito isso a menina-moça olhou com carinho para o amigo e saiu correndo
para a aldeia deixando Tawé sozinho com suas reflexões.
Ele acocorou-se perto do círculo e ficou pensando nas palavras da amiga,
procurando entender aquele sinal.
Totalmente envolvido com seus pensamentos não percebeu que uma
canoa passou ali perto criando uma pequena onda que chegou à praia e
apagou o desenho, mas deixando uma imagem em sua cabeça.
– Deixe disso, Tawé. Nada do que você está pensando é tão importante.
Você precisa entender que cada pessoa tem um caminho para seguir e é dos
passos que cada um dá que nossa gente vai vivendo.
– Mas padrinho, eu sou ainda tão pequeno, tão novo... por que eu tenho que
fazer isso? Se eu não me sair muito bem? O que as pessoas vão dizer de mim?
– O que quer que elas digam haverá em você a vitória de ter tentado. Mas
não se preocupe com isso agora. Quando chegar a hora você saberá fazer
a coisa certa. Assim como as árvores crescem no tempo adequado, você
também crescerá.
– Mas eu não quero crescer. Quero continuar a brincar com os meus co-
legas; quero nadar no rio, correr no mato, jogar flecha. As pessoas quando
crescem parece que não fazem mais nada disso!
– Cada estação tem seu tempo, Tawé. Não dá para pedir ao verão que
ele se torne inverno ou ao inverno que vire verão. Com as pessoas também
é assim. Não se pode querer que uma criança vire adulto ou um adulto
vire uma criança. Sua hora como criança está passando. Você está virando
uma árvore madura... e não adianta você se esforçar para fazer o contrário.
Assim como a árvore cresce sem nossa ajuda, você crescerá e virará um
homem para o seu bem e de nossa gente.
Tawé recordou com certa tristeza a conversa que teve com seu padri-
nho. Sabia que estava virando um homem e isso lhe deixava confuso. Como
poder ser um adulto sem abandonar a alegria da criança?
Enquanto pensava, notou que se aproximava seu melhor amigo,
Cumaru. Vinha correndo numa alegria só. Cumaru tinha a mesma idade
sua e não estava encontrando toda esta dificuldade em crescer. Parece que
ele já tinha as respostas prontas em sua mente e em seu coração.
Cumaru chegou em frente do amigo e apenas disse: – Xipat? Vamos no
mato brincar de procurar as meninas?
Neste instante, Tawé percebeu que pode haver uma grande alegria e
aventura no crescimento. Que as árvores grandes dão as frutas mais deli-
ciosas que as árvores pequenas.
Dicas de estudo
Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença, de Valéria Araújo
et al.
Estudos literários
1. A Constituição de 1988 representa um marco na forma do Estado pensar a
relação com os povos indígenas em nosso território, ao reconhecer pela pri-
meira vez que são coletividades culturalmente distintas e, por isso, deten-
tores de direitos especiais. Explique os direitos que a Constituição Federal
garante aos povos indígenas.
2. Com a perda do Brasil, Portugal resolveu explorar a sua maior colônia na Áfri-
ca. Com isso, muitas riquezas foram extraídas da região e enquanto vigorou
o tráfico negreiro e a escravidão muitos negros foram arrancados de sua re-
gião. No entanto, a necessidade de explorar a colônia fez com que muitos
colonos portugueses se fixassem na região. Assim, paulatinamente, uma
população mestiça, constituída em sua maioria de pequenos comerciantes,
juristas, advogados etc., foi se formando em Angola, mais precisamente em
Luanda e com isso se criava na capital uma demanda por educação que irá
favorecer as novas gerações.
vam como espaços de liberdade para o africano. Entre os séculos XVII e XVIII,
centenas de quilombos existiram no Brasil e o mais famoso deles foi o Quilom-
bo dos Palmares, no qual Zumbi foi consagrado rei. Nesses lugares, a cultura
africana era valorizada e cultuada, embora os africanos que para ali fugiam
fossem de diferentes regiões da África.
3. Podemos dizer que os cultos africanos foram reinventados no Brasil, uma vez
que cada grupo étnico que aqui chegava, estrategicamente disposto pelo co-
lonizador em regiões distintas do Brasil, trazia uma cultura própria de seu gru-
po étnico, em que havia crenças e divindades próprias. Porém, a aproximação
desses diferentes grupos, com suas crenças diversas, fez surgir um sincretismo
das diferentes religiões africanas, já que umas cultuavam orixás e outras vo-
duns, por exemplo. Esse sincretismo também se fundiu ao catolicismo e, em
determinadas regiões do Brasil, ao islamismo, e esse amálgama de crenças ge-
rou os cultos afro-brasileiros.
2. Hoje se falam 180 línguas indígenas no Brasil. Algumas delas são considera-
das em risco de extinção devido ao número reduzido de falantes (cerca de
40 das 180 línguas). Outras são vitais e ativas e possuem um considerável
número de falantes. Existem também grupos que perderam suas línguas e
falam somente o português como língua materna. Porém alguns deles estão
envolvidos em processos de resgate.
direito ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos. Torna-
se obrigação da União demarcar as Terras Indígenas, proteger e fazer respei-
tar todos os bens nelas existentes.
Por fim, dispõe que os índios têm direito a políticas de atendimento diferen-
ciado na área de saúde e educação.
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