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R$14,00

P.52 A QUEM INTERESSA O FIM DO


LICENCIAMENTO AMBIENTAL
DOSSIÊ
STAR WARS
EDIÇÃO
311

C A RG A TRIBUTÁ RI A FEDER A L A PROX . 4,65%


US$ 42 BI

P. 42
Star Wars
EPILEPSIA E MORTE SÚBITA:
UM TABU PARA OS MÉDICOS
US$ 25 BI
Harry Potter

P. 66 BAHIA QUASE VIROU ESTADO A FRANQUIA É A QUE MAIS


ARRECADOU DINHEIRO NA edição de ipad
MUÇULMANO NO SÉCULO 19 HISTÓRIA DO CINEMA • P.21

A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO ENTREVISTA: CIENTISTAS BRASILEIROS SÃO HERÓIS, DIZ PESQUISADOR FRANCÊS P. 48 JUN. 17

TODA FORMA DE

A M O R
André e Muriel
RELACIONAMENTO Phelipe, Rafael
ABERTO e André
TRISAL COM
RELACIONAMENTO
ABERTO

Sérgio,
Fernando
e Andréa
POLIAMOR

P. 30

NOVOS TIPOS DE RELACIONAMENTO DESAFIAM A CIÊNCIA A INVESTIGAR


POR QUE A MONOGAMIA AINDA É A OPÇÃO VISTA COMO “NATURAL”
E SE, DE REPENTE, NOS FOSSE
REVELADO QUE EXISTE UMA
DATA MARCADA PARA O FIM —
E PARA O RECOMEÇO?

Horizonte vertical é uma grande viagem pelo universo metafísico dos


xamãs e dos portais interdimensionais, onde personagens inesquecíveis
desvendarão o que existe por trás de alguns dos grandes mistérios que
há séculos povoam o imaginário da humanidade.

Fruto de dois anos de pesquisas, a obra marca a estreia na ficção da


consagrada psiquiatra e autora best-seller Ana Beatriz Barbosa Silva
em parceria com a escritora Andréa Duarte.

NA S L IVR A R IA S E EM E - B O O K

www.globolivros.com.br
PRIMEI-
W W W.G ALILEU.GLOBO.COM
QUEM FEZ A CAPA

FOTO

RAMENTE
#311 06. 2017 Julia Rodrigues e Tomás Arthuzzi
ASSISTÊNCIA
Fernanda Steffens
POR CRISTINE KIST PRODUÇÃO
João Pedro Brito
MAQUIAGEM
Ananda Resende e Rafaela Brunoro
TRATAMENTO DE IMAGEM
Roberto Bezerra

COLABORADORES DO MÊS

Giovani
Flores
ILUSTRADOR
Hoje, sei que essa necessidade de
ver minha cidade na televisão era, ONDE NASCEU E ONDE MORA
São Paulo (SP)
na verdade, um jeito de sentir que
eu fazia parte do mundo. Na época, HISTÓRICO
Tem 21 anos. É designer e ilustrador
a internet ainda patinava — só tive graduando pela Unesp. Notívago,
meu primeiro computador aos 14 gosta de usar a madrugada para viver.
anos — e a TV era meu único ponto O QUE FEZ NESTA EDIÇÃO
de contato com o que estava além Antimatéria (p. 7)
das fronteiras de Santa Cruz do Sul.
Quando me via lá, sabia que existia.
Lembrei dessa necessidade de per-
O QUE É O tencimento quando comecei a escre-
ver este texto porque os casais — e Felipe
AMOR — E Floresti
o trisal — retratados na reportagem
O QUE ELE de capa dificilmente apareceriam em JORNALISTA
qualquer outro lugar. Quando fala-
PODERIA SER ONDE NASCEU E ONDE MORA
mos de relacionamentos, a imagem São Bernardo do Campo
que nos vem à cabeça é sempre de e São Paulo (SP)
duas pessoas, as famosas metades HISTÓRICO
da laranja, dois amantes, dois irmãos Palmeirense e jornalista, nessa ordem.
(por sinal, meio esquisita essa parte Prefere o mato à cidade.

uando era criança, dos irmãos...). E com frequência é ! O QUE FEZ NESTA EDIÇÃO
Ignorância é benção? (p. 42) e
Q eu adorava ver a isso mesmo — se você está em um
O AMOR Com licença, por favor (p. 52)
minha cidade na relacionamento fechado, não há mo-
ESTÁ NO AR
TV. Nas raras oca- tivo para pânico. Só que, às vezes, o E também
siões em que isso amor também pode ser outra coisa. nas páginas
A filósofa canadense Carrie Jen- da GALILEU.
acontecia, geralmente era por cau- É que a repór-
sa de alguma enchente (imagens kins, autora do livro que dá título ter Carol Cas- Gabriel
a este editorial, diz que é hora de tro, que fez a Fernan-
de enchentes sempre fazem muito des
questionar a monogamia como nor- apuração da
sucesso nos blocos dedicados à pre- reportagem
ma universal, da mesma forma que, JORNALISTA
visão do tempo nos telejornais) ou de capa junto
porque a segunda maior Oktober- há algum tempo, fizemos com a he- com a editora
Giuliana de ONDE NASCEU E ONDE MORA
fest do Brasil acontece por lá (nos terossexualidade. E, de fato, para a Nuremberg (Alemanha)
Toledo, é
aguarde, Blumenau). Em maio, no ciência o ser humano está no meio casada com e São Paulo (SP)

entanto, tudo mudou. Santa Cruz do do caminho entre a monogamia e a o também HISTÓRICO
poligamia. É sobre isso que falamos repórter Já passou pelas redações de Veja e
Sul, a cidade de 120 mil habitantes Felipe Floresti,
a partir da página 30. Boa leitura! Exame e hoje tem uma produtora de
onde eu vivi até os 18 anos e onde que assinou vídeo. Já assistiu a todos os filmes de
minha família mora até hoje, virou outras duas Star Wars aproximadamente 56 vezes.
matérias
notícia em vários programas de TV. Cristine Kist — Editora-chefe desta edição O QUE FEZ NESTA EDIÇÃO
É que Belchior morreu lá. ckist@edglobo.com.br (veja ao lado). Dossiê Star Wars (p. 21)
COMPOSIÇÃO
EDIÇÃO DE JUNHO DE 2017

ANTIMATÉRIA MATÉRIAS

P.15 COLUNA
CONEXÕES CÓSMICAS

P.07 DESREGULADORES P.16 QUANDO SEU P.30 UMA COISA LOUCA


ENDÓCRINOS NO AR CÉREBRO O ENGANA CHAMADA AMOR

P.17 CIENTISTAS DISCUTEM P.42 POLÊMICA NO


A ÉTICA DOS ROBÔS CONSULTÓRIO

P.18 TELAS INFINITAS PARA P.48 ENTREVISTA


CELULARES SÃO UMA BOA? HUGO AGUILANIU

P.19 O QUE VOCÊ FAZIA P.52 COM LICENÇA,


SEM SEU SMARTPHONE POR FAVOR
P.10 POR MAIS MULHERES
NEGRAS NA TECNOLOGIA
P.20 ELEMENTAR P.60 ENSAIO POR DENTRO
BATOM DAS BIBLIOTECAS
P.11 A BRIGA ENTRE MINERADO-
RAS E PALEONTÓLOGOS
P.66 A JIHAD QUE ACONTECEU
EM TERRAS BRASILEIRAS
P.12 BURACO NEGRO
EM FOTOS
P.71 COLUNA
QUARENTONA TUBO DE ENSAIOS
O primeiro
filme da
franquia,
P.72 PANORÂMICA
Uma Nova
Esperança,
P.13 CAÇADORES P.21 DOSSIÊ completa
DE ASTEROIDES STAR WARS 40 anos no P.74 ULTIMATO
fim de maio
Edição 310

CONSELHO
DIRETOR GERAL: Frederic Zoghaib Kachar
DIRETOR DE AUDIÊNCIA: Luciano Touguinha de Castro
DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE: Virginia Any
Maio de 2017

POR NATHAN FERNANDES

DIRETORA DE GRUPO CASA E COMIDA,


CASA E JARDIM, CRESCER E GALILEU: Paula Perim

ANALISAR É
REDAÇÃO
EDITORA-CHEFE: Cristine Kist
EDITORA DE ARTE: Fernanda Didini
EDITORES: Giuliana de Toledo, Nathan Fernandes e Thiago Tanji
REPÓRTERES: André Jorge de Oliveira e Isabela Moreira
O QUE INTERESSA
DESIGNERS: Felipe Eugênio (Feu) e João Pedro Brito
ESTAGIÁRIOS: Giuliana Viggiano e Júlio Viana (texto); Fernanda Ferrari (arte)
ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Wania Pace
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Ana Marques, Carol Castro, Clarissa Barreto,
Felipe Floresti, Gabriel Fernandes, Jeferson de Sousa, Melissa Cruz, Raquel Beer e
Thássius Veloso (texto); Ananda Resende, Denis Freitas, DW Ribatski, Filipe Redondo,
Gabriela Namie (Estúdio Barca), Giovani Flores, Jean-Michel Trauscht, Julia Rodrigues,
Rafaela Brunoro e Tomás Arthuzzi (arte); Monique Murad Velloso (revisão) O QUE ELES ACHARAM...
E-MAIL DA REDAÇÃO: galileu@edglobo.com.br

DA REPORTAGEM DA ENTREVISTA
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
DIRETOR DE TECNOLOGIA: Rodrigo Gosling DE CAPA COM SUZANA HERCULANO-HOUZEL
ESTRATÉGIA DIGITAL
DESENVOLVEDORES: Fabio Marciano, Leandro Paixão, Marcelo Amendola,
Murilo Amendola, Thiago Previero e William Antunes

ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL


GERENTE: Silvia Balieiro

MERCADO ANUNCIANTE 16%


FINANCEIRO, IMOBILIÁRIO, TI, COMÉRCIO E VAREJO — Diretor de Negócios Multiplatafor- Gostei de
ma: Emiliano Morad Hansenn; Gerente de Negócios Multiplataforma: Ciro Horta Hashimoto; algumas partes
Executivos Multiplataforma: Christian Lopes Hamburg, Cristiane de Barros Paggi Succi, Milton
Luiz Abrantes, Roberto Loz Junior e Selma Maria de Pina. MODA, BELEZA E HIGIENE PESSOAL
— Executivos Multiplataforma: Eliana Lima Fagundes, Giovanna Sellan Perez, Selma Teixeira
da Costa e Soraya Mazerino Sobral. CASA, CONSTRUÇÃO, ALIMENTOS E BEBIDAS, HIGIENE
DOMÉSTICA E SAÚDE — Diretora de Negócios Multiplataforma: Luciana Menezes; Executi- 67%
vos Multiplataforma: Fatima Ottaviani, Paula Santos e Taly Czeresnia Wakrat. MOBILIDADE, Gostei, uma
SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS, AGRO E INDÚSTRIA — Diretor de Negócios Multiplataforma: 84% 16% neurocientista 16%
Renato Augusto Cassis Siniscalco; Executivos Multiplataforma: Diego Fabiano, Cristiane Soares Completa Importante, mas melhor que é gente Não sou capaz
Nogueira, Jessica de Carvalho Dias, João Carlos Meyer e Priscila Ferreira da Silva. EDUCAÇÃO,
e necessária não tocar no assunto como a gente de opinar
CULTURA, LAZER, ESPORTE, TURISMO, MÍDIA, TELECOM E OUTROS — Diretora de Negócios
Multiplataforma: Sandra Regina de Melo Pepe; Executivos de Negócios Multiplataforma: Ana
Silvia Costa, Dominique Petroni de Freitas e Lilian de Marche Noffs. ESCRITÓRIOS REGIONAIS
— Gerente Multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva de Negócios Multiplataforma: Babila
Garcia Chagas Arantes. UNIDADE DE NEGÓCIOS — RIO DE JANEIRO — Gerente de Negócios
Multiplataforma: Rogerio Pereira Ponce de Leon; Executivos Multiplataforma: Daniela Nunes
Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado e Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos
MÉDIAS DAS MATÉRIAS
UNIDADE DE NEGÓCIOS — BRASÍLIA — Gerente Multiplataforma: Barbara Costa Freitas Silva;
Executivos Multiplataforma: Camila Amaral da Silva e Jorge Bicalho Felix Junior. GERENTE
DE EVENTOS: Daniela Valente. OPEC OFFLINE: Carlos Roberto de Sá, Douglas Costa, Eduardo
Ramos. OPEC ONLINE: Rodrigo Santana Oliveira, Danilo Panzarini, Higor Daniel Chabes e Rodrigo
8,8 8,4 9,8 8 10
Pecoschi. ESTRATÉGIA COMERCIAL: Guilherme Iegawa Sugio. EGCN — Consultora de Marcas:
Olivia Cipolla Bolonha. ESTÚDIO GLOBO: Caio Henrique Caprioli, Vera Ligia Rangel Cavalieri, Dossiê Ao mestre, com Panelinha Mães
Fim
Lucas Fernandes, Luiz Claudio dos Santos Faria e Rodrigo Girodo Andrade. pós-graduação carinho? científica coragem
AUDIÊNCIA
Diretor de Marketing Consumidor: Cristiano Augusto Soares Santos
Diretor de Planejamento e Desenvolvimento Comercial: Ednei Zampese
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Coordenadores de Marketing: Eduardo Roccato Almeida e Patricia Aparecida Fachetti

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JULIANA KOETZ CAIO MELO ADRIAN FELIPE


O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de
Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário
de Gases de Efeito Estufa — Ano 2012 da Editora Globo S.A. é preciso, confiável e livre de
S. João de Meriti, RJ, São Paulo, SP, Novo Hamburgo, RS,
erro ou distorção e é uma representação equitativa dos dados e informações de GEE sobre
o período de referência para o escopo definido; foi elaborado em conformidade com a sobre a reportagem sobre o papo cabeça com sobre a reportagem
NBR ISO 14064-1:2007 e as Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol.
de capa Suzana Herculano-Houzel de mães refugiadas
06.2017 P. 07

FATOS • FEITOS • NÚMEROS • NOTAS • NOTÁVEIS

ANTI-
Cientistas
divulgam os
riscos à saúde dos
desreguladores
endócrinos

MATÉ-
RIA

Fig. - GF

EDIÇÃO ILUSTRADORES CONVIDADOS

06.2017 THIAGO TANJI


DESIGN
JOÃO PEDRO BRITO
1

2
GIOVANI FLORES (GF)
GABRIELA NAMIE (GN)
UMAAMEAÇA
P. 08 06.2017

INVISÍVEL
Cientistas
lutam para que
substâncias
causadoras de
doenças não
apesar de serem ilustres desconhecidos
da maior parte da população, eles estão por todos os
lados: no ar, na água, nos cosméticos, nas garrafas de
plástico… Compostos químicos sintéticos, os desregu-
ladores endócrinos se espalham pelo meio ambiente e
afetam o funcionamento dos hormônios de humanos
e animais, alterando ou anulando diferentes reações
químicas responsáveis pelo funcionamento do orga-
GRUPO
DE RISCO
se espalhem nismo. O contato com os desreguladores endócrinos
Fetos e crianças
são os mais

pela natureza
acontece de várias maneiras: alguns deles são inala- atingidos pelo
dos, como os presentes em pesticidas ou emitidos contato com os
desreguladores
na combustão do diesel; outros são absorvidos pela endócrinos
POR RAQUEL BEER, pele, caso daqueles que fazem parte da composição
DE PARIS de cosméticos; e há ainda aqueles que são ingeridos
06.2017 P. 09

junto com água ou com alimentos conta- Apesar do avanço nos estudos cien- provar que só uma delas causa deter-
minados. A consequência são problemas tíficos, poucos passos concretos foram minada doença”, diz a bióloga francesa
de saúde que vão desde o mal desenvolvi- dados até agora para a regulamentação Virginie Rouiller-Fabre, professora da
mento dos órgãos sexuais até a incidência das substâncias. Há um ano, o comis- Universidade Paris Diderot.
de doenças como câncer e diabetes. sário da União Europeia para a Saú-
Pouco debatido nos países em desen- de e Segurança Alimentar, Vytenis An- PRESSÃO POLÍTICA
volvimento, o assunto ganhou relevân- driukaitis, finalmente divulgou (com A fim de chamar a atenção da socieda-
cia nos Estados Unidos e na Europa, mais de um ano e meio de atraso em de para o problema, um grupo de quase
onde cientistas iniciaram uma batalha relação ao prazo combinado) os crité- cem cientistas — quase todos da Europa
para pressionar o poder público a regu- rios do bloco para a identificação de um e dos Estados Unidos — assinou uma car-
lamentar essas substâncias. Enquanto a desregulador endócrino. A lista causou ta aberta publicada pelo jornal francês Le
indústria argumenta que faltam provas Monde. No texto, eles comparam a área de
sobre os malefícios causados pela libera- pesquisa dos desreguladores endócrinos à
ção desses compostos químicos, a ciên- de mudanças climáticas. Segundo eles, as
cia apresenta evidências concretas de que FATOR AMBIENTAL evidências científicas que mostram como
eles são, sim, bastante perigosos. Aumento da produção química os desreguladores endócrinos afetam a
influenciou alterações no saúde são inegáveis e os governos devem
metabolismo humano
CAUSA E CONSEQUÊNCIA se mexer para regulamentá-los.
A primeira pista de que existiam subs- “Assim como não há dúvida sobre a
incidência de câncer de
tâncias no ambiente capazes de afetar o testículo no norte da europa contribuição da atividade humana para
sistema endocrinológico — o conjunto (a cada 100 mil homens) as mudanças climáticas, é evidente a re-
de glândulas responsável pela secreção Dinamarca
lação entre a produção química — que
16
dos hormônios — foi publicada pela bi- 14 Noruega aumentou 300 vezes nos últimos 40
óloga americana Rachel Carson no livro 12 anos — e a maior incidência de doen-
Suécia
10
Primavera Silenciosa, de 1962. Na obra, a 8
ças não infecciosas ligadas a fatores am-
Finlândia
autora relatou como os pesticidas, espe- 6 bientais”, diz a bióloga inglesa Barbara
Estônia
4
cialmente o DDT (diclorodifeniltricloro- Latvia Demeneix, codiretora de um laborató-
2 Lituânia
etano), prejudicavam a reprodução e até rio sobre o tema no Museu de História
1995
2000
1940
1945

1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1950

matavam os pássaros. Dez anos depois, Natural da França e uma das autoras da
o uso desse pesticida na agricultura foi carta. “Conseguimos a atenção das pes-
proibido nos Estados Unidos. Hoje, há porcentagem de adultos obesos soas, mas resta saber se isso se conver-
194 substâncias conhecidas pela União Números consolidados Projeção terá em movimentos políticos.”
Europeia cujos efeitos nocivos sobre o or- 80%
No Brasil, o debate ainda está enga-
EUA
ganismo já foram comprovados por pelo 70% Inglaterra tinhando. Em 2010, uma campanha da
Austrália
menos um estudo científico. E algumas 60% Sociedade Brasileira de Endocrinologia
Espanha
organizações e cientistas acreditam na 50%
Canadá resultou na proibição da presença do
Áustria
existência de outras centenas de casos 40% Itália bisfenol A em mamadeiras — presente
envolvendo os compostos sintéticos. 30% França no plástico, a substância está relaciona-
Coreia do Sul
A exposição a essas substâncias pode da a problemas no desenvolvimento se-
1970

1980

1990

2010

2020
2000

causar efeitos imediatos ou consequên- xual. A iniciativa ainda miraria outros


cias que só serão sentidas anos mais objetos, como mordedores e brinquedos,
Fonte: OMS — State of the Science of
tarde. As fases fetal e da infância são o Endocrine Disrupting Chemicals (2012) mas foi interrompida diante da pressão
período mais vulnerável — nessa épo- de empresários do setor do plástico.
ca, os hormônios responsáveis pela di- Presidente da Comissão de Desregu-
ferenciação e desenvolvimento dos ór- ladores Endócrinos do órgão, a médi-
gãos trabalham ativamente. Na fase polêmica pela severidade das normas ca Elaine Costa faz parte de uma força-
adulta, os efeitos a curto prazo cessam adotadas. De acordo com o comissário, tarefa criada pelo Ministério Público
assim que o contato com as substân- para que os compostos químicos sejam para avaliar a presença das substâncias
cias é interrompido. Mas novas pesqui- classificados como perigosos, serão exi- sintéticas na região das bacias dos rios
sas afirmam que moléculas afetadas por gidos estudos que comprovem uma rela- paulistas Piracicaba, Cotia e Jundiaí.
mutações após o contato com os desre- ção de causalidade entre cada um deles “Precisamos fazer com que o Brasil en-
guladores endócrinos podem ser trans- e os problemas de saúde apresentados tre nessa discussão e incentive políticas
mitidas hereditariamente, o que permi- pelas pessoas. “Nós estamos expostos a de prevenção”, diz. Pelo que a experiên-
tiria que a doença se manifestasse nos várias substâncias danosas simultanea- cia internacional mostrou, o caminho
filhos e netos das pessoas infectadas. mente, por isso é difícil para um estudo para essas mudanças não será nada fácil.
P. 12 06.2017

LU-
NE-
TA
O ESPAÇO É LOGO ALI

POR ANDRÉ JORGE DE OLIVEIRA

SORRIA,
BURACO NEGRO
Telescópio que tem as dimensões do
FIG. - GF

planeta Terra fotografa o coração do integrados em uma rede sin- Sagittarius A* (o asterisco é
buraco negro no centro da Via Láctea cronizada por relógios atômi- pronunciado “estrela”) pro-
pela primeira vez — e isso muda tudo cos. “Combinar observatórios mete grandes emoções. É que
de micro-ondas pelo mundo e o horizonte de eventos é o pon-
aplicar isso aos buracos negros to de não retorno: ao chegar ali,
ma moeda caída na lua é bastante inovador”, afirma o nada, nem mesmo a luz, é ca-

U
não passaria despercebi- astrônomo Thiago Signorini. paz de escapar da avassaladora
da para um dos telescópios Instaladas em pontos remo- gravidade do buraco negro.
mais potentes já construídos. tos como Havaí e Polo Sul, as Observá-lo permitirá en-
Tamanha resolução é o requisito para ob- mega-antenas de rádio esto- tender melhor esses objetos
ter algo com que os astrônomos sonham cam petabytes de dados em e como eles interferem nas
há tempos: uma foto do “coração das tre- O BURACO HDs que, ao todo, somariam o galáxias. “Temos mais avan-
A 26 mil anos-luz da
vas” do buraco negro supermassivo no armazenamento de 10 mil lap- ços teóricos do que observa-
Terra, o Sagittarius
centro da Via Láctea. E há indícios de que A* possui 4 milhões tops. Supercomputadores nos ções”, diz o astrônomo Rodrigo
esse sonho tenha sido realizado em abril. de vezes a massa do Estados Unidos e na Alemanha Nemmen. Também será possí-
Sol. Sua gravidade
Fruto de décadas do esforço científico (e farão o processamento dos da- vel testar a relatividade geral e
une a Via Láctea.
político) de pesquisadores do mundo todo, dos nos próximos meses. descartar teorias mais exóticas.
o Event Horizon Telescope (EHT) tem É preciso paciência: a ima- É improvável, mas a foto pode
SAIBA MAIS
abertura comparável ao diâmetro da pró- gem pode levar um ano para até reformular a Física — e
Leia a reportagem
pria Terra. Isso porque oito dos radiote- completa no site: sair. Mas a primeira foto deixar Nemmen com olheiras:
glo.bo/2pjsxTB
lescópios mais potentes do planeta foram do horizonte de eventos do “Eu perderia noites de sono”.

NOSSO BOM E VELHO ETANOL “É uma tecnologia nossa, o apelo oxigenada) e etanolamina, muito
em breve poderá encher tanques é estratégico”, diz Ricardo Vieira, usada em cosméticos. Essas subs-
COMPLETA bem maiores que os de nossos chefe do LCP. O novo propelente tâncias não agridem a saúde nem
COM ÁLCOOL carros. Pesquisadores do Labo- não dói no bolso: um quilo custa, o meio ambiente, ao contrário
Pesquisadores do Inpe criam ratório Associado de Combustão em média, R$ 20. Importar a mes- das importadas, que são tóxicas
combustível de foguete barato e Propulsão (LCP), do Inpe, anun- ma quantidade do combustível e cancerígenas. Vieira conta que
e sustentável à base de etanol ciaram o desenvolvimento de um mais comum no setor espacial sai o Inpe quer a patente da fórmula.
propelente de foguetes e satélites até 50 vezes mais caro. Além do “A Agência Espacial Brasileira já
cuja fórmula emprega o combus- etanol, o produto conta com pe- demonstrou interesse em desen-
tível mais querido dos brasileiros. róxido de hidrogênio (vulgo água volver um motor para satélite.”
06.2017 P. 13

Não seja um AGENDA


Junho de 2017

dinossauro d s t q q s s

- - - - 1 2 3

4 5 6 7 8 9 10

11 12 13 14 15 16 17
Dia do Asteroide conta com eventos
18 19 20 21 22 23 24
mundo afora que alertam sobre os
riscos de um impacto e reforçam a 25 26 27 28 29 30 -
importância de programas espaciais

LUA FICA PERTINHO DO


guitarrista do queen e 3
IMPONENTE JÚPITER

O
astrofísico Brian May passa
Olhe na direção Nordeste quando
seus dias muito preocupado
escurecer e veja os dois objetos mais
com a extinção da espécie
brilhantes do céu a dois graus um do
humana. Tanto que foi um dos criadores
outro. Júpiter e a Lua crescente se
do Dia do Asteroide (30) , celebrado na
põem no Oeste por volta das 2h.
data do mais violento impacto recente:
o que atingiu Tunguska, na Sibéria, em
1908. Astrônomos do mundo todo tiram o
A JOIA DO SISTEMA SOLAR
dia para conversar com leigos sobre o ris- 15
MAIS BELA DO QUE NUNCA
co dos asteroides e pressionar os colegas a
O magnífico Saturno entra em
mapearem mais depressa aqueles que po-
oposição, mais próximo e brilhante. É
dem atingir a Terra — só 1% deles são co-
o melhor dia do ano para observá-lo.
nhecidos. Conversamos com a astrônoma
O senhor dos anéis surge no Leste ao
Daniela Lazzaro, do Observatório Nacional,
pôr do sol e fica visível a noite toda.
uma referência no estudo de asteroides.

OS ASTEROIDES ESTÃO NO CENTRO DE PROFECIAS DO


NOITE MAIS LONGA DO
FIM DO MUNDO. COMO VÊ ESSAS ASSOCIAÇÕES? 21
ANO ANUNCIA DIAS FRIOS
Alguns misturam ciência com interesses pessoais.
Tire o casaco do armário — chegou o
É fato que asteroides podem colidir com a Terra,
solstício de inverno. E com ele vem a
mas dizer que algum cairá amanhã é especulação.
noite mais longa do ano. A inclinação
Não sabemos de nenhum nos próximos cem anos.
do eixo da Terra faz incidir menos
Mas não conhecemos todos os corpos menores,
radiação solar no Hemisfério Sul.
como o que causou estragos na Rússia em 2013. FIG. - GF

Nenhum monitoramento consegue observar um


objeto desses antes que esteja quase na atmosfera. momento em que se descobrir um objeto em rota
ENCONTRO EMBLEMÁTICO
de colisão com a Terra. Apesar de extremamente 29
NO ESPAÇO HÁ 22 ANOS
E ISSO NÃO É MEIO DESESPERADOR? cara, a exploração espacial é útil até para prevenir
Nesta data, em 1995, um ônibus
Eles são pequenos e quase sempre caem no mar. consequências mais graves para a humanidade.
espacial foi acoplado pela primeira
Só um objeto de 5 quilômetros para causar o fim
vez na estação russa Mir. A nova era
da humanidade, e estes já mapeamos quase todos. SE DESCOBRISSEM HOJE UM ASTEROIDE EM ROTA DE
de cooperação entre EUA e Rússia no
Não conhecemos bem os de até 150 metros, que são COLISÃO, SERIA POSSÍVEL IMPEDIR O IMPACTO?
espaço resultaria no projeto da ISS.
perigosos. Imagine se um cai no Rio ou em São Paulo. Poderíamos quebrá-lo em pedaços menores ou
desviar sua trajetória. A escolha vai depender das
LUNETA
TODAS AS
OS DINOSSAUROS SÓ FORAM EXTINTOS POR propriedades e sobretudo da antecedência com SEXTAS, ÀS 17H,
NÃO TEREM UM PROGRAMA ESPACIAL. QUAL É A que descobrirmos a possível colisão. Se for ocorrer LIVE NA NOSSA FANPAGE.
ASSISTA!

IMPORTÂNCIA DE ESTUDAR OS ASTEROIDES? em dois anos, é mais fácil destruir; caso seja em 30,
As principais notícias espaciais
As missões espaciais estão nos ajudando a apri- aí sim podemos tentar convencer o asteroide a mu- da semana comentadas em
transmissão ao vivo no Facebook
morar a tecnologia que precisaremos utilizar no dar de rota — basta explodir uma bomba perto dele.
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Por sinal, é essa mesma gravi-

CONEXÕES CÓSMICAS
POR ADILSON DE OLIVEIRA*
dade a responsável por fazer o Sol
descrever uma volta ao redor da Via
Láctea a cada 250 milhões de anos.
É ela também que mantém cente-
nas de bilhões de estrelas unidas

O FUTURO
na nossa galáxia. Mais do que isso,
a gravidade controla o movimento
de todas as galáxias que conhece-
mos, orquestrando um grande balé

ESTÁ ESCRITO
cósmico. Porém, apesar disso tudo,
ela não funciona exatamente da ma-
neira que Newton imaginava, como
provou o alemão Albert Einstein no

NAS ESTRELAS
começo do século 20.
Na sua famosa Teoria da Rela-
tividade Geral, que revolucionou
os conceitos de tempo e espaço,
Einstein demonstrou que a gravi-
Capacidade de compreender o cosmos dade decorre da curvatura do es-
paço-tempo e que ela faz com que
permitiu que a humanidade fizesse avanços
o tempo passe mais devagar — o
importantes — e é disso que trataremos que, entre outras coisas, permitiu o
nos nossos encontros mensais nesta coluna desenvolvimento da tecnologia dos
dispositivos GPS. É que os satélites
A HUMANIDADE sempre buscou for- grande caçador da mitologia grega) utilizados para localizar os objetos
mas de compreender o mundo a sua é uma das mais marcantes — é no têm órbitas elevadas em relação à
volta. Temos um desejo intrínseco de seu cinturão que nós, brasileiros, en- Terra e sentem a gravidade de forma
conhecer a nossa origem e de saber contramos as famosas “Três Marias”. diferente do que sentiriam se esti-
qual será o nosso destino. Mesmo Ao olhar para o céu, durante sé- vessem na superfície. Se os efeitos
em épocas remotas já olhávamos culos conseguimos encontrar res- de dilatação do tempo previstos pela
para o céu e tentávamos encon- postas para algumas das nossas Teoria da Relatividade Geral fossem
trar nas estrelas as respostas para perguntas mais complexas. Apren- desconsiderados, teríamos um erro
nossos dilemas e aflições. Talvez o demos como e por que os planetas, de aproximadamente 15 quilômetros
sentimento fosse de que, ao decifrar do nosso ponto de vista, descrevem na localização dos objetos.
os enigmas celestes, poderíamos su- trajetórias tão especiais. Entende- Essa extraordinária capacidade
perar também as nossas limitações mos também que o brilho das estre- de compreender o cosmos permitiu
diante da imensidão do cosmos. las, que parecia eterno, na verdade que a humanidade fizesse avanços
Nossa existência está vinculada a tem seu próprio ciclo de vida e, por- importantes ao longo da sua histó-
ciclos e a períodos. Nascemos, cres- tanto, uma data para acabar. ria e modificou o nosso destino. E
cemos, sobrevivemos e morremos. Quando finalmente olhamos ao são descobertas como as relatadas
A passagem do tempo nos mostrou nosso redor, encontramos conexões neste texto que pretendo abordar no
que os ciclos da natureza poderiam entre os fenômenos observados por nosso encontro mensal na GALILEU.
nos ajudar a prever o futuro e, con- aqui e aqueles que já tínhamos per- Espero que seja sempre uma boa lei-
sequentemente, a antecipar nossas
ações. Descobrimos que as épocas
cebido no céu. Mas fazer essas cone-
xões não foi simples — por milênios
Por milênios tura. Nos encontramos novamente
na edição de julho. Até lá!
de plantio e de colheita podiam ser acreditamos piamente que o que acreditamos
determinadas pela mudança das
estações do ano. O Sol e a Lua mar-
acontecia lá em cima era diferente
do que acontecia aqui embaixo.
piamente que
cavam movimentos periódicos e po- Um grande passo foi dado pelo fí- tudo que
diam ser utilizados como marcadores
do tempo. Começamos a aprender a
sico e matemático inglês Isaac New-
ton, que ainda no século 17 publicou
acontecia
prever o futuro. Talvez ele estivesse sua Lei da Gravitação Universal e lá em cima
mesmo escrito nas estrelas.
Ao agrupar determinadas estrelas
demonstrou que a mesma força que
atrai os corpos em direção ao solo faz
era diferente
do que
* ADILSON DE OLIVEIRA é professor
no céu e chamá-las de constelações, com que a Lua gire em torno da Ter- de Física da Universidade Federal de São Carlos

acontecia
(UFSCar) e fundador do Laboratório Aberto de
os povos antigos transportaram ra. A gravidade, como ficou conhecida
Interatividade (LAbI), voltado
para lá os seus mitos e lendas. Por essa força, faz também com que os
aqui embaixo
para o desenvolvimento de metodolo-
exemplo: a constelação de Órion (o planetas girem em torno do Sol. gias para divulgação científica. 15
P. 16 06.2017

Fig. - GN

NOTÁVEIS

VERDADE
DO PLASMA
A cientista Ljubica Tasic lidera
estudo para mudar diagnósticos
de transtornos mentais graves

POR JÚLIO VIANA

Fig. - GF
PARA OBTER UM DIAGNÓSTICO
de graves transtornos men-
tais, a maioria dos psiquiatras
precisa confiar nas impressões
de seus pacientes ou no teste-
PEGADINHA
munho de pessoas próximas.
Liderado por Ljubica Tasic, profes-
sora do Instituto de Química da
Unicamp, um grupo de pesquisa-
DA MEMÓRIA
Pesquisadores querem
Para exemplificar a questão, a
cientista cita um experimento rea-
lizado em 1974 pela pesquisadora
dores tenta mudar esse cenário entender por que nosso norte-americana Elizabeth Loftus.
ao desenvolver um método cérebro nos engana com No estudo, participantes assistiam
de análise por meio do plasma recordações falsas a uma perseguição policial e eram
sanguíneo. A técnica procura di- questionados sobre detalhes espe-
ferenças no sangue dos pacientes POR J. V. cíficos da cena. Em algumas per-
em relação à concentração dos guntas, os pesquisadores incluíam
compostos químicos relacionados TALVEZ VOCÊ ACREDITE QUE aspectos falsos no cenário. Pouco
a atividades do metabolismo. todas as suas memórias sejam ver- tempo depois, os voluntários eram
Por meio da análise sanguínea dadeiras. Afinal, como esquecer do convidados a descrever a persegui-
de pessoas com esquizofrenia, gosto do primeiro beijo ou da sen- ção novamente — a grande maioria
bipolaridade e de um grupo de sação de andar de bicicleta pela mencionava os detalhes inventa-
controle, é possível identificar primeira vez? Há algum tempo, no dos sem perceber a falha.
em qual dos perfis o paciente se entanto, os psicólogos sabem que “É importante notar que a fal-
encaixa. “Isso é uma pesquisa fun- a recordação desses detalhes não sa memória não é uma mentira.
damental de base, algo pioneiro e significa necessariamente que eles A pessoa realmente acredita que
bem empolgante”, afirma a sérvia. aconteceram de verdade. aquilo aconteceu”, esclarece Aggio.
Natália Aggio, pesquisadora Ela chama a atenção também para
da Universidade Federal de São o fato de que as alterações geral-
NOTÁVEL Carlos (UFSCar), estuda as in- mente possuem uma relação com
NOME fluências que as ações externas o que ocorreu de verdade. “Posso
Ljubica Tasic
exercem nas lembranças de cada O CÉREBRO lembrar que um gato entrou na
NÃO É UM HD
FORMAÇÃO pessoa. “Sabemos, por exemplo, Não podemos sala quando, na verdade, foi um
Química
que o modo como você pergunta consultar e cachorro, por exemplo”, diz. “Mas
O QUE FEZ algo pode induzir a falsas memó- guardar nossas os dois são animais de estimação.
Lidera um grupo de cientistas para lembranças
obter um diagnóstico preciso de
rias. Uma das áreas em que isso de maneira Não poderia ser um dinossauro.”
doenças mentais, como a bipolaridade ocorre é o meio jurídico”, afirma. racional A mentira é grande, mas nem tanto.
06.2017 P. 17

Psicanálise
Fig. - GN

para robôs
DOENÇA DOS
O cientista Edson Prestes participa
REFUGIADOS
de comitê internacional para discutir
Médicos investigam uma
aspectos éticos no desenvolvimento
condição rara batizada de
de inteligência artificial para robôs
Síndrome da Resignação
POR THIAGO TANJI
POR GIULIANA VIGGIANO

outor em ciência da
APATIA, IMOBILIDADE, MUDEZ,

D
Computação, o pesquisador
incapacidade de se alimentar.
Edson Prestes foi o único lati-
Com sintomas parecidos com
no-americano a participar de
os do coma, a Síndrome da
um documento produzido pelo Instituto
Resignação, doença registrada na
dos Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos
Suécia desde 2005 e que atinge
(IEEE) que discute o desenvolvimento de
refugiados de 8 a 15 anos, está
valores éticos para máquinas inteligentes e
sendo investigada por pesquisa-
os possíveis riscos que surgirão da intera-
dores que buscam descobrir suas
ção entre humanos e robôs. E, para sorte
causas. No período, cerca de 400
da humanidade, Prestes afirma que seres
crianças foram diagnosticadas
robóticos superinteligentes e assassinos
com a síndrome — só em 2016
ainda não passam de ficção científica.
foram aproximadamente 60
casos. Ao estimular as crianças de
POR QUE ESCREVER ESSE DOCUMENTO? maneira semelhante à realiza-
Reunimos um grupo de pesquisadores de da com pacientes em coma, os
diferentes áreas e discutimos os aspectos médicos não chegaram a nenhum
éticos de inteligência artifical dos sistemas resultado, o que os levou a pensar
autônomos para que essa tecnologia promova que essa é uma doença psico-
bem-estar para a humanidade. Afinal, em um lógica, sem danos cerebrais.
cenário em que máquinas interagirão com os Para os especialistas, o es-
seres humanos, quais serão as consequências topim da Síndrome da Resignação
do uso contínuo dessa interação? Quais é causado por dois fatores: os
serão os possíveis benefícios e malefícios? assédios sofridos em seus países
Fig. - GF
de origem e o medo de terem de
E QUAIS SERIAM ALGUNS DOS MALEFÍCIOS retornar à antiga vida. Algumas
DESSA INTERAÇÃO ENTRE HOMEM E MÁQUINA? HÁ O RISCO DE UM FUTURO À LA EXTERMINADOR crianças levaram semanas, meses
Quando tivermos um robô em casa, será mui- DO FUTURO, COM UMA REBELIÃO DAS MÁQUINAS ou até anos para se recuperar.
to fácil para alguém estabelecer um elo forte LIDERADA POR UM ROBÔ SUPERINTELIGENTE? Segundo especialistas, isso acon-
com essa máquina. O que acontecerá quando o Na minha concepção, a superinteligência é impos- tece porque os jovens não ficam
robô for retirado do convívio? No caso de robôs sível. A máquina não tem compreensão real do que saudáveis até se sentirem 100%
utilizados para fins sexuais, eles poderão ser está fazendo: um sistema robótico criado para ven- seguros, independentemente do
considerados a “alma gêmea de alguém” — isso cer uma partida contra um campeão de xadrez está local onde estejam. O Conselho
é benéfico para a sociedade? Também existem seguindo uma configuração específica, com regras Sueco de Saúde e Bem-Estar
outros pontos da inteligência artificial que preci- bem claras. Agora, sabemos que a tecnologia da definiu, então, que a solução
sam ser discutidos: uma máquina extremamente constituição das máquinas está se desenvolvendo para a síndrome — existente
inteligente, que consegue fornecer todas as res- a passos muito acelerados, com a evolução biológica apenas no país escandinavo — é
postas, pode começar a desconsiderar a própria e tecnológica — com isso, máquinas biológicas pode- permitir que as famílias dessas
opinião do especialista, e isso é algo muito grave. rão nos levar a novos tipos de problemas. crianças fixem moradia no país.
P. 18 06.2017

TECNOLOGIA DESCOMPLICADA

Ao infinito...
Nova tecnologia para telas de
smartphones promete maior
imersão para o usuário ao

e além?
utilizar um display “infinito”.
Aplicação da novidade, no
entanto, ainda é limitada

POR THÁSSIUS VELOSO

O Galaxy S8,
da Samsung,
é equipado com
a tela infinita

mídia já é apontado por muita gente


como uma das atividades mais impor-
tantes feitas nos smartphones.
Apesar da novidade, a proporção
de 18:9 não é o padrão utilizado na
indústria do audiovisual. Conteúdos
os smartphones LG G6 da TV normalmente são filmados em
O e Galaxy S8 chegaram ao 16:9, e os de Hollywood, em 21:9. No
mercado com ficha técnica fim das contas, o usuário terá que
digna de celulares do topo de linha e escolher entre ver o conteúdo com
uma mudança notável em seus displays: barras pretas nas laterais ou cortado
a presença da chamada tela “infinita”, em cima e embaixo, no modo zoom.
que é apresentada como uma tendência Há também um modo de exibição
para o futuro dos dispositivos móveis. E O IPHONE? que estica o vídeo para que ele preencha
Para criar um efeito de widescreen A Apple ainda não 100% da tela. Entretanto, o gerente de
definiu a data para
extremo e a sensação de “infinitude”, marketing Renato Citrini, da Samsung,
lançamento de
a tela é mais alta do que as encon- seu novo iPhone. desaconselha seu uso devido à enorme
Rumores indicam,
tradas em outros modelos. Como distorção causada. Ou seja, para as-
contudo, que a
resultado, o usuário terá a sensação nova geração sistir a filmes e séries, essa tecnologia
de smartphones
de imersão ao assistir a vídeos. Vale ainda precisa mostrar a que veio.
também contará
lembrar, aliás, que o consumo de com tela infinita
06.2017 P. 19

FIG. - GF

AS IDEIAS
DE ZUCK
Facebook apresenta novidades em
conferência para programadores
FIG. - GN
POR MELISSA CRUZ

MP3 PLAYER GPS


Os primeiros MP3 Os antigos aparelhos
players, lançados nos de GPS mostravam CAMERA EFFECTS PLATFORM
anos 2000, tinham as coordenadas para
apenas 128 MB de chegar ao destino. A rede social permitirá a contribui-
armazenamento, um Com os apps para ção de criadores externos para pro-
espaço para cerca de smartphones, você duzir novos filtros 3D. Apresentada
36 músicas. Hoje, você descobre as condições
por Mark Zuckerberg, a Plataforma
ouve quantas canções do trânsito e até
quiser com platafor- compartilha sua loca- de Efeitos da Câmera vai além do
mas de streaming. lização com amigos. celular e inclui até o Oculus Rift.

FACEBOOK SPACES

O Oculus Rift ganhou um novo app


de realidade virtual. No Facebook
Spaces é possível encontrar amigos
em ambientes online. Ótimo para

A ERA PRÉ-
quem sente saudade do Second Life
CÂMERA DIGITAL SMS e curte tecnologias imersivas.

Vamos falar de coisa Antes de o WhatsApp

-SMARTPHONE
boa! Quem não teve ser o app mais popular
uma câmera digital do Brasil, mandar um
MESSENGER E INSTAGRAM
portátil nos anos SMS era o jeito mais
2000? Era comum ver rápido de se comunicar O mensageiro ficou mais inteligente:
uma dessas ao tirar sem fazer uma ligação.
Você lembra o que fazia quando será mais comum encontrar os bots
uma selfie de frente O limite era de 160 ca-
não tinha um celular conectado para o espelho. E dá-lhe racteres e cada mensa- (robôs) de páginas e aplicativos. No
à internet em seu bolso? postar a foto no Flogão! gem custava dinheiro. Instagram, quando a conexão estiver
ruim, o app guardará suas atividades
POR ANA MARQUES offline para sincronizar depois.

ESTIMATIVAS RECENTES INDICAM QUE


os smartphones correspondem a 84% de to-
INSTANT GAMES
dos os telefones móveis vendidos no Brasil
em 2016. Após o lançamento do primeiro Os jogos para o Messenger
iPhone, em 2007, os equipamentos móveis foram expandidos globalmente:
conectados à internet ganharam populari- o Instant Games chegou ao Brasil
dade no mercado e promoveram uma revo- RINGTONES INFRAVERMELHO com até 50 títulos de jogos dispo-
lução econômica e na maneira pela qual as Monofônicos ou poli- O infravermelho per-
níveis para brincar com os amigos
pessoas se relacionam com a tecnologia. fônicos, os ringtones mitia que dois celulares no aplicativo de mensagens.
Os smartphones também foram os coveiros tiveram seu momento conversassem entre
de serviços segmentados em diferentes apa- de glória antes de o si, uma espécie de pai
MP3 chegar aos celu- do Bluetooth. A capa-
relhos. Você lembra, afinal, o que fazia para
lares. Personalizar o cidade de transmissão BUILDING 8
escutar músicas enquanto passeava na rua toque com uma música era baixíssima, o que
ou para manter as conversas com os amigos agradava aos usuários dificultava o envio de Revelada por Regina Dugan, líder de
em dia sem a companhia de seu celular? de primeira viagem. arquivos pesados. engenharia, a tecnologia será capaz
de digitar cem palavras por minuto
a partir de comandos do cérebro —
@techtudo_oficial /techtudo @TechTudo cinco vezes mais rápido do que
digitar com as maõs no celular.
ELEMENTAR BOCA A BOCA
No mês dos namorados, descubra do que é feito o bom
BATOM VERMELHO e velho batom vermelho — POR CLARISSA BARRETO*

ava para fazer um


D samba-enredo, da-
1

queles que começam H


no Egito Antigo e terminam
6 8

C O
nos mais novos protagonistas
da arte contemporânea. De OCTILDO-
DECANOL
Cleópatra a Liniker, de arma (EMOLIENTE)
de sedução a símbolo de em- Presente
poderamento, o batom ver- também em de-
sodorantes, é um
melho ganhou moral e simbo- dos “amaciantes”
lismo. “É o tom que fica bem dos batons.
em qualquer tipo de pele. Se
considerarmos todos os fototi-
pos de pele e sua imensa régua
de tons, o vermelho fica bem
1 6

em todos eles”, diz Gustavo H C


8
Dieamant, gerente de pesqui- O
sa do Grupo Boticário.
A fórmula, claro, também ACETATO DE
mudou. Lá atrás, os lábios TOCOFEROL
(ANTIOXIDANTE)
eram pintados com pigmen- Comum em cremes,
tos vegetais de sementes co- promete barrar
loridas, como urucum. Aliás, os radicais livres,
que aceleram o
a ex-senadora Marina Silva, envelhecimento.
identificada com as causas
ambientais, é dessa turma —
por conta de alergias, usa a
tinta natural da beterraba para 6

C
maquiar os lábios com um tom 1 8

semelhante ao carmim. Mas o H O


batom mais próximo do que OLEATO DE DECILA
conhecemos pintou (perdão (CONDICIONANTE)
pelo trocadilho) na França, Cria um “filme” na
pele que dá uma
e era resultado da mistura aparência suave
de óleo essencial de tangeri- e acetinada.
na, essência de limão, talco
e corante vermelho.
Hoje, a estrutura do batom 1

provém de uma combinação H


6 17

de ceras com emolientes, pig- C Cl


mentos e resinas que garan- 8

O
35

Br
tem a permanência do produ-
to nos lábios. Isso para não VERMELHO 27
falar de uma gama de “brin- (CORANTE)
Foi banido dos
des”, como hidratantes, per- EUA por suspeita
fumes e até filtro solar. de ser canceríge-
no, mas é liberado
no Brasil.

20 *Com apuração de Cartola — Agência de Conteúdo Foto: Tomás Arthuzzi / Editora Globo Fontes: Grupo Boticário, Anvisa
DOSSIÊ STAR WARS
REPORTAGEM GABRIEL FERNANDES FOTOS TOMÁS ARTHUZZI

EDIÇÃO ANDRÉ JORGE DE OLIVEIRA DESIGN FEU

O LADO QUARENTÃO

DA FORÇA
Star Wars chega aos 40 com mais força do que nunca — com o perdão
do trocadilho. Nas mãos da Disney há quase cinco anos, a franquia
que custou US$ 4 bilhões deve começar a dar lucro já em 2019

há 40 anos, em 25 de maio de Após muitas versões do rotei- Mas, até os filmes mais recen-
1977, estreava um filme que mu- ro, Lucas teve uma grande saca- tes, a franquia ainda deixava
daria para sempre a história do da. Transformou Adventures of muito a desejar na forma de re-
cinema — e da cultura pop em ge- Luke Starkiller, as Taken From the tratar as minorias. E como fa-
ral. É óbvio que ninguém na épo- Journal of the Whills, Saga 1: The lar de Star Wars sem citar seu
ca sabia disso: tanto que meras Star Wars (“As Aventuras de Luke legado em efeitos especiais?
43 salas quiseram exibir um tal Starkiller, como Contadas no É aqui que entra a inusitada re-
de Star Wars. Em meio a crises Diário dos Whills, Saga 1: Guerra lação entre dinossauros, Arnold
e a uma verdadeira convulsão so- nas Estrelas”) em simplesmente Schwarzenegger e um X-wing.
cial nos Estados Unidos, o jovem Star Wars. “Star Wars tem um pa- O fato é que, para contar a queda
diretor californiano George Lucas pel gigante na popularização da de um Império, Lucas ergueu ou-
resolveu contar a história do bem cultura nerd e da ficção científica”, tro. Com custo de US$ 11 milhões,
contra o mal, enquanto todo mun- afirma Barbara Prince, editora de o primeiro filme originou uma fran-
do só investia em dramas realistas livros da Aleph. A princesa Leia, quia de mais de US$ 10 bilhões.
com heróis moralmente questioná- por exemplo, foi um grande mar- Nas mãos da Disney, ela continua
veis, como Taxi Driver, O Poderoso co na ficção científica, até então crescendo, com parques, hotéis e,
Chefão e Apocalipse Now. dominada por figuras masculinas. é claro, estreias anuais no cinema.

PRODUÇÃO: HAIKAI PRESENTES

21
OGUIADAGALÁXIA
UM PASSADO MUITO,
MUITO DISTANTE
O robô R2-D2 tem papel
mais central do que
aparenta na narrativa
Elaboramos um roteiro turístico
R2-D2 E C-3PO, ou “Artoo” e para que você conheça o melhor
“Threepio” para os íntimos, são os
(e o pior) que alguns dos mundos
únicos que aparecem em todos os
filmes. Coincidência? Claro que de Star Wars têm a oferecer
não. George Lucas já revelou que
a história toda está sendo recon-
tada por ninguém menos que R2-
-D2, cem anos após os eventos do
Ep. VI — O Retorno de Jedi (1983).
No centro do relato de R2-D2
LUA DE ENDOR
está a Batalha de Yavin: o conflito, Conhecida como Lua Santuário, foi um dos
narrado no primeiro filme da fran- principais pontos turísticos após a queda do
quia, Ep. IV — Uma Nova Espe- Império pelo papel fundamental na última
batalha. Os anos se passaram e voltou a ser
rança (1977), causou a destruição um destino de famílias em busca de natureza.
da primeira Estrela da Morte e foi Hospede-se em uma casa na árvore e acorde
responsável pelo início da queda ao som dos animais. Cace a própria comida
com ajuda de Ewoks e cozinhe com a tribo,
do Império. Por isso, o calendário contando histórias ao redor do fogo.
é dividido em ABY (Antes da Ba-
o que ver Antigo gerador de escudo da Estrela da JEDHA
talha de Yavin) e DBY (Depois da
Morte, Túmulo de Darth Vader, Bright Tree Tower
Batalha de Yavin). A cronologia da o que evitar Perseguições de speeder bikes
saga é quase tão complexa quanto
a linha do tempo da
política brasi-
leira nos úl-
timos dois CORUSCANT
Quem curte experimentar tudo que os mundos
anos (veja têm a oferecer vai amar Coruscant. A cidade
abaixo). que cobre todo o planeta é o centro político
e cultural da galáxia. Entre os prédios que
ficam um sobre o outro você encon- LUA DE ENDOR
trará as melhores galerias
22 de arte, restaurantes e hotéis
que o dinheiro pode pagar.

o que ver Palácio Imperial (antigo


Templo Jedi), Senado galáctico
o que evitar Políticos (especial-
mente Jar Jar Binks), Undercity (os
primeiros níveis de prédios da cidade)

FONTES: STAR WARS: COMPLETE LOCATIONS; STAR WARS: GALACTIC ATLAS; E STARWARS.COM

UM LONGO
10.000+ ABY 1.036+ ABY 1.022 ABY
Início das viagens Nasce É instaurada a
PASSADO hiperespaciais Maz Kanata República Galáctica

Conheça os
eventos que
R2-D2 foi moldaram a Pré-Velha República e Velha República
interpretado por
um anão nos seis história da
primeiros filmes galáxia e
10.000+ ABY 1.022 ABY 896 ABY
de seus
Surge a Ordem Os Jedi derrotam Nasce
habitantes
Jedi e dissidentes os Sith, forçados Mestre Yoda
criam a dos Sith a se esconder
TATOOINE
Se você gosta de viver perigosamente e de
apostar em partidas de Sabacc ou corridas
de pod, este é o destino ideal. Sob controle
dos mafiosos Hutts e ignorado pela galáxia,
Tatooine fica na Orla Exterior. Não é para
os fracos: aposte a liberdade de escravos
com donos de ferros-velhos no Clássico
de Boonta Eve, visite a agitada cidade de
Mos Eisley e escute algumas das melhores
bandas independentes do momento.

o que ver Pôr dos sóis (?) na antiga fazenda


Lars, Mar de Dunas, cabana do velho Ben
o que evitar Palácio de Jabba, grande poço
de Carkoon, Tusken Raiders (povo de areia)

JEDHA
Principal destino de peregrinos e centro de
CORUSCANT adoração da Força, Jedha é um importante
polo religioso da galáxia. Considerada lar es-
piritual dos Jedi, a lua já não é mais a mesma
desde a destruição da cidade sagrada mile-
nar de NiJedha durante a ocupação imperial.
Suas ruínas e a busca por antigos segredos,
porém, atraem milhares de pessoas à região,
que vive em um inverno eterno.

o que ver Ruínas da cidade de NiJedha,


restos das catacumbas de Cadera
o que evitar Estar na cidade com a
Estrela da Morte por perto

NABOO
Naboo é idílico. Perfeito para uma viagem
a dois, com direito a casamento proibido
em Lake Country, esta joia na Orla Média é
um dos maiores destinos da galáxia. Visite
TATOOINE cidades fluviais de arquitetura clássica e
NABOO ruas arborizadas, como a elegante capital,
Theed, ou viaje para o mundo aquático dos
Mundos destacados no guia Gungan para apreciar a exótica tecnologia
Mundos da história oficial (Cânone) de bolhas hidrostáticas. Cuidado: guias
Mundos de histórias paralelas (Legends) Gungan são famosos por piadas infames.

Regiões da galáxia o que ver Festival de Luzes,


Rotas usadas pelas naves tour guiado pelas cavernas de Eleubad
o que evitar Atravessar pelo centro do planeta

Conflito entre Primeira Ordem e Resistência

200 ABY 41 ABY 22 ABY 0 ABY 0 ABY 4 DBY 5 DBY 11 DBY 28 DBY
Nasce Nasce Anakin Palpatine Estrela da Morte Morre Batalha Nova República Nasce Leia Organa
Chewbacca Skywalker recebe poderes destrói Jedha Obi-Wan Kenobi de Endor derruba o Finn funda a
emergenciais Império Resistência

República Galáctica Guerras Clônicas Era do Império Guerra Civil Galáctica Pós-Guerra Galáctica

84 ABY 32 ABY 19 ABY 0 ABY 2 DBY 4 DBY 5 DBY 15 DBY 34 DBY


Sheev Palpatine se Anakin vira Darth Batalha de Yavin: Nasce Estrela da Nasce Nasce Base Starkiller
Palpatine nasce torna supremo Vader — nasce o Estrela da Morte Poe Dameron Morte II é Ben Solo Rey destrói Sistema
em Naboo chanceller Império Galáctico é destruída destruída (Kylo Ren) Hosnian
EU TENHO HÁ UMA LUZ NO
A FORÇA
Compreensão do campo de energia Poderosos cristais escondidos em um
que liga tudo e todos deu coesão à sabres dos Jedi e dos Sith quanto ao
história — e está prestes a mudar
O SABRE-DE-LUZ é muito mais que uma arma elegante para tempos
O CONCEITO da Força foi criado por Geor-
mais civilizados: ele é parte fundamental do treinamento de um Jedi. Sua
ge Lucas para unificar tematicamente a tri-
construção é um dos maiores desafios de um jovem padawan (aprendiz) e
logia original desde os primeiros rascunhos.
representa um rito de passagem. Ele deve enfrentar desafios internos e ex-
Com uma definição breve e sucinta da Força,
ternos, incluindo seu maior medo, para conseguir um Cristal Kyber — fonte
ele queria instigar a espiritualidade, deixan-
de energia do sabre. A prova ocorre no planeta congelado de Ilum, sagrado
do para o espectador a busca por respostas.
para os Jedi. Lá, o padawan entra em uma caverna com milhares de cristais.
Com o passar dos anos e com o crescimento
da mitologia, a compreensão da Força ficou
mais detalhada. Ela conecta tudo o que existe e
emana dos próprios seres vivos. Possui o lado
negro e a luz, que devem estar em equilíbrio.
A ordem Jedi busca poder e sabedoria na luz, SABRES DO LADO NEGRO
enquanto os Sith se voltam para o lado negro.
Aqueles que não seguiam o código Jedi
à risca ou que deixavam a ordem por com- DARTH VADER
pleto, mas também negavam os Sith, são
classificados como Gray Jedi (ou Jedi Cinza).
Eles geralmente usam técnicas de ambos
os lados sem se deixarem cair na perdição.
PALPATINE/DARTH SIDIOUS
Membro da Ordem Jedi, Luke Skywalker
sempre flertou com o lado negro e se negou a
acreditar que um Sith não poderia voltar à luz.
Por isso mesmo, ele é o candidato ideal para
alterar o código Jedi e tornar a compreensão CONDE DOOKU
da Força mais ampla e menos dualista — trans-
formando-se no último dos Jedi. É essa a his-
tória que deve ser contada no próximo filme.

DOIS LADOS DA MOEDA ASAJJ VENTRESS (SE DIVIDE EM DOIS)


Sith e Jedi polarizam a espiritualidade
porque enxergam a Força de forma distinta

JEDI SITH
DARTH MAUL
Lado da luz Lado negro da Força

Sempre disposto a servir


o próximo Egoísta

Ataque apenas em legítima Ataque


defesa, último recurso sempre KYLO REN

Equilíbrio da Força Poder pela Força

São inúmeros Existem apenas dois por vez

Buscam sabedoria na con- Buscam força nas


templação e no equilíbrio emoções extremas
ÍCONES: ESTÚDIO BARCA

“Não há emoção, “Paz é uma mentira,


há paz. só existe paixão.
UMA MÃO VAI 2 4 9
Membros
Não há ignorância, Através da paixão, decepados
há conhecimento.
Não há paixão,
ganho força.
Através da força,
NA CABEÇA
há serenidade. ganho poder. Personagens
munidos de seus
EP1 EP2 EP3
Não há caos, Através do poder,
há harmonia. ganho a vitória. sabres decepam
Não há morte, há a Força.” A Força me libertará.” membros sem Único em que Anakin perde o Única cabeça
dó nem piedade ninguém perde primeiro de mui- decepada
uma mão tos membros
FIM DA CAVERNA 25

planeta congelado dão origem tanto aos


destruidor feixe de luz da Estrela da Morte

Sete robôs
O jovem precisa ouvir o chamado e encontrar o cristal que o escolheu. Depois diferentes foram
construídos
disso, aprende com o droid professor Huyang (uma espécie de Olivares do para a filmagem
de O Despertar
mundo de Harry Potter) sobre os diferentes materiais e formatos de um sa- da Força
bre-de-luz. O padawan escolhe os materiais e termina a montagem do sabre
usando apenas a Força. Os cristais são incolores, mas ganham cor pela forma
como seu usuário utiliza a Força. Usuários do lado negro não são escolhidos.
Eles subjugam os cristais, fazendo-os sangrar e ficando com o sabre vermelho.

SABRES DA LUZ

ANAKIN

OBI-WAN KENOBI

LUKE SKYWALKER

FAÇA-SE A MÁGICA
YODA

Nascida em um simples armazém,


a ILM mudou a história do cinema

MACE WINDU DINOSSAUROS, Arnold Schwarzenegger e


X-wings: o que eles têm em comum? Em 1975,
sabendo que não existia a tecnologia para de-
senvolver as cenas que sonhava para Star Wars,
George Lucas juntou universitários, artistas
EZRA BRIDGER e engenheiros em um armazém na Califórnia
e criou a Industrial Light & Magic (ILM).
O grupo precisou de não mais que um ano para
desenvolver do zero uma nova câmera, além
de computadores e dispositivos eletrônicos.
Mas a empreitada não foi fácil. O orçamen-
to para efeitos visuais era de US$ 2 milhões
— uma única câmera custou US$ 400 mil.
2 6 1 0 Faltando menos de um ano para a estreia,
a equipe tinha produzido só uma cena e
gastado mais de US$ 1 milhão. Desde en-
EP4 EP5 EP6 EP7 tão, a ILM recebeu 15 Oscars e trabalhou
em mais de 400 filmes, sendo responsável
Obi-Wan Darth Vader/Ana- Em cena cortada,
decepa sua C-3PO perde kin perde o braço Chewie arranca bra-
pela adoção de personagens 100% digitais,
última vítima todos os membros direito (de novo) ço de Unkar Plutt como os dinossauros de Jurassic Park.
26 UMA GALÁXIA DE
HOMENS BRANCOS
O Episódio VII foi o primeiro a se
C-3PO perdeu
o braço em
preocupar com representatividade
uma missão da
Resistência e
ficou com o de
um droid da
Primeira Ordem
“O MAIOR PROBLEMA de representatividade na
trilogia original é o negro”, diz Andrew Howe, da Uni-
versidade de La Sierra, que já realizou pesquisas sobre
a questão do racismo em Star Wars. O especialista em
cultura pop e sociedade acredita que a confusão entre
o mal, a cor preta e o negro, personificada por Darth
Vader (dublado por um negro — James Earl Jones),
vai além da associação da cor com o mal, presente em
várias culturas. “Lando Calrissian (Billy Dee Williams)
[o outro negro presente na narrativa] teria ressoado com
uma audiência branca criada com visões estereotipadas
da libido negra hiperssexualizada”, afirma o pesquisador.
Ele explica que a associação não vem de hoje. “É um
dispositivo narrativo que se estende até os tempos
que antecedem a guerra civil americana.”
A questão também afeta outras minorias. A pri-
meira raça alienígena apresentada, o Povo de Areia,
considerado selvagem, é uma clara caricatura dos

QUE O LUCRO
ESTEJA COM VOCÊ
Disney gastou EM MEADOS dos anos 70, os estú-
bilhões em dios não viam o merchandise como fonte
Star Wars,
mas em 2019 de renda nem George Lucas acreditava
já vai começar que Star Wars faria sucesso. Mesmo as-
a lucrar (e sim, ele decidiu diminuir seu cachê para
muito) — foi
um ótimo não ter de abrir mão do controle da obra
negócio e de eventuais retornos de merchandi-
se. Foi a decisão mais importante de sua
vida — e revolucionou a indústria.
Star Wars é a franquia que mais ar-
recadou dinheiro na história do cinema.
Segundo a Forbes, estima-se uma re-
ceita total de US$ 42 bilhões até 2015,
incluindo as projeções do Episódio VII.
A franquia Harry Potter vem em segun-
do lugar, com US$ 25 bilhões até 2016.
Pode não parecer, mas a aquisição
da Lucasfilm pela Disney por US$ 4 bi-
lhões foi uma das maiores barganhas
da história. Acredita-se que a Disney
e seus parceiros tenham embolsado
US$ 9,6 bilhões só no primeiro ano de
O Despertar da Força. Projeções indi-
cam que até o fim de 2019 a empresa
já terá recuperado todo o investimento.
PATRIARCADO GALÁCTICO É HISTÓRIA QUE
beduínos. Juntas, as cinco mulheres que
não se chamam Leia na primeira trilogia
falam menos de cem palavras.
Quatro dos seis personagens com
mais tempo de tela são homens NÃO ACABA MAIS
Na segunda trilogia (os prequels),
a situação não melhora. Padmé (Natalie EP1 EP2 EP3 EP4 EP5 EP6 EP7 ROGUE Futuro da franquia é se
ONE
Portman) é a única mulher com fala no eternizar no cinema e

Anakin Skywalker/
Episódio III, enquanto Mace Windu (Sa- em todos os lugares

Darth Vader
3 minutos
23m30s

14m45s
13m15s
muel L. Jackson) é o único personagem

9m15s
48m

52m
TUDO INDICA que a Dis-
negro de destaque. Além disso, três das
ney pretende lançar um Star
novas raças são retratos preconceituo-
Wars por ano até o fim dos
sos de asiáticos: os toydarianos (como o
tempos. Então, é bem prová-
dono de Anakin), baseados na visão na-

Obi-wan
17m30s
37m15s
21m15s

Kenobi
2m15s
vel que nenhum de nós esteja

34m

1m
zista dos semitas, os neimoidianos, res-
vivo para ver o último episó-
ponsáveis pela guerra, e os gungans (Jar
dio. Em março, o CEO Bob
Jar Binks), que estereotipam os africanos.

Skywalker
34m45s
37m30s

34m15s
Iger anunciou que a empresa

Luke
45s

45s
“Padmé e Leia, mulheres incríveis,
ainda não sabe os rumos da
ficaram à sombra de homens imaturos
história após a nova trilogia,
e sedentos de poder, o que vem mudan-

19m30s

23m30s

17m45s
mas que tem material para

Solo
Han
21s
do. Ainda assim, são personagens muito
lançar ao menos um filme
mais bem construídas do que em vários
por ano — pelos próximos 15.

Amidala
21m30s

32m15s

18m15s

Padmé
filmes de fantasia e ficção científica”,
Existe a possibilidade de que
diz Bárbara Prince, da editora Aleph.
sejam lançados, depois de 2019,
Vale lembrar que, até hoje, nenhum filme
apenas os filmes chamados de
22m45s
13m30s

21m15s

5m45s

Organa
da Marvel foi estrelado por uma mulher.
30s

Leia
15s
antológicos (que não contam
A jornada ainda é muito longa.
a história da família Skywal-
FONTE: NINEWHEELS0/IMDB
ker), bem ao estilo Rogue One.
Também veremos forte inves-
tida em plataformas como TV,
jogos com histórias originais,
parques temáticos e até mesmo
GRANA NAS ESTRELAS Os números não mentem: mesmo quando o investimento
nos filmes aumentou, a bilheteria não decepcionou
um resort-espaçonave de luxo.
“Os filmes pós-Disney pa-
Bilheteria mundial recem ter sido recebidos de
Orçamento (em US$ milhão) forma mais calorosa do que os
Indicações ao Oscar UMA NOV
A ES prequels”, aponta Cláudia Fus-
O) PER
N E (R AN
ÇA
Conquistas de Oscar EO co, mestre em estudos de fic-
GU (EP
RO 775.3 .4)
71 98.0
.9 59.2 07 ção científica. “Agora é aguar-
55
CO

1.0
O TRA P.5

dar e ver o quanto a Disney


N (E
IM -A )
PÉ TA

11 18 53 consegue brincar e subverter


RI C
O A
8.3

EP.4 EP.6 com um formato tão conheci-


75

32,5
.06

do e amado como Star Wars.”


OR

EP.5
7

E TO

RO
0 EP.1
VEM COISA BOA POR AÍ
RNO
475.
20

115

RO
106

DE JED

EP.4 Próximos lançamentos não


.177

EP.7 2
se limitarão às telonas
I (EP.6)

5 10 6
(EP.7)

EP.3 1 Star Wars Battlefront 2


1 2017 GAME
RÇ A

624

11 5

EP.2 3 EP.2
3
AMEA

EP.1 4
8.223.
DA FO

EP.5
1.

2017 Ep. 8 — O Último Jedi


0

EP.6 1
2

FILME
Ç
7

A
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TAR

2.06

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44.6

ANT
5

Jogo dirigido por Amy Henning


R

24
E

2018
11 3
77
SP

AS

EP.7 GAME
E

MA
OD

EP.3
EP (

Han Solo — Ainda sem nome


.1)

2018 FILME
64
9.3 AT
98.
328 AQ
2019 Ep.9 — Ainda sem nome
FILME
ED U
8
848.754.76 CL
OS
ON Star Wars Land (dois)
2019
3) ES (
(EP. H )
EP.2 PARQUES TEMÁTICOS
VINGANÇA DOS SIT
FONTE: BOX OFFICE MOJO
GALÁXIA QUE VIROU UNIVERSO
Diversas narrativas licenciadas fazem parte do Universo Expandido (UE) de
Star Wars — e ele torna a história oficial (chamada de cânone) muito mais rica

BOBA FETT, o maior caçador de nos livros da Trilogia Thrawn”, conta da empresa pela Disney, foi criado
recompensas da galáxia, não teve Fábio Fernandes, escritor e tradutor o Lucasfilm Story Group, responsá-
o nome dito em O Império Contra- de livros de Star Wars. Para acom- vel pelo conteúdo de Star Wars. Para
-Ataca. A palavra “Ewok” também não panhar o crescimento exponencial tristeza de muitos, dois anos depois o
apareceu em O Retorno de Jedi. “Sem o de histórias licenciadas, a Lucasfilm grupo informou que toda a continui-
Universo Expandido, Star Wars como criou selos para identificar se o con- dade do UE deixaria de valer e pas-
conhecemos não existiria. O nome do teúdo valia para a continuidade ofi- saria a existir sob o selo “Legends”.
planeta Coruscant, por exemplo, foi cial estabelecida nos filmes, chamada Mas felizmente diversos conceitos e
criado pelo escritor Timothy Zahn de cânone. Em 2012, após a compra personagens voltaram no novo cânone.

INFINITAS RAMIFICAÇÕES
Conheça algumas obras do Universo Expandido e mergulhe ainda mais fundo na história

KNIGHTS OF THE TRILOGIA THRAWN STAR WARS: STAR WARS REBELS DARTH PLAGUEIS
OLD REPUBLIC •LIVRO• THE CLONE WARS •ANIMAÇÃO• •LIVRO•
•GAME• Série responsável pelo •ANIMAÇÃO• A sequência de Clone Como Palpatine revelou
Marco nos games e UE como o conhecemos. A série começou devagar, Wars conta a história de a Anakin, Darth Sidious
franquia, o RPG da Conta a história de Luke, mas encontrou identidade um grupo rebelde tinha o poder de enganar
Bioware explode o Leia e companhia cinco ao contar pequenas 14 anos após os eventos até a morte. Escrito
cérebro com reviravoltas, anos após a destruição histórias do período do terceiro filme. A série por James Luceno, o
possíveis finais e um da Estrela da Morte. das guerras clônicas. captura o que há de livro narra décadas de
personagem querido Traz algumas das figuras Introduziu a padawan melhor na franquia com acontecimentos e joga luz
do UE: Darth Revan. mais amadas pelos fãs, de Anakin Skywalker, seus novos personagens, no lado mais sombrio da
Disponível até para como Mara Jade e Grão Ahsoka Tano. Entre desde um droid ranzinza Força. A popularidade (e
tablets, parte da história Almirante Thrawn. Mesmo outros mistérios, revelou até um Jedi que não poder) de Darth Sidious
foi incluída no cânone pela sendo uma obra Legends, segredos da Força, o terminou o treinamento. é tamanha que muitos
animação Rebels. Não vários dos conceitos que aconteceu com Ideal para introduzir acreditam que ele seja o
consta na continuidade foram incorporados Darth Maul e preencheu novos fãs e para os próprio Supremo Líder
oficial da Disney. ao novo cânone. lacunas dos filmes. mais experientes. Snoke da Primeira Ordem.

STAR WARS: IMPÉRIO DO MAL STAR WARS: BLOODLINE LORDS OF THE SITH THE ART OF STAR
BATTLEFRONT •QUADRINHO• •LIVRO• •LIVRO• WARS: THE FORCE
•GAME• As HQs tiveram papel Com lançamento da Se você gostou AWAKENS
O jogo coloca você em fundamental para edição em português da cena final de Darth •LIVRO•
uma guerra nas estrelas, a popularização da previsto para agosto e Vader em Rogue One, O livro complementa
seja como um soldado franquia. Uma das já disponível em inglês, vai adorar este livro, o último episódio da
rebelde, um piloto de principais foi a série o livro de Claudia Gray ambientado pouco franquia. Cada página
caças TIE pelo império, que trouxe de volta é essencial para quem tempo depois da traz várias artes
seja assumindo papéis o Imperador, ou seus é fã da princesa Leia, ascensão do Império. conceituais usadas na
de heróis e vilões como clones, e com Luke ou melhor, da General A história é focada no produção. Elas apontam
Han Solo e Darth Vader. Skywalker se rendendo Organa. A história se relacionamento entre a influência da trilogia
Nada vai fazer você se ao lado negro da Força. passa seis anos após o Ep. Vader e seu mestre, o original e mostram a
sentir dentro de Star Sinceramente, com esses 6 e conta a formação da Imperador Palpatine evolução de diversos
Wars como esse jogo eventos, Tom Veitch Nova República, o papel (ou Darth Sidious), que personagens, como
de tiro, que já tem (autor) poderia escrever de Leia como senadora e estão presos em um BB-8 e capitã Phasma,
sequência agendada qualquer abobrinha que as consequências de ter planeta depois de uma até o design final que
para o fim deste ano. não faria diferença. Darth Vader como pai. emboscada rebelde. conhecemos hoje.
GRAFITE
B-47

SUMÁRIO
CAPA: NEM SÓ DE MONOGAMIA SE FAZ O AMOR P.30 POLÊMICA NO CONSULTÓRIO P.42

DE MATÉRIAS ENTREVISTA: HUGO AGUILANIU P.48 DÁ LICENÇA? P.52

ENSAIO: BIBLIOTECAS EM TODOS OS ÂNGULOS P.60 CALIFADO NA AMÉRICA DO SUL? P.66


REPORTAGEM E EDIÇÃO
CAROL CASTRO
E GIULIANA DE TOLEDO

DESIGN
JOÃO PEDRO BRITO

FOTOS
JÚLIA RODRIGUES
E TOMÁS ARTHUZZI

MAQUIAGEM
ANANDA RESENDE
E RAFAELA BRUNORO

Phelipe (esq.),
André (dir.)
e Rafael (sentado):
trisal aberto

ENQUANTO

A CIÊNCIA

AINDA TEM POUCAS

RESPOSTAS PARA

EXPLICAR Viviane: namoro


aberto a distância
A MONOGAMIA

ENTRE HUMANOS,

NOVAS FORMAS DE

SE RELACIONAR

BUSCAM ESPAÇO
Fernando (de pé),
André e Marina: Andréa e Sérgio:
casamento poliamor aberto
fechado

André e Muriel:
namoro aberto

o q u e
AMAR q u e r d i z e r
U
UMA MESA PARA TRÊS em algum
restaurante “coxa” de São
Paulo, escolhido por André
Cobra, 28 anos. É assim que
ele, Rafael Medeiros e Pheli-
pe Vittorelli pretendem pas-
sar este Dia dos Namorados
— o primeiro desde que co-
meçaram um relacionamen-
to a três, dois meses atrás.
O namoro, sério e aberto
(com liberdade total para fica-
rem com outras pessoas), co-
meçou com uma brincadeira.
Rafael e Phelipe estavam
juntos desde fevereiro, quan-
do André apareceu na turma
de amigos do casal e abalou
os corações dos dois. “Eu já
conhecia o André, tínhamos
‘ficado’ alguns anos atrás.
Fiquei de novo e comecei a
perceber uma tensão entre
ele e o Phelipe”, conta Rafael.
Um dia, no elevador, André
sugeriu que os três ficassem
juntos de uma vez. “Ele diz
que era brincadeira”, ri Pheli-
pe. Mas, poucos dias depois,
André se juntou de fato ao
relacionamento do casal, que
virou, então, um trisal.
A alguns quilômetros, em
Guarulhos, na Grande São
Paulo, o 12 de junho da em- trisal ANDRÉ COBRA • 28 anos
• diretor
“A gente brinca assim: ‘Tempo! Valendo... pééé! Acabou.
Minha vez de ficar no chuveiro’”, conta André. Ele, Rafael
presária Andréa Dias, 42 aberto (à esq.)
de cena e Phelipe sofrem na hora de tomar banho — dividir um
chuveiro em três pessoas num dia frio não é nada fácil
anos, também será festejado PHELIPE • 26 anos
—, mas se divertem com música, bom humor e um cro-
VITTORELLI • diretor
a três, com os maridos Sér- nômetro de brincadeira. Dormir os três na mesma cama
de arte
gio Dias — com quem se ca- (centro) de casal vira outro desafio. No restaurante, um novo di-
lema: quem vai ficar mais longe dos carinhos, no lado
sou de papel passado e com RAFAEL • 24 anos
oposto da mesa? “Mas isso não dá nada, a gente só quer
cerimônia na igreja há mais MEDEIROS • relações
comer mesmo”, brinca Phelipe. Desde que começaram
públicas
de 15 anos — e Fernando (à dir.) um relacionamento sério e aberto, em abril, os meninos

Costa — que há cinco largou


5% d a p o p u l a ç ã o v i v e r e l a ç õ e s
não monogâmicas consensuais
nos estados unidos

a vida em Portugal, sua terra natal, para se unir à dupla no


Brasil. Desde então, todos dividem a mesma casa e também
os cuidados com Matheus, filho de Fernando com outra mu-
lher, que vai completar três anos em agosto.
Os três namorados e os três casados encaram diariamente
as mesmas dificuldades que um casal monogâmico, seja ele
heterossexual, seja homossexual: ciúmes, desentendimentos
sobre a vida doméstica e atritos bobos, causados pelas di-
ferenças de personalidade. E a solução também é a mesma:
uma boa dose de conversa, respeito e paciência.
Entre os gays, no entanto, relacionamentos abertos não são
tão incomuns quanto entre os heterossexuais. Um estudo da
Universidade Estadual de San Francisco (EUA) acompanhou
556 casais de homens durante três anos — e descobriu que
50% deles faziam sexo fora do casamento com aprovação total
do parceiro. Embora não exista um “censo dos relacionamen-
tos” para que sejam conhecidos os dados de toda a população e
bons estudos na área ainda sejam escassos, as maiores pesqui-
sas feitas nos últimos anos estimam que, ao todo, nos Estados
Unidos, cerca de 5% das pessoas vivam relações não monogâ-
micas consensuais, aquelas em que todos os envolvidos con-
cordam com amores e/ou sexo com outros. Nesse grupo, con-
forme o levantamento, a maioria tende a ser de homens gays.
“Acho que o gay já enfrenta tantos desafios de aceitação
em casa e com ele mesmo que, tendo passado por tudo isso,
ele já se poda menos”, diz Alexandre Venancio, autor do livro
Poliamor & Relacionamento Aberto (Panda Books), publica-
do no mês passado. “Ainda mais entre homens. Casais hete-
rossexuais se comportam da mesma forma, mas acho que a
mulher freia mais os desejos do homem, que está mais habituado
a ter múltiplos parceiros por conta da sociedade mesmo.
Então, acho que não é tanto por ser gay, mas pela forma
como a sociedade se comporta até hoje”, conclui.

aprendem, a cada dia, como levar a vida amorosa a três.


Ciúme acontece. “Já fiquei bravo, uma vez, com uma ati-
tude que os dois tomaram e não me chamaram. Fiquei CONTRA A NORMA
com ciúme mesmo”, diz Rafael. Desde então, na base da
conversa, aprenderam a lidar com a insegurança um do
outro, com a mania de organização de Phelipe e com os omo afirma Venancio, mesmo em 2017 ser gay ainda
hábitos diurnos de André. Já encararam olhares curiosos
na rua e preconceito entre conhecidos. Mas nada disso c não é fácil — basta ver os índices de crimes homofó-
bicos pelo Brasil e pelo mundo. Mas, nas últimas dé-
abala o trisal — as famílias, inclusive, sabem do relacio-
namento. O maior problema mesmo é o Facebook, que cadas, casais homoafetivos já conquistaram visibilidade e legi-
só abre espaço no status para marcar um namorado... timidade em uma série de países. E, para a filósofa canadense
Carrie Jenkins, os “não monogâmicos”, tanto homos como hé-
namoro
aberto

MURIEL • 30 anos
DUARTE • psicóloga
e educadora
ambiental

ANDRÉ • 29 anos
BIAZOTI • gestor
ambiental

André ficou arrasado quando


uma das mulheres com quem
se relacionava sumiu do mapa.
Em casa, Muriel deu colo e
amor para o namorado superar
a fase ruim. Desde que começa-
ram o namoro, há cinco anos,
eles decidiram viver um rela-
cionamento aberto. E não seria
a primeira vez para nenhum
dos dois. Só que, para Muriel,
as coisas não tinham funciona-
do bem antes. “Meu ex-namo-
rado não entendia quando eu
sentia ciúme, era do tipo ‘Ué,
não falou que queria relacio-
namento aberto? Agora aceita’”,
conta. “Com o André é diferen-
te. Se fico com ciúme, ele me
dá carinho e fica tudo bem”,
continua. No começo, não
levavam ninguém para casa
nem ficavam com outras pes-
soas quando estavam juntos.
Aos poucos, as regras iniciais
se tornaram desnecessárias.
Só nunca houve regra para
o amor: os dois aceitam que
ambos sintam afeto e carinho
por outras pessoas. “Eu fico
com outras mulheres, mas ne-
nhum beijo é tão bom quanto
o da Muriel”, declara André.

teros, homens ou mulheres, devem seguir o mesmo caminho deria Ser, em português), lançado
— só que a passos mais lentos. “Estamos criando espaço em no início do ano, em que analisa
nossas conversas culturais em curso para questionar a norma como o tema aparece na filosofia
universal do amor monogâmico, assim como anteriormente e na biologia ao longo da história.
criamos espaço para questionar a norma universal do amor A canadense destaca, porém,
hétero”, afirma a professora da Universidade da Colúmbia Bri- que a pressão pelos avanços
tânica. Foi a partir da sua experiência poliamorosa de ter um dos homossexuais na socieda-
marido e um namorado que ela resolveu escrever o livro What de, como o direito ao casamen-
Love Is and What It Could Be (O que É o Amor e o que Ele Po- to, até hoje tem enfatizado prin-
cipalmente a vontade de quem se adapta ao modelo tradicional: 35
“Isso reforça a norma da monogamia. É uma estratégia política
eficaz a serviço de um objetivo que eu valorizo, então entendo
por que isso acontece. Mas em muitos aspectos o amor não
monogâmico é varrido para debaixo do tapete.”
“Sair do armário” como poliamorista, diz, é um enfrenta-
mento diário. “Toda vez que conheço novas pessoas, tenho
que decidir se quero ou não deixá-las saber que estou em
dois relacionamentos.” O receio não é à toa. Desde o lança-
mento do livro, ela conta já ter sido chamada de todas as
variações possíveis de “puta” e “vagabunda”. Ser uma mu-
lher que vive duas relações inter-raciais — ela, branca, eles,
de origem oriental — só piora. “Me disseram que sou doente
GLOSSÁRIO
mental, que vou morrer de doenças, que eu deveria me sufo-
Aprenda os termos
car e mais um monte de coisas, tudo por ser poli.” usados para falar de
diferentes tipos de
relacionamento
VISIBILIDADE
não monogamia
mbora ainda tão estigmatizados, é fato que os re- consensual

e lacionamentos não monogâmicos têm despertado


cada vez mais a atenção da sociedade. Um reflexo
Termo genérico para
todos os tipos de re-
lações em que os en-
claro da curiosidade está nas pesquisas no Google. Conside- volvidos sabem que
rando só o termo “poliamor”, a procura quadruplicou entre não há exclusivida-
os usuários brasileiros nos últimos cinco anos. de sexual e/ou afeti-
va e concordam.
Hollywood também tem dado sua colaboração no debate:
celebridades de todas as idades já contestaram os valores da
monogamia. Logo após o divórcio, em março, a atriz Scarlett poliamor
Johansson, de 32 anos, contou que não acha natural ser uma pes- É o tipo de relacio-
namento em que,
soa monogâmica — “Acho que isso é um trabalho, é um grande
em comum acordo,
trabalho”. E recentemente, Anne e Kirk Douglas, com 98 e 100 é possível se envol-
anos, respectivamente, lançaram um livro contando seus casos ver sexualmente e
afetivamente, de
extraconjugais, todos eles vividos com a aprovação dos dois.
forma estável, com
Para esses casais, a lealdade vale mais do que a tradicional diversas pessoas ao
fidelidade sexual e afetiva. É o caso de Muriel Duarte e André mesmo tempo.

Biozoti, que levam um relacionamento aberto há cinco anos. “Eu


não me enquadro em um padrão heteronormativo monogâmico. relacionamento
As pessoas sentem atração por outros durante o namoro ou casa- aberto
mento — e tudo bem”, conta ela. Os dados corroboram a percep- Existe quando os
ção de Muriel: 60% dos homens e 47% das mulheres brasileiras parceiros concor-
dam em buscar rela-
admitiram já terem sido infiéis, segundo pesquisa da antropóloga
cionamentos sexuais
Mirian Goldenberg realizada com 1.279 pessoas. independentes, mas
“Se metade das pessoas traem, existe alguma coisa errada sem envolvimento
afetivo, fora da
com a monogamia”, ri Regina Faria, que se tornou ativista da
relação principal.
Rede Relações Livres em Porto Alegre em 2012, aos 42 anos.

swing
É praticado por casais
que aceitam fazer sexo
com pessoas de outros
casais desde que seja
em um ambiente
60% d o s h o m e n s e 47% d a s m u l h e r e s — geralmente, uma casa
de swing — no qual to-
brasileiras admitem já terem traído dos estejam presentes
e sem que haja envolvi-
mento emocional.
36 O grupo vai além dos relacionamentos abertos e do poliamor
no quesito desprendimento: rejeita qualquer forma de controle
de uma pessoa sobre outra em prol da liberdade individual to-
tal. Para Marco Rodrigues, um dos fundadores do movimento,
que vive relações livres desde a sua adolescência, na década
de 80, existe atualmente uma crise profunda do ideal de famí-
lia. “Mas não vivemos a construção de alternativas, elas estão
escondidas. Estamos vivendo uma agonia muito grande por-
que o antigo não funciona, mas ninguém faz o novo — ou faz
o novo muito parecido com o antigo”, diz. Para ganhar mais
visibilidade, o grupo, hoje com cerca de 50 pessoas, começou
no mês passado a montar no centro da capital gaúcha o Ateliê
130, sua primeira sede, e vai lançar neste mês um livro expli-
cando os fundamentos das RLi (pronuncia-se “érreli”, apelido
da rede). “As pessoas acham que é alguma brincadeira de sol-
relações teiro, algo assim. Mas erotismo é o assunto sobre o qual nós
livres
menos conversamos nos nossos encontros”, explica Rodrigues.
Chamadas de RLi (lê-se
“érreli”), são aquelas em
que a autonomia indi-
vidual vem em primeiro DE ONDE VIEMOS?
lugar, em negação ao
modelo de casal. Não se
admite que a vida amo- em todo mundo concorda com essa liberdade toda
rosa ou sexual fique sob
o controle de ninguém. n — relacionamentos abertos, poliamorosos ou livres
Tampouco existe ainda são exceções. Só para se ter ideia, no ano
hierarquia entre os passado, a YouGov, empresa global de pesquisa de merca-
diferentes parceiros. do na internet, perguntou a mil norte-americanos de dife-
rentes idades se eles deixariam seu parceiro romântico fa-
poligamia zer sexo com outras pessoas: 8% não souberam responder,
Ocorre quando alguém 5% aceitariam numa boa, 19% topariam em algumas cir-
é casado com mais de cunstâncias e 68% não permitiriam de jeito nenhum. É o
uma pessoa e exige de
caso de casais como Marina e André Bragatto, juntos há 12
todas elas exclusividade
afetiva e sexual. Na lei, anos e casados de papel passado desde 2013, que preferem
não é permitida no Bra- ser apenas dois — indiscutivelmente dois. “Eu nunca senti
sil. O termo “poliginia” é
vontade de ficar com outras pessoas”, conta ela.
usado para o caso
de homens que têm O que faz, então, existirem comportamentos tão diferentes en-
múltiplas mulheres, tre os humanos? A ciência ainda não tem uma resposta tão clara
enquanto a “poliandria”
para a prevalência da monogamia — e suas exceções — entre nós.
se aplica a mulheres
com vários maridos. Fazemos parte de um grupo bem pequeno: só 5% das espécies
de mamíferos levam a vida monogamicamente, casos em que
o macho forma vínculo de longo prazo com uma única fêmea
compersão
e oferece cuidados paternos. Nos 95% restantes, ele nem quer
É o nome dado ao senti-
mento de felicidade por saber de tomar conta da prole e se acasala com a maior quanti-
seu parceiro amoroso dade possível de fêmeas, o que, em termos de evolução, é uma
estar feliz sexualmente vantagem, já que aumenta a diversidade genética da população.
e/ou afetivamente
com outra pessoa Uma nova pista para entender esses 5% pode estar em es-
que não você. tudos de DNA. Recentemente, pesquisadores da Universidade
Harvard conseguiram encontrar pela primeira vez genes relacio-

casa-
mento
fechado
o s h u m a n o s e s tã o e n t r e o s 5% d e e s p é c i e s
de mamíferos que são monogâmicos
nados à monogamia — mas só
em ratos. Ainda não se sabe,
portanto, se a descoberta é vá-
lida também para os humanos.
A equipe estudou os chamados
ratos Peromyscus polionotus
— que são notórios monóga-
mos, ótimos pais e excelentes
em preparar o ninho e cuidar
dos filhotes junto com sua rata
— e seus parentes mais próxi-
mos, os promíscuos ratos Pe-
romyscus maniculatus. As duas
espécies cruzaram entre si em
laboratório para que fosse feita
a comparação. O resultado foi
que os filhotes híbridos apre-
sentaram um espectro de com-
portamentos mais parecido
com o dos pais. Assim, ficou
fácil analisar seus genes e re-
lacionar as diferenças a essas
atitudes. Doze segmentos de
DNA foram mapeados como
responsáveis por elas.
Para além da questão gené-
tica da monogamia, que ainda
é um enigma para os huma-
nos, o que historiadores sa-
bem é que ela nem sempre foi
a norma: homens pré-históri-
cos eram polígamos e promís-
cuos. É a economia, apontam,
que pode ter dado o empurrão
para a preferência pela mono-
gamia. Com a Revolução Agrí-
cola, fixados à terra, os huma-
nos desenvolveram o conceito
de propriedade privada. O es-
paço ocupado por cada um de-
veria então ser herdado por
um núcleo familiar bem defi-
nido. Assim, terrenos e mulhe-
res viraram bens dos homens.
Entretanto, nem todos os
povos fizeram essa transição
do mesmo jeito. Aqui no Bra-
sil, os povos nativos, destaca
MARINA • 32 anos Na primeira noite que dormiu na casa dos ca se desentenderam por causa de ciúme —
BRAGATT0 • fisioterapeuta pais de André, Marina teve uma surpresa: quando se conheceram, tinham acabado de Mônica Barbosa, pesquisa-
teriam um quarto só para os dois. Era tudo se livrar de namorados ciumentos e queriam dora de relações não mono-
diferente na família tradicional dela. Por lá, distância desses problemas. “Sei o que pode
gâmicas, não conheciam essa
só conquistaram um canto depois do casa- deixá-la incomodada e respeito isso”, diz ele.
mento, em 2013. Juntos há 12 anos, jamais Mas isso não quer dizer que não tenham vi- norma até a chegada dos co-
cogitaram abrir o relacionamento. “Eu nunca das independentes: reservam dias para saí- lonizadores, que a impuseram
senti vontade de ficar com outras pessoas. rem sozinhos e se divertem juntos nos fins
de forma violenta. “A mono-
ANDRÉ • 35 anos E acho que traição só acontece quando as de semana. “Meu relacionamento aberto é
• fisioterapeuta coisas não estão bem, quando o casal tem isso: a Marina beber cerveja sozinha [com gamia chegou pela religião
BRAGATTO
outros problemas”, conta Marina. Eles nun- amigos] na quinta-feira”, brinca André. católica, por meio dos jesuí-
tas, mas também por interes-
38
namoro
aberto
a distância

VIVIANE • 36 anos
PISTACHE* • psicóloga

ses políticos em transformar Um dia, quando limpava a casa,


a mineira Viviane encontrou um
esse povo em um povo religio-
convite de casamento para o na-
so e disciplinado para o tra- morado, com quem dividia o lar e
balho, o mais parecido possí- a vida amorosa — supostamente
monogâmica —, e para a namora-
vel com o europeu”, conta a
da dele. Só que não era o nome
autora do livro Poliamor e Re- dela escrito ali. “Suspirei aliviada:
lações Livres: Do Amor à Mi- ‘pelo menos ele nunca vai me co-
brar fidelidade’.” E não tocou no
litância Contra a Monogamia
assunto. Até que um dia, ao pe-
Compulsória. “A liberdade se- gar uma de suas amantes dentro
xual das mulheres indígenas de casa, o sangue ferveu. “Desem-
bestei a jorrar descontentamen-
foi amplamente combatida,
to. Ele me espancou até me deixar
porque era vista como uma desacordada. Fiz a denúncia, mas
ameaça à castidade.” virou só estatística. Foi antes da
aprovação da lei Maria da Penha.”
Ao longo dos últimos sécu-
A violência deixou marcas e abriu
los, mesmo com movimentos a cabeça dela para outros forma-
contrários, a monogamia se tos de relacionamento. Logo se
apaixonou por uma colega, com
tornou um valor tão enraiza-
quem ficou por três anos. Depois,
do no Ocidente que chega a viveu desencantos com outras
atrapalhar os cientistas que pessoas até encontrar um novo
amor: um antropólogo paraense.
pretendem estudá-la. Terri Mas nunca deixou de amar a ex.
Conley, professora de psico- Após anos com ele, abriu o jogo —
logia que dirige o Laborató- e o relacionamento. “Cada namo-
ro aberto é uma aposta no desco-
rio de Sexualidades Estig- nhecido. Ainda que nas brechas e
matizadas na Universidade pelas beiradas, creio que estamos
de Michigan (EUA), analisou reinventando modos de amar”, diz.

diversos estudos comporta-


*O namorado não quis se identificar
mentais sobre relações mo-
nogâmicas e não monogâmi-
cas e concluiu que boa parte
não passa de ciência fajuta.
Muitas vezes, os cientis-
tas não tomam o cuidado de HORA DA Como você reagiria se seu
parceiro quisesse ter relações
Você já se relacionou
sexualmente com alguém sem o
serem neutros nas questões. VERDADE sexuais com outras pessoas? consentimento do seu parceiro?
Tendem a usar linguagem Jamais concordaria Sim
Pesquisa nos EUA Depende da situação
que favorece a norma, o que Não
mostra que muitos Concordaria Não quis opinar
induz a resultados mais posi- traem, mas poucos Não sabe como reagiria
tivos para a monogamia mes- abririam a relação
100% 100%
mo entre não monogâmicos.
80% 80%
O contrário também existe:
60% 60%
conclusões mais positivas
40% 40%
em relação à não monogamia
20% 20%
também podem aparecer de
Fonte: YouGov
modo artificial se os partici- Idade -30 30-44 45-64 65+ Idade -30 30-44 45-64 65+
e m 2012, p e l a p r i m e i r a v e z n o b r a s i l
u m TRISAL c o n s e g u i u a s s i n a r s u a u n i ã o e s tá v e l

pantes se engajaram na pesquisa sabendo que seriam testa- Ainda que a união estável
dos sobre seu modo de vida. Podem, assim, querer pintar tudo não altere o status civil de sol-
como maravilhoso. O ideal, diz Conley, é convocar os estudos teiro para casado, como o ca-
de maneira neutra. “Temos que continuar trabalhando essa samento, ela garante ao casal
meta. Ninguém é imparcial. Nós todos apenas precisamos mi- (ou trisal) uma série de bene-
rar esse objetivo com a consciência plena de que nunca conse- fícios, como inclusão no plano
guiremos”, ressalta ela. Com esse cuidado em mente, o que as de saúde, acesso ao seguro de
pesquisas mais recentes de sua equipe, publicadas em março, vida, recebimento de pensão
concluíram é que relacionamentos monogâmicos e não mono- em caso de falecimento de um
gâmicos consensuais são igualmente funcionais. dos parceiros e divisão de bens
Não foram encontradas diferenças nos quesitos satisfação em caso de separação. Quem
geral, compromisso ou paixão. Contudo, o ciúme é menor e a não tem a declaração só con-
confiança e a satisfação sexual são maiores nas relações não quista esses direitos se entrar
monogâmicas de comum acordo. Outra descoberta foi que, com uma ação na Justiça —
nessas relações, a satisfação sexual é maior com os parceiros o que leva muito mais tempo.
secundários do que com os primários, embora, em questão Entretanto, mesmo com o
de tempo, os primários tenham vantagem: duram, em média, documento em mãos, a vida
três vezes mais do que com os que chegaram depois. burocrática funciona de um
jeito mais complexo em re-
lacionamentos poliafetivos.
OLHOS DA JUSTIÇA Imagine um trisal “casado”
(com declaração de união es-
onforme as normas culturais mudam e a ciência bus- tável) há cinco anos. Se um

c ca entendê-las, as leis também tentam, ainda que dos membros quiser abando-
lentamente, acompanhar essas transformações. Em nar o barco, a partilha de bens
2012, pela primeira vez na história, um trisal brasileiro con- precisa ser justa — e compar-
seguiu reconhecer o relacionamento juridicamente. Em Tupã, tilhada entre todos eles. Mas
pequena cidade no interior de São Paulo com 65 mil habitan- e se um quarto elemento tiver
tes, três pessoas puderam se declarar em uma união estável. entrado no relacionamento lá
A justificativa era simples: se dois ou três (ou quatro, cinco...) pelo terceiro ano, como fica
seres humanos (do mesmo sexo ou não) se unem em uma casa, essa divisão? Aí chega a hora
dividem contas e tarefas domésticas, se amam e alguns até chata de arregaçar as mangas
sonham em ter filhos, como não configurar todos esses casos e fazer contas proporcionais.
como uma família? “A nossa briga sempre foi nesse sentido: Pode surgir também a
por que não legalizar essas uniões se há o intuito de formar fa- questão da paternidade. Se
mília?”, questiona a advogada Rosália Brilhante. Desde então, uma mulher com dois mari-
com o apoio dela e de outros profissionais, oito grupos polia- dos (ou namorados) engravi-
fetivos conseguiram declarar união estável no Brasil. dar, quem assume a paterni-
Não é à toa ou só por militância que esses grupos lutam pelo dade? A lei já está adequada
direito de reconhecer seus relacionamentos. Eles querem os mes- a essa realidade, fazendo
mos direitos que os tradicionais casais monogâmicos — é quase a valer juridicamente aquele
mesma luta travada por casais gays vencida há quase dois anos, velho ditado de que “pai é
com a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. quem cria” (mãe também).
d e s d e 2016, a m a i o r i a d o s
c a r t ó r i o s d o b r a s i l PAROU
D E A C E I TA R u n i õ e s p o l i a f e t i v a s

Um dos artigos do Código Civil reconhece o “parentesco so-


cioafetivo” — ou seja, o vínculo com a criança não se confi-
gura apenas por laços sanguíneos ou adotivos, mas sim pelo
afeto e pelo papel desempenhado como tutor (pai ou mãe)
ao longo do tempo. “Entra-se com um pedido judicial para
determinar o registro por ambos os pais. Tribunais brasilei-
ros visam nesses casos proteger o interesse do menor, seja
determinando, seja deferindo o registro em nome de mais
de um pai ou mãe”, explica Brilhante. Aí os direitos e obri-
gações se estendem a todos: os pais precisam pagar pensão
alimentícia e têm direito de visitar a criança regularmente.
Só que a lei também é feita e aplicada por pessoas — e
aprovar uniões poliafetivas esbarra em preceitos religiosos
e em divergências dentro da legislação. “Quem é contra es-
sas uniões diz: se a legislação brasileira considera crime a
poligamia, como podemos legalizar o casamento entre três
ou mais pessoas?”, explica Brilhante. “Mas união estável não
é casamento, apenas se equipara a ele”, destaca. Por conta
dessas discussões, no ano passado o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) achou melhor frear o ritmo das uniões polia-
fetivas. “[As uniões] adentram em áreas do Direito, inclusi-
ve de terceiros, que precisam ser profundamente debatidas”,
informou, em nota, o órgão. “A ideia é promover audiências
públicas para ouvir a sociedade e entidades ligadas ao tema.
As discussões vão possibilitar o estudo aprofundado da ques-
tão para que a Corregedoria analise a possibilidade de regu-
lamentar o registro civil.” Desde a recomendação do CNJ,
ainda que possam aceitar declarações de uniões estáveis po-
liafetivas, a maioria dos cartórios no Brasil deixou de fazê-lo.

PARA ONDE VA MOS?

esmo sem direitos legais reconhecidos e sob olha-

m res julgadores, os relacionamentos não monogâmi- poliamor ANDRÉA


REGINA DIAS
• 42 anos
• microem-
cos consensuais parecem estar vencendo a resistência
aberto -presária
pouco a pouco, principalmente entre os mais jovens. De acordo
SÉRGIO DIAS • 54 anos
com a pesquisa da consultoria YouGov, feita em 2016 nos Esta-
• funcionário
dos Unidos, 17% dos participantes de 18 a 44 anos disseram já público
ter tido relações sexuais com outra pessoa com o consentimen- FERNANDO • 41 anos
to do parceiro. O índice cai para 9% na faixa de 45 a 64 anos e COSTA • microem-
despenca para 3% entre os maiores de 65. Só o que não muda (embaixo) -presário

muito é o índice de quem pulou a cerca sorrateiramente [veja os


41

gráficos na página 38]. Nos ex-


tremos, entre os mais jovens e
os mais velhos, o número é o
mesmo: 21% transaram com
outros e não deram um pio
— o que mostra que, para além
das paredes do quarto, expor
essas vontades ainda é um
tabu. O mesmo estudo desco-
briu também que só 69% das
mulheres e 52% dos homens
acham que o tipo ideal de rela-
cionamento é completamente
monogâmico. Para o restante,
alguma medida de não mono-
gamia seria bem-vinda.
Da intenção à prática, po-
rém, o preconceito inibe mais
“saídas do armário” de quem
gostaria de viver, ou já vive às
escondidas, de um jeito fora
do padrão. “No trabalho, já
disseram que o que eu tenho
‘não é casamento, é putaria’”,
lembra Sérgio Dias, que leva
uma vida a três. “Assumir-se
requer uma avaliação cuidado-
sa das circunstâncias indivi-
duais em questões como segu-
rança, dependência financeira,
emprego, situação familiar e
níveis de conforto em relação
a estigma e rejeição”, destaca
a filósofa Carrie Jenkins.
“Mulher casada procura namorado.” O anúncio feito 2001, já tinham conhecido o “mundo liberal” em Em resumo, não há receita
em um site de swing atravessou o Oceano Atlânti- casas de swing, experiência que os levou para o po- fácil. Cada um escolhe a for-
co e chegou ao português Fernando Costa, na pa- liamor. Sérgio e Fernando logo passaram a ser ami-
cata vila de Mértola, no Baixo Alentejo. Ele come- gos, ainda que nunca tenham sido amantes — só ela
ma que lhe cabe melhor — e
çou, então, a trocar figurinhas online com Andréa. tem um relacionamento amoroso com os dois. Des- cabe a todos nós aceitar e res-
Meses depois, pegou um avião rumo a Guarulhos. de que Fernando largou sua vida em Portugal, há peitar as escolhas diferentes,
Precisou de dez dias para criar confiança e ir conhe- cinco anos, os três dividem uma casa na cidade da
cer Sérgio, marido de Andréa. “Eu não sabia como Grande São Paulo, cada um com seu quarto. Ah, e a
tanto monogâmicas como po-
seria conhecê-lo, fiquei um pouco receoso.” Mas para família cresceu: chegou ainda Matheus, de quase três liafetivas. Até porque, no fim
os brasileiros não havia problema. Casados desde anos, filho de Fernando com outra mulher. das contas, o sonho de todos
é um só: a felicidade.
REPORTAGEM FELIPE FLORESTI

EDIÇÃO CRISTINE KIST

FOTOS FILIPE REDONDO

DESIGN FERNANDA FERRARI


Para preservar
os pacientes
diagnosticados com
epilepsia, muitos
médicos evitam
informá-los sobre
a possibilidade de
morte súbita — mas
alguns abandonam
o tratamento
justamente por não
terem conhecimento
do risco envolvido

44
De repente, um apagão. A consciência só voltou já estilo de vida da jovem. Tudo nem cinco minutos, era an-
Era um dia normal para a ado- dentro da ambulância, enca- que Lúcia conseguia sentir gustiante”) até finalmente re-
lescente Lúcia Okaeda. Ela já minhada às pressas para o era sono. Efeito do remédio. ceber as informações que pro-
havia feito sua lição de casa e pronto-socorro. Aos 14 anos, Sem mais crises, dois meses curava. Depois de 25 anos, de
tomado banho, e assistia à te- Lúcia foi diagnosticada com depois ela abandonou o trata- algumas fraturas e de uma la-
levisão enquanto o jantar não epilepsia — estima-se que en- mento. Seu corpo a ajudou a birintite em decorrência das
ficava pronto. E isso é tudo tre 1% e 2% da população so- esquecer a doença. quedas, Lúcia entendeu de fato
de que consegue se lembrar. fram com o distúrbio. Foram Foi só aos 30 anos que Lú- o que se passava no seu corpo
Da cozinha, sua mãe escutou três dias sob observação no cia teve a segunda convul- quando ouviu falar pela primei-
um grito de pavor. Chegou a hospital antes de receber alta, são. Repetiu o roteiro: pron- ra vez da SUDEP, sigla em in-
tempo de ver todos os múscu- levando para casa uma recei- to-socorro, neurologista, glês para morte súbita e ines-
los da menina se contorcendo ta de fenobarbital, o famigera- remédio, sono. Ela esperava perada em epilepsia. Excluindo
de forma desordenada. Ela es- do Gardenal. A droga, porém, que, como da primeira vez, os acidentes, essa é a principal
tava tendo uma convulsão. não combinava muito com o a próxima crise demorasse causa de óbito entre pessoas
a chegar — mas foram mais que têm a doença, ainda que a
seis convulsões antes de seu maior parte delas nunca tenha
33º aniversário. Na última, sido informada desse risco.
uma queda mais brusca re-
sultou em fratura no ombro
e serviu de alerta para Lúcia. M O RT ES
Ela precisava se cuidar. M IST E R IO SA S
Depois disso, foram seis
anos de sonolência, mas sem O gaúcho Josemir Sander
crises. Até que, em comum nunca atendeu no Brasil. De-
acordo com seu neurologis- pois de se formar em Medici-
ta, ela decidiu suspender o na pela Universidade Federal
tratamento mais uma vez. do Paraná, foi para Londres
“Os exames mostravam que e se especializou em neuro-
estava tudo bem. Não entendia logia. Radicado na capital in-
o sentido de continuar toman- glesa, adotou um nome mais
do um remédio que me fazia sonoro à língua local. Hoje,
mal.” A liberdade durou cerca Ley Sander é um dos princi-
de um ano e meio. Lúcia to- pais especialistas em epilep-
mava banho quando sua filha sia e SUDEP do mundo.
ouviu o mesmo grito de pavor Tudo começou em 1993.
escutado pela avó anos atrás. Médico-residente no hospital
A técnica em radiologia co- universitário onde hoje é pro-
meçou, então, uma peregrina- fessor, na University College
ção por consultórios médicos London, acompanhava diver-
(“as conversas não duravam sos pacientes vindos de ou-
tros países. Era comum que al-
guns ficassem um tempo sem
aparecer, muitas vezes por
terem retornado aos países

“ N ÃO E N T E N D I A O S E N T I D O D E TO M A R U M de origem. Foi o que o médi-


co pensou ter acontecido com
R E M É D I O Q U E M E FA Z I A M A L”, D I Z LÚ C I A O KA E DA , um paciente paquistanês —
D I AG N O ST I CA DA C O M E P I L E PS I A AO S 1 4 A N O S até ser reconhecido pelo ir-
mão dele nas ruas de
Londres. “Você não sabe? 45
PERGUNTAS
FREQUENTES
As respostas para as dúvidas
mais comuns sobre epilepsia

Meu irmão morreu”, disse o frequentes forem as crises, O Q U E É E P IL E PSIA?


rapaz. “Aquilo me deixou maior será esse impacto. É uma alteração temporária do funcio-
consternado”, lembra Sander. Mapear essas alterações é o namento do cérebro. Durante alguns
“Foi então que peguei mi- próximo e mais desafiador minutos, parte do cérebro emite sinais
nha lista de pacientes, fiz passo. E, como a ética impe- incorretos — que podem ficar restritos
um levantamento dos que es- de que as crises sejam provo- a esse local, nas crises focais, ou envol-
tavam faltando às consultas e cadas em seres humanos, são ver os dois hemisférios cerebrais, nas
descobri que alguns haviam os ratos de laboratório que crises generalizadas.
morrido — a maior parte nas assumem o fardo.
condições que hoje em dia
chamamos de SUDEP.” QU E M T E M ?
Livros de medicina do sé- C O N H ECI MENTO É a doença neurológica grave mais co-
culo 19 já relatavam a morte Q U E S A LVA mum do mundo. Nos países desenvolvi-
súbita de pessoas com epilep- dos, a incidência da epilepsia é de apro-
sia sem nenhuma outra causa O neurofisiologista da Univer- ximadamente 50 casos a cada 100 mil
aparente. Porém, com o apare- sidade Federal de São Paulo pessoas todos os anos. Nos países em
cimento das drogas antiepilép- (Unifesp) Fúlvio Scorza co- desenvolvimento, são novos cem casos a
ticas, o assunto caiu no esque- manda um dos únicos estu- cada 100 mil pessoas anualmente.
cimento, como se o problema dos sobre a SUDEP no Brasil. Os fatores mais frequentes são tumores
estivesse resolvido. A estima- “A ciência ainda não conse- encefálicos, traumatismo cranioencefá-
tiva é de que anualmente um guiu entender todo o pro- lico, acidente vascular encefálico e infec-
a cada mil pacientes com epi- cesso de conexão do sistema ções do sistema nervoso central.
lepsia morre de SUDEP. São nervoso com o restante do
200 casos por ano só no Bra- corpo. Talvez nem vá entender.
sil. Falta saber os motivos. Então, começa a dar chutes”, O Q U E É SU D E P ?
É difícil para os médicos diz ele. “Isso é o bacana da Sigla em inglês para morte súbita e ines-
definir qual mecanismo dis- ciência. Você vai buscando as perada para pacientes com epilepsia.
para essas crises em cada causas em um processo muito
paciente — 40% dos adultos longo, cada hora traçando uma
são portadores de epilepsia meta e isolando variáveis.” QU E M C O R R E
criptogênica, um nome rebus- A maior parte das crises epi- R ISC O D E SU D E P ?
cado usado quando não se faz lépticas são autocontidas — em A incidência da SUDEP é considerada
ideia do que provoca o distúr- 99% dos casos, elas param so- alta em pacientes com epilepsia crônica e
bio. A predisposição à epilep- zinhas. O que não está muito maior nos indivíduos de difícil tratamen-
sia também muda de acordo claro é o mecanismo que exis- to farmacológico. Alguns fatores podem
com a genética. “Se você es- te por trás disso. Experimen- ser considerados de risco: idade, início
timular eletricamente o cé- tos com animais mostraram precoce das epilepsias, tempo de duração
rebro, qualquer pessoa vai que, durante a convulsão, o cé- das epilepsias, não controle e frequência
ter uma crise. Algumas de- rebro libera opioides que cor- das crises epilépticas, tipos de crises epi-
senvolvem uma crise com 30 tam a crise. Quando há muitas lépticas, regime de drogas antiepilépticas
watts, outras com 45 watts, crises, no entanto, essas proteí- adotado e temperaturas frias.
outras com 60 watts. Mas se nas são produzidas em exces-
for até 65 watts, todo mundo so, fazendo com que o sistema
vai ter. Provavelmente, é a ge- respiratório entre em colapso. CO M O EV ITA R?
nética que determina esse li- É como uma overdose provo- Reduzir a incidência de crises é o
mite”, explica Sanders. cada pelo próprio organismo. único caminho. Para isso, é fundamen-
O que se sabe também é O provável é que, assim tal o reconhecimento pelo médico
que esse turbilhão elétrico como a própria epilepsia, a do tipo de síndrome epiléptica do
deixa marcas no orga- morte súbita também seja paciente, proporcionando o tratamento
46 nismo. Quanto mais causada por diversos fatores. correto para aquela pessoa.
AS RAÍZES DA
CONVULSÃO
As crises são
provocadas
por uma espécie
de curto-circuito
no cérebro Mas uma coisa é certa: quan-
to mais crises, maior o ris-
co. Se um indivíduo apresen-
tar de uma a duas crises por
ano, a chance de ter SUDEP é
três vezes maior do que para
alguém sem crises; de três a
12 crises por ano, a probabi-
1. Os neurônios se lidade é oito vezes maior; e
comunicam por sinais
elétricos que são
dez vezes maior para quem
transmitidos para tem mais de 13 crises por ano.
o resto do corpo. É O único caminho conheci-
assim que suas pernas
sabem que você quer
do é evitar ao máximo a re-
andar, por exemplo. corrência das crises. E, além
de medicamentos e cirurgias
nos casos de difícil controle, a
informação é outra ferramen-

2. Para manter tudo


funcionando direitinho,
o próprio cérebro regula
“ FA LA R D E MO RT E S ÚBITA AJUDA N A AD ESÃO
a excitação e a inibição AO T RATA MENTO”, D IZ A NE UROLOGISTA
desses impulsos.
K ET T E VALENT E, AT UA L MÉ D ICA D E LÚ C IA

ta importante. “Ainda existe do — e o estresse é justamente te é. “Falar de morte súbita


muito estigma. Acreditava-se um dos fatores desencadeado- ajuda na adesão ao tratamen-
3. As crises acontecem que a epilepsia era uma doen- res de crises. Como a ciência to”, destaca Kette Valente,
quando essa atividade ça espiritual. Diziam que se também ainda não fornece neurologista do Hospital das
elétrica se desregula.
Nos casos mais graves, espalhava pela saliva...”, conta muitas respostas, vários mé- Clínicas da Universidade de
os dois lados do Scorza. Lúcia sentiu o precon- dicos preferem simplesmen- São Paulo e médica de Lúcia.
cérebro entram em ceito na pele. “Demorei mui- te não dizer nada. “Eu nunca O consenso atual nos princi-
um estado de extrema
excitação, causando to tempo para aceitar que eu tinha escutado falar em mor- pais congressos de medicina
um “curto-circuito”. tinha essa doença justamente te súbita. Fiquei assustada”, dos Estados Unidos e da Eu-
por conta da intolerância das lembra Lúcia. “Só me acalmei ropa, que servem de diretriz
pessoas. Quando você procura quando entendi a importância para a conduta dos médicos
um emprego e coloca na ficha da medicação certa. Dose exa- em todo o mundo, é de que os
que é epilético, você não entra. ta, horário correto. Se formos pacientes têm direito de saber
Simples assim”, diz. “Já perdi bem assistidos, não corremos da sua condição. Parece bási-
duas vagas porque fui sincera.” esse risco.” co, mas isso pode fazer toda
A situação é ainda mais de- A conscientização de mé- a diferença para pacientes
4. Esses impulsos
são transmitidos de licada quando o tema é mor- dicos, pacientes, familiares e como Lúcia: “Se eu soubesse
maneira desordenada te súbita. Boa parte dos neu- da sociedade como um todo desde o começo, nunca teria
para os músculos,
rologistas acredita que avisar é fundamental para que a parado de tomar o remédio.
que se contraem
aleatoriamente, sobre a SUDEP pode deixar o doença deixe de ser um pro- E aí, talvez eu tivesse levado
originando a convulsão. paciente ainda mais estressa- blema maior do que realmen- uma vida longe das crises”.
PAPO CABEÇA
COM HUGO AGUILANIU

“Não vejo nenhum


campo da ciência em que os
pesquisadores brasileiros
não possam ser excelentes”

POR
O geneticista francês Hugo Aguilaniu liderará
THIAGO TANJI

o Instituto Serrapilheira, organização privada


DESIGN
que investirá milhões de reais na ciência brasileira FERNANDA FERRARI

diret or dos documentários ciou a doação de R$ 350 milhões para


Santiago e Entreatos, produtor de ou- a criação do Instituto Serrapilheira, que
tros filmes documentais como Edifício apoiará a ciência produzida no Brasil.
Master, do diretor Eduardo Coutinho, e Batizado com o nome dado à camada
fundador da revista Piauí, João Moreira de matéria orgânica que fornece a maior
Salles faz parte de uma das principais di- quantidade de nutrientes ao solo das flo-
nastias de mecenas da cultura brasileira restas, o órgão é o primeiro instituto pri-
— o Instituto Moreira Salles, com sedes vado a investir em ciência no país. De
em Poços de Caldas, no Rio de Janeiro acordo com o casal Moreira Salles, o
e em São Paulo, reúne uma coleção de Serrapilheira terá orçamento anual en-
milhares de fotografias e músicas, além tre R$ 16 milhões e R$ 18 milhões, valor
dos arquivos pessoais de escritores como dos juros obtidos pela aplicação finan-
Clarice Lispector e Carlos Drummond de ceira do montante inicial doado. Com
Andrade. Agora, para além das telas de ci- o objetivo de centrar recursos no apoio
nema, o herdeiro de uma família de ban- a cientistas que realizem pesquisas nos
queiros também deseja investir nos labo- campos de Engenharia, Matemática,
ratórios do país: junto de sua esposa, Ciências Físicas e Ciências da Vida, a
48 Branca, João Moreira Salles anun- organização abrirá um edital para sele-
cionar pesquisadores ainda no segundo
semestre deste ano. “A atividade cientí-
fica no Brasil é invisível para a maioria
das pessoas — dos tomadores de deci-
são a boa parte do público, letrado ou
não — e esse estado de coisas é lamentá-
vel. Se pudermos ajudar a reverter isso,
teremos cumprido parte dos nossos ob-
jetivos”, afirma Moreira Salles.
Após analisar 138 currículos vindos
de diferentes partes do mundo, um co-
mitê de cientistas escolheu o nome do
geneticista francês Hugo Aguilaniu para
ocupar o cargo de diretor-presidente do
Serrapilheira durante os próximos três
anos. Pesquisador do Centro Nacional
de Pesquisas Científicas da França, ele
ganhou notoriedade com seu trabalho de
genética relacionado ao envelhecimento
dos animais. Apesar do sotaque francês,
Aguilaniu demonstra conhecimento da com uma série de regras — o que é nor-
situação do Brasil: casado com uma bra- mal, mas leva a uma certa burocratiza-
sileira e falando português fluente, o pes- ção. Então, escolheremos os melhores
quisador de 41 anos está confiante nos ta- pesquisadores do país, um número pe-
lentos da ciência nacional. “Se tivermos queno de pessoas, mas que contarão
agilidade com os recursos fornecidos aos com recursos mais livres a longo prazo.
pesquisadores, eles podem despontar na Queremos dar aos pesquisadores um pa-
comunidade internacional como os me- cote para ajudá-los o máximo possível e
lhores em suas áreas”, afirma. permitir que façam pesquisas com ferra-
mentas parecidas com as existentes na
COMO ANDA SEU TRABALHO À FRENTE DO INSTITUTO? Europa e nos Estados Unidos.
JÁ SE ADAPTOU AO RIO DE JANEIRO?
Minha adaptação e da minha família foi NO BRASIL, OS INVESTIMENTOS LIGADOS À CIÊN-
muito boa, suave. No instituto, estamos CIA COSTUMAM VIR DE RECURSOS PÚBLICOS.
trabalhando muito: temos uma estrutura TUDO PRONTO ESSA É UMA PARTICULARIDADE NACIONAL?
bem formada, com uma equipe pequena, Diretor-presidente do Nos Estados Unidos, por exemplo, há
mas extremamente dinâmica. E agora es- Instituto Serrapilheira, uma participação importante de funda-
tamos colocando tudo de pé para desen- Hugo Aguilaniu diz ções, com iniciativas completamente pri-
volver um sistema de apoio aos pesqui- que um edital para vadas. No Brasil, instituições como essa
sadores que seja o mais eficaz possível e selecionar pesqui- que queremos ser são pouquíssimas.
tenha um diferencial claro. sadores acontecerá Historicamente, nos últimos 10, 15 anos,
ainda em 2017 o investimento do governo brasileiro na
QUAL SERIA ESSE DIFERENCIAL EM RELAÇÃO ÀS ciência foi parecido com o dos governos
DEMAIS AGÊNCIAS DE FOMENTO À PESQUISA? francês e inglês. O que falta é pelo menos
Temos uma liberdade maior porque não uma quantidade de dinheiro parecida
utilizamos recursos públicos, que vêm Foto: Claudio Andrade que venha das empresas privadas. 49
E COMO A INICIATIVA PRIVADA PODE CONTRIBUIR quisadores brasileiros porque sabem da
PARA O DESENVOLVIMENTO DAS PESQUISAS? qualidade de sua formação. Não vejo ne-
Há cientistas que fazem uma pesquisa nhum campo da ciência onde os pesqui-
mais pura e, por essência, são apoiados sadores brasileiros não tenham como ser
com dinheiro público. Mas há uma parte excelentes, desde que se faça uma esco-
dos pesquisadores que trabalha com um lha rigorosa para selecionar os melhores.
estudo mais aplicado, e o setor privado A Matemática é excelente, a Física Teórica
pode apoiar essas pesquisas, isso não tira é excelente, a Biologia está ficando cada
necessariamente a liberdade. O Instituto vez mais forte, a Medicina em alguns lu-
Serrapilheira não realizará essa distinção gares do país é muito boa. Nós acredita-
entre ciência básica e ciência aplicada. mos que, se tivermos agilidade com os re-
Nós queremos apoiar a ciência de exce- cursos fornecidos aos pesquisadores, eles
lência, para buscar realmente os melho- podem despontar na comunidade interna-
res, independentemente de eles trabalha- cional como os melhores em suas áreas.
rem em uma atividade privada ou não.
O BRASIL PRODUZ UMA GRANDE QUANTIDADE DE
QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE A CIÊNCIA PRODUZI- ARTIGOS CIENTÍFICOS, MAS, NORMALMENTE, A RE-
DA NO BRASIL E AQUELA REALIZADA NOS PAÍSES EM LEVÂNCIA DESSES TRABALHOS NÃO É TÃO GRANDE
QUE O SENHOR JÁ TRABALHOU, COMO A FRANÇA? SE COMPARADA À DE PAÍSES DESENVOLVIDOS...
No mundo todo, o pesquisador tem essa A seleção e a distribuição dos recursos
curiosidade e vontade de entender o foi durante muito tempo baseada no nú-
mundo, isso é o que temos em comum. mero de artigos publicados por pesquisa-
Mas o que vejo no Brasil são as difi- dores. Eu entendo isso, no começo você
culdades burocráticas. O pesquisador tem de publicar muito para mostrar que
tem de fazer muitas outras coisas além existe no cenário mundial. Mas agora que
da pesquisa, como prestar contas, fazer se publica bastante, é necessário mudar
contratações, solicitar bolsas de estu- o parâmetro para a qualidade e o impac-
do. A pesquisa, como a atividade artís- to da publicação. Nosso critério de avalia-
tica, é uma atividade de criação. E você ção dos pesquisadores não será o núme-
não consegue ser criativo se tem de lidar ro de papers publicados, e sim o impacto
com tantas coisas. A maior parte dos que eles terão. Ninguém consegue pu-
pesquisadores que encontrei aqui são blicar quatro artigos na Nature por ano
heróis, porque eu não conseguiria fazer em nenhum país do mundo. Vamos ini-
uma pesquisa com todo esse trabalho a ciar essa mudança e acredito que outras
mais. Na França, nos Estados Unidos, agências de fomento farão a mesma coisa,
se quiser comprar alguma coisa para a para que o Brasil seja um país de produção
pesquisa, basta ligar para uma pessoa científica intensa e excelente.
e essa coisa chegará — há uma máqui-
na universitária que funciona para você. COMO É POSSÍVEL FAZER UM PLANO PARA QUE O IN-
Já aqui não, você está sozinho e é muito VESTIMENTO EM PESQUISAS NÃO FIQUE RESTRITO
difícil. Então, de certa maneira, nosso A CENTROS COMO SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO?
pequeno instituto deseja dar uma aju- As outras regiões se interessam pela ci-
dinha em relação a tudo isso. ência, mas não têm recursos suficien-
tes. Esse problema é um ciclo vicioso:
NESTE PRIMEIRO MOMENTO, O INSTITUTO PLANEJA quanto mais se dá dinheiro para o Sul
FOCAR RECURSOS EM CAMPOS CONSOLIDADOS DA e Sudeste, mais apenas esses locais te-
CIÊNCIA NACIONAL. QUAIS POTENCIALIDADES PO- rão infraestrutura e pesquisas de ponta.
DEM SER APROFUNDADAS AO SEREM APORTADOS Precisamos quebrar esse ciclo, te-
RECURSOS NESSAS ÁREAS DE CONHECIMENTO? mos de estar atentos a esse problema.
Nos últimos 15 anos, o Brasil se tornou um Por isso visitei instituições no Norte,
país importante em termos de produção no Nordeste. Lógico que as infraestru-
científica, há uma massa crítica impor- turas são menores, mas eles podem co-
tante. Lógico que a infraestrutura precisa meçar com ciências experimentais que
melhorar, mas o potencial dos pesquisa- não precisam de estruturas enormes.
dores não é o problema. A formação cien- Há centros de física teórica em Natal
tífica é excelente, tanto que, lá fora, [no Rio Grande do Norte] que são ex-
50 há pessoas que tentam atrair os pes- celentes, que conseguem atrair pes-
quisadores do mundo inteiro. Ser um
país continental é uma dificuldade, mas
também pode ser uma vantagem.

ENQUANTO ESTIVER NO BRASIL, CONTINUARÁ COM


O SEU TRABALHO A RESPEITO DO ENVELHECIMEN-
TO? HÁ ALGO PARECIDO SENDO FEITO NO PAÍS?
Meu laboratório em Lyon funcionará
até o final deste ano e ainda estou to-
cando meu grupo por lá. Depois, pre-
tendo ter uma atividade de pesquisa no
Brasil, porque é muito complicado di-
rigir um instituto de apoio à pesqui-
sa brasileira sem pesquisar no próprio
país. Estou começando a procurar insti-
tuições em que eu poderia realizar ativi-
dades de pesquisa. Mas quando você é
pesquisador, é pesquisador até a morte.
Não adianta, você continua pensando
em ciência o tempo todo.


O PAÍS VIVE UM INTENSO DEBATE SOBRE A APOSEN-
TADORIA E O FUTURO DE UMA GERAÇÃO QUE VIVE
CADA VEZ MAIS. DO PONTO DE VISTA CIENTÍFICO,
HÁ ALGUMA OBSERVAÇÃO A SER FEITA?
Quando você é pesquisador,
Esse debate já aconteceu em outros paí- é pesquisador até a morte.
ses porque a expectativa de vida aumenta
muito a cada ano: na França, ganham-se
Você continua pensando
seis horas de expectativa de vida por dia. em ciência o tempo todo”
O bebê que nasce hoje tem uma expecta-
tiva de vida seis horas superior à do bebê
que nasceu ontem. No Brasil isso é ain-
da mais rápido: são nove horas por dia. ESSAS MODIFICAÇÕES GENÉTICAS SERÃO REALIZA-
Essa mudança da Previdência é inevitá- DAS EM UM HORIZONTE PRÓXIMO? É POSSÍVEL QUE
vel, do contrário o sistema quebra mesmo. SEJAM ACESSÍVEIS À MAIOR PARTE DAS PESSOAS
Porém, a forma de implementação da mu- E NÃO APENAS A UM GRUPO RESTRITO?
dança é importante. Mas isso não é minha Não é possível fazer modificações gené-
praia, deixo para os políticos (risos). ticas nos seres humanos diretamente,
não é eticamente aceitável. Mas, após
QUAL SERÁ A RECEITA PARA QUE SE POSSA VIVER identificar um gene, você pode enten-
MAIS E COM MELHOR QUALIDADE NO FUTURO? der qual molécula deve ser produzida
Quando começamos a pesquisar o enve- em maior ou menor quantidade para
lhecimento, não acreditávamos que ma- envelhecer melhor. A genética do en-
nipulações genéticas e do meio ambien- velhecimento não busca modificar o
te pudessem aumentar a longevidade tão ser humano geneticamente, e sim en-
facilmente. Mas não só encontramos es- tender melhor os processos e desenvol-
sas várias possibilidades e modificações ver remédios que tenham um impacto
como identificamos tratamentos que au- SENHOR DA GENÉTICA bom sobre o envelhecimento. Esse es-
mentam a longevidade, a vitalidade e a Em estudo realizado forço de pesquisa visa desenhar coisas
qualidade de vida dos animais que en- com minhocas da que possam ser aplicadas para todas as
velhecem. É possível modificar o meta- espécie C. elegans, pessoas. Há bastante desigualdade no
bolismo do animal para que ele consiga Aguilaniu fez mundo inteiro, mas há uma única coisa
ser preparado e protegido contra todos alterações nos genes em que somos todos iguais: a velhice,
os tipos de estresse que pode encontrar dos animais a morte. Se é para mudar essa dinâmi-
durante sua vida. E o resultado disso é e conseguiu ca, é para mudar para todo mundo, não
que ele consegue ter uma vida melhor estender sua apenas para uma parte da população.
durante muito mais tempo. expectativa de vida
CO
REPORTAGEM FELIPE FLORESTI

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L
EDIÇÃO CRISTINE KIST

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A,
ILUSTRAÇÕES JEAN-MICHEL TRAUSCHT
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R DESIGN FERNANDA DIDINI

L I C EN C I A M EN TO A M B I E N TA L FUN C I O N A D E FOR M A CAP ENGA NO B RAS I L,


M A S S ETO RES D O G OV ERN O JÁ E N C O N T R A R A M U M A S O LU ÇÃO: ACABAR DE VE Z C OM E LE
Duas minas de extração de minério de ferro, três usinas de beneficiamento, três minerodutos
e três barragens de contenção de rejeitos. Era essa a estrutura do complexo Germano-Alegria, operado
MA RI A N A pela Samarco Mineração S.A., na cidade de Mariana (MG) até o dia 5 de novembro de 2015, quando
a barragem de rejeitos do Fundão rompeu, despejando mais de 20 milhões de rejeitos na Bacia do Rio Doce.
Cada estrutura, porém, foi licenciada de forma individual, o que ocasionou uma distorção na análise
dos riscos e possíveis impactos. Foi justamente o acúmulo de atividades, além da operação irregular
e da falta de fiscalização, que culminou no maior desastre socioambiental da história do país, deixando
UMA TRAGÉDIA um rastro de destruição que chegou ao litoral do Espírito Santo, além de matar 19 pessoas.
NÃO ANUNCIADA
M movimentos por moradia
e ambientalistas estão em pé de
guerra no extremo sul de São
Paulo. Tudo por causa de um ter-
reno de 8,3 hectares na margem
do maior reservatório de água da
região metropolitana, a represa
Billings. A disputa entre os que
lutam pela construção de um re-
sidencial para milhares de pes-
soas e quem deseja proteger o
terreno batizado de Parque dos
Búfalos, porém, só existe graças
à anuência da Companhia Am-
biental do Estado de São Paulo
(Cetesb), que dispensou a neces-
sidade de estudos técnicos apro-
fundados, e diariamente prédios O verde é escasso às margens de um dos principais reservatórios de água da
cidade de São Paulo. Anos de ocupação irregular praticamente exterminaram as
surgem sem que seus impactos matas ciliares da represa Billings, no extremo sul da cidade. Lá, um terreno de
sejam levados em consideração. 8,3 hectares com 18 nascentes servia como alento para os moradores da região,
Para ser construído em qual- já superpovoada. Mas nem o fato de o terreno estar incluído em uma Área de
Proteção fez com que o órgão licenciador proibisse a construção de 193 prédios
quer lugar do Brasil, todo em- para até 20 mil pessoas por ali. Apesar de o Ministério Público já ter pedido na
preendimento precisa passar Justiça a interrupção da obra, as paralisações sempre duram pouco. Novos pré-
por um processo chamado li- dios são erguidos diariamente e boa parte das nascentes já não existe mais.

54 cenciamento ambiental. O em-


“ O D I AG N Ó ST I C O F R AC O E FA L H O S E R V I U PA R A

VIABILIZAR UM MEGAEMPREENDIMENTO INVIÁVEL


A M B I E N T A L M E N T E ”, C O N C L U I U O M I N I S T É R I O P Ú B L I C O

SOBRE O RESIDENCIAL NA REPRESA BILLINGS

preendimento contrata uma em- que é uma das últimas áreas ver- No fim, até os limites descritos
presa privada para a realização des à beira da represa na cidade. no próprio projeto foram desres-
dos estudos solicitados pelo ór- Nem as 18 nascentes que escor- peitados — a construção avançou
gão licenciador, que o analisa rem por lá serviram para que o ór- sobre o pedacinho do terreno que
e decide pela liberação da obra gão licenciador, no caso a Cetesb, deveria ser preservado. “O diag-
e possíveis alterações no proje- desistisse de substituir o Estudo nóstico fraco e falho serviu para
to. Essa etapa serve não apenas de Impacto Ambiental por outro viabilizar um megaempreendi-
para barrar projetos inviáveis relatório mais simples. mento inviável ambientalmente”,
como também para que sejam À pedido dos moradores vi- concluiu o Ministério Público.
levantadas alternativas que evi- zinhos, que há anos utilizavam O conflito poderia ter sido
tem ou minimizem os impactos a área como espaço de esporte, evitado. O movimento em defe-
socioambientais da obra. Dentre lazer e rituais religiosos, o Minis- sa do parque chegou até a indi-
as avaliações, a mais completa é tério Público passou a acompa- car outras sete áreas na região
o Estudo de Impacto Ambiental, nhar o caso. A conclusão foi clara: mais adequadas para receber o
que é a condição básica para o o relatório se mostrou “notoria- residencial, mas foi ignorado.
licenciamento em casos de efe- mente insuficiente no sentido de O atropelo das normas, no entan-
tivo impacto ambiental. Ou pelo se obter um diagnóstico minima- to, não é privilégio de São Pau-
menos deveria ser. mente fidedigno”. Quatro nascen- lo — a Cetesb inclusive é aponta-
PA R Q U E No caso da represa Billings, tes foram omitidas e a localiza- da com frequência como um dos
DO S B Ú FA LO S o Residencial Espanha foi pla- ção de uma delas foi adulterada. mais bem estruturados órgãos
nejado para abrigar até 20 mil Com pouco tempo de observa- ambientais do país. “O governa-
pessoas nos seus 193 prédios. ção, nem mesmo os animais fo- dor Geraldo Alckmin disse outro
MAIS PRÉDIOS, É mais do que a população de 72% ram considerados. Sobrou até dia que o atraso nas obras do me-
MENOS NASCENTES dos municípios brasileiros — isso para as corujas-buraqueiras, que trô era devido a ‘empecilhos
em uma região já superpovoada e sumiram no documento oficial. ambientais’”, diz Luis Enri- 55
que Sánchez, professor da Esco- res de araucárias em “pequenas
la Politécnica da Universidade de culturas, capoeiras marginais
São Paulo e membro da Associa- baixas e campos com arvoredos
ção Internacional para Avaliação esparsos”. Ou seja, no papel, o
de Impacto. “Tenho certeza de que era araucária virou mato.
que a maioria dos governantes O Ibama acreditou e liberou a li-
pensa da mesma forma. O meio cença em 2001. Somente dois
ambiente, a licença, é visto como anos depois, quando a empresa
um problema.” Não é difícil en- solicitou a retirada de 1 milhão
tender os motivos. Moradia rende de metros cúbicos de madeira de
mais votos que nascentes. Logo, dentro da represa, a verdade veio
natureza e licença ambiental vi- à tona. Era muita árvore para um
ram “empecilhos”. Não à toa, o lugar que só tinha mato. Mas aí a
governo discute a criação da Lei barragem de 180 metros de altu-
Geral do Licenciamento. ra já estava de pé, e apenas 3%
do total da floresta de araucárias
sobreviveu ao alagamento.
J OG O D E I N T E R ES S ES A fraude rendeu à Engevix uma
multa de R$ 10 milhões e a cas-

C
omo em um passe de sação do registro para realizar es-
mágica, uma floresta tudos ambientais. Mas nada dis-
com o tamanho de mais so impediu a represa de entrar em
de 8 mil de campos de futebol funcionamento em 2005 e conti-
de área ficou invisível. Pelo me- nuar operando até hoje. “O em-
nos aos olhos da Engevix En- preendimento foi licenciado com
genharia, responsável pela ela- uma premissa falsa, e isso tem
boração do Estudo de Impacto acontecido Brasil afora”, afirma
Ambiental para a construção da Maurício Guetta, advogado do
hidrelétrica de Barra Grande, no Instituto Socioambiental. O em-
Rio Pelotas, divisa entre Santa preendedor é o responsável por en-
Catarina e Rio Grande do Sul. tregar um estudo que pode apon-
Não era uma floresta qualquer. tar a inviabilidade técnica do seu
A araucária, ameaçada de extin- projeto. Com milhões de reais em
ção, reinava por ali — restam jogo, o melhor é entregar estudos
apenas pequenos fragmentos de ruins, incompletos ou adulterados.
florestas naturais da árvore-sím- Um jeitinho que costuma dar certo.
bolo da Região Sul do país. A flo- O primeiro “empecilho” apare-
resta localizada no vale do Rio ce justamente quando esses es-
Pelotas era uma das mais impor- tudos malfeitos chegam às mãos
tantes, com árvores de mais de de um técnico do órgão ambien-
200 anos. A ameaça já era real tal. “As empresas contratam con- A araucária é uma árvore ameaçada de extinção e protegida pela lei.
Até o início dos anos 2000, a floresta que ocupava a região do Rio Pelo-
no final da década de 1990, ano sultorias para apresentar estudos tas, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, era uma das mais
em que foi realizado o estudo. de péssima qualidade. Aí, precisa- bem preservadas do país. Hoje, porém, restam apenas 3% dos seus 6 mil
Era evidente que a simples exis- mos de uns seis pareceres até que hectares. Como a presença das árvores tornava inviável a instalação de
qualquer empreendimento por ali, a Engevix Engenharia, responsável pela
tência da floresta ali inviabiliza- venha uma informação de qualida- liberação da construção da hidrelétrica de Barra Grande, resolveu fazer de
ria a construção da hidrelétrica. de”, explica Carlos Martins, técni- conta que as araucárias não existiam nos seus relatórios. Quando o Ibama
A solução, então, foi co com experiência de dez anos descobriu a fraude, já era tarde demais: a floresta estava submersa.

56 transformar os 6 mil hecta- no licenciamento de gás e petró-


leo. O resultado desse morde e as- senso ter uma equipe técnica que O LICENCIAMENTO
sopra é um aumento considerável trabalha há anos em um projeto Perguntas
frequentes sobre
no tempo de duração do processo. e desconsiderar o parecer solene-
o processo
A velocidade também esbarra mente”, diz Martins. “A presidên-
na própria estrutura do Ibama, cia do Ibama diz que o trabalho é
Quem faz?
responsável por empreendimen- muito preciosista e valoriza a opi- O Ibama é o respon-
tos cujo impacto atinge mais de nião do empreendedor em detri- sável pelo licencia-
mento de atividades
um estado. São necessários pro- mento da análise técnica feita no
desenvolvidas em
fissionais de diversos perfis para próprio Ibama”, completa Emer- mais de um estado e
analisar os muitos aspectos de son Aguiar, servidor do Ibama. daquelas cujos impac-
tos ambientais ultra-
um projeto. Quanto mais com-
passem os limites ter-
plexo ele é, mais pessoas são ne- ritoriais. Nos demais
cessárias. E a mão de obra anda S EM R ES P O STA casos, fica a cargo
dos órgãos estaduais
escassa. Enquanto os pedidos de
ou municipais.

P
licenciamento aumentam a cada ara o advogado do Ins-
ano, o número de servidores é pra- tituto Ambiental (ISA)
Como funciona?
ticamente o mesmo desde 2011. Maurício Guetta, o li-
Primeiro, o órgão li-
“É clara a necessidade de concur- cenciamento de Belo Monte foi cenciador determina
sos para o Ibama como um todo. “totalmente ilegal”. Ainda que os tipos de estudos
que devem ser feitos.
O pedido está no Ministério do a Norte Energia, concessioná-
Quando é constatada
Planejamento desde 2015”, con- ria responsável pela obra, tenha a possibilidade de
firma a diretora de licenciamento feito 12 consultas públicas entre impacto ambiental,
o Estudo de Impacto
do Ibama, Larissa Amorim. 2007 e 2012, os críticos afirmam
Ambiental deve ser
A situação é ainda pior nos que o espaço serviu só para fa- providenciado.
chamados órgãos intervenien- zer propaganda do projeto — as Os interessados no
empreendimento
tes, como o Instituto do Patrimô- demandas foram ignoradas. “As encomendam então
nio Histórico e Artístico Nacional considerações que são feitas pela o estudo a uma em-
(Iphan) — que ficou especialmen- população afetada raramente são presa especializada
e, com base nele, o
te conhecido depois de barrar uma levadas em conta na decisão do licenciador analisa a
obra de interesse do então minis- órgão licenciador. Em muitos ca- viabilidade ambiental
tro Geddel Vieira Lima — e a Fun- sos, não são sequer respondi- e estabelece exigên-
cias técnicas para a
dação Nacional do Índio (Funai). das”, diz Guetta. Comunidades implantação.
Incorporadas ao processo de li- de pescadores ribeirinhos foram
cenciamento quando o impacto transferidas para longe do rio,
O que é avaliado?
atinge sua área de atuação, como e os índios do Xingu foram com- Os estudos abordam
nas hidrelétricas próximas a ter- pensados com motores de barcos, necessariamente as
ras indígenas, as duas institui- televisões e refrigerantes. condições da biota,
dos recursos am-
ções contam com estrutura muito Desde o início das obras, 50 mil bientais, as questões
aquém da demanda, o que acaba pessoas se somaram aos 100 paisagísticas e sani-
atrasando ainda mais a licença. mil habitantes de Altamira (PA), tárias e o desenvol-
vimento socioeco-
BA R R A Superados os desafios, com o onde a usina foi instalada. O ín- nômico da região. A
parecer finalmente pronto, nada dice de assassinatos subiu 80% Licença de Operação,
GR A N DE garante que ele será levado em entre 2011 e 2014. O esgoto da que autoriza o início
do funcionamento
consideração. O parecer feito pe- cidade, que era carregado sem do empreendimen-
los técnicos serve para embasar tratamento pelas águas do Rio to, só é concedida
SÓ 3% DA FLORESTA a tomada de decisão, mas os di- Xingu, passou a ficar acumula- após vistoria para
ESCAPOU DE ALAGAMENTO verificar que todas
retores do próprio Ibama podem do após a construção da barra- as exigências
decidir ignorá-lo. “É um contras- gem — uma das condicionantes foram atendidas.
PRINCIPAIS AMEAÇAS para a emissão da licença era completos e falta de fiscalização
Conheça algumas justamente que 100% da popu- do órgão licenciador, no caso a
das propostas
lação estivesse ligada aos servi- Fundação Estadual do Meio Am-
que já apareceram
na Lei Geral ços de água e esgoto. E a estru- biente de Minas Gerais.
de Licenciamento tura até foi construída, com 220 Nem mesmo o Estudo de Im-
km de redes de esgoto e 170 km pacto Ambiental seria suficien-
Criação de lista de de abastecimento de água, mas, te para evitar a tragédia, de acor-
atividades que pre-
emitida a licença, a Norte Ener- do com o Ministério Público.
cisam de licencia-
mento. Caso ela seja gia passou a jogar a responsa- É que o complexo da Samarco
aprovada, a dispensa bilidade de fazer a conexão das conta com duas minas de extra-
do licenciamento vira
casas à rede para a prefeitura e ção de minério de ferro, três usi-
regra, acabando com
a necessidade para os moradores. Mais de um ano nas de beneficiamento, três mi-
a maior parte das depois do início da operação de nerodutos e três barragens. Em
atividades econômi-
Belo Monte, o esgoto segue sen- Mariana, cada estrutura foi licen-
cas, como obras de
saneamento, energia, do despejado nas águas do rio. ciada de forma individual, sem
mineração e duplica- O Ministério Público recorreu levar em consideração o impacto
ção de rodovias.
à Justiça, que já emitiu sete limi- acumulado pela soma das ativida-
nares determinando a cassação des — e foi justamente esse acú-
Implantação do licen- da Licença de Operação. O “jeiti- mulo que causou o rompimento
ciamento por adesão
nho” do governo foi apelar para a da barragem do Fundão. Somente
e compromisso — em
que o empreendedor Suspensão de Segurança, uma lei um estudo que analisasse o com-
só precisa preencher criada no primeiro ano da Ditadu- plexo como um todo seria capaz
um formulário online
ra Militar que permite aos presi- de avaliar os riscos. E ele até exis-
para receber a licen-
ça automaticamente. dentes dos tribunais suspender te: é a Avaliação Ambiental Estra-
unilateralmente decisões de ins- tégica (AAE), prevista na lei, mas
tâncias inferiores sob alegação de pouco cobrada e quase não utili-
Deixar a critério dos
estados definir o ri- “grave lesão à ordem, à saúde, à zada. “As leis que regem o licen-
gor do licenciamento, segurança e à economia públicas”. ciamento são razoavelmente boas.
o que daria a eles a
Assim, a obra segue em operação Nosso problema é muito mais de
liberdade de decidir
inclusive pela sua até que todo o processo seja jul- falta de cumprimento dessa legis-
dispensa para atrair gado, algo que pode levar anos. lação”, afirma o procurador da re-
mais investimentos.
pública Daniel Azeredo.
Poucos meses depois da des-
A possibilidade de A P R E NDENDO truição do Rio Doce, um decreto
que, caso um em-
preendedor conteste
C O M O S ER R OS ? do governador de Minas Gerais,
uma condicionante, a Fernando Pimentel (PT), conden-

E
implementação dela Em outubro de 2015, o sou todas etapas do licenciamento
seja adiada até que
haja uma decisão
Brasil foi surpreendi- em uma só. Com a limitada atua-
final, o que pode de- do pelo maior desas- ção do órgão ambiental, o início
morar muito tempo. tre ambiental da sua história. O das obras é liberado automatica-
rompimento de uma barragem mente. O exemplo de Minas fez
B E LO
O licenciamento “fast da Samarco em Mariana (MG) os olhos de muita gente brilha-
track”, que determina deixou 19 mortos, afetou quase rem em Brasília. “Há uma queda
MONT E
o tempo máxi-
mo de oito meses 40 cidades e cobriu o Rio Doce de braço entre aqueles que tra-
para aprovação do de lama e rejeitos. As condições balham para afrouxar as regras
licenciamento e de para o maior desastre socioam- e quem luta para torná-las mais A OBRA À PROVA
apenas quatro meses DE QUALQUER LIMINAR
para obras conside- biental do país foram criadas rigorosas”, conta o deputado fe-
radas estratégicas. pela combinação de estudos in- deral Alessandro Molon (Rede),
líder da bancada ambientalista. acabaria com todo o processo, li-
Desde 2013, Molon aguarda ser mitando o poder público a punir
votado no Congresso um proje- empresas por impactos já conso-
to de lei de sua autoria que prevê lidados, além do chamado “fast
maior independência das empre- track”, que determina o tem-
sas responsáveis pelos estudos po máximo de oito meses para
de impacto, transparência dos aprovação do licenciamento e de
processos e ferramentas que am- apenas quatro meses para obras
pliem a participação da popula- consideradas estratégicas. Para
ção diretamente impactada. o Ibama, o prazo é irreal. Mes-
mo quando tudo caminha bem,
são necessários de 12 a 18 meses
B R I GA DE para fazer tudo direitinho. Caso
CACHOR R O GR ANDE o tempo não fosse suficiente, a
aprovação seria automática.

M
as não é bem esse tipo Se por um lado a carta de
de mudança que o mi- Sarney impediu, pelo menos
nistro da Casa Civil, por hora, o fim do licenciamen-
Eliseu Padilha, tem em mente. to ambiental, por outro quase
Acusado de crime ambiental por custou sua cabeça, colocada a
destruir e danificar uma Área de prêmio pela poderosa bancada
Proteção Permanente em uma ruralista. Para evitar novos des-
das suas propriedades, ele usou gastes, o governo levou a discus-
como base para sua versão da são para os bastidores. “O ideal
Lei Geral do Licenciamento ou- é que o debate fosse feito em pú-
tro projeto de lei, este elaborado blico, para que não chegasse o
pelo deputado federal Mauro Pe- prato feito para a sociedade”, diz
reira (PMDB) com a contribui- Molon. Para tentar barrar o li-
ção das confederações nacionais cenciamento flex, a tendência é
da indústria e do agronegócio. de que seja aprovada a isenção
De tão agressivo, o projeto en- de licenciamento para ativida-
controu resistência até dentro do des agrossilvipastoris em áreas
próprio governo. Em carta aber- com menos de 15 módulos fis-
ta, o ministro do Meio Ambien- cais, o que representa 97% das
te, Sarney Filho, fez uma série propriedades rurais do país. Na
de críticas à proposta de Padi- Amazônia, por exemplo, seria a
lha, como a que delega aos esta- permissão para desmatar fazen-
dos a definição sobre o rigor — das com até 1,5 mil hectares.
ou falta dele — no licenciamento. Caso as leis de licenciamento
É o chamado “licenciamento realmente sejam afrouxadas, ca-
Graças à Suspensão de Segurança, uma lei criada no primeiro ano
flex”, que acarretaria uma guer- sos como o do residencial cons-
da Ditadura Militar, a terceira maior hidrelétrica do mundo entrou
em operação mesmo sem apresentar todas as condicionantes determi- ra ambiental entre os estados, truído na represa Billings ten-
nadas no licenciamento. Por ser considerada uma obra estratégica, que, para atrair grandes investi- dem a se multiplicar. Três anos
ela derruba qualquer liminar na Justiça que suspenda a Licença de Ope-
mentos, fariam vista grossa para depois do início do projeto, as
ração, mesmo diante de irregularidades, até que todo o processo seja
julgado — o que costuma levar anos. Assim, a população de Altamira (PA) os possíveis impactos. nascentes e as corujas-buraquei-
continua sem saneamento básico, uma das contrapartidas exigidas pelo Sarney Filho também con- ras que foram omitidas do rela-
Ibama, e o esgoto segue sendo despejado sem tratamento no Rio Xingu.
denou a licença por adesão e tório oficial também já não exis-
compromisso, o que, na prática, tem na vida real.
P O R D E N T R O D O S M A I S L I N D O S
NOVO LIVRO EXIBE EM FOTOS PANORÂMICAS AS BIBLIOTECAS MAIS IMPRESSIONANTES DOS EUA

Biblioteca George Peabody, em Baltimore, de 1878


Biblioteca Pública Lincoln, no estado de Illinois, criada em 1901

L A B I R I N T O S D A L I T E R A T U R A
CONSTRUÍDAS DO SÉCULO 18 ATÉ HOJE FOTOS THOMAS R. SCHIFF EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO DESIGN FEU
Império da lei. Na cidade de Des Moines, capital de Iowa, a Biblioteca Jurídica — que pertence à
62 Biblioteca Estadual — destaca-se por sua decoração rica em madeira e mármore.
Doçura. Com o slogan “Doces são os frutos das letras”, o Boston Athenaeum, fundado em 1807,
é uma das bibliotecas independentes mais antigas e importantes dos Estados Unidos.
63
Origens. A Biblioteca da Sociedade Histórica da Pensilvânia, na cidade da Filadélfia, possui mais
64 de 21 milhões de itens no seu acervo, uma coleção especializada em imigração.
Arquivo jornalístico. O Centro Herb Caen de Revistas e Jornais da Biblioteca Pública
de San Francisco, na Califórnia, conserva milhares de periódicos norte-americanos e de todo o mundo. 65

Saiba mais em The Library Book, de Thomas R. Schiff. Editora Aperture. R$ 238 (pela Amazon), importado, em inglês, 232 páginas
66
JIHADÀ
Unidos pela religião islâmica, africanos cativos na
cidade de Salvador lideraram uma das principais
rebeliões contra a escravidão da história do Brasil

BRASILEIRA? DESIGN
FEU
ILUSTRAÇÕES
DW RIBATSKI
EDIÇÃO
THIAGO TANJI
REPORTAGEM
JEFERSON DE SOUSA
68

O CHEIRO DE PÓLVORA dominava Salva- rem que o conflito de 1835 não foi propriamente uma jihad
dor nas primeiras horas do dia 25 de janeiro — ação guerreira de um Estado organizado de acordo com
de 1835. Pelas ruas da capital da Bahia, sol- as leis islâmicas —, é certo que a religião foi o principal fa-
dados foram surpreendidos pelo fogo cer- tor para o estopim do conflito. Um dos maiores especialistas
rado de uma rebelião organizada por 600 no assunto, o historiador João José Reis afirma que, caso a
africanos, a maior parte deles escravos. rebelião ganhasse corpo e se tornasse vitoriosa, é provável
Depois de algumas horas de batalha, os que um governo liderado por muçulmanos de fato tomas-
rebeldes foram massacrados em frente ao se a frente do território baiano. A hipótese é especialmente
quartel da cavalaria da cidade. Chegava ao plausível porque aproximadamente 20% dos africanos que
fim uma das principais revoltas de escra- viviam em Salvador na época eram seguidores do islã —
vos da história da América Latina. 40% dos quase 65,5 mil habitantes da cidade eram escravos.
Não por acaso, a data marcava os últi-
mos dias do Ramadã, o mês sagrado da União por Alá
religião islâmica: amuletos muçulmanos e Enquanto nações europeias desenvolviam máquinas a va-
escritos com rezas e passagens do Alcorão por e colocavam de pé as primeiras indústrias do plane-
foram encontrados entre os corpos dos in- ta, o Brasil ainda utilizava majoritariamente a mão de obra
surgentes. As autoridades não tiveram dú- de escravos africanos nas suas atividades econômicas —
vidas de que os malês — nome dado aos o país foi um dos últimos do mundo a abolir a escravidão,
muçulmanos que sabiam ler e escrever em em 1888. Como estratégia para evitar revoltas, os homens
língua árabe — eram os líderes da rebelião. e mulheres capturados no interior da África eram levados
Após quase dois séculos da Revolta dos para os navios com pessoas de diferentes etnias, o que su-
Malês, historiadores debatem o papel da re- postamente dificultava a comunicação. Os captores, no en-
ligião islâmica na organização do episódio. tanto, não levaram em conta o poder agregador da religião:
Apesar de alguns pesquisadores considera- como um dos fundamentos do islã é a leitura do Alcorão,
Em 1835, a cidade de Salvador tinha uma
população de 65,5 mil pessoas, das quais
quase 40% viviam como escravas — e boa
parte pertencia à religião islâmica

a maioria dos muçulmanos era alfabetiza-


da, o que facilitou a interação entre aqueles
que chegavam juntos à cidade de Salvador.
Apesar de ser a rebelião mais conhecida do
período, a Revolta dos Malês não foi o único
episódio em que escravos muçulmanos se le-
vantaram contra seus captores. Entre 1807 e
1821, ocorreu na Bahia uma série de revoltas
lideradas pelos haussás, etnia que vivia na por-
ção norte do território que atualmente com-
preende a Nigéria. Em uma rebelião de 1814,
os sublevados — alguns montados a cavalo
— enfrentaram as armas de fogo das tropas
do governo com flechas, foices e machados.
“Os revoltosos da Bahia tentaram adotar táti-
cas semelhantes àquelas das guerras de sua ter-
ra natal”, afirma João José Reis, que é professor
de História da Universidade Federal da Bahia
e autor do livro Rebelião Escrava no Brasil —
A História do Levante dos Malês de 1835.
De acordo com os pesquisadores, o fra-
casso desses levantes não se deu apenas
pelo uso de estratégias inadequadas para a
realidade baiana (os soldados brasileiros já
usavam armas de fogo), mas também por-
que muitos muçulmanos envolvidos nos
conflitos não eram guerreiros treinados.
“Os prisioneiros de guerra vendidos como
escravos para a Bahia foram vítimas dos
dois lados. Nem todos eram combatentes, e
o mais provável é que a maioria — os perde-
dores, no caso — não o fossem”, avalia Reis.

Guerra tipo exportação


Se a religião islâmica foi responsável por
inspirar rebeliões, a jihad tem relação di-
reta com a captura dos homens e mulhe-
res que desembarcaram no Brasil como ca-
tivos. Entre 1804 e 1808, o líder religioso
islâmico Usman dan Fodio, da etnia fulani,
iniciou uma guerra santa no território que
hoje é a Nigéria para “corrigir” as práticas
dos membros da etnia haussá: é que, ape-
sar de serem fiéis à religião muçulmana des-
de o século 15, os haussás ainda conserva-
vam alguns ritos de suas crenças ancestrais.
70

A existência de grupos fundamentalistas islâmicos,


como o Boko Haram, é reflexo do período em que
a África foi invadida por nações europeias

A guerra teve vitória esmagadora dos fulanis e resultou


na criação de um império conhecido como Califado de So-
koto. A partir dele, as cidades-estados da região da Haus-
salândia foram unificadas e os reis, substituídos por califas
fiéis a dan Fodio. Com a jihad, os povos derrotados se torna-
ram escravos dos vitoriosos, o que gerou um grande contin-
gente de pessoas vendidas aos mercadores e enviadas para
o exterior. O principal destino desses cativos era o Brasil.
Durante os séculos 19 e 20, a dominação imposta por paí-
ses da Europa ao território africano intensificou as tensões ét-
nicas e religiosas pelo continente. As potências europeias não
levavam em conta as particularidades das regiões conquista-
das e com frequência reuniam antigos inimigos em um mesmo
país. Em parte, isso explica por que, após a Segunda Guerra
Mundial, o processo de independência das nações africanas
foi acompanhado de guerras e disputas internas de poder.
Hoje, apesar do desenvolvimento econômico em alguns paí-
ses do continente, a situação ainda não está completamente
estabilizada. Em 2002, o grupo Boko Haram foi fundado no
norte da Nigéria e se inspira nos ideais do califa Usman dan
Fodio para combater a influência ocidental e implantar um Es-
tado muçulmano, que governaria de acordo com a interpreta-
ção fundamentalista do Alcorão. “O estilo de jihad que tomou
a região no início do século 19 não tinha esse caráter de vio-
lência extrema e indiscriminada que se vê no Boko Haram.
Havia a guerra de conquista, mas também havia mais tolerân-
cia em relação aos que abraçavam outras formas de religiosi-
dade, como os adeptos do bori [inspiração do candomblé]”, afir-
ma João José Reis. A história mostra, afinal, que a religião nem
sempre é um instrumento para a libertação dos povos.
Há tempos se sabia que os neuro-

TUBO DE ENSAIOS
POR DR. DANIEL BARROS*
transmissores oxitocina e vasopressina
eram importantes no comportamento
afiliativo, esse jeito família de ser. Cien-
tistas resolveram então dissecar os
cérebros das ratazanas e descobriram

MENTIRAS QUE
que, a despeito de terem níveis seme-
lhantes dessas substâncias no cérebro,
os monogâmicos possuíam um número
muito maior de receptores para elas.

OS HOMENS (E OS
O cérebro dos polígamos, ao contrário,
tinha poucos receptores. Com isso, as
moléculas eram mais ativas nos pri-
meiros do que nos segundos.

RATOS) CONTAM
Para se certificarem de que essa
era a origem da diferença, os pesqui-
sadores injetaram um vírus carregan-
do instruções genéticas para fabricar
os tais receptores nos ratos das mon-
Em uma espécie de roedor que vive nos Estados tanhas, os menos comportados. Eis
que eles mudaram o comportamento,
Unidos, os animais que moram nos prados são
tornando-se pais e maridos bem mais
monógamos, enquanto seus primos que habitam as exemplares. E como se não bastasse,
montanhas não formam pares com uma fêmea só os cientistas também bloquearam
quimicamente os receptores nos ratos
O SER HUMANO PARECE TER SIDO cidade, após quase serem ambos de- das pradarias — foi o que bastou para
criado para contar e ouvir histórias. vorados. Volta, então, para o campo, os bons moços largarem as famílias.
A figura dos homens das cavernas preferindo a vida simples, mas segura. Mas como a vida real não é simples
reunidos em volta de uma fogueira A moral da história é que a vida de como as fábulas, mais se parecendo
compartilhando lembranças antigas forma humilde é melhor do que viver com as tragédias gregas, uma últi-
e recentes atravessa os tempos e em perigo, lição com que a humanidade ma virada acontece nessa história.
chega até a família reunida em vol- não parece concordar. Independente- Testes de paternidade mostraram
ta da TV. Talvez pela forma linear mente dela, contudo, há o subtexto de que mesmo os pacatos ratos das
como a realidade se apresenta a nós, os ratinhos da mesma espécie apresen- pradarias tinham filhos fora do lar.
o cérebro tem predileção por essa tarem comportamentos tão distintos Eram socialmente monogâmicos,
maneira narrativa de descrevê-la, por morarem em lugares diferentes. mas sexualmente, nem tanto. É certo
com começo, meio e fim, inferindo Existe uma espécie de ratazana nos que o comportamento de homens (e
relações de causa e efeito. EUA que teve destino semelhante ao mulheres) é mais complexo que de ra-
Nesse caminho, surgem as di- dos ratos do campo e da cidade: se- tos (e ratas), e não pode ser reduzido
versas histórias que montamos em parados pelas condições geográficas, a neurotransmissores e receptores.
nossa cabeça para nos ajudar a lidar parte morando nas pradarias, parte vi- Mas os cientistas que descobriram
com o mundo. Mitos, artes, ciências. vendo nos montes, eles desenvolveram isso concluíram que, ironicamente,
E as fábulas. Breves, elas condensam comportamentos bastante diferentes. “a dissociação entre fidelidade social
aspectos atemporais da vida, pas- Os moradores dos prados são monó- Cientistas e sexual nos levou a sugerir que as
sando de geração a geração. O mais
famoso contador dessas histórias foi
gamos. O bicho é o genro dos sonhos:
fica ao lado da esposa, cuida dos filhos,
resolveram ratazanas das pradarias são modelos
ainda melhores das relações humanas
o escravo grego Esopo, que compilou protege a casa, de modo agressivo se dissecar os do que previamente proposto”.
fábulas da tradição oral.
Uma das mais famosas é a do rato
necessário. Já seus primos montanhe-
ses não seguem o mesmo modelo de
cérebros das
da cidade e o rato do campo. Cansado comportamento: não formam pares ratazanas
de vida urbana, um rato resolve visitar
seu parente que mora no interior. Im-
monogâmicos nem estabelecem as
mesmas ligações familiares.
para avaliar
pressionado com a frugalidade da vida Não sei se, enjoado da vida que os níveis dos
ali, convida o rato do campo para se
refestelar com a abundância da urbe.
levava, alguma vez um dos roedores
resolveu visitar os parentes distantes.
hormônios
O simplório parente aceita o convite, Mas, mesmo que isso não tenha acon- responsáveis * DANIEL BARROS é psiquiatra do Instituto de

pelo ‘jeito
e, embora se admire com as riquezas Psiquiatria do HC–FMUSP, doutor em Ciências
tecido, houve uma ocasião em que uns
e bacharel em Filosofia. Atua com divulgação
que encontra, fica muito assustado foram apresentados ao estilo de vida
família’
científica em vários meios. É consultor
com os perigos que cercam a vida na dos outros. Obra da ciência. do programa Bem Estar (TV Globo). 71
PANORÂMICA

Batalha de Caracas: manifestante tem corpo incendiado durante protesto contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro, que anunciou no início de maio a convocação

72
de uma Assembleia Constituinte. De acordo com a agência de notícias France Presse, o fogo resultou da explosão de um tanque de gás de um veículo usado pela polícia.

Imagem: Ronaldo Schemidt/AFP Pesquisa: Franklin Barcelos 73


ULTI-
MATO PARA FAZER A DIFERENÇA
AGORA QUE VOCÊ LEU A REVISTA, SAIA DO SOFÁ

QUER CONHECER MAIS DIA DO ASTEROIDE: GOSTARIA DE SABER O JEDI QUE HÁ EM VOCÊ
HISTÓRIAS DE AMOR QUE TAL SE ENVOLVER UM POUCO MAIS DESPERTOU E ANSEIA
QUE NÃO SE ENCAIXAM E FICAR POR DENTRO SOBRE A HISTÓRIA DOS UM CONTATO MAIS
NO RÓTULO DO COMUM? DAS NOVIDADES? ESCRAVOS NO BRASIL? ÍNTIMO COM A FORÇA?

99 mil fãs assinaram


Mais de 1 milhão de
petição para que
asteroides podem
Leia se torne uma
impactar a Terra
princesa da Disney

DAILY MINOR PLANET AMORES LIVRES ORDEM JEDI DO BRASIL ASTEROID DAY MUSEU AFRO BRASIL
Newsletter confiável da União As- A série documental que estreou Conheça a organização que visa Diversas atividades são pro- Localizado no Parque do
tronômica Internacional. Assine em 2015 já não está mais no ar, difundir valores e filosofias do je- movidas pelo mundo, inclusive Ibirapuera, em São Paulo, tem
e receba todos os dias as últimas mas ainda pode ser assistida daísmo no Brasil. A Ordem mescla no Brasil, em 30 de junho, data um acervo de registros artísticos
notícias sobre asteroides passan- online por clientes de opera- princípios do taoísmo e do budis- oficializada pela ONU. Confira e históricos que contam a
do perto da Terra (em inglês). doras de TV por assinatura. mo e aplica a Força à vida real. a lista dos eventos e aproveite influência afro-brasileira
minorplanetcenter.net/ gnt.globo.com/series/ Fornecem material de iniciação. para assinar a petição. na construção do país.
daily-minor-planet amores-livres ordemjedi.com.br asteroidday.org/brasil museuafrobrasil.org.br

SÓ +
SEQUESTRO DIGITAL Micos- AMO E VOU JUNTO E MISTURADO GOLPE DE MÁGICA
Sem precedentes, um -leões- DEFENDÊ-LA Novo estudo diz que o Manuscrito que narra
ciberataque com um -dourados Stephen Hawking e mais Homo naledi, espécie episódio anterior ao
ransomware, tipo de foram 32 cientistas escreveram de hominídeo cujos início da saga de Harry

1 MIN. vírus que sequestra os


dados do computador
e exige resgate para
liberá-los, fez pelo menos
vistos no
município
do Rio
pela
uma carta irritadíssimos,
rebatendo pesquisado-
res que contestaram
a inflação cósmica —
fósseis foram desco-
bertos na África do
Sul em 2013, conviveu
com o Homo sapiens,
Potter foi roubado.
O documento estava na
casa de um colecionador
na Inglaterra. A escritora
200 mil vítimas em 150 primeira segundo a teoria, após já que habitou a J. K. Rowling pediu que
Aconteceu em maio, países, incluindo o Brasil. vez em um o Big Bang o Universo região entre 236 mil os fãs não comprem o
mas não coube na revista Medo, muito medo. século <3 inflou como um balão. e 335 mil anos atrás. item se for oferecido.
8 e 9 de junho
ROOFTOP 5 & CENTRO DE CONVENÇÕES NO COMPLEXO ACHé CULTURAL
PRéDIO DO INSTITUTO TOMIE OHTAKE
wiredfestival.com.br
EM BREVE INSCRIÇÕES:
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Apoio: Transportadoras Aéreas Oficiais: Co-Curadoria

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