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2017

- 01 - 30

Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais


2016
RDB VOL. 72 (ABRIL - JUNHO 2016)
DIREITO SOCIETÁRIO E EMPRESARIAL

Direito Societário e Empresarial

1. Responsabilização de diretores na administração de


sociedade anônima

Board of accountability in anonymous society of


administration
(Autores)

ARMANDO LUIZ ROVAI

Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor de Direito Comercial da PUC-SP e Professor de Direito Comercial da
Faculdade de Direito Mackenzie. Professor Convidado da GvLaw e do Insper (D. Societário), Palestrante em todo
o Brasil e no exterior (Professor Convidado da Universidade de Valladolid – Espanha; Universidade do Porto;
London University e Universidade de Santiago de Compostela), sobre assuntos relativos ao Direito de Empresa.
armandorovai@terra.com.br

ALEXANDRE GINZEL

Acadêmico de Direito pela PUC-SP. alexandre_ginzel@hotmail.com

Sumário:

1 Da estrutura jurídica da sociedade anônima e dos órgãos sociais das sociedades anônimas
2 Assembleia Geral
2.1 Conceito de Assembleia Geral
3 Conselho de Administração e Diretoria
3.1 Conselho de Administração
3.1.1 Conceito e competência
3.1.2 Composição
3.2.1 Conceito
3.2.2 Composição
3.2.3 Funções da Diretoria
3.4 Conselho Fiscal
3.4.1 Conceito
3.4.2 Função e deveres do Conselho Fiscal
4 Dos deveres e responsabilidades dos administradores
4.1 Deveres
4.1.1 Dever de diligência
4.1.2 Dever de lealdade
4.1.3 Finalidade das atribuições e desvio de poder
4.1.4 Conflito de interesses
4.1.5 Dever de Informar
4.2 Responsabilidade penal dos administradores
5 Conclusão
6 Bibliografia

Área do Direito: Civil

Resumo:

Este artigo Jurídico está dividido em quatro seções, além da presente introdução. Na primeira, tratarei
sobre a estrutura das Sociedades Anônimas em geral, delineando o funcionamento de seus órgãos sociais,
com vista a traçarmos o escopo de atuação de cada um. Na segunda tratarei sobre a possibilidade de
analisar os deveres, atribuições e demais responsabilidades entre os membros da Diretoria. Na terceira,
por analogia, tratarei de caso já analisado pelo Colegiado da CVM que concluiu pelas diferentes
responsabilizações, respectivamente, por cada função exercida na execução das atribuições e funções dos
Diretores na Administração da Cia. Na quarta, apesentarei a conclusão deste artigo.

Abstract:

This Legal article is divided into four sections, besides this introduction. In the first, I will discuss about the
structure of Corporations in general, outlining the functioning of its governing bodies in order to trace the
scope of operation of each. The second will deal with the possibility of analyzing the duties,
responsibilities and other responsibilities among the members of the Board. In the third, by analogy, I'll
try to have the case reviewed by the CVM Board concluded that the different accountabilities, respectively,
for each function performed in carrying out the duties and functions of the Officers Directors of the
Company. On fourth, will present the conclusion of this article.

Palavra Chave: Deveres - Atribuições e demais responsabilidades entre os membros da Diretoria.


Keywords: Duties - Responsibilities and other responsibilities between the Board members.

1. Da estrutura jurídica da sociedade anônima e dos órgãos sociais das sociedades


anônimas

Foi adotado, em nosso sistema jurídico, a teoria organicista para explicitar a natureza da organização das
sociedades comerciais. Em linhas gerais, essa preceitua uma perfeita identificação entre a pessoa física e a
pessoa jurídica, de modo que é o órgão que executa a vontade da pessoa jurídica. Deste modo, a sociedade
comercial não é representada, mas se faz presente através deste órgão. 1 As sociedades anônimas
possuem, em sua estrutura organizacional, órgãos sociais que visam atender objetivos administrativos e
jurídicos. Em primeiro momento, sob a ótica administrativa, estes órgãos representam a racionalidade do
fluxo de informações, agilidade do processo decisório, economia de custos, entre outros. Contudo, sob a
ótica jurídica, estes órgãos representam centros de poder dentro da sociedade anônima. 2 Tal modelo
estrutural acarreta formalidades que devem ser seguidas para se alcançar a validade e a eficácia dos atos
praticados pela sociedade. 3 Assim, tem-se que os órgãos devem, necessariamente, seguir determinadas
formalidades, sendo aqueles listados pela lei acionária, quais sejam: A assembleia geral do Conselho de
Administração, a Diretoria e o Conselho fiscal. Especificamente, cada um destes possui uma determinada
função dentro da sociedade anônima, as quais serão pormenorizadamente analisadas adiante.

2. Assembleia Geral

2.1. Conceito de Assembleia Geral

Embora a Lei 6.404/1976 não tenha trazido o conceito legal de Assembleia Geral, podemos utilizar, para
estes fins, aquele trazido pelo art. 86 do Dec.-lei 2.627 de 1940, posto que, estruturalmente, a lei mantém os
lineamentos da legislação revogada: 4 A Assembleia Geral é a reunião dos acionistas, convocada e
instalada na forma da lei e dos estatutos, a fim de deliberar sobre matéria de interesse social. 5 Essa
reunião deve obedecer a forma da lei e do estatuto para que sejam convocados os participantes. Essas
reuniões, chamadas de assembleias, se realizam ora em épocas determinadas do exercício social, as quais
se denominam “assembleias gerais ordinárias” e cuja realização é obrigatória por força legal, ora para
atender necessidades da própria sociedade, em épocas esparsas do exercício social e cuja realização não é
obrigatória por lei, mas determinada em função da necessidade. 6

A Assembleia Geral é composta pela coletividade dos acionistas e reputa-se como o órgão deliberativo
máximo dentro dessa. Em razão disto, pode discutir e deliberar sobre qualquer assunto do interesse social,
conforme o art. 121 da LSA, o qual dispõe que: “A assembleia-geral, convocada e instalada de acordo com a
lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as
resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento”.

Deste modo, pode-se concluir, apoiando-se na lição de Rubens Requião, que ao se instalar legalmente,
segundo os cânones legais e estatutários, a Assembleia Geral reveste-se da qualidade de órgão da
sociedade, e torna-se apta a expressar a soberana vontade social. 7

a) Competência privativa da Assembleia Geral.

Classicamente, tinha-se que a reunião dos acionistas tinha como atributo característico a soberania das
decisões sociais e, portanto, se considerava que deveria caber à assembleia as funções de deliberação,
reservando-se aos órgãos da administração funções meramente executórias das decisões assembleares e
ao Conselho Fiscal funções de controle da gestão. Entretanto, este modelo foi modificado pelas
transformações econômicas do mundo moderno e passou a cuidar especificamente de algumas matérias
em específico.

Contudo, é de se pontuar que, remanescendo o poder para tratar de qualquer assunto do interesse social, a
lei acionária determinou que algumas deliberações constituíssem competência privativa da assembleia
geral, e assim, somente podem se instalar quando houver matérias desta natureza para serem
deliberadas. São estas, com fulcro no art. 122 da LSA:

a) Eleger ou destituir os administradores e fiscais da companhia, ressalvada, entretanto, a hipótese


de eleição dos membros da diretoria, a qual, por disposição estatutária, pode ficar a encargo do
conselho de administração;

b) Tomar anualmente as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações


financeiras por ele apresentadas;

c) Autorizar a emissão de debêntures, salvo nos casos de emissão de debêntures simples, não
conversíveis em ações, e sem garantia real, as quais podem ter sua emissão autorizada pelo
conselho de administração;
d) Suspender os direitos do acionista;

e) Reformar o estatuto;

f) Deliberar sobre a avaliação dos bens com que o acionista concorre para a formação do capital
social;

g) Autorizar a emissão de partes beneficiárias;

h) Deliberar sobre a fusão, incorporação, cisão, dissolução e liquidação da sociedade, elegendo e


destituindo o liquidante, bem como julgar as contas;

i) Autorizar os administradores a confessar a falência da sociedade e a propor a concordata 8

Quando o assunto em pauta tratar-se de alguma dessas matérias, o único órgão capaz de deliberar sobre
tais assuntos é a Assembleia Geral.

• Aspectos gerais sobre Quorum, Legitimação, Convocação e Local da assembleia.

A competência para convocação da assembleia é atribuída ao conselho de administração, caso a sociedade


disponha deste, ou aos diretores, observado o disposto no estatuto. A Assembleia Geral pode, ainda, ser
convocada pelo Conselho Fiscal ou pelos acionistas, nos casos previstos em lei. A convocação deve ser feita
mediante anúncio na imprensa, por pelo menos três vezes. Convocando os acionistas a se reunirem em
assembleia, indicando, obrigatoriamente: a) local em que se realizará a reunião; b) a data da realização; c)
a hora do início dos trabalhos; d) a ordem do dia, contendo os assuntos a serem discutidos e votados e,
caso a ordem do dia seja a reforma do estatuto, deve o anuncio especificar qual a mudança pretendida; e)
caso se trate de companhia aberta, e esteja em pauta a eleição do conselho de administração, O edital deve
informar o percentual mínimo de participação acionária necessário à requisição do voto múltiplo para
preenchimento dos cargos desse órgão. 9

Estabelece-se como prazo mínimo de antecedência para que seja reputada válida a assembleia o prazo de
oito dias para a primeira convocação, e cinco dias para a segunda, quando se tratar de sociedade anônima
fechada. Quando a sociedade anônima for aberta, o prazo será de 15 dias para a primeira convocação, e
oito dias para a segunda.

Quanto ao quórum de instalação da assembleia, em primeira convocação, é necessário que estejam


presentes 1/4 do capital social com direito a voto 10 e, em segunda convocação, este número é alterado
para qualquer número. Ou seja, basta que esteja presente um único acionista. Contudo, há de se ressaltar
que se a ordem do dia versar sobre alteração estatutária, o quorum de instalação é elevado para 2/3 do
capital social votante. 11 Assinala Osmar Brina Corrêa Lima que: “Excepcionalmente, também poderá
instalar-se validamente a assembleia geral que, embora irregularmente convocada, contar com a presença
unânime dos acionistas (votantes e não votantes)”. 12 Adiante, o jurista cita decisão emitida pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo, de forma a expressar a impossibilidade de haver assembleia sem que se tenha
atingido o quórum de instalação: “Sem quorum de instalação não há assembleia. A que sem ele se constitua
será mero agrupamento de acionistas, sem nenhuma expressão jurídica, e cujas deliberações nenhuma
significação terão em relação à sociedade” (Tribunal de Justiça de São Paulo. RT, 675/91-97 – jan. 1992).

O quorum de deliberação, por seu turno, diz respeito à quantidade de votos para aprovação do que é
proposto em assembleia, sendo para a generalidade das matérias, o apoio de mais da metade dos votos dos
presentes, excluindo-se os votos em branco. 13 Computa-se, neste quorum geral, a quantidade de votos
manifestados pelos acionistas presentes à assembleia, independentemente do quanto representam em
relação ao capital social ou votante. Há, contudo, três exceções a esta regra, denominada de quórum geral:
o quorum qualificado, estatutário e o de unanimidade. O primeiro ocorre quando da hipótese do art. 136
da LSA, em que mesmo atendido o quorum de instalação, faz-se necessária, para aprovação de tais
matérias, 50% da aprovação do total do capital social votante. Isto se o quorum não houver sido
aumentado pelo estatuto. O quorum estatutário dá-se apenas nas sociedades anônimas sem ações
negociáveis no mercado de valores mobiliários. Nesta hipótese, caberá ao estatuto fixar a quantidade
mínima de votos para a aprovação das matérias que julga merecedoras de tratamento especial.
Entretanto, não se pode fixar quorum inferior ao definido em lei. 14 O quorum de unanimidade ocorre na
hipótese de cisão desproporcional. Ou seja, quando na operação de cisão de uma sociedade, for previsto
que os acionistas receberão ações da sociedade para qual se verter o patrimônio da cindida sem relação
proporcional com as que titulariza nessa. Neste caso, faz-se necessária a concordância de todo capital, e
não apenas do votante. 15

Por fim, quanto à legitimação para comparecer à assembleia, dispõe o art. 126 da lei acionária que as
pessoas presentes à assembleia deverão provar sua qualidade de acionista. Para isto, deverão: (a) portar
documento de identidade, se titular de ação nominativa; (b) depositar na companhia, se pedido pelo
estatuto e se titular de ação escritural, comprovante emitido pela instituição financeira depositária; (c)
Certificados ou documento de depósito, nos mesmos termos do item anterior e; (d) portar documento de
identidade e depositar na companhia, se titulares de ações escriturais ou em custódia e se o estatuto exigir,
comprovante expedido pela instituição financeira depositária. Deste modo, em regra, apenas o acionista
pode participar da assembleia. Porém, a referida regra comporta exceções, como se observa do exame dos
§§ 1.º e 4.º do referido artigo, os quais permitem a representação do acionista por: (i) procurador
constituído há menos de um ano, que seja acionista, administrador da companhia ou advogado. Em se
tratando de companhia aberta, pode o procurador ser instituição financeira, cabendo ao administrador do
fundo representar os condôminos. Ou (ii) Representantes legais dos acionistas.

• Espécies

• i.Assembleia Geral Ordinária

A assembleia geral divide-se em ordinária e extraordinária. A primeira, de acordo com Paulo Roberto
Tavares Paes:

“(...) é anual. Examina as contas dos administradores e as demonstrações financeiras, delibera sobre a
destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos, elegendo os administradores e os
fiscais, estes últimos se for o caso. Deve também aprovar a correção da expressão monetária do capital
social.” 16

Sua diferença em relação à segunda se dá, basicamente, por três características, quais sejam: (i) a
obrigatoriedade legal para sua realização; (ii) periodicidade pré-estabelecida e (iii) objeto determinado.
Neste sentido, definem Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro: “Trata-se de reunião
de acionistas de realização necessária por força de lei, dada a própria natureza das deliberações que lhes
são atribuídas”. 17.

Estabelecido que a AGO deve ocorrer anualmente, tal reunião deve se realizar nos quatro primeiros meses
seguintes ao término do exercício social, conforme aduz o art. 132 da LSA. A justificativa para tal encontra-
se no próprio objeto da AGO, pois, tendo em vista que esta tem por escopo – dentre as demais supracitadas
– tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras e,
levando-se em consideração que estas são elaboradas ao fim de cada exercício social (art. 176 da LSA),
possuindo duração de um ano (art. 175 da LSA), justifica-se, então, a lógica legislativa de que as AGOs
ocorram anualmente.

• ii.Assembleia Geral Extraordinária

Traçadas, anteriormente, tem-se que, para a AGE, são atribuídas as disciplinas que fogem ao objeto
daquela (art. 131 LSA). Neste diapasão, Rubens Requião afirma que a AGE só pode conhecer os assuntos
que não forem objetos da AGO: “A assembleia extraordinária poderá conhecer de todos os assuntos que
não forem da competência da assembleia geral ordinária, definidos no art. 122”. 18

Definindo-se a competência como critério diferenciador entre elas e, tendo em vista que a AGO deve
ocorrer em data determinada (quatro meses após o fim do exercício social) enquanto a AGE pode ocorrer
quando assim requererem os interesses da sociedade, 19 indaga-se acerca da não realização de sessão
ordinária no período definido e necessidade de se apreciarem matérias definidas como de competência de
AGO. Neste caso, a doutrina apresenta divergências; enquanto autores como Modesto Carvalhosa 20 e
Fábio Ulhoa Coelho 21 afirmam que, sendo a competência – e não a data – o critério diferenciador entre
elas, deve-se convocar assembleia ordinária extraordinariamente; Rubens Requião afirma que
ultrapassado o prazo legal para realização da AGO, resta apenas a convocação através de AGE. 22 Por
nosso turno, acreditamos que esta opinião não se afigura correta, isto porque a lei acionária, através do
art.131 ora mencionado, estabelece o objeto como critério diferenciador entre as espécies de assembleia, e
não o tempo a que ocorrem.

3. Conselho de Administração e Diretoria

Havendo mencionado sobre a Assembleia Geral e a função deliberativa atribuída a essa, cumpre-nos
discorrer sobre estes órgãos e a função atribuída a estes. Primeiramente, tem-se que o art. 138 da LSA
estabeleceu que a administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de
administração e à diretoria, ou somente à diretoria. Adiante, veremos que ao Conselho de administração
são atribuídas funções deliberativas, e à diretoria, executivas. 23 No entanto, ressaltamos, de início, que
esta divisão é facultativa, pois não é obrigatória a existência do Conselho de Administração, salvo quando
se tratar de companhia de capital aberto ou autorizado. 24

3.1. Conselho de Administração

3.1.1. Conceito e competência

Acerca da definição do Conselho de Administração, ressaltamos aquela proposta por Modesto Carvalhosa,
o qual define como:

“Órgão colegiado da Companhia. Trata-se de órgão necessário nas companhias abertas, nas de economia e
nas que adotam o regime de capital autorizado. Tem o conselho de Administração competência decisória,
não podendo exercer a representação orgânica da companhia. Não tem o Conselho personalidade jurídica.
Não pode, outrossim, praticar atos de gestão, que são privativos dos diretores. É o Conselho de
Administração colégio eleitoral no tocante aos diretores, tendo competência para destituí-los ad nutum
(art. 142). Ademais cabe-lhe exercer o controle da legitimidade dos atos praticados pelos diretores (art.
142). Também possui o poder para autorizar que, em determinadas hipóteses previstas no estatuto, os
diretores possam representar a sociedade na alienação de bens do ativo permanente”. 25

Na mesma linha, Fábio Ulhoa Coelho o define como: “Órgão deliberativo de número no mínimo ímpar e
plural (isto é, integrado por pelo menos três membros), eleito pela assembleia geral. Dele só podem
participar acionistas pessoas naturais. Sua função é agilizar o processo decisório, no interior da
companhia”. 26 Ressalta, adiante que: “Em termos gerais, o conselho de administração pode deliberar
sobre qualquer matéria do interesse da companhia, exceto as que se inserem na esfera da competência
privativa da assembleia geral”. 27

Com isto, temos estabelecido que o Conselho de Administração é órgão colegiado com função deliberativa
e fiscalizadora, cuja finalidade é agilizar o processo decisório da companhia. De modo diverso, Fran
Martins o atribui função executiva, em razão de sua competência para administrar os negócios sociais
(art. 142, I), realizando objeto da sociedade dentro das normas traçadas pela assembleia. 28 Com a devida
vênia, discordamos desta afirmativa, em razão de que a decorrência desta, conforme assinalam Egberto
Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro: “caber-lhe-á eleger e destituir os diretores (inc.
II)”. 29 Tratando-se, portanto, de deliberação. Ademais, é de se afirmar que embora o art. 145 da lei
acionária estabeleça que se aplicam os mesmos deveres e responsabilidades dos administradores aos
conselheiros e diretores, não se deve, com base nisto, confundir suas funções.

3.1.2. Composição

A composição do Conselho de Administração é dada pelo art. 140 da LSA, ao qual estabelece como regras
obrigatórias: (a) limitação mínima do número de membros, nunca inferior a três; (b) sujeição deles à
Assembleia Geral, a qual possui competência privativa para eleição e destituição de conselheiros; (c)
regime deliberativo por maioria de votos e (d) prazo máximo de gestão de três anos, sendo permitida a
reeleição. Quanto ao número de membros, deve haver expressa previsão estatutária neste sentido, sendo
permitido, porém, que o ato constitutivo pré-estabeleça a quantidade e o limite desta. 30

a) Diretoria

3.2.1. Conceito

Diferentemente do que ocorre com o Conselho de Administração, o qual se reputa como órgão facultativo
nas sociedades anônimas (salvo nos casos já mencionados), a Diretoria, pelo contrário, é órgão
imprescindível dentro de uma sociedade anônima. É conceituada por Fábio Ulhoa Coelho como: “Órgão
executivo da companhia. Aos seus membros compete, no plano interno, dirigir a empresa, e,
externamente, manifestar a vontade da pessoa jurídica, na generalidade dos atos e negócios”. 31 E por Fran
Martins como órgão que maximiza as diretrizes, exercendo as funções de administração. 32

3.2.2. Composição

A composição da Diretoria é regulada pelo art. 143 da LSA, o qual encerra em si três normas obrigatórias:
(i) número mínimo de dois diretores; (ii) eleição e destituição reservadas ao Conselho de Administração
ou, caso a sociedade não o contenha, à Assembleia Geral; e (iii) gestão de no máximo três anos, 33 sendo
permitida a reeleição. Vale dizer que se confere, tal qual como na composição do Conselho de
Administração, liberdade ao estatuto para dispor sobre o número de diretores ou estabelecer seus limites.

3.2.3. Funções da Diretoria

As funções da diretoria são definidas através do art. 144 da LSA, o qual estabelece à diretoria duas
funções: (i) a de representar a companhia e (ii) manifestar a vontade da pessoa jurídica. Reitera-se,
contudo, que a representação da companhia é indelegável a qualquer outro órgão societário, conforme se
depreende da inteligência do art. 138 da referida lei.

Outro importante ponto a ser reiterado é o que diz respeito ao exercício das funções supramencionadas,
de forma que a manifestação de vontade da companhia não se faz através da pessoa física do diretor, mas
sim através do próprio órgão. 34

3.4. Conselho Fiscal

3.4.1. Conceito

O conselho fiscal reputa-se como órgão cuja função é assessorar a Assembleia Geral em matérias sobre
atos de gestão da companhia. É, outrossim, órgão cuja função primacial é a fiscalização da administração
da empresa. 35 36 Revestindo-se de tal função, sua importância consiste em ser um instrumento eficaz para
assegurar o direito essencial do acionista de fiscalizar a gestão dos negócios sociais. 37 De forma a fornecer
subsídios para compreensão de sua estrutura, Osmar Brina Corrêa-Lima afirma que: “Na analogia
esboçada entre as estruturas da companhia e do Estado democrático, o conselho fiscal corresponderia ao
poder judiciário da sociedade anônima”. 38
a) Instalação e Composição

Embora sua existência seja obrigatória em todas as sociedades anônimas, não é exigível seu
funcionamento, ficando esse a cargo do estatuto. Inclusive, poderá o estatuto definir que esse possua
funcionamento permanente ou transitório, seja na fase de liquidação, seja durante o curso regular da
sociedade. 39 Reitera-se, portanto, que a sua existência não está condicionada à previsão estatutária, posto
que essa é obrigatória; porém, seu funcionamento depende da vontade dos sócios. 40 Deste modo, caso
opte-se pelo não funcionamento do conselho fiscal, os acionistas não elegerão os conselheiros, restando
vago o referido órgão.

Acerca de sua composição, o § 1.º da LSA estabelece que o Conselho Fiscal será composto de no mínimo
três e no máximo cinco membros, sendo igual o número de suplementes.

3.4.2. Função e deveres do Conselho Fiscal

Acerca da atuação do conselho fiscal, afirma, em larga lição Fábio Ulhoa Coelho:

“A atuação do conselho fiscal, e dos seus membros, está sujeita a limites precisos. De um lado, ele é mero
fiscal, e não pode substituir os administradores da companhia no tocante á melhor forma de conduzir os
negócios sociais. Não lhe cabe apreciar a economicidade das decisões da diretoria ou do conselho de
administração, nem interferir na ponderação da conveniência ou oportunidade dos negócios realizados
ou a realizar. Sua tarefa cinge-se aos aspectos da legalidade e regularidade dos atos de gestão.” 41

Por outro lado, no tocante à sua responsabilidade, afirmam Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre
Tavares Guerreiro que os membros do conselho fiscal “respondem, ainda, pelos danos resultantes de
omissões no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou violação da lei ou do
estatuto, Essa responsabilização é consectária de sua equiparação aos administradores”. 42 Reiteram,
ainda, os mesmos autores:

“As funções do Conselho Fiscal são de atribuição individual a cada um de seus membros e não de
atribuição coletiva ao órgão, embora a lei estabeleça a competência do Conselho (art. 163) e não dos
conselheiros (como o fazia o art. 127 do Dec.-lei 2.627). Dispõe-se, entretanto, que (a) o membro do
Conselho fiscal não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles for conivente, ou
se concorrer para a prática do ato (art. 165, § 1.º) e (b) a responsabilidade dos membros do Conselho Fiscal
no cumprimento de seus deveres é solidária, mas dela se exime o membro dissidente que fizer consignar
sua divergência em ata de reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da administração e à assembleia
geral. (art. 165 § 2.º).” 43

1) Seção

1. Atribuições entre os Diretores

1.1 Conceito

Inicialmente, quanto às atribuições e responsabilidades da Diretoria, deve-se notar que estas podem ser
distribuídas entre os diretores. Sob a ótica da administração, tal repartição de poderes diz respeito à
otimização dos processos de gestão. Porém, sob o olhar jurídico, esta repartição de poderes implica na
exoneração da responsabilidade de diretores que não estejam encarregados daquela função.

Esta repartição é realizada através do estatuto, e não dizem respeito aos deveres legais que incumbem a
eles, indistintamente, ou seja, o de representar organicamente a companhia e a prática dos atos
necessários ao seu funcionamento regular. Conforme assinala Miranda Valverde: “Os preceitos
estatutários que discriminam esses deveres formam o regime disciplinar da administração”

Tendo em vista as diversas possibilidades de atribuição de responsabilidade por meio do estatuto, afirma
Modesto Carvalhosa:

“Dentro desse amplo espectro, cabe ao estatuto determinar os poderes e funções de cada diretor, fazendo-o
explícita e exaustivamente. Também deve ser estabelecido, no estatuto, o processo de representação
orgânica da companhia, determinando quando será ela exercida em conjunto ou isoladamente, em razão
dos negócios jurídicos envolvidos e de sua alçada.” 44

Do mesmo modo, recomenda Nelson Ezirik: “É recomendável que o estatuto estabeleça detalhadamente as
atribuições e poderes de cada diretor, disciplinando a organização interna da companhia, evitando
superposições de funções e permitindo a sua responsabilização pessoal pelas infrações cometidas. Nas
companhias de pequeno ou médio porte, usualmente, o mesmo diretor acumula diversas atribuições,
como gestão financeira, administrativa, de recursos humanos etc. Já nas grandes empresas, dada a sua
maior complexidade, os estatutos estabelecem uma disciplina mais rígida e especializada. De qualquer
sorte, a Lei das S.A deixou a critério de cada companhia disciplinar o regramento das funções e
atribuições dos diretores, com maior ou menor compartimentalização das atividades”.

4. Dos deveres e responsabilidades dos administradores

4.1. Deveres

Da análise dos art. 153 à 158 da LSA extraem-se os deveres que deve ter o administrador da companhia no
exercício de suas funções, os quais a lei elenca como: (i) Diligência; (ii) Finalidade das Atribuições e Desvio
de Poder; (iii) Lealdade; (iv) Conflito de interesses; e (v) Informar. Reitera-se, acerca da importância e
objetivos do tema, a posição de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro:

“A lei trata da matéria de mais alta significação (arts 153 e 160). Reunindo em suas mãos o poder efetivo da
gestão social, sujeitam-se os administradores a um conjunto de normas de natureza cogente que
objetivam: (a) delinear um padrão de conduta exigido pela condição de gestores do patrimônio alheio e (b)
estabelecer as consequências advindas da eventual violação culposa ou dolosa de suas obrigações e
limitações legais e estatutárias. O primeiro grupo dessas normas traça deveres. O segundo define
responsabilidades.” 45 Analisaremos, adiante, cada uma delas.

4.1.1. Dever de diligência

O dever de diligência atribuído aos administradores consiste em ser a devida cautela, zelo, cuidado com
que o administrador deve conduzir os negócios sociais. Sua primeira noção consiste das origens
etimológicas do termo, conforme pontua Nelson Eizik: “A primeira noção associada à palavra ‘diligência’,
cuja origem é latina (diligere), é a de zelo no cumprimento de um dever. Assim, diligente é quem atua
cuidadosamente no desempenho de determinada atividade, quem se esforça para cumprir
satisfatoriamente sua obrigação”. 46

Em tempos remotos, tinha-se como referência a figura do “bom pai de família”, de forma que o
administrador diligente se equivaleria a este. Contudo, tal conceituação reputava-se demasiado vaga para
definir este dever, conforme assinalava Carvalho de Mendonça: “Não há lei que defina essa diligência do
negociante activo e probo. Ao juiz cumpre apreciá-la com a sua experiência e com equidade, fundando a
decisão nos factos e conhecimento da causa”. 47 Do mesmo modo afirma Modesto Carvalhosa: “O princípio
é originário da tradicional figura romana do vir probus, do bonus pater familias. Trata-se, evidentemente,
de paradigma que não pode ser fixo e rígido, transformando-se, com o passar dos tempos, dos costumes e
das relações econômicas e políticas.” 48 Adiante, conceitua o referido dever: “Tem o dever de diligência o
sentido de cuidado ativo, zelo, aplicação aos misteres. Trata-se de conceito abstrato que não implica um
comportamento determinado, mas um padrão de comportamento.” 49

Sobre este padrão de comportamento, assinala Alfredo Lazzareschi Neto: “O ‘standard’ é propositadamente
abrangente justamente para abrigar diversas circunstâncias e peculiaridades. Independe de qualquer
regulamentação. Deriva de conceitos que o cidadão comum considera como válidos em determinada
época.” 50

Como exemplo prático para avaliarmos este dever, utilizamo-nos de decisão do colegiado da CVM:

“Uma das formas pelas quais se analisa se o administrador foi ou não diligente é verificando se a decisão
negocial foi ou não informada. As atas das reuniões do conselho da Companhia em que foram aprovadas
aquisições de títulos de emissão das controladoras indiretas não trazem nenhum vestígio de que tenha
havido uma análise diligente a respeito de qualquer das operações. Estes indiciados deveriam ter, para
que sua atuação pudesse ser caracterizada dentro do padrão do homem diligente, no mínimo, avaliado as
outras possíveis destinações para os recursos disponíveis da [Companhia], comparado o risco das
aquisições dos títulos com aquele existente nas demais alternativas consideradas, comparado a
rentabilidade oferecida por cada uma e, obviamente, votado pela aplicação que oferecesse a relação risco-
retorno que fosse mais favorável à Companhia. Mais que isso, também, deveriam os administradores ter
avaliado a conveniência daquelas aplicações, comparadas, por exemplo, à distribuição de dividendos aos
acionistas. Sempre que a companhia não necessite, nem preveja necessitar, dos recursos disponíveis em
seu caixa, deve ser dada prioridade à sua ‘devolução’ aos acionistas, seja por meio da distribuição de
dividendos ou da recompra de ações. A rígida disciplina do uso dos ativos das empresas é um dos
principais pilares da boa gestão, e a disponibilidade de recursos ociosos nas mãos dos administradores
pode afrouxar esse regime” (PAS CVM 2005/0097, Relatora Diretora Maria Helena Santa, j. 15.03.2007).

4.1.2. Dever de lealdade

O dever de lealdade muito se assemelha ao dever de diligência supramencionado; e caracteriza-se como


dever de boa-fé e honestidade para com que o administrador deve atuar no exercício de suas funções. 51
Tal dever é observado através dos próprios termos do art. 155 da LSA, o qual preceitua, principalmente,
condutas que não devem ser tomadas pelo administrador, para que este cumpra o dever de lealdade que
lhe é devido. Resumidamente, estas proibições são: (i) usar em benefício próprio ou de outrem as
oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; (ii) omitir-se no
exercício ou proteção de direitos da companhia ou deixar de aproveitar oportunidades de negócio de
interesse da companhia; (iii) adquirir, para obter lucro, bem que se sabe que a companhia necessite ou
pretenda adquirir; (iv) utilizar informação relevante ainda não divulgada para obter vantagem para si.
Deve, ainda, no caso das companhias abertas, guardar sigilo sobre qualquer informação que não tenha
sido divulgada para o conhecimento do mercado e zelar para que isto não aconteça.

O dever de lealdade possui suas origens nos sistemas jurídicos da Inglaterra e dos Estados Unidos, sendo
derivado dos conceitos de standard loyalty e fiduciary position, respectivamente. Sobre eles, discorre
Modesto Carvalhosa:

“O standard of loyalty do direito norte-americano, transcrito na regra ora comentada, baseia-se como já se
referiu, no caráter fiduciário das funções de administrador (fiduciary position). A relação entre a
companhia e o administrador é chamada, com efeito, de fiduciary relationship, a refletir as condutas de
confiança que norteiam a conduta deste último. A quebra do dever de lealdade (breach of the duty of
loyalty) é considerada lesiva não somente à companhia como também a seus acionistas.” 52

Complementarmente a essa ideia discorre Nelson Eizirik, acerca do sistema americano e demais países
economicamente desenvolvidos:

“No sistema de direito societário norte-americano, o dever de lealdade do administrador normalmente


surge em uma das seguintes situações: (i) a utilização de oportunidade comercial da companhia; e (ii) em
operações nas quais o administrador tem interesses conflitantes com os da companhia. Na generalidade
dos sistemas mais desenvolvidos prescrevem-se Standards, agrupados sob a denominação de ‘dever de
lealdade’, com vistas a controlar situações de conflito de interesse e a limitar o risco de utilização, pelos
administradores, dos ativos da companhia ou de informações confidenciais, em proveito próprio”. 53
Confirmando essas ideias, reitera-se decisão emitida pelo Colegiado da CVM: “O art. 155 da Lei das S.A.,
também vinculado ao dever de diligência do art. 153, estabelece o dever de lealdade (o standard of loyalty
do direito estadunidense), segundo o qual o administrador deve exercer seus poderes com boa-fé, visando
sempre os interesses da companhia e não os seus próprios ou de terceiros, sendo vedado ao administrador
utilizar-se de cargo de gestão que ocupa na companhia para obter quaisquer benefícios para si ou para
outrem” (Colegiado da CVM, PAS 25/03, Rel. Diretor Eli Loria, j. 25.03.2008).

Adicionalmente, pode-se citar outro exemplo prático de descumprimento ao dever de lealdade: a decisão
emitida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“Os réus agiram com absoluta inobservância de seus deveres quanto ao dever de lealdade para com a
empresa na qual eram diretor e acionista majoritário, havendo manifestado desvio e abuso de poder, o
que viola os arts. 153, 155, I e II, da Lei 6.404/1976 em razão das ações praticadas, tais como descontos
ilegais de duplicatas, ausência de repasse dos numerários ao caixa da firma, contrato em prol de empresa
concorrente, pagamento maior dos honorários da diretoria no período entre 1988 e 1991, retirada de
importâncias a títulos de honorários mesmo tendo renunciado a eles, restando claro o dever de ressarcir
os prejuízos provocados”. (TJRJ, 14.ª Câm., AC 2006.001.62526, j. 21.03.2007).

4.1.3. Finalidade das atribuições e desvio de poder

O art. 154 discorre sobre os objetivos da atuação do administrador e assegurar que estes hajam de modo a
satisfazer os interesses da companhia e do resto da coletividade. 54 Deste modo, equilibra os interesses
existentes entre estes dois e privilegia princípio basilar do direito societário: o do interesse social.

Contudo, a perseguição desses interesses deve sempre cuidar para que não ocorra o chamado desvio de
poder. Este se dá quando os administradores se afastam do preceituado pela lei e pelo estatuto, com vista a
atingir finalidades diversas das prescritas. Exemplificadamente, Nelson Eizirik discorre sobre a doutrina
americana acerca do tema:

“Conforme a doutrina do improper purpose, desenvolvida na Inglaterra e nos Estados Unidos, é vedado aos
administradores não só exercerem os seus poderes visando a fins ilegais ou contrários à ordem pública,
mas também os desviando de suas verdadeiras destinações. Assim, por exemplo, um aumento de capital
ou um empréstimo – negócios destinados a buscar fundos para a sociedade – não podem ser utilizados
pelos administradores para reforçar sua posição de controle sobre a sociedade.” 55

Sistematicamente, o artigo ora em comento estabelece, no § 1.º, a proibição da prevalência de interesses


grupais ou classistas no comportamento dos administradores. Já o § 2.º estabelece como vedações: (a)
prática de atos de liberalidade à custa da companhia; (b) tomar recursos ou bens da companhia, em
proveito próprio ou de terceiros, sem prévia autorização da Assembleia Geral ou conselho de
administração; e (c) receber vantagens pessoais de terceiros, sem autorização estatutária ou da
Assembleia Geral, proveitos em razão de seu cargo. O § 3.º, por seu turno, determina que as importâncias
recebidas em função do descumprimento das vedações do parágrafo pertencerão à companhia. Por fim, o
§ 4.º autoriza que o conselho de administração ou a diretoria pratiquem atos em favor dos colaboradores
ou da comunidade de que participe a empresa em razão da função social da empresa.

Sobre isto, vale a pena tecer algumas considerações: (i) tal qual o dever de diligência, tem-se estabelecido
um padrão de comportamento cuja significação é bastante ampla, de forma que este padrão seja
delineado pelo Judiciário, ante aos casos concretos, para avaliar se os atos dos administradores estão ou
não em conformidade com tal preceito; (ii) O art. 154 estabelece um padrão objetivo de conduta, visando
equilibrar as relações entre a companhia e a comunidade; (iii) procura-se evitar que o administrador
utilize a companhia para fins diversos dos que a lei determina; (iv) a liberalidade a que faz menção a
alínea a do § 2.º diz respeito a atos que diminuem o patrimônio social sem que se traga benefícios à
sociedade; e (v) A autorização de que o conselho de administração ou diretoria pratiquem atos em favor
dos colaboradores ou da comunidade deve ser interpretada de modo que estes sempre sejam revestidos de
razoabilidade.

Assim definida a finalidade e o desvio de poder dos administradores, lista-se, como exemplo de caso
concreto acerca do tema, decisão emitida pelo órgão colegiado da CVM:

“Abuso de poder em decorrência de realização de contratos de mútuo com empresa pertencente ao


acionista controlador em condições de favorecimento; demonstrações contábeis que não refletem a real
situação da companhia; mudança de critério contábil; inobservância do regime de competência; encargos
não calculados até a data do balanço; transferência de obrigações e relacionamento com partes
relacionadas sem constar de forma adequada de nota explicativa; alocação indevida no ativo circulante de
imóveis destinados à venda; reavaliação de bens colocados à venda; dever de diligência; utilização de bens
e crédito da companhia em proveito de sociedade em que tenha interesse; embaraço a fiscalização.
Responsabilização: I – do acionista controlador: a) por infração à alínea ‘f’ do § 1.º do art. 117 e alínea ‘b’ do
§ 154, ambos da Lei 6.404/1976 e alínea ‘a’ do item II da Instrução CVM 18/1, combinado com o item III do
art. 16 da Instrução CVM 270/1998; II – dos diretores: a) por infração aos seguintes dispositivos da Lei
6.404/1976; art. 153; ‘caput’ do art. 154 e alínea ‘b’ do § 2.º do mesmo artigo; inc. I do art. 184; parte final da
alínea ‘d’ do § 5.º do art. 176; inc. I do art. 179; b) por infração a Instruções da CVM: art. 16 da Instrução
CVM 296/1998, e c) Por infração a Pronunciamentos do Ibracon: itens 2 e 6 do Pronunciamento aprovado
pela Deliberação CVM 26/1986; e itens 14 e 18 do Pronunciamento aprovado pela Deliberação CVM
183/1995” (PAS CVM 17/2001, j. 16.10.2003).

4.1.4. Conflito de interesses

O conflito de interesses, disciplinado pelo art. 156 da lei acionária, caracteriza-se como desdobramento dos
deveres éticos do administrador. 56 Este se caracteriza, nas palavras de Erasmo Valladão: “Quando ocorrer
a satisfação do interesse individual mediante o sacrifício do interesse coletivo, e vice versa.” 57 Deste
modo, ocorre o conflito de interesses entre a companhia e o administrador quando, para satisfação de seu
interesse particular, precisa abrir mão dos interesses da companhia. Vale mencionar a posição de Alfredo
Lazzareschi Neto, o qual afirma que: “Para configurar o conflito é suficiente que a operação apresente
uma utilidade para a companhia e um interesse para o administrador, pouco importando a valoração das
orientações de gestão da companhia ou as razões que induziram o administrador a concluí-la”. 58

Deve-se, contudo, atentar para a situação de conflito formal e o conflito substancial entre o administrador
e a companhia, como bem assinala, em longo ensinamento, Nelson Eizirk:

“Deve-se distinguir o conflito formal do conflito substancial de interesses. O conflito formal, ou lato senso,
existe em todo negócio jurídico em que o administrador e a companhia são partes contratantes. Assim,
sempre que o administrador ou o acionista contrata com a companhia há conflito formal, que advém da
própria natureza do negócio bilateral, em que as partes possuem interesses diversos, ainda que o negócio
acarrete em benefícios equitativos para as 2 (duas) partes. Ocorre o conflito de interesse substancial, ou
stricto sensu, quando o voto ou a prática de determinado ato de gestão orientar-se no sentido da satisfação
do interesse individual, não no interesse da companhia. Há, no caso, efetiva ação orientada para a
satisfação de interesse próprio do acionista ou do administrado, em prejuízo do interesse social”. 59

Adverte-se, por outro lado, que o negócio, em situação de conflito de interesse substancial, é possível se
houver Aprovação pelos demais administradores e se a operação for equitativa, em condições de
mercado. 60

Reiteramos, neste ponto, parecer emitido pela CVM/SJU acerca do tema:

“Aplica-se o art. 156 da Lei 6.404/1976 ao administrador de uma companhia, quando for sócio de
controladora de outra sociedade que tenha relações comerciais com a companhia que a administra. A
violação ao citado preceito legal induz responsabilidade do administrador com base no art. 158, II, do
mesmo diploma legal. A violação por administrador dos preceitos legais contidos no art. 155, I e II, da Lei
6.404/1975, bem como controlador(es) por exercício abusivo do poder de controle, nos termos previstos
nas letras a, c e f do art. 117 da mesma lei (§ 3.º do art. 117 e § 2.º do art. 158). Neste caso, presume-se a
responsabilidade do(s) acionista(s) controlador(es) quando os sócios das sociedades detentora do controle
de uma companhia são também seus administradores”.(Parecer CVM/SJU 160/1979).

Ante o exposto, temos delineado o conflito de interesses e sua aplicação prática.

4.1.5. Dever de Informar

Por fim, no que diz respeito ao dever de informar, contido no art. 157 da LSA, este se aplica somente aos
casos de companhias abertas. Afirma Fábio Ulhoa Coelho que este dever apresenta dois aspectos distintos:
“de um lado, o pertinente às informações para esclarecimento de acionistas; de outro, as comunicações de
modificações na posição acionária ou de fatos relevantes, cujo destinatário é o mercado”. 61 Adiante,
complementa: “Em relação ao primeiro aspecto, determina a lei, incialmente, que o administrador, no ato
da posse, deve declarar se em seu patrimônio há ações ou outros valores mobiliários (bônus de subscrição,
opção de compra de ações, debêntures conversíveis em ações) de emissão da companhia”. 62 Seu
fundamento consiste em ser um meio de proteção aos acionistas, investidores e ao público, pois, ao
fornecer tais informações, estas pessoas tornam-se capazes de adquirir ou alienar valores mobiliários com
pleno conhecimento dos fatos negociais emitidos pela companhia. 63

Informa Modesto Carvalhosa que este dever subdivide-se em dois encargos: o de informar sobre o estado
financeiro da companhia e informar sobre o estado dos negócios, devendo os administradores revelar os
atos e fatos que possam modificar o comportamento do mercado acerca dos valores mobiliários. 64

Já Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro afirmam que este dever desdobra-se em
três modalidades: “(a) dever de declaração do termo de posse; (b) dever de revelação à Assembleia Geral
Ordinária e (c) dever de comunicação e divulgação”. 65

Sobre estes, o primeiro consiste em declarar informações de natureza pessoal do próprio administrador,
devendo esclarecer o número de valores mobiliários de emissão da companhia, de sociedades controladas
ou do mesmo grupo familiar. O dever de revelação à Assembleia Geral Ordinária é ligado ao pedido de
acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social e abrange: (i) dados de natureza
pessoal, como a titularidade de valores mobiliários e seus benefícios e vantagens; (ii) contratos de trabalho
firmados pela companhia com diretores e empregados de alto nível ou (iii) quaisquer atos ou fatos
relevantes nas atividades da companhia. Por fim, o dever de comunicação e divulgação diz respeito ao
dever de comunicar à Bolsa de Valores e a Divulgar pela empresa qualquer deliberação da Assembleia
Geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante, ocorrido nos seus negócios, que
possa influir na decisão do mercado. 66

4.1.5.1 Responsabilidade Civil dos Administradores

Tema exordial deste artigo é a análise da responsabilidade atribuída aos administradores no exercício de
suas funções. Acerca desta, a Lei das sociedades anônimas dedicou dois artigos acerca desta (arts. 158 e
159), em que se tratam, respectivamente, da responsabilidade civil dos administradores e da ação de
responsabilidade. Trataremos, nesta análise, apenas do primeiro.

Em primeiro lugar, deve-se mencionar que tendo o direito societário adotado a teoria organicista da
administração, os administradores da sociedade não operam sob um vínculo de mandato na sociedade,
mas sim de um ato jurídico unilateral que os qualificam como órgão social. Como bem ressaltava Pontes
de Miranda, é o órgão quem pratica os atos que entram no mundo jurídico como atos da pessoa jurídica. 67
Ademais, ao contrário do que ocorre como o mandatário ou o prestador de serviços, o administrador não é
um terceiro em relação a sociedade, mas sim a própria sociedade manifestando sua vontade de agir. 68

Sobre o mencionado art. 158, tem-se que este comporta duas hipóteses de responsabilidade civil: uma
tocante aos prejuízos causados pelo administrador por sua culpa ou dolo, e outra pertinente à violação da
lei ou do estatuto. O mesmo estabelece, através de seu § 1.º, que o administrador não é pessoalmente
responsável por obrigações assumidas pela companhia em virtude de ato regular de gestão, devendo a
companhia responder por estes. Tendo em vista que não se tem legalmente definida a expressão “ato
regular de gestão”, resta-nos interpretá-la como os atos praticados em conformidade com as atribuições e
deveres dos administradores e que não violam a lei ou o estatuto.

Deste modo, afirma Nelson Eizirik:

“(...) não responde pelo eventual insucesso do empreendimento, exceto se for ele resultante da falta de
diligência ou de atos ilegais. Também não responde o administrador pelo inadimplemento da obrigação
tributária da companhia, exceto se ficar demonstrado que agiu dolosamente, fraudulentamente ou com
excesso de poder, uma vez que tal obrigação é da pessoa jurídica” 69(grifo nosso).

A razão para o tratamento dicotômico empregado pelo legislador, segundo a doutrina, é a de que o
legislador não só explicitou as hipóteses de responsabilidade civil, mas, também, pretendeu definir as
diferentes situações em que o ato do administrador vincularia à companhia ou a ambos diante dos
terceiros. Em função disso, têm-se as seguintes regras: (i) o administrador não responde pessoalmente
pelas obrigações que contrair para a sociedade em razão de ato regular de gestão; e (ii) o administrador é
responsável pelos prejuízos quando culposamente descumprir dever legal ou estatutário, sendo que, nesta
última situação, os atos praticados dentro de suas atribuições obrigam a sociedade perante terceiros; e os
praticados fora de suas atribuições não vinculam a companhia, salvo se, conforme a teoria ultra vires
societatis, ratificados posteriormente, trouxeram vantagem para a companhia, ou para amparar posição
de terceiros.

O inc. I do artigo previamente mencionado, o qual ressalta expressamente a necessidade da presença da


culpa ou dolo para que se configure a responsabilidade subjetiva do administrador. Para configuração
desta, afirma Nelson Eizirik que devem estar presentes quatro elementos: (i) dano certo e de ordem
patrimonial sofrido por aquele que busca a sua reparação; (ii) o ato ilícito; (iii) o nexo de causalidade entre
o dano e a conduta antijurídica. 70

A expressão “culpa ou dolo” diz respeito à culpa civil, conforme art. 186 do Código Civil, e esta deve
ser entendida como o descumprimento de um dever jurídico, em que se tem em conta não apenas
condutas eivadas de negligência, imperitas ou imprudentes (como na culpa strictu sensu) mas também as
condutas praticadas com o intuito de descumprir tal dever. Trata-se, portanto, da culpa lato sensu.

No contexto pretendido, afirma Nelson Eizirik que:

“Para caracterização da culpa deve recorrer-se ao standard do dever de diligência. Com efeito, se o
administrador atuou dentro de seus poderes ou atribuições, a sua responsabilidade pessoal decorrerá da
comprovação de que sua conduta foi incompatível com a diligência que se espera, a partir de um juízo de
culpabilidade. O comportamento doloso pode verificar-se quando o administrador, agindo dentro de suas
atribuições, busca deliberadamente prejudicar a companhia, firmando, por exemplo, um contrato lesivo
aos seus interesses. O ato praticado dentro das atribuições e poderes do administrador constitui aquele
que não só está inserido no âmbito da sua competência legal e estatutária, como, também, do objeto social.
Se o administrador causa, com seu comportamento, atuando nos limites legais e estatutários, assim como
de acordo com o objeto social, porém de forma não diligente, um dano à companhia, será obrigado a
repará-lo, desde que provada a sua culpa.” 71

Com relação ao inc. II do referido artigo, o qual versa sobre o descumprimento da lei ou do estatuto por
parte do administrador, este suscita dúvidas quanto a natureza de sua responsabilidade. A maior parte da
doutrina é do entendimento de que se trata de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa,
cabendo ao administrador afastar esta presunção. Esta e a posição de Barros Leães, 72 Sampaio de
Lacerca, 73 Nelson Eizirik 74 e José Edwaldo Tavares Borba. 75 Contudo, entende Modesto Carvalhosa que
esta hipótese se trata de responsabilidade objetiva. 76 Por fim, igualmente minoritária, é a opinião de
Fábio Ulhoa Coelho, o qual afirma que a hipótese do inc. II trata-se de responsabilidade subjetiva do tipo
clássico. 77

Deste modo, tem-se que quando o administrador age com culpa ou dolo a companhia responde
solidariamente pelos danos eventualmente causados, podendo, posteriormente, propor ação regressiva
contra ele; 78 e quando o administrador age com violação da lei ou do estatuto, a sociedade não responde
pelos danos, salvo se houver tirado proveito do ato; houver ratificado o ato ou o prejudicado for terceiro
de boa fé. 79

Os demais parágrafos do art. 158 discorrem acerca da solidariedade dos administradores pela infração ao
dispositivo. Via de regra, a responsabilidade do administrador é individual e não ocorre a solidariedade.
Contudo, caso o administrador seja: (i) conivente, negligente na descoberta do ato ilícito, ou se deixar de
agir para impedir sua prática; (ii) não cumprir os deveres legais para assegurar o funcionamento regular
da companhia; ou (iii) não comunicar à Assembleia Geral de infrações cometidas por predecessor ou por
outro administrador com atribuições e poderes específicos. Deste modo, não responde o administrador
pelo fato de outro simplesmente por integrar o mesmo órgão. Para ocorrer a solidariedade, é preciso que
haja o descumprimento de lei ou do estatuto.

4.2. Responsabilidade penal dos administradores

Primeiramente, deve-se levar em conta que não há responsabilidade penal meramente em função do
cargo que se ocupa. Deve-se, para que a responsabilidade penal seja imputada, haver uma ação ou
omissão; sendo a omissão só é relevante quando há o dever de evitar o resultado. Neste sentido, destaca-se
a lição de Alberto Silva Franco:

“O inc. XLV do art. 5.º da Constituição Federal de 1988 consagrou, entre os princípios constitucionais, em
matéria penal, oprincípio pessoal da responsabilidade penal. O que se busca, na realidade, significar com
o caráter pessoal dessa responsabilidade? Antes de tudo, a responsabilidade penal‘significa a exigência de
um autêntico injusto típico, de realização pessoal, direta ou mediata, ou de colaboração pessoal, num tipo
de injusto, com sua parte tanto objetiva como subjetiva: quer dizer, trata-se da exigência de autoria ou de
participação.O fundamento é novamente que as sanções penais somente podem ser necessárias, eficazes e
idôneas (com todas as conotações político-constitucionais destes princípios) para a prevenção de fatos
pessoais ou de descumprimento da responsabilidade pessoal em relação a fatos alheios, mas seriam
absolutamente inidôneos e sem sentido para determinar aos cidadãos em relação fatos alheios ou a
acontecimentos naturais em cuja realização ou evitação não influíram nem poderiam influir”. 80

Acrescenta Marta Saad:

“Porque aresponsabilidade penal é pessoal,é precisoque se demonstreo vínculo do denunciado com o ato
ilícito.E é naconduta humana, substrato do crime, que a acusação deve se centrar, enãopropriamente
naatividade da pessoa jurídica,de que eventualmente o sujeito acusado seja sócio”. 81

Deste modo, diferentemente da responsabilidade civil, em que, ocorrida a ilicitude, deve o administrador
provar que não incorreu no ato, no que se refere à responsabilidade penal, tem-se que efetivamente
comprovar que o administrador agiu (ou se omitiu quando tinha o dever de agir) para o ilícito.

É também o que já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:

“HC 88875 / AM – Amazonas Habeas Corpus.

Relator(a): Min. Celso de Mello Julgamento: 07.12.2010.


Órgão Julgador: Segunda Turma.

Pacte.(s): Martin Weinberger ou Martin Weinberg.

Impte.(s): Martin Weinberger.

Adv.(a/s): Eustáquio Nunes Silveira e outro(a/s).

Coator(a/s)(es): Superior Tribunal De Justiça

Ementa: “Habeas corpus” – Crime de descaminho na sua forma tentada ( CP, art. 334, “caput”, c/c o
art. 14, II) – Responsabilidade penal dos sócios-administradores – Denúncia que não atribui, ao paciente
(sócio), comportamento específico e individualizado que o vincule, com apoio em dados probatórios
mínimos, ao evento delituoso – Inépcia da denúncia – Pedido deferido, estendendo-se, de ofício, por
identidade de situações, os efeitos da decisão concessiva de habeas corpus aos demais litisconsortes penais
passivos. Processo penal acusatório – obrigação de o ministério público formular denúncia juridicamente
apta.

O sistema jurídico vigente no Brasil – tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório,
hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático – impõe, ao Ministério
Público, notadamente no denominado “reato societário”, a obrigação de expor, na denúncia, de maneira
precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. – O
ordenamento positivo brasileiro – cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores
condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no
princípio constitucional do “due process of law” (com todos os consectários que dele resultam) – repudia as
imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem
especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes. A pessoa sob
investigação penal tem o direito de não ser acusada com base em denúncia inepta. – A denúncia deve conter
a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias
fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se, ao acusador, como exigência derivada do
postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia
que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos
delituosos qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes. Crime de descaminho – peça acusatória que não
descreve, quanto ao paciente, sócio-administrador de sociedade empresária, qualquer conduta específica que
o vincule, concretamente, aos eventos delituosos – inépcia da denúncia. – A mera invocação da condição de
sócio ou de administrador de sociedade empresária, sem a correspondente e objetiva descrição de
determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator
suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial
condenatório. – A circunstância objetiva de alguém ser meramente sócio ou de exercer cargo de direção
ou de administração em sociedade empresária não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer
presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como
efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal. – Não existe,
no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macro delinquência
ou caracterizadoras de delinquência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da
responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do
sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (nullum crimen sine culpa), absolutamente
incompatível com a velha concepção medieval do versari in re illicita, banida do domínio do direito penal
da culpa. Precedentes. As acusações penais não se presumem provadas: o ônus da prova incumbe,
exclusivamente, a quem acusa. – Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu,
demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca,
para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso
sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro
(Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação
de o acusado provar a sua própria inocência (Dec.-lei 88, de 20.12.1937, art. 20, n. 5). Precedentes. – Para o
acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da
acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (essentialia delicti) que compõem o tipo
penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é
inocente. – Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro,
qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas,
reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem
qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem
responsabilidade criminal por mera suspeita.

Decisão.

A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator e, de
ofício, concedeu essa mesma ordem de habeas corpus em favor dos corréus André Weinberger e Rita de
Cássia Pinto Costa, também nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a
Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidiu, este julgamento, o Senhor
Ministro Celso de Mello. 2ª T., 07.12.2010.”

Deste modo, para apontarmos a responsabilidade penal do administrador, deve-se apurar o fato que este
efetivamente cometeu, e não a mera presunção de culpa penal com base em sua função, sob pena de ferir
os princípios democráticos constitucionais de que não haverá culpa penal por presunção ou suspeita.

Entretanto, poder-se-ia questionar, como pontuarmos anteriormente, o dever de evitar o resultado com
base no descrito no § 1.º do art. 158 da LSA: 82

De início, apontamos anteriormente que as esferas cível e penal não obedecem ao mesmo sistema de
imputação de culpa. Portanto, para que se aponte a responsabilização através deste tipo, há que se levar
em consideração dois parâmetros: (i) as atribuições específicas de cada diretor e (ii) a possibilidade da
responsabilidade penal do crime por ação culposa do agente. Isto porque, traçadas as atribuições de cada
diretor, a lei societária menciona a responsabilização pela negligência em descobrir o ato ilícito, mas esta
se aplica apenas ao âmbito civil, posto que na esfera penal, menciona o art. 18 do Código Penal que o
crime será doloso ou culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia. E, segundo seu parágrafo único, salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por
fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Ante o exposto, chega-se a conclusão de que para a atribuição da responsabilidade penal do administrador
deve-se apurar a efetiva conduta do agente, sem que haja a culpabilização por mera presunção, as
atribuições específicas de cada diretor e o crime em questão.

5. Conclusão

Inicialmente, ressalta-se que um artigo jurídico científico deve tratar acerca de assuntos de complexidade
nos campos de sua produção acadêmica e profissional. Trata-se, portanto, de um estudo metódico e
rigoroso sobre diversas matérias jurídicas, devendo apresentar considerações de teoria geral, filosofia,
história do direito e direito comparado.

Neste interim em face de nossas considerações, podemos afirmar que a simples responsabilização de um
Diretor-Presidente não se afigura correta e estaria ferindo tanto a compreensão adequada do Direito,
fornecida pelo professor da universidade de Yale Robert Cover, como os princípios da justiça em sua
concepção mais primordial, tecida por Aristóteles.

Robert Cover afirma que o Direito constitui um elemento do mundo natural normativo, chamado de
“nomos”. Este mundo normativo integra a esfera natural tanto quanto as leis físicas, e consiste em ser a
dualidade entre a realidade das coisas e nossa visão de mundo sobre elas.
Afirma, em seguida, que não apenas para se compreender este “nomos”, mas como parte inerente a este,
deve-se ter uma narrativa que acompanhe esta normatividade. Esta narrativa, por seu turno, é o que
fornece o modelo de compreensão da normatividade.

Como exemplo, cita o autor a lei de sucessão bíblica, contida no livro Deuteronômio, o qual afirma que
invariavelmente deve o filho mais velho ser o sucessor da família, independentemente da afeição do pai
pela mãe do caçula e/ou ódio pela mãe do primogênito, no caso do pai possuir filhos com mães diferentes.

Em tal circunstância, elenca a bíblia diversas narrativas em que tal regra foi invertida (tal como o caso de
Esaú e Jacó, entre outros) e que esta inversão de tal lei só poderia ser compreendida através de tais
narrativas, devendo se fazer o mesmo com as leis civis, pois, interpretá-las somente com base nelas
mesmas nos levaria a uma compreensão inadequada de si. 83

Ademais, tal responsabilização consistiria numa injustiça. Neste sentido, Define Aristóteles que a justiça é
aquilo que é proporcional e o injusto aquilo que transgride a proporção nos atos. 84 Afirma, ainda, que a
injustiça pode ser cometida pela falta ou pelo excesso, e que existem duas espécies de justiça: a Justiça
distributiva, a qual encerra em si uma proporção geométrica, ou seja, de forma que cada indivíduo
receberia uma punição qualitativamente equivalente ao seu ato; enquanto a justiça corretiva comportaria
uma proporção aritmética. Ou seja, tendo sido causado um dano e, consequentemente, resultando na
desigualdade entre as partes, a restauração deste dano à igualdade anterior corresponderia à justiça
aritmética.

Aristóteles afirma também que o primeiro tipo (justiça geométrica) corresponderia à justiça universal,
enquanto o segundo tipo corresponderia à justiça legal, posto que esse afirmava a competência do juiz
para realizar a restauração do dano.

Tendo em vista as considerações tecidas pelo filósofo grego, os elementos doutrinários e jurisprudenciais
acerca da responsabilidade civil, opino que tanto a responsabilização penal como a responsabilização
civil, se aplicadas a um indivíduo que esteja simplesmente exercendo a função de Diretor-Presidente estar-
se-ia diante de grave desproporcionalidade em relação ao fato, tendo-se, portanto, uma injustiça. 85

Isto porque, primeiramente, no que diz respeito às razões doutrinárias e jurisprudenciais coletadas,
tecemos as seguintes conclusões:

1. Uma sociedade anônima é composta de forma orgânica e possui os seguintes órgãos sociais:
Assembleia Geral, Diretoria, Conselho de Administração e Conselho Fiscal, sendo que cada órgão
possui funções que lhes são próprias. A função do primeiro é, fundamentalmente, deliberativa; a
dos dois seguintes, administrativa; e do último, fiscalizatória.

2. Embora a Diretoria deva ser interpretada como um órgão, e não como um conjunto de pessoas
físicas, é possível que se estabeleçam funções específicas aos diretores, de forma que seus deveres e
responsabilidades sejam também interpretados com base em tais atribuições.

3. Os deveres e responsabilidades dos administradores, segundo a Lei das Sociedades Anônima são:
Diligência, Finalidade das Atribuições e Desvio de Poder, Lealdade, Conflito de interesses e o Dever
de informar. Ressalta-se que, devido a ausência de definição legal acerca do que os compõe, tais
deveres devem ser interpretados com base em um padrão médio, denominado standard pela
doutrina estrangeira, e também com base nos casos concretos, oriundos das decisões judiciais e
administrativas, quando for destes a competência para julgar.

4. Para haver a responsabilidade civil do administrador devem estar presentes os seguintes


elementos: (i) dano certo e de ordem patrimonial sofrido por aquele que busca a sua reparação; (ii)
o ato ilícito; (iii) o nexo de causalidade entre o dano e a conduta antijurídica. Deve-se, ainda,
compreender que ao se tratar da culpa civil, trata-se de culpa lato senso, ou seja, mesmo que o ato
do administrador cause danos à companhia, ele só poderá ser responsabilizado caso se demonstre
que sua conduta era eivada de má-fé ou mediante ato ilícito. Portanto, não responde pelo insucesso
do empreendimento exceto se for resultante da falta de diligência ou de atos ilegais. Com isto, o
administrador não responde pelo inadimplemento da obrigação tributária, exceto se comprovado
que agiu de forma dolosa, fraudulenta ou com excesso de poder.

5. Via de regra, a responsabilidade civil do administrador é individual e não ocorre a solidariedade.


Contudo, caso o administrador seja: (i) conivente, negligente na descoberta do ato ilícito, ou se
deixar de agir para impedir sua prática; (ii) não cumprir os deveres legais para assegurar o
funcionamento regular da companhia; ou (iii) Não comunicar à Assembleia Geral de infrações
cometidas por predecessor ou por outro administrador com atribuições e poderes específicos. Deste
modo, não responde o administrador pelo fato de outro simplesmente por integrar o mesmo órgão.

6. Diferentemente da responsabilidade civil, em que, ocorrida a ilicitude, deve o administrador


provar que não incorreu no ato, no que se refere à responsabilidade penal, tem-se que efetivamente
comprovar que o administrador agiu (ou se omitiu quando tinha o dever de agir) para o ilícito.
Portanto, não pode haver responsabilidade penal por presunção.

7. Tendo em vista que, em virtude do art. 18 do Código Penal, que estabelece que salvo os casos
previstos em lei, que ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o
prática dolosamente, deve-se analisar se o crime que se quer imputar responsabilidade penal
comporta forma culposa, isto é, comporta a imperícia, imprudência ou a negligência na esfera
penal. Aliás, vale dizer que eventual prática de crime de apropriação indébita tributária não
comporta tal forma. Deste modo, para que haja a responsabilidade penal do Diretor-Presidente,
deve-se comprovar que este agiu de forma dolosa quanto ao crime que lhe está sendo imputado.

8. Extrai-se da comparação com o caso aqui mencionado neste artigo jurídico científico que houve a
responsabilização do diretor-presidente da companhia em razão de constar, entre as suas
atribuições, o dever de fiscalizar a política financeira da empresa, e não meramente e simplesmente
em função do cargo que ocupa dentro da companhia. Deste modo, para que se atribua
responsabilidade a um indivíduo que esteja simplesmente exercendo a função de Diretor-
Presidente, faz-se necessário analisar suas atribuições para que tal responsabilidade seja imputada.

Ante as circunstâncias analisadas, chega-se a conclusão de que o diretor-presidente não deve


simplesmente ser responsabilizado, quer civilmente, quer penalmente, de forma que, decidir por sua
responsabilização em razão apenas de sua designação para a função e cargo, pois, tal atitude
corresponderia a uma injustiça, tanto em seu sentido universal como no prisma legal.

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RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DE SOCIEDADES ANÔNIMAS, de Carlos


Alberto Bittar - Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil 3/153

DA RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS NO


DIREITO BRASILEIRO E NO COMPARADO, de Fernando Rudge Leite Filho - Doutrinas
Essenciais de Direito Penal Econômico e da Empresa 6/67

BUSINESS JUDGMENT RULE E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO E NA APURAÇÃO


DE RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DE COMPANHIAS ABERTAS EM
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60/2013/127
A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ÀS
SOCIEDADES ANÔNIMAS, de Asdrubal Franco Nascimbeni - RDB 61/2013/131

© edição e distribuição da EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.

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