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aspiração à liberdade em todos os planos, no trabalho, na vida da relação, na vida erótica,
até como mãe, … … está em toda a obra de Fernanda Botelho, duma maneira que é talvez,
de todas, a mais importante.»
«Isto é único ou… se não é único é raro, entre os autores que conheço.
(F. Branco.)
Obviamente que propor figuras de mulher, propor heroínas femininas, nos anos 50, em
plena ditadura, com o movimento das mulheres, com as mulheres a fazerem os
agradecimentos ao ditador…
Numa época de definição da mulher como a fada do lar, como a esposa, a mãe abençoada,
essas tretas todas, não é?! E ela ser capaz de agarrar e mostrar mulheres que procuram fora
do casamento, que desfazem o casamento, que procuram inclusivamente mais do que uma
vez, ou seja, não só são situações de adultério e o adultério masculino também é corrente,
embora as pessoas não olhem tanto para ele, estou a dizer: é corrente no romance, cá fora
também!, mulheres que não só cometem adultério, para já: que não cometem adultério
pontualmente, por acaso, porque…, por uma desorbitação momentânea, mas
conscientemente e repetidamente. E não só têm um amante fora do casamento, mas podem
ter mais do que um amante fora do casamento, há várias heroínas que em momentos
diferenciados ou na mesma época têm mais do que um amante fora do casamento, não é?!
Eu acho que é preciso muita coragem, realmente…»
«Porque são vários tipos de mulher que ela analisa, a mulher submissa, a mulher que
(U.T.R.)
só tem como horizonte da vida o casamento, porque é economicamente dependente, não
tem uma profissão e depois se sujeita a todas as imposições do marido, a mulher que salta o
fosso e que se liberta, ou pelo adultério ou pela ruptura com o casamento e pela experiência
duma… duma vida de mulher só. É muito interessante, de livro para livro, ela
inclusivamente põe essas mulheres a contracenarem umas com as outras e a dialogarem
umas com as outras, o que é extremamente interessante.»
-.-.-.-
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altura, desviam-se. E eu deixo-as; elas é que se impõem. Elas é que me indicam o caminho
que querem seguir. E eu aceito. Isto parece um bocado complicado.»
«E as personagens dela são realmente personagens que se impõem e que ficam, não
(J.M.A.)
é!?, não são daquelas personagens que morrem quando se fecha o livro.»
(F.B.) «Háuma personagem masculina de que eu queria fazer uma espécie de malandro, em
que o… ele era um conquistador e eu queria, como não gosto muito de conquistadores…,
também não tenho que gostar, não é!? Cada um é como é. E eu queria fazer dele uma
personagem um bocado caricata sob esse aspecto, aaaa… e a partir de uma certa altura,
deixei de o governar… e não consegui que ele se me tornasse antipático, nem a mim, nem
aos leitores e ele por lá anda muito feliz da vida, a personagem, porque eu não consegui
desfigurá-lo.
«Todos os escritores têm muito de autobiográfico, o que é é que o autobiográfico,
(U.T.R.)
através do processo narrativo transforma-se, quer dizer, nós pensamos, nós vamos
reproduzir uma vivência nossa e transformamo-la. Pensámos numa determinada
personagem, que viveu connosco ou com que nós observámos de muito perto e ao escrever
transformámo-la e criámos uma outra figura. Quer dizer: a literatura acaba por ser uma
forma de transformação do vivido e do observado, mas que os livros da Fernanda estão
carregados disso, estão.»
«Nos meus livros há muita cosa que é…, muita coisa que é…muita coisa!..., se não
(F.B.)
são tantos…, mas algumas situações que são reais ou que eu conheço e transformo um
bocadinho, evidentemente, mas a maior parte delas são deduzíveis, quer dizer: eu, a partir
de comportamentos que eu conheço deduzo certas circunstâncias e… pode acreditar que
muitas vezes a realidade ultrapassa a fantasia.»
-.-.-.-
«Antes do 25 de Abril, a ideia que eu tenho é que a Fernanda era juntamente com a
(J.V.)
Maria Judite de Carvalho era considerada uma das escritoras mais importantes, a Natália
Correia, também, da literatura portuguesa. E a Fernanda estava digamos também muito na
vanguarda da própria forma, da Fernanda escrever… e depois há um interregno de facto
muito grande, com estes anos que se seguem ao 25 de Abril.
(U.T.R.) —O
Lourenço É Nome de Jogral, salvo erro, é de 71 e, a partir daí, há um salto até
87, enorme, portanto, há um período que eu nunca compreendi muito bem em que ela se
cala.»
«Tinha cinquenta folhas A4 escritas à mão de um livro a que eu iria chamar Esta Noite
(F.B.)
Sonhei com Brueghel. Aconteceu que entretanto surge o 25 de Abril. Claro que há um
grande entusiasmo, mas com esse grande entusiasmo há uma quebra na produção literária.
[F.B.] Eu achei que, e isto é sincerissimamente…, o 25 de Abril surge, o entusiamo é grande
e eu penso: não vale a pena eu escrever, porque isto é muito melhor do que a escrita.
Escrever para quê? Eu não posso escrever nada mais interessante do que isto. Eu acho que
não vale a pena, acho que não vale a pena. E, então, parei de escrever. Até que um dia me
surgiu uma proposta para um livro novo, portanto, agarrei nas cinquenta páginas que eu
tinha deixado para trás de Esta Noite Sonhei com Brueghel e de que eu já não me lembrava
como era, achei que aquilo estava tudo errado, modifiquei aquilo tudo e escrevi um livro
novo…, chamado Esta Noite Sonhei com Brueghel, que iniciou uma outra fase.»