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A relação jurídica em geral diz-se simples quando compreende o direito subjectivo atribuído a uma
pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente; e complexa quando abrange o conjunto
de deveres ou estados de sujeição nascidos do mesmo facto jurídico. A relação obrigacional simples é a
que está prevista no art. 397.º: vínculo por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à
realização de uma prestação. Assim, ao direito subjectivo de um dos sujeitos de exigir a prestação
corresponde o dever jurídico do outro, de a prestar. O direito do credor à prestação traduz-se no poder,
juridicamente tutelado, que o credor tem de exigir a prestação. Na compra e venda, paradigmaticamente,
ao dever jurídico de um dos sujeitos de entregar a coisa devida corresponde o direito do outro de exigir a
entrega da coisa.
No entanto, esta é uma visão simplista: a intenção do legislador terá sido a de descrever a relação
jurídica obrigacional na sua estrutura, no seu núcleo essencial. Com efeito, há outros direitos e deveres
que integram a relação obrigacional ab initio, ou que podem surgir de vicissitudes que esta vá sofrendo ao
longo da sua vida. Assim, falamos de relação jurídica obrigacional complexa para designar o conjunto de
vínculos que nasce do mesmo facto e se conexiona tendo em vista a mesma unidade de fim. A relação
jurídica obrigacional integra um conjunto amplo de deveres jurídicos, ónus e sujeições. Dentro dos
deveres jurídicos, podemos encontrar: deveres de prestação (deveres primários ou principais e deveres
secundários ou acessórios) e deveres de conduta.
O direito do credor à prestação traduz-se no poder, juridicamente tutelado, que o credor tem de
exigir a prestação. O credor não é apenas titular de um interesse juridicamente protegido, uma vez que
tem o poder de exigir o cumprimento, ou seja, o credor é o titular da tutela do interesse, pode dispor das
providências que a lei confere para protecção do seu interesse. Esta juridicidade do poder conferido ao
credor manifesta-se com mais força no poder de agressão do património do devedor (art. 601.º e art.
817.º), mas não deixa de se reflectir noutros aspectos: se o devedor cumprir voluntariamente, o credor
não é obrigado a restituir o objecto da prestação; se o devedor não cumprir, a mora transfere para o
devedor o risco do perecimento da coisa (art. 807.º/1), a obrigação pecuniária passa a vencer juros (art.
806.º/1), o devedor em mora passa a responder por todos os danos que a falta de cumprimento cause ao
credor (art. 804.º e art. 808.º), ao devedor em mora recusa a lei o direito de obter a resolução ou
modificação do contrato por alteração das circunstâncias (art. 438.º).
Ao direito subjectivo à prestação corresponde o dever jurídico de prestar: necessidade imposta pelo
direito ao devedor de realizar a prestação, sob cominação das sanções aplicáveis à inadimplência. Este
dever caracteriza-se pelo facto de ser imposto no interesse de outrem (distinguindo-se assim dos ónus,
que são meios de obter vantagens), e por ter como objecto uma prestação.
A relação jurídica obrigacional complexa ou em sentido amplo integra um conjunto de vínculos que
nascem do mesmo facto e se conexionam tendo em vista a mesma unidade de fim, abrangendo por isso
um conjunto de deveres jurídicos, ónus e sujeições. Dentro dos deveres jurídicos encontramos, para
além dos deveres de conduta, os deveres de prestação, que interessam à prestação principal. Os deveres
de prestação dividem-se em deveres primários e deveres secundários.
Os deveres primários ou principais são aqueles que surgem com o nascimento do vínculo
obrigacional, e que, nas relações obrigacionais derivadas dos contratos nominados, qualificam a relação
obrigacional como típica. Na compra e venda, por exemplo, encontramos como deveres primários ou
principais o dever de entregar a coisa, por parte do vendedor, e o dever de pagar o preço, do lado do
comprador (art. 879.º/b) e c)).
Ao lado destes deveres principais, encontramos também deveres secundários ou acessórios, que
incluem os deveres acessórios da prestação principal e os deveres secundários com prestação autónoma.
Os deveres acessórios da prestação principal são deveres que concorrem para a prestação principal,
destinando-se a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação. É exemplo o
dever de guardar, embalar ou transportar a coisa, quando esta não seja logo entregue ao credor. Os
deveres secundários com prestação autónoma são aqueles que precisam de um outro evento, para além
do facto constitutivo, para a sua produção. Podem ser sucedâneos da prestação principal (como a
obrigação de indemnização em virtude do incumprimento definitivo) ou contemporâneos desta (como a
obrigação de pagar juros de mora).
Os deveres de prestação são deveres que interessam à prestação principal, enquanto que os deveres
de conduta são deveres que, apesar de não interessarem directamente à prestação principal nem darem
origem a qualquer acção autónoma de cumprimento (art. 817.º), são essenciais ao correcto
processamento da relação obrigacional onde a prestação se integra. Nas relações obrigacionais laterais,
onde estes deveres mais avultam, cada um dos contraentes tem o dever de adoptar todas as providências
necessárias para que a obrigação a seu cargo favoreça o interesse do credor na prestação. É exemplo o
dever do locatário de avisar o locador sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa (art. 1038º/h)).
Apesar de muitos destes deveres se encontrarem espalhados pelo Código Civil e legislação avulsa,
entende-se hoje que estes decorrem genericamente do dever de boa fé, art. 762.º, que impõe a ambas as
partes um padrão de conduta segundo o qual estas devem agir de com honestidade, correcção e lealdade.
Estes deveres são mais frequentes no caso das relações obrigacionais duradouras e, dentro destas,
naquelas que comprometam especialmente a personalidade dos contraentes (por exemplo, o contrato de
trabalho). Tradicionalmente, a doutrina negava a estes deveres a qualidade de verdadeiros deveres
jurídicos, posto que não são dotados de coercibilidade, estando esta ideia hoje completamente
ultrapassada. Assim, a doutrina tem vindo a identificar os deveres de conduta mais comuns; dever de
lealdade ou correcção; dever de informação ou notificação; dever de protecção e dever de cooperação.
A distinção entre deveres de prestação e deveres de conduta reflecte-se, desde logo, em dois
aspectos: na possibilidade de os deveres de conduta surgirem antes ou independentemente de se ter
constituído a relação obrigacional (art. 227.º), e na possibilidade de os deveres de conduta terem como
titular activo pessoas estranhas à relação de onde nasce o dever de prestação (contrato com eficácia de
protecção para terceiros, como sucede no arrendamento para habitação, art. 76.º RAU).
Quanto à sua disciplina jurídica, apesar de a generalidade destes deveres não dar origem à acção
judicial de cumprimento (art. 817.º), a sua violação pode obrigar à indemnização dos danos causados à
outra parte ou dar mesmo origem à resolução do contrato ou sanção análoga (art. 1003º/a)). Estes deveres
tanto podem recair sobre o devedor, como afectam também o credor, a quem incumbe evitar que a
prestação se torne demasiado onerosa e proporcionar a cooperação que o devedor razoavelmente
necessite.
As obrigações autónomas são obrigações que não assentam num vínculo jurídico pré-existente
(como as que assentam num contrato que não resulte de um contrato promessa), ou que pressupõem, na
sua constituição, um simples vínculo de carácter genérico (como a que recai sobre quem danificou coisa
alheia). Estas obrigações estão sujeitas às normas do Código Civil que fixam o regime geral das
obrigações.
Já se discute se estão igualmente subordinadas ao mesmo regime, e se devem ser incluídas no
conceito geral das relações de crédito, as obrigações não autónomas. As obrigações não autónomas são
obrigações que, estando integradas em relações de tipo diferente (direitos reais, de família ou sucessões,
pressupõem a existência de um vínculo jurídico especial entre as partes. São exemplos a obrigação do
comproprietário de concorrer para as despesas de conservação ou fruição da coisa (art. 1411.º) e a
obrigação de prestar alimentos (art. 2009.º/1). A questão que se levanta é saber se as obrigações não
autónomas são obrigações em sentido técnico, e se estão subordinadas ao mesmo regime que as
autónomas. A resposta é afirmativa, uma vez que a disciplina das obrigações em geral considera a relação
obrigacional na sua natureza intrínseca, abstraindo do seu fenómeno vital. O argumento histórico
concorre para esta tese, uma vez que a questão da autonomia foi suscitada no decurso dos trabalhos
preparatórios e o legislador não consagrou especificamente este requisito no art. 397.º.
Porém, o regime geral das obrigações não pode deixar de ficar sujeito a desvios impostos pela
natureza especial dos vínculos que precedem as obrigações não autónomas, como a possibilidade de o
comproprietário se eximir da obrigação de participar nas despesas da coisa (art. 1411.º/1). Para além dos
desvios previstos na lei, o regime geral das obrigações poderá ainda sofrer outras derrogações, sempre
que se mostre que a origem da obrigação não autónoma ou o seu fim não se compaginam com a solução
prescrita.
6. Prestação de coisa
As prestações de facto são aquelas cujo objecto se esgota num comportamento do devedor. A
prestação de facto pode ser positiva ou negativa. A prestação de facto positiva ocorre quando o
comportamento a que o devedor está adstrito é um facere, uma acção (por exemplo, a prestação do
trabalhador no contrato de trabalho). Assumem especial configuração as prestações de facto positivas
emergentes dos contratos promessa (art. 410.º e segs.) e dos pactos de preferência (art. 414.º e segs.). As
prestações de facto positivo pode ser: obrigação de facto material (por exemplo, a realização de uma
empreitada, art. 1027.º), ou uma obrigação de facto jurídico (por exemplo, a emissão de uma declaração
negocial).
As prestações de facto negativo traduzem-se num non facere, e podem ser de dois tipos: obrigação de
abstenção (em sentido estrito), na qual o devedor se compromete a não praticar certos actos (art. 1189.º);
e obrigação de tolerância, por meio da qual o devedor se compromete a tolerar que o credor pratique
actos a que, caso contrário, não teria direito. É exemplo a obrigação do art. 1038.º/e).
Admitem-se prestações de facto de terceiro? Em princípio, admitem-se as promessas de facto de
terceiro, desde que a prestação do promitente corresponda a um interesse do promissário, digno de
protecção legal (art. 398.º/2). No entanto, tendo em conta a eficácia relativa dos contratos, a promessa de
prestação de facto de terceiro não vincula o terceiro a que se refere (art. 406.º/2), pelo que esta reconduz-
se na verdade a uma promessa de facto próprio: o de conseguir que o terceiro realize a prestação. Quid
iuris se houver incumprimento? É necessário averiguar a vontade das partes, no sentido de saber se
estamos perante uma obrigação de meios ou de resultados. Se estivermos perante uma obrigação de
meios, o promitente obriga-se apenas a despender os esforços razoavelmente necessários para que o
terceiro pratique o facto; pelo que, em caso de incumprimento, o promitente não está obrigado a
indemnizar a outra parte. Se estivermos perante uma obrigação de resultados, o promitente garante a
própria verificação do facto, obrigando-se a indemnizar a outra parte se o terceiro não cumprir.
8. Prestações fungíveis e infungíveis
A prestação diz-se fungível quando puder ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem
prejuízo do interesse do credor; e infungível quando o devedor não puder ser substituído por terceiro no
cumprimento. Estas são obrigações a que ao credor não interessa apenas o objecto da prestação, mas
também as qualidades pessoais do devedor. Esta distinção coloca-se no âmbito das prestações de facto, já
que as prestações coisa são em regra fungíveis – é indiferente para o credor quem entrega a coisa (isto
quer a coisa seja fungível, quer seja infungível, art. 207.º).
A regra, no Direito Civil, é a da fungibilidade, art. 767.º/1: a prestação pode ser feita tanto pelo
devedor como por terceiro. Porém, o n.º 2 ressalva duas excepções – a da infungibilidade convencional,
quando tenha sido expressamente acordado que a prestação deva ser feita pelo devedor (1ª parte); e a da
infungibilidade natural, que compreende os casos em que a substituição prejudique o credor. Para além
destes dois casos, encontramos ainda o da infungibilidade relativa, que corre quando a substituição do
devedor é possível, ainda que apenas em determinadas direcções.
Esta distinção reflecte-se ao nível do regime jurídico das obrigações, em dois aspectos. No regime da
impossibilidade de cumprimento, a fungibilidade da prestação interessa à questão de saber quando é que
a impossibilidade relativa à pessoa do devedor origina, por equiparação à impossibilidade objectiva, a
extinção da obrigação – art. 791.º. Há impossibilidade objectiva quando a prestação se torna irrealizável
quer pelo devedor, quer por qualquer outra pessoa; a impossibilidade objectiva importa, nos termos do
art. 790.º, a extinção da obrigação. A impossibilidade subjectiva importa apenas à pessoa do devedor; e
só importa igualmente a extinção da obrigação quando a prestação é fungível (art. 791.º), uma vez que o
devedor não se pode fazer substituir por terceiro.
Mas esta distinção também se reflecte a nível do incumprimento. No caso das prestações fungíveis,
pode o credor requerer, no processo de execução, que o facto seja prestado por terceiro à custa do
devedor (art. 828.º). Se a prestação for infungível, não faz sentido a substituição por terceiro, logo o
credor apenas pode exigir o cumprimento do devedor (art. 817.º); na hipótese de não cumprir, terá de
contentar-se com a indemnização do prejuízo resultante do não cumprimento. Nas prestações
infungíveis, pode ainda ser fixada uma sanção pecuniária compulsória, art. 829.º-A, que visa coagir o
devedor ao cumprimento (algo que é criticado pela doutrina, que defende que se deveria aplicar às
obrigações em geral). Esta sanção justifica-se pois, como o devedor não pode ser substituído sem
prejuízo do interesse do credor, a lei não encontra outra forma de satisfazer o interesse do credor
interessado no cumprimento.
A preferência e a sequela são duas consequências do carácter absoluto dos direitos reais.
A preferência ou prevalência consiste no facto de o direito real sacrificar toda a situação jurídica
constituída anteriormente, na medida em que sejam incompatíveis entre si, sem concurso da vontade do
titular desta. Existindo dois direitos reais total ou parcialmente incompatíveis entre si, prevalece o
primeiro, ou seja, a prioridade temporal confere prioridade jurídica. Isto só não é assim em duas
situações: nos bens sujeitos a registo, em que prevalece o primeiramente registado; e em alguns direitos
reais de garanta, como o direito de retenção, que prevalece sobre a hipoteca (art. 759.º/2).
Já nos direitos de crédito, a regra é a de que os credores têm de sofrer o concurso dos restantes,
executando o património do devedor no peso relativo dos seus créditos (art. 604.º). A prioridade
temporal não confere qualquer prioridade jurídica; porém, também aqui podemos encontrar uma
excepção: os direitos pessoais de gozo, art. 407.º. Este artigo parece estabelecer a preferência ou
prevalência, uma vez que afirma que, existindo dois direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si,
prevalece o direito mais antigo em data – protecção possessória contra terceiros.
O direito de sequela é o direito conferido ao titular do direito real de perseguir a coisa, ou seja, de
fazer valer o seu direito sobre a coisa, onde quer que ela se encontre – mesmo estando no domínio
material ou jurídico de outra pessoa. Este direito manifesta-se de forma diferente nos vários tipos de
direitos reais. No direito de propriedade, manifesta-se através da acção de reivindicação, art. 1311.º,
expoente máximo da ideia de sequela: se o proprietário da coisa se vir privado dela, pode lançar mão
desta a acção, não só para fazer valer o seu direito de propriedade, como para fazer valer direitos reais
limitados. Nos direitos reais de aquisição, que são direitos legais de preferência, o titular pode lançar mão
da acção e preferência, art. 1410.º. Finalmente, nos direitos reais de garantia, o credor pode executar o
bem objecto de garantia onde quer que ele esteja: por exemplo, tratando-se de uma hipoteca, se o
devedor alienar o bem a terceiro, o credor pode à mesma executá-lo. Tendo o registo da hipoteca
carácter constitutivo, e sendo exigível no momento da compra e venda um documento onde constam
todas as inscrições relativas aquele imóvel, o terceiro tem sempre conhecimento da hipoteca, logo a sua
posição, se quiser à mesma comprar, não é merecedora de tutela.
As obrigações reais são obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular dela. São
obrigações que nascem e existem por causa de certa coisa, são reais quanto à origem, não deixando
todavia de ser obrigações. É obrigado quem for titular da coisa, sendo que ao devedor é algumas vezes
concedida a faculdade de se libertar do vínculo obrigacional, renunciando ao direito real a favor do
credor (art. 1411.º/1, 1428.º/3 e 4 e 1472.º/3). São exemplos de obrigações reais: a obrigação de contribuir
para as despesas de conservação ou fruição da coisa comum (art. 1411.º; ainda art. 1424.º e 1428.º, e 1472º.
e 1567.º/4).
Enquanto que nas obrigações reais o titular da coisa fica apenas vinculado às obrigações constituídas
na vigência do seu direito, nos ónus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestações
anteriores. Os ónus reais são igualmente obrigações, no entanto acompanham a coisa, como se se
tratassem de um ónus sobre ela. Para que estejamos perante um verdadeiro ónus real, é necessário que o
sujeito passivo seja realmente sujeito passivo de uma obrigação, e que a coisa sirva de garantia à
obrigação. Esta figura tinha uma grande importância prática no período anterior ao liberalismo, sendo
que hoje ainda encontramos alguns ónus reais na nossa legislação, como o apanágio do cônjuge
sobrevivo, art. 2018.º CC e art. 2.º/1/p) Cod. Reg. Pred.
A boa fé em sentido objectivo constitui uma regra jurídica, um princípio normativo, que aplicado
aos contratos constitui uma regra de conduta segundo a qual os contraentes devem agir de modo
honesto, correcto e leal. Da boa fé em sentido objectivo nascem obrigações de escopo negativo –
impedindo comportamentos desleais – e de escopo positivo – deveres de colaboração. A boa fé em
sentido objectivo tem uma importância primacial no direito das obrigações, uma vez que acompanha a
relação contratual desde o início, permanecendo durante toda a sua vida e mesmo depois de se ter
extinguido. Assim, logo na formação do contrato a boa fé intervém (art. 227.º), é um critério a ter em
conta na interpretação e integração do negócio (art. 236.º e 239.º), assim como no exercício dos direitos
(art. 334.º), e impõe-se quer na fase do cumprimento das obrigações, quer mesmo após o vínculo se ter
extinguido (art. 762.º/2). A importância da boa fé objectiva manifesta-se ainda em outros dois pontos:
esta enriquece o conteúdo da relação obrigacional, sendo fonte dos deveres de conduta e a violação da
boa fé é susceptível de gerar responsabilidade contratual, pré-contratual, ou mesmo pós-contratual,
consoante o momento em que ocorra tal violação.
Já a boa fé em sentido subjectivo reporta-se a um estado subjectivo, tendo em vista a situação de
quem julga actuar em conformidade com o direito, por desconhecer ou ignorar, designadamente,
qualquer vício ou situação anterior. A boa fé subjectiva é a que está pressuposta no arts. 243.º/2, 291.º/3,
612.º e 1260.º.
14. Contrato e relação contratual de facto
O contrato é o acordo de vontades, integrado por duas ou mais declarações de vontade, de sentido
oposto mas convergente, tendente à produção de um resultado jurídico unitário. As declarações de
vontade que formam o acordo são a proposta e a aceitação, sendo que o contrato se considera perfeito
quanto a resposta contendo a aceitação chega à esfera de acção do proponente (art. 224.º, teoria da
recepção).
A figura das relações contratuais de facto foi criada por HAUPT , e desenvolvida pela jurisprudência e
doutrina alemãs. A doutrina tradicional considerava como elemento essencial do contrato o acordo
bilateral dos contraentes, traduzido no encontro das declarações de vontade das partes (proposta e
aceitação); ora, HAUPT veio apontar algumas categorias de situações, a cuja disciplina seria aplicável o
regime dos contratos, sem que na sua base houvesse um acordo de declarações de vontade dos
contraentes. Estas situações seriam as relações contratuais de facto, que se dividem em três categorias:
relações pré-contratuais; relações jurídicas provenientes de contratos ineficazes; e relações massificadas
de comportamento social típico.
As relações pré-contratuais assumem grande relevo na sociedade contemporânea, onde são cada
vez mais frequentes os contratos com preliminares prolongados e complexos. Estas relações dirigem-se à
obtenção da convergência da vontade das partes nas cláusulas sobre as quais qualquer uma delas tenha
considerado necessário o acordo, sem o qual o contrato não fica concluído (art. 232.º). Nem sempre é
fácil distinguir as negociações do contrato definitivo: este é um problema de vontade das partes, ou seja,
de saber se estas ainda estão a conceber e a ditar os termos da regulação contratual ou se já se quiseram
vincular. Para HAUPT , estas relações seriam uma categoria das relações contratuais de facto na medida
em que se lhes aplica a disciplina geral dos contratos, ao sancionar-se a responsabilidade por culpa na
formação dos contratos ou responsabilidade pré-contratual (art. 227.º).
A segunda categoria das relações de facto é integrada pelas relações provenientes de contratos
inválidos ou anulados, sendo-lhes aplicável a disciplina do art. 289.º e segs.
A terceira categoria, mais significativa, abrange as relações massificadas de comportamento social
típico, ou seja, as relações que assentam em actos materiais reveladores da vontade de negociar, mas que
não se reconduzem aos moldes tradicionais do mútuo consenso. É o caso da utilização dos transportes
públicos: a própria prática do facto “entrar no autocarro” é uma forma típica de utilização do serviço, não
sendo necessário a emissão de uma declaração de vontade ou a celebração de um contrato com a
empresa transportadora. Entre nós, estas relações obtêm consagração legal no art. 234.º, que prescinde da
declaração de aceitação, sem todavia prescindir da vontade de aceitação: esta está na prática dos factos
que a exprimem. Isto pois o art. 217.º integra na noção de declaração negocial todas as formas típicas de
comportamento do homem que exteriorizam uma vontade, não sendo assim necessário reconduzir estas
relações a uma figura autónoma, ao lado dos contratos.
A massificação das relações de prestação de serviço deu origem a uma nova forma de contratar,
através de cláusulas contratuais gerais, fenómeno que exprime uma racionalização da técnica de
contratação: estão em causa exigências de simplificação e racionalização de custos, de eficiência, de
celeridade e de segurança.
As cláusulas contratuais gerais são aquelas que preenchem três requisitos: pré-formulação,
generalidade e rigidez. Em primeiro lugar, as cláusulas têm de ser elaboradas previamente, não sendo
porém necessário que seja o utilizados a formular ele próprio as cláusulas, pois o que sucede muitas
vezes é que são associações representativas que recomendam as cláusulas. Em segundo lugar, as cláusulas
têm de se destinar a fazer parte de uma série de contratos, ou seja, são elaboradas com vista servirem de
modelo a vários contratos individuais, determinados ou determináveis. Finalmente, a característica da
rigidez significa que o aderente não tem qualquer possibilidade de alterar ou negociar o conteúdo do
contrato.
Esta técnica de contratação consubstancia uma restrição de facto á liberdade contratual, uma vez
que apenas um dos contraentes ocupa, de forma unilateral, o poder de modelar o contrato; a outra (o
aderente) apenas pode aceitar ou não. Mesmo nos casos em que o utilizador não ocupa uma posição de
monopólio, a liberdade de rejeitar o contrato pode não ser real. Assim, corre-se o risco de as cláusulas
não atenderem convenientemente aos interesses do aderente, pelo que o legislador veio estabelecer
limites ao poder do utilizador destas cláusulas no DL 446/85. O art. 1.º/1 define o âmbito de aplicação do
decreto-lei, definindo cláusulas contratuais gerais.
Porém, o n.º 2 alarga o âmbito de aplicação aos contratos de adesão, tendo este número sido
acrescentado posteriormente, visando corrigir a transposição da Directiva 93/13/CE de 1999, que se
aplica também a estes contratos. O conceito de contrato de adesão é mais amplo que o de cláusulas
contratuais gerais: o contrato de adesão apenas exige as características da pré-formulação e da rigidez,
independentemente de o conjunto de cláusulas se destinar a fazer parte ou não de uma generalidade de
contratos. A maioria dos contratos de adesão contém cláusulas contratuais gerais, mas pode acontecer
que se destinem a regular apenas um contrato na sua individualidade.
O contrato misto, que pressupõe uma fusão de contratos, distingue-se da mera junção de contratos e
da união ou coligação de contratos.
A junção de contratos ocorre quando o vínculo que une os contratos é meramente acidental,
exterior, como quando são celebrados ao mesmo tempo ou constam do mesmo documento. Como os
contratos preservam a sua autonomia, aplica-se a cada um deles o seu regime. Por exemplo, temos uma
junção de contratos quando A compra um relógio e manda consertar outro ao mesmo tempo.
Já a união ou coligação de contratos dá-se quando o vínculo que une os contratos não é meramente
acidental ou exterior, mas sim um vínculo substancial, que cria uma relação de interdependência entre
eles. Esta relação de interdependência pode provir, por exemplo, de uma cláusula acessória, em que um
dos contratos seja condição do outro: A encomenda refeições no restaurante de B, mas só as quer se B lhe
puder reservar alojamento num hotel próximo. Na união ou coligação de contratos, os contratos mantêm
ainda a sua individualidade.
Finalmente, a fusão de contratos é o fenómeno que está na base dos contratos mistos. Diz-se misto o
contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei –
art. 405.º/2. A fusão de contratos ocorre, assim, quando há uma fusão, num só negócio, de elementos
contratuais distintos, que perdem a sua autonomia e passam a fazer parte do conteúdo daquele. Nem
sempre será fácil distinguir entre a união e a fusão de contratos, ou seja, se estamos perante dois ou mais
contratos porém esta distinção poderá ter relevo prático, nomeadamente para efeitos de aplicação do art.
292.º e 232.º. Este é um problema de interpretação de cada contrato em concreto, determinando a
vontade das partes e o grau de interdependência dos vários elementos que o integram. Para que as
diversas prestações a cargo de uma das partes façam parte de um só contrato, têm de integrar um processo
unitário de composição de interesses. No entanto, podemos encontrar alguns critérios orientadores,
como o da unidade ou pluralidade da contraprestação, ou da unidade ou pluralidade do esquema
económico subjacente. Se às diversas prestações a cargo de uma das partes corresponder uma única
contraprestação da outra parte, será de presumir, até prova em contrário, que estamos perante um
contrato misto; assim como se houver um esquema unitário, de tal forma que a parte obrigada a várias
prestações não as queira negociar separadamente (é o caso típico da viagem de cruzeiro).
20. Contratos combinados, contratos de tipo duplo e contratos mistos em sentido estrito
A doutrina alemã elaborou uma sistematização dos contratos mistos em três modalidades: contratos
combinados, contratos de tipo duplo e contratos mistos em sentido estrito.
Os contratos combinados são contratos em que a prestação global de uma das partes se compõe em
duas ou mais prestações integradoras de contratos típicos, enquanto que a outra se reconduz a uma
prestação unitária. É exemplo o contrato realizado entre o campista e a entidade titular do parque de
campismo.
Já nos contratos de tipo duplo, uma parte obriga-se a uma prestação de certo tipo contratual,
pertencendo a contraprestação a um tipo contratual diferente. Por exemplo, A cede a sua casa para
habitação em troca da prestação de serviços, que integra um contrato de trabalho.
Finalmente, nos contratos mistos em sentido estrito, um contrato serve de instrumento ou meio de
realização do outro. É exemplo a doação mista, que é o contrato em que a prestação de um deles só é em
parte coberta pelo valor da contraprestação, beneficiando a diferença de valor o outro contraente. O
contrato que serve de instrumento é a compra e venda, enquanto que o que se quer realizar é a doação.
Esta distinção tem relevo prático, para a determinação do regime a aplicar aos contratos: enquanto
que nos contratos combinados e de tipo duplo se deve aplicar a cada um dos elementos a disciplina que
lhes corresponde (teoria da combinação), nos contratos de tipo duplo o regime aplicável é o do contrato
principal (teoria da absorção).
A fixação do regime dos contratos mistos tem dado lugar a divergências na doutrina e
jurisprudência, tendo sido três as teorias desenvolvidas: teoria da absorção, teoria da combinação e
teoria da aplicação analógica.
A teoria da absorção diz-nos que se deve determinar qual a prestação dominante no negócio, e esse
tipo contratual absorveria os restantes elementos na qualificação e disciplina do negócio. O regime do
contrato misto seria assim o regime correspondente ao da prestação principal, com as devidas
adaptações.
A teoria da combinação, defendida por autores que rejeitam a teoria da absorção com base no
argumento de que nem sempre é possível determinar a prestação principal, visa uma harmonização dos
regimes aplicáveis a cada um dos elementos típicos integrantes do contrato. Assim, procura-se respeitar
ao máximo o regime de cada um dos contratos, uma vez que este não deve valer apenas para os contratos
típicos, mas também quando estes estão integrados noutras espécies.
Finalmente, a teoria da aplicação analógica parte do pressuposto que os contratos mistos são
espécies omissas na lei, cabendo assim ao juiz fixar o regime dos contratos, nomeadamente com recurso
à disciplina dos contratos análogos.
Entre nós, há uma norma que regula expressamente este problema, mas apenas em relação à locação
com vários fins – art. 1028.º. No entanto, se o legislador consagrou uma determinada solução para a
locação com vários fins, é porque a considera a melhor, logo devemos ver nesta norma um afloramento
de um princípio e aplicá-la aos restantes contratos. O n.º 1 diz que, sempre que o contrato misto se
traduzir numa simples sobreposição de elementos distintos, como sucede nos contratos combinados e de
tipo duplo, se deve observar relativamente a cada um deles o regime correspondente. Esta é uma
consagração da teoria da combinação. No entanto, se se traduzir numa subordinação, como sucede nos
contratos mistos em sentido estrito, o n.º 3 diz-nos que se deve aplicar o regime da prestação principal, só
se devendo aplicar o regime dos elementos acessórios na medida em que não colida com o regime
principal. O n.º 3 consagra, portanto, a teoria da absorção.
O pacto de preferência, previsto no art. 414.º e segs., é o contrato mediante o qual alguém assume a
obrigação de dar preferência a outrem, em condições de igualdade, se se decidir a realizar determinado
negócio. Apesar de o art. 414.º se referir ao contrato de compra e venda, os pactos de preferência são
também admissíveis em relação a qualquer contrato oneroso onde faça sentido a opção por certa pessoa
sobre quaisquer outros contraentes (art. 423.º).
O pacto de preferência pode ter como fonte a lei ou a convenção, o que nos leva a distinguir a
preferência legal e a preferência convencional. A preferência convencional é aquela que tem origem na
estipulação das partes (convenção negocial ou disposição testamentária, art. 2235.º), sendo que esta pode
ter eficácia meramente obrigacional ou eficácia real, art. 421.º, quando se reporte a bens imóveis e bens
móveis sujeitos a registo, e verificados os requisitos do art. 413.º. Quando tal suceda, a preferência torna-
se um verdadeiro direito real de aquisição, oponível ao terceiro adquirente da coisa e igualmente
atendível nos processos de execução e liquidação.
No entanto, a preferência também pode ter a sua fonte na lei: direitos legais de preferência.
Destacam-se os fundados no contrato de arrendamento, art. 1091.º/1, os atribuídos ao comproprietário,
art. 1499.º, ao co-herdeiro, art. 2130.º, etc. Estes direitos são destinados, em regra, a facilitar a extinção de
situações jurídicas que não são as mais consentâneas com a boa exploração económica dos bens ou a
proporcionar o acesso à propriedade a quem está usando ou fruindo os bens no exercício de um direito
pessoal de gozo tendencialmente duradouro.
Podemos ter, num caso, vários tipos de preferência, que são graduadas da seguinte forma (art. 422.º):
em primeiro lugar, prevalece a preferência legal, de seguida a preferência convencional com eficácia real,
e por último a preferência convencional com eficácia meramente obrigacional.
24. Contrato a favor de terceiro e contrato com eficácia de protecção em relação a terceiros
O contrato a favor de terceiro, previsto no art. 443.º e segs., é um contrato por meio do qual uma das
partes assume perante outra a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro. O requisito
estabelecido para estes contratos é, à semelhança do que vigora para os contratos em geral, que o
promissário tenha na prestação um interesse digno de protecção legal.
A relação entre o promitente e o promissário é a relação de cobertura, é a relação que alimenta o
direito conferido a terceiro; enquanto que a relação entre o promissário e o terceiro é a relação de valuta.
Como efeito imediato do contrato, o terceiro adquire o direito à prestação, independentemente da
aceitação ou conhecimento (art. 444.º/1), sendo que este direito coenvolve o poder de exigir o
cumprimento do contrato. Porém, a lei atribui igualmente ao promissário o poder de exigir o
cumprimento, que é um poder instrumental ao serviço do interesse do terceiro.
O contrato a favor de terceiro distingue-se dos contratos autorizativos de prestação a terceiro e dos
contratos com eficácia de protecção em relação a terceiros. Os contratos autorizativos de prestação a
terceiro são contratos cuja prestação principal se destina a terceiro, mas sem que este adquira, de acordo
com o conteúdo do contrato e intenção dos contraentes, qualquer direito de crédito à prestação – por
exemplo, A compra à florista B flores para entregar a um terceiro C. No contrato a favor de terceiro, as
partes procedem com a intenção de atribuir um direito de crédito a terceiro.
Já os contratos com eficácia de protecção em relação a terceiros são contratos que geram certos
deveres de conduta ou deveres de protecção para com terceiros, fundados numa relação obrigacional
secundária sem qualquer dever primário de prestação. Esta figura foi inicialmente criada pela
jurisprudência alemã ao abrigo do contrato a favor de terceiro, mas rapidamente se emancipou dele.
Distingue-se do contrato a favor de terceiro na medida em que os terceiros não são titulares do direito à
prestação, mas apenas titulares de obrigações de protecção. É o que sucede no contrato de
arrendamento: A celebra com B um contrato de arrendamento. Em virtude de defeitos existentes na casa,
ocorre um acidente que fere a mulher e os filhos de B. Ora, apesar de estes não serem titulares do direito à
prestação principal, o dever acessório de manutenção da segurança acessória do imóvel estende-se aos
familiares do inquilino, que podem assim pedir uma indemnização ao senhorio. Assim, está aqui em
causa um alargamento da responsabilidade contratual face a pessoas que não são partes contratuais, que
se justifica pela rigidez e desvantagem do regime da responsabilidade extracontratual.
Precisamente por importar este alargamento da responsabilidade contratual, num desvio ao
princípio da eficácia relativa dos contratos, a doutrina alemã limita este contrato a uma situação de
contacto social, caracterizada por três elementos: proximidade dos terceiros da prestação devida;
interesse especial do credor em proteger os terceiros dos eventuais riscos da prestação; e previsibilidade
ou cognoscibilidade dos dois elementos anteriores pelo devedor, no momento da celebração do
contrato.
A representação, prevista no art. 258.º, traduz-se na prática de um acto jurídico em nome de outrem,
para produzir na esfera deste os seus efeitos jurídicos. Para que a representação seja eficaz, é necessário
que o representante actue no limite dos seus poderes, ou que o representado realize supervenientemente
uma ratificação. Para que haja representação, é necessário que se verifiquem dois requisitos: que haja
contemplatio domini, ou seja, que o negócio seja realizado em nome do representado; e que haja a
declaração, em maior ou menor escala, de uma vontade própria do representado (distinguindo-se assim
a representação da figura do núncio).
Ora, o contrato para pessoa a nomear, previsto no art. 452.º, é o contrato em que uma das partes se
reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição contratual, tudo se passasse
como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última. O contrato produz assim os seus efeitos
apenas entre os contraentes, até à designação do terceiro: se se fizer a nomeação, a pessoa nomeada
ocupa o lugar de um dos contraentes, havendo uma eficácia retroactiva da declaração de aceitação; se
não for feita a declaração de nomeação, o contrato produz efeitos relativamente ao contraente originário.
Alguns autores reconduzem o contrato para pessoa a nomear a uma modalidade especial da
representação, em que o representado seria designado em momento posterior, ou seja, o titular do
contrato seria representado de modo anónimo. Com efeito, existem algumas semelhanças entre o
contrato para pessoa a nomear e a representação: uma vez nomeada a pessoa, tudo se passa como se
tivesse havido representação; o contrato para pessoa a nomear pode ter por trás uma procuração
anterior; e não se admite a cláusula para pessoa a nomear quando não é admitida a representação.
Porém, o recurso à ideia da representação anónima não é correcta – não só não existe no contrato para
pessoa a nomear a contemplatio domini, como existe a possibilidade de o negócio se vir a consolidar na
titularidade do contraente original. Na representação, pelo contrário, os efeitos jurídicos produzem-se ab
initio na esfera do representado.
Assim, é mais certeira a tese que defende que a cláusula para pessoa a nomear é uma condução do
contrato – de efeito resolutivo, quanto à titularidade do interveniente; e de efeito suspensivo, quando à
titularidade d a pessoa a nomear.
Esta distinção integra-se no âmbito dos negócios jurídicos unilaterais. Se nos negócios bilaterais ou
contratos vale o princípio da liberdade contratual, nos negócios jurídicos unilaterais vale o princípio da
tipicidade ou numerus clausus, art. 457.º: a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos
previstos na lei. Para A NTUNES V ARELA, a explicação deste princípio assenta no facto de não ser razoável
manter alguém irrevogavelmente obrigado perante outrem, com base numa simples declaração de
vontade, visto não haver conveniências práticas do tráfico que o exijam, nem quaisquer expectativas do
beneficiário dignas de tutela. Já CALVÃO DA SILVA defende uma interpretação deste artigo com base no
sistema da causalidade: no nosso sistema vale o princípio da causalidade, que é o mesmo que dizer que
não se admitem declarações abstractas, das quais não se saiba qual a causa material subjacente. Deve-se
assim fazer uma interpretação restritiva deste artigo, ampliando ao máximo a validade das promessas
unilaterais e fazendo coincidir este artigo com a sua ratio legis, o sistema da causalidade: a promessa
unilateral de uma prestação não causada só obriga nos casos previstos na lei; a partir do momento em que
uma prestação tem uma causa, tem-se controlo sobre ela.
Para além dos negócios unilaterais instrumentais (como a renúncia da prescrição, art. 302.º), o
Código só regula a promessa pública, art. 459.º. A promessa pública é a declaração, feita mediante
anúncio público, na qual o autor se obriga a dar uma recompensa a quem se encontre em dada situação
ou pratique certo facto. A constituição da obrigação nasce directamente da declaração do promitente,
art. 459.º/1, sendo que o promitente fica obrigado em relação aqueles que se encontrem na situação
prevista ou pratiquem o facto sem atenderem à promessa ou na ignorância dela (n.º 2).
Já a promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida, previstas no art. 458.º, não constituem
fonte autónoma de obrigações. A promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida criam apenas
a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial entre as partes, sendo esta relação
fundamental a verdadeira fonte de obrigações. Esta presunção inverte assim o ónus da prova: o credor
fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário; se o
devedor provar a inexistência da relação fundamental, a promessa é inválida.
Para que haja gestão de negócios, é necessário estarmos perante três elementos: direcção de negócio
alheio, no interesse e por conta do dono, sem autorização (art. 464.º). Quanto ao segundo requisito, não
é necessário que o gestor aja em nome próprio, mas que o faça no interesse e por conta do dono, ou seja,
que a sua actividade se destine intencionalmente a satisfazer um interesse alheio, e com a intenção de
transferir para a esfera o dono os proveitos e encargos da sua intervenção. E se o gestor agir no seu
interesse? É necessário distinguir duas situações. Se o gestor gere negócio alheio por supor erroneamente
que é seu, se não houver aprovação, aplicam-se as regras do enriquecimento sem causa (art. 472.º/2): o
dono deve reembolsar a diferença entre as despesas que o dono efectuou e aquelas que ele efectuaria. Se
o gestor actuar com culpa, ou seja, consciente de que o negócio é alheio e com intenção de carrear para o
seu património os proveitos da intromissão na esfera jurídica de outrem, temos uma gestão imprópria, à
qual o art. 472.º/2 manda aplicar as disposições relativas à responsabilidade civil: o gestor terá de
indemnizar o verdadeiro dono pelo prejuízo que causou.
O principal dever do gestor é o de obediência ao interesse e vontade reais do dono, art. 465.º/a). Nos
termos do art. 466.º, o gestor responde pelos danos que causar culposamente no exercício da gestão
considerando-se que há culpa quando age em desconformidade com o interesse ou a vontade do dono
(art. 466.º/1 e 2). Assim, é atendendo ao critério do interesse ou vontade real que a conduta do gestor
deve ser apreciada, o que nos permite distinguir entre gestão regular, conforme à vontade e interesse do
dono; e gestão irregular, em desconformidade com elas. Esta distinção assume relevo nas consequências
da não aprovação. A aprovação é o juízo global de concordância com a actuação do gestor, emitido pelo
dono do negócio: havendo aprovação da gestão, o art. 469.º retira daí duas consequências: cessa a
responsabilidade do gestor por quaisquer danos que haja causado; e reconhece-se ao gestor o direito a
ser reembolsado das despesas que fez e de ser indemnizado do prejuízo que sofreu. E se não houver
aprovação? Se estivermos perante uma gestão regular, e fazendo-se prova da regularidade, mesmo não
tendo havido aprovação os direitos que importam ao gestor são os mesmos, art. 468.º. Se estivermos
perante uma gestão irregular, o gestor só terá direito à restituição do valor com que o dono do negócio
injustamente se tiver enriquecido à sua custa, para além de responder pelos danos que haja causado (n.º
2).
A aprovação é o juízo global de valor sobre a actuação do gestor, emitido pelo dono do negócio, ou
seja, é a declaração de que considera a gestão conforme ao seu interesse e à sua vontade, ainda que tal não
tenha efectivamente acontecido. Da aprovação resultam as duas consequências do art. 469.º.
A aprovação distingue-se da ratificação, que é a declaração de vontade pela qual alguém chama a si
o acto jurídico praticado por alguém em seu nome, mas sem poderes de representação. Pode haver
aprovação sem ratificação, se o dono não quiser contestar os direitos atribuídos por lei mas não quiser
chamar a si algum ou alguns dos negócios que o gestor celebrou em seu nome; e ratificação sem
aprovação, quando o dono quiser chamar a si os negócios que o gestor realizou em seu nome, mas
entender que este não respeitou a sua vontade ou não agiu em conformidade com o seu interesse.
O enriquecimento sem causa insere-se no nosso sistema da causalidade, traduzindo-se num meio de
ultima ratio, subsidiário, para que este funcione. Nos termos do art. 473.º, para que haja enriquecimento
sem causa, é necessária a verificação cumulativa de três requisitos: enriquecimento de uma pessoa; sem
causa justificativa; e obtida à custa de outrem.
Esta distinção faz-se no âmbito do primeiro requisito. O enriquecimento consiste na obtenção de
uma vantagem de carácter patrimonial, qualquer que seja a sua forma: aumento do activo, diminuição do
passivo, uso ou consumo de coisa alheia, exercício de direito alheio, etc. A vantagem patrimonial na
origem do enriquecimento pode ser considerada objectivamente, de forma isolada, ou medida através da
projecção concreta na situação patrimonial do beneficiário. No primeiro caso temos um enriquecimento
real; e no segundo, um enriquecimento patrimonial, sendo este dado pela diferença entre a situação em
que o beneficiário se encontra e aquela em que se encontraria não fosse o enriquecimento. Por exemplo,
A ocupa indevidamente um prédio durante 1 mês: o enriquecimento real é dado pela renda normal do
prédio, de 500€. O enriquecimento patrimonial é dado pelo valor da renda que o beneficiário estaria
disposto a pagar, ou teria de pagar, se não fosse o aparecimento do prédio e a convicção de que o poderia
ocupar sem despesa: se só tivesse disposto a pagar 300€, o enriquecimento patrimonial seria de 200€. Na
fixação do enriquecimento patrimonial influi não só o conhecimento dos encargos que o beneficiário
estaria disposto a dar (situação hipotética), como também a utilização que ele tenha efectivamente dado à
vantagem adquirida (situação real actual).