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SERVIÇOS PÚBLICOS

E CONTROLE DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PROF. SÉRGIO GUERRA
COLABORADORA: PATRÍCIA SAMPAIO

6a EDIÇÃO

ROTEIRO DE CURSO
2010.1
Sumário
Serviços Públicos e Controle da Administração Pública

INTRODUÇÃO: .................................................................................................................................................... 3

AULA 1: COMPREENDENDO A REGULAÇÃO ESTATAL DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS.............................................................. 7

AULAS 2 E 3: O DIREITO ADMINISTRATIVO NA ATUAL ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL: O ESTADO REGULADOR, O PROGRAMA
NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO, AS REFORMAS CONSTITUCIONAIS E AS PRIVATIZAÇÕES. ................................................... 11

AULA 4: AS COMPETÊNCIAS E FORMAS DE EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ................................................................ 24

AULA 5: DELEGAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS: CONCESSÃO E PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. LICITAÇÃO E CONTRATO DE CON-
CESSÃO ........................................................................................................................................................... 28

AULAS 6 E 7: DIREITOS DOS USUÁRIOS E OS PRINCÍPIOS QUE REGEM A CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. .......................... 37

AULA 8: EXTINÇÃO DO CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO .......................................................................... 55

AULA 9: AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS............................................................................................................. 65

AULA 10: O NOVO REGIME JURÍDICO DAS AUTORIZAÇÕES ............................................................................................ 71

AULA 11: REGULAÇÃO DAS ATIVIDADES MONOPOLIZADAS PELO ESTADO ........................................................................ 80

AULA 12: AGÊNCIAS REGULADORAS I. AGÊNCIAS REGULADORAS E SUA CONSTITUCIONALIDADE. CARACTERÍSTICAS. ................ 85

AULAS 13 E 14: AGÊNCIAS REGULADORAS II E III: FUNÇÕES EXERCIDAS PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS E SEU PODER NORMATIVO 90

AULA 15: AGÊNCIAS REGULADORAS IV: FUNÇÕES FISCALIZADORA, SANCIONADORA E DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS. ......... 100

AULA 16: AGÊNCIAS REGULADORAS IV: LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA. CONSULTAS E AUDIÊNCIAS PÚBLICAS ........................ 108

AULA 17: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO I: CONTROLE NO ÂMBITO DO EXECUTIVO. ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DO ATO ADMINIS-
TRATIVO. RECURSO HIERÁRQUICO E RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO. .................................................................... 113

AULA 18: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO II: CONTROLE PELO PODER LEGISLATIVO, PELO TRIBUNAL DE CONTAS – EXTENSÃO E
LIMITES E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ................................................................................................................. 118

AULA 19: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO III: A REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO PELO PODER JUDICIÁRIO ................. 123

AULAS 20 E 21: RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ..................................................................... 130

AULA 22: PROCESSO ADMINISTRATIVO I: PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS ....................................................................... 136

AULA 23: PROCESSO ADMINISTRATIVO II: ............................................................................................................. 141

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. .................. 141

AULAS 24 E 25: REGIME JURÍDICO DOS AGENTES ESTATAIS: SERVIDOR PÚBLICO ............................................................. 157

ANEXO I ........................................................................................................................................................ 166

ANEXO II ....................................................................................................................................................... 182

ANEXO III ...................................................................................................................................................... 190

ANEXO IV ...................................................................................................................................................... 219


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INTRODUÇÃO:

O direito administrativo brasileiro foi muito influenciado pelo direito ad-


ministrativo francês. Nesse sentido, o direito administrativo era considerado
como sendo um mero conjunto de condições necessárias à conformação da
estrutura burocrática do Governo às regras criadas pelo Poder Legislativo. Isto
é, pensava-se o direito administrativo como sendo a disciplina voltada apenas à
organização da máquina administrativa do Estado, com características de uni-
dade, centralização e uniformidade, em posição privilegiada em relação ao ci-
dadão e direcionada à manutenção do funcionamento dos serviços públicos.1
A inquestionável superioridade do interesse público sobre o privado2 foi
conjugada pela supremacia da administração, o princípio da legalidade e a fun-
ção discricionária.3 Daí adveio o regime administrativo diferenciado, compre-
endendo as prerrogativas da administração pública: poder de polícia e radical
desigualdade, unilateral e singular, tais como espécies diferentes de propriedade, 1
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade e
contratos e responsabilidade (diversas, portanto, do direito privado), submeti- reflexividade: uma nova teoria sobre as
escolhas administrativas. Belo Horizon-
das as causas desta matéria, inclusive, a um tribunal próprio no caso francês. te: Fórum, 2008.
Um passo importante para a evolução do direito administrativo ocorreu 2
Sobre a releitura da supremacia do
no início do século passado, com León Duguit, ao doutrinar acerca das trans- interesse público sobre o privado, des-
tacamos, para aqueles que desejam
formações do direito público.4 Nessa obra, destacando a passagem, no direito uma introdução sobre o assunto, a obra
de MEDAUAR, Odete. O direito admi-
administrativo, da puissance public para o service public, Duguit advertia que, nistrativo em evolução, p. 185 et seq.,
e, em maior profundidade, os diversos
com o desaparecimento do sistema imperialista, a noção de serviço público artigos que compõem a coletiva intitu-
substituiu a de soberania e mudou a concepção de lei, do ato administrativo, lada: Interesses públicos versus interes-
ses privados: desconstruindo o princípio
da justiça administrativa e de responsabilidade estatal. da supremacia do interesse público.
Daniel Sarmento (Org.). Rio de Janeiro:
Na modernidade, a concepção de direito administrativo no Brasil, seguin- Lumen Juris, 2005; o artigo de ÁVILA,
do os influxos do direito administrativo francês, estava totalmente conforme Humberto. Repensando o “princípio da
supremacia do interesse público sobre
a uma atuação executiva estatal hierarquizada e suportada por decisões de o particular”. In: SARLET (Org.). O direito
público em tempos de crise: estudos em
“cima para baixo”,5 à luz da teoria clássica da separação de poderes. Esse fato homenagem a Ruy Ruben Ruschel.
Porto Alegre: Livraria do Advogado,
era justificado pelo modelo de estado social, com forte intervenção executiva 1999. p. 99-127; o artigo de OSÓRIO,
estatal direta nas atividades econômicas. Fábio Medina. Existe uma supremacia
do interesse público sobre o privado no
O direito administrativo está mudando (está em mutação). O atual direito direito admnistrativo brasileiro? Revista
de Direito Administrativo, v. 220, 2000,
administrativo que a sociedade atual necessita não se pode caracterizar com p. 69-107.
a mesma disciplina do século XIX e da primeira metade do século XX. Deve 3
CASSESE, . La globalización jurídica,
p. 181.
acompanhar as características e os riscos por que passa a sociedade contem-
4
Nesse sentido, consulte-se a obra
porânea, que, por isso, clama por uma releitura de categorias, fórmulas e insti- DUGUIT. Les transformations du droit
tutos desse ramo do direito público, cunhados há mais de um século. public, (que reproduz a obra publicada
em 1913 por Max Leclerc e H. Bourrelier
A atividade administrativa, mais do que instrumento de definição autoritária pela Ed. Colin).

do direito aplicável vai, aos poucos, tornando-se um mecanismo de composição 5


Expressão utilizada por Sérgio Bu-
arque de Holanda para se referir aos
de interesses públicos e privados, que se manifestam no procedimento, e que os movimentos “aparentemente reforma-
dores” ocorridos no Brasil, conduzidos
órgãos de decisão devem regular de maneira a tomar a decisão mais adequada e pelos grupos dominantes. Na obra
que melhor salvaguarde os direitos subjetivos e os interesses em presença. clássica HOLANDA, Sérgio. Raízes do
Brasil, p. 160.

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Nesse diapasão, desponta uma questão de capital importância concernente


à configuração da regulação estatal nas relações contemporâneas entre a Admi-
nistração Pública descentralizada e o agente regulado que recebe a delegação
dos serviços públicos. Essa forma de intervenção estatal (regulação) deve aten-
der ao interesse público, sem, contudo, deixar de sopesar os efeitos e impactos
dessas decisões no subsistema regulado com os interesses de segmentos especí-
ficos da sociedade e, até mesmo, com o interesse individual no caso concreto.
Nesse campo de questões, as atribuições estatais, no contemporâneo Esta-
do Regulador - confirmado, entre nós, com a promulgação da Carta de 19886
- deve atentar para a justiça material no caso real, impossível de ser previsível
e positivado, na maioria das vezes, pelo poder legiferante.
É sabido que nas principais questões submetidas à regulação estatal as
normas têm linhas mestras da política econômica e social, fazendo com que
tenha de haver uma liberdade ao administrador público na hora de executar
os comandos gerais da norma, dependendo: (i) dos dados empíricos decor-
rentes das técnicas disponíveis e testadas; (ii) da circunstância fática em que
a norma está sendo aplicada, e; (iii) dos impactos prospectivos multilaterais
decorrentes do ato. Assim, faz parte do objetivo dessa disciplina chamar ao
debate jurídico a forma de compatibilização dos instrumentos de regulação
de serviços públicos dentro das premissas decorrentes do Estado Democrá-
tico de Direito, com os riscos que devem ser previstos ou minimizados pela
Administração Pública regulatória.
Isto porque, há um confronto direto entre, de um lado, a necessidade de se
estabelecer e respeitar contratos de concessão, firmados por longos períodos,
e, de outro, a “regulação” dos riscos a que se submete a sociedade e que afeta
direitos e garantias fundamentais.
Além de contratos firmados entre o poder concedente e o setor privado
para a prestação de serviços públicos, por delegação do Estado, este intervém
em atividades privadas sensíveis (a exemplo da saúde suplementar e da vigi-
lância sanitária), em um ambiente de permanente mutação das questões téc-
nicas, situações imponderáveis e das variações socioeconômicas no país. Com
efeito, na delegação de serviços públicos (v.g., com prazo de 50 ou 60 anos)
os editais e os contratos de concessão que conformam, juntamente com as
normas, o marco regulatório, nem sempre prevêem soluções para minimizar
os problemas que afetam os direitos do cidadão.
Ademais disso, o controle judicial dos atos administrativos discricionários,
na maioria das vezes, limita-se à mera invalidação deste mesmo ato para que
a administração pública edite outro que não esteja maculado de arbitrarie-
dade, irrazoabilidade ou desproporcionalidade. No entanto, é cada vez mais 6
BRASIL (Constituição de 1988). Art. 174.
Como agente normativo e regulador da
comum que, em determinadas situações complexas, notadamente de grande atividade econômica, o Estado exercerá,
na forma da lei, as funções de fiscaliza-
apelo popular, essa invalidação do ato administrativo seja seguida de um co- ção, incentivo e planejamento, sendo
mando judicial que o substitui no mérito. este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.

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Por esse fato, o estudo da regulação jurídica, o seu controle e a responsabili-


dade civil estatal como resultado final da atuação estatal (incluindo-se os regimes
dos servidores públicos) se apresenta como de capital importância para o aluno
de direito, especialmente diante das novas tecnologias ou provenientes de im-
pactos, naturais ou não, ocorridos no ambiente mercadológico globalizado.

CONTEÚDO DA DISCIPLINA:

A disciplina Serviços Públicos e Controle da Administração Pública discu-


tirá as funções desempenhadas pelo Estado no âmbito da Ordem Econômica,
com ênfase na regulação estatal e na disciplina dos serviços públicos.
Como decorrência necessária à compreensão dos limites da atuação da
Administração Pública na Ordem Econômica, será apresentado o rol de con-
troles a que se sujeitam os atos da Administração Pública. O programa abran-
ge ainda a responsabilidade civil do Estado por atos e omissões da Adminis-
tração Pública, bem como o estatuto jurídico do servidor público.

METODOLOGIA:

A metodologia do curso é eminentemente participativa, requerendo in-


tensa interação dos alunos nos debates em sala, utilização da wiki-Direito e
preparo prévio para as aulas, mediante a leitura das indicações bibliográficas
obrigatórias e, sempre que possível, das leituras complementares. Também se-
rão produtivas as iniciativas dos alunos que trouxerem assuntos ligados aos
temas tratados, e que estejam nas pautas dos principais veículos da imprensa.
Em razão dessa natureza eminentemente dialética, a presente apostila foi
estruturada em 25 aulas para um total de 28 encontros, já antevendo que
algumas matérias poderão se prolongar por mais de uma aula.

DESAFIOS/DIFICULDADES DO CURSO:

O Curso exigirá do aluno uma visão reflexiva do Direito Administrativo


e capacidade de relacionar a teoria exposta na bibliografia e na sala de aula
com outras disciplinas, especialmente o Direito Constitucional. O desafio é
construir uma visão contemporânea e pós-moderna do Direito Administra-
tivo, centrado na proteção da dignidade da pessoa humana e no respeito aos
direitos dos cidadãos, buscando sempre cotejar o conteúdo da disciplina com
a realidade do País.

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MÉTODO DE AVALIAÇÃO:

A avaliação será composta por duas provas de igual peso. A média final
será a média aritmética entre as duas notas obtidas pelo aluno, notas por
conceito e eventuais atividades complementares que venham a ser oportuna-
mente solicitadas aos alunos. O Professor poderá atribuir nota a atividades
como, por exemplo, a participação do aluno dos debates feitos no âmbito da
wiki-direito, em sala de aula, etc.

ATIVIDADES COMPLEMENTARES:

Poderão ser definidas atividades complementares, de acordo com a evolu-


ção das discussões sobre os temas.

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AULA 1: COMPREENDENDO A REGULAÇÃO ESTATAL DAS


ATIVIDADES ECONÔMICAS

OBJETIVO:

O objetivo desta aula inaugural consiste em discutir alguns dos principais


temas que comporão o curso Serviços Públicos e Controle da Administração
Pública. A partir de um caso gerador, poderá ser proposta aos alunos a parti-
cipação em role play, estimulando-os a se posicionarem sobre a controvérsia,
sendo que para isto a turma deverá ser dividida em grupos, a exemplo de
promotores de Justiça, representantes da concessionária de serviços públicos
e dos investidores, advogados de entidades de defesa do consumidor.

INTRODUÇÃO: 7
JUSTEN FILHO. Curso de direito admi-
nistrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 18.
Com as premissas da pós-modernidade e que acabaram por impor fortes 8
Conforme advertência de Sabino Cas-
mudanças na condução da Ordem Econômica em diversos países, notada- sese, a regulação existe quando a classe
política se libera de uma parte de seus
mente na Europa durante a década de 80, o modelo de Estado Regulador foi poderes a favor de entidades não eleitas
confirmado no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988. pelo povo, que são capazes de bloquear
as decisões das eleitas. Para que essa
Nesse novo sistema neoliberal, o modelo liberal e o intervencionismo social condição ocorra, não basta a separação
entre regulador e operador. É preciso,
cedem lugar à intervenção estatal na ordem econômica social, impondo-se também, a separação entre regulador
que “novas necessidades sejam identificadas e expostas, especialmente para e governo, cujo fim é evitar a politiza-
ção das decisões. Ele permite distinguir
que o Estado neutralize os excessos e se valha de seu poder como instrumento toda forma de intervenção ou controle
desenvolvida sob a direção do governo
de controle da atuação privada”.7 da regulação em sentido estrito. La
globalización jurídica. Trad. Luis Ortega,
Diante desse contexto, e sob o aspecto orgânico, a Administração Pública Isaac Martín Delgado e Isabel Gallego
direta, considerando a premente necessidade de atrair investimentos – sobre- Córceles. Madrid: Marcial Pons, 2006,
p. 151. Nas palavras de Egon Bockmann
tudo estrangeiros – decidiu abrir mão da função de regular diretamente os Moreira, o fenômeno da concentração
sem centralização faz com que o poder
subsistemas privatizados de telecomunicações, energia elétrica, transportes estatal seja fragmentado numa rede de
etc., conferindo essa função a entidades reguladoras independentes.8 autoridades independentes, detentoras
de competências autônomas, com o
O modelo regulatório decorre do fenômeno de “mutação constitucio- poder central apenas estabelecendo a
política geral de todos os setores e as
nal”9, desencadeado pelas alterações estruturais por que passou a sociedade e metas a serem atingidas. MOREIRA,
Egon Bockmann. Agências reguladoras
que esse acontecimento teve como conseqüência, no plano das instituições independentes, déficit democrático e a
políticas, o surgimento do imperativo de mudança nas formas de exercício “elaboração processual de normas”. In:
Estudos de direito econômico. Belo Hori-
das funções estatais clássicas. O fenômeno da regulação, tal como concebido zonte: Ed. Fórum, 2004, p. 172.

nos dias atuais, nada mais representa do que uma espécie de corretivo in- 9
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências
reguladoras: a “metamorfose” do Esta-
dispensável a dois processos que se entrelaçam. De um lado, trata-se de um do e da democracia (uma reflexão de
direito constitucional e comparado). In:
corretivo às mazelas e às deformações do regime capitalista e, de outro, um Direito da regulação. Revista de Direito
corretivo ao modo de funcionamento do aparelho do Estado engendrado da Associação dos Procuradores do Novo
Estado do Rio de Janeiro. v. IX. Alexandre
por esse mesmo capitalismo. Santos de Aragão (org.) Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2002, p. 90.

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Diante desses fatos, quais devem ser os objetivos dessa função regulatória
descentralizada, adotada em diversos países, inclusive no Brasil? Vital Mo-
reira e Fernanda Maças10 advertem serem várias as razões para a adoção do
modelo de regulação estatal por entidades independentes, ao invés da regu-
lação direta pelo Poder Executivo. Uma dessas razões está atrelada ao novo
sentido de regulação administrativa. Com efeito, no modelo intervencionista
havia uma confusão entre intervenção direta estatal na atividade econômica
e as tarefas regulatórias e, em várias situações, a função regulatória competia
ao próprio operador público, muitas vezes sob a figura do monopólio. Com
o aparecimento de novos operadores privados na execução de atividades eco-
nômicas e serviços públicos, entendeu-se que deveria haver uma separação
das funções de regulação e as funções de participação pública na própria
atividade regulada.11
Marcos Juruena Villela Souto12 leciona que um processo de regulação im-
plica, tipicamente, em várias fases, em que se destacam a formulação das
orientações da regulação, a definição e operacionalização das regras, a imple-
mentação e aplicação das regras, o controle da aplicação das regras, o sancio- 10
Autoridades reguladoras independentes.
namento dos transgressores e a decisão nos recursos. Paralela e simultanea- Coimbra: Coimbra Editores, 2003, p. 10.

mente aos desafios colocados pela globalização, o Estado atual sofre a crise 11
Conrado Hübner Mendes aduz que:
“as empresas que saem do domínio es-
do financiamento das suas múltiplas funções. Diante dessa crise há inevita- tatal e passam a fazer parte do domínio
privado não podem estar submetidas,
bilidade da retração do Estado frente às necessidades sociais, ou, alternativa- exclusivamente, às livres decisões de
mente, adotam-se novas estratégias de atuação compatíveis com a escassez seus administradores, motivadas uni-
camente pelas contingências econômi-
de recursos.13Nesse contexto, Floriano Azevedo Marques Neto14 anota: “A cas. Devem, sim, estar em consonância
com interesses que transcendem os
atividade regulatória é espécie do gênero atividade administrativa. Mas trata- meramente capitalistas. Por esse mo-
tivo, ao retirar da máquina estatal tais
se de uma espécie bastante peculiar. Como já pude afirmar em outra opor- empresas, nasce a necessidade de regu-
tunidade, é na moderna atividade regulatória estatal que melhor se manifesta o lá-las intensamente.” MENDES, Conrado
Hübner. Reforma do Estado e agências
novo paradigma de direito administrativo, de caráter menos autoritário e mais reguladoras. In: Direito administrativo
econômico. Carlos Ari Sundfeld (coord.).
consensual, aberto à interlocução com a sociedade e permeado pela partici- São Paulo: Malheiros, 2000, p. 108.
pação do administrado”. 12
SOUTO, Marcos Juruena Villela. De-
sestatização: privatização, concessões,
Entretanto, o principal objetivo perseguido com a instituição de um mo- terceirizações e regulação. 4. ed. Rio de
delo estatal regulatório foi a cessão de capacidade decisória sobre aspectos Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 441.

técnicos para entidades descentralizadas em troca de credibilidade e estabi- 13


ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
cias reguladoras e a evolução do direito
lidade, demonstrando-se, com isso, que a regulação estatal deixava de ser administrativo econômico. Rio de Janei-
ro: Ed. Forense, 2002, p. 68.
assunto de Governo para ser assunto de Estado. Adveio, com a globalização, 14
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo.
a obrigação de se gerar salvaguardas institucionais que signifiquem um com- Pensando o controle da atividade regu-
lação estatal. In: SÉRGIO GUERRA (Co-
promisso com a manutenção de regras (segurança jurídica) e contratos de ord.). Temas de direito regulatório. Rio de
longo prazo.15 Janeiro: Freitas Bastos, 2005, p. 202.

Por esse novo papel do Estado Regulador se abandona o perfil autoritá- 15


Sabino Cassese chega a afirmar que
as entidades reguladoras independen-
rio em prol de uma maior interlocução do Poder Público com a sociedade. tes “não devem ponderar o interesse
público a elas confiado com outros
Enquanto na perspectiva do liberalismo compete ao poder público assegurar interesses públicos secundários, como
sucede em outros órgãos públicos que
as regras do jogo para livre afirmação das relações de mercado, e no modelo formam parte do Estado, começando,
social inverte-se este papel, de modo que a atividade estatal seja a provedora sobretudo, pelo governo.”. La globaliza-
ción..., p. 151.

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das necessidades coletivas, ao Estado neoliberal são exigidas funções de equa-


lização, mediação e arbitragem das relações econômicas e sociais, ponderados
os interesses em presença. 16
Nessa ordem de convicções, Marçal Justen Filho17 conclui que a concep-
ção regulatória retrata uma redução nas diversas dimensões da intervenção
estatal no âmbito econômico, incorporando uma concepção de subsidiarie-
dade. Isso importa reconhecer os princípios gerais da livre iniciativa e da livre
empresa, reservando-se ao Estado o instrumento da regulação como meio de
orientar a atuação dos particulares à realização de valores fundamentais.
A importância da função regulatória está em conformar a garantia de equi-
líbrio de um subsistema, por meio de mecanismos para sua efetividade com
vistas ao ajuste das oscilações econômicas, mesmo contra suas próprias regras.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

GUERRA, Sérgio. Discricionariedade e reflexividade: uma nova teoria sobre as


escolhas administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 73 a 105.

CASO GERADOR OPCIONAL:

A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro promulgou a lei nº


3.339, a qual concedeu gratuidade de transporte aos estudantes da rede pú-
blica de ensino, idosos e deficientes físicos no sistema ferroviário.
Ocorre que o referido serviço de transporte coletivo é objeto de contrato
de concessão entre o poder público e a iniciativa privada, à qual foi outorgada
a sua exploração, por meio de processo licitatório. Sendo assim, a concessio-
nária é remunerada mediante tarifa paga pelos usuários do serviço.
No entanto, considerando que referida lei não existia no momento da 16
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo.
A nova regulação dos serviços públicos.
celebração dos contratos de concessão, o custeio das gratuidades aprovadas Revista de direito administrativo, Rio de
Janeiro, v. 228, p. 13-29, abr./jun.2002.
pela Assembléia Legislativa não foi previsto pelos licitantes na elaboração de Denominando esse modelo como Esta-
suas propostas. do subsidiário, José Alfredo de Oliveira
Baracho denota que perseguindo os
Isso posto, relativamente à constitucionalidade da referida lei estadual: seus fins, harmoniza a liberdade auto-
nômica com a ordem social justa, com
(i) Quais os argumentos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio a finalidade de manter o desenvolvi-
mento de uma sociedade formada de
de Janeiro em favor da constitucionalidade da norma promulgada? autoridades plurais e diversificadas, re-
(ii) Como deve posicionar-se a Agência Reguladora de Serviços Públi- cusando o individualismo filosófico. Por
isso, a idéia de subsidiariedade aparece
cos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metrovi- como a solução intermediária entre o
Estado-providência e o Estado Liberal.
ários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro – AGETRANSP? BARACHO, José Alfredo. O princípio de
subsidiariedade: conceito e evolução. Rio
(iii) Que alegações poderão ser formuladas pelas associações de proteção de Janeiro: Forense, 2000, p. 88.
aos direitos dos estudantes? 17
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das
agências reguladoras independentes.
São Paulo: Dialética, 2002, p. 21.

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(iv) Como devem posicionar-se as associações de defesa dos usuários do


serviço público?
(v) Tem a concessionária algum pleito em razão da nova lei? Quais
seriam os argumentos em favor do ressarcimento das perdas de
receita?Poderá, a critério do Professor, ser realizado um role-play so-
bre a questão. O material para cada um dos interessados será distri-
buído em classe.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

BINEMBOJN, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janei-


ro: Renovar, 2006, capítulo II.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Juridicidade, pluralidade norma-
tiva, democracia e controle social. In: Mutações do direito público. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006, p. 27 e ss.

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AULAS 2 E 3: O DIREITO ADMINISTRATIVO NA ATUAL ORDEM


ECONÔMICA CONSTITUCIONAL: O ESTADO REGULADOR, O
PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO, AS REFORMAS
CONSTITUCIONAIS E AS PRIVATIZAÇÕES.

OBJETIVO:

Esclarecer a conformação atual da participação do Estado na Ordem Eco-


nômica e como as modificações introduzidas pela Constituição de 1988 in-
fluenciaram mudanças nas funções desempenhadas pela administração pú-
blica no tocante ao desempenho da atividade econômica.

INTRODUÇÃO:

A Constituição de 1988 e a participação do Estado na economia

A Constituição de 1988 constitui o ponto de partida para se compreender


as mudanças observadas na forma de participação do Estado na economia
nos últimos anos.
Neste aspecto, deve-se esclarecer que as formas e o grau de participação do
Estado na dinâmica econômica de um País dependem fundamentalmente do
tipo de organização expresso na Constituição Econômica, na qual se encon-
tra a determinação do regime básico de ordenação dos fatores de produção,
bem como seus princípios regedores e objetivos almejados.
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, quatro são os requisitos que
caracterizam uma ordem econômica com sendo “descentralizada” ou “de
mercado”: trata-se de uma economia multipolar, constituída por redes de
troca entre centros de produção, de oferta de fatores e de consumo, ligados
por uma solidariedade funcional; trata-se de uma economia de empresa, que
constitui uma “unidade econômica de produção que assegura a ligação entre
os mercados de bens e serviços (demanda de consumo final) e os mercados de
fatores de produção (trabalho e capital); trata-se de uma economia de cálcu-
los em moeda, sendo que os preços exprimem as tensões de escassez da vida
econômica, traduzem as necessidades e as pretensões entre as quais se instaura
um equilíbrio econômico; e trata-se de uma economia em que o Estado exer-
ce somente uma interferência indireta e global, podendo orientar, influenciar
a economia através de políticas, mas sem cunho determinante.18
A Constituição de 1988 adota o modelo de organização econômica capita- 18
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.
Direito constitucional econômico. São
lista, sendo a livre iniciativa princípio fundamental da República (art 1º, IV) e Paulo: Saraiva, 1990, p. 9. Ver também
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica
da Ordem Econômica (art. 170, caput); garantindo-se o direito de proprieda- na Constituição de 1988. 6a ed. São Pau-
de, inclusive dos bens de produção (arts. 5º, XII e 170, II) e; respeitando-se a lo: Malheiros, 2001.

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liberdade de atividade econômica independentemente de prévia autorização,


salvo nos casos previstos em lei (arts. 5º, XIII e 170, parágrafo único).19
O art. 173, caput, da Constituição consagra o princípio da subsidiariedade
da participação do Estado na atividade econômica:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a ex-


ploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida
quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Portanto, a Constituição determina que, como regra geral, o Estado se


abstenha de exercer diretamente atividade econômica. Para que possa de-
sempenhá-la, faz-se necessário que exista previsão constitucional, ou lei que
determine haver relevante interesse coletivo ou necessidade relacionada à se-
gurança nacional.
Sobre o princípio da subsidiariedade e sua aplicação na Ordem Econômi-
ca, expõe Alexandre Santos de Aragão:

Inserto no Princípio da Proporcionalidade, mais especificamen-


te em seu elemento necessidade, está o Princípio da Subsidiariedade,
que, na seara do Direito Econômico, impõe ao Estado que se abstenha
de intervir e de regular as atividades que possam ser satisfatoriamente
exercidas ou auto-reguladas pelos particulares em regime de liberdade.
Ou seja, à medida que os valores constitucionalmente assegurados não
sejam prejudicados, o Estado não deve restringir a liberdade dos agen-
tes econômicos e, caso seja necessário, deve fazê-lo da maneira menos
restritiva possível.20

A participação direta do Estado na atividade econômica, quando ad-


mitida, concretiza-se geralmente pela constituição de empresas públicas
e sociedades de economia mista, para as quais a Constituição previu um
regime jurídico próprio e aproximado daquele aplicável aos agentes pri-
vados, cujos princípios encontram-se estatuídos no art. 173, §1º, nos se-
guintes termos:

Art. 173. (...)


§1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da so-
ciedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem ativida-
de econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação 19
Direito constitucional econômico, ob.
cit., p. 9.
de serviços, dispondo sobre:
20
Agências reguladoras e a evolução
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela so- do direito administrativo econômico. 2ª
ciedade; edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 132.

FGV DIREITO RIO 12


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,


inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas
e tributários;
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações,
observados os princípios da administração pública;
IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administra-
ção e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade
dos administradores.21 21
Faz-se relevante mencionar que a
jurisprudência mitiga a equiparação
das empresas públicas e sociedades
Para uma melhor compreensão do papel do Estado face à atividade eco- de economia mista às pessoas jurídicas
de direito privado quando aquelas de-
nômica, não se pode desconsiderar que a Constituição de 1988 possui uma sempenham atividades consideradas
serviços públicos. Nesse sentido, veja-
plêiade de objetivos da República de conteúdo marcadamente redistributi- se decisão do Supremo Tribunal Federal
vo (art. 3º da Constituição de 1988)22, os quais vão reclamar uma atuação relativa à Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos, a qual, muito embora
positiva do Estado na seara econômica para a sua efetivação. Além disso, os apresente natureza jurídica de empresa
pública, goza de algumas prerrogati-
artigos 5o, XXIII e 170, III, da Constituição Federal determinam que a pro- vas inerentes à Fazenda Pública, em
consideração à relevância do serviço
priedade cumprirá função social23. Ademais, a livre concorrência como prin- público por ela prestado. Ver, a respei-
cípio fundador da Ordem Econômica (art. 170, IV) exige uma intervenção to, Recurso Extraordinário nº 229.696,
j. em 16.11.2000, Rel.do acórdão Min.
do Estado na prevenção e repressão do abuso do poder econômico (art. 174, Maurício Corrêa, maioria.
§3º, CF/88). 22
Dispõe o art. 3º da Constituição
Federal: “Constituem objetivos fun-
Em adição aos princípios supracitados, uma das chaves para guiar o esforço damentais da República Federativa
do Brasil: I – construir uma sociedade
de hermenêutica da Ordem Econômica é o artigo 174 da Constituição, o qual livre, justa e solidária; II – garantir o de-
se mostra bastante elucidativo no que tange ao papel conferido ao Estado na senvolvimento nacional; III – erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir
atividade econômica após a inauguração do novo regime constitucional: as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo,
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econô- cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”.
mica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, 23
Mesmo antes da promulgação da
incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público Constituição Federal de 1988, o profes-
sor Fábio Konder Comparato já ensinava
e indicativo para o setor privado. que: “Quando se fala em função social
da propriedade não se indicam as res-
trições ao uso e gozo dos bens próprios.
Interpretando-se esse artigo, observa-se que ao Estado é consagrado o pa- Essas últimas são limites negativos aos
direitos do proprietário. Mas a noção de
pel precípuo de agente normativo e regulador da atividade econômica, exer- função, no sentido em que é emprega-
do o termo nesta matéria, significa um
cendo as funções de incentivo, fiscalização e planejamento, na forma em que poder, mais especificamente, o poder
de dar ao objeto da propriedade des-
dispuser a lei. tino determinado, de vinculá-lo a certo
Ou seja, por um lado, o Poder Constituinte não previu a prestação direta objetivo. O adjetivo social mostra que
esse objetivo corresponde ao interesse
da atividade econômica como função primordial do Estado (art. 173, caput, coletivo e não ao interesse próprio do
dominus; o que não significa que não
CRFB/88); por outro lado, conferiu-lhe amplos instrumentos de interven- possa haver harmonização entre um
ção indireta, mediante, por exemplo, das funções de planejamento e regula- e outro. Mas, de qualquer modo, se se
está diante de um interesse coletivo,
ção. Nesse sentido, cumpre esclarecer que, ao transferir algumas atividades essa função social da propriedade cor-
responde a um poder-dever do proprie-
de utilidade pública à execução por particulares, por meio do processo de tário, sancionável pela ordem jurídica.”
COMPARATO, Fábio Konder. Função
desestatização, o Estado brasileiro não deixou de possuir profunda influência social da propriedade dos bens de pro-
sobre a atividade econômica, mas sua tradicional participação direta (como dução. In Revista de Direito Mercantil.
São Paulo: Malheiros, n. 63, p. 73.

FGV DIREITO RIO 13


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Estado-empresário) foi substituída por uma intervenção primordialmente de


direção ou indução24.
Portanto, encontra-se no artigo 174 da Constituição Federal uma previsão
genérica de ordenação da economia pelo Estado, baseada no exercício do
poder-dever fiscalizatório, normativo e sancionador, no qual pode ser ante-
visto o embrião do futuro desmembramento dessas competências nos orde-
namentos setoriais regulatórios, hoje personificados na figura das agências
reguladoras, que serão estudadas adiante neste Curso.

O Programa Nacional de Desestatização

Com a instituição de uma filosofia neoliberal/regulatória na matriz cons-


titucional brasileira, implementou-se no país um amplo processo de deses-
tatização, considerando-o como sendo a retirada da presença do Estado de
atividades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da
livre iniciativa) ou de setores onde ela possa atuar com maior eficiência (prin-
cípio da economicidade).
Assim, a partir do arcabouço constitucional supracitado, em 1990 foi cria-
do o Programa Nacional de Desestatização (“PND”), por intermédio da Me-
dida Provisória nº 155/1990, posteriormente convertida na Lei nº 8.031, de
12.04.1990. Nos termos desta Lei, a desestatização compreende a alienação,
pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou por meio de outras
controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maio-
ria dos administradores da sociedade; e a transferência, para a iniciativa privada,
da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou por
meio de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade.
Até os anos 90, as atividades relacionadas aos setores de infra-estrutura
eram executadas basicamente por empresas públicas e sociedades de econo-
mia mista, sendo a regulação e gerência dos setores de infra-estrutura atri-
buída a departamentos ministeriais diretamente subordinados aos ministros
de Estado.25 Armando Castelar Pinheiro26 comenta que tais departamentos
apresentavam as seguintes características, as quais contribuíram significati-
vamente para o cenário de ineficiência acima descrito: (i) não eram inde-
pendentes do governo; (ii) mostravam-se capturados pelos agentes do setor 24
A terminologia é de Eros Roberto
(as chamadas “estatais”) e (iii) não possuíam competência no que concerne Grau. A ordem econômica na Constitui-
ção de 1988, ob. cit., p. 169.
à determinação das tarifas, as quais eram fixadas pelo ministro da Fazenda 25
No caso do setor elétrico, tinha-se o
como parte da política macroeconômica pretendida. Eram também comuns Departamento Nacional de Energia Elé-
trica – DNAEE, órgão do Ministério das
as práticas de subsídios cruzados entre diferentes segmentos de uma mes- Minas e Energia.

ma atividade, assim como o recurso a empréstimos externos garantidos pelo 26


PINHEIRO, Armando Castelar. “Re-
gulatory Reform in Brazilian Infras-
governo, os quais permitiam manter as tarifas artificialmente baixas, dentre tructure: Where do We Stand?” Rio de
Janeiro, IPEA, Texto para discussão nº
outros mecanismos que impediam a auto-suficiência dos agentes setoriais e, 964, maio de 2003, p. 7. Disponível em
conseqüentemente, o seu funcionamento em bases de mercado. http://www.ipea.gov.br, consultada
em 13.02.2005.

FGV DIREITO RIO 14


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Na verdade, como leciona Vital Moreira, o processo de privatização pode


conduzir ao estabelecimento de esquemas reguladores que a anterior proprie-
dade pública permitia dispensar. Muitos dos serviços públicos geridos pelo
Estado começaram por ser serviços públicos concedidos altamente regulados,
de modo que o binômio privatização/regulação significa, de certa maneira,
retorno às origens.27 Com o diagnóstico acima descrito, não é surpreendente
que, em 1988, o Constituinte brasileiro e, posteriormente, o Poder Consti-
tuinte Derivado (por emendas constitucionais) tenham pretendido inaugu-
rar uma nova forma de participação estatal na vida econômica, conforme a
seguir detalhado.

As Emendas Constitucionais de 1995

Os modelos econômicos experimentados no mundo, o Liberal e o In-


tervencionista, não lograram êxito no bem mais precioso a ser protegido:
o bem-estar e a dignidade da pessoa humana. 28 Versando sobre a políti-
ca de retirada do Estado da execução direta das atividades econômicas na
persecução do bem-estar social, Alexandre Santos de Aragão, com arrimo
em Carlos Antonio Espinoza Pérez, denota que apesar dessa política de-
terminar sempre um certo grau de intervenção dos poderes públicos, não
é incompatível com a intervenção norteada pela idéia de subsidiariedade
enquanto princípio normativo.29
Assim, se o Estado Democrático impõe a garantia das condições básicas de
dignidade da pessoa humana, isto não significa necessariamente que tenha de
ser apenas o próprio Estado a realizar este objetivo. Desde que seja concreti-
zado o fim do bem-estar e considerando que não há mais a separação absoluta
entre Estado e sociedade, pode dizer-se que estão abertos vários caminhos,
tanto o de um relativo absenteísmo do Estado, como o da sua intervenção
direta na economia.30 Desse modo, é judicioso o entendimento esposado por 27
Auto-regulação profissional e admi-
nistração pública. Lisboa: Almedina,
João Bosco Leopoldino da Fonseca, no sentido de que a intervenção do Es- 1997, p. 38.

tado no domínio econômico atua de forma pendular. 31 Vale dizer, a períodos 28


Nas palavras de Carlos Ari Sundfeld,
“modernamente, a interferência estatal
em que se sustenta o absenteísmo do Estado da esfera econômica sucedem- se intensificou e mudou de qualidade,
por conta da superação do liberalismo
se outros em que se deseja e se exige que o Estado intervenha, e até mesmo clássico. O Estado Social, mais do que
atue, no domínio econômico. Em movimento de ordem inversa, a períodos pretender a harmonização dos direitos
individuais, impõe projetos a serem
em que o Estado interveio e atuou no domínio econômico, às vezes mesmo implementados coletivamente: o
desenvolvimento nacional, a redução
de forma excessiva, sucedem-se outros em que se defende e se impõe uma das desigualdades, a proteção do meio
ambiente, a preservação do patrimônio
retração, uma retirada. histórico”. Direito administrativo orde-
Nesse contexto, o Executivo Federal iniciou o processo de privatizações nador. 1ªed. 3ª tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 14.
brasileiro com a edição da Lei nº 8.031/1990, promulgada na gestão do pre- 29
Agências reguladoras e a evolução...,
sidente Fernando Collor de Melo. Em 1995, notadamente com a promul- cit., p. 62.

gação de Emendas Constitucionais, o Estado pode avançar com a desesta- 30


Idem.

tização. Sobre a necessidade de reforma constitucional para o atingimento 31


Direito econômico. 4ª ed. Rio de Janei-
ro: Forense, 2002, p. 102.

FGV DIREITO RIO 15


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

dessa política absenteísta, de fato ocorrida em 1995, é digno de menção o


posicionamento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

“Dois são os temas de reforma: o da ordem econômica e o da or-


dem financeira. Com relação à necessidade de rever-se o capítulo da
ordem econômica basta lembrar da Constituição de 1967-1969, dita
estatizante e autocrática, era menos regulatória da economia e menos
monopolista que a Constituição de 1988. Passamos de sete para mais
de vinte modalidades de intervenção regulatória e de uma para seis
previsões de intervenções monopolistas. Houve, portanto, um retro-
cesso. (...) O Estado, ao imiscuir-se na ordem econômica para com-
petir com a sociedade ou para se substituir a ela com exclusividade,
ou seja, nas modalidades de intervenção concorrencial e monopolista,
se afasta do exercício regular de seu poder coercitivo, do qual detém
o monopólio, para ser mais apenas uma empresa ou mais um concor-
rente. Com isso, ele perde suas características públicas. O Estado se
privatiza, perdendo de vista os interesses gerais, que lhes são próprios,
para ter interesses privados. Além de não existirem mais recursos para
recapitalizar as empresas do Estado, escasseiam também os recursos
para o desempenho de suas atividades públicas: o Estado privatizado
acaba se despublicizando”.32

E conclui que

“privatizar torna-se necessário para republicizar o Estado: fazê-


lo retornar às prestações que só ele pode fazer numa sociedade;
dar-lhe segurança jurídica, segurança física, segurança social, nos
campos da saúde e da educação, e, tão negligenciado, dar-lhe se-
gurança monetária, uma moeda estável, inconspurcada pelas emis-
sões inflacionárias, essa modalidade imoral de obter recursos sem 32
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
tributo, ou o que é pior, sem o respeito às reservas e condicionantes Reforma da ordem econômica e finan-
ceira. Cadernos de Direito Constitucional
tributários”.33 e Ciência Política. São Paulo, v. 3, n. 9, p.
22-25, out/dez. 1994.
33
Idem. Em sentido oposto a esse ra-
As Emendas Constitucionais cujas matérias estão voltadas à nova política ciocínio, Paulo Bonavides assevera que
de retirada do Estado da execução direta das atividades econômicas são as “todas essas Emendas constitucionali-
zam a dependência do País, um crime
de nº 5, de 15 de agosto de 1995, que transferiu aos Estados a competência que jamais a ditadura militar de 1964
ousou perpetrar, pois os seus generais-
para a exploração diretamente, ou mediante concessão, dos serviços públi- presidentes – faça-se-lhes justiça –
cos de distribuição de gás canalizado; nº 6, de 15 de agosto de 1995, que eram quase todos nacionalistas. Aceito
e aplaudido por algumas elites como o
pôs fim à distinção entre o capital nacional e o estrangeiro; nº 7, de 15 de determinismo deste fim de século, o ne-
oliberalismo arvora a ideologia de sujei-
agosto de 1995, que tratou da abertura para navegação de cabotagem; nº 8, ção, para coroar, como uma fatalidade,
a abdicação, nos mercados globais, da
de 15 de agosto de 1995, que flexibilizou o monopólio dos serviços de tele- independência econômica do País”. Cur-
comunicações e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; e nº 9, de 9 de so de direito constitucional. 12a ed. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 613.

FGV DIREITO RIO 16


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

novembro de 1995, que flexibilizou o monopólio da exploração do petróleo 34


Segundo dados obtidos no BNDES
e do gás natural. (www.bndes.gov.br/privatizacao
acesso em 31 de julho de 2003), entre
-

A desestatização implementada no país foi executada mediante várias 1990 e 1992 foram incluídas sessenta
e oito empresas no PND, das quais de-
modalidades34: alienação de participação societária detida pelo Estado, in- zoito foram desestatizadas, com a arre-
cadação de cerca de quatro bilhões de
clusive de controle acionário; abertura de capital; aumento de capital, com dólares norte-americanos, em grande
renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição; alienação, parte através de títulos representati-
vos da dívida pública federal. Nos três
arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; dissolu- primeiros anos do PND a estratégia
governamental constituiu-se em con-
ção de sociedades ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a centrar esforços na venda de estatais
produtivas, pertencentes a setores
conseqüente alienação de seus ativos; e concessão, permissão ou autoriza- anteriormente estratégicos para o de-
ção de serviços públicos.35 Conforme visto, o programa de desestatização senvolvimento do País, tais como com-
panhias siderúrgicas, petroquímicas e
fez-se acompanhar da instituição de toda uma estrutura reguladora por de fertilizantes. Em 1993 e 1994 inten-
sificou-se o processo de transferência
parte do Estado, sendo relevante, por conseguinte, estudar o significado de empresas produtivas ao setor pri-
da regulação do Estado sobre a atividade econômica, a partir das conside- vado, concluindo-se a privatização das
empresas siderúrgicas. Nesse período
rações a seguir tecidas. foram desestatizadas quinze empresas,
com a arrecadação de cerca de quatro
Segundo dados obtidos no BNDES (www.bndes.gov.br/privatizacao - e meio bilhões de dólares norte-ame-
ricanos, em sua maior parte em mo-
acesso em 31 de julho de 2003), entre 1990 e 1992 foram incluídas sessen- eda corrente. Em março de 1994, pelo
ta e oito empresas no PND, das quais dezoito foram desestatizadas, com Decreto nº 1.068 o Executivo Federal
incluiu no PND as participações societá-
a arrecadação de cerca de quatro bilhões de dólares norte-americanos, em rias minoritárias detidas por fundações,
autarquias, empresas públicas, socie-
grande parte através de títulos representativos da dívida pública federal. dades de economia mista e quaisquer
Nos três primeiros anos do PND a estratégia governamental constituiu- outras sociedades controladas, direta
ou indiretamente, pela União Federal.
se em concentrar esforços na venda de estatais produtivas, pertencentes Com a eleição do Presidente Fernando
Henrique Cardoso em 1995 houve uma
a setores anteriormente estratégicos para o desenvolvimento do País, tais intensificação nas privatizações. O PND
foi apontado como sendo um dos prin-
como companhias siderúrgicas, petroquímicas e de fertilizantes. Em 1993 cipais instrumentos do Programa Dire-
e 1994 intensificou-se o processo de transferência de empresas produtivas tor da Reforma do Aparelho do Estado.
Entre 1995 e 1996, após significativas
ao setor privado, concluindo-se a privatização das empresas siderúrgicas. alterações da matriz constitucional
mediante a flexibilização dos serviços
Nesse período foram desestatizadas quinze empresas, com a arrecadação de de telecomunicações e do monopólio
da exploração do petróleo e do gás
cerca de quatro e meio bilhões de dólares norte-americanos, em sua maior natural, dentre outras, e com a edição
parte em moeda corrente. Em março de 1994, pelo Decreto nº 1.068 o de lei específica acerca da concessão e
permissão dos serviços públicos (Lei nº
Executivo Federal incluiu no PND as participações societárias minoritá- 8.987/95), iniciou-se uma nova fase do
PND, em que os serviços públicos foram
rias detidas por fundações, autarquias, empresas públicas, sociedades de sendo concedidos à iniciativa privada,
economia mista e quaisquer outras sociedades controladas, direta ou in- com destaque para o setor elétrico, de
transportes e telecomunicações. É re-
diretamente, pela União Federal. Com a eleição do Presidente Fernando levante registrar que em 1997 ocorreu
um dos grandes marcos do PND, com
Henrique Cardoso em 1995 houve uma intensificação nas privatizações. a venda das ações da Companhia Vale
do Rio Doce - CVRD, num processo de
O PND foi apontado como sendo um dos principais instrumentos do Pro- desestatização pautado por intensa
grama Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Entre 1995 e 1996, após batalha de liminares judiciais. Com a
privatização da Companhia Vale do
significativas alterações da matriz constitucional mediante a flexibilização Rio Doce encerrou-se praticamente a
transferência à iniciativa privada das
dos serviços de telecomunicações e do monopólio da exploração do petró- empresas industriais e o início de uma
leo e do gás natural, dentre outras, e com a edição de lei específica acerca da nova fase, cujo foco principal foi a pri-
vatização de empresas ligadas à área
concessão e permissão dos serviços públicos (Lei nº 8.987/95), iniciou-se de infra-estrutura e as concessões de
serviços públicos. Além da privatiza-
uma nova fase do PND, em que os serviços públicos foram sendo concedi- ção da CVRD, merece destaque, ainda,
o término da desestatização da Rede
dos à iniciativa privada, com destaque para o setor elétrico, de transportes Ferroviária Federal – RFFSA, com a
e telecomunicações. É relevante registrar que em 1997 ocorreu um dos venda da malha Nordeste e o leilão de
sobras de 14,65% das ações ordinárias

FGV DIREITO RIO 17


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

grandes marcos do PND, com a venda das ações da Companhia Vale do da Companhia Espírito Santo Centrais
Rio Doce - CVRD, num processo de desestatização pautado por intensa Elétricas - Escelsa. Nesse ano também
foi realizada a primeira privatização no
batalha de liminares judiciais. Com a privatização da Companhia Vale do setor financeiro, envolvendo as ações
do Banco Meridional do Brasil S/A. Em
Rio Doce encerrou-se praticamente a transferência à iniciativa privada das 16 de julho de 1997 foi editada a Lei nº
9.472, a Lei Geral de Telecomunicações,
empresas industriais e o início de uma nova fase, cujo foco principal foi a tornando-se possível o processo de pri-
privatização de empresas ligadas à área de infra-estrutura e as concessões de vatização do setor de telecomunicações,
no qual foram licitadas concessões de
serviços públicos. Além da privatização da CVRD, merece destaque, ainda, telefonia móvel celular para três áreas
do território nacional. Em julho de 1998
o término da desestatização da Rede Ferroviária Federal – RFFSA, com a o governo federal alienou as ações das
doze holdings, criadas a partir da cisão
venda da malha Nordeste e o leilão de sobras de 14,65% das ações ordiná- do Sistema Telebrás, representando a
rias da Companhia Espírito Santo Centrais Elétricas - Escelsa. Nesse ano transferência à iniciativa privada das
Empresas de Telefonia Fixa e de Longa
também foi realizada a primeira privatização no setor financeiro, envolven- Distância, bem como das empresas de
Telefonia Celular-Banda A. O resultado
do as ações do Banco Meridional do Brasil S/A. Em 16 de julho de 1997 financeiro com a venda das ações des-
foi editada a Lei nº 9.472, a Lei Geral de Telecomunicações, tornando-se sas doze empresas somou 22.057 mi-
lhões de reais, sendo que o ágio médio
possível o processo de privatização do setor de telecomunicações, no qual foi de 53,74% sobre o preço mínimo. Foi
transferida para a iniciativa privada a
foram licitadas concessões de telefonia móvel celular para três áreas do ter- exploração do Terminal de Contêineres
do Porto de Sepetiba (Tecon 1), da Cia.
ritório nacional. Em julho de 1998 o governo federal alienou as ações das Docas do Rio de Janeiro, do Cais de Paul
doze holdings, criadas a partir da cisão do Sistema Telebrás, representando e do Cais de Capuaba (Cia. Docas do Es-
pírito Santo-CODESA), Terminal roll-on
a transferência à iniciativa privada das Empresas de Telefonia Fixa e de roll-off (CDRJ) e Porto de Angra dos Reis
(CDRJ). No setor elétrico foi realizada a
Longa Distância, bem como das empresas de Telefonia Celular-Banda A. venda das ações de emissão da Compa-
O resultado financeiro com a venda das ações dessas doze empresas somou nhia Centrais Elétricas Geradoras do Sul
S/A - GERASUL, após a cisão efetivada
22.057 milhões de reais, sendo que o ágio médio foi de 53,74% sobre o em 29 de abril de 1998. A arrecada-
ção foi de 800,4 milhões de dólares
preço mínimo. Foi transferida para a iniciativa privada a exploração do norte-americanos, pagos totalmente
em moeda corrente. Em 1999 o gover-
Terminal de Contêineres do Porto de Sepetiba (Tecon 1), da Cia. Docas no arrecadou 128 milhões de dólares
do Rio de Janeiro, do Cais de Paul e do Cais de Capuaba (Cia. Docas do norte-americanos com a outorga das
concessões para exploração de quatro
Espírito Santo-CODESACODESA), Terminal roll-on roll-off (CDRJ) e áreas de telefonia fixa das empresas es-
pelho que fazem concorrência às atuais
Porto de Angra dos Reis (CDRJ). No setor elétrico foi realizada a venda das companhias de Telecomunicações. Em
23 de junho daquele ano foi realizada a
ações de emissão da Companhia Centrais Elétricas Geradoras do Sul S/A venda da Datamec S.A - Sistemas e Pro-
- GERASULGERASUL, após a cisão efetivada em 29 de abril de 1998. A cessamento de Dados, empresa do setor
de Informática, que foi adquirida pela
arrecadação foi de 800,4 milhões de dólares norte-americanos, pagos total- Unisys Brasil S.A pelo preço mínimo de
47,29 milhões de dólares norte-ame-
mente em moeda corrente. Em 1999 o governo arrecadou 128 milhões de ricanos. O Porto de Salvador (CODEBA)
dólares norte-americanos com a outorga das concessões para exploração de foi adquirido em 21 de dezembro pela
Wilport Operadores Portuários pelo
quatro áreas de telefonia fixa das empresas espelho que fazem concorrência preço mínimo de 21 milhões de dólares
norte-americanos. O resultado obtido
às atuais companhias de Telecomunicações. Em 23 de junho daquele ano com o Programa Nacional de Desestati-
zação no ano 2000 atingiu cerca de 7,7
foi realizada a venda da Datamec S.A - Sistemas e Processamento de Da- bilhões de dólares norte-americanos,
dos, empresa do setor de Informática, que foi adquirida pela Unisys Brasil representando, assim, a maior receita
anual já auferida pelo Programa desde
S.A pelo preço mínimo de 47,29 milhões de dólares norte-americanos. O o seu início. O destaque no ano consis-
tiu na venda das ações que excediam o
Porto de Salvador (CODEBACODEBA) foi adquirido em 21 de dezembro controle acionário detido pela União na
pela Wilport Operadores Portuários pelo preço mínimo de 21 milhões de Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás, e a
desestatização do Banco do Estado de
dólares norte-americanos. O resultado obtido com o Programa Nacional de São Paulo S.A – Banespa. A conclusão
da mega operação de venda, no Brasil
Desestatização no ano 2000 atingiu cerca de 7,7 bilhões de dólares norte- e no exterior, das ações da Petrobrás
ocorreu em 09 de agosto daquele ano e
americanos, representando, assim, a maior receita anual já auferida pelo o valor total auferido foi de 4 bilhões de
Programa desde o seu início. O destaque no ano consistiu na venda das dólares norte-americanos. Observe-se
que se tratou de operação pioneira em

FGV DIREITO RIO 18


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ações que excediam o controle acionário detido pela União na Petróleo Bra- que, pela primeira vez foram aceitos re-
cursos do FGTS na aquisição das ações.
sileiro S.A. – Petrobrás, e a desestatização do Banco do Estado de São Paulo Do mesmo modo, merece destaque a
alienação das ações do Banco do Estado
S.A – Banespa. A conclusão da mega operação de venda, no Brasil e no ex- de São Paulo – Banespa, realizada em
20 de novembro. Nessa operação o ban-
terior, das ações da Petrobrás ocorreu em 09 de agosto daquele ano e o va- co espanhol Santander Central Hispano
lor total auferido foi de 4 bilhões de dólares norte-americanos. Observe-se adquiriu 60% do capital votante do
Banespa por 7 bilhões de reais, corres-
que se tratou de operação pioneira em que, pela primeira vez foram aceitos pondendo a um ágio de 281% em rela-
ção ao preço mínimo de 1,8 bilhões de
recursos do FGTSFGTS na aquisição das ações. Do mesmo modo, merece reais. Foram realizadas no ano de 2000
destaque a alienação das ações do Banco do Estado de São Paulo – Banespa, vendas de participações minoritárias da
União incluídas no PND no âmbito do
realizada em 20 de novembro. Nessa operação o banco espanhol Santan- Decreto 1068/94, bem como licitadas,
pela Agência Nacional de Energia Elétri-
der Central Hispano adquiriu 60% do capital votante do Banespa por 7 ca - ANEEL, concessões para exploração
de novos aproveitamentos hidrelétricos
bilhões de reais, correspondendo a um ágio de 281% em relação ao preço e de novas linhas de transmissão. No
mínimo de 1,8 bilhões de reais. Foram realizadas no ano de 2000 vendas ano 2001 foram realizados dois leilões
de concessão dos serviços de telefonia
de participações minoritárias da União incluídas no PND no âmbito do celular para as Bandas D e E. As Áreas
2 e 3 da Banda D e Área 1 da Banda E,
Decreto 1068/94, bem como licitadas, pela Agência Nacional de Energia foram vendidas para a Telecom Itália,
Elétrica - ANEEL, concessões para exploração de novos aproveitamentos representando, respectivamente, 543
milhões de reais, com ágio de 0,56%,
hidrelétricos e de novas linhas de transmissão. No ano 2001 foram realiza- 997 milhões de reais, com ágio de
40,42% e 990 milhões de reais, com
dos dois leilões de concessão dos serviços de telefonia celular para as Bandas ágio de 5,3%. A Área 2 da Banda D foi
arrematada pela Telemar, pelo valor
D e E. As Áreas 2 e 3 da Banda D e Área 1 da Banda E, foram vendidas de 1.102 milhões de reais, com ágio de
para a Telecom Itália, representando, respectivamente, 543 milhões de re- 17,3%, e as Áreas 2 e 3 da Banda E não
tiveram lances ofertados no dia do lei-
ais, com ágio de 0,56%, 997 milhões de reais, com ágio de 40,42% e 990 lão. Em 30 de abril de 2001 foi realizado
leilão de ações, no âmbito do Decreto
milhões de reais, com ágio de 5,3%. A Área 2 da Banda D foi arrematada 1.068/94, totalizando 26 milhões de
reais, e, em 18 de julho encerrou-se a
pela Telemar, pelo valor de 1.102 milhões de reais, com ágio de 17,3%, e oferta pública, no Brasil e no exterior,
as Áreas 2 e 3 da Banda E não tiveram lances ofertados no dia do leilão. de 41.381.826 ações preferenciais da
Petrobrás, representativas de 3,5% do
Em 30 de abril de 2001 foi realizado leilão de ações, no âmbito do Decreto seu capital total, perfazendo com a
venda um total de 808,3 milhões de dó-
1.068/94, totalizando 26 milhões de reais, e, em 18 de julho encerrou-se a lares norte-americanos. Em janeiro de
oferta pública, no Brasil e no exterior, de 41.381.826 ações preferenciais da 2002 foi privatizado o Banco do Estado
do Amazonas – BEA, por 76,8 milhões
Petrobrás, representativas de 3,5% do seu capital total, perfazendo com a de dólares norte-americanos.

venda um total de 808,3 milhões de dólares norte-americanos. Em janeiro 35


Bem a propósito, o Programa Nacional
de Desestatização foi objeto de amplo
de 2002 foi privatizado o Banco do Estado do Amazonas – BEA, por 76,8 questionamento perante os Tribunais
Superiores, onde destacamos o acórdão
milhões de dólares norte-americanos. do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal
Federal, na ADIN 1078/RJ, julgada em
11 de maio de 1994, que confirmou a
constitucionalidade das privatizações,
em textual: Ação Direta De Inconstitu-
cionalidade. Medida Cautelar. Medida
Regulação da atividade econômica Provisória n. 506, de 25/5/1994, art. 1º,
e Decretos n.s 427, de 16/01/1992; 473,
de 10/3/1992, e 572, de 22/6/1992,
todos concernentes ao Programa Na-
A terminologia “regulação da atividade econômica” apresenta mais de um cional de Desestatização, regulado pela
Lei nº 8.031, de 12/4/1990. 2. Alegação
sentido, dependendo do contexto em que for utilizada. Com efeito, o termo de ofensa ao art. 21, XII, 171, II e 176,
pode ser interpretado tanto como significando um conjunto de atividades par. 1.. da Constituição. 3. Não conhe-
cimento da ação, relativamente aos
estatais voltadas à regulamentação de um determinado setor específico da decretos n.s 427, 473 e 572, todos de
1992, por não serem atos normativos,
economia (como, por exemplo, os setores de telecomunicações, energia, se- mas, tão-só, atos administrativos indi-
viduais e concretos. 4. Diante da viabi-
guros de saúde, petróleo, dentre outros), mas também como o conjunto das lidade de privatização de entidades da
atividades estatais voltadas à fiscalização e regulamentação sobre a generali- administração indireta, no sistema da
Constituição, a Lei nº 8.031, de 1990,

FGV DIREITO RIO 19


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

dade dos agentes da economia, como é o caso das atividades exercidas pelos
órgãos ambientais e de defesa da concorrência.36 Espelhando a pluralidade de
significados que o termo pode abarcar, observa Vital Moreira:

Quanto à amplitude do conceito, aparecem-nos três concepções de


regulação: (a) em sentido amplo, é toda forma de intervenção do Estado
na economia, independentemente de seus instrumentos e fins; (b) num
sentido menos abrangente, é a intervenção estatal na economia por instituiu o Programa Nacional de De-
sestatização, cujas modificações pode-
outras formas que não a participação direta na atividade econômica, rão ser feitas por lei, de acordo com a
política da administração a ser seguida,
equivalendo, portanto, ao condicionamento, coordenação e disciplina respeitadas as normas da Constituição.
da atividade econômica privada; (c) num sentido restrito, é somente o 5. Os fundamentos da inicial não justi-
ficam a concessão da cautelar, não se
condicionamento normativo da atividade econômica privada (por via caracterizando, também, o “periculum
in mora”. 6. Se porventura houver pro-
de lei ou outro instrumento normativo).37 cesso de privatização de empresa, que
se tenha como contrário à lei especial
referida ou aos princípios da Constitui-
Dessa forma, a atividade estatal de regulação, em seu sentido mais técnico ção, há vias judiciais adequadas, para
eventualmente atacar o ato adminis-
e restrito, constitui uma espécie do gênero intervenção estatal na economia, trativo especifico, tal como já sucedeu.
7. Ação conhecida, em parte, e, nessa
diferindo, todavia, da participação direta do Estado, tanto no que tange aos parte, indeferida a medida cautelar.
seus pressupostos, quanto aos seus objetivos e instrumentos. Nesse sentido, 36
SUNDFELD, Carlos Ari. “Introdução às
Agências Reguladoras”. In SUNDFELD,
expõe Marçal Justen Filho: Carlos Ari (coord.). Direito Administra-
tivo Econômico. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 18. Explica ainda o autor: “A
A regulação econômico-social consiste na atividade estatal de in- regulação, enquanto espécie de in-
tervenção estatal, manifesta-se tanto
tervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, por poderes e ações com objetivos
claramente econômicos (o controle de
de modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de concentrações empresariais, a repres-
governo e a realização dos direitos fundamentais.38 são de infrações à ordem econômica, o
controle de preços e tarifas, a admissão
de novos agentes no mercado) como
por outros de justificativas diversas,
A regulação estatal da atividade econômica, longe de diminuir a impor- mas de efeitos econômicos inevitáveis
tância da participação do Estado na economia, apenas lhe confere uma nova (medidas ambientais, urbanísticas, de
normalização, de disciplina das profis-
dimensão. O Estado deixa de ter uma função eminentemente empresarial, sões etc.).” Ob. Cit., loc. cit.

para passar a atuar principalmente de forma indireta, como ente fomentador, 37


MOREIRA, Vital. Auto-regulação
profissional e administração pública.
regulador, mediador, fiscalizador e planejador da vida econômica. Coimbra: Almedina, 1997, p. 35. Co-
mumente, a doutrina administrativista
Conforme visto, a partir dessa mudança de perspectiva iniciada com a utiliza a terminologia em seu segundo
Constituição de 1988 e reforçada após as Emendas Constitucionais que pro- significado.

piciaram o processo de desestatização39, ganha ênfase, no Brasil, a figura do 38


JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direi-
to administrativo. São Paulo: Saraiva,
Estado regulador, cuja atuação, em sentido bastante amplo, é assim definida 2005, p. 447.

por Alexandre Santos de Aragão: 39


Marcos Juruena Villela Souto define o
processo de desestatização nos seguin-
tes termos: “É a retirada do Estado de
atividades reservadas constitucional-
A regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, mente à iniciativa privada (princípio da
administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o livre iniciativa) ou de setores em que ela
possa atuar com maior eficiência (prin-
Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indu- cípio da economicidade); é o gênero do
qual são espécies a privatização, a con-
tiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes cessão, a permissão, a terceirização e a
gestão associada de funções públicas”.
econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito
da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis. administrativo da economia. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen Iuris, 2003, p. 147.

FGV DIREITO RIO 20


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

É nesta perspectiva que o jurista, as entidades e os órgãos reguladores devem


estar atentos para paradigmas regulatórios como a administrativização, fluidez,
consensualidade, reflexibilidade, consensualismo, valorização dos resultados
em relação aos meios, permeabilidade aos demais subsistemas sociais, etc.

A função reguladora da economia pelo Estado possui muitas e complexas


faces, donde a importância de a interpretação dos atos estatais nessa seara ser
realizada em consonância com os valores mencionados pelo autor.

Regulação, desregulação, auto-regulação

Para uma melhor compreensão dos fundamentos jurídicos da regulação


econômica, mostra-se relevante proceder à diferenciação de conceitos nem
sempre utilizados com o devido rigor científico.
A auto-regulação diz respeito àquelas atividades nas quais os agentes que
a desempenham se auto-impõem o dever de obediência a determinadas nor-
mas, estabelecidas por uma entidade reconhecida pelo grupo como legítima.
Constituem exemplos clássicos de auto-regulação as normas ditadas por con-
selhos de organizações profissionais, tais como a Ordem dos Advogados do
Brasil e o Conselho Federal de Medicina.
A desregulação, por sua vez, refere-se às ocasiões em que o Estado deixa
de intervir sobre o mercado. Assim, a desregulação refere-se a um processo
de redução de normas cogentes sobre determinada atividade (estatais ou não,
como as auto-impostas por associações ou outros entes institucionais), que
passa então a reger-se basicamente pelo princípio da livre iniciativa e da liber-
dade de concorrência.40
Dessa forma, não se mostra correto equiparar os fenômenos “delegação
da prestação de serviço público a particulares” e “desregulação”, pois que, no
primeiro caso, o Estado não busca se retirar da atividade econômica, mas sim
modificar a sua forma de atuação, passando a agir como gestor – e não mais
agente – da atividade econômica.
Por conseguinte, a regulação econômica pelo Estado se diferencia de am-
bos os fenômenos, conforme já acima introduzido e adiante detalhado.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Ma-


lheiros, 2005, cap. X (“Tipos de atividade administrativa: a regulação
econômico-social”).
40
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
GUERRA, Sergio. Introdução ao direito das agências reguladoras. Rio de Janei- cias reguladoras e a evolução do direito
ro: Freitas Bastos, 2004, pp. 1 a 10. administrativo econômico. 2a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 31.

FGV DIREITO RIO 21


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CASO GERADOR 1:

A TERMOPAR S.A., com sede no Estado do Paraná, é uma empresa


pública federal, extremamente produtiva e cujos funcionários encontram-se
satisfeitos com as funções que lhes são atribuídas e a remuneração recebida.
Em que pese a situação favorável, o governo federal, na qualidade de úni-
co acionista da TERMOPAR, decidiu incluir a TERMOPAR no Programa
Nacional de Desestatização.
Revoltados e com o apoio do sindicato dos trabalhadores, os funcioná-
rios fazem manifestações públicas contrárias à privatização da TERMOPAR.
Diante da decisão governamental de seguir com a privatização, o sindicato
ingressa com ação direta de inconstitucionalidade contra a medida provisória
concernente à privatização da empresa, sob alegação de violação aos artigos
21, XII; 171, II (à época em vigor, ora já revogado) e 176, §1º, todos da
Constituição Federal.
Na sua opinião, como deveria ter sido decidida a ADIn? A sua resposta
seria diferente caso a TERMOPAR estivesse deficitária?41
(Ref. ADIN 1078/RJ, julgada em 11 de maio de 1994, Anexo I a esta
apostila)

CASO GERADOR 2:

O grupo inglês ABC Power possui ampla experiência no fornecimento de


energia elétrica no seu país de origem e internacionalmente, atuando na gera-
ção de energia e na construção de redes de alta tensão há quase um século.
Determinado a expandir seus negócios para países emergentes, em bus-
ca de novos mercados promissores, o Grupo ABC Power considera o Brasil
como uma das possibilidades para seus novos investimentos, uma vez que
teve notícias de que, desde 1995, o país inaugurou uma nova fase na partici-
pação do Estado na economia, especialmente nos setores de infra-estrutura.
Segundo notícias, o governo brasileiro teria implementado reformas no in-
tuito de melhorar o marco regulatório e atrair novos investimentos.
Idealmente, o Grupo ABC Power gostaria de iniciar as suas atividades
com a implantação de um novo projeto termelétrico no Nordeste, pois lhe foi
informado que o Brasil possui um programa de apoio governamental a essa
modalidade de empreendimento.
Entretanto, o Conselho de Administração da holding do grupo encontra-se
indeciso quanto à oportunidade de ingressar no mercado brasileiro. Teme-se pela
incerteza quanto ao retorno dos investimentos que venham a ser realizados. 41
Caso gerador elaborado pelo Profes-
sor Sergio Guerra para o curso online
Em primeiro lugar, os conselheiros não estão seguros quanto à forma de de Direito das Agências Reguladoras da
se estabelecer legalmente no Brasil, mas ouviram dizer que a burocracia cons- Escola de Direito da Fundação Getulio
Vargas.

FGV DIREITO RIO 22


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

titui um custo não desprezível nesse processo. Também têm notícia de que
precisam se submeter a uma plêiade de autoridades reguladoras, não apenas
à agência responsável pelo setor elétrico, mas também, dentre outras, a en-
tidades ambientais e de defesa da concorrência. Isso para não falar na carga
tributária incidente sobre a atividade.
Por outro lado, estão cientes de que o mercado de geração brasileiro ca-
minha no sentido da implementação de um regime de livre concorrência,
havendo consumidores livres, isto é, aptos a escolher de quem adquirir ener-
gia. Esse parece um segmento interessante para o grupo, que acredita que
sua expertise e vasta experiência internacional lhe permitirá produzir a preços
competitivos. No entanto, o grupo teve ciência de que, no Brasil, o mercado
de compra e venda de energia elétrica já sofreu diversas mudanças em seu
marco regulatório desde o início do processo de desestatização do setor, na
década de 90.
Diante de tantos questionamentos, o Grupo ABC Power decide contratar
assessoria jurídica para lhe detalhar as formas de participação do Estado sobre
a atividade econômica e as transformações sofridas a partir dos anos 90. Ten-
do sido contratado para esse trabalho, o que você teria a relatar e aconselhar
ao Grupo?42

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

MATOS FILHO, José Coelho e OLIVEIRA, Carlos Wagner de A. “O pro-


cesso de privatização das empresas brasileiras”. Rio de Janeiro: IPEA,
Texto de discussão nº 422, p. 11. Disponível em www.ipea.gov.br, con-
sultada em 10.02.2005.

42
Adaptado do Caso Gerador constante
da apostila “Histórico e privatização
do Setor Elétrico”, elaborada pela
pesquisadora Patrícia Sampaio sob a
orientação da Professora Elena Landau
para o Curso de Regulação do Setor de
Energia Elétrica do Programa de Educa-
ção Continuada da Escola de Direito da
Fundação Getulio Vargas.

FGV DIREITO RIO 23


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 4: AS COMPETÊNCIAS E FORMAS DE EXECUÇÃO DOS


SERVIÇOS PÚBLICOS

A PARTILHA DE COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS ENTRE OS ENTES


FEDERADOS PARA PRESTAR OU CONCEDER O SERVIÇO PÚBLICO

A estrutura que define a repartição de competências constitucionais entre


os entes federativos opera-se com fundamento no princípio da predominância
do interesse. Nesse sentido, a Constituição federal enumera os serviços públi-
cos a serem prestados pelo ente federado, por si ou por terceiros, nos termos
do art. 175 da Constituição Federal.
Os Estados-membros constituem instituições típicas do federalismo clássi-
co, pois são os mesmos que dão a estrutura conceitual dessa forma de Estado.
Nos termos do art. 21, §1o da Constituição Federal, aos Estados são reserva-
das todas as competências remanescentes, ou seja, aquelas que a Constituição
não tenha vedado expressamente.
Marcos Juruena Vilella Souto destaca, acerca da competência estadual,
com arrimo em Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que “a doutrina, muitas ve-
zes, tem demonstrado certa vacilação em precisar quais seriam os limites rigo-
rosos desta competência remanescente dos Estados-membros, reconhecendo
mesmo que, em termos reais, seria das mais reduzidas, seja em extensão, seja
em importância. Dessa maneira, numa primeira aproximação do preceito
constitucional em comento, passou-se a considerar que estariam excluídas
do âmbito da competência dos Estados todas aquelas matérias atribuídas de
modo restritivo à competência da União e dos Municípios”.43
Porém, é extensa a lista de serviços públicos que os Estados podem, e devem,
prestar diretamente ou transferir para terceiros, mediante concessão ou permissão.
Com efeito, as competências da União estão elencadas no art. 21, enquan-
to que aos Municípios competem as concessões e permissões dos serviços
públicos de interesse local.
Assim, compete à União explorar, ou conceder, os serviços de telecomuni-
cações, serviço postal e aéreo; radiodifusão sonora e de sons e imagens; ener-
gia elétrica; aproveitamento energético dos cursos d´água; navegação aérea e
infra-estrutura aeroportuária; transporte ferroviário e aquaviário entre portos
brasileiros, fronteiras nacionais e os que transponham limites de Estados e
Territórios; transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
serviços portuários. Além disso, é de competência da União instituir sistema
nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga
de direitos de seu uso; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano,
inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; e estabelecer 43
Desestatização, Privatizações, Con-
princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação. cessões e Terceirizações.4a. ed. Rio de
Janeiro, E. Lúmen Jures, 2.001.p. 144

FGV DIREITO RIO 24


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Aos Estados, cabe,, expressamente, a prestação dos serviços públicos de


distribuição de gás canalizado, e toda e qualquer competência que não tenha
sido atribuída à União, nem seja estritamente de interesse local (poderes re-
manescentes). São eles: transporte ferroviário, exceto quando competente a
União, transporte metroviário; Transporte rodoviário intermunicipal; Trans-
porte aquaviário, exceto quando for de competência da União, nos termos
do art. 21, XII, d, da CF.
Cumpre destacar que aos Estados-membros compete, ainda, mediante lei
complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e mi-
crorregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para
integrar a organização, planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum.
Aos Municípios compete a prestação dos serviços de interesse local (art.
30, V, CF), que “deve ser entendido como predominante e não exclusivo,
para efeito da caracterização da competência em cada caso, máxime se con-
siderarmos as alterações tecnológicas, sempre incidentes na evolução dos ser-
viços públicos que são capazes de transformar, em pouco tempo, um serviço
tipicamente local num serviço que poderá vir a ser prestado eficientemente
em escala regional ou, mesmo, nacional.”44 Sob a competência municipal,
tem-se, ainda, como inovação na Constituição de 1988, as atividades admi-
nistrativas de interesse comum (art. 23), a exemplo do saneamento básico.

AS FORMAS DE EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Os serviços públicos podem ser prestados tanto diretamente pelo próprio


ente titular da competência, como ter sua execução delegada a terceiros.
O Estado, quando decide prestá-los diretamente, pode instituir empresas
públicas e sociedades de economia mista, como forma de gerir de forma mais
eficiente a execução desses serviços.
Conforme se detalhará nas próximas aulas, caso decida delegar a presta-
ção do serviço à iniciativa privada, aplicar-se-ão os institutos da concessão e
da permissão de serviços públicos (por força da previsão do art. 175, CF),
havendo ainda discussão doutrinária quanto à possibilidade de delegação de 44
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
serviços públicos por meio do instituto da autorização, tendo em vista o dis- Mutações de Direito Administrativo. Rio
de Janeiro: Renovar, p. 328.
posto no art. 21, XI e XII, da Constituição.45
45
Existem, ainda, regimes de parceria
entre o poder público e pessoas de di-
reito privado sem finalidades lucrativas
(o chamado “terceiro setor”), dentre
LEITURA OBRIGATÓRIA: as quais se incluem as organizações
sociais e as organizações da sociedade
civil de interesse público. Ver, a respei-
to, CARVALHO FILHO, José dos Santos.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a Manual de direito administrativo. 15ª
ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 271 e 272; 280 a 288. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006,
pp. 287 a 295.

FGV DIREITO RIO 25


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CASO GERADOR:

Nos termos do Art. 21 da Constituição Federal, compete à União explorar,


diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de
transporte aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que
transponham os limites de Estado ou Território, além dos portos marítimos,
fluviais e lacustres.
Ademais disso, compete à União instituir diretrizes para os transportes
urbanos e estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação
e executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.
Determina ainda a Carta Magna que a lei disporá sobre a ordenação do
transporte aquático, estabelecendo as condições em que o transporte de mer-
cadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embar-
cações estrangeiras.
De outro lado, o art. 25 da Constituição Federal dispõe que compete aos
Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição, e os
Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolita-
nas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos
de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum.
Diante dessas competências, pode se concluir que a titularidade dos
serviços prestados por empresas de apoio portuário, apoio marítimo,
cabotagem, navegação interior e longo curso são de competência da
ANTAQ e a titularidade dos serviços públicos de transporte de passa-
geiros nas regiões metropolitanas do Estado é da Agência Reguladora
Estadual.
Uma operadora de transporte aquaviário de passageiros em uma determi-
nada Baía que alcança vários municípios, com fulcro no disposto no art. 2o.
da Lei n. 9074 de 07 de julho de 1995, indaga, por consulta à ANTAQ, so-
bre a necessidade de obtenção de autorização para proceder à sua operação. A
ANTAQ, por meio de ofício em resposta à consulta, entende que independe
de concessão, permissão ou autorização o transporte aquaviário de cargas. A
empresa inicia, assim, as operações.
De outro lado, a Agência Estadual, não concordando com essa funda-
mentação da ANTAQ, notifica a Empresa comunicando que ela não pode-
rá operar na Baía enquanto não submeter e obter pedido de autorização à
Agência Estadual.
Pergunta-se: De quem é a competência para dirimir conflito entre a
ANTAQ e a Agência Reguladora Estadual, relativo ao exercício de função
fiscalizatória?

FGV DIREITO RIO 26


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.


14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 433 a 436.

FGV DIREITO RIO 27


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 5: DELEGAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS: CONCESSÃO E


PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. LICITAÇÃO E CONTRATO DE
CONCESSÃO

OBJETIVO:

Apresentar os institutos da concessão e da permissão de serviços públicos,


expondo suas principais características.

INTRODUÇÃO:

A concessão de serviços públicos na Constituição de 1988

A concessão de serviços públicos tem a base de seu regime jurídico estatu-


ída no art. 175 da Constituição Federal, o qual dispõe:

Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente


ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação,
a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de ser-
viços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,
bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da con-
cessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.

A norma acima determina que as concessões devem ser precedidas de li-


citação, bem como exige a promulgação de lei que viesse a dispor sobre o
regime jurídico das concessionárias, o contrato de concessão, direitos dos
usuários dos serviços públicos, política tarifária e adequação do serviço.
Conforme se pode observar, o dispositivo constitucional deixa assente, já
no caput, que toda concessão ou permissão de serviço público pressupõe a
realização de processo licitatório, exceto nos casos de dispensa e inexigibili-
dade, os quais deverão, em todo caso, observar as formalidades e requisitos
previstos na lei, especialmente na Lei nº 8.666/1993.
Em obediência ao supracitado mandamento constitucional, no sentido de
que lei viria a dispor sobre o regime jurídico das concessionárias e permissio-
nárias de serviços públicos, foi promulgada a Lei nº 8.987, de 13.02.1995.

FGV DIREITO RIO 28


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Lei nº 8.987/95 apresenta um conjunto de normas relativas à licitação


para concessão de serviços públicos, cujo art. 2º traz as seguintes definições:

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:


I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o
Município, em cuja competência se encontre o serviço público, pre-
cedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou
permissão;
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, fei-
ta pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de con-
corrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre
capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo
determinado;
III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pú-
blica: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação
ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada
pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concor-
rência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre ca-
pacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o in-
vestimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante
a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;
(...)

A Lei disciplina também as licitações para concessão de serviços públicos,


as quais devem observância aos princípios estatuídos no art. 14 da Lei nº
8.987/1995:

Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da


execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da
legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, mo-
ralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos
e da vinculação ao instrumento convocatório.

O conjunto de normas gerais relativas à licitação para concessão de ser-


viços públicos encontra-se nos artigos 15 a 22 da Lei nº 8.987/1995, cuja
leitura faz-se necessária à completa compreensão do tema.
Interessante observar que, tendo em vista o intuito de introdução da con-
corrência nos setores que foram objeto do processo de desestatização, o art.
16 da Lei nº 8.987/1995 determina que, sempre quando possível, as conces-
sões devem ser concedidas sem caráter de exclusividade:

FGV DIREITO RIO 29


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 16. A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de


exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica jus-
tificada no ato a que se refere o art. 5o desta Lei.

Contrato de concessão de serviços públicos

As cláusulas essenciais a todo e qualquer contrato de concessão encon-


tram-se previstas no art. 23 da Lei nº 8.987/1995, o qual dispõe:

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:


I - ao objeto, à área e ao prazo da concessão;
II - ao modo, forma e condições de prestação do serviço;
III - aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da
qualidade do serviço;
IV - ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o rea-
juste e a revisão das tarifas;
V - aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da
concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de
futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização,
aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações;
VI - aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização
do serviço;
VII - à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos
métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos
órgãos competentes para exercê-la;
VIII - às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a
concessionária e sua forma de aplicação;
IX - aos casos de extinção da concessão;
X - aos bens reversíveis;
XI - aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indeni-
zações devidas à concessionária, quando for o caso;
XII - às condições para prorrogação do contrato;
XIII - à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de con-
tas da concessionária ao poder concedente;
XIV - à exigência da publicação de demonstrações financeiras peri-
ódicas da concessionária; e
XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências con-
tratuais.
Parágrafo único. Os contratos relativos à concessão de serviço públi-
co precedido da execução de obra pública deverão, adicionalmente:
I - estipular os cronogramas físico-financeiros de execução das obras
vinculadas à concessão; e

FGV DIREITO RIO 30


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

II - exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das


obrigações relativas às obras vinculadas à concessão.

Faz-se interessante constatar que, apesar de a lei, desde a sua promulgação,


ter previsto no inciso XV que deveria constar dos contratos de concessão nor-
mas relacionadas a formas amigáveis de solução de controvérsias, a fim de se
evitarem dúvidas sobre se referida redação constituía autorização legal para a
introdução da arbitragem nesses contratos, a Lei nº 11.196/2005 introduziu o
art. 23-A à Lei nº 8.987/1995, cuja redação deixa extreme de dúvidas que:

Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de


mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou rela-
cionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e
em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro
de 1996.

Encargos do Concessionário e do Poder Concedente

O concessionário de serviços públicos submete-se a uma série de encargos


que decorrem diretamente da lei. Nesse sentido, veja-se o quanto dispõe o
art. 31da Lei nº 8.987/95:

Art. 31. Incumbe à concessionária:


I - prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas
técnicas aplicáveis e no contrato;
II - manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à
concessão;
III - prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos
usuários, nos termos definidos no contrato;
IV - cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas
contratuais da concessão;
V - permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qual-
quer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do
serviço, bem como a seus registros contábeis;
VI - promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas
pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato;
VII - zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do ser-
viço, bem como segurá-los adequadamente; e
VIII - captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à
prestação do serviço.
Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas
pela concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e

FGV DIREITO RIO 31


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

pela legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre


os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente.

Igualmente, também o poder publico possui uma serie de encargos que


decorrem da delegação do serviço publico, conforme expressa previsão do
art. 29.

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:


I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente
a sua prestação;
II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais;
III - intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos
em lei;
IV - extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma
prevista no contrato;
V - homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma
desta Lei, das normas pertinentes e do contrato;
VI - cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do servi-
ço e as cláusulas contratuais da concessão;
VII - zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucio-
nar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até
trinta dias, das providências tomadas;
VIII - declarar de utilidade pública os bens necessários à execução
do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, direta-
mente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que
será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;
IX - declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de ins-
tituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de
serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante ou-
torga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabi-
lidade pelas indenizações cabíveis;
X - estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação
do meio-ambiente e conservação;
XI - incentivar a competitividade; e
XII - estimular a formação de associações de usuários para defesa de
interesses relativos ao serviço.

Possibilidade de subconcessão e transferência do contrato de concessão

Em regra, a execução do objeto contratado deve ser realizada diretamente


pela parte que o celebrou. Entretanto, a Lei nº 8.987/1995 permite a chama-
da subconcessão, desde que obedecidas às seguintes formalidades:

FGV DIREITO RIO 32


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de


concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.
§1o. A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.
§2o. O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obriga-
ções da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.

A subconcessão é definida por Marçal Justen Filho como a situação em


que “o concessionário abdica dos poderes recebidos, atinentes ao desempe-
nho do serviço concedido”. Portanto, “atribui a outrem aqueles encargos que
havia recebido do Estado”, de forma que “um terceiro assume a prestação do
serviço sem sujeitar-se ao estrito controle do concessionário”46.
Essa caracterização faz-se relevante, pois nem toda contratação de terceiro
para desenvolver parte do objeto da concessão traduz-se em subconcessão.
Conforme explana Marçal Justen Filho:

Contratar um terceiro, ainda que para desempenho de atividades


inerentes à concessão, não caracteriza cessão ou subconcessão. Dá-se
uma dessas duas figuras quando o vínculo entre concessionário e tercei-
ro produzir transferência de faculdades indissociáveis à gestão de servi-
ços públicos. Ademais, também se configurará cessão ou subconcessão
quando o terceiro assumir (ainda que parcialmente) a gestão do serviço
por conta e risco próprios.47

A transferência da concessão e a mudança no controle societário da con-


cessionária devem ser precedidas de aprovação do poder concedente, sob
pena de caducidade. Nesse sentido, dispõe o art. 27 da Lei nº 8.987/1995:

Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da


concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a
caducidade da concessão.
§1o. Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste
artigo, o pretendente deverá:
I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financei-
ra e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e
II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em
vigor.
§2o. Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder
concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por
seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e asse- 46
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de
serviços públicos. São Paulo: Dialética,
gurar a continuidade da prestação dos serviços. 1997, p. 279.
§3o. Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente 47
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de
exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade serviços públicos. São Paulo: Dialética,
1997, p. 279.

FGV DIREITO RIO 33


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos pre-


vistos no §1o, inciso I deste artigo.
§4o. A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste arti-
go não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores
ante ao poder concedente.

A norma tem por finalidade evitar que a condução do serviço público seja
atribuída a outras pessoas que não as licitantes vencedoras da licitação sem
prévia aprovação do poder público, já que, em tese, a referida transferência
ou alteração de controle pode vir a prejudicar a execução do serviço.
Note-se, por outro lado, que a lei não veda a transferência da concessão nem
a alteração do controle acionário. Ao contrário, admite-as expressamente, desde
que previamente aprovadas pelo poder concedente. Essa possibilidade tem ra-
zão de ser, por exemplo, à vista dos longos prazos dos contratos de concessão,
que muitas vezes alcançam três décadas (ou mais, em caso de prorrogação), não
podendo se esperar que, durante todo esse largo período temporal, não possa a
situação da concessionária e de seu grupo econômico vir a ser alterado. Entretan-
to, em prol da preservação da continuidade e da qualidade do serviço, a lei exige
que haja prévia aprovação do poder público a toda e qualquer mudança que
implique transferência da concessão ou alteração do seu controle societário.

Permissão de serviços públicos

A permissão de serviços públicos encontra-se definida no art. 2º, IV, da


Lei nº 8.987/95:

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:


(...)
IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário,
mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder
concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para
seu desempenho, por sua conta e risco.

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, a permissão de serviços


públicos constitui “o contrato administrativo através do qual o Poder Público
(permitente) transfere a um particular (permissionário) a execução de certo
serviço público nas condições estabelecidas em normas de direito público,
inclusive quanto à fixação do valor das tarifas”.48
Classicamente, a permissão era considerada um ato unilateral da adminis-
tração pública, e não uma forma de contratação.
48
CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Entretanto, com a Constituição de 1988, a doutrina passou a reconhecer Manual de direito administrativo. 15a
o caráter contratual da permissão de serviços públicos, haja vista que o art. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006,
p. 338.

FGV DIREITO RIO 34


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

175, parágrafo único, I, da Constituição faz referência ao “caráter especial de


seu contrato”, ao dispor sobre a lei que viria a disciplinar o regime das empre-
sas concessionárias e permissionárias:

Art. 175. (...)


Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de ser-
viços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,
bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da con-
cessão ou permissão;
(...)

Sobre a controvérsia, expõe Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

A Constituição de 1988 tratou, porém, do instituto da permissão de


serviço público no seu art. 175, submetendo-o, do mesmo modo que a
concessão de serviços públicos, à indispensável licitação e a um regime
contratual.
Havia, entretanto, uma perplexidade, no inciso I, do parágrafo úni-
co, do referido artigo 175 da Constituição, criada pela menção ao con-
trato, que, à época, diante do que parecia ser uma deficiência técnica da
redação, incluiria a permissão.
Ora, se tanto a concessão como a permissão fossem ambas modali-
dades contratuais, não haveria distinção a ser feita, e o legislador cons-
titucional teria sido superfetatório. A única exegese constitucional ra-
zoável seria, portanto, aquela que resgatasse a autonomia do instituto,
enquanto ato unilateral da Administração.
Porém, toda essa construção, destinada a salvar o instituto da per-
missão, com suas características doutrinárias tradicionais, perdeu sua
razão de ser com o advento da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,
que, em lacônico e impreciso dispositivo (art. 40), caracterizou-a como
um contrato de adesão, confirmando, assim, sua submissão à mesma
disciplina das concessões.49

O art. 40 da Lei nº 8.987/1995, a que se refere o autor, possui a seguinte


redação:

Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante


contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais nor-
mas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade
e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente. 49
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei. Curso de direito administrativo. 12ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, p. 438.

FGV DIREITO RIO 35


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Portanto, em que pesem as críticas doutrinárias, a permissão de serviço


público, por força do disposto no art. 175, parágrafo único, I, da Consti-
tuição e do art. 40 da Lei nº 8.987/1995, em nosso ordenamento jurídico,
apresenta atualmente natureza jurídica contratual.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17a


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007, pp. 315 a 323; 355 a 362.

CASO GERADOR:

O contrato de concessão do transporte metroviário de passageiros do Es-


tado do Rio de Janeiro prevê deveres a serem prestados por ambas as partes
contratantes. Dessa forma, por um lado, compete à concessionária promover
a manutenção adequada do serviço, garantindo a sua continuidade. Por ou-
tro lado, o poder público estadual obrigou-se a entregar novas estações e trens
para exploração pela concessionária.
Nesse sentido, pergunta-se: caso, por qualquer razão, o poder público atra-
se o cronograma de entrega de trens, pode a concessionária deixar de prestar
o serviço de transporte coletivo metroviário de passageiros?
Que medidas teria o Estado na busca da continuidade dos serviços públi-
cos e a concessionária na tutela de seus direitos à luz do contrato administra-
tivo celebrado?

LEITURA COMPLEMENTAR:

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 4a ed.


São Paulo: Atlas, 20025, pp. 96 a 121.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Ma-
lheiros, 2005, pp. 500 a 544.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 430 a 450.

FGV DIREITO RIO 36


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULAS 6 E 7: DIREITOS DOS USUÁRIOS E OS PRINCÍPIOS QUE


REGEM A CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS.

OBJETIVO:

Apresentar os direitos dos usuários de serviços públicos concedidos e dis-


cutir o significado dos princípios que regem as concessões de serviços públi-
cos, com especial ênfase ao princípio do equilíbrio econômico-financeiro da
concessão.

INTRODUÇÃO:

Direitos dos usuários de serviços públicos

Na Lei nº 8.987/1995 encontra-se o rol de direitos do usuário do servi-


ço público concedido. Nesse sentido, dispõem os arts. 7º e 7-A da Lei nº
8.987/1995:

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setem-


bro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;
II - receber do poder concedente e da concessionária informações
para a defesa de interesses individuais ou coletivos;
III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários
prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do
poder concedente. (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária
as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço
prestado;
V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados
pela concessionária na prestação do serviço;
VI - contribuir para a permanência das boas condições dos bens
públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.

Art. 7º-A. As concessionárias de serviços públicos, de direito públi-


co e privado, nos Estados e no Distrito Federal, são obrigadas a oferecer
ao consumidor e ao usuário, dentro do mês de vencimento, o mínimo
de seis datas opcionais para escolherem os dias de vencimento de seus
débitos.

FGV DIREITO RIO 37


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A definição legal de “serviço adequado”, por sua vez, é encontrada no


art. 6º, o qual alude às condições de regularidade, continuidade, eficiência,
segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade
das tarifas:

Art. 6o. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de servi-


ço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabeleci-
do nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade,
continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia
na sua prestação e modicidade das tarifas.
§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equi-
pamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e
expansão do serviço.
§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua inter-
rupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das ins-
talações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da co-
letividade.

Um tema bastante discutido em sede regulatória reside na aplicação do


Código de Defesa do Consumidor à relação entre a concessionária de servi-
ços públicos e os usuários dos referidos serviços.
Por um lado, a Constituição Federal prevê ser a defesa do consumidor
princípio constitucional fundador da Ordem Econômica (art. 170, IV), ao
passo que o art. 175, ao tratar dos serviços públicos, previu que lei viria a
dispor sobre os direitos dos usuários.
Tendo em vista que o constituinte não costuma utilizar termos distintos
para aludir a um mesmo instituto jurídico, a doutrina discute a existência de
peculiaridades relativas aos direitos dos usuários dos serviços públicos com-
parativamente às disposições gerais do Código de Defesa do Consumidor
(Lei nº 8.078/1990), que regem a generalidade das relações entre fornecedo-
res de produtos ou serviços e seus usuários finais.
Por outro lado, tanto o CDC quanto a Lei de Concessões de Serviços Pú-
blicos (Lei nº 8.987/1995) contêm normas prevendo a aplicação do CDC às
concessões de serviços públicos:

CDC (Lei nº 8.078/1990):

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:


(...)

FGV DIREITO RIO 38


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral

Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995):

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setem-


bro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
(...)

Dessa forma, não se questiona a aplicabilidade do Código de Defesa do


Consumidor às relações entre concessionária e usuário de serviços públicos,
mas sim a extensão e o limite dessa aplicação, tendo em vista as peculiarida-
des que informam a prestação de serviço público, tais como deveres de conti-
nuidade e universalidade, bem como a remuneração por meio de tarifa.
Nesse sentido, é preciso considerar que a prestação de serviço público traz
subjacente a idéia de interesse coletivo e justiça distributiva, elemento geral-
mente ausente das relações típicas de direito do consumidor, nas quais se enfo-
ca a relação individual fornecedor-consumidor (e, portanto, questões de justi-
ça comutativa). Além disso, a relação entre concessionária e usuário de serviço
público não pode ser analisada desconsiderando-se o contrato de concessão
celebrado entre o poder concedente e a prestadora do serviço público.
Dessa forma, Marçal Justen Filho observa ser necessário reconhecer a pri-
mazia do regime de direito administrativo sobre a de direito consumerista nas
relações entre usuários e concessionárias de serviços públicos:

O prestador de serviço privado estrutura sua operação econômica


com finalidade diversa da satisfação do interesse público. Ele busca ob-
ter o maio lucro possível, tendo em vista os princípios da atividade eco-
nômica em sentido estrito (CF/88, art. 170). Já o prestador do serviço
público desempenha atividade disciplinada pelos princípios de direito
público e apenas pode intentar a satisfação egoística de seu interesse na
medida em que se realize o interesse público. 50

Da mesma forma, manifesta-se Alexandre Santos de Aragão:

Todavia, o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente aos


serviços públicos, já que eles não são atividades econômicas comuns,
sujeitas à liberdade de empresa e desconectadas da preocupação de ma-
nutenção de um sistema prestacional coletivo.
Os serviços públicos, ao revés, constituem atividades de prestação
de bens e serviços muitas vezes titularizadas pelo Estado com exclusivi-
dade, só podendo ser prestados por particulares enquanto delegatários 50
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de
(res extra commercium). A razão para tais atividades econômicas serem serviços públicos. São Paulo: Dialética,
1997, p. 131.

FGV DIREITO RIO 39


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

retiradas da livre iniciativa e submetidas a um regime jurídico tão espe-


cial se explica pelo fato de visarem a assegurar os interesses dos cidadãos
enquanto integrantes de uma mesma sociedade, não como pessoas in-
dividualmente consideradas.
O título habilitador do direito da empresa exercer a atividade de
serviço público é totalmente diverso do existente nas atividades econô-
micas stricto sensu, em que o direito decorre diretamente da proteção
constitucional à livre iniciativa e à economia de mercado (art. 170,
CF), que coloca na relação jurídica prestacional apenas a empresa e o
consumidor. No caso do serviço público, o título habilitante não é a
livre iniciativa, inexistente no caso, mas sim um contrato de concessão
celebrado pela empresa com o Estado, de maneira que a relação presta-
cional é subjetivamente complexa, envolvendo, a um só tempo, o Po-
der Público, a concessionária e todos os usuários do serviço público.
(...)
Os serviços públicos têm uma conotação coletiva muito mais ampla
que as atividades econômicas privadas. Visam à coesão social, sendo
muitas vezes um instrumento técnico de distribuição de renda e re-
alização da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), com o fi-
nanciamento, através das tarifas dos usuários que já têm o serviço, da
sua expansão aos que ainda não têm acesso a ele. Se fosse apenas pelo
sistema privatista do CDC, essas tarifas teriam que ser consideradas
abusivas (artigos 39, V; e art. 51, IV, CDC), eis que superam o valor
que seria decorrente apenas da utilidade individualmente fruída.51

A jurisprudência também tem se mostrado sensível à diferenciação entre


as figuras do consumidor e a do usuário de serviço público. Nesse sentido,
veja-se trecho de decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro:

Serviço público de fornecimento de energia elétrica. A relação entre


fornecedor e consumidor não se confunde com a firmada por conces-
sionária e usuário, dado que o concedente é o poder público, caso em
que se observa a supremacia do interesse público. Vácuo legislativo em
reger os direitos do usuário em relação à concessionária. Inadimple-
mento do Congresso Nacional com o disposto no art. 37, da Emenda
Constitucional nº 19/98, que determina a edição da lei de defesa do
usuário de serviços públicos. Aplicação somente analógica da legislação
consumerista, que deve ser interpretada em harmonia com outros di- 51
ARAGÃO, Alexandre Santos de. “Ser-
viços públicos e defesa do consumidor:
plomas. possibilidades e limites da aplicação
do CDC”. In: LANDAU, Elena (org). Re-
Se há regulamento administrativo estabelecendo a forma como será gulação jurídica do setor elétrico. Rio
regulada a relação, descabe a invocação do Código de Defesa do Consu- de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 153
e 154.

FGV DIREITO RIO 40


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

midor para obter algo que com aquele contrasta. Usuário inadimplente
no pagamento de suas contas. Suspensão do fornecimento por falta de
pagamento. Auto-tutela admitida por lei após prévio aviso comprovado
nos autos.52

Dessa forma, doutrina e jurisprudência inclinam-se no sentido do re-


conhecimento de peculiaridades da situação jurídica do usuário do serviço
público, que o afastam, em determinados tópicos, da disciplina prevista no
CDC.
Também em sede normativa mostra-se relevante mencionar que a Emen-
da Constitucional nº 19/1998 exigia que, dentro de 120 dias a contar de
sua promulgação, viesse a ser expedido o Código de Defesa do Usuário dos
Serviços Públicos:

Art. 27. O Congresso Nacional, dentro de 120 dias da promulgação


da Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos.”

Entretanto, até a presente data, o referido diploma legal não foi exarado,
de forma que se tem, nesse aspecto, um hiato normativo.53 A ausência de
norma expressa, contudo, não impede o reconhecimento dos direitos dos
usuários de serviços públicos, a partir da aplicação das previsões da Lei nº
8.987/1995 (a Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos), bem
como dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, naquilo em não
conflitarem com a ordenação jurídica dos serviços públicos.

O princípio do equilíbrio econômico-financeiro da concessão

Dentre os princípios que regem as concessões de serviços públicos destaca-


se, por sua relevância, o princípio da modicidade tarifária, o qual somente
pode ser compreendido à luz do princípio do equilíbrio econômico-financei-
ro, os quais devem, por conseguinte, ser analisados em conjunto.
O equilíbrio econômico-financeiro da concessão constitui princípio cons-
titucionalmente assegurado, podendo ser inferido do art. 37, XXI, da Cons-
tituição Federal, quando se refere à exigência de “manutenção das condições
efetivas da proposta” nos pagamentos relativos aos serviços contratados me-
diante licitação:

Art. 37. (...) 52


Apelação cível 2006.001.19958.

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, ser- 53


No âmbito estadual e municipal, exis-
tem alguns diplomas normativos pro-
viços, compras e alienações serão contratados mediante processo de mulgados. A título ilustrativo, pode-se
mencionar que o Estado de São Paulo
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os con- possui o seu Código de Proteção e De-
correntes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, fesa dos Usuários de Serviços Públicos
– Lei estadual nº 10.294/1999.

FGV DIREITO RIO 41


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual


somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Igualmente, encontra-se positivado no art. 9º, §4º, da Lei nº 8.987/95, o


qual dispõe:

§4º. Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu


inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá
restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.

Consoante Maria Sylvia Zanella di Pietro, o princípio do equilíbrio eco-


nômico-financeiro da concessão fundamenta-se em quatro princípios, quais
sejam, (i) eqüidade, (ii) razoabilidade, (iii) continuidade e (iv) indisponi-
bilidade do interesse público.54 Como já esclareceu o Superior Tribunal de
Justiça, “a finalidade da cobrança da tarifa é manter o equilíbrio financeiro do
contrato, possibilitando a prestação contínua do serviço público”.55
Maria Sylvia Zanella di Pietro56 menciona que um dos aparentes paradoxos
da teoria do equilíbrio econômico-financeiro da concessão reside na necessi-
dade de se conciliar o direito do concessionário ao equilíbrio com a idéia de
que os riscos associados à execução do serviço devem correr por sua conta.
Em resposta a essa aparente contradição, a autora observa que os riscos
ordinários da atividade devem ser atribuídos ao concessionário e, por con-
seguinte, não lhe conferem direito à recomposição de eventuais perdas, pois
que, nesses casos, não se pode falar propriamente de desequilíbrio.
Por outro lado, quanto às circunstâncias extraordinárias, sendo inimputá-
veis ao concessionário, devem ser arcadas pelo poder concedente, autorizan-
do a revisão tarifária (com fulcro nas teorias do fato do príncipe, do fato da
administração e da imprevisão). A esse respeito, mostra-se relevante destacar 54
ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Par-
cerias na administração pública. 4a ed.
lição de Marçal Justen Filho57, segundo a qual o equilíbrio econômico-fi- São Paulo: Atlas, 2002, p. 97.
nanceiro da concessão não constitui propriamente um direito, mas antes um 55
RESP 431121 / SP, j. em 20.08.2002.
princípio regulador, uma garantia a ambos, concessionário e poder conceden- 56
ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Par-
te, de que a equação original do contrato será mantida ao longo do exercício cerias na administração pública. 4a ed.
São Paulo: Atlas, 2002, p. 97.
da concessão. Especialmente, o princípio atua no sentido de conferir aos lici- 57
“Rigorosamente, a manutenção do
tantes a certeza de que podem apresentar as melhores propostas possíveis no equilíbrio econômico-financeiro é um
princípio regulador do contrato admi-
momento da licitação – pois não precisam incluir em seus cálculos projeções nistrativo. Não é nem direito nem dever
de cada parte, mas uma característica
de custos associados a perdas relacionadas a eventos imprevisíveis (o que seria do contrato. Pode-se aludir ao direito
mesmo impossível) – garantindo-se, dessa forma, a efetividade do objetivo da parte de obter elevação da remu-
neração em virtude da ampliação de
do procedimento licitatório, que é a busca da proposta mais vantajosa para a seus encargos. Isso será conseqüên-
cia da natureza jurídica do contrato
Administração. Nas palavras do autor: administrativo, que é integrada pelo
princípio da manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro da contratação”.
(Concessões de serviços públicos. São
Paulo: Dialética, 1997, p. 146).

FGV DIREITO RIO 42


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Mas o fundamental se encontra no princípio da indisponibilidade do


interesse público. Em primeiro lugar, impõe a necessidade de evitar que a
Administração arque com desembolsos superiores aos necessários à satis-
fação dos seus fins. A Administração necessita selecionar a proposta mais
vantajosa (...) A consagração desse princípio representa a garantia à Admi-
nistração de que receberá as propostas mais vantajosas e de menor preço,
porquanto o direito assegura ao particular que a relação entre encargos e
remuneração não será alterada.(...) O particular não necessita incluir em
suas previsões os eventos futuros prejudiciais, pois o direito lhe assegura a
manutenção do arcabouço contratual delineado no momento inicial da
contratação. Significa que o princípio da indisponibilidade do interesse
público exclui a viabilidade de uma contratação sujeitável a riscos de im-
previsão ou de modificações da relação econômica subjacente.58

O princípio da modicidade tarifária

Marcos Juruena Villela Souto se refere ao princípio da modicidade das


tarifas como “a própria conseqüência do princípio da generalidade, por força
do qual as tarifas devem ser o mínimo possível onerosas para os usuários”59.
A modicidade tarifária encontra previsão expressa no art. 6º, §1º, da Lei
nº 8.987/95, o qual dispõe:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de servi-


ço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabeleci-
do nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§1º. Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade,
continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia
na sua prestação e modicidade das tarifas.

O princípio da modicidade tarifária, em um regime de concessão de servi-


ço público, exige, por outro lado, o adimplemento por parte dos usuários no
que tange ao pagamento da tarifa. Sem mecanismos efetivos de cobrança, o
equilíbrio econômico-financeiro da concessão poderá vir a romper-se, pondo
em risco o funcionamento da concessionária e, por conseguinte, a continui-
dade dos serviços públicos para os demais usuários.
A lei e os contratos de concessão prevêem alguns mecanismos capazes de garan-
tir ao concessionário e ao poder concedente a manutenção do equilíbrio econômi-
co-financeiro da concessão, como o reajuste e a revisão tarifária. Sobre a diferença 58
Concessões de serviços públicos. São
entre os institutos, Marçal Justen Filho observa que “o reajuste corresponde à mo- Paulo: Dialética, 1997, p. 149.
59
dificação do valor da tarifa para enfrentar elevações normais de custos, relacionadas SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito
administrativo regulatório. Rio de Janei-
ao fenômeno inflacionário”. Já a revisão “envolve a possibilidade de modificações ro: Lúmen Juris: 2002, p. 208.

imprevisíveis na formação dos custos necessários à prestação dos serviços”.60 60


Concessões de serviços públicos. São
Paulo: Dialética, 1997 p. 263

FGV DIREITO RIO 43


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O tema das tarifas praticadas por concessionárias de serviços públicos


envolve sempre questões complexas, sendo geralmente distintas as percep-
ções dos agentes afetados: para o poder concedente, a alta da tarifa pode
produzir impacto negativo sobre o desenvolvimento econômico e um custo
político; para a concessionária, liga-se à sua receita e conseqüente retorno
sobre os investimentos realizados; já os usuários têm em regra uma sensação
de que a tarifa se apresenta elevada, produzindo impacto significativo sobre
o custo de vida.
Quanto aos conflitos envolvendo a questão tarifária, observam Solange
Ribeiro e Maria Isabel Falcão, analisando o tema sob o prisma das tarifas do
serviço público de distribuição de energia elétrica:

A definição tarifária é um mecanismo regulatório muito importan-


te para a garantia do funcionamento eficiente do mercado em regime
de monopólios naturais. A tarifa de fornecimento de energia elétrica
pode ser vista sob diferentes óticas: (i) na percepção do consumidor,
os dispêndios incorridos com energia elétrica são altos e as tarifas au-
mentam mais do que a inflação e os salários, restringindo sua capaci-
dade de pagamento ao longo dos anos; (ii) na percepção do Governo,
o custo de energia elétrica possui grande influência sobre a economia
brasileira e, consequentemente, sobre o controle inflacionário; (iii) e
finalmente, a percepção dos investidores que atuam em ambientes re-
gulados é de que as tarifas não são suficientes para promover a renta-
bilidade esperada e que, portanto, o retorno sobre o capital investido
não é adequado.61

A breve passagem acima permite perceber que a tarifa constitui sempre


um tema delicado no âmbito das discussões regulatórias.

Instrumentos para preservação do equilíbrio econômico-financeiro da concessão

Conforme já estudado, a legislação prevê mecanismos de garantia do equi-


líbrio econômico-financeiro da concessão. Nesse sentido, a Lei nº 8.987/1995
estabelece instrumentos para preservação desse princípio, tais como o reajus-
te e a revisão tarifárias.

(a) O reajuste anual da tarifa

Os contratos de concessão, em conformidade com as previsões editalícias, 61


RIBEIRO, Solange e FALCÃO, Maria
costumam prever o direito das concessionárias ao reajuste anual da tarifa, Isabel. O modelo tarifário brasileiro. In:
LANDAU, Elena (org.) Regulação jurídica
para reposição das perdas decorrentes da inflação. do setor elétrico. Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2006, p. 265.

FGV DIREITO RIO 44


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

(b) A revisão extraordinária

A lei de concessões confere ao concessionário o direito à revisão automáti-


ca da tarifa quando houver alterações nos tributos incidentes sobre a ativida-
de (à exceção daqueles relativos à renda), nos termos do art. 9º, §3º, da Lei
nº 8.987/1995:

§3º. Ressalvados os impostos sobre a renda a criação, a alteração ou


extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação
da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da
tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.

Em alguns casos, também os editais e os contratos de concessão prevêem


o direito à revisão automática na hipótese de majoração do custo de insumos
essenciais à execução da atividade concedida.

(c) A revisão periódica da tarifa

Adicionalmente, os editais e os contratos de concessão aludem ao direito


à revisão periódica da tarifa, relativamente a fatores que tenham ocasionado
perdas ou ganhos imprevisíveis para qualquer das partes e que tenham, nes-
se sentido, alterado o equilíbrio econômico-financeiro. A revisão periódica
se destina a estabelecer novos níveis tarifários para a concessionária, de acor-
do com as alterações nos custos de serviço.
O tema da revisão e dos reajustes tarifários não raro enseja profundas dis-
cussões judiciais, em razão da elevação das tarifas e conseqüente alegação de
ofensa ao direito do usuário a tarifas módicas e demais princípios de proteção
e defesa do consumidor.
Entretanto, tem-se observado no Superior Tribunal de Justiça forte ten-
dência a fazer respeitar o marco regulatório e os mecanismos de revisão e
reajuste tarifários previstos nos contratos de concessão, em proteção ao marco
regulatório. Nesse sentido, veja-se a decisão abaixo, na qual o presidente do
STJ determinou a suspensão de liminar e de sentença de primeira instância, a
qual havia suspendido a eficácia de decisão homologatória da ANEEL no que
se refere ao montante de acréscimo da tarifa de uma distribuidora de energia
elétrica como resultado de reajuste tarifário:

Vistos, etc.
A Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Ceará, ajuizou Ação
Civil Pública contra a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
e a COELCE - Companhia de Energia Elétrica do Estado do Ceará,
pedindo o reconhecimento de alegada “ilegalidade e inconstituciona-
lidade da autorização concedida pela ANEEL - Agência Nacional de

FGV DIREITO RIO 45


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Energia Elétrica, via Resolução Homologatória nº 97, de 18/04/2005,


que aprovou reajuste de tarifa de energia que varia de 21,21 a 32,07%,
bem como, determinando-se à ANEEL que regule os reajustes e revisão
tarifários futuros mediante Notas Técnicas e Resoluções Homologató-
rias que atendam aos critérios de adequação do serviço público, sem
que sejam repassados aos consumidores o aumento de custo resultante
da aquisição de energia elétrica mais cara em conjuntura de normali-
dade de geração e fornecimento, sobretudo junto à empresa do mesmo
grupo econômico, bem como limitando-se a base de remuneração da
concessionária COELCE, de modo que os futuros índices autorizados
excedam até, no máximo, cinco pontos percentuais a inflação do perío-
do apurada segundo o IPCA, para fins de justa remuneração do capital
investido e obediência ao princípio da modicidade de tarifas” (fl. 96).
O Juiz da 7ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal no Ceará
deferiu o pedido de liminar, determinando que a COELCE se absti-
vesse da cobrança dos encargos mensais referentes ao fornecimento de
energia elétrica em limite acima da variação do IGP-M acumulado nos
últimos 12 meses (11,1321%) (fl. 142).
Formulou, então, a COELCE, pedido de suspensão indeferido pelo
Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, entendimento
confirmado pelo plenário daquela Corte no julgamento do competente
agravo regimental.
Pede, aqui, novamente a COELCE, com base na Lei nº 8.437/92,
art. 4º, § 4º, a suspensão da decisão que lhe é desfavorável, por alega-
das lesões à segurança jurídica, à ordem administrativa e jurídica e à
economia pública.
(...)
Nessa linha, quanto ao potencial lesivo da liminar questionada, a
requerente enfatizou que o questionado reajuste foi fixado com base
em critérios técnicos, fiéis à manutenção do equilíbrio econômico-fi-
nanceiro do contrato de concessão vigente, determinados por compo-
nentes alheios à Concessionária, não havendo excesso e, sobretudo, que
os critérios de reajuste das tarifas públicas já eram de conhecimento
geral desde a publicação do Edital de Concorrência que levou à pri-
vatização da COELCE e estão consignados no respectivo contrato de
concessão.
É certo que na oportunidade da celebração do contrato de con-
cessão da distribuidora de energia elétrica, conforme autorizado pela
legislação pertinente, inseriram-se cláusulas prevendo mecanismos de
manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, como o reajuste
tarifário. Mecanismos esses, que têm origem na política tarifária pre-
viamente aprovada pelo Conselho Nacional de Desestatização – CND,

FGV DIREITO RIO 46


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

e são vitais para que a prestação do serviço público possa se dar em


conformidade com os princípios constitucionais e legais incidentes, e
que não só permitam, mas viabilizem a celebração de tais contratos
entre o Poder Público e o particular, que se disponha a negociar com a
Administração, notadamente em se tratando de contratos de concessão
com prolongado prazo de duração.
Assim já decidi em hipótese semelhante (SL 57-DF - SLS 143), o
descumprimento de cláusulas contratuais, impedindo a correção do va-
lor real da tarifa, nos termos em que previsto no contato de concessão,
causa sérios prejuízos financeiros à empresa concessionária, podendo
afetar gravemente a qualidade dos serviços prestados e sua manutenção,
implicando ausência de investimentos no setor, prejudicando os usu-
ários, e causando reflexos negativos na economia pública, porquanto
inspira insegurança e riscos na contratação com a Administração Públi-
ca, afastando os investidores, resultando graves conseqüências também
para o interesse público como um todo, além, é claro, de repercutir
negativamente no chamado risco Brasil.
Entendo que o interesse público não se resume à contenção de tari-
fas, sendo evidenciado, também, na continuidade do fornecimento de
energia, na manutenção do contrato de concessão do serviço público,
de modo a viabilizar investimentos no setor, para que o país não volte à
escuridão. Assim, o descumprimento do que foi legalmente pactuado,
com a chancela do Judiciário, pode, no caso, afetar o seu equilíbrio
econômico-financeiro, até porque não há como olvidar a real inflação
do País a atingir a quem contrata a longo prazo.
Não me passou despercebido, também, que a ANEEL agiu no exer-
cício regular de competência legal e que a fórmula contratualmente
prevista para o reajuste tarifário é complexa, na qual o IGP-M está
previsto apenas para possibilitar a identificação da parcela do IVI, que
é um índice obtido pela divisão do índice do IGP-M (ou do índice
que vier a sucedê-lo) do mês anterior à data do reajuste em processa-
mento, pelo índice do IGP-M do mês anterior à “Data de Referência
Anterior”.
Portanto, em que pese os argumentos do Pleno do TRF/5ª Região,
que ressaltou a inexistência de um programa de esclarecimento à po-
pulação sobre essa complexa estrutura tarifária, prejudicando signifi-
cativamente a idéia de acompanhamento social quanto à prestação do
serviço público, matéria a ser tratada no mérito da ação, vejo caracte-
rizados aqui os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de
suspensão, e o risco inverso, vez que a decisão é passível de causar grave
lesão aos interesses públicos privilegiados, ordem administrativa e eco-
nomia pública, Lei nº 8.437/92, art. 4º.

FGV DIREITO RIO 47


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Isto porque, se afinal julgado improcedente o pedido dos autores


da ação popular, maior dano causará o reajuste com os acréscimos pelo
atraso, do que o contrário, a devolução aos consumidores do valor
eventualmente pago a maior do reajuste.
Assim, defiro o pedido, para suspender a decisão que antecipou a
tutela nos autos da Ação Civil Pública nº 2005.81.00.006496-2, con-
firmada pelo Pleno do TRF 5ª Região, até o trânsito em julgado da
decisão.62

Portanto, observa-se da decisão supracitada que o Superior Tribunal de


Justiça tem reconhecido a legitimidade do arcabouço jurídico-institucional
que se seguiu à implementação do processo de desestatização, com a celebra-
ção de contratos de concessão, bem como a necessidade de se fazer respei-
tar os contratos em vigor, reconhecendo-se o direito das concessionárias ao
equilíbrio econômico-financeiro da concessão, que passa pela obediência aos
critérios de reajuste e revisão tarifários contratualmente previstos, em respeito
ao marco regulatório em vigor e ao princípio da segurança jurídica.

Possibilidade de interrupção do serviço em caso de falta de pagamento

A possibilidade de interrupção do serviço por falta de pagamento rendeu


profundas discussões na doutrina e na jurisprudência a partir do processo de
desestatização, tendo em vista os princípios da continuidade e regularidade
dos serviços públicos concedidos, previstos na Lei nº 8.987/1995, bem como
a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos entre conces-
sionárias e particulares.
Contra essa possibilidade são geralmente levantados argumentos como
essencialidade do serviço, dignidade da pessoa humana, existência de meio
processual próprio para cobrança em casos de inadimplemento (como a ação
de cobrança), direito do consumidor à essencialidade do serviço. Veja-se que
os arts. 22, caput, e 42, caput, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/1990) dispõem:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessioná-


rias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimen-
to, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e,
quanto aos essenciais, contínuos.

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não


será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de cons-
trangimento ou ameaça.
62
SLS 183, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ
1310.2005.

FGV DIREITO RIO 48


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Conforme anteriormente mencionado, o CDC aplica-se, embora com


ressalvas, às relações entre concessionária e usuário do serviço, por força do
disposto no art. 7º, caput, da Lei nº 8.987/1995:

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setem-


bro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;
II - receber do poder concedente e da concessionária informações
para a defesa de interesses individuais ou coletivos;
III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários
prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do
poder concedente (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998);
IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária
as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço
prestado;
V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados
pela concessionária na prestação do serviço;
VI - contribuir para a permanência das boas condições dos bens
públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.

De outro lado, as concessionárias alegam que a impossibilidade de inter-


rupção da prestação do serviço sinaliza ao mercado que “o inadimplemento
compensa”, já que não levaria à imediata supressão do serviço, e a reparação
do dano, somente se daria de forma imperfeita, tendo em vista o lapso tem-
poral e os custos inerentes às demandas judiciais. Dessa forma, inadimple-
mentos reiterados terminariam por colocar em risco o equilíbrio econômico-
financeiro da concessão e, com isso, a possibilidade de a concessionária seguir
prestando serviço adequado, contínuo e regular. Além disso, o próprio art.
6º, §3º, II da Lei nº 8.987/1995 determina que não caracteriza desconti-
nuidade do serviço a interrupção do serviço, após prévio aviso, em caso de
inadimplemento do usuário.
Após profundos embates, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justi-
ça, por maioria de votos, veio a reconhecer, por exemplo, a legitimidade do
corte de energia elétrica a consumidores inadimplentes, desde que observadas
as exigências previstas na legislação, em decisão que restou assim ementada:

ADMINISTRATIVO - ENERGIA ELÉTRICA - CORTE – FAL-


TA DE PAGAMENTO - É lícito à concessionária interromper o for-
necimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de
energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva
63
REsp 363943/MG, Rel. Ministro Hum-
conta (L. 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II).63 berto Gomes de Barros, Primeira Seção,
julgado em 10.12.2003, DJ 01.03.2004
, p. 119.

FGV DIREITO RIO 49


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Em sustentação da possibilidade de corte, foi considerada a necessidade


de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Em suas
razões de decidir, o ministro-relator Humberto Gomes de Barros observou:

...a proibição [do corte] acarretaria aquilo a que se denomina “efeito


dominó”. Com efeito, ao saber que o vizinho está recebendo energia de
graça, o cidadão tenderá a trazer para si o tentador benefício. Em pouco
tempo, ninguém mais honrará a conta de luz.
Ora, se ninguém paga pelo fornecimento, a empresa distribuidora
de energia não terá renda. Em não tendo renda, a distribuidora não
poderá adquirir os insumos necessários à execução dos serviços conce-
didos e, finalmente, entrará em insolvência.
Falida, a concessionária interromperia o fornecimento a todo o mu-
nicípio, deixando às escuras, até a iluminação pública.64

Cumpre mencionar que o STJ tem entendido que a possibilidade de corte


atinge inclusive as pessoas jurídicas de direito público (como Estados e mu-
nicípios), conforme se observa da decisão monocrática abaixo, da lavra no
ministro Humberto Martins, a qual se pede licença para transcrever tendo
em vista que explica, de forma bastante didática, a evolução da jurisprudên-
cia pátria no que se refere ao tema das tarifas de energia elétrica, possibilidade
de corte e o princípio da modicidade tarifária:

RECURSO ESPECIAL – ALÍNEAS “A” E “C” – ADMINISTRA-


TIVO – ENERGIA ELÉTRICA – CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚ-
BLICO – INADIMPLÊNCIA DO MUNICÍPIO CONSUMIDOR
– SUSPENSÃO DO SERVIÇO – POSSIBILIDADE - RECURSO
PROVIDO.
DECISÃO
Vistos.
Cuida-se de recurso especial interposto por AES Sul – Distribuidora
Gaúcha de Energia S/A, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do in-
ciso III do artigo 105 da Constituição da República, contra v. acórdão
proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cuja
ementa guarda o seguinte teor:

”INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉ-


TRICA. MUNICÍPIO INADIMPLENTE.
É incontestável o direito do concessionário à remuneração prevista
no contrato administrativo firmado com o Poder Concedente. Toda-
via, esse direito não pode se sobrepujar ao interesse difuso da coletivi- 64
Voto vencedor do Min. Humberto
dade municipal à manutenção do fornecimento do serviço público, de Gomes de Barros no RE 363.943, j. em
10.12.2003.

FGV DIREITO RIO 50


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

natureza essencial, sob pena de violação à própria dignidade da pessoa


humana (art. 1º, III, CF/88). Em nome do princípio da proporciona-
lidade, não está a concessionária autorizada a utilizar dos meios mais
gravosos para a obtenção dos seus créditos, quando poderá fazê-lo pela
via judicial própria” (fl. 567).
Aponta a recorrente violação do artigo 6º, §3º, II, da Lei n. 8.987/95
e negativa de vigência ao artigo 17 da Lei 9.427/96, além de divergên-
cia jurisprudencial com julgados deste Sodalício. É, no essencial, o re-
latório.
(...).
Em verdade, a suposta necessidade da continuidade do serviço
público, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, não se
traduz em uma regra de conteúdo absoluto, em vista das limitações
previstas na Lei n. 8.987/97. Aliás, nessa linha de entender, a colenda
Primeira Turma, por meio de voto condutor da lavra do ilustre Minis-
tro Teori Albino Zavascki, assentou que “tem-se, assim, que a continui-
dade do serviço público assegurada pelo art. 22 do CDC não constitui
princípio absoluto, mas garantia limitada pelas disposições da Lei n.
8.987/95, que, em nome justamente da preservação da continuidade e
da qualidade da prestação dos serviços ao conjunto dos usuários, per-
mite, em hipóteses entre as quais o inadimplemento, a suspensão no
seu fornecimento” (REsp 591.692-RJ, DJ 14/3/2005).
Seja como for, não se desconhece haver intenso debate doutrinário e
jurisprudencial acerca do tema versado nos presentes autos, inclusive no
âmbito das Turmas que compõem a egrégia Primeira Seção deste Soda-
lício. Há arestos da egrégia Primeira Turma nos quais restou consignado
o entendimento de que “é defeso à concessionária de energia elétrica
interromper o suprimento de força, no escopo e compelir o consumi-
dor ao pagamento de tarifa em atraso. O exercício arbitrário das pró-
prias razões não pode substituir a ação de cobrança” (REsp 223.778/
RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 13.3.2000).
Dispõe a Lei n. 8.987/95 que os serviços públicos, prestados em
regime de concessão, deverão ser adequados ao pleno atendimento dos
usuários, exigindo-se a regularidade, continuidade, eficiência, atuali-
dade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas
(art. 6º, § 3º).
Assegura o referido diploma, entretanto, que:

“Art. 6º. (...)


§ 3º. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua
interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
(...)

FGV DIREITO RIO 51


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da co-


letividade.”

Posteriormente, a Lei n. 9.427/96, que instituiu a Agência Nacional


de Energia Elétrica – ANEEL e disciplinou o regime das concessões de
serviços públicos de energia elétrica, admitiu o corte do fornecimento
do serviço por falta de pagamento, condicionada à comunicação prévia
da autoridade competente. Confira-se:

“Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento


de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essen-
cial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com
antecedência de 15 (quinze) dias ao Poder Público local ou ao Poder
Executivo Estadual.
Parágrafo único. O Poder Público que receber a comunicação adota-
rá as providências administrativas para preservar a população dos efei-
tos da suspensão do fornecimento de energia, sem prejuízo das ações de
responsabilização pela falta de pagamento que motivou a medida.”

Sob outro enfoque, todavia, não se admite receba o usuário, se


admitida a impossibilidade de suspensão do serviço, um estímulo à
inadimplência. Não se pode olvidar que se trata de serviço oneroso,
cujo fornecimento deve ser prestigiado pelo respectivo pagamento, na
forma da lei.
Ademais, ao editar a Resolução 456, de 29 de novembro de 2000, a
própria ANEEL, responsável pela regulamentação do setor de energéti-
co no país, contemplou a possibilidade de suspensão do fornecimento
do serviço em inúmeras hipóteses, dentre as quais o atraso no pagamen-
to de encargos e serviços vinculados ao fornecimento de energia elétrica
prestados mediante autorização do consumidor, ou pela prestação do
serviço público de energia elétrica (art. 91, incisos I e II).
Oportuno mencionar, por fim, que não será o Judiciário, entretan-
to, insensível relativamente às situações peculiares em que o usuário
deixar de honrar seus compromissos em razão de sua hipossuficiência,
circunstância que não se amolda ao caso em exame.
Confira-se o seguinte julgado desta Corte:
”ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE ENERGIA
ELÉTRICA - FALTA DE PAGAMENTO - CORTE - MUNICÍPIO
COMO CONSUMIDOR.
1. A Primeira Seção já formulou entendimento uniforme, no senti-
do de que o não pagamento das contas de consumo de energia elétrica
pode levar ao corte no fornecimento.

FGV DIREITO RIO 52


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2. Quando o consumidor é pessoa jurídica de direito público, a mes-


ma regra deve lhe ser estendida, com a preservação apenas das unidades
públicas cuja paralisação é inadmissível.
3. Legalidade do corte para as praças, ruas, ginásios de esporte, etc.
4. Recurso especial provido” (REsp 460.271/SP, Rel. Min. Eliana
Calmon, DJ 6.5.2005).
(...)
Pelo que precede, com fundamento no §1º-A do artigo 557 do
CPC, dou provimento ao recurso especial.65

Portanto, também no que tange a entes públicos, existem algumas deci-


sões reconhecendo a possibilidade de corte do fornecimento de energia elétri-
ca, em vista da necessidade de se preservar o equilíbrio econômico-financeiro
da concessão.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, pp. 314 a 327.

CASO GERADOR 1:

Trata-se de lei estadual que estabeleceu gratuidade aos deficientes físicos


pobres no transporte ferroviário de passageiros.
Inconformada, a concessionária pleiteia, com base no princípio do equilí-
brio econômico-financeiro da concessão, direito a reajuste da tarifa.
De outro lado, entidades de defesa dos usuários dos serviços públicos ale-
gam que o princípio da modicidade tarifária determina que, tendo em vista
o reduzido número de pessoas potencialmente aptas a se beneficiar da gratui-
dade, não se há de falar em rompimento do equilíbrio econômico-financeiro
da concessão.
A seu ver, como deveria ser resolvida a controvérsia?

CASO GERADOR 2:

Considere as seguintes situações:

1. João, morador de área pobre da cidade, não paga a conta de luz de sua
humilde casa há três meses, desde que perdeu seu emprego. 65
STJ, RESP 757016, Min. Humberto
Martins, DOU 09.08.2006

FGV DIREITO RIO 53


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2. Maria também não paga sua conta de luz há seis meses, pois, consi-
derando o seu apertado orçamento, está priorizando a economia de recur-
sos para reformar sua casa. Acredita que seu consumo, sendo relativamente
baixo, não trará qualquer prejuízo à “portentosa” concessionária, que possui
como acionistas controladores de fundos de investimento e pujantes grupos
internacionais.
3. Adicionalmente, a prefeitura da cidade onde moram João e Maria tam-
pouco paga a conta de energia elétrica de suas repartições há mais de um
ano, pois o prefeito vem priorizando investimentos nas escolas do municí-
pio, alegando não sobrar recursos para essa despesa. A prefeitura depende da
energia elétrica não apenas para iluminar suas repartições, mas também para
o funcionamento de escolas e hospitais.
4. A concessionária que presta o serviço público de transporte urbano na
cidade, por força de contrato de concessão, tampouco paga a conta de luz há
mais de seis meses, alegando que a receita arrecadada com a venda de pas-
sagens tem sido insuficiente para cobrir todos os seus gastos, sendo que está
priorizando o pagamento dos funcionários.

Como advogado da concessionária de energia elétrica que distribui ener-


gia elétrica para João, Maria, a prefeitura e a concessionária de transporte fer-
roviário da cidade, que medida você proporia à sua cliente em cada uma das
situações acima relatadas? É possível cortar o fornecimento de energia elétrica
em todas as hipóteses? A sua resposta permaneceria a mesma se, ao invés de
energia elétrica, o serviço cujo pagamento se encontra em aberto fosse o de
fornecimento de água e esgoto?

LEITURA COMPLEMENTAR:

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella de. Parcerias na administração pública. 4a


ed. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 77 a 89.
GROTTI, Dinorah. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São
Paulo: Malheiros.
MEDAUAR, Odete. Serviços públicos e serviços de interesse econômico ge-
ral. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Uma avaliação das
tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Re-
novar, 2003.

FGV DIREITO RIO 54


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 8: EXTINÇÃO DO CONTRATO DE CONCESSÃO


DE SERVIÇO PÚBLICO

OBJETIVO:

Discutir as diferentes razões pelas quais pode ser encerrado o contrato de


concessão. Apresentar o instituto da reversão dos bens do concessionário.

INTRODUÇÃO:

Da extinção do contrato de concessão

O art. 35 da Lei nº 8.987/1995 determina as hipóteses de extinção do


contrato de concessão:

Art. 35. Extingue-se a concessão por:


I - advento do termo contratual;
II - encampação;
III - caducidade;
IV - rescisão;
V - anulação; e
VI - falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento
ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.
§ 1o. Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os
bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário
conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.
§ 2o. Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço
pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e
liquidações necessários.
§ 3o. A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a
utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.
§ 4o. Nos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder
concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos le-
vantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da
indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e
37 desta Lei.

A extinção ordinária é aquela que ocorre no advento do termo final, quan-


do ocorre a reversão ao poder público dos bens vinculados ao serviço.
Adicionalmente, existem hipóteses em que o Estado poderá retomar anteci-
padamente a concessão, de forma transitória ou permanente. A primeira ocor-

FGV DIREITO RIO 55


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

rerá em casos de força maior, como greves, calamidades públicas, decretação do


estado de defesa ou estado de sítio. A segundo terá lugar nos casos de anulação,
encampação, caducidade, rescisão, distrato, renúncia e força maior.66
Sobre as hipóteses de anulação do contrato de concessão, observa Diogo
de Figueiredo Moreira Neto:

Esta é forma de desfazimento contratual genérica, que se dá quando


os elementos do contrato administrativo não se conformam aos dita-
mes legais. Tanto cabe à Administração quanto ao Judiciário declarar
a nulidade que, como é sabido, atua ex nunc, devolvendo as partes à
situação ao contrato desfeito.
Por outro lado, em razão da existência de cláusulas privadas insertas
no contrato administrativo, no campo de aplicação da autonomia da
vontade, será possível caracterizar-se também hipóteses de anulabilida-
de, nos casos previstos na lei civil, por incapacidade da parte privada ou
emanação viciada da sua vontade.67

A encampação, por sua vez, diz respeito às hipóteses de encerramento do


contrato de concessão por interesse público, sem que tenha havido inadimple-
mento da concessionária, estando prevista no art. 37 da Lei nº 9.897/1995:

Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder


concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse pú-
blico, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da
indenização, na forma do artigo anterior.

Veja-se que a lei exige que haja lei específica autorizando a encampação,
a qual somente pode ser efetivada após o pagamento da indenização ao par-
ticular.
A caducidade, ao revés, poderá ocorrer nos casos de inexecução total ou
parcial, pela concessionária, dos deveres assumidos no contrato de concessão:

Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a cri-


tério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão
ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste
artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.
§1o. A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder
concedente quando: 66
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo
Moreira. Curso de direito administrativo.
I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou defi- 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 444.
ciente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros
67
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo
definidores da qualidade do serviço; Moreira. Curso de direito administrativo.
14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 444.

FGV DIREITO RIO 56


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições


legais ou regulamentares concernentes à concessão;
III - a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto,
ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;
IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou
operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;
V - a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infra-
ções, nos devidos prazos;
VI - a concessionária não atender a intimação do poder concedente
no sentido de regularizar a prestação do serviço; e
VII - a concessionária for condenada em sentença transitada em
julgado por sonegação de tributos, inclusive contribuições sociais.
§2o. A declaração da caducidade da concessão deverá ser precedida
da verificação da inadimplência da concessionária em processo admi-
nistrativo, assegurado o direito de ampla defesa.
§3o. Não será instaurado processo administrativo de inadimplência
antes de comunicados à concessionária, detalhadamente, os descum-
primentos contratuais referidos no § 1º deste artigo, dando-lhe um
prazo para corrigir as falhas e transgressões apontadas e para o enqua-
dramento, nos termos contratuais.
§4o. Instaurado o processo administrativo e comprovada a inadim-
plência, a caducidade será declarada por decreto do poder concedente,
independentemente de indenização prévia, calculada no decurso do
processo.
§5o. A indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na
forma do art. 36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas
contratuais e dos danos causados pela concessionária.
§6o. Declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente
qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus,
obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da
concessionária.

Em razão da relevância da atividade desenvolvida – serviço público – a


concessionária somente pode rescindir o contrato por meio de ação judicial,
devendo manter a prestação do serviço até o trânsito em julgado da decisão
que lhe defira o pedido formulado, conforme se observa do art. 39, parágrafo
único, da Lei nº 8.987/1995:

Art. 39. O contrato de concessão poderá ser rescindido por inicia-


tiva da concessionária, no caso de descumprimento das normas con-
tratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente
intentada para esse fim.

FGV DIREITO RIO 57


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput deste artigo, os ser-


viços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou
paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado.

Da reversibilidade dos bens objeto da concessão

Como já visto, a concessão corresponde a uma forma descentralizada de


prestação de serviço público que se consubstancia por meio de um contrato
administrativo, pelo qual o Poder Público concedente transfere a um conces-
sionário a execução de determinado serviço público, sob sua efetiva regula-
ção, mediante o pagamento de tarifas pagas pelos usuários.
Sobre a natureza jurídica da concessão, salienta Celso Antonio Bandeira
de Mello, que a mesma constitui “uma relação jurídica complexa, composta
de um ato regulamentar do estado que fixa unilateralmente condições de
funcionamento, organização e modo de prestação do serviço, isto é, as con-
dições por meio do qual o concessionário voluntariamente se insere debaixo
da situação jurídica objetiva estabelecida pelo Poder Público, e de contrato,
por cuja via se garante a equação econômico-financeira, resguardando os le-
gítimos objetivos de lucro do concessionário”.68
Destarte, em se tratando a concessão de um contrato administrativo, esta
se formaliza por intermédio de um instrumento escrito, onde são fixadas as
cláusulas indispensáveis à validade do negócio jurídico. Com efeito, deve o
contrato de concessão obrigatoriamente enunciar o objeto, a área e o prazo
da concessão; o preço do serviço; os critérios e procedimentos para reajuste e
revisão das tarifas; os direitos e deveres dos usuários para desfrute das presta-
ções; os direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessio-
nária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades futuras de alteração
e expansão do serviço; as penalidades contratuais e administrativas a que se
sujeita a concessionária; os casos de extinção da concessão; os bens reversíveis;
os critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à
concessionária; as condições de prorrogação do contrato; a forma de presta-
ção de contas da concessionária ao poder concedente; e, finalmente, o foro e
o modo de solução das divergências contratuais.69
Deve-se observar que a legislação de regência, ao exigir a adoção de tais
cláusulas no contrato de concessão, considerados essenciais para a sua forma-
ção, dispôs sobre a natureza do referido negócio jurídico, onde se constata
a necessidade do Poder Público, mediante o exercício da sua função regula-
tória, ditar para o concessionário as condições pelas quais o serviço deva ser
prestado ao usuário. Para tanto, necessário se faz que a organização e o fun-
cionamento do serviço delegado, mesmo passando a ser executado por um
particular, não percam as suas características de generalidade, essencialidade, 68
Curso de Direito Administrativo. 13ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 632.
continuidade, modicidade tarifária, relevância, de ser prestado de forma igual 69
Lei 8.987/95, art. 23.

FGV DIREITO RIO 58


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

para todos os usuários e de ter, por fim, a satisfação de uma necessidade cole-
tiva. Dentre as cláusulas essenciais do contrato encontram-se aquelas relativas
aos bens reversíveis e aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das
indenizações devidas à concessionária.
No que concerne às Concessionárias impõe-se, segundo o art. 31 da men-
cionada Lei nº 8.987/1995, manter em dia o inventário e o registro dos bens
vinculados à concessão, e zelar pela integridade dos mesmos. Esse regramento
tem a finalidade de zelar pelo real cumprimento dos objetivos da concessão,
traçando, de forma rígida, comportamentos a serem adotados por ambos os
contratantes, notadamente para que o serviço público concedido seja presta-
do de modo a alcançar os interesses da coletividade.
Cumpre salientar que a reversão de bens constitui um preceito tradicional
nas leis brasileiras referentes às concessões de serviços públicos. Nesse sen-
tido, a normativa vigente estabelece que, extinta a concessão, retornam ao
poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos
ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.
É de notar-se que a reversão pode ser definida como a entrega pelo con-
cessionário ao poder concedente dos bens vinculados à concessão, por oca-
sião do fim do contrato, em virtude de sua destinação ao serviço público, de
modo a permitir sua continuidade. Essa devolução constitui um corolário
do contrato em que o concessionário se coloca transitoriamente em lugar do
Poder Público concedente para a prestação de um serviço que incumbe a este.
Assim é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “a reversão é a passagem
ao poder concedente dos bens do concessionário aplicados ao serviço, uma
vez extinta a concessão. Portanto, através da chamada reversão, os bens do
concessionário, necessários ao exercício do serviço público, integram-se no
patrimônio do concedente ao se findar a concessão.”70
O ponto nodal nesse campo de questões está em saber se a reversão atinge
a todos os bens que entraram no acervo da concessão. Com efeito, a diver-
gência em torno da qualificação dos bens reversíveis é freqüente, e isso se
deve, na maioria das vezes, a pouca precisão dos editais de licitação e das
cláusulas contratuais.
Pode-se assegurar que não há uma regra clara na legislação em vigor sobre
os chamados bens reversíveis. Nada obstante, costuma-se conceituá-los como
aqueles diretamente vinculados e necessários ao serviço público, que integra-
rão o patrimônio do concedente ao se findar a concessão.
Ressalte-se que os bens envolvidos na prestação do serviço objeto da conces-
são podem ser públicos ou privados, dependendo de sua origem. A esse propó-
sito, ao discorrer sobre o regime dos bens de propriedade da empresa estatal que
desempenha serviço público, mediante concessão ou permissão, doutrina Maria
Sylvia Zanella di Pietro que ela possui um patrimônio próprio, embora tenha 70
Celso Antônio Bandeira de Mello.
que se utilizar, muitas vezes, de bens pertencentes à pessoa pública política. Prestação de Serviços Públicos e Admi-
nistração Indireta. RT, 1973, p.53.

FGV DIREITO RIO 59


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Assim, dentre os bens nele integrados, distinguem-se duas espécies. Os


que estão diretamente afetados à execução do serviço público e os que não es-
tão afetados. Nesse sentido, esclarece a respeitada administrativista que se os
bens das concessionárias e permissionárias são afetados a um serviço público,
eles têm que se submeter ao mesmo regime jurídico a que se submetem os
bens pertencentes à União, Estados e Municípios, também afetados à realiza-
ção de serviços públicos.
Se fosse possível a essas empresas alienar livremente esses bens, se esses
bens pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, ha-
veria uma interrupção no serviço público. E o serviço é considerado público
precisamente porque atende a necessidades essenciais da coletividade. Daí a
impossibilidade de sua paralisação, e daí a sua submissão a regime jurídico
publicístico.
No caso do serviço público, é a pessoa pública política (União, Estado ou
município) que detém a sua titularidade: a concessionária apenas o executa
e não tem qualquer disponibilidade sobre ele, como também não tem a livre
disponibilidade sobre os bens afetados ao serviço público.71
Releva assinalar que diversas são as opiniões acerca da reversibilidade dos
bens privados na concessão de serviços públicos. Colhe-se, nesse sentido, o
magistério de Luiz Alberto Blanchet:

A opinião predominante é no sentido de que somente os bens ne-


cessários à prestação do serviço concedido, e para esse fim efetivamente
utilizados, deveriam ser revertidos ao poder concedente, conforme, ali-
ás, entende também o Supremo Tribunal Federal. Este é o posiciona-
mento mais condizente com o princípio da permanência, ou continui-
dade, do serviço, pois se os bens efetivamente utilizados na prestação
adequada do serviço já são suficientes para preservar a continuidade
de sua prestação, a reversão dos demais bens é supérflua, e de qualquer
modo terá sido paga com recursos públicos antes da concessão (se já
existentes ou adquiridos pelo poder concedente para utilização na pres-
tação do serviço), durante (dissolvido o seu custo no valor da tarifa), ou
ao final da concessão mediante indenização ao concessionário (se assim
estiver previsto no contrato).72

De fato, no entender de Hely Lopes Meirelles, somente devem ser rever-


tidos os bens vinculados à prestação do serviço, podendo a empresa dispor
livremente sobre os demais bens não utilizados no serviço. Assim sustenta o
71
Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Na-
jurista, com singular clareza que: tureza jurídica dos bens das empresas
estatais, Revista PGE de São Paulo, dez.
1988: 173-185, p. 182 e ss.
Segundo a doutrina dominante, acolhida pelos nossos Tribunais, a 72
Luiz Alberto Blanchet. Concessão de
reversão só abrange os bens, asseguram sua adequada prestação. Se o Serviços Públicos. 2ª ed. Editora Juruá:
2000, p.102.

FGV DIREITO RIO 60


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

concessionário, durante a vigência do contrato, formou um acervo à


parte, embora provindo da empresa, mas desvinculado do serviço e sem
emprego na sua execução, tais bens não lhe são acessórios e, por isso,
não o seguem necessariamente, na reversão.73

É de se salientar que a noção de vinculação dos bens à prestação dos ser-


viços também está relacionada ao regime tarifário, pois que a rigor somente
os bens empregados na sua execução são alcançados pela tarifa. Essa relação
fica muito bem realçada na doutrina de José dos Santos Carvalho Filho: “... o
objeto da reversão consiste apenas nos bens empregados pelo concessionário
para a execução do serviço, e isso porque apenas esses foram alcançados pela
projeção das tarifas. Os bens adquiridos com sua própria parcela de lucros,
todavia, permanecem em seu poder, até mesmo porque situação contrária
vulneraria o direito de propriedade, assegurado no art. 5º, XXII, da CF.”74
No direito pátrio, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal há mui-
to consagra o entendimento de que só são reversíveis os bens efetivamente
imprescindíveis ao contrato. À guisa de exemplo, é oportuno colacionar o
seguinte acórdão:

Serviço de bondes do Distrito Federal; Reversão à Prefeitura dos


bens da companhia sua cessionária; Somente são reversíveis aque-
les vinculados, próprios ou afetos à execução do serviço concedido,
na conformidade do respectivo contrato, esclarecido por “termos de
acordo” posteriores; Os adquiridos, portanto, pela concessionária, por
aplicação de seus recursos, sem aquela destinação, são de sua livre pro-
priedade e, conseqüentemente, não reversíveis. Recurso extraordinário
por violação dos arts. 2º da lei de introdução ao código civil, 644 e 647
do código civil, 141, par. 2º, da constituição federal, e da lei nº. 1.533,
de 1951; Improcedência das argüições. Revogabilidade de ato admi-
nistrativo. Divergência inexistente, face à jurisprudência a respeito as-
sentada. Argüição, sobre serôdia, descabida e violação da lei orgânica
do distrito federal. Descabimento, conseqüente, do recurso; seu não
conhecimento.75

Outro aresto pode ser destacado no mesmo sentido: “Concessão de Servi- 73


Hely Lopes Meirelles. Direito Admi-
nistrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo:
ço Público – Reversão – Contrato – Não cabe a reversão de bens não vincu- Malheiros, 2003, p. 379.
lados ao serviço concedido, que podem ser livremente alienados pelo conces- 74
José dos Santos Carvalho Filho. Manu-
al de Direito Administrativo. 10ª ed. Rio
sionário, nos termos do contrato de concessão”.76 de Janeiro: Lumem Júris, 2003, p. 330.
Conclui-se, das elucidativas referências, que somente os bens efetivamente 75
RE 32865. Relator Min. EDGARD COS-
TA. Julgamento em 28/08/1956. Órgão
atrelados ao contrato de concessão são passíveis de reversão. Do contrário, se Julgador 2ª TURMA.
quisesse o poder concedente apropriar-se de todos os bens da concessioná- 76
RE 71727-RJ. Relator Min. DJACI
ria, indiscriminadamente, configurar-se-ia um autêntico processo de desa- FALCÃO. Julgamento em 11/12/1979.
Órgão Julgador 2ª TURMA.

FGV DIREITO RIO 61


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

propriação, não só dos bens da empresa mas também do seu capital. Não se
pode olvidar que a reversão está sujeita a postulados fundamentais dos quais
o poder concedente não pode afastar-se, podendo-se citar como exemplo
o de que ninguém deve enriquecer-se às expensas de outro. Com base neste
princípio, aliás, é que a Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995), no seu art.
36, se preocupou em prever o instrumento da indenização para o caso de
investimentos feitos pelo concessionário referentes a bens reversíveis que não
tenham sido amortizados.77 Cabe enfatizar que, em princípio, por ocasião do
término do prazo contratual, todos os investimentos já devem ter sido amor-
tizados ou depreciados. A esse respeito, recorre-se do magistério de Maria
Sylvia Zanella di Pietro: “Nesse caso, extinta a concessão ou a permissão, pelo
decurso do prazo inicialmente estipulado, estará, em princípio, coberto o va-
lor da indenização. Se a amortização não tiver sido total, por qualquer razão,
ou se a extinção se der antes do prazo estipulado, caberá ao poder concedente
indenizar o concessionário pelo valor restante, ainda não amortizado. É o que
estabelece o art. 36 da lei 8.987.”78
Com essas duas reservas, ao termo final do contrato de concessão o po-
der concedente pode recolher o acervo vinculado ao contrato em condições
regulares, capazes de assegurar a continuidade do serviço, e o concessionário
recobrar inteiramente o que fora investido durante o contrato na manuten-
ção dos bens reversíveis.
Via de regra, o prazo contratual é dimensionado em função de uma pre-
visão inicial dos investimentos necessários. Porém, num contrato de longa
duração, há sempre a necessidade de se fazer novos e até mesmo imprevis-
tos investimentos, inclusive em período próximo ao final da concessão, tudo
com o objetivo, como diz a lei79, de “garantir a continuidade e atualidade do
serviço concedido”.
Destarte, os investimentos adicionais feitos pela concessionária podem ser 77
Art. 36. A reversão no advento do
termo contratual far-se-á com a inde-
insuscetíveis de amortização no prazo estabelecido inicialmente. Desse modo, nização das parcelas dos investimentos
vinculados a bens reversíveis, ainda
somente se for garantido à concessionária o retorno da totalidade dos investi- não amortizados ou depreciados, que
mentos efetuados, ela os fará, atendendo com isso os interesses dos usuários. tenham sido realizados com o objetivo
de garantir a continuidade e atualidade
Vale notar, todavia, que apesar da lei dispor sobre o pagamento de indeniza- do serviço concedido.
ção, no seu art. 36, “dos investimentos vinculados a bens reversíveis”, não escla- 78
Maria Sylvia Zanella di Pietro, in Par-
cerias na Administração Pública, 3ª ed.,
receu como e quando esse pagamento deverá ser efetuado. A Lei deixa implícito Atlas, 1999, p. 86.
que, no caso de advento do termo contratual, o pagamento deverá ser feito após 79
Art. 36, Lei 8.987/1995.
a extinção (§ 2º do art. 35), mas silencia totalmente quanto à forma. 80
É o que dispõe o art. 18, da Lei
8.987/1995: O edital de licitação será
Quanto a necessidade do instrumento contratual indicar os bens que re- elaborado pelo poder concedente, ob-
verterão ao Poder Público ao término da concessão, como determina o inciso servados, no que couber, os critérios e
as normas gerais da legislação própria
X, do art. 23 da Lei de Concessões, importa assinalar que a regra também sobre licitações e contratos e conterá,
especialmente: (...) X - a indicação dos
deve ser prevista no edital da licitação.80 É de notar-se, entretanto, que essa bens reversíveis; XI - as características
dos bens reversíveis e as condições em
relação de bens constante do instrumento contratual não é taxativa, sendo que estes serão postos à disposição,
certo que outros bens que venham a ser adquiridos pela concessionária - e nos casos em que houver sido extinta a
concessão anterior;

FGV DIREITO RIO 62


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

que efetivamente venham a ser utilizados no serviço - também serão consi-


derados reversíveis.
Nessa ordem de considerações, pode-se asseverar que novos bens adqui-
ridos pela concessionária, efetivamente utilizados na prestação dos serviços,
serão passíveis de reversão ao poder concedente. Vale lembrar que os inves-
timentos feitos pela concessionária em bens vinculados ao serviço objeto do
contrato, devem ser depreciados durante o decorrer da concessão, na for-
ma do contrato, sendo correto afirmar que, caso ao final desta não tenha
sido possível amortizá-los em sua totalidade, deverá incidir a indenização
dos mesmos pelo poder concedente. É importante mencionar também que,
no caso de haver renovação dos bens arrolados no edital ou no contrato de
concessão, e, por conseqüência, ser retirada do serviço qualquer dos referi-
dos bens, esse procedimento importará na sua desafetação. Com efeito, se
determinado bem não é mais utilizado na operação dos serviços, perde o seu
caráter, para constituir bem privado da empresa.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 328 a 337.

CASO GERADOR:

A concessionária de serviços públicos ABC, quando assumiu a conces-


são de transporte ferroviário de passageiros, não fez um inventário dos bens
recebidos do Estado – Poder Concedente. Desse modo, a ABC ainda não
cumpriu com o previsto na cláusula 9ª do contrato de concessão, de acordo
com a qual constitui seu dever organizar e manter permanentemente atua-
lizado o cadastro de bens e instalações vinculados aos respectivos serviços.
Considerando que: (i) a cláusula 12 do contrato prevê expressamente que ex-
tinta a concessão, operar-se-á a reversão de pleno direito, (ii) de acordo com
o contrato de concessão, para efeito de reversão, consideram-se bens vin-
culados aqueles realizados pela Concessionária e efetivamente utilizados na
prestação dos serviços; (iii) de acordo com o contrato de concessão e o edital,
mais especificamente na parte que trata sobre a sistemática tarifária, a tarifa
é composta de diversos fatores, dentre eles o tempo de vida útil dos trens,
devendo, inclusive, serem substituídos; (iv) a Agência Reguladora já solicitou
um posicionamento da Concessionária ABC acerca dos bens que entende
reversíveis; e (v) os investimentos que a Concessionária vem fazendo para a
implantação das novas estações e trens; indaga-se: quais os procedimentos

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administrativos que a ABC deve adotar, de forma que no futuro, quando do


advento do termo final do contrato, já estejam consolidados todos os seus
direitos vinculados aos bens aportados na concessão?

LEITURA COMPLEMENTAR:

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 4a ed.


São Paulo: Atlas, 20025, pp. 89 a 96.
SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho de Arruda. O serviço tele-
fônico fixo e a reversão de bens. In: GUERRA, Sergio. Temas de direito
regulatório. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.

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AULA 9: AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

OBJETIVO:

Apresentar o instituto das parcerias público-privadas, distinguindo-as das


concessões comuns e abordando controvérsias quanto à constitucionalidade
de determinadas previsões legais das PPPs.

INTRODUÇÃO:

As parcerias público-privadas foram introduzidas no ordenamento ju-


rídico brasileiro, em âmbito federal, por intermédio da Lei nº 11.079, de
30.12.2004.81
O instituto das PPPs foi definido por Marçal Justen Filho nos seguintes
termos:

contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do


qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública
e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por
meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia es-
pecial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obten-
ção de recursos no mercado financeiro.82
81
A terminologia “parceria público-
privada” é utilizada, aqui, em seu sen-
Uma das finalidades das PPPs consiste em “antecipar investimentos que tido preciso. Não se pode desconsiderar,
entretanto, a existência de outros insti-
exigiriam muito tempo para serem feitos apenas com recursos públicos, dan- tutos, anteriormente às PPPs, que, em
distintos graus, permitem a participa-
do ao parceiro privado a obrigação de adiantar recursos a serem recebidos ção da iniciativa privada na consecução
no futuro, de uma vez ou em parcelas”83. Ou seja, cabe à iniciativa privada de finalidades públicas ou socialmente
relevantes. Nesse sentido, citem-se as
realizar primeiramente os investimentos e a obra necessários à colocação do sociedades de economia mista, as orga-
nizações da Sociedade Civil de Interesse
serviço à disposição da população. Apenas após estar o serviço em operação, o Público – OSCIPS, as concessões tradi-
poder público ingressa então com recursos financeiros, seja complementando cionais, os convênios, dentre outras. Ver,
a respeito, ARAGÃO, Alexandre Santos
a tarifa ou remunerando integralmente o serviço prestado. Nesse sentido, de. As parcerias público-privadas – PPPs
no direito brasileiro. Revista de Direito da
dispõe o art. 7º da Lei nº 11.079/2004: Associação dos Procuradores do Novo Es-
tado do Rio de Janeiro, v. XVII – Parcerias
público-privadas (coord. Flávio Amaral
Art. 7o A contraprestação da Administração Pública será obrigato- Garcia). Rio de Janeiro: Lumen Iuris,
2006, p. 54.
riamente precedida da disponibilização do serviço objeto do contrato 82
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direi-
de parceria público-privada. to administrativo. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 549.
Parágrafo único. É facultado à Administração Pública, nos termos 83
PASIS, Jorge Antonio Bozoti e BOR-
do contrato, efetuar o pagamento da contraprestação relativa à parcela GES, Luiz Ferreira Xavier. “A nova defi-
nição de parceria público-privada e sua
fruível de serviço objeto do contrato de parceria público-privada. aplicabilidade na gestão de infra-estru-
tura pública”. Revista do BNDES. Rio de
Janeiro,dez 2003, v.10, n. 20, p. 184.

FGV DIREITO RIO 65


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

As PPPs constituem espécies do gênero “concessão”, e se dividem em PPPs


patrocinadas e PPPs administrativas, conforme definidas no art. 2º, §§1º e
2º, da Lei nº 11.079/2004:

Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de con-


cessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.
§1o. Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de
obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,
quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contra-
prestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
§2o. Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços
de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda
que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

A norma deixa claro que a característica que distingue as PPPs das de-
mais concessões, disciplinadas pela Lei nº 8.987/1995 (denominadas pela
lei “concessões comuns”), consiste na contraprestação pecuniária por parte
da Administração Pública. Nesse sentido, dispõe o art. 2º, §3º, da Lei nº
11.079/2004:

§3o. Não constitui parceria público-privada a concessão comum, as-


sim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de
que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envol-
ver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

As concessões comuns permanecem regidas pela Lei nº 8.987/1995, con-


forme expressa previsão do art. 3º, §2º, d Lei nº 11.079/2004:

§2o. As concessões comuns continuam regidas pela Lei no 8.987, de


13 de fevereiro de 1995, e pelas leis que lhe são correlatas, não se lhes
aplicando o disposto nesta Lei.

O art. 2º, §4º, da Lei nº 11.079/2004, prevê algumas limitações à cele-


bração das parcerias:

§ 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:


I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte
milhões de reais);
II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco)
anos; ou
III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o
fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

FGV DIREITO RIO 66


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O inciso I é alvo de críticas doutrinárias, uma vez que o valor de R$ 20


milhões mostra-se muito elevado para determinados Estados e Municípios
da Federação. Assim, a doutrina critica o fato de que, a prevalecer o enten-
dimento de que esse valor se aplica a toda e qualquer PPP, e não apenas às
PPPs federais, os municípios muito dificilmente poderão utilizar esse instru-
mento inovador.84
Já o inciso III tem por objetivo impedir o desvirtuamento da finalidade
das PPPs, uma vez que o seu intuito, como visto, é permitir à iniciativa pri-
vada adiantar investimentos que, em princípio, seriam realizados pelo poder
público. Dessa forma, as PPPs voltam-se a objetivos que exigem a consecução
de obras de grande vulto, não se aplicando para simples compras e prestações
de serviços, as quais devem seguir sendo regidas pela lei geral de licitações
(Lei nº 8.666/1993) e, quando relativos a serviços públicos, aplicando-se a
Lei nº 8.987/1995, conforme acima visto.
As cláusulas dos contratos de PPPs encontram-se previstas no art. 5º da
Lei nº 11.079/2004:

Art. 5o As cláusulas dos contratos de parceria público-privada aten-


derão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, no que couber, devendo também prever:
I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização
dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a
35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;
II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parcei-
ro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de
forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações as-
sumidas;
III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso
fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;
IV – as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais;
V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação
dos serviços;
VI – os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do par-
ceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a
forma de acionamento da garantia; 84
Conforme observou Marcos Juruena
VII – os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro Villela Souto, sobre o limite mínimo de
R$ 20 milhões: “Não há dúvidas de que
privado; diversos municípios ficarão impossibi-
VIII – a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução litados de adoção do mecanismo para
aprimoramento da sua gestão” SOU-
suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados TO, Marcos Juruena Villela. Parcerias
público-privadas. Revista de Direito da
os limites dos §§ 3o e 5o do art. 56 da Lei no 8.666, de 21 de junho Associação dos Procuradores do Novo
Estado do Rio de Janeiro, v. XVII – Par-
de 1993, e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no cerias público-privadas (coord. Flávio
inciso XV do art. 18 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; Amaral Garcia). Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2006, p. 34.

FGV DIREITO RIO 67


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos


econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do ris-
co de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;
X – a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro
público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário
para reparar as irregularidades eventualmente detectadas.
§1o. As cláusulas contratuais de atualização automática de valo-
res baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão
aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Públi-
ca, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo
de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas
nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização.
§ 2o Os contratos poderão prever adicionalmente:
I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a
transferência do controle da sociedade de propósito específico para os
seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação
financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se
aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do
art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;
II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financia-
dores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administra-
ção Pública;
III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber inde-
nizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos
efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias
público-privadas.

A legislação exige, ainda, que o vencedor da licitação para contratação por


intermédio de PPP constitua sociedade de propósito específico para o pro-
jeto, cujo controle não poderá ser alterado sem a prévia aprovação do poder
público (art. 9º, Lei nº 11.079/2004). A licitação para contratação das PPPs
deverá ser por meio da modalidade concorrência, e ser precedida de estudo
técnico que comprove a conveniência e a oportunidade de contratação pela
modalidade PPP, bem como que os recursos empenhados pelo poder público
na parceria não levarão ao descumprimento das metas estatuídas pela legisla-
ção de responsabilidade fiscal (art. 10).
Conforme visto, a principal característica das PPPs consiste no fato de que
o particular receberá parte ou toda sua remuneração do poder público.
Dessa forma, a lei buscou proteger o investidor contra o risco de inadim-
plemento da Administração. Nesse sentido, previu que os contratos de PPPs
poderão ser protegidos por garantias outorgadas pelo poder público ao par-
ceiro privado:

FGV DIREITO RIO 68


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pú-


blica em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas
mediante:
I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art.
167 da Constituição Federal;
II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;
III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras
que não sejam controladas pelo Poder Público;
IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições
financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;
V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal
criada para essa finalidade;
VI – outros mecanismos admitidos em lei.

Assim, caso o poder público deixe de pagar a contraprestação pactuada, o


parceiro privado poderá excutir a garantia. Especificamente no que se refere
às PPPs da União, o art. 16 autorizou a União, suas autarquias e fundações
públicas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 em Fundo
Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, com a finalidade de prestar
garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros
públicos federais.
Conforme é sabido, em regra, as dívidas do Estado são pagas por meio de
precatório, de forma que parte da doutrina vislumbra inconstitucionalidade
na existência do fundo garantidor das PPPs, por ofensa ao princípio do pre-
catório. Sustentando a constitucionalidade do Fundo, manifesta-se Fabiana
Andrada Rudge:

A Lei nº 11.079/04, ao instituir o FGP na forma de um fundo de


natureza privada e patrimônio próprio, separado do patrimônio dos
cotistas, sujeito a direitos e obrigações próprios, criou, na verdade,
uma nova espécie de entidade sem personalidade jurídica ou, confor-
me usualmente designado, uma universalidade de direito que, embora
destituída de personalidade jurídica, goza de algumas faculdades que
somente a esta são comuns, sendo que a gestão, a representação judicial
e extrajudicial, no caso do FGP, ficam a cargo da instituição financeira
controladora.
A execução contra a Fazenda não se faz devida em razão da dívida
que se visa quitar, mas, como regra, da natureza dos bens da pessoa exe-
cutada. Assim, a partir do momento em que o patrimônio deixa de ser
público e passa a ser privado, independentemente de visar garantir um
interesse público, ele deixa de estar submetido à sistemática dos preca-
tórios, passando a ser regido por normas comuns da execução civil.

FGV DIREITO RIO 69


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Mas isso, é claro, somente até o limite do montante integraliza-


do pelos cotistas. As obrigações que não puderem ser garantidas pelo
Fundo, por falta de liquidez deste, terão que ser executadas, ainda que
consubstanciadas em título extrajudicial, diretamente em face do pa-
trimônio do parceiro público, sujeitando-se, já então, como visto, às
disposições da Constituição Federal (art. 100) e do Código de Processo
Civil (arts. 730 e 731).85

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 345 a 360.

CASO GERADOR:

A privatização do sistema carcerário pode ser uma solução para que o Po-
der Público equacione o problema que vem se agravando em alguns Estados
em termos de segurança pública. Há um déficit de vagas para presos e que
não pára de aumentar. Construir e operar as penitenciárias por meio de con-
tratos de Parceria Público-Privada (PPP) poderia ser a solução. Tanto é assim
que governos estaduais vêm pensando na medida há anos, sem, contudo,
chegar à implementação.

Considerando que, no Brasil, a legislação sobre as PPPs não trata especifi-


camente da contratação de presídios, indaga-se:
(i) é possível, à luz da normativa que rege a matéria, a adoção da PPP
em termos de penitenciárias?
(ii) Se possível, e numa leitura atenta da legislação, as PPPs envolve-
riam quais funções do parceiro privado?
(iii) Como seria a contraprestação paga pela administração pública ao
parceiro privado?

LEITURA COMPLEMENTAR:
85
BRAGA, Fabiana Andrada do Amaral
GARCIA, Flavio Amaral (coord.) Parcerias público-privadas. Revista de direi- Rudge. PPP: O Fundo Garantidos, a
execução das garantias e a compati-
to da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de bilidade com o sistema constitucional
dos precatórios. Revista de Direito da
Janeiro: Lumen Iuris, 2006, v. XVII. Associação dos Procuradores do Novo
Estado do Rio de Janeiro, v. XVII – Par-
SOUTO, Marcos Juruena Vilela. Direito administrativo das parcerias. Rio de cerias público-privadas (coord. Flávio
Janeiro: Lumen Iuris, 2005. Amaral Garcia). Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2006, pp. 238 e 239.

FGV DIREITO RIO 70


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AULA 10: O NOVO REGIME JURÍDICO DAS AUTORIZAÇÕES

OBJETIVO:

Confrontar as modernas autorizações, a partir da previsão do art. 21, XII


da Constituição e das leis que regem os setores econômicos regulados, com
o clássico instituto da autorização, cuja principal característica reside na sua
precariedade e, conseqüentemente, na possibilidade de o poder público revo-
gá-la por critério de conveniência e oportunidade.

INTRODUÇÃO:

No curso de Atividades e Atos Administrativos, estudamos o instituto das


autorizações.
Naquela ocasião, observamos que a autorização constituía “ato adminis-
trativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta
ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade
material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente
proibidos”.86
No entanto, como se mostrará a seguir, o instituto da autorização também
se encontra constitucionalmente previsto para reger a exploração, por parti-
culares, tanto de serviços públicos como de atividades monopolizadas pelo
Estado. Nesses casos, o vulto dos investimentos necessários à consecução de
tais atividades se mostra incompatível com a natureza discricionária e precá-
ria que caracterização a concepção clássica da “autorização”.
É por essa razão que a doutrina tem aludido à “crise” do instituto da au-
torização e à necessidade de sua releitura no contexto inaugurado pela Cons-
tituição de 1988, principalmente após as Emendas Constitucionais nº 6 e
8/1995.

Autorização para prestação de serviços públicos?

O art. 21 da Constituição de 1988, em sua atual redação, prevê que a


autorização pode ser utilizada para reger a exploração de diversas atividades
de titularidade da União, tais como, dentre outras, telecomunicações, ra-
diodifusão, energia elétrica, navegação e infra-estrutura aeroportuária. Nesse
sentido, veja-se a redação dos arts. 21, XI e XII, da Constituição de 1988:

Art. 21. Compete à União: 86


DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Di-
(...) reito administrativo. São Paulo: Atlas,
2000, p. 211.

FGV DIREITO RIO 71


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou


permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que dis-
porá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador
e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitu-
cional nº 8, de 15/08/95:)
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens (redação
dada pela EC nº 08/95);
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento
energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se
situam os potenciais hidroenergéticos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos bra-
sileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado
ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional
de passageiros;
f ) os portos marítimos, fluviais e lacustres.”

Por outro lado, o artigo 175 da Constituição Federal, ao tratar da explo-


ração dos serviços públicos por particulares, referiu-se apenas aos institutos
da concessão e da permissão, mas não fez qualquer menção às autorizações.
Conforme se observa da leitura do caput:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente


ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação,
a prestação de serviços públicos.

Em vista dessa ausência, a doutrina discute se é possível, à luz do ordena-


mento constitucional brasileiro, a delegação de serviços públicos para explo-
ração privada por meio do instituto da autorização.
Para uma parcela da doutrina, as atividades previstas no art. 21, XI e XII,
quando prestadas no regime de autorização, não caracterizam serviços públi-
cos, mas sim atividades privadas de interesse público. Para essa corrente, os
serviços públicos efetivamente titularizados pelo Estado somente podem ser
delegados à exploração privada pelos institutos da concessão e da permissão,
conforme a previsão do art. 175 da Constituição, o que não impede, por
outro lado, que haja serviços de interesse público autorizados relativamente
àquelas atividades elencadas no art. 21. Conforme expõe Alexandre Santos
de Aragão:

FGV DIREITO RIO 72


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O art. 175 da Constituição Federal parece afirmar a titularidade


estatal sobre as atividades econômicas lato sensu qualificadas como
serviços públicos, ao estabelecer que devem ser prestados diretamen-
te pelo Poder Público ou pelas empresas privadas, concessionárias ou
permissionárias, que dele recebam a competente delegação. Não alude
o art. 175 às atividades privadas ordenadas pelo Estado mediante au-
torização. Mas os incisos XI e XII do art. 21 tratam da prestação direta
pela União ou indireta, mediante autorização, concessão ou permissão,
dos serviços de telecomunicações, de radiodifusão sonora e de sons e
imagens; serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento
energético dos curso de água; a navegação aérea, aeroespacial e a infra-
estrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquavi-
ário; os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional
de passageiros; e os portos marítimos, fluviais e lacustres.
Ao se referir à prestação de serviços mediante autorização, a Consti-
tuição incluiu entre os serviços públicos atividades não titularizadas pelo
Poder Público. Apenas a concessão e a permissão transferem a particulares
a execução de serviços públicos de titularidade estatal. As autorizações são
instrumentos de ordenação pública de atividades de titularidade privada.87

Por outro lado, autores há que entendem possível a autorização inclusive


para a prestação de serviços públicos, a partir de uma interpretação conju-
gada dos arts. 175 e 21, XI e XII, da Constituição. Nesse sentido, para Sara
Jane Leite:

Cotejando-se as regras dispostas nos arts 175 e 21, incisos XI e XII,


infere-se o seguinte: a) no que diz respeito à questão da titularidade do
Estado quanto às atividades arroladas neste, parece que não há que se
contestar a sua natureza de serviço público, pois foi o próprio legislador
constituinte que assim determinou; b) a previsão da autorização, jun-
tamente com a concessão e a permissão, como formas de delegação dos
serviços públicos lá previstos, vem realçar o caráter de discricionarieda-
de legislativa na criação de políticas públicas, uma vez que permite ao
legislador determinar qual regime jurídico será o adequado para aque-
le mercado; c) o estabelecimento do regime jurídico das autorizações
também foi transferido ao legislador infraconstitucional, uma vez que
com relação às permissões e às concessões, foi feito no art. 175.88
87
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
Na visão da autora, seriam prestados em regime de autorização atividades cias reguladoras e a evolução do Direito
Administrativo Econômico. Rio de Janei-
que se encontram em “posição intermediária entre a livre iniciativa, em que as ro: Forense, 2003, p. 151.
atividades da ordem econômica são realizadas em regime exclusivamente de 88
LEITE, Sara Jane. Regulação jurídica
direito privado, cujo ato estatal é a licença, conferido no exercício da polícia dos serviços autorizados. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2005, p. 154.

FGV DIREITO RIO 73


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

administrativa, e os serviços públicos prestados em regime de direito público,


executados de forma centralizada pelo Estado ou descentralizada, mediante de-
legação ao particular por meio de um contrato de concessão ou permissão”.89
Veja-se, em todo caso, que a própria autora, em outra passagem, ao distinguir
as características das autorizações daquelas próprias às concessões, alude à diferen-
ça entre “prestação de serviços públicos em regime de direito público e privado”,
sendo as primeiras delegadas por meio de concessão e, as segundas, objeto de
autorização para exploração privada. Dessa forma, o conceito de “serviço público
em regime de direito privado” termina por aproximar-se daquele referido por
Alexandre Santos de Aragão como “atividade privada de interesse público”.
Independentemente da corrente à qual se filie, importa ressaltar que essas
autorizações não se caracterizam pelo requisito da discricionariedade quanto à
sua revogação. Ou seja, falta-lhes o adjetivo da precariedade, segundo o qual a
Administração pode revogar seus atos autorizativos por critério de conveniência
e oportunidade. São, nesse sentido, denominadas “autorizações vinculadas”.
No entanto, embora vinculadas, não se confundem com as concessões de
serviços públicos, como se observa da seguinte passagem de Sara Jane Leite:

Suas diferenças consistem no ato firmado com a Administração (ter-


mo e contrato), nos princípios afetos aos serviços públicos e na não
obrigatoriedade de licitação, como regra, para as autorizações. Entre-
tanto, o grande elemento diferenciado consiste na questão da modi-
cidade das tarifas, uma vez que as autorizações praticam preço, que
será livre, cabendo às Agências reprimirem toda prática prejudicial à
competição, bem como o abuso do poder econômico.”90

As autorizações vinculadas costumam ser conferidas por prazo determi-


nado, hipótese em que o direito à exploração da atividade até o seu termo
final integra-se no rol de direitos subjetivos do autorizado. Nesses casos, as
autorizações não poderão ser revogadas, mas somente poderão ser extintas
por situações como advento do prazo, cassação, caducidade, decaimento (por
razão de excepcional relevância pública) renúncia ou anulação (por exemplo,
em caso de irregularidade insanável no ato que a expediu)91.

Veja-se a Lei 9472/97, que disciplina a organização dos serviços de teleco-


municação, acerca dessa questão:

Art. 63. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de 89


LEITE, Sara Jane. Regulação jurídica
telecomunicações classificam-se em públicos e privados. dos serviços autorizados. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2005, p. 155.
Parágrafo único. Serviço de telecomunicações em regime público 90
LEITE, Sara Jane. Regulação jurídica
é o prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua dos serviços autorizados, p. 163.

prestadora de obrigações de universalização e de continuidade. 91


Conforme Sara Jane Leite, Regulação
jurídica dos serviços autorizados, p. 169.

FGV DIREITO RIO 74


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de


serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, univer-
salização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.

DOS SERVIÇOS PRESTADOS EM REGIME PÚBLICO


Capítulo I

Das Obrigações de Universalização e de Continuidade

Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de


continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público.

TÍTULO III
DOS SERVIÇOS PRESTADOS EM REGIME PRIVADO
Capítulo I

Do Regime Geral da Exploração

Art. 126. A exploração de serviço de telecomunicações no regime pri-


vado será baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica.

(...)
Art. 128. Ao impor condicionamentos administrativos ao direito de
exploração das diversas modalidades de serviço no regime privado, se-
jam eles limites, encargos ou sujeições, a Agência observará a exigência
de mínima intervenção na vida privada, assegurando que:
I - a liberdade será a regra, constituindo exceção as proibições, res-
trições e interferências do Poder Público;
II - nenhuma autorização será negada, salvo por motivo relevante;
III - os condicionamentos deverão ter vínculos, tanto de necessidade
como de adequação, com finalidades públicas específicas e relevantes;
IV - o proveito coletivo gerado pelo condicionamento deverá ser
proporcional à privação que ele impuser;
V - haverá relação de equilíbrio entre os deveres impostos às presta-
doras e os direitos a elas reconhecidos.

Art. 129. O preço dos serviços será livre, ressalvado o disposto no § 2° do


art. 136 desta Lei, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição, bem
como o abuso do poder econômico, nos termos da legislação própria.

Art. 130. A prestadora de serviço em regime privado não terá direito


adquirido à permanência das condições vigentes quando da expedição

FGV DIREITO RIO 75


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

da autorização ou do início das atividades, devendo observar os novos


condicionamentos impostos por lei e pela regulamentação.
Parágrafo único. As normas concederão prazos suficientes para adap-
tação aos novos condicionamentos .

Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de


prévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radio-
freqüências necessárias.

§ 1° Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administra-


tivo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modali-
dade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições
objetivas e subjetivas necessárias.
§ 2° A Agência definirá os casos que independerão de autorização.
§ 3° A prestadora de serviço que independa de autorização comuni-
cará previamente à Agência o início de suas atividades, salvo nos casos
previstos nas normas correspondentes.
§ 4° A eficácia da autorização dependerá da publicação de extrato no
Diário Oficial da União.

Art. 132. São condições objetivas para obtenção de autorização de serviço:


I - disponibilidade de radiofreqüência necessária, no caso de serviços
que a utilizem;
II - apresentação de projeto viável tecnicamente e compatível com
as normas aplicáveis.

Art. 133. São condições subjetivas para obtenção de autorização de


serviço de interesse coletivo pela empresa:
I - estar constituída segundo as leis brasileiras, com sede e adminis-
tração no País;
II - não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público,
não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos
anteriores, com a decretação da caducidade de concessão, permissão
ou autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de
direito de uso de radiofreqüência;
III - dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, ca-
pacidade econômico-financeira, regularidade fiscal e estar em situação
regular com a Seguridade Social;
IV - não ser, na mesma região, localidade ou área, encarregada de
prestar a mesma modalidade de serviço.
Art. 134. A Agência disporá sobre as condições subjetivas para ob-
tenção de autorização de serviço de interesse restrito.

FGV DIREITO RIO 76


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 135. A Agência poderá, excepcionalmente, em face de relevantes


razões de caráter coletivo, condicionar a expedição de autorização à acei-
tação, pelo interessado, de compromissos de interesse da coletividade.
Parágrafo único. Os compromissos a que se refere o caput serão ob-
jeto de regulamentação, pela Agência, observados os princípios da ra-
zoabilidade, proporcionalidade e igualdade.

Art. 136. Não haverá limite ao número de autorizações de serviço,


salvo em caso de impossibilidade técnica ou, excepcionalmente, quan-
do o excesso de competidores puder comprometer a prestação de uma
modalidade de serviço de interesse coletivo.
§ 1° A Agência determinará as regiões, localidades ou áreas abrangi-
das pela limitação e disporá sobre a possibilidade de a prestadora atuar
em mais de uma delas.
§ 2° As prestadoras serão selecionadas mediante procedimento licitató-
rio, na forma estabelecida nos arts. 88 a 92, sujeitando-se a transferência
da autorização às mesmas condições estabelecidas no art. 98, desta Lei.
§ 3° Dos vencedores da licitação será exigida contrapartida propor-
cional à vantagem econômica que usufruírem, na forma de compro-
missos de interesse dos usuários.

Art. 137. O descumprimento de condições ou de compromissos


assumidos, associados à autorização, sujeitará a prestadora às sanções
de multa, suspensão temporária ou caducidade.

Seção II
Da extinção

Art. 138. A autorização de serviço de telecomunicações não terá sua


vigência sujeita a termo final, extinguindo-se somente por cassação,
caducidade, decaimento, renúncia ou anulação.

Art. 139. Quando houver perda das condições indispensáveis à ex-


pedição ou manutenção da autorização, a Agência poderá extingui-la
mediante ato de cassação.
Parágrafo único. Importará em cassação da autorização do serviço a
extinção da autorização de uso da radiofreqüência respectiva.

Art. 140. Em caso de prática de infrações graves, de transferência ir-


regular da autorização ou de descumprimento reiterado de compromis-
sos assumidos, a Agência poderá extinguir a autorização decretando-lhe
a caducidade.

FGV DIREITO RIO 77


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 141. O decaimento será decretado pela Agência, por ato admi-
nistrativo, se, em face de razões de excepcional relevância pública, as
normas vierem a vedar o tipo de atividade objeto da autorização ou a
suprimir a exploração no regime privado.
§1° A edição das normas de que trata o caput não justificará o de-
caimento senão quando a preservação das autorizações já expedidas for
efetivamente incompatível com o interesse público.
§ 2° Decretado o decaimento, a prestadora terá o direito de manter
suas próprias atividades regulares por prazo mínimo de cinco anos, sal-
vo desapropriação.

Art. 142. Renúncia é o ato formal unilateral, irrevogável e irretratá-


vel, pelo qual a prestadora manifesta seu desinteresse pela autorização.
Parágrafo único. A renúncia não será causa para punição do autori-
zado, nem o desonerará de suas obrigações com terceiros.

Art. 143. A anulação da autorização será decretada, judicial ou adminis-


trativamente, em caso de irregularidade insanável do ato que a expediu.

Art. 144. A extinção da autorização mediante ato administrativo de-


penderá de procedimento prévio, garantidos o contraditório e a ampla
defesa do interessado.

Autorização para exploração de atividades monopolizadas pelo Estado

A Constituição prevê a utilização do instituto da autorização também para


a exploração de recursos minerais e potenciais hidráulicos por empresas pri-
vadas, conforme se observa do art. 176, §1º:

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os


potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do
solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União,
garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1º. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento
dos potenciais a que se refere o “caput” deste artigo somente poderão
ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse
nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras
e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que
estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desen-
volverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

FGV DIREITO RIO 78


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

§ 2º. É assegurada participação ao proprietário do solo nos resulta-


dos da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.
§ 3º. A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado,
e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser
cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do
poder concedente.
§ 4º. Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento
do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.

O regime jurídico de exploração dos recursos minerais, especialmente do


petróleo e do gás natural, será abordado na próxima aula.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 360 a 363.

CASO GERADOR:

A Lei nº 9.472/1997 – A Lei Geral de Telecomunicações – prevê que o


serviço de telefonia móvel será prestado pela iniciativa privada, mediante a
outorga de autorizações pelo poder público.
Tendo em vista os estudos empreendidos sobre a participação da iniciativa
privada nas atividades econômicas de grande vulto, e à luz dos princípios
regedores da Ordem Econômica, responda:
(i) tendo em vista os estudos desenvolvidos na matéria Atividades e
Atos Administrativos, em que consiste o clássico instituto das “auto-
rizações” administrativas? Quais as suas principais características?
(ii) Considerando a sua resposta ao item (i), é razoável que o serviço de
telefonia móvel seja objeto de autorização?
(iii) Comente as diferenças entre o clássico instituto da autorização e as “moder-
nas” autorizações administrativas, como a prevista na Lei nº 9.472/1997.

LEITURA COMPLEMENTAR:

FARIAS, Sara Jane Leite de. Regulação jurídica dos serviços autorizados. Rio de
Janeiro: Lumen Iuris, 2005.

FGV DIREITO RIO 79


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 11: REGULAÇÃO DAS ATIVIDADES MONOPOLIZADAS


PELO ESTADO

OBJETIVO:

Discutir a participação do Estado nas atividades econômicas que, sem apresen-


tarem natureza jurídica de serviços públicos, constituem monopólio da União,
especialmente os casos do petróleo e do gás natural. Apresentar a controvérsia de
que se cercou a discussão quanto à constitucionalidade da Lei nº 9.478/1997.

INTRODUÇÃO:

Nos termos da Constituição Federal, algumas atividades da indústria do


petróleo e do gás natural são monopólios da União Federal:

Art. 177. Constituem monopólio da União:


I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos
resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional
ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o
transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e
gás natural de qualquer origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a in-
dustrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus de-
rivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização
e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme
as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição
Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

A redação original da Constituição de 1988 vedava à União conceder


qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, à iniciativa privada,
no que tange ao monopólio do petróleo e gás natural.
Com a edição da Emenda Constitucional nº 9, de 09.11.95, passou a
ser admissível que as atividades relacionadas à pesquisa, lavra, importação,
exportação e transporte de petróleo e gás natural fossem contratadas com
empresas estatais ou privadas, tendo em vista a alteração da redação do art.
177, §1º, da Constituição Federal:

FGV DIREITO RIO 80


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Redação original Redação dada pela EC 9/95


177 (...)
§ 1º O monopólio previsto neste artigo inclui os
Art. 177 (...)
riscos e resultados decorrentes das atividades
§ 1º A União poderá contratar com empresas
nele mencionadas, sendo vedado à União ceder
estatais ou privadas a realização das atividades
ou conceder qualquer tipo de participação, em
previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas
espécie ou em valor, na exploração de jazidas de
as condições estabelecidas em lei
petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no
art. 20, § 1º.

Dessa forma, passou a ser permitida a contratação, pela União, na forma da


lei, das seguintes atividades que compõem a indústria do petróleo e gás natural:

177. (...):
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos
resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional
ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o
transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e
gás natural de qualquer origem;

Por força do art. 177, §2º, da Constituição, as referidas atividades econô-


micas são objeto de regulação estatal por meio de órgão regulador.
Em 06.08.1997, foi promulgada a Lei Federal nº 9.478, que dispõe sobre
a Política Energética Nacional. Essa Lei estabeleceu os princípios da regu-
lação das atividades econômicas relativas ao monopólio do petróleo, bem
como a operação de instalações e equipamentos relacionados com o exercício
dessas atividades. Esse mesmo ato legislativo instituiu a Agência Nacional do
Petróleo, Gás e Biocombustível - ANP, a quem coube regular as atividades
relativas ao monopólio da indústria do petróleo e do gás natural.
O art. 5º da Lei nº 9.478/97 prevê os institutos da concessão e da autori-
zação para a exploração por terceiros das atividades da indústria do petróleo
e do gás natural:

Art. 4º Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da


Constituição Federal, as seguintes atividades:
I - a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;

FGV DIREITO RIO 81


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos


resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de
derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte,
por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.

Art. 5º As atividades econômicas de que trata o artigo anterior serão


reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante
concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasilei-
ras, com sede e administração no País.

No que tange às atividades de exploração e produção de petróleo e gás


natural92, com a entrada em vigor da Lei nº 9.478/1997 qualquer empresa
constituída sob leis brasileiras passou a ter o direito de participar das licita-
ções promovidas pela ANP com o objetivo de contratar a sua execução com
terceirosl93, devendo essa exploração correr- por conta e risco do concessio-
nário, mediante celebração de contrato de concessão. Nesse sentido dispõem
os arts. 23 e 26, caput, da Lei nº 9.478/97:

Art. 23. As atividades de exploração, desenvolvimento e produção


de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos de con-
cessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta Lei.
Parágrafo único. A ANP definirá os blocos a serem objeto de con-
tratos de concessão.
92
Na indústria do petróleo, a “explora-
Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de ção” e a “produção” são conceitos téc-
nicos e definidos. No direito brasileiro,
explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou tais definições encontram-se no art.
gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses 6º da Lei nº 9.478/97: “Art. 6º. Para os
fins desta Lei e de sua regulamentação,
bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tribu- ficam estabelecidas as seguintes defini-
ções: (...) XV - Pesquisa ou Exploração:
tos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes. conjunto de operações ou atividades
destinadas a avaliar áreas, objetivan-
(...) do a descoberta e a identificação de
jazidas de petróleo ou gás natural; (...)
XVI - Lavra ou Produção: conjunto de
Cumpre não confundir a concessão da atividade petrolífera com a concessão operações coordenadas de extração de
petróleo ou gás natural de uma jazida e
de serviços públicos. A diferenciação entre serviços públicos e atividades mono- de preparo para sua movimentação”..
polizadas pelo Estado encontra-se, dentre outros, no fato de que os primeiros 93
Dependendo, logicamente, da com-
provação de possuir os necessários
visam à satisfação de interesses coletivos, ao passo que as últimas teriam por requisitos de caráter técnico, ex vi do
finalidade principalmente o atendimento a interesses fiscais ou estratégicos do art. 25 da Lei nº 9.478/97: “Art. 25.
Somente poderão obter concessão para
Estado, embora gerem reflexos mediatos sobre o bem-estar da sociedade.94 a exploração e produção de petróleo ou
gás natural as empresas que atendam
Assim, no caso das atividades que compõem a indústria do petróleo, tem- aos requisitos técnicos, econômicos e
jurídicos estabelecidos pela ANP”.
se que a concessão é para uso de bem público e desempenho de atividade
94
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
econômica monopolizada, mas não se trata de concessão de serviço público cias reguladoras e a evolução do direito
(ver, a respeito, voto-vista do ministro Eros Roberto Grau, ADI 3273). administrativo econômico. Rio de Janei-
ro: Forense, 2003, p. 156.

FGV DIREITO RIO 82


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LEITURA OBRIGATÓRIA:

Voto do Relator e voto-de-vista do ministro Eros Grau na ADI – MC


3.273-DF (ver Anexo III a esta apostila).

CASO GERADOR:

O Governo do Estado do Paraná ajuizou ação direta de inconstitucio-


nalidade, com pedido de liminar, em face de diversos dispositivos da Lei nº
9.478/1997 – que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades
relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política
Energética e a Agência Nacional do Petróleo.
Dentre os dispositivos legais impugnados, encontrava-se o art. 26, caput,
da Lei nº 9.784/1997, cuja redação é a seguinte:

Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de


explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo
ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade,
desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento
dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais corres-
pondentes.

A insurgência referia-se, especialmente, à expressão “conferindo-lhe a pro-


priedade, desses bens, após extraídos”.
Além dos incisos I a IV e §§1º e 2º do art. 177 da Constituição Federal, já
acima transcritos, o art. 26 ofenderia, por exemplo, o art. 20, IX, o qual elen-
ca, dentre os bens de titularidade da União, “os recursos minerais, inclusive
os do subsolo”. Igualmente, o §1º do art. 30, da CF/88 determina:

§1º. É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Fe-


deral e aos Municípios, bem como a órgãos de administração direta
da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás
natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e
de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma conti-
nental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação
financeira por essa exploração.

Ao deferir a medida cautelar pleiteada, o relator afirmou que dentre os bens


abrangidos pelo dispositivo em questão, encontravam-se o petróleo e o gás
natural, que seriam classificados como recursos minerais. Em seguida, afirmou
que, apesar de os recursos poderem ter pesquisa e lavra realizadas por particu-

FGV DIREITO RIO 83


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

lares por meio de concessão ou autorização, essa delegação não podia chegar a
transferir ao ente privado a titularidade sobre o resultado do produto da lavra,
sob pena de ofensa aos arts. 176 e 177. Nesse sentido, argumentou:

I – petróleo e gás natural são bens da União, sejam os encontrados


no subsolo, sejam os situados na plataforma continental, no mar terri-
torial ou zona econômica exclusiva (art. 20, inciso IX e §1º);
II – do resultado da sua exploração participam ou são compensados
(conforme o caso) os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem
como certos órgãos da Administração Direta d União e mais o proprie-
tário do respectivo solo, se de jazida em subsolo se tratar (§1º do art.
20, combinadamente com o §2º do art. 176);
(...)
IV – revelam-se como propriedade distinta da do solo, para efeito de
exploração ou aproveitamento (caput do art. 176);
V – são recursos passíveis de ter a sua pesquisa e lavra, ou sua explo-
ração e aproveitamento, realizáveis por via de autorização ou concessão
(art. 176 e seu §1º), mas agora sem a possibilidade de transferência
do produto da lavra para o concessionário, por ser essa transferência
incompatível com o regime de monopólio a que se referem o inciso I
do art. 177 e o §2º, inciso III, desse mesmo artigo);
(...)

Entretanto, conforme você poderá notar a partir da leitura obrigatória o


entendimento acima acabou não prevalecendo, tendo sido exitosa a tese de
que o art. 26, caput, da Lei nº 9.478/1997 não se apresenta incompatível
com os arts. 20, IX, 176 e 177 da Constituição.
Após ler o voto-vista do ministro Eros Roberto Grau, procure elencar os
argumentos ali esposados em favor da constitucionalidade do referido dispo-
sitivo legal.

LEITURA COMPLEMENTAR:

MARTINS, Daniela Couto. A regulação da indústria do petróleo segundo o


modelo constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
VALOIS, Paulo (org.). Temas de direito do petróleo e do gás natural. Rio de
Janeiro: Lumen Iuris, 2002.
__________. Temas de direito do petróleo e do gás natural II. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2005.

FGV DIREITO RIO 84


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 12: AGÊNCIAS REGULADORAS I. AGÊNCIAS REGULADORAS


E SUA CONSTITUCIONALIDADE. CARACTERÍSTICAS.

OBJETIVO:

Apresentar as características das agências reguladoras e as principais con-


trovérsias atinentes à sua constitucionalidade.

INTRODUÇÃO:

Agências reguladoras: breve apresentação

Para melhor realizar o feixe de atribuições regulatórias da atividade eco-


nômica que lhe foi conferido pela Constituição de 1988, o Estado insti-
tuiu as agências reguladoras, inspiradas nas agencies norte-americanas, con-
ferindo-lhes competências para fiscalizar e ditar normas sobre determinados
mercados. Conforme expõe Diogo de Figueiredo Moreira Neto, as agências
reguladoras surgem no âmbito de um movimento de descentralização admi-
nistrativa, donde se revestirem de natureza jurídica autárquica:

Assim é que a descentralização autárquica, depois de um certo de-


clínio, ressurgiu, restaurada, como a melhor solução encontrada para
conciliar a atuação típica de Estado, no exercício de manifestações im-
perativas, de regulação e de controle, que demandam personalidade
jurídica de direito público, com a flexibilidade negocial, que é propor-
cionada por uma ampliação da autonomia administrativa e financeira,
pelo afastamento das burocracias típicas da administração direta e, so-
bretudo (...) pelo relativo isolamento de suas atividades administrativas
em relação à arena político-partidária.95

A terminologia “agência reguladora” não encontra respaldo na Carta Cons-


titucional de 1988, que utilizou o termo “órgão regulador” para se referir à
criação de autoridades regulatórias independentes.96 Veja-se, a esse respeito,
o já anteriormente citado art. 177, §2º, III, da Constituição Federal, bem 95
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
Mutações do direito administrativo. Rio
como o art. 21, IX, que dispõe: de Janeiro: Renovar, 2001, p. 147.
96
Adicionalmente, no direito pátrio,
o termo “agência” já foi utilizado para
Art. 21. Compete à União: designar agências de desenvolvimento
... regional, como sinônimo de estabe-
lecimento comercial, e mesmo como
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou espécie contratual típica (o “contrato
de agência”).
permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que dis-

FGV DIREITO RIO 85


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

porá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador


e outros aspectos institucionais.

Em que pesem as críticas formuladas, a legislação infraconstitucional, a


doutrina e a jurisprudência terminaram por consagrar a adoção do termo
“agências reguladoras” no direito brasileiro.
Como visto, as agências reguladoras apresentam natureza jurídica de au-
tarquias especiais. O adjetivo “especial” deve-se ao fato de que possuem ele-
mentos que tornam sua autonomia robustecida comparativamente à genera-
lidade das autarquias. As principais características das agências reguladoras
são assim descritas por Caio Tácito:

Sem prejuízo da diversidade das áreas que gerenciam, as Agên-


cias Reguladoras apresentam, como pontos comuns, as seguintes ca-
racterísticas: constituídas como autarquias especiais, afastam-se da
estrutura hierárquica dos Ministérios e da direta influência políti-
ca do Governo, com acentuado grau de independência; gozam de
autonomia financeira, administrativa e, especialmente, de poderes
normativos complementares à legislação própria do setor; dotadas de
poderes amplos de fiscalização, operam como instância administra-
tiva final nos litígios sobre matéria da sua competência; respondem
pelo controle de metas de desempenho fixadas para as atividades dos
prestadores de serviço, segundo diretrizes do governo e em defesa da
comunidade.97

As agências reguladoras são dirigidas por uma diretoria colegiada, cujos


membros devem caracterizar-se por notório conhecimento na área de atua-
ção da agência. Nesse sentido, prevê a Lei nº 9.986/2000:

Art. 4º. As agências serão dirigidas em regime de colegiado, por um


Conselho Diretor ou Diretoria composta por Conselheiros ou Direto-
res, sendo um deles o seu Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-
Presidente.

Art. 5º. O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente e


os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria serão brasi-
leiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito
no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados,
devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nome-
ados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do
97
TÁCITO, Caio. “Agências Reguladoras
inciso III do art. 52 da Constituição Federal. da Administração”. Revista de Direito
Administrativo, nº 221, julho - setem-
bro/2000, pp. 3 e 4.

FGV DIREITO RIO 86


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Autonomia das agências reguladoras 98


Nas palavras de Lucia Helena Salgado
e Ronaldo Seroa da Motta, a expressão
“captura” “foi cunhada para retratar o
Para o fiel cumprimento de suas finalidades, mostra-se essencial garantir problema do vínculo de dependência
que se forma entre regulador e regu-
que as agências reguladoras tenham transparência, permeabilidade e neutra- lado. Entre eles existe uma questão
básica, a assimetria de informação (e
lidade no seu funcionamento, pois precisam guardar uma posição de eqüidis- problemas associados). O regulado, na
medida em que desempenha direta-
tância entre a Administração Pública direta, os agentes privados e o usuário. mente a atividade econômica, dispõe
A fim de não haver captura98 pelo Poder Executivo Central, faz-se neces- de informação – sobre custos, princi-
palmente, e condições de operação –
sário garantir aos dirigentes das agências mandato fixo e inamovibilidade, à que o regulador só obtém de segunda
mão, por meio do próprio regulado.
exceção das estritas hipóteses de comprovado desvio de função.99 A organiza- O regulador pode ser levado a tomar
ção dos quadros de funcionários das agências100 e a atribuição da natureza de decisões contrárias às suas intenções
de zelar pelo interesse público por não
servidor público ao pessoal técnico, por sua vez, também se mostram impor- dispor de informações adequadas ou
por ser pressionado a tomar decisões
tantes passos no processo de se evitar a captura do regulador pelos agentes do em uma direção ou outra. É o que se
convencionou chamar de seleção ad-
mercado. Também as agências caracterizam-se por serem a última instância versa.” Hoje em dia, entretanto, esse
decisória na esfera administrativa. risco “abrange também a relação entre
regulador e governo, ou seja, o governo
A autonomia das agências reguladoras desdobra-se em duas distintas es- também pode ser sujeito dessa captu-
ra”. SALGADO, Lucia Helena e SEROA
pécies, quais sejam, a orgânica e a administrativa. A primeira relaciona-se DA MOTTA, Ronaldo (ed). Marcos regu-
ao exercício das atividades-fim da agência e diz respeito à autonomia para latórios no Brasil: o que foi feito e o que
falta fazer. Rio de Janeiro: IPEA, 2005,
manejar os instrumentos regulatórios.101 Não se apresenta, contudo, imune pp. 9 e 10.

a limites, sendo condicionada pelas finalidades expostas na lei de criação do 99


Em sentido contrário, veja-se a posi-
ção do Ministro do Supremo Tribunal
ente regulador, nos princípios que regem a Administração Pública e nas polí- Federal Eros Roberto Grau, o qual,
analisando especificamente a questão
ticas públicas estabelecidas para o setor. A autonomia orgânica pode ser com- do mandato fixo e estabilidade dos
preendida como relacionando-se à estabilidade dos dirigentes e à ausência de dirigentes como característica intrín-
seca às agências reguladoras, assim
controle hierárquico das decisões das agências.102 se manifestou: “A suposição de que
auxiliares menores do chefe do Poder
A autonomia administrativa refere-se à importância de se conferir à agên- Executivo, dirigentes de autarquias,
não possam ser livremente nomeados e
cia os meios para efetivar suas competências. Traduz-se na autonomia de ges- exonerados por ele é, mesmo em tese,
tão do órgão (isto é, na capacidade de gerir o seu orçamento), na autonomia incompatível com o regime presiden-
cialista. Mais do que isso, o artigo 84,
financeira, na liberdade para organizar os seus próprios serviços e em um II, da Constituição do Brasil afirma ser
da competência privativa do Presidente
regime de pessoal compatível com a natureza das atividades desenvolvidas. da República o exercício da direção su-
perior da administração federal. Daí ser
absurda a idéia de que os dirigentes de
autarquias seriam titulares de direito a
serem mantidos em seus cargos além
LEITURA OBRIGATÓRIA: de um mesmo período governamental,
o que, na expressão de Celso Antônio,
consubstanciaria uma fraude contra o
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a próprio povo.” GRAU, Eros Roberto. “As
agências, essas repartições públicas”.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 384 a 404. In: SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação
e desenvolvimento. São Paulo: Malhei-
Voto do ministro Nelson Jobim na ADI 1949-0. ros, 2002, pp. 27 e 28.
100
A esse respeito, observa Cristiane De-
rani: “A concessão de serviços públicos e
a criação das agências implicam numa
CASO GERADOR: ampliação da atividade normativa do
Estado. E, quanto mais complexa for
a atividade concedida, quanto mais
abrangente e fundamental forem os
A Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio serviços entregues à atividade privada,
maior será a necessidade de funcioná-
Grande do Sul (AGERGS) foi criada sob a forma de Autarquia Especial, rios altamente qualificados, indepen-
fundamentada na necessidade de autonomia administrativa, financeira e de- dentes e vinculados a um extenso rol
de deveres normatizados.” Privatização

FGV DIREITO RIO 87


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

cisória para eficazmente regular, controlar e fiscalizar, em especial, as áreas de


saneamento, energia elétrica, rodovias, telecomunicações, portos e hidrovias,
irrigação, transporte intermunicipal de passageiros, aeroportos, distribuição
de gás canalizado e inspeção de segurança veicular. Na atividade de regulação,
a AGERGS realiza análises do desempenho econômico dos serviços delegados
e da eficiência dos mesmos, bem como pesquisas junto aos usuários para asse-
gurar que estão pagando preços justos e recebendo serviços de qualidade.
O Estado do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Direta de Inconstitucionali-
dade – ADIN 1949-0 – contestando a redação dos arts. 7º e 8º do texto legal
que criou a AGERGS, a Lei Estadual nº 10.931, de 09/01/1997, alterada
pela Lei Estadual nº 11.292, de 23/12/1998, que dispõem:

Art.7º O Conselheiro terá mandato de 4 (quatro) anos, será nome-


ado e empossado somente após a aprovação do seu nome pela Assem-
bléia Legislativa (...)

Art.8º O Conselheiro só poderá ser destituído, no curso de seu


mandato, por decisão da Assembléia Legislativa.

O Estado alegou que:

t B "(&3(4 UJOIB GVOÎÍP QMBOFKBEPSB F FTUÈ JOTDSJUB OP ÉNCJUP EP


Executivo devendo obediência ao chefe do Poder Executivo. Sendo
parte integrante da administração pública do Estado do Rio Grande
do Sul, os cargos da instituição só poderiam ser providos por concurso
público ou nomeação para cargo em comissão;
t BPDPOEJDJPOBSBFYPOFSBÎÍPEPTDPOTFMIFJSPTEB"(&3(4 OPDVS-
so dos respectivos mandatos, à decisão da Assembléia Legislativa, em
realidade tornava sem efeito a livre exonerabilidade dos ocupantes de
cargo de provimento em comissão pelo chefe do Poder Executivo,
prevista no art. 37, II, da Constituição Federal/88;
t PTDPOTFMIFJSPTEB"(&3(4TÍPFRVJQBSBEPTBPDVQBOUFTEFDBSHPT
e serviços públicos: as ações do Estado
de provimento em comissão, precários por sua própria natureza, da na produção econômica. São Paulo: Max
Limonad, 2002, pp. 93/94.
confiança do governante; 101
Conforme Floriano de Azevedo Mar-
t TFOEP ØSHÍP UÏDOJDP  BVYJMJBS OB GPSNVMBÎÍP F FYFDVÎÍP EB QPMÓUJDB ques Neto. In: Agências reguladoras:
instrumentos de fortalecimento do Es-
econômica de governo, não poderia ser dirigida por quem não se tado. Texto disponível em http://www.
identificasse com o governo legitimamente eleito. abar.org.br, consultada em 15.02.2005.
102
Parte da doutrina defende a possibi-
lidade, em determinadas hipóteses, da
A AGERGS, por sua vez, sustentou que: interposição de recurso hierárquico im-
próprio. Para uma análise aprofundada
da questão, veja-se GUERRA, Sérgio.
Controle judicial de atos regulatórios.
t BTBUSJCVJÎÜFTFDPNQFUÐODJBTEB"(&3(4FTUÍPDMBSBNFOUFUJQJmDB- Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp.
das na sua Lei de criação. A agência não tem função planejadora, não 251 e ss. O tema será abordado adiante
nesta apostila.

FGV DIREITO RIO 88


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

é da sua essência imiscuir-se na política de ação governamental, tarefa


exclusiva do chefe do Poder Executivo, e sua essência é a autonomia;
t PDIFGFEP1PEFS&YFDVUJWP RVFDSJPVBBHÐODJB UJOIBDMBSBBJEÏJBEF
que o Executivo, na qualidade de poder concedente de serviços pú-
blicos delegados, não deveria envolver-se, como parte, nos eventuais
conflitos de interesses entre ele e os concessionários ou entre estes e os
usuários, ou mesmo entre os usuários e o poder concedente e conces-
sionárias. Tais conflitos, para serem soberanamente dirimidos, deve-
riam ser submetidos à apreciação de um órgão autônomo em relação
ao próprio Executivo;
t 0TDPOTFMIFJSPTEFFTDPMIBFYDMVTJWBEP&YFDVUJWPGPSBNSFDSVUBEPT
entre figuras representativas do Executivo, da Administração Superior
do Tribunal de Contas e do Ministério Público;
t B "(&3(4  FORVBOUP BVUBSRVJB  QPTTVJ BVUPOPNJB BENJOJTUSBUJWB 
financeira e decisória, enquadrando-se nos postulados das Constitui-
ções Federal e Estadual. A figura do mandato do conselheiro tem pre-
visão no disposto no art. 52, III, “f ”, da Constituição Federal/88 que
admite a escolha, pelo Senado, “de titulares de outros cargos que a lei
determinar”;
t BQSFWJTÍPDPSSFTQPOEFOUFOB$BSUB&TUBEVBMFTUÈDPOUJEBOPBSU 
XXVIII, “c”, que expressa ser de “atribuição exclusiva da Assembléia
Legislativa aprovar a escolha de titulares de outros cargos que a lei
determinar”.

Com base nos fatos anteriormente apresentados:

1) Comente os argumentos do Estado e da agência reguladora.


2) As agências reguladoras necessitam de autonomia para regular?
3) Os fundamentos da regulação estão de alguma forma ligados à auto-
nomia das agências reguladoras?103

LEITURA COMPLEMENTAR:

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito


administrativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
GUERRA, Sergio. Introdução ao direito das agências reguladoras. Rio de Janei-
ro: Freitas Bastos, 2004. 103
Caso Gerador constante da apostila
“Por que regular?”, elaborada pela
pesquisadora Maria Carneiro sob a
orientação da Professora Elena Landau
para o Curso de Regulação do Setor de
Energia Elétrica do Programa de Educa-
ção Continuada da Escola de Direito da
Fundação Getulio Vargas.

FGV DIREITO RIO 89


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULAS 13 E 14: AGÊNCIAS REGULADORAS II E III: FUNÇÕES


EXERCIDAS PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS E SEU PODER
NORMATIVO

OBJETIVO:

Apresentar as diferentes funções exercidas pelas agências reguladoras, es-


pecialmente as funções normativa, fiscalizatória e sancionadora, o que exige
uma releitura do princípio da separação dos poderes. Em seguida, será inicia-
do o estudo da função normativa.

INTRODUÇÃO:

As agências reguladoras exercem funções de Estado

As funções de Estado são aquelas dispostas na Constituição e nas leis, as


quais devem necessariamente ser observadas e executadas pela Administra-
ção Pública, independentemente de quem seja o partido ou governante na
chefia do Poder Executivo. As funções de governo, por sua vez, consistem
nas prioridades concretas do governante democraticamente eleito para a im-
plementação durante o seu governo e dizem respeito à orientação política e
governamental que se pretende imprimir a um setor, sempre e em qualquer
caso submetidas às políticas de Estado.104
As agências reguladoras desenvolvem funções de Estado, pois são criadas
em decorrência da previsão genérica de regulação estatal da economia exposta
no art. 174 da Constituição (além das previsões constitucionais específicas de
criação da ANATEL e da ANP), exercendo função eminentemente pública.
Tal constatação já foi, inclusive, reconhecida pela jurisprudência do Supre-
mo Tribunal Federal, ao julgar medida cautelar em Ação Direta de Inconsti-
tucionalidade, na qual se discutia a constitucionalidade da previsão, constante
da Lei nº 9.986/2000, de contratação de pessoal técnico para as agências, no
regime de emprego público, portanto, mediante contratos regidos pela Conso-
lidação das Leis do Trabalho. Naquela ocasião, assim se manifestou o ministro
Marco Aurélio Mello, ao reconhecer a inconstitucionalidade de tal norma: 104
Conforme observa Floriano de Aze-
vedo Marques Neto, as políticas de
governo “são os objetivos concretos
Inegavelmente, as agências reguladoras atuam como poder de polí- que um determinado governante eleito
pretende ver impostos a um dado setor
cia, fiscalizando, cada qual em sua área, atividades reveladoras de ser- da vida econômica ou social. Dizem
viço público, a serem desenvolvidas pela iniciativa privada (...) Está-se respeito à orientação política e gover-
namental que se pretende imprimir a
diante de atividade na qual o poder de fiscalização, o poder de polí- um setor”. Agências reguladoras: ins-
trumentos do fortalecimento do Estado.
cia, fazem-se com envergadura ímpar, exigindo, por isso mesmo, que Texto disponível em http://www.abar.
org.br, acesso em 15.02.2005.
aquele que a desempenhe sinta-se seguro, atue sem receios outros, e

FGV DIREITO RIO 90


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

isso pressupõe a ocupação de cargo público (...) [próprio] àqueles que


desenvolvam atividades exclusivas de Estado (...).105

Assim, restou reconhecida, em sede liminar, que a natureza dos serviços de-
senvolvidos pelo pessoal técnico das agências mostrava-se incompatível com o
regime contratual da CLT, devendo, portanto, esses servidores serem regidos pelo
regime jurídico estatutário. Nesse sentido, em 2004, veio a ser editada nova lei,
pondo fim à controvérsia, dispondo o art. 6º da Lei nº 10.871, de 24.05.2004:

Art. 6º. O regime jurídico dos cargos e carreiras referidos no art. 1o


desta Lei é o instituído na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990,
observadas as disposições desta Lei.106

Além disso, nos termos das diversas leis que autorizaram a sua criação, as
agências reguladoras brasileiras possuem natureza de autarquias em regime
especial, sendo-lhes, portanto, aplicáveis todas as prerrogativas inerentes às
autarquias em geral, tais como personalidade jurídica e patrimônio próprios,
ausência de subordinação ao Ministério ao qual se vinculam, autonomia fi-
nanceira e orçamentária, além de terem por finalidade “executar atividades
típicas da Administração que requeiram, para seu melhor funcionamento,
gestão administrativa e financeira descentralizada”, conforme a redação do
art. 5º, I, do Decreto-Lei º 200/1967.

Principais funções

Em breve síntese, pode esquematizar as atribuições das agências regulado-


ras da seguinte forma:107
Poder normativo: poder de editar comandos gerais para o setor regulado,
obedecido o princípio da legalidade. Existe grande controvérsia quanto à ex-
105
Ação direta de inconstitucionalidade
tensão dos poderes normativos das agências reguladoras, a qual será apresen- nº 2.310-1-DF, in Revista de Direito da
tada adiante. Associação dos Procuradores do Novo
Estado do Rio ed Janeiro”, v. IX, pp. 433
Poder de fiscalização: atribuição para monitorar o setor, prevenindo e re- a 435.
primindo o desrespeito ao ordenamento jurídico setorial. 106
O art. 1º, caput, da Lei nº 10.871,
determina ser a lei aplicável às autar-
Poder de sanção: competência para impor sanções em caso de descumpri- quias especiais intituladas agências
reguladoras: “Art. 1o Ficam criados,
mento das normas aplicáveis ao setor. para exercício exclusivo nas autarquias
Poder de conciliação: capacidade de conciliar ou mediar interesses de ope- especiais denominadas Agências Re-
guladoras, referidas no Anexo I desta
radores regulados, consumidores isolados ou grupos de interesses homogêne- Lei, e observados os respectivos quan-
titativos, os cargos que compõem as
os, ou ainda interesses de agentes econômicos que se relacionam com o setor carreiras de: (...)”
regulado no âmbito da cadeia produtiva. 107
Vide, a respeito, MARQUES NETO,
Floriano. “Agências reguladoras: instru-
Poder de resolução de controvérsias: atribuição para dirimir conflitos. A mentos do fortalecimento do Estado”.
maioria das leis que dispõem sobre as agências setoriais lhes conferiu compe- Texto disponível em http://www.abar.
org.br, acesso em 15.02.2005.

FGV DIREITO RIO 91


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

tência para dirimir conflitos no âmbito administrativo entre os agentes do se-


tor. Por exemplo, no caso da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL,
a previsão encontra-se no art. 3º, V, da Lei nº 9.427/1996, o qual dispõe:

Art. 3º Além (...), compete à ANEEL:


V – dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre con-
cessionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores,
bem como entre esses agentes e seus consumidores.

Poder de recomendação: prerrogativa de orientar, subsidiar ou informar


o poder político sobre as características do setor, recomendando medidas ou
decisões a serem editadas no âmbito da política pública.

Função normativa das agências reguladoras

A possibilidade de as agências reguladoras emanarem atos normativos abs-


tratos causa certa perplexidade na doutrina, especialmente à luz do princípio
constitucional da legalidade108, positivado no art. 37, caput, da Constituição,
e das competências privativas do chefe do Poder Executivo previstas no art.
84, II e IV, da Constituição Federal:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção supe-
rior da administração federal;
(...)
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir
decretos e regulamentos para sua fiel execução;
(...)”

Dessa forma, os limites do poder das agências reguladoras de gerar nor-


mas abstratas e gerais são alvo de profunda controvérsia. Para Maria Sylvia
Zanella di Pietro:
108
Sobre o princípio da legalidade e
atuação da Administração Pública, ex-
A função normativa que exercem não pode, sob pena de inconsti- põe DIÓGENES GASPARINI: “o princípio
da legalidade, resumido na proposição
tucionalidade, ser maior do que a exercida por qualquer outro órgão suporta a lei que fizeste, significa estar
a Administração Pública, em toda a sua
administrativo ou entidade da administração indireta. Elas nem po- atividade, presa aos mandamentos da
dem regular matéria não disciplinada em lei, porque os regulamentos lei, deles não se podendo afastar, sob
pena de invalidade do ato e responsa-
autônomos não têm fundamento constitucional no direito brasileiro, bilidade de seu autor. Qualquer ação
estatal sem o correspondente calço
nem podem regulamentar leis, porque essa competência é privativa do legal, ou que exceda ao âmbito demar-
cado pela lei, é injurídica e expõe-se à
Poder Executivo e, se pudesse ser delegada, essa delegação teria que ser anulação”. GASPARINI, Diógenes. Direito
feita pela autoridade que detém o poder regulamentar e não pelo legis- administrativo. 5ª ed. São Paulo: Sarai-
va, 1995, p. 6

FGV DIREITO RIO 92


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

lador. As únicas normas que podem estabelecer têm de produzir efeitos


internos, apenas, dirigidos à própria agência, ou podem dizer respeito
às normas que se contêm no edital de licitações, sempre baseadas em
leis e regulamentos prévios.109

Por outro lado, alguns autores defendem que “a atribuição de funções nor-
mativas a órgãos de formação não eletiva, ou de composição mista, não cons-
titui violação do princípio democrático. Deve, no entanto, ser reconhecida
dentro daquele princípio fundamental, que encerra em si mesmo os demais,
exprimindo o balanceamento das manifestações da vontade política com a
garantia dos direitos, com respeito às razões de eficiência administrativa”110.
A partir do ensinamento da doutrinadora, observam Alexandre Santos
de Aragão e Patrícia Sampaio que a possibilidade e os limites da função nor-
mativa das agências reguladoras “deve ser compreendida à luz da finalidade
do exercício da atividade administrativa, a qual reside no cumprimento das
competências constitucional e legalmente consagradas às autoridades. Nessa
109
Direito administrativo, 12a ed. São
perspectiva, entende-se a feição normativa do poder de polícia como instru- Paulo: Atlas, pp. 391/392.
mento legítimo de concretização desses objetivos. Não se trata, em qualquer 110
NICODEMO, Silvia.Gli atti normativi
delle autoritá independenti. Milão: CE-
hipótese, de autoridades administrativas exercendo competência legislativa DAM, 2002, p. 305.
ou quase-legislativa (no Brasil, a figura do regulamento autônomo mostra- 111
ARAGÃO, Alexandre Santos de e
se excepcional - art. 84, VI, da Constituição Federal), mas sim de atividade SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro.
Omissão no exercício do poder norma-
normativa inserida no bojo das competências administrativas do Estado e, tivo das agências e a concorrência des-
leal. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de
por conseguinte, subordinada, sempre, à legalidade”111. (coord.) O poder normativo das agências
reguladoras. Rio de Janeiro: Forense,
De todo modo, há de se atentar para os riscos de desvios ou exercício 2006, p. 547.
abusivo dessa competência. Conforme salienta Sérgio Guerra: “na regulação 112
GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos
normativa (portarias, resoluções, etc.), o dano pode decorrer de uma inter- atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2005, pp. 350 e 351.
venção desnecessária ou inadequada no subsistema regulado. Como dito, 113
Veja-se como devem ser os procedi-
diante da imperatividade dos freios e contrapesos, são legítimas as restrições mentos para as delegações legislativas
(Art. 68 da Constituição de 1988): As
regulatórias à livre iniciativa privada, desde que razoáveis e proporcionais. leis delegadas serão elaboradas pelo
Presidente da República, que deverá
Por isso, a regulação normativa deve ser praticada por meio de uma interpre- solicitar a delegação ao Congresso
tação voltada para frente, orientada na ponderação de interesses, custos, ônus Nacional. § 1º - Não serão objeto de
delegação os atos de competência
e benefícios da ação regulatória.”112 exclusiva do Congresso Nacional, os de
competência privativa da Câmara dos
É possível concluir que as agências reguladoras têm o poder-dever de exer- Deputados ou do Senado Federal, a
matéria reservada à lei complementar,
cer uma função normativa secundária, desde que observadas as normas hie- nem a legislação sobre: I - organização
rarquicamente superiores. Essa função normativa das agências reguladoras do Poder Judiciário e do Ministério
Público, a carreira e a garantia de seus
não é primária, e sim secundária, haja vista que, entre nós, a função nor- membros; II - nacionalidade, cidadania,
direitos individuais, políticos e eleito-
mativa primária é precípua do Poder Legislativo, sendo exercida de forma rais; III - planos plurianuais, diretrizes
extravagante pelo Poder Executivo, seja por meio de medidas provisórias ou orçamentárias e orçamentos. § 2º - A
delegação ao Presidente da República
delegação legislativa113. terá a forma de resolução do Congresso
Nacional, que especificará seu conteú-
Diogo de Figueiredo Moreira Neto denota que além da modalidade tradi- do e os termos de seu exercício. § 3º - Se
a resolução determinar a apreciação do
cional da regulamentação secundária, que produz efeitos introversos, como ca- projeto pelo Congresso Nacional, este
racterística dos órgãos administrativos, existem aquelas tipicamente regulatórias, a fará em votação única, vedada qual-
quer emenda.

FGV DIREITO RIO 93


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

que se caracterizam por seus efeitos extroversos sobre as matérias deslegalizadas


114
MOREIRA NETO, Diogo. Direito
e na estrita medida em que o tenham sido.114 Esse mesmo jurista, ao examinar regulatório. Rio de Janeiro: Renovar,
os limites da competência normativa outorgada às entidades reguladoras autô- pp.108-109.
115
Agência nacional de vigilância sani-
nomas de serviços públicos, adverte que ultrapassar tais limites, ao acrescentar às tária: natureza jurídica, competência
normas reguladoras critérios político-administrativos onde não deveriam existir, normativa, limites dos poderes regula-
tórios. Revista de Direito Administrativo,
caracteriza invasão de poderes que são próprios à esfera das decisões do Poder Rio de Janeiro, v. 215, pp. 71-83, jan./
mar. 1999.
Legislativo e propositadamente retirados dos agentes da burocracia administra-
116
Sobre a separação de poderes, diz
tiva direta.115 Alexandre Aragão: “Qualquer que seja
a nomenclatura adotada, em todos os
A bem da verdade, a polêmica acerca da função normativa das agências países em que as comissões, agências ou
reguladoras se insere numa discussão com maior profundidade, que envolve autoridades administrativas indepen-
dentes de regulação foram instituídas,
a adaptação das agências reguladoras ao sistema tripartite oitocentista, subsu- as maiores discussões jurídicas geradas
disseram e dizem respeito à sua compati-
mido no princípio da separação e equilíbrio entre os poderes estatais.116 bilidade com o princípio da separação de
Sobre a separação de poderes, diz Alexandre Aragão: “Qualquer que seja a poderes. É curioso notar como a dispari-
dade dos sistemas jurídicos não impediu
nomenclatura adotada, em todos os países em que as comissões, agências ou auto- que esta questão possuísse uma impres-
sionante perenidade e homogeneidade,
ridades administrativas independentes de regulação foram instituídas, as maiores e, mais, que a solução a ela dada nos
E.U.A., na Europa ou no Brasil foi pela
discussões jurídicas geradas disseram e dizem respeito à sua compatibilidade com o constitucionalidade destas entidades
princípio da separação de poderes. É curioso notar como a disparidade dos sistemas reguladoras, o que implica em uma nova
leitura do princípio da separação de po-
jurídicos não impediu que esta questão possuísse uma impressionante perenidade e deres”. Notas de atualização da obra de
Bilac Pinto. Regulamentação efetiva os
homogeneidade, e, mais, que a solução a ela dada nos E.U.A., na Europa ou no serviços de utilidade pública. 2.ed. atua-
Brasil foi pela constitucionalidade destas entidades reguladoras, o que implica em lizada por Alexandre Santos de Aragão.
Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 119.
uma nova leitura do princípio da separação de poderes”. Notas de atualização da Floriano Peixoto de Azevedo Marques
Neto, em suas observações acerca do
obra de Bilac Pinto. Regulamentação efetiva os serviços de utilidade públi- tema em comento, aduz que “quase
diretamente relacionada com a dificul-
ca. 2.ed. atualizada por Alexandre Santos de Aragão. Rio de Janeiro: Forense, dade que a figura da autoridade regu-
2002, p. 119. Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, em suas observa- ladora independente tem com a tripar-
tição dos Poderes, emerge a questão da
ções acerca do tema em comento, aduz que “quase diretamente relacionada suposta colidência com o princípio da
legalidade. (...) O fato é que a atuação
com a dificuldade que a figura da autoridade reguladora independente tem destes órgãos reguladores reflete a cri-
se vivida pelo princípio da legalidade;
com a tripartição dos Poderes, emerge a questão da suposta colidência com o crise, esta, que não decorre meramente
princípio da legalidade. (...) O fato é que a atuação destes órgãos reguladores do fenômeno do surgimento das agên-
cias, mas da própria profusão de fontes
reflete a crise vivida pelo princípio da legalidade; crise, esta, que não decorre normativas. Aqui parece se colocar a
chave para superar a crítica, sempre
meramente do fenômeno do surgimento das agências, mas da própria profusão presente, relativa à suposta contrapo-
de fontes normativas. Aqui parece se colocar a chave para superar a crítica, sem- sição entre a nova regulação estatal e
o princípio da legalidade. A oposição
pre presente, relativa à suposta contraposição entre a nova regulação estatal e o não está entre as competências das
agências e a figura da lei como fonte
princípio da legalidade. A oposição não está entre as competências das agências necessária das competências do agente
público. O que parece estar em questão
e a figura da lei como fonte necessária das competências do agente público. O é a motriz da legalidade”. MARQUES
que parece estar em questão é a motriz da legalidade”. MARQUES NETO, NETO, Floriano Marques. A nova regula-
ção estatal e as agências independen-
Floriano Marques. A nova regulação estatal e as agências independentes. Direi- tes. Direito administrativo econômico.
Carlos Ari Sundfeld (org.). São Paulo:
to administrativo econômico. Carlos Ari Sundfeld (org.). São Paulo: Malheiros, Malheiros, 2000, p. 94. Acerca das dis-
2000, p. 94. Acerca das discussões ocorridas sobre a Separação de Poderes no cussões ocorridas sobre a Separação
de Poderes no período da Revolução
período da Revolução Francesa, inclusive com profunda análise dos Cadernos Francesa, inclusive com profunda aná-
lise dos Cadernos de 1789, ver a obra de
de 1789, ver a obra de Léon Duguit, originalmente publicada em 1893. La Léon Duguit, originalmente publicada
em 1893. La separación de poderes y
separación de poderes y la asamblea nacional de 1789. Madri, Centro de Estudios la asamblea nacional de 1789. Madri,
Constitucionales, 1996, p. 9, ss. Centro de Estudios Constitucionales,
1996, p. 9, ss.

FGV DIREITO RIO 94


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Pelas normas regulatórias se permite o exercício da capacidade técnica des- 117


SOUTO, Marcos Juruena Villela. Di-
reito administrativo regulatório. Rio de
sas entidades descentralizadas (tecnicismo) para dispor, com maior densidade, Janeiro: Lumen Iuris, p. 46.

sobre as matérias que lhe competem para equilibrar o subsistema regulado, 118
Parte da doutrina compreende a fun-
ção normativa como uma “delegação
diversamente das leis que, editadas pelo Poder Legislativo, assumem caráter de poderes”. Ao examinar a função legi-
ferante à luz da teoria da separação dos
genérico e sem concretude. Nas palavras de Marcos Juruena Villela Souto: poderes, o constitucionalista Alexandre
de Moraes acentua que as Agências
Reguladoras poderão receber do Poder
o legislador não tem, necessariamente, o conhecimento técnico nem Legislativo, por meio de lei de iniciativa
do Poder Executivo, uma “delegação”
a proximidade dos fatos a editar a norma, que, por isso, deve se manter para exercer seu poder normativo de
regulação. Adverte, contudo, que com-
num plano de generalidade, para abrigar todas as situações; não é, assim, pete ao Congresso Nacional a fixação
viável que adentre em detalhes; ademais, as normas sobre o funciona- das finalidades, dos objetivos básicos
e da estrutura das Agências, bem como
mento do mercado tendem a ser normas técnicas, econômicas e finan- a fiscalização de suas atividades. No ar-
tigo intitulado “Agências reguladoras”,
ceiras, que mudam com a evolução tecnológica ou comercial; se a lei na obra coletiva de igual título sob a
cuidasse de cada detalhe, estaria constantemente desatualizada e provo- organização do Autor. (São Paulo: Atlas,
2002, p. 20). Também se referindo à
caria a freqüente necessidade de movimentação do Poder Legislativo.117 função normativa das Agências Regula-
doras como “delegação”, Tércio Sampaio
Ferraz Júnior sustenta que com a cria-
ção das Agências Reguladoras, ocorre
Contudo, parte da doutrina sustenta que não se trata de “delegação”, haja “uma ostensiva delegação de poderes,
vista que a função reguladora – incluindo parcela normativa – não compe- quase-lesgislativos, outros quase-judi-
ciais e outros quase-regulamentares”.
te originariamente ao Poder Legislativo.118 Se por um lado se admite como Agências reguladoras: legalidade e
constitucionalidade. Revista Tributária
constitucional a função normativa prevista expressamente nas leis de criação de Finanças Públicas, Rio de Janeiro,
das agências reguladoras,119 entende-se, por outro, que a função regulamentar v. 35, p. 143-158, nov./dez. 2000.
Floriano Peixoto de Azevedo Marques
de competência do presidente da República não se confunde com a função Neto utiliza a expressão “delegação de
poderes” para as Agências Reguladoras
reguladora das agências reguladoras, que, em parte, se consubstancia na edi- pela lei de criação da entidade, confor-
me nota de rodapé nº 48, do artigo A
ção de normas regulamentares.120 nova regulação estatal e as agências in-
Parte da doutrina compreende a função normativa como uma “delega- dependentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econô-
ção de poderes”. Ao examinar a função legiferante à luz da teoria da separa- mico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 93.
Marçal Justen Filho inicialmente afirma
ção dos poderes, o constitucionalista Alexandre de Moraes acentua que as que o instituto da delegação legislativa
não se aplica ao tema em estudo. Con-
Agências Reguladoras poderão receber do Poder Legislativo, por meio de tudo, logo a diante, afirma que “pode se
lei de iniciativa do Poder Executivo, uma “delegação” para exercer seu po- dar uma delegação normativa de cunho
secundário”. O direito das agências regu-
der normativo de regulação. Adverte, contudo, que compete ao Congresso ladoras independentes. São Paulo: Dia-
lética, 2002, pp. 512-513. Em sentido
Nacional a fixação das finalidades, dos objetivos básicos e da estrutura das contrário - ao qual aderimos - denota
Agências, bem como a fiscalização de suas atividades. No artigo intitulado Alexandre Santos de Aragão: “nestes
casos, o que temos na realidade, é a
“Agências reguladoras”, na obra coletiva de igual título sob a organização execução pela Administração Pública
da Lei, que, contudo, deixou de estabe-
do Autor. (São Paulo: Atlas, 2002, p. 20). Também se referindo à função lecer maiores detalhes sobre a matéria
legislada, fixando apenas standards e
normativa das Agências Reguladoras como “delegação”, Tércio Sampaio finalidades gerais”. Agências regulado-
Ferraz Júnior sustenta que com a criação das Agências Reguladoras, ocor- ras e a evolução do direito administrativo
econômico., p. 411. Leila Cuéllar tam-
re “uma ostensiva delegação de poderes, quase-lesgislativos, outros quase- bém não compartilha do entendimento
de que se trata de delegação de “poder
judiciais e outros quase-regulamentares”. Agências reguladoras: legalida- normativo” às Agências Reguladoras.
de e constitucionalidade. Revista Tributária de Finanças Públicas, Rio de (As agências reguladoras e seu poder
normativo. São Paulo: Dialética, 2001,
Janeiro, v. 35, p. 143-158, nov./dez. 2000. Floriano Peixoto de Azevedo p. 116). No mesmo sentido, Romeu Fe-
lipe Bacellar Filho (O poder normativo
Marques Neto utiliza a expressão “delegação de poderes” para as Agências dos entes reguladores e a participação
dos cidadãos nesta atividade. Serviços
Reguladoras pela lei de criação da entidade, conforme nota de rodapé nº públicos e direitos fundamentais: os
48, do artigo A nova regulação estatal e as agências independentes. In: desafios da regulação na experiência
brasileira. Revista de Direito Administra-

FGV DIREITO RIO 95


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São


Paulo: Malheiros, 2000, p. 93. Marçal Justen Filho inicialmente afirma
que o instituto da delegação legislativa não se aplica ao tema em estudo.
Contudo, logo a diante, afirma que “pode se dar uma delegação normativa
de cunho secundário”. O direito das agências reguladoras independentes. São
Paulo: Dialética, 2002, pp. 512-513. Em sentido contrário - ao qual ade-
rimos - denota Alexandre Santos de Aragão: “nestes casos, o que temos na
realidade, é a execução pela Administração Pública da Lei, que, contudo,
deixou de estabelecer maiores detalhes sobre a matéria legislada, fixando
apenas standards e finalidades gerais”. Agências reguladoras e a evolução do
direito administrativo econômico., p. 411. Leila Cuéllar também não com-
partilha do entendimento de que se trata de delegação de “poder normati- tivo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 153-162,
out./dez. 2002, p. 160. Sobre a desle-
vo” às Agências Reguladoras. (As agências reguladoras e seu poder normativo. galização (que tanto pode ocorrer pela
São Paulo: Dialética, 2001, p. 116). No mesmo sentido, Romeu Felipe exclusão legal de um comportamento a
qualquer tipo de regra ou pela substi-
Bacellar Filho (O poder normativo dos entes reguladores e a participação tuição do referencial normativo), e seu
conceito oriundo da doutrina francesa,
dos cidadãos nesta atividade. Serviços públicos e direitos fundamentais: os ver essa mesma obra na página 122, ss.
Recomenda-se, ainda, sobre o tema da
desafios da regulação na experiência brasileira. Revista de Direito Adminis- deslegalização no campo da sanção, a
trativo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 153-162, out./dez. 2002, p. 160. Sobre obra de Fábio Medina Osório. Direito
administrativo sancionador. São Paulo:
a deslegalização (que tanto pode ocorrer pela exclusão legal de um com- Revista dos Tribunais, 2000, p. 215, ss.
portamento a qualquer tipo de regra ou pela substituição do referencial 119
A exemplo da lei criadora da ANVISA
(Lei nº 9782/1999): Art. 8º. Incumbe à
normativo), e seu conceito oriundo da doutrina francesa, ver essa mesma Agência, respeitada a legislação em vi-
gor, regulamentar, controlar e fiscalizar
obra na página 122, ss. Recomenda-se, ainda, sobre o tema da deslegali- os produtos e serviços que envolvam
zação no campo da sanção, a obra de Fábio Medina Osório. Direito ad- risco à saúde pública.

ministrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 215, 120
Ao comentar a função reguladora das
Agências, José Carlos Francisco afirma
ss. Ao comentar a função reguladora das Agências, José Carlos Francisco que: “a função reguladora abrangeria a
função regulamentar (de fiel execução
afirma que: “a função reguladora abrangeria a função regulamentar (de fiel das leis)”. Agência reguladora: atividade
normativa. In: Direito da Regulação. Ale-
execução das leis)”. Agência reguladora: atividade normativa. In: Direito xandre Santos de Aragão (coord.). Revis-
da Regulação. Alexandre Santos de Aragão (coord.). Revista de Direito da ta de Direito da Associação dos Procura-
dores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v.
Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XI. Rio de XI. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.
129. Marcos Juruena Villela Souto prefe-
Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 129. Marcos Juruena Villela Souto prefere re a expressão “diretrizes de cunho nor-
a expressão “diretrizes de cunho normativo”, para se referir a essa parcela mativo”, para se referir a essa parcela da
função reguladora. Direito administra-
da função reguladora. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: tivo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, p. 46. Em sentido restritivo, Paulo
Lumen Iuris, p. 46. Em sentido restritivo, Paulo César Melo da Cunha César Melo da Cunha sustenta que “a
natureza jurídica das Agências Regula-
sustenta que “a natureza jurídica das Agências Reguladoras não lhes auto- doras não lhes autoriza a prática de atos
riza a prática de atos regulamentares, como observado da leitura de alguns regulamentares, como observado da
leitura de alguns pronunciamentos da-
pronunciamentos daqueles que se aplicaram ao estudo e se manifestaram queles que se aplicaram ao estudo e se
manifestaram sobre o assunto, eis que o
sobre o assunto, eis que o papel da entidade regulatória se limita a editar papel da entidade regulatória se limita
atos normativos, implementá-los e a fiscalizar sua correta aplicação”. A a editar atos normativos, implementá-
los e a fiscalizar sua correta aplicação”.
regulação jurídica da saúde suplementar no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen A regulação jurídica da saúde suple-
mentar no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003, pp. 141-142. A propósito, há possibilidade de sustação dos Juris, 2003, pp. 141-142. A propósito,
há possibilidade de sustação dos atos
atos normativos das Agências Reguladoras pelo Congresso Nacional, nos normativos das Agências Reguladoras
termos do art. 49, V, da CF. pelo Congresso Nacional, nos termos do
art. 49, V, da CF.

FGV DIREITO RIO 96


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Nesse sentido, é valiosa a manifestação do mestre J.J. Gomes Canotilho que


leciona: “A função de regulação (e de controle) de um determinado sector (mer-
cado de valores mobiliários, comunicação social, energia, água e resíduos) atribuí-
das por lei a certas entidades independentes fará delas essencialmente autoridades
reguladoras que estabelecem as regras e controlam a aplicação das normas. Fixar
‘regras reguladoras’ corresponde, tendencialmente, a regulamentar matérias no fi-
gurino clássico da administração pública”.121 Resta dizer, “regular” abrange outros
institutos muito mais profundos do que a “regulamentação” de uma lei.
Nas palavras de Caio Tácito, a função regulamentar detida pelo chefe do Poder
Executivo não é somente a de reproduzir analiticamente a lei, mas a de ampliá-la
e completá-la, segundo o seu espírito e o seu conteúdo, sobretudo nos aspectos
que a própria lei, expressa ou implicitamente, outorga à esfera regulamentar.122
Por outro lado, como assevera Marçal Justen Filho, a função regulatória
(ou reguladora) visa realizar o gerenciamento dos múltiplos e antinômicos
interesses da sociedade, se traduzindo “em restrições à autonomia privada
para evitar que o exercício abusivo de certas prerrogativas ponha em risco a
realização de outros valores”.123
Por isso que a competência normativa exercida pelas agências reguladoras, in-
serida no sistema de separação de poderes e considerando-se a proeminência da
instituição legislativa para a positivação das regras jurídicas, é inconfundível com o
“poder regulamentar” primário, de competência do chefe do Poder Executivo.124
Com isso, chega-se à seguinte distinção entre regulamentação e regulação
apresentada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto125: a regulamentação, é
cometida a chefes de Estado ou Governo, é uma função política, que visa
impor regras de caráter secundário em complementação às normas legais, 121
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
com o objetivo de explicitá-las e dar-lhes execução. A regulação é uma função Constitucional e Teoria da Constituição.
Coimbra: Almedina, 1998, p. 818.
administrativa, que não decorre da prerrogativa do poder político, e sim, da 122
As delegações legislativas e o po-
abertura da lei para que o agente regulador pondere, de forma neutra, os inte- der regulamentar. In: Temas de direito
público, v. 1, Rio de Janeiro: Renovar,
resses concorrentes em conflitos setoriais, sejam eles potenciais ou efetivos. 1997, p. 510.
123
O direito das agências reguladoras
independentes. São Paulo: Dialética,
2002, p. 556.
LEITURA OBRIGATÓRIA: 124
Nesse sentido, CASTRO, Carlos Ro-
berto Siqueira. A constituição aberta e
os direitos fundamentais: ensaio sobre
GUERRA, Sergio. Discricionariedade e reflexividade: uma nova teoria sobre as o constitucionalismo pós-moderno e
comunitário. Rio de Janeiro: Forense,
escolhas administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 177 a 204.. 2003, p. 213.
125
Direito regulatório..., cit., pp. 132-133.
Nesse mesmo sentido, Marcos Juruena
Villela Souto afirma que enquanto a
CASO GERADOR 1: regulação é técnica, a regulamentação
é política, havendo legitimidade eleito-
ral para tanto. O mesmo não ocorre na
regulação, que se limita a implementar
Um grupo norte-americano de telecomunicações pretendia ingressar no a decisão política. A regulação atende a
interesses coletivos (setoriais), enquan-
mercado brasileiro, para prestar serviços públicos de telecomunicações. Esse to que a regulamentação a interesses
forte grupo empresarial tem disponível para investir no Brasil algo em torno públicos, gerais. Direito administrativo
regulatório..., cit., p. 233.

FGV DIREITO RIO 97


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de US$ 2.5 bilhões, com uma expectativa de recuperar o seu capital em 25


anos com uma taxa média de juros de 18% ao ano. Esses recursos foram
captados na SEC – Security Exchange Commission norte-americana, notada-
mente de pequenos investidores domésticos.
O executivo para a América Latina é enviado para o Brasil para analisar
o cenário regulatório brasileiro. O grupo empresarial ao qual representa tem
receio de que não haja manutenção das regras (marco regulatório) e dos con-
tratos firmados a longo prazo.
Tendo analisado a Lei Geral de Telecomunicações e a estrutura regulatória
por meio da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, o grupo
decide participar do mercado, tornando-se o principal acionista de uma con-
cessionária de serviços de telecomunicações.
Após o aporte de investimentos financeiros significativos, chegou-se ao
período de reajuste ordinário das tarifas de telecomunicações. Além disso,
para definição das tarifas, a ANATEL submeteu à consulta pública o projeto
de resolução que dispõe sobre a definição de “área local” para efeitos de co-
brança de tarifas diferenciadas (DDD).
A definição da área local é de capital importância, pois identifica as áreas
atendidas pelo DDD – Discagem Direta a Distância, com tarifa diferenciada.
A ANATEL, depois do regular trâmite processual, com ampla divulgação
de dados empíricos, cálculos, autoriza o reajuste, definindo o significado de
“áreas locais”, contrariando o entendimento técnico da empresa.
O grupo empresarial ficou totalmente insatisfeito com os valores a se-
rem cobrados dos usuários dos serviços públicos de telecomunicações. Como
deve a empresa proceder?

Caso Gerador 2:

Depois de estabelecer limites mais severos à propaganda do bilioná-


rio setor de bebidas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
prepara-se para dar outro passo ambicioso e ainda mais polêmico - fechar
o cerco à próspera indústria de alimentos de baixo teor nutritivo. O alvo
principal será a publicidade de um segmento que tem oferta muito mais
diversificada e universo de consumidores maior que o das bebidas alcoóli-
cas. As restrições se estenderão às formas de comercialização dos produtos.
A Anvisa concluiu o texto preliminar do regulamento técnico que restringirá
a oferta e divulgação de alimentos que contêm quantidades elevadas de açú-
car, gorduras saturadas e trans, sódio e bebidas com baixo teor nutricional.
O prazo de consulta pública já se encerrou. Se aprovada, a regulamentação
obrigará a veiculação de advertências sobre os perigos do consumo excessi-
vo desses alimentos e bebidas em embalagens e peças publicitárias. Pode-
rá ser obrigatória a divulgação de frases como esta: “Este alimento possui

FGV DIREITO RIO 98


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elevada quantidade de gordura saturada. O consumo excessivo de gordu-


ra saturada aumenta o risco de desenvolver diabetes e doenças do coração”.
A ofensiva da Anvisa atingirá um dos alvos da indústria de alimentos conhe-
cidos como “junk food” - as crianças. A propaganda deste tipo de comida será
restrita ao período das 21h às 6h no rádio e na TV. O objetivo é desencorajar os
pais a ceder aos apelos das crianças por esses produtos. A prática amplamente
disseminada de distribuição de brindes e prêmios será proibida. Também não
será permitido o uso, em publicidade, de figuras, desenhos e personalidades
admiradas pelo público infantil. A coordenadora da Política Nacional de Ali-
mentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Ana Beatriz Vasconcellos, diz
que as normas podem reduzir riscos à saúde de consumidores e gastos públicos
bilionários com atendimento médico decorrente da alimentação inadequada.
Segundo Ana Beatriz, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta cerca de R$ 11 bi-
lhões anuais no tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, como obesi-
dade, diabetes, problemas cardiovasculares e câncer. Essas despesas representam
70% do total dos custos do SUS. Para ela, políticas públicas voltadas à alimenta-
ção saudável podem evitar 90% dos óbitos provocados por obesidade e diabetes.

Fonte : Valor online

O tema é altamente complexo haja vista que existem entendimentos dou-


trinários no sentido de haver delegação legislativa inominada ou “discriciona-
riedade técnica” em determinados atos administrativos das agências Regula-
doras, haja vista a existência de uma margem de discrição e subjetividade na
eleição de uma solução para o caso concreto, dentre outras auferidas segundo
critérios técnicos.

A consulta formulada pelo seu cliente consiste em examinar se a ANVISA,


cuja natureza jurídica é de autarquia especial, tem ou não competência para
a edição de normas regulatórias nos moldes do caso gerador e quais seriam os
limites para essa normatização.

LEITURA COMPLEMENTAR:

ARAGÃO, Alexandre Santos de (coord.) O poder normativo das agências re-


guladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras independentes
– fundamentos e seu regime jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2a ed.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp. 25 a 72.

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AULA 15: AGÊNCIAS REGULADORAS IV: FUNÇÕES FISCALIZADORA,


SANCIONADORA E DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS.

OBJETIVO:

Apresentar as demais funções exercidas pelas agências reguladoras, além


da função normativa.

INTRODUÇÃO:

As funções executivas, que incluem a fiscalização e a sanção, detidas pelas


agências reguladoras, se assemelham às atribuições dos órgãos da administra-
ção pública direta, no exercício do poder de polícia estatal.126 Por meio dessas
funções, as agências reguladoras concedem, permitem e autorizam serviços e 126
Nas palavras de Marcos Juruena
uso de bens públicos, expedem licenças, autorizam reajuste e revisão ordiná- Villela Souto, a regulação executiva se
desenvolve, essencialmente, por meio
ria e extraordinária de tarifas de serviços públicos para manter o equilíbrio de atos de consentimento de ingresso
no mercado, mediante a concessão de
econômico e financeiro das concessões. licenças, autorizações e permissões.
Nas palavras de Marcos Juruena Villela Souto, a regulação executiva se de- Essa função se opera, ainda, por meio
de adjudicação do objeto de contratos
senvolve, essencialmente, por meio de atos de consentimento de ingresso no administrativos de concessões e per-
missões de serviços públicos, de uso
mercado, mediante a concessão de licenças, autorizações e permissões. Essa de bens públicos ou do exercício de
função se opera, ainda, por meio de adjudicação do objeto de contratos ad- atividades econômicas relacionadas
a bens ou serviços públicos. Destaca
ministrativos de concessões e permissões de serviços públicos, de uso de bens ainda o Autor que a regulação exe-
cutiva se realiza por meio de atos de
públicos ou do exercício de atividades econômicas relacionadas a bens ou ser- fiscalização da correta execução da
atividade consentida ou contratada,
viços públicos. Destaca ainda o Autor que a regulação executiva se realiza por nos limites estabelecidos na moldura
meio de atos de fiscalização da correta execução da atividade consentida ou regulatória, que envolve a Constituição,
lei, normas do órgão regulador e atos
contratada, nos limites estabelecidos na moldura regulatória, que envolve a de consentimento ou de adjudicação.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito
Constituição, lei, normas do órgão regulador e atos de consentimento ou de administrativo regulatório, p.57. Marçal
adjudicação. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulató- Justen Filho retrata esse aspecto em
sua obra sobre as Agências Reguladoras
rio, p.57. Marçal Justen Filho retrata esse aspecto em sua obra sobre as Agências Independentes, anotando a desne-
cessidade de um estudo perfunctório
Reguladoras Independentes, anotando a desnecessidade de um estudo perfunc- das funções executivas, eis que “ao
desenvolver essas atividades, a agência
tório das funções executivas, eis que “ao desenvolver essas atividades, a agên- estará desempenhando atuação muito
cia estará desempenhando atuação muito similar àquele objeto de estudo no similar àquele objeto de estudo no
tocante às demais entidades da Admi-
tocante às demais entidades da Administração indireta”. O direito das agências nistração indireta”. O direito das agên-
cias reguladoras independentes. São
reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 481. Diogo de Figuei- Paulo: Dialética, 2002, p. 481. Diogo
de Figueiredo Moreira Neto se refere ao
redo Moreira Neto se refere ao tema como “funções administrativas”, exercidas tema como “funções administrativas”,
em qualquer dos campos da administração, tanto no campo da polícia admi- exercidas em qualquer dos campos
da administração, tanto no campo da
nistrativa, quanto no dos serviços públicos, no do ordenamento econômico polícia administrativa, quanto no dos
serviços públicos, no do ordenamento
ou no do ordenamento social, inclusive no do fomento público, envolvendo, econômico ou no do ordenamento so-
materialmente, desde atividades de planejamento às de gestão. Direito regula- cial, inclusive no do fomento público,
envolvendo, materialmente, desde ati-
tório, p. 108. vidades de planejamento às de gestão.
Direito regulatório, p. 108.

FGV DIREITO RIO 100


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Ademais disso, por meio das funções executivas, as agências reguladoras fiscali- 127
Sobre as funções executivas das
Agências Reguladoras, Alexandre
zam o exercício das atividades econômicas, de modo à sua conformação aos parâ- Santos de Aragão deu destaque à
metros dos atos que consentiram o ingresso dos agentes regulados no mercado.127 competência fiscalizatória. Segundo o
Autor, são poderes para aplicar sanções
No exercício da regulação dos serviços públicos, a agência reguladora terá “decorrentes do descumprimento de
preceitos legais, regulamentares ou
acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, contratuais pelos agentes econômicos
econômicos e financeiros da concessionária.128 Nos casos de concessão de regulados”. E complementa seu enten-
dimento advertindo que a “aplicação de
serviço público, malgrado a execução por conta e risco da concessionária, sanções deve estar apoiada em algum
dispositivo legal, ainda que genérico,
resta indisputável a necessidade de ser assegurada à Administração Pública ficando a graduação e a especificação
das penalidades a serem normatizadas
(no caso, as agências reguladoras) a fiscalização das atividades desenvolvidas pela agência”. Agências reguladoras e a
pela concessionária. evolução..., cit., p. 318.
128
Nesse sentido, dispõe a Lei nº
8.987/1995: Art. 30. No exercício da
Como a Administração, pela concessão, não transfere a titularidade fiscalização, o poder concedente terá
acesso aos dados relativos à adminis-
do serviço, mas apenas sua execução, ela tem que zelar pela fiel execu- tração, contabilidade, recursos técnicos,
econômicos e financeiros da concessio-
ção do contrato. Dentro desse poder de direção e controle, insere-se nária. Parágrafo único. A fiscalização
(...) o poder de fiscalizar, de forma ampla, a execução do contrato.129 do serviço será feita por intermédio
de órgão técnico do poder concedente
ou por entidade com ele conveniada,
e, periodicamente, conforme previsto
Em que pese esse direito de ter acesso e fiscalizar todas as atividades da em norma regulamentar, por comissão
composta de representantes do poder
concessionária, isso jamais poderá representar o “poder” sobre a gestão da concedente, da concessionária e dos
companhia. Nesse sentido, diz Di Pietro com propriedade: usuários.
129
DI PIETRO, Parcerias na administração
pública. São Paulo: Atlas, p. 79.
O exercício desse poder de direção e controle constitui um poder- 130
Idem, p.80. Quanto à alteração do
dever da Administração, ao qual ela não pode furtar-se, sob pena de controle societário das concessionárias
de serviços públicos, e a atuação e in-
responsabilidade por omissão. Mas deve ser exercido dentro de limites tervenção do poder concedente, ver o
artigo de Arnold Wald (Da competência
razoáveis, não podendo a fiscalização fazer-se de tal modo que substitua das agências reguladoras para intervir
a gestão da empresa. A Administração apenas fiscaliza. Ela não admi- na mudança do controle das empresas
concessionárias. Revista de Direito Ad-
nistra a execução do serviço.130 ministrativo. Rio de Janeiro, v. 229, p.
27-43, jul./set. 2002).
131
Conforme texto gentilmente cedido
Marcos Juruena Villela Souto leciona que um importante instru- pelo Autor, de suas palestras proferidas
no Auditório do Superior Tribunal de
mento de regulação executiva é a “interpretação regulatória”, haja vista Justiça no dia 24 de junho de 2002, no
que nem sempre a generalidade da lei ou de norma se adapta ao caso Seminário organizado pelo Instituto
Brasileiro do Petróleo e pelo Sindicato
concreto. Desse modo, se impõe um juízo de equidade do agente regu- das Indústrias Distribuidoras de Com-
bustíveis, e no Encontro de Integração
lador, de modo a atender à finalidade da norma, ponderando custos e promovido pela Agência Nacional de
benefícios.131 Saúde Suplementar – ANS, no dia 10
de julho de 2002, no Rio de Janeiro,
parcialmente vertido para o idioma
francês, para apresentação como Pro-
No que tange à função de solução de controvérsias detida pelas agências fessor Visitante na Universidade de
Poitiers – França.
reguladoras, está voltada à solução de eventuais conflitos entre os diversos
132
Para João Bosco Leopoldino da
agentes regulados, entre esses agentes e os usuários/consumidores ou com o Fonseca essas atribuições não são con-
Poder Público (concedente, permitente ou autorizador). Contudo, essa atri- sideradas judicantes, pois as Agências
Reguladoras “são organismos públicos
buição suscita controvérsias em sede doutrinária quanto a sua classificação ser (a lei brasileira as caracteriza como
autarquias especiais), desprovidos
ou não considerada uma função judicante, haja vista o papel desempenhado de poder jurisdicional. Elas não têm,
diferentemente do que a lei concede
pelo Poder Judiciário em nosso ordenamento jurídico-constitucional.132 ao CADE, no Brasil, o poder judicante”.
Direito econômico. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2002, p. 261. Carlos Ari Sundfeld,

FGV DIREITO RIO 101


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Para João Bosco Leopoldino da Fonseca essas atribuições não são con-
sideradas judicantes, pois as Agências Reguladoras “são organismos públi-
cos (a lei brasileira as caracteriza como autarquias especiais), desprovidos
de poder jurisdicional. Elas não têm, diferentemente do que a lei concede
ao CADECADE, no Brasil, o poder judicante”. Direito econômico. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, p. 261. Carlos Ari Sundfeld, apesar de hesitar na
admissão da função judicante pela Agência Reguladora, no exercício de um
papel que compete ao Poder Judiciário, acaba admitindo que o Judiciário
não é capaz de conhecer todos os conflitos surgidos em decorrência da vida
cotidiana, “e das normas editadas para transformar em valores jurídicos os
novos valores que foram sendo incorporados pela sociedade”. SUNDFELD,
Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: Direito Administrativo
Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000., p. 31. Arnold Wald e Luíza Ran-
gel de Moraes sustentam, de forma temperada, que “considerando o grau
de independência que deve ter a agência, é admissível conceber que possa,
eventualmente, ter uma competência quase judicial”. E advertem que seria
apesar de hesitar na admissão da fun-
preciso que se constituísse no âmbito da mesma uma “Câmara Especial”, ção judicante pela Agência Reguladora,
que, não sendo dotada de competência administrativa, esteja apta a julgar no exercício de um papel que compete
ao Poder Judiciário, acaba admitindo
os conflitos entre o poder concedente e o concessionário. Para esses Autores que o Judiciário não é capaz de co-
nhecer todos os conflitos surgidos em
tal solução se constituiria na organização de uma forma de contencioso ad- decorrência da vida cotidiana, “e das
ministrativo, funcionando, em relação às concessões, como os Conselhos de normas editadas para transformar em
valores jurídicos os novos valores que
Contribuintes atuam em matérias fiscais, ou como o Conselho de Recursos foram sendo incorporados pela socie-
dade”. SUNDFELD, Carlos Ari. Introdu-
do Sistema Financeiro Nacional no tocante à área bancária, sem prejuízo ção às agências reguladoras. In: Direito
Administrativo Econômico. São Paulo:
da posterior apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão de direito. Malheiros, 2000., p. 31. Arnold Wald e
Agências reguladoras. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v.141, p. Luíza Rangel de Moraes sustentam, de
forma temperada, que “considerando
143-171, jan./mar. 1999. o grau de independência que deve ter
a agência, é admissível conceber que
Marcos Juruena Villela Souto, admitindo a função judicante das agências possa, eventualmente, ter uma compe-
reguladoras, denota que a diferença entre a função reguladora judicante e a tência quase judicial”. E advertem que
seria preciso que se constituísse no âm-
função jurisdicional é que na grande maioria dos casos a função judicante bito da mesma uma “Câmara Especial”,
que, não sendo dotada de competência
do Poder Judiciário e da própria Administração é voltada para o passado, administrativa, esteja apta a julgar os
conflitos entre o poder concedente e o
para as origens do problema e para a definição de quem errou e de quem concessionário. Para esses Autores tal
foi vítima.133 Por outro lado, a função regulatória judicante é voltada para o solução se constituiria na organização
de uma forma de contencioso admi-
futuro, impregnada de uma necessidade da interpretação prospectiva do jul- nistrativo, funcionando, em relação às
concessões, como os Conselhos de Con-
gador em vislumbrar quais são as prováveis conseqüências daquela decisão, tribuintes atuam em matérias fiscais,
ou como o Conselho de Recursos do
que não envolve apenas as partes envolvidas, mas todo o mercado que vai Sistema Financeiro Nacional no tocante
sofrer com a relação custo/benefício. E conclui que as agências reguladoras à área bancária, sem prejuízo da pos-
terior apreciação pelo Poder Judiciário
têm competência judicante, pois essas entidades autárquicas têm por obje- de qualquer lesão de direito. Agências
reguladoras. Revista de Informação
tivo a solução de conflitos entre os agentes, buscando o equilíbrio entre os Legislativa, Brasília, v.141, p. 143-171,
envolvidos.134 jan./mar. 1999.
133
Função regulatória. In: Direito em-
Por essa função judicante a agência reguladora deve buscar a promoção da presarial público. Marcos Juruena Villela
competição e, onde houver, a livre concorrência, a não discriminação, a utiliza- Souto e Carla C. Marshall (Orgs.). Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 27.
ção eficiente e o incremento de investimentos em infra-estrutura voltada para 134
Idem.

FGV DIREITO RIO 102


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

a exploração das atividades econômicas e dos serviços públicos, viabilizando 135


Idem, p.7. Nesse mesmo sentido,
Alexandre Santos de Aragão sustenta
que as informações sejam fornecidas de forma precisa, sem criar dificuldades que a função julgadora das Agências
Reguladoras não é, a exemplo do que se
ao acesso de outros interessados pela sua ausência ou insuficiência.135 dá quando exercida pelo Poder Judiciá-
rio, voltada para o passado. Ao contrá-
Desse modo, pode-se inferir, com aqueles doutrinadores que sustentam rio, há um marcante caráter prospectivo
a legalidade e a legitimidade do exercício da função judicante pelas agências de realização de políticas públicas cuja
implementação lhes incumbe. Destaca,
reguladoras, que somente as entidades tecnicamente preparadas e dotadas de ainda, que mais do que visar a compo-
sição de determinado conflito entre as
todas as informações e mecanismos para regular um subsistema econômico partes envolvidas, objetiva precipua-
ou social têm condições de visualizar todo o cenário que envolve uma decisão mente a composição dos conflitos entre
subsistemas setoriais. Agências regula-
isolada diante do caso concreto. doras e a evolução..., cit., pp. 318-319.
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
Esse aspecto prospectivo da decisão que põe fim a um conflito entre agen- as Agências Reguladoras gozam de po-
der judicante pois “têm atribuições que
tes regulados, ou até mesmo entre o Poder Público e os consumidores, tem se estendem ao contencioso, porque
reais condições de ponderar e estabelecer um efetivo equilíbrio entre os diver- estão habilitadas a dirimir litígios, seja
os que envolvam empresas que exer-
sos interesses em presença. çam atividade por ela controlada, seja
entre estas e os usuários do serviço”.
A título exemplificativo, destaca-se no capítulo VII, da Lei nº 9.478/1997, Curso de direito constitucional. 28a ed.
que trata do transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, que à Agên- SP: Saraiva, 2002, p. 141. Em idêntico
sentido, Marçal Justen Filho aduz que
cia Nacional de Petróleo – ANP foi atribuída competência para fixar o valor “se pode conceber a intervenção da
agência reguladora para composição de
e a forma de pagamento da remuneração ao proprietário dos dutos de trans- conflitos de interesses – sejam aqueles
derivados de relações entre Estado e
porte, caso não haja acordo entre este e outros interessados em transportar particular, sejam os que comportem
seus produtos nesses mesmos dutos.136 controvérsias apenas entre particula-
res”. O direito das agências reguladoras
BRASIL. Lei n. 9.478, 06 de agosto de 1997. Art. 56. Observadas as independentes. São Paulo: Dialética,
2002, p. 555.
disposições das leis pertinentes, qualquer empresa ou consórcio de empre- 136
BRASIL. Lei n. 9.478, 06 de agosto
sas que atender ao disposto no art. 5° poderá receber autorização da ANP de 1997. Art. 56. Observadas as dispo-
sições das leis pertinentes, qualquer
para construir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de empresa ou consórcio de empresas
petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para que atender ao disposto no art. 5° po-
derá receber autorização da ANP para
importação e exportação. Parágrafo único. A ANP baixará normas sobre a construir instalações e efetuar qualquer
modalidade de transporte de petróleo,
habilitação dos interessados e as condições para a autorização e para trans- seus derivados e gás natural, seja para
suprimento interno ou para importa-
ferência de sua titularidade, observado o atendimento aos requisitos de ção e exportação. Parágrafo único. A
proteção ambiental e segurança de tráfego. Art. 57. No prazo de cento e ANP baixará normas sobre a habilitação
dos interessados e as condições para a
oitenta dias, a partir da publicação desta Lei, a PETROBRÁS e as demais autorização e para transferência de sua
titularidade, observado o atendimento
empresas proprietárias de equipamentos e instalações de transporte maríti- aos requisitos de proteção ambiental
mo e dutoviário receberão da ANP as respectivas autorizações, ratificando e segurança de tráfego. Art. 57. No
prazo de cento e oitenta dias, a partir
sua titularidade e seus direitos. Parágrafo único. As autorizações referidas da publicação desta Lei, a PETROBRÁS
e as demais empresas proprietárias de
neste artigo observarão as normas de que trata o parágrafo único do artigo equipamentos e instalações de trans-
porte marítimo e dutoviário receberão
anterior, quanto à transferência da titularidade e à ampliação da capacidade da ANP as respectivas autorizações,
das instalações. Art. 58. Facultar-se-á a qualquer interessado o uso dos dutos ratificando sua titularidade e seus di-
reitos. Parágrafo único. As autorizações
de transporte e dos terminais marítimos existentes ou a serem construídos, referidas neste artigo observarão as
normas de que trata o parágrafo único
mediante remuneração adequada ao titular das instalações. § 1º A ANP fixa- do artigo anterior, quanto à transfe-
rá o valor e a forma de pagamento da remuneração adequada, caso não haja rência da titularidade e à ampliação
da capacidade das instalações. Art. 58.
acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é Facultar-se-á a qualquer interessado o
uso dos dutos de transporte e dos ter-
compatível com o mercado. § 2º A ANP regulará a preferência a ser atribu- minais marítimos existentes ou a serem
construídos, mediante remuneração
ída ao proprietário das instalações para movimentação de seus próprios pro- adequada ao titular das instalações.
dutos, com o objetivo de promover a máxima utilização da capacidade de § 1º A ANP fixará o valor e a forma
de pagamento da remuneração ade-

FGV DIREITO RIO 103


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

transporte pelos meios disponíveis. Art. 59. Os dutos de transferência serão


reclassificados pela ANP como dutos de transporte, caso haja comprovado
interesse de terceiros em sua utilização, observadas as disposições aplicáveis
quada, caso não haja acordo entre as
deste Capítulo. partes, cabendo-lhe também verificar
se o valor acordado é compatível com
No art. 153, §2o, da Lei nº 9.472/1997137, foi conferida função à Agência o mercado. § 2º A ANP regulará a pre-
Nacional de Telecomunicações – ANATEL que a permite deliberar acerca ferência a ser atribuída ao proprietário
das instalações para movimentação de
das condições para interconexão de redes entre os interessados, caso não haja seus próprios produtos, com o objetivo
de promover a máxima utilização da
acordo entre os mesmos. capacidade de transporte pelos meios
disponíveis. Art. 59. Os dutos de trans-
Tem-se, ainda, a previsão legal (Lei nº 9.427/1996, art. 3o,V)138 para que ferência serão reclassificados pela ANP
a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL delibere acerca das di- como dutos de transporte, caso haja
comprovado interesse de terceiros em
vergências nos conflitos entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, sua utilização, observadas as disposi-
ções aplicáveis deste Capítulo.
produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e 137
BRASIL. Lei n. 9.472, de 16 de julho
seus consumidores. de 1997. Art. 153. As condições para a
interconexão de redes serão objeto de
Algumas leis de criação das agências reguladoras dispõem sobre a previsão livre negociação entre os interessados,
da solução de controvérsias entre os agentes regulados no âmbito da função mediante acordo, observado o disposto
nesta Lei e nos termos da regulamenta-
reguladora judicante.139 ção. § 1° O acordo será formalizado por
contrato, cuja eficácia dependerá de
A título exemplificativo, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, que homologação pela Agência, arquivan-
do-se uma de suas vias na Biblioteca
dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Petróleo - ANP, prevê que o para consulta por qualquer interessado.
contrato de concessão para as atividades de exploração, desenvolvimento e § 2° Não havendo acordo entre os inte-
ressados, a Agência, por provocação de
produção de petróleo e gás natural deverão conter “regras sobre solução de um deles, arbitrará as condições para a
interconexão.
controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conci-
138
BRASIL. Lei nº 9427, 26 de dezembro
liação e arbitragem” (art. 43, X). de 1996. Art. 3o Além das incumbên-
cias prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei
Do mesmo modo, a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, que criou a no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, dispõe no seu art. 93, aplicáveis aos serviços de energia elé-
trica, compete especialmente à ANEEL:
inciso XV, que o contrato de concessão deverá conter “o modo para solução V - dirimir, no âmbito administrativo,
as divergências entre concessionárias,
extrajudicial das divergências contratuais”.140 permissionárias, autorizadas, produto-
É de notar-se que a conciliação é um meio de solução de conflitos onde o res independentes e autoprodutores,
bem como entre esses agentes e seus
conciliador não decide o conflito, mas age para facilitar, sugerindo, inclusive, a consumidores.

forma de acordo entre as partes. Na solução de conflito por meio da conciliação 139
Diogo de Figueiredo Moreira Neto
denota que a previsão dessas ativida-
não se leva em conta decisões anteriores, mas somente os interesses das partes. des administrativas judicantes nas leis
de criação das Agências Reguladoras
Por sua vez, a mediação é um instrumento de resolução de conflitos por representa um importante passo do
meio do qual as partes se aproximam para alcançar tal intento. A aproxima- Direito Administrativo brasileiro, haja
vista que ultrapassa rapidamente as
ção das partes em conflito é feita por intermédio da agência reguladora, que objeções que durante muito tempo im-
pediam o desenvolvimento das formas
deverá estar em posição de neutralidade. alternativas de composição de confli-
tos. In: Novos institutos consensuais da
Como leciona Marcos Juruena Villela Souto, o recurso à mediação ação administrativa. Revista de Direito
por agente neutro é fundamental, pois o mediador intervém na pesquisa Administrativo, Rio de Janeiro, v.231,
p.129-156, jan./mar. 2003.
de soluções, no favorecimento de trocas construtivas, estimulando as co- 140
A lei de concessões de serviços pú-
municações e no enquadramento das negociações, determinando e expli- blicos (Lei nº 8.987/95) estabelece no
seu art. 23 que uma das cláusulas es-
cando as regras procedimentais, resguardando a observância das normas senciais do contrato de concessão deve
regulatórias.141 estabelecer o foro e ao modo amigável
de solução das divergências contratuais
Assim, pode-se dizer que as principais diferenças entre mediação e (inciso XV).

conciliação consistem na forma de atuação da agência reguladora, haja 141


Direito administrativo regulatório. Rio
de Janeiro: Renovar, p. 61.

FGV DIREITO RIO 104


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

vista que na mediação ela apenas é uma facilitadora, ao passo que na


conciliação ela interfere no acordo e estimula os agentes regulados a se
comporem.
Tem-se, ainda, como forma de resolução de conflito o instituto da arbi-
tragem. Na arbitragem, a intervenção da agência reguladora, com poderes
decisórios, consistirá no julgamento do conflito entre os agentes regulados,
exarando e impondo uma decisão, contra a qual não caberá recurso. A arbi-
tragem não se limita, como nas fases de conciliação ou mediação, a oferecer
alternativas às partes para os conflitos, mas sim decidir sobre o problema
e impor a solução. Com efeito, quando é instituída, a arbitragem torna-se
obrigatória entre os agentes regulados, não podendo estes rediscutir o assun-
to. Dessa forma, a diferença fundamental entre a mediação e a conciliação,
de um lado, e a arbitragem, de outro, encontra-se na autoridade conferida à
agência reguladora para decidir o conflito e impor a solução às partes, sendo
que na mediação/conciliação a decisão é das partes, que podem, ou não,
chegar a um acordo.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto leciona que as funções judicantes po-
dem ser exercidas sob diferentes modalidades, todas com características não
jurisdicionais (como o são as atividades de conciliação, de mediação e até de
arbitramento de interesses em conflito).142
Prossegue o Autor, ao expor seu pensamento sobre a arbitragem: “Para
executar as tarefas próprias, sob o regime administrativo, o Poder Públi- 142
Prossegue o Autor, ao expor seu
co, no caso, as agências reguladoras, não prescinde do acesso aos mais pensamento sobre a arbitragem: “Para
executar as tarefas próprias, sob o re-
diversos bens e serviços produzidos pelo mercado, o que o obriga a atuar gime administrativo, o Poder Público,
no caso, as agências reguladoras, não
também sob o regime privado para obtê-los, ou seja, sem recorrer à coer- prescinde do acesso aos mais diversos
bens e serviços produzidos pelo mer-
ção, um expediente que nem sempre é jurídica ou politicamente admis- cado, o que o obriga a atuar também
sob o regime privado para obtê-los,
sível ou, ainda, politicamente aconselhável”. Direito regulatório..., cit., ou seja, sem recorrer à coerção, um
p. 109. Alexandre Freitas Câmara discorda da possibilidade das Agências expediente que nem sempre é jurídica
ou politicamente admissível ou, ainda,
Reguladoras atuarem como cortes arbitrais. “O motivo dessa absoluta politicamente aconselhável”. Direito
regulatório..., cit., p. 109. Alexandre
impossibilidade é, em verdade, bastante simples: a arbitragem é, por defi- Freitas Câmara discorda da possibilida-
de das Agências Reguladoras atuarem
nição, uma atividade que se desenvolve à margem do Estado. É um méto- como cortes arbitrais. “O motivo dessa
absoluta impossibilidade é, em verda-
do paraestatal (ou não-estatal) de composição de conflitos. É da própria de, bastante simples: a arbitragem é,
natureza da arbitragem a sua incompatibilidade com a atuação do Estado por definição, uma atividade que se
desenvolve à margem do Estado. É um
(através de qualquer de seus órgãos) como corte arbitral”. Arbitragem método paraestatal (ou não-estatal) de
composição de conflitos. É da própria
nos contratos envolvendo agências reguladoras. In: Direito da Regulação. natureza da arbitragem a sua incom-
patibilidade com a atuação do Estado
Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de (através de qualquer de seus órgãos)
como corte arbitral”. Arbitragem nos
Janeiro. Alexandre Santos de Aragão (coord.) v. XI. Rio de Janeiro: Lu- contratos envolvendo agências regula-
men Juris, 2002, p. 154. doras. In: Direito da Regulação. Revista
de Direito da Associação dos Procura-
E conclui que não existindo um interesse público específico legalmente dores do Novo Estado do Rio de Janeiro.
Alexandre Santos de Aragão (coord.) v.
predefinido, todos os interesses em conflito ou potencialmente conflitivos XI. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002,
p. 154.
admitem ser legitimamente ponderados e até negociados, o que patenteia a

FGV DIREITO RIO 105


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

existência de uma ampla disponibilidade relativa para o exercício judicativo


extrajudicial da função reguladora.143
Contudo, a possibilidade de imposição, pelas agências reguladoras, de um
juízo arbitral regulatório para a solução de conflitos com os agentes regulados
não é tema livre de polêmicas.
Marcos Juruena Villela Souto distingue a arbitragem comercial - que não
se submete à revisão judicial - e a arbitragem regulatória, que resulta de um
ato administrativo regulatório. Nas palavras do próprio Autor:

Há quem não reconheça a competência para a arbitragem regulató-


ria. Isto porque, no Direito brasileiro (Lei nº 9.307, de 23/09/96), a
arbitragem comercial exige um prévio compromisso arbitral, pelo qual
as partes acordam que qualquer conflito seja solucionado por um ár-
bitro. Entretanto, a arbitragem comercial, que trata de interesses dis-
poníveis, não se confunde com a arbitragem regulatória (que lida com
os interesses de uma coletividade afetada pelo conflito) em razão de os
comandos da Lei de Arbitragem não se aplicarem aos segmentos regu-
lados, salvo, por analogia, na parte procedimental. Não há qualquer
violação ao Princípio da Autonomia da Vontade. Quem adere a um
segmento regulado se compromete a cumprir e a se submeter a todo o 143
Idem, p. 111.
ordenamento jurídico setorial que orienta o seu funcionamento, que 144
Conforme texto gentilmente cedido
pelo Autor, em trabalho de cunho dou-
tem implícito o poder da agência reguladora baixar normas estabele- trinário ainda não publicado (ver nota
cendo limitações à liberdade do contratado, interferindo nas relações de rodapé nº 134). Ver, ainda, seu Direi-
to administrativo regulatório..., cit., pp.
entre fornecedores e entre fornecedor e consumidor. Este contrato 63-65. Em sentido contrário, Lúcia Valle
Figueiredo, Intervenção do Estado no
relacional vai ser constantemente fiscalizado e atualizado por normas domínio econômico e breves conside-
emanadas da agência reguladora, e os conflitos vão ser, possivelmente, rações sobre as agências reguladoras,
Revista de Direito Público da Economia,
solucionados pela via arbitral regulatória também. Todo esse contexto v. 2, abri/jun 2003, p. 270.

integra o marco regulatório, ao qual o regulado voluntariamente adere 145


Agências reguladoras e a evolução...,
cit., p. 319. O Autor também expôs
ao pleitear um consentimento de polícia ou ao firmar um contrato com seu pensamento no artigo intitulado
“Serviços públicos e concorrência”,
a Administração. A tanto não é obrigado, mas integrando o segmento, publicado na Revista de Direito Público
por decisão própria, deve se submeter a todas as regras que orientam o da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
n. 2, p. 59-123, abr./mai./jun. 2003,
seu funcionamento.” 144 notadamente nas pp. 118-123, onde
colhemos o seguinte trecho: “A matéria
é complexa e pode contemplar diversos
pontos de vista. Entendemos que, se de
A esse respeito, Alexandre Santos de Aragão sustenta que diante da indis- fato a legislação tivesse imposto essas
ponibilidade dos interesses tutelados pelas agências reguladoras, a adoção da restrições de acesso ao Poder Judiciário,
seria inconstitucional. Não se aplica-
arbitragem só será possível se houver autorização legal. No caso das agências riam as justificativas que legitimam
que a arbitragem em geral exclua a
reguladoras de serviços públicos, essa autorização está atendida pela parte fi- apreciação substancial das matérias
nal do inciso XV do art. 23 e pelo art. 23-A da Lei nº 8.987/1995, que prevê pelo Poder Judiciário, já que in casu
inexistiria o compromisso arbitral vo-
como cláusula obrigatória dos contratos de concessão o estabelecimento do luntário prévio”. Para uma análise apro-
fundada sobre o tema, recomenda-se
modo amigável de solução das divergências contratuais.145 a leitura do artigo do publicista Diogo
de Figueiredo Moreira Neto, intitulado
“Arbitragem nos contratos administra-
tivos”, em sua obra Mutações do direito
administrativo, p. 221.

FGV DIREITO RIO 106


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LEITURA OBRIGATÓRIA:

GUERRA, Sergio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lu-
men Iuris, 2004, pp. 92 a 98; 125 a 140.

CASO GERADOR:

Trata-se da mudança das regras para a conversão da cobrança das ligações


telefônicas de pulso para minuto — a tarifação por minuto foi estabelecida
na renovação dos contratos das concessionárias de telefonia fixa.
Os motivos da mudança foram as limitações da tarifação por pulso e a
dificuldade para detalhar as ligações locais nas contas; isto é, o usuário será
beneficiado com uma forma de tarifação mais transparente (base normativa:
artigo 1º da Resolução nº 423, de 6 de dezembro 2005 e itens 2.1 e 3.1 do
Anexo da Resolução nº 423, de 6 de dezembro 2005).
Em que pese a idéia inicial de imperatividade dessa regra sobre as empresas
reguladas — e, após, a realização de consulta e audiência públicas, manifes-
tações de associações de usuários, do Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor, dos Procons estaduais e municipais etc. — chegou-se a um
consenso entre regulador e regulados.
A ANATEL não compeliu as concessionárias a implementarem a conver-
são em áreas em que os custos (com a conversão) não justificassem os benefí-
cios aos usuários (detalhamento das contas) nas localidades em que houvesse
baixa densidade de linhas telefônicas. Por outro lado, as empresas reguladas
concordaram em não cobrar dos usuários as chamadas locais entre telefones
fixos que excedem a franquia com determinado número de pulsos.146
Nesse caso, indaga-se:

(i) Atenta contra a juridicidade o posicionamento da ANATEL?


(ii) A ANATEL estaria obrigada a aplicar sanções pelo descumprimen-
to da norma?

LEITURA COMPLEMENTAR:

MOREIRA, Egon Bockmann. Agências reguladoras independentes, poder eco-


nômico e sanções administrativas. In: GUERRA, Sergio (coord). Temas de 146
Maiores detalhes podem ser conferi-
direito regulatório. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, pp. 160 a 199. dos em OLIVEIRA. Metade das cidades
não terá conta por minuto: nos muni-
cípios onde as telefônicas não fizeram
conversão dos pulsos, ligações locais
entre fixos serão de graça. O Globo,
Caderno de Economia, Rio de Janeiro, p.
30, 15 mar. 2007.

FGV DIREITO RIO 107


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 16: AGÊNCIAS REGULADORAS IV: LEGITIMIDADE


DEMOCRÁTICA. CONSULTAS E AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

OBJETIVO:

Discutir se as agências reguladoras, por não terem seu órgão máximo com-
posto por pessoas eleitas diretamente pelo sufrágio popular, carecem de legiti-
midade democrática para o exercício de suas funções, especialmente no que se
refere à competência normativa. Apresentar as teorias e os institutos que pro-
curam conferir maior transparência e permeabilidade à atuação das agências
reguladoras e, portanto, atuam no sentido da sua legitimação democrática.

INTRODUÇÃO:

Uma das principais críticas comumente encontradas sobre as funções


exercidas pelas agências reguladoras é que se estaria outorgando funções nor-
mativas, judicantes e sancionadoras a entes cujos titulares não seriam dotados
de legitimidade democrática.
De fato, os diretores das agências não são eleitos diretamente pelo povo
e, portanto, não atendem diretamente ao princípio da representação majo-
ritária. Alias, o intuito da instituição das agências reguladoras é justamente
que os mandatos de seus diretores sejam não-coincidentes entre si e com o
mandato do chefe do Poder Executivo.
No entanto, se não são diretamente eleitos pelo povo, os diretores das
agências reguladoras são indicados pelo chefe do Poder Executivo e sabatina-
dos ante o Poder Legislativo (no Senado Federal, no caso das agências regu-
ladoras federais). Nesse sentido, pode-se considerar que possuem legitimida-
de democrática “reflexa”, ainda que apenas parcial, já que os mandatos não
coincidem com o do chefe do Poder Executivo. Além disso, faz-se necessário
lembrar que as agências reguladoras, sendo autarquias, são criadas por lei,
portanto por uma decisão do Parlamento, o qual também é responsável pelo
delineamento da função diretiva das agências e sua composição.
Aliás, a existência de autoridades estatais não eleitas com elevado grau de
autonomia não constitui fenômeno restrito às agências reguladoras nem mes-
mo apenas recente, conforme relata Alexandre Santos de Aragão:

No advento da Revolução Francesa acreditava-se que apenas os ór-


gãos da soberania popular, ou seja, os mandatários eleitos, poderiam
levar a vida em sociedade a bom termo. Logo, porém, foi verificada a

FGV DIREITO RIO 108


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

necessidade da criação de órgãos estatais com autonomia de gestão e in-


dependência funcional para, fora do círculo político-eleitoral, controlar
e equilibrar as relações entre os titulares de cargos eletivos para assegurar
a observância dos valores maiores da coletividade. Surgiram, então, os
poderes neutrais do Estado, que abrangem realidades díspares, desde as
cortes constitucionais às agências reguladoras independentes, passando
pelos tribunais de contas, conselhos com sede constitucional etc.
O que há de comum a todos estes órgãos, que, sem dúvida possuem
escala de autonomia variável, é o (1) caráter não eletivo do provimento dos
seus titulares, (2) a natureza preponderantemente técnica de suas funções
e (3) a independência, ou seja, a ausência de subordinação hierárquica aos
poderes políticos eletivos do Estado como forma de propiciar (4) o exercício
imparcial das suas funções em relação aos diversos interesses particulares que
estiverem em jogo, aos interesses do próprio Estado do qual fazem parte e à
vontade majoritária da sociedade manifestada por seus representantes.147

Portanto, a compreensão da legitimidade democrática passa pela consi-


deração de que, em primeiro lugar, não são a única autoridade estatal com
função normativa e executiva sem representatividade direta. A partir da teoria
dos poderes neutrais, observa-se que a democracia exige a existência de au-
toridades não eleitas que possam atuar como freios e contrapesos da atuação
dos mandatários dos Poderes Legislativo e Executivo diretamente eleitos pelo
povo. Conforme conclui Alexandre Aragão, “longe de serem antinômicos à
democracia em razão da possibilidade de contradição com as forças políticas
majoritárias, asseguram o pluralismo no seio do Estado sem retirar totalmen-
te os poderes do chefe do Poder Executivo e do Poder Legislativo”148. São, por
isso mesmo, autoridades que exercem funções de Estado, e não de governo.
A participação da sociedade também constitui importante fonte legitima-
dora dos atos das agências reguladoras. Nesse sentido, ganha força, no con-
texto da instituição dessas autoridades reguladoras independentes, a presença
de grupos da sociedade no processo de constituição da norma reguladora,
por intermédio dos institutos da consulta e da audiência públicas. Aliás, a
Constituição Federal, no artigo que disciplina a atividade da Administração
Pública, institui um princípio geral de participação do usuário no que tange
à atividade da Administração Direta e Indireta (o que inclui, como visto, as
agências) relativamente à prestação de serviços públicos:

“Art. 37
147
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
(...) cias reguladoras e a evolução do direito
administrativo econômico. Rio de Janei-
§ 3º. A lei disciplinará as formas de participação do usuário na ad- ro: Forense, 2003, pp. 441 e 442.
ministração pública direta e indireta, regulando especialmente: 148
Agências reguladoras e a evolução
do direito administrativo econômico,
p. 442.

FGV DIREITO RIO 109


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I – reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,


asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a
avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II – o acesso dos usuários a registros administrativos e informações
sobre atos do governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou
abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública”.

Assim, os institutos da consulta e da audiência pública vêm se firmando


cada vez mais como instrumentos de legitimação democrática das agências
reguladoras, ao permitirem que as futuras normas cogentes dessas entidades
passem por um procedimento prévio de relativa negociação e consensualiza-
ção entre todas as esferas da sociedade potencialmente alcançadas pela futura
norma. Nesse sentido, cresce a importância dos institutos da audiência públi-
ca e da consulta pública, bem como de órgãos como a ouvidoria, os quais pro-
piciam a ponderação, pelo ente regulador, de todos os interesses envolvidos.
No âmbito da ANEEL, o legislador positivou a exigência de consulta pú-
blica no art. 4º, §3º, da Lei nº 9.427/1996:

Art. 4º. (...)


§3º. O processo decisório que implicar afetação de direitos dos
agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, mediante
iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por via administrativa,
será precedido de consulta pública convocada pela ANEEL.

Na prática, observa-se que tais previsões normativas têm sido implantadas


pelas agências reguladoras com crescente sucesso, comprovando o caráter de-
mocratizador do acesso dos mais diversos segmentos da sociedade e grupos
de interesse ao diálogo com as autoridades reguladoras.
Não se desconhece que os institutos, por si só, não garantem a inclusão
dos diversos segmentos da sociedade na discussão regulatória. Com efeito,
existem estudos que demonstram comparecerem às audiências e consultas
públicas, mormente os entes regulados e seus representantes, sendo ainda
reduzida a participação de associações de pequenos usuários (no caso dos ser-
viços públicos) e de entidades de defesa de interesses difusos da sociedade.149
No entanto, esse déficit democrático não parece resultar da natureza do
instituto, mas sim da ausência de uma cultura histórica relativamente a esses
institutos. A informalidade que costuma caracterizar as consultas, onde as
opiniões freqüentemente podem ser encaminhadas por fax ou mesmo sim- 149
MATTOS, Paulo Todescan Lessa.
ples correio eletrônico, facilitam e ampliam a possibilidade de participação, Agências reguladoras e democracia:
participação pública e desenvolvimen-
de forma que é esperado que esses mecanismos tenham crescente efetividade to. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (coord).
na conformação dos marcos regulatórios. Regulação e desenvolvimento. São Pau-
lo: Malheiros, 2002, p. 182 e ss.

FGV DIREITO RIO 110


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Paralelamente, outro importante instrumento de legitimação democrática


da atuação das agências reguladoras reside na procedimentalização de todos os
seus atos. Especialmente no que tange ao processo administrativo sancionador,
a sanção somente pode ser imposta após a instauração de processo administra-
tivo no qual se confira ampla oportunidade de defesa e produção de provas,
tudo em conformidade com o princípio maior do devido processo legal, cuja
incidência sobre os processos administrativos não pode mais ser questionada.
Conforme observa Marçal Justen Filho, “também se aplicam no âmbito
das agências as garantias constitucionais acerca do direito de receber informa-
ções e de petição (art. 5º, XXXIII e XXXIV, CF/88)”.150

LEITURA OBRIGATÓRIA:

MOREIRA NETO, Diogo. Novos institutos conceituais da ação adminis-


trativa: gestão pública e parcerias. In: Mutações de direito público. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006, pp. 315 a 349.

CASO GERADOR:

O IBAMA, em que pese não se caracterizar como agência reguladora,


constitui autarquia federal com algumas competências regulatórias em maté-
ria de tutela do meio ambiente. Nesse sentido, compete-lhe criar e disciplinar
unidades de conservação ambiental, prevendo a legislação que rege a matéria
caber ao IBAMA realizar consulta pública previamente à edição de atos sobre
essa matéria. Nesse sentido, dispõe o art. 22 da Lei nº 9.985/2000:

Art. 22: As unidades de conservação são criadas por ato do Poder


Público .... § 2º A criação de uma unidade de conservação deve ser pre-
cedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam iden-
tificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a uni-
dade, conforme se dispuser em regulamento.

No exercício dessa competência, o IBAMA decidiu ampliar os limites territo-


riais da área de preservação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Para
esse fim, expediu a respectiva portaria, a qual não foi precedida de consulta públi-
ca, sob o fundamento de que o Decreto nº 4.340/2000, que regulamentou a Lei
9.985/2000, admitir outras formas de oitiva da população para esta finalidade.
150
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das
A seu ver, existe vício na edição da portaria que determinou a ampliação agências reguladoras independentes.
dos limites territoriais da Chapada dos Veadeiros? Em caso positivo, qual a São Paulo: Dialética, 2002, p. 585.

conseqüência jurídica advinda do defeito de formação do ato?151 151


MS 24.184-DF, rel. Ministra Ellen
Gracie,13.8.2003.

FGV DIREITO RIO 111


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

BIBLIOGRAFÍA COMPLEMENTAR:

BRUNA, Sergio Varella. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pú-


blica, revisão judicial. São Paulo: RT, 2003.

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SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 17: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO I: CONTROLE


NO ÂMBITO DO EXECUTIVO. ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DO
ATO ADMINISTRATIVO. RECURSO HIERÁRQUICO E RECURSO
HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO.

OBJETIVO:

Discutir se existe controle dos atos praticados pelas agências reguladoras, es-
pecialmente, a possibilidade de interposição de recurso hierárquico impróprio.

INTRODUÇÃO:

Em um Estado Democrático de Direito, mostra-se primordial que os atos


de uma entidade administrativa sejam passíveis de controle externo, isto é,
por outras autoridades que não aquela que exarou o ato.
No âmbito administrativo, o controle pela própria autoridade que exarou
o ato é sempre possível, sendo facultado à administração revê-lo, em caso
de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e tendo
mesmo o dever de fazê-lo em caso de ilegalidade. Nesse sentido, mostra-se
pacífico o entendimento da jurisprudência, conforme se observa do enuncia-
do 473 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:

Súmula 473, STF – A administração pode anular seus próprios atos,


quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se
originam direitos; ou revogá-los, por conveniência e oportunidade, res-
peitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apre-
ciação judicial.

Além disso, como regra geral, a Administração Pública organiza-se de forma


hierárquica, podendo o administrado, por conseguinte, recorrer contra deter-
minada decisão ao ente hierarquicamente superior. Sobre o princípio da hierar-
quia na Administração Pública, observa Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

Este princípio diz respeito, assim, à coordenação e à subordinação


desses entes, órgãos e agentes entre si e à distribuição escalonada das
respectivas funções, com o objetivo de estabelecer uma seqüência de
autoridade progressiva, de modo a harmonizar esforços, ordenar atua-
ções, fiscalizar atividades e corrigir irregularidades.
O princípio hierárquico, de natureza instrumental, é, por esse mo-
tivo, notadamente essencial à disciplina da ação dos agentes da admi-
nistração pública, que são os elementos humanos envolvidos, integran-

FGV DIREITO RIO 113


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

do-se com institutos dos campos da responsabilidade, da teoria das


nulidades e da sanatória dos atos administrativos.152

Ademais disso, não se pode deixar de mencionar, que o direito ao recurso


na esfera administrativa encontra-se constitucionalmente consagrado. A esse
respeito, veja-se o disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal:

Art. 5º
(...)LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes.

No entanto, existem entes da Administração que não se relacionam com


o Poder Executivo central a partir de uma relação de subordinação, não ha-
vendo, nesses casos, que se falar em hierarquia. É o caso, por exemplo, das
agências reguladoras, razão pela qual a doutrina discute se, relativamente a
essas entidades não-subordinadas, caberia recurso contra seus atos ao Poder
Executivo Central (o chamado “recurso hierárquico impróprio”).
Em princípio, a ausência de subordinação hierárquica das agências ao che-
fe do Poder Executivo se apresenta incompatível com o fato de se admitir a
possibilidade de os administrados recorrerem a esse último em caso de discor-
dância de uma decisão da agência.
Sobre isto, cumpre considerar que as agências reguladoras apresentam
natureza jurídica de autarquias especiais, possuindo personalidade jurídica,
receita e patrimônio próprios, dirigentes com mandato, e autonomia face ao
Ministério a que se vinculam 153. De fato, a relação entre a agência regulado-
ra e o Ministério é de mera vinculação, e não de subordinação. Partindo das
características de autonomia e ausência de subordinação, é possível defender
ser a sua natureza incompatível com a possibilidade de recurso de suas deci-
sões ao ministro de Estado. 152
MOREIRA NETO, Diogo. Curso de direi-
to administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro:
Dessa forma, para uma correta aproximação do problema, torna-se neces- Forense, 2006, p. 104.
sário compreender a amplitude do direito ao recurso na esfera administrativa, 153
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
e compatibilizá-lo com a autonomia inerente às agências. cias reguladoras e a evolução do direito
administrativo econômico. 2a ed. Rio de
Por um lado, pode-se defender que a garantia constitucional do recurso Janeiro: Forense, 2003, pp. 348-350.

na esfera administrativa é observada com a mera previsão de recursos admi- 154


Veja-se, a respeito, manifestação
do ministro Octávio Gallotti: “Sr. Pre-
nistrativos interna corporis, como, por exemplo, o recurso contra uma decisão sidente, também entendo que não há
direito constitucional ao duplo grau de
monocrática à diretoria colegiada da agência. Além disso, a jurisprudência jurisdição, seja na via administrativa,
do Supremo Tribunal Federal tem conferido interpretação restritiva ao art. seja na via judicial e, por esse motivo,
a lei, ao criar um recurso que poderia
5º, LV, da Constituição, no que tange ao recurso na esfera administrativa, não instituir, pode submetê-lo à exi-
gência de depósito, ficando a ampla
atribuindo ao dispositivo constitucional um significado próximo a uma exi- defesa assegurada quanto à decisão de
primeira instância”. (voto do ministro
gência de “meios” ou “instrumentos” necessários à ampla defesa, mas não Octávio Gallotti no Recurso Extraordi-
propriamente de um duplo grau de jurisdição na esfera administrativa.154 nário nº 210.246-6/GO, proferido em
21.11.19970).

FGV DIREITO RIO 114


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Assim, para essa corrente, a natureza jurídica das agências se apresenta


incompatível com a possibilidade de recurso ao chefe do Poder Executivo
ou aos ministros de Estado, mencionando-se, dentre as razões para tal recu-
sa, (i) ausência de previsão legal, sendo que, à luz do princípio da legalida-
de estrita (art. 37, caput, da CF/88), a autoridade administrativa somente
pode agir em havendo atribuição conferida por lei; (ii) a exigência do art.
5º, LV, da Constituição Federal encontrar-se-ia atendida pelos recursos in-
ternos à própria agência previstos nas leis que as instituíram; e (iii) admitir
a possibilidade de recurso tornaria a estabilidade dos dirigentes conferida
mediante mandato – justamente para torná-los insuscetíveis a pressões po-
líticas – inócua. 155
Por outro lado, admitindo a possibilidade de recurso hierárquico impró-
prio em determinadas circunstâncias excepcionais, especialmente em caso de
flagrante usurpação de competência, manifesta-se Sérgio Guerra:

a provocação de instâncias executivas superiores não é apenas direito


dos administrados, mas torna-se também imperativo caso se pretenda
observar o esgotamento das instâncias administrativas antes de sujeitar
a questão ao Poder Judiciário.156

Entretanto, para o autor, essa possibilidade de recurso não se apresenta


ilimitada, pois que há de ser compatibilizada com a autonomia inerente às
agências. Dessa forma, não é toda e qualquer matéria decidida pela agência
que pode ser objeto de revisão pelo chefe do Poder Executivo. Como regra
geral, quando realizadas dentro da sua esfera de competências, atos executi-
vos, normativos ou judicantes das agências encontram-se imunes à revisão na
esfera administrativa, sendo, no entanto:

plausível inferir ser cabível o recurso hierárquico impróprio contra


as decisões do órgão máximo das Agências Reguladoras quando delibe-
rarem acerca de temas exclusivamente relacionados às políticas públicas
do setor regulado, em flagrante usurpação de competência do Poder
Legislativo e do Poder Executivo, aí estando incluída a esfera ministe-
rial com supedâneo no art. 76 da Constituição da República.157
155
Agências reguladoras e a evolução
do direito administrativo econômico. 2a
A visão acima descrita se encontra baseada no art. 76 da Constituição, ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
346 e ss.
segundo o qual: 156
GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos
atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lúmen
Iuris, 2005, p. 256. Ver, ainda, desse au-
Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, tor: Agências reguladoras e supervisão
ministerial. In O poder normativo das
auxiliado pelos Ministros de Estado. agências reguladoras. Alexandre San-
tos de Aragão (Coord.) Rio de Janeiro:
Forense, 2006.
157
Ob. cit., pp. 257 e 258.

FGV DIREITO RIO 115


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O art. 84, II, da Constituição Federal, por sua vez, dispõe competir pri-
vativamente ao presidente da República a direção superior da administração
federal, com o auxílio dos ministros de Estado.
Em síntese, é com fulcro nos supracitados dispositivos constitucionais, que
conferem ao presidente da República competência genérica de supervisão da
administração federal, que essa vertente doutrinária sustenta a possibilidade de,
quando uma decisão de agência reguladora for proferida em usurpação de com-
petência privativa do chefe do Poder Executivo (como no caso da definição de
políticas públicas), o ministro de Estado a que esteja vinculada a agência possa
conhecer de recurso interposto pelo administrado que se julgar prejudicado.
Explica-se a denominação recurso hierárquico “impróprio” pela ausência
de subordinação entre a entidade que expediu a decisão ou ato questionado
e a autoridade revisora.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

Parecer nº AGU/MS 04/2006 e Despacho do Consultor Geral da União nº


438/06 (Anexo IV à presente apostila)
GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lu-
men Iuris, 2005, pp. 251 a 260.

CASO GERADOR:

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários, no exercício de sua com-


petência fiscalizatória, receou que estivesse havendo prática anticoncorrencial
relativamente à cobrança de taxa praticada pelos operadores portuários sobre
a movimentação e entrega de contêineres destinados a outros recintos alfan-
degados do Porto de Salvador.
Em razão dessa suspeita, a ANTAQ exarou ato administrativo, consis-
tente na remessa de ofício, contendo suas considerações sobre o tema ao
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, autarquia federal
com competência para decidir administrativamente sobre infrações à Ordem
Econômica, nos termos da Lei nº 8.884/1994, para que essa adotasse as pro-
vidências cabíveis na sua esfera de atribuições.
Inconformada, uma das empresas investigadas recorreu ao ministro dos
Transportes, solicitando-lhe que anulasse o ato da agência reguladora que
determinou o envio da questão ao CADE. A esse respeito, pergunta-se:
Deve o ministro dos Transportes conhecer o recurso apresentado?
Quais as correntes existentes sobre o poder de revisão do Poder Executivo
central sobre os atos das agências reguladoras?

FGV DIREITO RIO 116


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Por que, para a parcela da doutrina que admite a possibilidade de proposi-


tura de referido recurso, esse é denominado “recurso hierárquico impróprio”?
Ainda que se admita essa possibilidade, quais os limites da revisão pelos
membros do Poder Executivo central?

LEITURA COMPLEMENTAR:

GUERRA, Sérgio. Agências reguladoras e supervisão ministerial. In ARA-


GÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras.
Rio de Janeiro: Forense, 2006.
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes.
São Paulo: Dialética, 2002, pp. 584 a 593.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2a ed.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp. 349 a 383.

FGV DIREITO RIO 117


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AULA 18: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO II: CONTROLE PELO


PODER LEGISLATIVO, PELO TRIBUNAL DE CONTAS – EXTENSÃO E
LIMITES E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.

OBJETIVO:

Apresentar o controle dos atos da administração pública pelo Poder Legis-


lativo e pelo Tribunal de Contas, e discutir os limites desse poder de revisão.

INTRODUÇÃO:

O controle parlamentar

Nos termos do art. 49, X, da Constituição Federal, compete exclusiva-


mente ao Congresso Nacional fiscalizar e controlar, diretamente, ou por
qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da admi-
nistração indireta.
Quanto à extensão das matérias que podem ser objeto de controle pelo
Congresso Nacional, observa Marçal Justen Filho, tratando especificamente
dos atos das agências reguladoras:

O controle parlamentar pode versar, de modo ilimitado, sobre toda


a atividade desempenhada pela agência, inclusive no tocante àquela
prevista para realizar-se em épocas futuras – ressalvada a necessidade
de sigilo em face das características da matéria regulada. Poderá ques-
tionar-se não apenas a gestão interna da agência, mas também se exigir 158
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das
agências reguladoras independentes.
a justificativa para as decisões de cunho regulatório. Caberá fiscalizar São Paulo: Dialética, 2002, p. 588.
inclusive o processo administrativo que antecedeu a decisão regulatória 159
“A ausência de procedimentos for-
mais de controle propiciará uma certa
produzida pela agência, com ampla exigência de informações sobre as ineficácia do controle do Legislativo, eis
justificativas técnico-científicas das opções adotadas.158 que a atribuição constitucional da com-
petência fiscalizatória não se traduzirá
num processo sistemático, organizado e
permanente de acompanhamento dos
Todavia, embora claramente previsto na Constituição, o controle parla- atos das agências. É fundamental que
mentar ainda não vem sendo exercido com a amplitude possível, em razão da se adote essa estrutura fiscalizatória
estável, inclusive para gerar a consciên-
ausência de procedimentos formais de controle.159 cia de que as decisões praticadas pelas
agências serão submetidas a efetivo
controle. A certeza da fiscalização gera
um efeito de aperfeiçoamento no de-
O controle pelo Tribunal de Contas sempenho das atribuições funcionais,
evitando a tentação de praticar atos
indevidos na esperança da ausência de
A Administração Pública tem suas contas, atos e contratos submetidos ao descoberta.” JUSTEN FILHO, Marçal. O
direito das agências reguladoras inde-
controle do Congresso Nacional. Nesse sentido expressamente dispõe o art. pendentes. São Paulo: Dialética, 2002,
70, caput, da Constituição Federal: p. 588.

FGV DIREITO RIO 118


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Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional


e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indire-
ta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das sub-
venções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,
mediante controle externo, e pelo controle interno de cada poder.

O art. 71 da Constituição, por sua vez, determina que, no exercício do


controle externo, o Congresso Nacional será auxiliado pelo Tribunal de Con-
tas da União, nos seguintes termos:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será


exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual com-
pete: ...
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por
dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta,
incluídas as fundações e sociedades instituídas pelo Poder Público fe-
deral, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão
de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluí-
das as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas
as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das
concessões de aposentadoria, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias
posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório (...)
VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá,
entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade;
X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comuni-
cando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;(...)
§1º. No caso de contrato, o ato de sustação será adotado direta-
mente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder
Executivo as medidas cabíveis.
§2º. Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de
noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o
Tribunal decidirá a respeito. (...)

Dessa forma, por força de expressa previsão constitucional, a Administra-


ção Pública federal direta e indireta submete-se ao controle externo do Con-
gresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União, cuja natureza

FGV DIREITO RIO 119


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

jurídica, portanto, é de órgão auxiliar do Poder Legislativo. Exerce, assim,


atividade eminentemente administrativa de cunho fiscalizatório.160
Um tema que merece análise mais cuidadosa diz respeito à necessidade de to-
dos os atos e decisões das entidades da Administração Pública indireta (como as
autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas) submeterem-se ao
controle do Tribunal de Contas, ou se somente aqueles nos quais se observa um
efeito direto sobre dispêndio de verbas públicas subordinam-se a tal revisão.
Tal questão se desdobra, na controvérsia, por exemplo, sobre terem os Tri-
bunais de Contas competência para controlar “atos de regulação”, tais como
reajustes tarifários ou decisões sobre reequilíbrio econômico-financeiro de
contrato de concessão. O assunto é apresentado por Alexandre Santos de
160
Com relação aos órgãos e entidades
Aragão nos seguintes termos: da Administração Pública estadual, tal
competência é exercida pelos Tribunais
de Contas dos Estados. Especificamente
Considerando que tais atos não implicam em gasto de verba pú- com relação aos municípios, por um
lado, ainda são poucos os municípios
blica, isto é, que não geram despesas a serem arcadas pelo Estado, não que instituíram agências reguladoras.
eclodindo, conseqüentemente, o pressuposto do controle pelo Tribunal Por outro, a Constituição Federal de
1988 proibiu a criação de novos tribu-
de Contas (art. 7, CF), Luís Roberto Barroso sustentou (...) que “não nais de contas municipais, mantendo,
todavia, em funcionamento aqueles
pode o Tribunal de Contas questionar decisões político-administrativas em vigor anteriormente à sua promul-
gação. Assim, em municípios onde não
da ASEP-RJ161 nem tampouco requisitar planilhas e relatórios expedi- houver Tribunal de Contas, as agências
dos pela Agência ou por concessionário, que especifiquem fiscalização municipais deverão prestar contas ao
Tribunal de Contas estadual. Veja-se, a
e procedimentos adotados na execução contratual”. esse respeito, o disposto no art. 75 da
Constituição Federal: “As normas esta-
Posição diversa é a sustentada por Mauro Roberto Gomes de Matos, belecidas nesta seção aplicam-se, no
que couber, à organização, composição
que afirma, com fulcro no art. 71, VIII, que “o ato administrativo que de- e fiscalização dos Tribunais de Contas
fere o aumento de tarifa se inclui no enredo constitucional de contas pú- dos Estados e do Distrito Federal, bem
como dos Tribunais e Conselhos de
blicas, visto que mesmo ela sendo paga pelo usuário do serviço, é cobrada Contas dos Municípios.” Vide, ainda, art.
37, §4º, da CF/88: “É vedada a criação
mediante a prestação de um serviço público outorgado pelo Estado”.162 de Tribunais, Conselhos ou órgãos de
Contas Municipais.”
161
Apesar da controvérsia, os Tribunais de Contas não têm se furtado ao exer- A ASEP era a antiga Agência Regula-
dora dos Serviços Públicos Concedidos
cício de ampla competência revisional em matéria regulatória, cujos limites, do Estado do Rio de Janeiro, substituída
nas suas funções pela AGETRANSP –
em todo caso, pautam-se necessariamente pelos princípios constitucionais já Agência Reguladora de Serviços Públi-
cos Concedidos de Transportes Aqua-
acima aduzidos. Algumas decisões, contudo, sinalizam pela necessária obser- viários, Ferroviários, Metroviários e de
vância da competência regulatória pelo TCU, conforme julgamento proferido Rodovias do Estado do Rio de Janeiro e
pela AGENERSA – Agência Reguladora
nos Embargos de Declaração contra o acórdão 555/2004 – TCU – Plenário. de Energia e Saneamento Básico do
Estado do Rio de Janeiro.
Cumpre ressaltar, ainda, que o TCU exarou atos normativos especificamen- 162
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
te para reger a sua fiscalização sobre os processos de desestatização e sobre os cias reguladoras e a evolução do direito
administrativo econômico. 2a ed. Rio de
processos de revisão tarifária periódica das distribuidoras de energia elétrica.163 Janeiro: Forense, 2003, p. 340.
163
A Instrução Normativa TCU nº 27, de
O controle pelo Ministério Público 07.12.1998, dispõe sobre a fiscalização,
pelo Tribunal de Contas da União, dos
processos de desestatização. A Instru-
ção Normativa nº 43, de 10.07.2002,
Nos termos da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição dispõe sobre o acompanhamento, pelo
Tribunal de Contas da União, dos pro-
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a cessos de revisão tarifária periódica dos
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e contratos de concessão dos serviços de
distribuição de energia elétrica.

FGV DIREITO RIO 120


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

individuais indisponíveis. Nesse sentido, são princípios institucionais do Mi-


nistério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Competem ao Ministério Público atribuições muito amplas, abertas, haja


vista o uso de conceitos jurídicos indeterminados no texto constitucional, a saber:

a) zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de


relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, pro-
movendo as medidas necessárias a sua garantia;
b) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interes-
ses difusos e coletivos;

Desse modo, e à luz dessa competência atribuída pela Carta Magna, o


Ministério Público vem agindo em diversos assuntos submetidos à regulação
estatal de serviços públicos e atividades econômicas. Algumas das medidas
adotadas pelo Ministério traz riscos sistêmicos, conforme será discutido na
aula sobre controle judicial dos atos administrativos.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Transformações das cortes de con-


tas: de órgão do parlamento a órgão da sociedade. In: Mutações do direito
público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 109 a 155.

CASO GERADOR:

A Agência Nacional de Telecomunicações fez publicar edital de licitação


para outorga de faixas de freqüência do serviço de provimento de acesso à
internet banda larga sem fio. No edital, a ANATEL proibiu que a concessio-
nária incumbente de telefonia fixa local participasse da referida licitação na
região em que fosse titular da concessão.
O Ministério das Comunicações discordou desse posicionamento, ma-
nifestando-se publicamente contra a restrição que, a seu ver, restringiria de
forma desnecessária os potenciais licitantes.
Em defesa da restrição, a ANATEL alega que as concessionárias locais, por
serem titulares da exploração da infra-estrutura local e já operarem o serviço
de banda larga por de linha telefônica (ADSL), encontram-se em posição fa-
vorecida face às demais licitantes, e poderiam realizar concorrência predatória
às entrantes.

FGV DIREITO RIO 121


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Conforme visto, o Tribunal de Contas da União possui competência para


acompanhar os processos de licitação realizados pelas entidades da adminis-
tração pública indireta, como as agências reguladoras. Entretanto, discute-se
qual o limite de intervenção do TCU nesses processos.
No caso em comento, o TCU determinou a suspensão da licitação a fim
de que a ANATEL prestasse informações sobre o modelo escolhido para as
outorgas, e as razões pelas quais as concessionárias de telefonia fixa local fo-
ram impedidas de participar.
Considerando os fatos acima narrados, tem o TCU competência para de-
terminar a suspensão da licitação?

LEITURA COMPLEMENTAR:

JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes.


São Paulo: Dialética, 2002, pp. 584 a 593.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2a ed.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp. 349 a 383.

FGV DIREITO RIO 122


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 19: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO III: A REVISÃO DO


ATO ADMINISTRATIVO PELO PODER JUDICIÁRIO

OBJETIVO:

Discutir os limites da revisão dos atos da Administração Pública pelo Po-


der Judiciário

INTRODUÇÃO:

O controle judicial dos atos administrativos

Conforme visto na matéria Atividades e Atos Administrativos, a amplitu-


de do controle do Poder Judiciário sobre os atos da administração mostra-se
questão profundamente controversa.
A sujeição desses atos ao controle do Poder Judiciário não é questionada,
em razão do princípio da jurisdição una ou da inafastabilidade do conheci-
mento de lesão a direito pelo Poder Judiciário, expressamente disposto no art.
5º, XXXV, da Constituição Federal:

Art. 5º (...)
XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito.

Profunda discussão emerge, no entanto, quanto aos limites desse controle.


De fato, classicamente se entendia que o Poder Judiciário não pode aden-
trar o mérito de decisões discricionárias da Administração, uma vez que a
competência para o exercício do juízo de conveniência e oportunidade in-
cumbe à Administração Pública – e não ao Poder Judiciário. Nesse sentido,
manifesta-se Hely Lopes Meirelles: “quanto ao objeto do controle, (...) há de
ser unicamente a legalidade, sendo-lhe vedado pronunciar-se sobre conveni-
ência, oportunidade ou eficiência do ato em exame, ou seja, sobre o mérito
administrativo”.164
Sobre a necessidade de o Poder Judiciário respeitar o âmbito de discricio-
nariedade dos entes administrativos, expõe Sérgio Guerra, no âmbito dos
atos regulatórios:

o excesso da atuação jurisdicional sobre as decisões administrativas


traz consigo a controvérsia acerca das decisões de agentes públicos, de- 164
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito admi-
mocraticamente eleitos ou não, pelos juízes. (...) Se o julgador alterar nistrativo brasileiro. 24a ed. São Paulo:
Malheiros, 1999, p. 633
um ato administrativo regulatório, que envolve, fundamentalmente, a

FGV DIREITO RIO 123


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

eleição discricionária dos meios técnicos necessários para o alcance dos


fins e interesses setoriais – despido das pressões políticas comumente
sofridas pelos representantes escolhidos pelo sufrágio –, esse magistra-
do, na maioria das vezes, poderá, por uma só penada, afetar toda a
harmonia e equilíbrio de um subsistema regulado.165

No mesmo sentido, veja-se Marçal Justen Filho:

Insista-se em que o ato produzido pela agência, ainda quando apto a


produzir efeitos abstratos e gerais, continua a se qualificar como ato ad-
ministrativo. Trata-se de uma manifestação de discricionariedade, que
demanda exame e qualificação pelo Judiciário segundo os princípios
gerais vigentes. Isso significa que o exercício de competências vincula-
das comporta ampla investigação pelo Judiciário. Mesmo no tocante
à discricionariedade é possível cogitar da fiscalização jurisdicional. O
controle jurisdicional não pode invadir aquele núcleo de autonomia
decisória inerente à discricionariedade. (...) O Judiciário pode verificar
se a autoridade administrativa adotou todas as providências necessá-
rias ao desempenho satisfatório de uma competência discricionária.
É possível invalidar a decisão administrativa quando se evidencie ter
sido adotada sem as cautelas necessárias, impostas pelo conhecimento
técnico-científico.166

Portanto, o Poder Judiciário não tem competência revisora sobre o exercí-


cio da competência discricionária da Administração, desde que exercida nos
limites da atribuição que lhe tenha sido legalmente atribuída e respeitados os
princípios constitucionais regedores da atividade administrativa. Não se pode
negar que a Administração – direta ou indireta – possui um núcleo de com-
petências discricionárias, sobre as quais pode exercer um juízo de conveniên-
cia e oportunidade, e sobre o qual o Poder Judiciário não possui competência
revisora. Conforme observa Sergio Guerra, “a Administração é livre para ele-
ger, dentro do amplo espaço que em cada caso lhe permite a lei e o Direito,
as razões (jurídicas, econômicas, sociais, técnicas, ambientais), a curto, médio
e longo prazo, que servem de suporte a suas decisões”167. Essa constitui uma
diferença intrínseca para o papel desempenhado pelo Poder Judiciário, que 165
GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos
considera, em suas razões de decidir, unicamente questões jurídicas. atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2005, pp. 271-272.
Veja-se, a título ilustrativo, a seguinte decisão do Superior Tribunal de 166
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das
Justiça. Na qual se discutiu o limite da revisão do Poder Judiciário sobre ato agências reguladoras independentes.
São Paulo: Dialética, 2002, p. 590,
administrativo exarado por agência reguladora: A partir da decisão abaixo, grifou-se.
pode-se perceber que o STJ tem reconhecido a importância da atividade de- 167
GUERRA, Sergio. “Atualidades sobre o
controle judicial dos atos regulatórios”.
sempenhada pelas agências reguladoras, bem como a limitação da compe- In: LANDAU, Elena (org.). Regulação
tência revisional do Poder Judiciário sobre os atos das agências, conforme se jurídica no setor elétrico. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2006, p. 174.

FGV DIREITO RIO 124


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

constata na decisão da lavra do ministro Edson Vidigal, no caso do reajuste


tarifário da CELPE, cujo trecho segue a seguir transcrito.
Em breve síntese, foi proposta ação civil pública pretendendo a declaração
de nulidade do reajuste tarifário autorizado pela ANEEL, tendo o pedido de
antecipação de tutela sido deferido em primeira instância, para suspender
os efeitos da Resolução Homologatória e do Despacho ANEEL que haviam
fixado a nova tarifa. O juízo determinou, ainda, que a ANEEL fixasse provi-
soriamente novos percentuais para as tarifas, bem como fossem mantidos os
valores anteriormente praticados até a divulgação das novas tarifas provisó-
rias, em conformidade com a decisão judicial.
Tendo a decisão sido mantida em segunda instância, sobreveio pedi-
do de suspensão da referida antecipação da tutela ao Superior Tribunal de
Justiça, ocasião em que assim se manifestou o ministro Edson Vidigal, ao
deferir o pedido:

Quanto ao potencial lesivo da liminar em comento, a requerente


enfatizou que o questionado reajuste foi fixado com base em crité-
rios técnicos, fiéis à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
do contrato de concessão vigente (Cláusula Sétima), determinados,
inclusive, por componentes alheios à gestão da Concessionária, não
havendo excesso.
É certo que na oportunidade da celebração do contrato de con-
cessão da distribuidora de energia elétrica, conforme autorizado pela
legislação pertinente, inseriram-se cláusulas prevendo mecanismos de
manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, como o reajuste
tarifário. Esses mecanismos têm origem na política tarifária previamen-
te aprovada pelo Conselho Nacional de Desestatização – CND, e são
vitais para que a prestação do serviço público possa se dar em con-
formidade com os princípios constitucionais e legais incidentes, e que
não só permitam, mas viabilizem a celebração de tais contratos entre o
Poder Público e o particular que se disponha a negociar com a Admi-
nistração, notadamente em se tratando de contratos de concessão com
prolongado prazo de duração.
Assim já decidi em hipótese semelhante (SL 57-DF): o descumpri-
mento de cláusulas contratuais, impedindo a correção do valor real
da tarifa, nos termos em que previsto no contato de concessão, causa
sérios prejuízos financeiros à empresa concessionária, podendo afetar
gravemente a qualidade dos serviços prestados e sua manutenção, im-
plicando ausência de investimentos no setor, prejudicando os usuários,
causando reflexos negativos na economia pública, porquanto inspira
insegurança e riscos na contratação com a Administração Pública, afas-
tando os investidores, resultando graves conseqüências também para o

FGV DIREITO RIO 125


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

interesse público como um todo, além, é claro, de repercutir negativa-


mente no chamado “Risco Brasil”.
(...)
Por isso, em que pesem os argumentos do Pleno do TRF/5ª Região,
que ressaltou a complexidade e inacessibilidade do sistema tarifário de
energia elétrica e necessidade de contenção dos prejuízos impostos à so-
ciedade - matéria a ser tratada no mérito da ação -, vejo caracterizados
aqui os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de suspen-
são, e o risco inverso, vez que a decisão é passível de causar grave lesão
aos interesses públicos privilegiados, ordem administrativa e economia
pública, Lei nº 8.437/92, art. 4º.
Assim, defiro em parte o pedido, para suspender a decisão que anteci-
pou a tutela nos autos da Ação Civil Pública nº 2005.83.00.008345-6,
confirmada pelo Pleno do TRF 5ª Região, até o julgamento do mérito
perante o Tribunal de origem.168

A decisão supratranscrita demonstra a inclinação do Superior Tribunal de


Justiça em preservar o marco regulatório em vigor, reconhecendo a importân-
cia do equilíbrio econômico-financeiro da concessão e da divisão de funções
entre o Poder Executivo – formulador e executor de políticas públicas – e
o Poder Judiciário, guardião do Estado de Direito. Conforme observado, a
regulação possui uma dimensão prospectiva e de ordenação setorial, que não
pode ser desconsiderada quando da análise jurídica das questões setoriais.
Por outro lado, os Tribunais pátrios não têm se furtado a declarar a nu-
lidade de atos praticados pela Administração Pública quando afrontam os
princípios constitucionais regedores da atuação administrativa, não mais se
podendo dizer que tal controle se limita a critérios como legalidade e com-
petência, mas inclui também revisão à luz de todos os princípios constitucio-
nais, inclusive quanto à proporcionalidade e razoabilidade. Vejam-se, a título
exemplificativo, as seguintes decisões do STJ:

ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. EFEITO ATIVO A


RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE MEDICAMENTOS COM
FÓRMULAS INSCRITAS NA FARMACOPÉIA BRASILEIRA. PRO-
DUTOS FITOTERÁPICOS. ISENÇÃO. LIMINAR DEFERIDA.
(...) 2. A Lei nº 6.360/76, que disciplina a comercialização de pro-
dutos farmacêuticos, é bastante clara ao estatuir, no art. 23, a desne-
cessidade de registro para os medicamentos cujas fórmulas estejam
inscritas na Farmacopéia Brasileira, situação na qual se enquadram os
produtos fitoterápicos industrializados pela requerente.
3. A restrição imposta à requerente, consistente na apreensão, em
todo o território brasileiro, dos produtos por ela comercializados, por 168
STJ, SLS nº 162, Rel. Min. Edson Vidi-
gal, DJ 20.09.2005.

FGV DIREITO RIO 126


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

falta de registro não exigido em lei, configura dano à sua imagem co-
mercial, além de comprometer a própria existência da pessoa jurídica,
impossibilitada que fica de exercer suas atividades comerciais, situação
que coloca em risco, via reflexa, o emprego de inúmeros trabalhadores
que ali ganham o seu sustento diário.
4. Não se pode atribuir conotação maniqueísta e discriminatória aos
interesses comerciais da empresa requerente, tão-só porque confronta-
dos, na espécie, com os sagrados princípios que dizem o direito à vida
e à saúde da população brasileira, dos quais se coloca como guardiã a
Agência requerida. (...)
7. Agravo regimental a que se nega provimento.169

ADMINISTRATIVO. TELECOMUNICAÇÕES. REGULA-


MENTA-ÇÃO DO PLANO GERAL DE OUTORGAS. DECRE-
TO Nº 2.534/98. CONCEITO DE EMPRESA COLIGADA. DES-
CONSIDERAÇÃO DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA
RESOLUÇÃO Nº 101/99 DA ANATEL. INVASÃO DE CAMPO
NORMATIVO ALHEIO. SENTENÇA REFORMADA. APELA-
ÇÃO PROVIDA.

1. O Plano Geral de Outorgas de Serviços de Telecomunicações, edi-


tado pelo Decreto nº 2.534/98, mediante autorização expressa da Lei
9.472/97, art. 18, II, veda a autorização para prestação de serviços de
telecomunicações em geral a empresa coligada com outra prestadora de
serviço telefônico fixo, observados os demais termos do art. 10, § 2º.
2. O conceito de empresa coligada, havendo participação sucessiva
de várias pessoas jurídicas, é fornecido pelo art. 15 e § único da referida
disposição normativa, que manda considerar o valor final da participa-
ção por meio da composição das frações de controle de cada empresa
na linha de encadeamento.
3. Tal conceito não pode ser alterado por critérios introduzidos pela
Resolução 101/99 da ANATEL, porque refoge ao campo de compe-
tência normativa adstrito à agência reguladora, não amparado pelo art.
19, XIX, da Lei 9.472/97.
4. Preliminares rejeitadas e apelação provida para determinar o exa-
me do pedido administrativo com desconsideração dos dispositivos da
aludida Resolução relativos à participação acionária sucessiva.
5. Sentença reformada. (Grifamos)170
169
AgRg na MC 6146 / DF, 2a Turma do
Ainda no que tange aos limites da revisão judicial dos atos administrati- STJ, j. em 12.08.2003, v.u.
vos, faz-se necessário enfrentar o tema da possibilidade de o juiz substituir a 170
Processo nº 200034000054157,
decisão proferida na esfera administrativa. 1a Turma do TRF da 1a Região, j. em
27.06.2001, v.u.

FGV DIREITO RIO 127


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como regra geral, tem-se que tal substituição não é possível, pois violaria
o princípio da separação dos poderes. Com efeito, o juiz, ao anular uma de-
cisão administrativa, não pode substituir o juízo de conveniência e oportuni-
dade que é próprio da Administração Pública, pois nem a Constituição nem
as leis lhe outorgam tal competência171. Assim, deverá reenviar a matéria para
nova decisão pela entidade administrativa.
Excepcionalmente, em elogio ao princípio da eficiência, parcela da dou-
trina admite que, quando apenas uma solução legítima puder ser extraída do
ordenamento jurídico, estará o juiz autorizado a determiná-la, substituindo
o ato administrativo anulado.172

LEITURA OBRIGATÓRIA

GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lu-
men Iuris, 2005, pp. 261 a 347.

CASO GERADOR:

O Sr. X encontra-se desconfiado do preço que vem pagando pelo serviço


de telefonia fixa comutada à operadora local. Acredita que lhe possam estar
sendo imputadas na conta telefônica ligações que, em verdade, não realizou.
Nesse sentido, procurou a operadora que lhe presta o serviço, exigindo
que essa passasse a lhe fornecer relatório discriminado de todas as ligações
efetuadas a partir do seu aparelho, detalhando o número de telefone chama-
do e a quantidade de impulsos gastos por ligação.
Em resposta, a operadora alegou que não estaria obrigada a lhe prestar
tal informação, tendo em vista que a agência reguladora exarara resolução
estabelecendo prazo para que as empresas efetivassem a digitalização de toda
a rede (quando então os pulsos poderão ser discriminados ao usuário), o qual
ainda não haveria expirado.
Inconformado, o Sr. X lhe procura, e solicita assessoria jurídica, especial- 171
Nas palavras de Sérgio Guerra:
mente porque tem notícia de que o Código de Defesa do Consumidor asse- “caso o Poder Judiciário anule uma
decisão regulatória discricionária por
gura aos usuários de serviço público o direito à informação. inobservância, pelo agente regulador,
de elementos conformadores do ato,
Considerando o disposto na Ordem Constitucional Econômica e a fun- o magistrado deve devolver o assunto
ção jurisdicional do Poder Judiciário, pergunta-se: como resolver o aparente à Agência Reguladora para que exare
outra decisão, levando em considera-
conflito entre o mandamento constitucional de tutela da defesa do consumi- ção todos os aspectos apontados pelo
Tribunal.” GUERRA, Sérgio. Controle judi-
dor e a delegação de competências normativas às agências reguladoras, que cial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro:
Lúmen Iuris, 2005, p. 277.
igualmente encontra legitimidade no ordenamento constitucional vigente?
172
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-
Pode o Poder Judiciário afastar a aplicação do ato normativo da agência regu- cias reguladoras e a evolução do direito
ladora? Sob qual argumento? administrativo econômico. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 353.

FGV DIREITO RIO 128


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LEITURA COMPLEMENTAR:

GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lu-
men Iuris, 2005.
LEITE, Fabio Barbalho. O controle jurisdicional de atos regulamentares das
agências reguladoras diante do principio da moralidade administrati-
va. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de (coord.). O poder normativo das
agencias reguladoras. Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 419 e ss.

FGV DIREITO RIO 129


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULAS 20 E 21: RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA

OBJETIVO:

Discutir a as hipóteses em que surge o dever de o Estado responder por


atos lícitos e ilícitos da Administração Pública.

INTRODUÇÃO:

A consagração da responsabilidade civil do Estado constitui imprescin-


dível mecanismo de defesa do cidadão face ao Poder Público. Mediante a
possibilidade de responsabilização, o administrado tem assegurada a certeza
de que todo dano a direito seu ocasionado pela ação de qualquer funcionário
público no desempenho de suas atividades será reparado pelo Estado. Funda-
se nos pilares da eqüidade e da igualdade, como salienta Pontes de Miranda:

O Estado - portanto, qualquer entidade estatal - é responsável pelos


fatos ilícitos absolutos, como o são as pessoas físicas e jurídicas. O prin-
cípio de igualdade perante a lei há de ser respeitado pelos legisladores,
porque, para se abrir exceção à incidência de alguma regra jurídica so-
bre responsabilidade extranegocial, é preciso que, diante dos elementos
fácticos e das circunstâncias, haja razão para o desigual tratamento.173

Celso Antônio Bandeira de Mello define a responsabilidade civil do Esta-


do nos seguintes termos: “Entende-se por responsabilidade patrimonial ex-
tracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economica-
mente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe
sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou
ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.174
A responsabilidade estatal não se confunde com a de seu funcionário, uma
vez que este último, no exercício de suas funções, pode causar dano tanto a
bens estatais quanto a de particulares. Em ambos os casos, comprovada sua
culpa, deverá ressarcir os prejuízos causados.
Entretanto, o cidadão lesionado em seu direito por ato decorrente do agir
estatal não depende desta prova (de culpa) para requerer sua indenização, pois
pode acionar diretamente o Estado, que responderá sempre que demonstrado 173
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Di-
o nexo de causalidade entre o ato do seu funcionário e o dano injustamente reito Privado. 2a edição. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1966, Tomo LIII, p. 447.
sofrido pelo indivíduo. A culpa do administrador apenas será discutida em 174
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
um segundo momento, caso o Estado impetre ação de regresso. Assim: Curso de Direito Administrativo. 4a edi-
ção. São Paulo: Malheiros, 1993, p.430.

FGV DIREITO RIO 130


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

(...) diz-se que a responsabilidade deste [o Estado] é objetiva, por-


que não se impõe ao particular, lesado por uma atividade de caráter
público (ou alguma omissão), que demonstre a culpa do Estado ou de
seus agentes. Sinteticamente, a responsabilidade do Estado se carac-
teriza pelo preenchimento dos seguintes pressupostos: 1) que se trate
de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora
de serviços públicos; 2)que estas entidades estejam prestando serviço
público; 3) que haja um dano causado a particular; 4) que o dano seja
causado por agente (a qualquer título) destas pessoas jurídicas e; 5) que
estes agentes, ao causarem dano, estejam agindo nesta qualidade.175

O ordenamento jurídico brasileiro abraçou a tese da responsabilidade civil


do Estado na Constituição Federal, artigo 37, §6o. Segundo a Magna Carta:

Art. 37. (...)


§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito priva-
do prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso nos casos de dolo ou culpa.

Igualmente, determina o Código Civil de 2002:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmen-


te responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem
danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do
dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro abraçou a tese da responsabili-


dade civil do Estado, decorrente da teoria do risco da atividade desenvolvida.
Defende Diogo de Figueiredo Moreira Neto a superioridade desta teoria sobre
as demais, afirmando que: “(...) a teoria do risco administrativo não vai ao ponto
de ignorar a culpa concorrente ou exclusiva do prejudicado na causação do evento,
pois, na realidade, seria iníquo que o Estado, ou seja, toda a comunidade, respon-
desse pela composição de um dano para o qual a vítima concorreu com culpa”.176
Marcelo Caetano, por sua vez, esclarece que a justificativa ético-jurídica
da adoção desta teoria está em que “os riscos acarretados pelas coisas ou ati- 175
CZAJKOWSKI, Rainer. Sobre a Res-
vidades perigosas devem ser corridos por quem aproveite os benefícios da ponsabilidade Civil do Estado. Jurispru-
dência Brasileira: cível e comércio. Curiti-
existência dessas coisas ou do desenrolar de tais atividades (...) A Adminis- ba: Juruá, 1993, no. 170, pp.11/12.
tração deve responder pelos riscos resultantes de atividades perigosas ou da 176
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
Curso de Direito Administrativo. 14a ed.
existência de coisas perigosas, quando não tenha havido força maior estranha Rio de Janeiro: Forense, p. 588.
ao funcionamento dos serviços (...) na origem dos danos e não consiga provar 177
CAETANO, Marcelo. Princípios Funda-
que estes foram causados por culpa de quem os sofreu”. 177 mentais do Direito Administrativo. Rio
de Janeiro: Forense, 1977 p. 544.

FGV DIREITO RIO 131


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

São, portanto, requisitos para o nascimento do dever ressarcitório do Esta-


do, consoante a teoria do risco administrativo, hoje a mais difundida:
a) a existência de um dano correspondente a “lesão a um direito da víti-
ma”178, certo e injusto (para os adeptos da teoria subjetiva em caso de omissão
do poder público, estes casos exigem, ainda, o comportamento culposo da
administração, conforme adiante explanado);
b) o responsável pelo ato deve se revestir da qualidade de funcionário da
Administração Pública;
c) é preciso que haja nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omis-
sivo da Administração e o dano causado. Ressalte-se que, na apuração da
causalidade, o STF abraça a teoria da interrupção do nexo causal, ou do dano
direto e imediato, que proclama existir nexo causal apenas quando o dano é
o efeito direto e necessário de uma causa.179
Conforme frisa Gustavo Tepedino, a adoção da responsabilidade objetiva
se coaduna com os princípios constitucionais da República:

Com efeito, os princípios da solidariedade social e da justiça dis-


tributiva, capitulados no art. 3o., incisos I e III, da Constituição,
segundo os quais se constituem em objetivos fundamentais da Re-
pública a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem
como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades sociais e regionais, não podem deixar de moldar os
novos contornos da responsabilidade civil. (...) Impõem, como linha
de tendência, o caminho da intensificação dos critérios objetivos de
reparação do dano e do desenvolvimento de novos mecanismos de
seguro social.180

Responsabilidade civil do Estado por ato omissivo

Conforme acima visto, em relação ao ato comissivo do agente adminis-


trativo, encontra-se consagrada a tese de que o Estado é responsável objeti-
vamente pelos danos causados, devendo ressarcir à vítima a integralidade dos
prejuízos sofridos. Todavia, quanto ao ato omissivo, tanto a doutrina quanto
a jurisprudência são vacilantes, sendo que ainda é majoritária a tese de que
neste caso impera a responsabilidade subjetiva, sendo necessária a comprova-
ção de negligência do Poder Público. Entende-se que a omissão é suficiente 178
MELLO, Celso Antonio Bandeira de.
para caracterizar a culpa, caso se comprove que a situação impunha um dever Curso de direito administrativo , p. 453.
de agir ao Estado, por intermédio de seus órgãos. 179
CAHALI, Y. Responsabilidade Civil do
Estado. 2a edição, 2a tiragem. São Paulo:
Desde o advento da Constituição de 1988, Gustavo Tepedino sustenta ser Malheiros, 1996.., pp. 96 e 97 .
a responsabilidade do Estado objetiva tanto por ato comissivo quanto por ato 180
TEPEDINO, Gustavo. Evolução da
Responsabilidade Civil no Direito Brasi-
omissivo. Nesse sentido, ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (revoga- leiro e suas Controvérsias na Atividade
do pela Lei nº 10.406/2002), já afirmava: Estatal. In: Temas de Direito Civil. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, p. 176.

FGV DIREITO RIO 132


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu,


sobretudo em se tratando de legislador constituinte - ubi lex non distin-
guit nec nos distinguere debemus. A Constituição Federal, ao introduzir
a responsabilidade objetiva para os atos da administração pública, al-
tera inteiramente a dogmática da responsabilidade neste campo, com
base nos princípios axiológicos e normativos (dos quais se destaca o da
isonomia e o da justiça distributiva), perdendo imediatamente base de
validade o art. 15 do Código Civil, que se torna, assim, revogado ou,
mais tecnicamente, não foi recepcionado pelo sistema constitucional.
Nem de objete que tal entendimento levaria ao absurdo, configu-
rando-se uma espécie de panresponsabilização do Estado diante de to-
dos os danos sofridos pelos cidadãos, o que oneraria excessivamente o
erário e suscitaria uma ruptura no sistema da responsabilidade civil. A
rigor, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado comporta causas
excludentes, que atuam, como acima já aludido, sobre o nexo causal
entre o fato danoso (a ação administrativa) e o dano, e tal sorte a mi-
tigar a responsabilização, sem que, para isso, seja preciso violar o texto
constitucional e recorrer à responsabilidade aquiliana.181

Para Marçal Justen Filho, a responsabilidade civil do Estado por ato omis-
sivo pode ser desdobrada em pelo menos duas situações distintas:

Os casos de ilícito omissivo próprio são equiparáveis aos atos comis-


sivos, para efeitos de responsabilidade civil do Estado. Assim, se uma
norma estabelecer que é obrigatório o agente público praticar certa
ação, a omissão configura atuação ilícita e gera a presunção de forma-
ção defeituosa da vontade. O agente omitiu a conduta obrigatória ou
por atuar intencionalmente ou por formar defeituosamente sua própria
vontade – a não ser que a omissão tenha sido o resultado intencional da
vontade orientada a produzir uma solução conforme ao direito e por
ela autorizada.
O grande problema são as hipóteses de ilícito omissivo impróprio,
em que o sujeito não está obrigado a agir de modo determinado e
específico. Nesses casos, a omissão do sujeito não gera presunção de
infração ao dever de diligência. É imperioso, então, verificar concreta-
mente se houve ou não infração ao dever de diligência que recai sobre
os exercentes de função estatal. Se existiam elementos fáticos indicati-
vos do risco de consumação de um dano, se a adoção das providências 181
TEPEDINO, Gustavo. “A Evolução da
necessárias e suficientes para impedir esse dano era da competência do responsabilidade civil no direito brasi-
leiro e suas controvérsias na atividade
agente, se o atendimento ao dever de diligência teria conduzido ao im- estatal”. In: Temas de Direito Civil. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, pp. 191 e 192.
pedimento da adoção das condutas aptas a gerar o dano – então, estão Cumpre mencionar que a referência é
presentes os pressupostos da responsabilidade civil. ao artigo 15 do Código Civil de 1916,
já revogado.

FGV DIREITO RIO 133


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Essa concepção conduz à responsabilização civil do Estado em ques-


tões de fiscalização institucional e permanente, sempre que o exercício
ordinário das competências de acompanhamento dos fatos permitisse
inferir a probabilidade de resultado danoso a terceiro.182

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15ª


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 447 a 467.

CASO GERADOR:

Houve um desabamento nas obras de construção do Metrô de São Paulo.

As obras foram contratadas pela Companhia do Metropolitano de são


Paulo (uma sociedade de economia mista) com um consórcio de empreiteiras
(Consórcio Via Amarela), vencedora do certame licitatório.

Apesar de o Consórcio Via Amarela ser o executor das obras na linha 4 do


metrô, o governo do Estado e a própria estatal estão sendo responsabilizados
pela possível falha técnica que tenha provocado o desabamento do canteiro
de obras, segundo o Ministério Público de São Paulo, a Defensoria Pública e
especialistas em direito administrativo.

Para eles, o Estado, representado pelo Metrô, tinha o dever de fiscalizar


a obra e pode responder na esfera cível pelas conseqüências do acidente que
provocou a morte de sete pessoas, na última sexta-feira. O Estado, por sua vez,
afirma que o consórcio deve assumir toda a responsabilidade pelo acidente.

À luz do caso acima, indaga-se:

1 A responsabilidade civil é do Estado, como consta da nota acima, ou do


Metrô, ou das Concessionárias?

2. Se for do Estado, ela se confundiria com a do seu servidor?

3. No caso acima, pode-se dizer que houve culpa in eligendo ou culpa in


vigilando?

182
Curso de direito administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2005, p. 600.

FGV DIREITO RIO 134


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LEITURA COMPLEMENTAR:

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Ma-


lheiros, 2006, pp. 791 a 813.
MOREIRA NETO, Diogo. Curso de direito administrativo. 14a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, pp. 586 a 590.

FGV DIREITO RIO 135


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 22: PROCESSO ADMINISTRATIVO I: PRINCÍPIOS E


FUNDAMENTOS

OBJETIVO:

Apresentar os princípios norteadores dos processos administrativos,


com ênfase no processo administrativo federal e sua disciplina pela Lei nº
9.784/1999.

INTRODUÇÃO:

Conforme vimos observando ao longo de todo o estudo do Direito


Administrativo, a mudança do enfoque autoritário para a compreensão
da função administrativa como provedora de serviços públicos e garan-
tidora de direitos fundamentais requereu uma maior sindicabilidade e
transparência de suas atividades. Também a proteção dos cidadãos ante
os atos da Administração Pública ganha reforço, como já tivemos oportu-
nidade de estudar, no que se refere aos princípios a que a Administração
Pública deve obediência, em especial, legalidade, moralidade, impessoali-
dade, publicidade, eficiência, proporcionalidade, razoabilidade, finalida-
de e motivação.
Nesse contexto, a Constituição Federal garantiu a todo indivíduo tam-
bém o direito ao contraditório e à ampla defesa no âmbito dos processos
administrativos. A própria importância da procedimentalização dos atos da
Administração Pública constitui elemento desse processo.
Desde 1999, encontra-se em vigor a Lei nº 9.784, a qual apresenta as prin-
cipais normas de direito administrativo processual em matéria federal, tendo
por finalidade preservar direitos dos administrados e melhor cumprimento
dos fins da Administração (art. 1º). Seus dispositivos aplicam-se a todos os
processos administrativos em curso ante as autoridades que compõem a Ad-
ministração Pública Federal, naquilo em que não conflitarem com eventuais
leis especiais que prevejam ritos processuais próprios, que permaneceram em
vigor (art. 69). Sobre o âmbito de incidência da lei, faz-se relevante observar
a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

A Administração Federal envolve, genericamente, todos os órgãos


e pessoas administrativas federais. (...) vale a pena sublinhar que a lei
se referiu expressamente à administração indireta, que, como é sabido,
pode ser desempenhada por entidades dotadas de personalidade jurídi-

FGV DIREITO RIO 136


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ca de direito privado, como é o caso das sociedades de economia mista


e empresas públicas. Conquanto sejam pessoas privadas, não deixam
de integrar a Administração Pública federal, de modo que também elas
deverão observar o procedimento estatuído na lei, sobretudo quando
houver interesses de terceiros, administrados, que devem ser preserva-
dos como deseja o diploma regulador.183

Os princípios norteadores dos processos administrativos federais são en-


contrados logo no artigo 2, caput, segundo o qual:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos prin-


cípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcio-
nalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
interesse público e eficiência.

Adicionalmente, no parágrafo único desse mesmo artigo apresenta outros


princípios de primordial envergadura no que se refere à proteção do admi-
nistrado face à Administração Pública, dentre os quais destacamos o dever de
probidade e boa-fé (inc. IV); dever de fundamentação das decisões adminis-
trativas (inc. VII); e a proibição de aplicação retroativa de nova interpretação
adotada pela Administração (inc.XIII):

Art. 2º. (...)


Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados,
entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou
parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a
promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipó-
teses de sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obriga-
ções, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente ne-
cessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determina-
rem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direi-
tos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado 183
CARVALHO FILHO, José dos Santos.
grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; Processo administrativo federal. Rio de
Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 41.

FGV DIREITO RIO 137


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações


finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos
de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as
previstas em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo
da atuação dos interessados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor
garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação
retroativa de nova interpretação.

A Lei nº 9.784/1999 assegura ao Administrado os seguintes direitos:

Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Adminis-


tração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que de-
verão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas
obrigações;
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que
tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de
documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão,
os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando
obrigatória a representação, por força de lei.

Em contrapartida, impõe-lhe também importantes deveres, dentre os


quais o dever de atuar com veracidade e boa-fé:

Art. 4o São deveres do administrado perante a Administração, sem


prejuízo de outros previstos em ato normativo:

I - expor os fatos conforme a verdade;


II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;
III - não agir de modo temerário;
IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar
para o esclarecimento dos fatos.

A lei federal traz dispositivos eminentemente processuais, tais como com-


petência, forma de processamento do feito, produção de provas, impedimen-
to e suspeição do servidor ou autoridade que decidirá o feito; forma, tempo
e lugar do processo; instrução.

FGV DIREITO RIO 138


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O princípio da motivação mereceu um capítulo especial na Lei, cujo


dispositivo é aqui reproduzido pela importância das garantias que conferem
aos administrados:

CAPÍTULO XII
DA MOTIVAÇÃO

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indica-


ção dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou
discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de
ato administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo
consistir em declaração de concordância com fundamentos de anterio-
res pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão
parte integrante do ato.
§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser
utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões,
desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou
de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 799 a 810.
GUERRA, Sergio. Introdução ao direito das agências reguladoras. Rio de Janei-
ro: Freitas Bastos, 2004, pp.47 a55.

CASO GERADOR:

Um conselheiro de Agência Reguladora tem, de forma continuada, soli-


citado à Concessionária inúmeras e minudentes informações dos negócios

FGV DIREITO RIO 139


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

da empresa, sob a alegação de serem necessárias à instrução de novos pro-


cessos regulatórios. Esse fato, na visão da Concessionária, demonstra que o
mesmo permanece no firme propósito de adotar um procedimento parcial
com relação aos interesses da mesma. Até porque esse conselheiro, antes da
privatização da empresa, era funcionário da mesma, tendo se insurgido, pu-
blicamente, contra a privatização. Reflita sobre o princípio do contraditório
e da motivação no processo administrativo, com vistas à proteção dos direitos
da Concessionária a uma regulação imparcial.

LEITURA COMPLEMENTAR:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários à Lei nº 9.784 de


29/11/1999. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005.
DALLARI, Adilson e FERRAZ, Sergio. Processo administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2000.

FGV DIREITO RIO 140


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 23: PROCESSO ADMINISTRATIVO II:


PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COISA JULGADA
ADMINISTRATIVA E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA.

OBJETIVO:

Examinar as bases do instrumento formal através do qual a Administra-


ção apura a existência de infrações praticadas por seus servidores e aplica as
sanções adequadas. Comentar o novo “Direito Administrativo Sancionador”,
discutindo a relação entre os princípios de proteção do acusado no direito
penal e a possibilidade e limites de sua aplicação no âmbito de processos ad-
ministrativos sancionadores.

INTRODUÇÃO:

Dentre a generalidade dos processos administrativos, destaca-se a espécie


dos processos administrativos disciplinares, a qual tem por finalidade a averi-
guação da ocorrência de um ilícito administrativo para, se for o caso, impor
uma sanção de natureza administrativa.
Não há uma base normativa específica que discipline a matéria. Incide, para
esse tipo de processo, o princípio da disciplina reguladora difusa.184 As regras
se encontram nos estatutos funcionais das diversas pessoas federativas (cada
pessoa administrativa tem autonomia para instituir o seu estatuto funcional).

Sindicância

Uma das fases da apuração da existência de alguma infração funcional é a


Sindicância. É uma apuração preliminar dos fatos, colhendo os seguintes in-
dícios: i) existência de infração funcional; ii) autoria e iii) elemento subjetivo
com que se conduziu o responsável.185 A sindicância não se confunde com o
Inquérito Administrativo.186 Este tem sinônimo de instrução. Portanto, não
se trata de instituto autônomo, e, sim, uma das fases do processo disciplinar
principal.
Esse é o sentido empregado na normativa federal (Lei nº 8112/90):

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no servi-


ço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante 184
CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo. 17a
sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acu- ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007,
sado ampla defesa. p. 846.
185
Idem, p. 848.
186
Idem, 849.
Art. 145. Da sindicância poderá resultar:

FGV DIREITO RIO 141


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

I - arquivamento do processo;
II - aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30
(trinta) dias;
III - instauração de processo disciplinar.
Parágrafo único. O prazo para conclusão da sindicância não excede-
rá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério
da autoridade superior.

Art. 146. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a impo-
sição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demis-
são, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de car-
go em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar.

Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:


I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e
relatório;
III - julgamento.

Processo Administrativo Disciplinar

É todo aquele que tem por objeto a apuração de ilícito funcional. Apurado
o ilícito, aplica-se a respectiva sanção. A mencionada regra federal disciplina
a questão:

Do Processo Disciplinar

Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar


responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas
atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que
se encontre investido.

Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão com-


posta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente,
observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu
presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mes-
mo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.
§ 1o A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu
presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros.
§ 2o Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inqué-
rito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou
afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.

FGV DIREITO RIO 142


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência


e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da administração.
Parágrafo único. As reuniões e as audiências das comissões terão
caráter reservado.

Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:


I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e
relatório;
III - julgamento.

Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não


excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato
que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo,
quando as circunstâncias o exigirem.
§ 1o Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral
aos seus trabalhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a
entrega do relatório final.
§ 2o As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão
detalhar as deliberações adotadas.

Na esfera federal, são cabíveis as seguintes penalidades:

Art. 127. São penalidades disciplinares:


I - advertência;
II - suspensão;
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada

Essas penalidades são aplicadas observando-se as seguintes regras:

Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natu-


reza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem
para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os
antecedentes funcionais.
Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará
sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar. (Parágrafo
acrescentado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

FGV DIREITO RIO 143


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Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de


violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX,
e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamenta-
ção ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade
mais grave.

Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das


faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que
não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo
exceder de 90 (noventa) dias.
§ 1o Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o servidor
que, injustificadamente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica
determinada pela autoridade competente, cessando os efeitos da pena-
lidade uma vez cumprida a determinação.
§ 2o Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de
suspensão poderá ser convertida em multa, na base de 50% (cinqüenta
por cento) por dia de vencimento ou remuneração, ficando o servidor
obrigado a permanecer em serviço.

Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus


registros cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efeti-
vo exercício, respectivamente, se o servidor não houver, nesse período,
praticado nova infração disciplinar.
Parágrafo único. O cancelamento da penalidade não surtirá efeitos
retroativos.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:


I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em
legítima defesa própria ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

FGV DIREITO RIO 144


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como se vê, acima, um dos motivos ensejadores da demissão do servidor


é a denominada Improbidade Administrativa. Segundo Carvalho Filho,187 a
ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhe-
cimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas
por administradores públicos e terceiros, e a conseqüência é a aplicação das
sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade, estuda-
do aqui na FGV DIREITO RIO no período anterior.

A fonte normativa principal sobre a matéria é o art. 37, §4º da Constitui-


ção Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspen-
são dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilida-
de dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas
em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Na esfera ordinária, a Improbidade é disciplinada pela Lei nº 8429, de


02/06/92 (“Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos ca-
sos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras
providências”).
Os atos de improbidade encontram-se definidos em três distintos artigos
desta lei, sendo relevante observar que se consideram atos de improbidade (i)
aqueles que importam enriquecimento ilícito, (ii) aqueles que causam pre-
juízo ao erário, e (iii) atos que, mesmo não tendo por efeito ato ilícito ou
prejuízo ao erário, atentam contra os princípios da Administração Pública.

Seção I
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam
Enriquecimento Ilícito

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando en-


riquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial inde-
vida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou ativi-
dade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel,
187
CARVALHO FILHO, José dos Santos.
ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de Manual de direito administrativo. 17a
comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha inte- ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007,
p.906.

FGV DIREITO RIO 145


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

resse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação
ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar
a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contra-
tação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior
ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar
a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de
serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de leno-
cínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra
atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em
obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso,
medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos
a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria
ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse
suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou
aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a
que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, ren-
das, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores in-
tegrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1°
desta lei.

FGV DIREITO RIO 146


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Seção II
Dos Atos de Improbidade Administrativa que
Causam Prejuízo ao Erário

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa le-


são ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapida-
ção dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e
notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação
ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades men-
cionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada
utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimo-
nial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonali-
zado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas
ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no
art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamen-
tares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem
integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art.
1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço
inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou
serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo inde-
vidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em
lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem
como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas perti-
nentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;

FGV DIREITO RIO 147


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,


máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de proprie-
dade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art.
1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou
terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por obje-
to a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem
observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107,
de 2005)
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente
e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previs-
tas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

Seção III
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os
Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta


contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omis-
são que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e
lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou di-
verso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro,
antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou eco-
nômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Também estão dispostas na lei nº 8.249/92 as regras referentes ao proce-


dimento administrativo e processo judicial:

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade adminis-


trativa competente para que seja instaurada investigação destinada a
apurar a prática de ato de improbidade.
§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assina-
da, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato
e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.

FGV DIREITO RIO 148


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em des-


pacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabele-
cidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao
Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.
§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade de-
terminará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de
servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148
a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratan-
do de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos
disciplinares.

Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério


Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedi-
mento administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.
Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de
Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompa-
nhar o procedimento administrativo.

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comis-


são representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para
que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens
do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado
dano ao patrimônio público.
§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o dispos-
to nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exa-
me e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras
mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados
internacionais.

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta
pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de
trinta dias da efetivação da medida cautelar.
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que
trata o caput.
§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações ne-
cessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.
§ 3o No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério
Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei
no 4.717, de 29 de junho de 1965.
§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte,
atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

FGV DIREITO RIO 149


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Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de


dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o
pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa
jurídica prejudicada pelo ilícito.

A referida norma disciplina, ainda, sanções incidentes sobre os agentes pú-


blicos. Diz o art. 19 da lei que, independentemente das sanções penais, civis
e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato
de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicita-


mente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez
anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo
patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majori-
tário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos


bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta
circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos
de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o va-
lor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majori-
tário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se hou-


ver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a
cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da re-
muneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta
ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Essa questão mereceu recente interpretação do Supremo Tribunal Federal


que altera, substancialmente, a abrangência da aplicação da lei nº 8.249/92.
Com efeito, ao julgar a Reclamação nº 2138-DF, na qual se discutia qual 188
A alegação que ensejou a Reclama-
ção residia na usurpação da compe-
o órgão jurisdicional competente para processar e julgar ex-ministro de Es- tência originária do Supremo Tribunal
Federal para o julgamento de crime de
tado que teria utilizado aeronave da Força Aérea Brasileira – FAB e Hotel responsabilidade cometido por Minis-
de Trânsito da Aeronáutica em viagem particular188, o STF, por 6 votos a tro de Estado, nos termos do art. 102,
I, (c), da Constituição Federal.

FGV DIREITO RIO 150


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5, entendeu que a lei de improbidade administrativa não se aplica àqueles


sujeitos da Administração que já se encontram submetidos à Lei de Crimes
de Responsabilidade – lei nº 1.079/50 Conforme relata o Informativo do
Supremo Tribunal Federal:

Quanto ao mérito, o Tribunal, por maioria, julgou procedente a recla-


mação para assentar a competência do STF para julgar o feito e declarar
extinto o processo em curso no juízo reclamado. Após fazer distinção
entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos
na CF, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o
regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e
disciplinado pela Lei 1.079/50, entendeu-se que os agentes políticos, por
estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respon-
dem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas
apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser
proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF. Vencidos,
quanto ao mérito, por julgarem improcedente a reclamação, os Ministros
Carlos Velloso, Marco Aurélio, Celso de Mello, estes acompanhando o
primeiro, Sepúlveda Pertence, que se reportava ao voto que proferira na
ADI 2797/DF (DJU de 19.12.2006), e Joaquim Barbosa. O Min. Car-
los Velloso, tecendo considerações sobre a necessidade de preservar-se
a observância do princípio da moralidade, e afirmando que os agentes
políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas res-
pectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao
que não estivesse tipificado como crime de responsabilidade, e estivesse
definido como ato de improbidade, deveriam responder na forma da
lei própria, isto é, a Lei 8.429/92, aplicável a qualquer agente público,
concluía que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92, in-
vocadas na ação civil pública, não se enquadravam como crime de res-
ponsabilidade definido na Lei 1.079/50 e que a competência para jul-
gar a ação seria do juízo federal de 1º grau. O Min. Joaquim Barbosa
acompanhou o voto vencido do Min. Carlos Velloso quanto à conclusão
de que os fatos em razão dos quais o Ministério Público Federal ajuiza-
ra a ação de improbidade não se enquadravam nas tipificações da Lei
1.079/50 e de que não seria aplicável, portanto, o art. 102, I, c, da CF.
Em acréscimo a esses fundamentos, asseverava, também, a existência, no
Brasil, de disciplinas normativas diversas em matéria de improbidade, as
quais, embora visando à preservação da moralidade na Administração
Pública, possuiriam objetivos constitucionais diversos: a específica da Lei
8.429/92, que disciplina o art. 37, § 4º, da CF, de tipificação cerrada e
de incidência sobre um amplo rol de possíveis acusados, incluindo até
mesmo pessoas que não tenham vínculo funcional com a Administração

FGV DIREITO RIO 151


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Pública; e a referente à exigência de probidade que a Constituição faz em


relação aos agentes políticos, especialmente ao Chefe do Poder Executivo
e aos Ministros de Estado (art. 85, V), a qual, no plano infraconstitu-
cional, se completa com o art. 9º da Lei 1.079/1950. Esclarecia que o
art. 37, § 4º, da CF traduziria concretização do princípio da moralidade
administrativa inscrito no caput desse mesmo artigo, por meio do qual se
teria buscado coibir a prática de atos desonestos e antiéticos, aplicando-
se, aos acusados as várias e drásticas penas previstas na Lei 8.429/92. Já
o tratamento jurídico da improbidade prevista no art. 85, V, da CF e
na Lei 1.079/50, direcionada aos fins políticos, ou seja, de apuração da
responsabilização política, assumiria outra roupagem, porque o objetivo
constitucional visado seria o de lançar no ostracismo político o agente
político faltoso, cujas ações configurassem um risco para o estado de Di-
reito; a natureza política e os objetivos constitucionais pretendidos com
esse instituto explicariam a razão da aplicação de apenas duas punições ao
agente político: perda do cargo e inabilitação para o exercício de funções
públicas por 8 anos. Dessa forma, estar-se-ia diante de entidades dis-
tintas que não se excluiriam e poderiam ser processadas separadamente,
em procedimentos autônomos, com resultados diversos, não obstante
desencadeados pelos mesmos fatos. Salientando que nosso ordenamento
jurídico admitiria, em matéria de responsabilização dos agentes políticos,
a coexistência de um regime político com um regime puramente penal,
afirmava não haver razão para esse mesmo ordenamento impedir a co-
abitação entre responsabilização política e improbidade administrativa.
Entendia que eximir os agentes políticos da ação de improbidade admi-
nistrativa, além de gerar situação de perplexidade que violaria os princí-
pios isonômico e republicano, seria um desastre para a Administração
Pública, um retrocesso institucional. Por fim, considerava que a solução
então preconizada pela maioria dos Ministros, ao criar nova hipótese de
competência originária para o Supremo (CF, art. 102), estaria rompendo
com a jurisprudência tradicional, segundo a qual a competência da Corte
só poderia ser estabelecida mediante norma de estatura constitucional,
sendo insuscetível de extensões a situações outras que não as previstas no
próprio texto constitucional. Destarte, a ação proposta deveria ter seu
curso normal perante as instâncias ordinárias189

Para se compreender o impacto da decisão, a prevalecer a tese de que a lei


de improbidade administrativa não se aplica a agentes políticos, basta consi-
derar que milhares de processos podem ser arquivados, sendo ainda relevante 189
Reclamação 2138/DF, rel. orig. Min.
observar que a lei que tipifica os crimes de responsabilidade é mais branda do Nelson Jobim, rel. p/ o acórdão Min.
Gilmar Mendes, 13.6.2007. (Rcl-2138)
que a de improbidade, não prevendo o pagamento de multas ou o ressarci- Trecho retirado do Informativo STF nº
mento dos cofres públicos, ensejando ainda direito a foro privilegiado. 471, disponível em www.stf.gov.br,
acesso em 22.06.2007.

FGV DIREITO RIO 152


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Direito Administrativo Sancionador

Para além das questões de fundo dogmático, muito amparado nas regras
que disciplinam o processo disciplinar, há, na doutrina pátria, um novo en-
foque da questão, sob a forma do denominado Direito Administrativo Sancio-
nador. A sanção administrativa, na visão de Fábio Medina Osório consiste:

em um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance


geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pú-
blica, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações
de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público,
pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição
com o Estado, como conseqüência de uma conduta ilegal, tipificada
em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar,
no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativa. A
finalidade repressora, ou punitiva, já inclui a disciplinar, mas não custa
deixar clara essa inclusão, para não haver dúvidas.190

No âmbito do direito administrativo sancionador, faz-se relevante trazer


a lume algumas regras e princípios que vigoram no direito penal, a fim de se
analisar a extensão de sua aplicabilidade no âmbito do direito administrativo
sancionador:

Princípio da presunção de inocência

Na seara administrativa, o princípio aplica-se, de acordo com Fábio Medina


Osório, com algumas nuances. O autor observa, por exemplo, que “no Direito
Administrativo Sancionador, alguns atos gozam, sim, de alguma presunção de
veracidade”, a qual, no entanto, também não se mostra absoluta. Assim, poder-
se-ia sugerir a existência de uma relativa inversão do ônus da prova, impensável
em sede penal, onde o princípio da presunção de inocência vigora de forma
mais ampla.191 Assim, o autor constata a tendência a “um caminho restritivo à
presunção de inocência, estabelecendo-se, com critérios de razoabilidade, uma
equilibrada distribuição do ônus probatório, sem desconsiderar as peculiarida-
des dos casos concretos e, inclusive, as necessidades sociais, a partir de avanços
tecnológicos”.192

Ausência de dever de o acusado declarar ou produzir prova contra si mesmo 190


OSÓRIO, Fabio Medina. Direito admi-
nistrativo sancionador. 2ª ed. São Paulo:
RT, 2005, p. 104.
191
Direito administrativo sancionador.
Como é sabido, na seara penal, o acusado tem o direito de se manter 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 487.

em silêncio. 192
OSÓRIO, Fabio Medina. Direito admi-
nistrativo sancionador, p. 488.

FGV DIREITO RIO 153


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No âmbito do direito administrativo sancionador, Fábio Medina Osório 193


‘A questão a elucidar é se o indivíduo
sustenta que, como regra geral, o administrado não está obrigado a produzir pode ser obrigado a produzir provas
contra si mesmo, colaborando com a
prova contra si mesmo, a não ser que, na visão do autor, esteja-se, no caso acusação à custa de sua liberdade fi-
siopsíquica, ou de outros direitos, o que,
concreto, diante de direitos indisponíveis.193 a meu ver, se revela, a priori, intolerável.
E é intolerável semelhante exigência ge-
ral porque, evidentemente, o imputado
Princípio da ampla defesa não pode ser forçado a comportamen-
tos positivos, físicos, contrários aos seus
interesses, violando, claramente, sua
integridade fisiopsíquica, sua liberdade
Cumpre lembrar que, por força constitucional, o princípio da ampla defe- de movimentos, ou diversos direitos
sa incide também em sede de direito administrativo sancionador: fundamentais em jogo, para fins de
auxiliar a acusação ou o Poder Público.
(...) Distinta a hipótese quando o sujei-
to venha a ser civilmente demandado
Art. 5º. em matéria de direitos indisponíveis.
Havendo razoabilidade, o Estado pode
(...) exigir do réu que se submeta a exame
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos de DNA, para estabelecer paternidade
biológica. Isso porque a mera recusa
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com não basta, na medida em que o filho
tem direito fundamental, correlato à
os meios e recursos a ela inerentes. sua dignidade humana, de conhecer o
pai biológico. (...) Outro enfoque haveria
na análise do comportamento do agen-
No entanto, trata-se de direito que deve ser exercido no âmbito do devido te como meio de prova e inclusive como
uma presunção contrária aos seus inte-
processo legal: resses. O sujeito que nega submeter-se
a um exame de controle rotineiro deve,
indiscutivelmente, comprovar motivos
A norma que consagra a ampla defesa há de ser interpretada com a razoáveis e justificáveis de seu agir,
afastando a mancha de culpabilidade
razoabilidade que recomenda e exige o devido processo legal. Amplitude que lhe resulta inerente. (...) Ademais,
o indivíduo que adota determinados
de defesa não é uma só, insisto, em processos penais, administrativos ou comportamentos, ilógicos e desarrazo-
de improbidade administrativa. As distinções resultam da inserção da ados, deve arcar com as conseqüências
no plano probatório. O que não se pode-
ampla defesa, ou dos direitos de defesa, no devido processo legal. Cada ria aceitar, a meu juízo, é a tipificação de
formas intoleráveis de forçar o indivíduo
processo tem suas peculiaridades e disso depende, também o alcance dos a um comportamento contrário aos
seus próprios interesses, sob pena de es-
direitos de defesa. Impossível uma generalização absoluta e radical.194 vaziarmos sua presunção de inocência e
seus direitos processuais fundamentais,
ligados ao devido processo legal.” OSÓ-
Direito à informação RIO, Fabio Medina. Direito administrativo
sancionador, pp. 501 e 502.
194
OSORIO, Fabio Medina. Direito admi-
A doutrina alude ao direito à informação como a necessidade de que o nistrativo sancionador, p. 522.
investigado seja chamado a responder às acusações que lhe estejam sendo for- 195
OSÓRIO, Fabio Medina. Direito admi-
nistrativo sancionador, p. 524.
muladas, sendo “condição essencial ao exercício da plena defesa e da proteção
196
“Nos processos administrativos, a ci-
jurídica às legítimas expectativas”.195 ência do acusado acerca das imputações
Isso não significa, entretanto, que nos limites da lei não possa haver sigilo que lhe são formuladas é condição bási-
ca de validade do feito. (...) O acesso aos
no interesse das investigações, devendo, todavia, essa possibilidade ser inter- processos, por advogados, é um direito
fundamental dos acusados ou investi-
pretada restritivamente, e somente subsistindo enquanto presentes as razões gados em geral, salvo nas excepcionais
e fundamentadas hipóteses legais de
que o justificam.196 sigilo, em que a autoridade competente
delimita áreas restritas, provisoriamen-
te, ao efeito de viabilizar medidas cau-
Princípio da motivação telares urgentes. Não havendo concreta
e plausível justificativa ao sigilo, este
não deverá prevalecer, eis que o Estado
Em que pese não se encontrar, de forma direta, o princípio da motivação Democrático de Direito supõe transpa-
rência dessas espécies de processos pu-
em sede constitucional, a doutrina costuma extraí-lo da interpretação do art. nitivos.” OSÓRIO, Fabio Medina. Direito
administrativo sancionador, p. 525.

FGV DIREITO RIO 154


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

5º, incisos LIV e LV, da CF/88.197 Não se tecerá aqui maiores considerações
sobre o princípio, o qual já foi alvo de profundo estudo no âmbito da matéria
Atividades e Atos Administrativos.

Coisa Julgada Administrativa

A coisa julgada administrativa não se confunde com o instituto da coisa


julgada no âmbito do Poder Judiciário. No processo judicial significa a imu-
tabilidade da decisão. No âmbito administrativo significa que o assunto não
mais poderá sofrer alteração “na mesma via administrativa”, embora possa ser
revisto em âmbito judicial.

Prescrição Administrativa

A Constituição Federal remete à legislação ordinária os prazos de prescri-


ção para os ilícitos praticados pelos agentes públicos.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos prati-


cados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao
erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Os prazos prescricionais para a instauração das ações com vistas à sanções


administrativas estão dispostas na Lei nº 8429/92, a denominada Lei de Im-
probidade Administrativa (Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públi-
cos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego
ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras
providências):

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas


nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo


em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para fal-


tas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos
casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

FGV DIREITO RIO 155


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp. 829 a 831 e 848 a 850.

CASO GERADOR:

Trata-se de aplicação de pena de demissão, pelo Ministro da Justiça, a poli-


cial do Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça,
em razão da prática de irregularidades na comprovação das despesas realiza-
das com transporte público, para fins de recebimento do auxílio-transporte,
o que lhe teria rendido um proveito pessoal próprio da ordem de R$ 36,80.
A seu ver, mostra-se proporcional a sanção aplicada face ao delito admi-
nistrativo cometido? Pode o Poder Judiciário rever o ato administrativo de
demissão? Sob qual fundamento?
Considere, em sua análise, a decisão proferida pelo STJ no mandado de
segurança nº 10.827 (Anexo V a esta apostila).

LEITURA COMPLEMENTAR:

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2ª ed. São Pau-


lo: RT 2005.

197
Além disso, existe expressa previsão
no art. 93, X, da Constituição, no que
tange ao Poder Judiciário, aplicando-se
tanto às decisões jurisdicionais quanto
às decisões administrativas dos Tribu-
nais. Assim, com igual razão devem ser
motivadas as decisões da Administração
Pública. OSÓRIO, Fabio Medina. Direito
administrativo sancionador, p. 531.

FGV DIREITO RIO 156


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULAS 24 E 25: REGIME JURÍDICO DOS AGENTES ESTATAIS:


SERVIDOR PÚBLICO

OBJETIVO:

Apresentar os dois principais regimes jurídicos que a Administração Publi-


ca pode utilizar para contratar seus cargos.

INTRODUÇÃO:

A maioria das funções administrativas é desempenhada por servidores pú-


blicos, os quais, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho:

São todos os agentes que, exercendo com caráter de permanência


uma função pública em decorrência de relação de trabalho, integram
o quadro funcional das pessoas federativas, das autarquias e das funda-
ções públicas de natureza autárquica.198

Portanto, “os servidores públicos fazem do serviço público uma profis-


são, como regra de caráter definitivo, e se distinguem dos demais agentes
públicos pelo fato de estarem ligados ao Estado por uma efetiva relação de
trabalho”199.
Até a Emenda Constitucional 19/98 vigeu o Regime Jurídico Único, se-
gundo o qual todos os servidores da Administração Pública deveriam seguir
o regime estatutário. Desde 1998, entretanto, por força das alterações intro-
duzidas pela citada emenda, a Administração Pública possui dois regimes
jurídicos básicos para reger a sua relação com os servidores, quais sejam, o (i)
regime jurídico estatutário e (ii) o regime jurídico celetista. Veja-se o texto
constitucional:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasilei-
ros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de apro-
vação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos,

FGV DIREITO RIO 157


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na


forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

A distinção dos regimes é realizada por José dos Santos Carvalho Filho da
seguinte forma:

Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de


trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados
de estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem
sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e
deveres dos servidores e do Estado.
(...)
A segunda categoria é a dos servidores públicos trabalhistas (ou
celetistas), assim qualificados porque as regras disciplinadoras de sua
relação de trabalho são as constantes da Consolidação das Leis do Tra-
balho. Seu regime básico, portanto, é o mesmo que se aplica à relação
de emprego no campo privado, com as exceções, é lógico, pertinentes à
posição especial de ambas as partes – o Poder Público.200

Assim, o primeiro regime tem fulcro em um conjunto de normas que


disciplinam a relação entre o servidor público e a Administração, ao passo
que o segundo tem natureza contratual. No primeiro regime, após período
probatório, o funcionário adquire direito à estabilidade no cargo, o que não
se aplica aos servidores celetistas.
Os servidores públicos estatutários ocupam cargos. Cargo público é o
lugar dentro da organização funcional da Administração Direta e de suas
autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público, tem fun-
ções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma a ela equivalente.201
Cargo não se confunde com Função de confiança, prevista no art. 37, V da
Constituição Federal. Função corresponde “ao exercício de algumas funções
específicas por servidores que desfrutam da confiança de seus superiores, os
quais, por isso mesmo, percebem certa retribuição adicional para compensar
tal especificidade. Retratam, em última análise, modalidade de gratificação,
paga em virtude do tipo especial de atribuição e, somente podem ser exerci-
das por servidores que ocupem cargo efetivo.”202
Os servidores públicos dividem em três espécies de cargos: os vitalícios, os
efetivos e em comissão. Vitalícios: aqueles que oferecem a maior garantia de
permanência a seus ocupantes. Efetivos: constituindo a grande maioria, são 198
CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo. 15a
aqueles que se revestem do caráter de permanência. Cargo em comissão (ou ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006,
de confiança): são aqueles de ocupação transitória, e seus titulares são nome- p. 491.

ados em função da relação de confiança.203 199


Manual de direito administrativo, p.
491.

FGV DIREITO RIO 158


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No âmbito federal, a Lei que rege a matéria é a Lei nº 8112, de 11/12/1990.


Nessa lei são tratadas questões como: acessibilidade (a regra é o concurso pú-
blico), provimento, investidura, reingresso, vacância, estabilidade etc.
Quanto às às empresas públicas e sociedades de economia mista que,
conforme se sabe, integram a Administração Pública Indireta com natureza
jurídica de pessoa de direito privado, o art. 173, §1º, II, da Constituição
Federal, em sua atual redação, determina que tais entidades adotem o regime
celetista, pois o texto constitucional as equipara às empresas privadas no que
tange às obrigações trabalhistas:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a ex-


ploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida
quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da so-
ciedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem ativida-
de econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços, dispondo sobre:
(...)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas
e tributários;

A Constituição também admite a contratação de servidores públicos tem-


porários, por prazo determinado, para atender a casos de excepcional interes-
se público. Nesse sentido, determina o art. 37, IX:

Art. 37. (...)


IX - A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado
para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
(...)

Referida lei deve ser editada por cada ente federativo (União, Estados e
municípios). No âmbito federal, a Lei nº 8.745/1993 dispõe sobre a contra-
tação temporária de servidores.
Por fim, vale mencionar que também são admitidos na Administração Pú-
blica pessoas estranhas aos seus quadros, na hipótese de cargos comissionados 200
Manual de direito administrativo, pp.
(que podem ser preenchidos por funcionários de carreira ou não). A previsão 491 e 492.

de cargos comissionados encontra-se no art. 37, II da Constituição Federal: 201


CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo. 17a
ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007,
p. 528
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos 202
Id. Ibid., p. 529.
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios 203
Id.

FGV DIREITO RIO 159


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,


publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de apro-
vação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de
acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na for-
ma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Para a alteração pretendida, o Poder Constituinte derivado pretendeu al-


terar a redação do caput do art. 39, que originalmente estabelecia o chamado
Regime Jurídico Único. Veja-se, no quadro abaixo, a redação do dispositivo
antes e após a Emenda Constitucional n. 19/98:

Redação dada pela EC 19/98


Redação original (Atenção! suspensa em razão de medida cautelar deferida no âmbito
da ADIN nº 2.135-4)
Art. 39. A União, os Estados, Art. 39. Lei de iniciativa de cada Poder da União, dos Estados e dos Municí-
o Distrito Federal e os Muni- pios instituirá política remuneratória e planos de carreira obedecendo aos
cípios instituirão, no âmbito princípios do mérito e da capacitação continuada e à natureza, complexi-
de sua competência, regime dade e atribuições dos respectivos cargos, vedados:
jurídico único e planos de I – o enquadramento de cargos e empregos públicos sem observância do
carreira para os servidores plano de carreira;
da administração pública II – a instituição de gratificações, adicionais, abonos, prêmios e outras van-
direta, das autarquias e das tagens remuneratórias, ressalvados:
fundações públicas. (...)

No entanto, em 02.08.2007, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento


da medida cautelar na ADI 2.135-4/DF, deferiu parcialmente o pedido de
declaração de inconstitucionalidade formulado, suspendendo a eficácia da
redação do art. 39, caput, da Constituição Federal conferida pela EC 19/98,
em razão de vício de tramitação da Proposta de Emenda Constitucional que
culminou na alteração supramecionada. A decisão restou assim ementada:

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTI-


TUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR.
PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19,
DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDE-
RAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO.
PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE
CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE
EMPREGO PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APRO-
VAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA

FGV DIREITO RIO 160


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM


PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SE-
PARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA
PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORI-
GINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE
PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO,
NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO,
DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO
SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA
MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR
OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RE-
LEVÂNCIA JURÍDICA DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DE INCONS-
TITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR
UNANIMIDADE. 1. A matéria votada em destaque na Câmara dos De-
putados no DVS Nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve
apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vi-
gente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível
com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do
art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo
dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação
do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na
redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação
do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucio-
nal que exige o quorum de três quintos para aprovação de qualquer mu-
dança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma,
quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em
decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento
definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base
em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo
ora suspenso. 4. Ação direta julgada prejudicada quanto ao art. 26 da EC
19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado para sua vigência. 5. Vícios
formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados,
todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a consta-
tação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo
legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao
final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime
jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente deferido.

De todo modo, continua sendo relevante a distinção entre os regimes es-


tatutário e celetista tendo em vista que as sociedades de economia mista e

FGV DIREITO RIO 161


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

empresas públicas permanecem contratando no regime de emprego público


(ver art. 173, §1º, da CF/88). A distinção dos regimes é realizada por José dos
Santos Carvalho Filho da seguinte forma:

Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de


trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados
de estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem
sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e
deveres dos servidores e do Estado. (...)
A segunda categoria é a dos servidores públicos trabalhistas (ou
celetistas), assim qualificados porque as regras disciplinadoras de sua
relação de trabalho são as constantes da Consolidação das Leis do Tra-
balho. Seu regime básico, portanto, é o mesmo que se aplica à relação
de emprego no campo privado, com as exceções, é lógico, pertinentes à
posição especial de ambas as partes – o Poder Público.204

Assim, o primeiro regime tem fulcro em um conjunto de normas que


disciplinam a relação entre o servidor público e a Administração, ao passo
que o segundo tem natureza contratual. No primeiro regime, após período
probatório, o funcionário adquire direito à estabilidade no cargo, o que não
se aplica aos servidores celetistas.
Cargo público é o lugar dentro da organização funcional da Administração
Direta, autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público,
tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma a ela equi-
valente.205 A função de confiança, por sua vez, encontra-se prevista no art. 37,
V da Constituição Federal206, e corresponde “ao exercício de algumas funções
específicas por servidores que desfrutam da confiança de seus superiores, os
quais, por isso mesmo, percebem certa retribuição adicional para compensar
tal especificidade. Retratam, em última análise, modalidade de gratificação,
paga em virtude do tipo especial de atribuição e, somente podem ser exerci-
das por servidores que ocupem cargo efetivo.”207
Os servidores públicos dividem em três espécies de cargos: os vitalícios, os
efetivos e em comissão.
Vitalícios: aqueles que oferecem a maior garantia de permanência a seus
ocupantes. (ex. juízes, conforme art. 95, I, CRFB/88208)
Efetivos: constituindo a grande maioria, são aqueles que se revestem do
caráter de permanência.
Cargo em comissão: são aqueles de ocupação transitória, e seus titulares
são nomeados em função da relação de confiança.209
A previsão de cargos comissionados encontra-se no art. 37, II, parte final,
da Constituição Federal, já acima transcrito.

FGV DIREITO RIO 162


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No âmbito federal, a Lei que rege a matéria é a Lei nº 8112, de 11/12/1990.


Nessa lei são tratadas questões como: acessibilidade (a regra é o concurso pú-
blico), provimento, investidura, reingresso, vacância, estabilidade etc.
Quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista que, confor-
me se sabe, integram a Administração Pública Indireta com natureza jurídica
de pessoa de direito privado, o art. 173, §1º, II, da Constituição Federal, em
sua atual redação, determina que tais entidades adotem o regime celetista,
pois o texto constitucional as equipara às empresas privadas no que tange às
obrigações trabalhistas:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a ex-


ploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida
quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da so-
ciedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem ativida-
de econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços, dispondo sobre:
(...)
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas
e tributários;

A Constituição também admite a contratação de servidores públicos tem-


porários, por prazo determinado, para atender a casos de excepcional interes-
se público. Nesse sentido, determina o art. 37, IX: 204
Manual de direito administrativo, pp.
491 e 492.
205
CACARVALHO FILHO, José dos San-
Art. 37. (...) tos. Manual de direito administrativo.
IX – A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determi- 17a ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris,
2007, p. 528.
nado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse 206
“Art. 37. (...) V - as funções de con-
público; (...) fiança, exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo,
e os cargos em comissão, a serem pre-
enchidos por servidores de carreira nos
Referida lei deve ser editada por cada ente federativo (União, Estados e casos, condições e percentuais mínimos
municípios). No âmbito federal, a Lei nº 8.745/1993 dispõe sobre a contra- previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assesso-
tação temporária de servidores. ramento; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
207
Id. Ibid., p. 529.
208
“Art, 95. Os juízes gozam das seguintes
LEITURA OBRIGATÓRIA: garantidas: I - vitaliciedade, que, no pri-
meiro grau, só será adquirida após dois
anos de exercício, dependendo a perda
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a do cargo, nesse período, de deliberação
do tribunal a que o juiz estiver vinculado,
ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris: 2007, pp. 511 a 538. e, nos demais casos, de sentença judicial
transitada em julgado; (...)”
209
Id.

FGV DIREITO RIO 163


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CASO GERADOR:

O art. 1º, caput, da Lei nº 9.986, de 18.07.2000, veio a permitir que fun-
cionários das agências reguladoras fossem contratados sob o regime de emprego
público, ou seja, submetidos às normas da Consolidação das Leis do Trabalho e
não ao estatuto dos funcionários públicos federais, nos seguintes termos:

Art. 1º. As Agências Reguladoras terão suas relações de trabalho re-


gidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-
lei 5.452, de 1º de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, em
regime de emprego público.

Contra tal norma insurgiu-se o Partido X, em ação direta de inconstitu-


cionalidade, alegando que a atividade desempenhada pelo corpo técnico das
agências apresenta natureza genuinamente pública, consistente no exercício
de poder de polícia, normatização e disciplina da atividade econômica, de-
vendo, portanto, seus funcionários serem protegidos pelas prerrogativas ine-
rentes aos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo e,
por conseguinte, submetidos ao regime estatutário.
De acordo com o entendimento esposado pelo Partido X, atividades típi-
cas de Estado não poderiam ser atribuídas a prestadores de serviço sob o regi-
me celetista, uma vez que esses não desfrutam da prerrogativa da estabilidade,
prevista no art. 41 da Constituição Federal:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores
nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso
público.
§1º. O servidor público estável só perderá o cargo:
I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada
ampla defesa;
III – mediante processo de avaliação periódica de desempenho, na
forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

O art. 247 da Constituição Federal, por sua vez, dispõe:

Art. 247. As leis previstas no inciso III do §1º do art. 41 e no §7º


do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do
cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições
do seu cargo efetivo, desenvolva atividades típicas de Estado.

FGV DIREITO RIO 164


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a per-


da do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em
que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.

Já a relação de emprego público é definida por Celso Antônio Bandeira de


Mello como “núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchi-
dos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista”210.
Encontra previsão expressa no art.. 61, §1º, II, “a”, da Constituição:

Art. 61. (...)


§1º. São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(...)
II – disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administra-
ção direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

O art. 173, §1º, II, da Constituição Federal de 1988 expressamente admi-


te o regime trabalhista para reger as relações com os funcionários das socie-
dades de economia mista, empresas públicas e fundações de direito privado
acaso instituídas pelo poder público. Deve-se ainda observar que, nos termos
do art. 114, I, da Constituição, compete à Justiça do Trabalho julgar as “ações
oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público ex-
terno e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios”.
À luz das características inerentes às agências reguladoras e da sua natu-
reza jurídica de autarquia especial, assim como considerando o seu feixe de
competências e conseqüente necessidade de isenção face a pressões políticas,
procede a argumentação do Partido X?211

LEITURA COMPLEMENTAR:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15ª


ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 514 a 610.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro Forense, 2006, pp. 283 a 337.

FGV DIREITO RIO 165


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ANEXO I

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SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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ANEXO II

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SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ANEXO III
VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO Eros Grau: A Lei n. 9.478/97 é a lei a


que faz referência o § 1o do artigo 177 da Constituição do Brasil, na
redação a ele atribuída pela EC 9/95. O tratamento da matéria
reclama, além da prudência de sempre, a consideração de conceitos
indispensáveis a sua compreensão e a prévia superação de alguns
equívocos.

01.1. Primeiro desses equívocos: o petróleo seria bem


público especial [n ão do minia l], de uso comum d a Uni ão e de
uso especial por empresas particulares.

É surpreendente que um mesmo bem público especial


possa ser, concomitantemente, bem de uso comum da Un ião e
bem de uso especial por empresas particulares...

Além disso, se fosse bem de uso especial, o


petróleo --- como tod os os bens de uso c omum e de u so
especial --- seria ina liená vel enquant o conser vasse es sa
qualificação, isto é, enquanto afetado a sua destinação;
apenas poderia ser alienado ao ser desafetado 1. Como o que o
caracterizaria como de uso especial seria a proteção do
interesse coletivo e a soberania nacional, a sua desafetação
implicaria precisamente que ele já não se prestasse a prover
essa proteção... A concepção do petróleo como bem de uso
especial conduz à conclusão lógica, porém literalmente
incompreensível, de que o petróleo é inalienável! Nada mais
é necessário dizer neste apartado.

1
V. CELSO AN TÔNIO B ANDEIR A DE MEL L O, Curso de Direit o Admin istrat ivo ,
17 a edi ção, M alheir os Edi tores, São Paulo, 2 .004, pág. 8 06. 

FGV DIREITO RIO 190


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

01.2. Quanto à forma de contraprestação devida à empresa


particular, trata-se efetivamente, como anteriormente
afirmado, de uma escolha política. A opção pelo tipo de
contrato que será adotado com as empresas que vierem a atuar
no mercado petrolífero não pertence ao Poder Judiciário:
este não pode se imiscuir em decisões de natureza política.
A eleição do tipo de contrato que virá a ser assinado ---
valho-me da dicção de quem o afirmou, neste ponto
corretamente --- entre "poder concedente" e as empresas
exploradoras é, sem dúvida, uma opção política.

Logo, bastará apartarmos o conceito de monopólio


do de propriedade, o que farei mais adiante, para que certos
tropeços de raciocínio sejam evitados.

01.3. O terceiro equívoco respeita à suposição de que a


transferência da propriedade do petróleo aos particulares
"não se coaduna com o regime de monopólio estabelecido
constitucionalmente, porque retira da União qualquer
ingerência sobre a propriedade do bem, passando apenas a
regular a atividade comercial exercida pelos particulares".
Essa suposição não é verdadeira, o que demonstrarei mais
adiante, aludindo ao artigo 60 da lei questionada na
presente ADI e ao disposto no artigo 4 o da Lei n. 8.1 76/91 .
O contratado, como veremos, detém a propriedade do produto,
mas não é titular da sua livre disponibilidade.

01.4. Por fim, neste passo preliminar do meu voto,


desejo apontar a circunstância de o entendimento de que, a
partir da Emenda Constitucional nº 9, a execução do

FGV DIREITO RIO 191


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

monopólio haveria de ser efetuada mediante contrato de


prestação de serviços conduziria, se acolhido, à destruição
da Petrobras, como também adiante demonstrarei.

02. A Lei n. 9.478/97, disse eu, é a lei a que faz


o
referência o § 1 do artigo 177 da Constituição do Brasil,
na redação a ele atribuída pela EC 9/95.

A esta Corte incumbe aplicar a Constituição, não


reformá-la. Sua reforma, neste ou naquele ponto, há de ser
empreendida pelo Poder Constituinte, não pelos Juízes do
Supremo Tribunal Federal, qualquer que seja a opinião
pessoal de cada um --- antip a tia ou simpati a --- quant o à EC
9/95.

Aplico a Constituição. A interpretação


constitucional, no nível lingüístico, é interpretação
semântica , voltando-se à determinação do significado d as
palavras e expressões contidas no texto da Constituição.
Vale dizer: refere-se a "normas reveladas por enunciados
lingüísticos", estando, como observa CANOTILHO 2,
condicionada pelo contexto , na medida em que se opera em
condições sociais historicamente caracterizadas . A
interpretação da Constituição não é para ser procedida à
margem da realidade, sem que se a compreenda como elemento
da norma resultante da interpretação. A práxis social, nesse
sentido, é elemento da norma, de modo que interpretações
corretas são incompatíveis com teorizações nutridas em

2
Direito Con stituc ional , 4a ediç ão, Almedi na, Coim bra, 1.9 87, pá g.
148. 

FGV DIREITO RIO 192


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

idealismo que não a tome, a práxis, como seu fundamento. Ao


interpretá-la, a Constituição, o intérprete há de tomar como
objeto de compreensão também a realidade em cujo contexto
dá-se a interpretação, no momento histórico em que ela se
dá.

03. Fazendo-o --- ist o é, apl i cando a Con stitui ção


como um todo orgânico, ancorado na realidade --- n ão
visualizo incompatibilidade de qualquer ordem entre os
preceitos atacados pela ADI e a Constituição do Brasil. A
ADI, em verdade, investe contra a EC 9/95; está prenhe de
antipatia em relação a ela.

04. O monopólio pressupõe, em princípio, apenas um


agente apto a desenvolver as atividades econômicas a ele
correspondentes 3.

O monopólio (i) pode decorrer do lícito exercício


de uma vantagem competitiva ou (ii) ser instituído mediante
lei. O agente econômico, no primeiro caso, valendo-se de sua
superioridade em relação aos competidores, logra eliminar

3
Veja-se MOD ESTO CA RVALHO SA ( Pode r econômico ² a fenome nologi a ² se u
disciplin amento jurídi co , São Pa ulo, 1967, p ág. 30): o v ocábul o
³PRQRSyOL R´ WHP RULJH P QD DGLomR G H GXDV SDODYUDV JU HJDV ³PRQ RV´ Vy 
³SROHLQ´  YHQG HU donde vend er só ´  No mesmo sent ido, HAROLD G. FO X,
Monopolie s an d pat ents; a s tudy of th e his tory and future of the
patent mon opoly, Toront o, The U niv ersity of T oronto Press, 1.947, pá g.
19. O vocáb ulo m onopól io é gera lmente entend ido, entre nós, com o
expressiv o da posiçã o dominan te de um agente econôm ico. Ora, ai nda q ue
o vocábulo passe a i déia de que seu dete ntor é t itular de
independê ncia e ind iferen ça no m ercado, a sin onímia entr e ele e a
expressão po sição domi nante é eq uivocada. Ta lvez a confus ão entr e
essas expres sões tenh a o ULJHP QD W UDGXomR GR WHUP R ³PRQRSR O\´ SDUD D V
OtQJXDV OD WLQDV 0RQRS RO\ F RPR DVVLQDOD 7 +20$6 (  .$83( 5 ³$UW LFO H
 H[FHVVL YH SULFHV  DQG UHIXVD OV  WR GHDO´ Antitr ust Law Jour nal , v.
59, 199 1, p ág. 443), é c ompará vel à ex pressã o po sição domin ante ma s
não, nece ssaria mente, a mon opólio . 

FGV DIREITO RIO 193


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seus concorrentes, transformando-se no único a atuar em


determinado segmento da economia. Aqui, embora se dê a
eliminação dos concorrentes, inexiste prejuízo à livre
concorrência ou à livre iniciativa. Já no segundo caso
[instituição de monopólio mediante lei, monopólio legal],
tem-se situação diversa: aí o Estado exerce uma opção
política, em razão da qual o sistema jurídico atribui a
determinado agente a faculdade do exercício, com
exclusividade, de uma certa atividade econômica em sentido
estrito. Estabelece-se artificialmente [= pela lei] um
ambiente impermeável à livre iniciativa; a ausência de
concorrência é total. Qualquer outro agente econômico que se
disponha a explorar a atividade monopolizada estará impedido
de fazê-lo --- a lei não admite essa exploração.

Os monopólios legais dividem -se, por sua vez, em


duas espécies: (i) os que visam a impelir o agente econômico
ao investimento e (ii) os que instrumentam a atuação do
Estado na economia.

Transitamos, quando diante daquele primeiro tipo


de monopólio, pela seara da chamada propriedade industrial:
da e na proteção dos bre vetos, marcas, know-how e tc. emer g e
autêntico monopólio privado; ao detentor do direito de
propriedade industrial é assegurada a exclusividade de sua
exploração.

O segundo tipo de monopólio legal consubstancia


atuação estatal no domínio econômico: o Estado assume o
exercício de determinada atividade em regime de monopólio,

FGV DIREITO RIO 194


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em cumprimento a preceito contemplado no plano


constitucional.

05. Reportando-me ao que escrevi alhures 4, lembro que é


atribuída a ARISTÓTELES a cunhagem do vocábulo monopólio 5,
usadR Q¶A Política 6, para referir expediente de que se
valeu TALES DE MILETO visando à enriquecer. Conta
ARISTÓTELES que o filósofo, dispondo de pequena quantidade
de dinheiro, assegurou para si o direito de utilizar todos
os lagares de azeite de Mileto e Quio; chegando o momento
favorável, diante de demanda inesperada, TALES os sublocou,
os lagares, sob as condições que desejava. Tendo assim
acumulado uma soma considerável --- di z ARIST ÓTELES ---
provou ser fácil para os filósofos enriquecer quando
queiram, ainda que isso não seja objeto de sua ambição. Mas,
ainda que TALES assim tenha feito prova de sabedoria, o
expediente que adotou para fazer fortuna é válido para
qualquer pessoa que possa assegurar a si mesmo um monopólio.
E prossegue ARISTÓTELES observando que certas cidades
empregam esse expediente quando à busca de dinheiro: criam
monopólios de certas mercadorias.

4
Monopólio de ativ idade e conômi ca ± Petrobra s ± Prop riedad e e empr es a
± Bens pú blicos , in R DA 222 :361-3 64 . 
5
FRITZ MACHLU P, em sua cláss ic a obra The p olitic al ec onomy o f
monopoly, iden tifica a s eguint e cr onologia dos monopó lios, na h istór ia
antiga: 347 a.C. ² D  SDO DYUD  ³PR QRSyOLR´  p XWLOL] DGD  SHOD  SULPH L UD
vez, na Políti ca de Aristó teles; aproximada mente 30 d.C . ² Tiber ius
LQWURGX]  D SDODYU D ³P RQRSyO LR´ Q D  OtQJXD  ODW LQD HP XP  FRP XQLFDG R DR
Senado; aprox imadam ente 79 d .C . ² P linius faz refe rência às
reclamaçõ es dos cida dãos cont ra os excessos dos mon opólio s; 483 d.C. ²
Zenão proíbe tod os os monopóli os, quer aqueles criado s em virtude de
decreto i mperia l ou d a ação priva da . 
6
A Política , I, 11, na trad. de J. Tricot, qu atriè m e tirage , Libra ir ie
Philosoph ique J . Vrin , Pari s, 1.9 82 , pág. 70 . 

FGV DIREITO RIO 195


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A exploração dos monopólios pelo poder


centralizado era também praticada em Roma, onde a
exclusividade da atividade de comercialização do s al
assegurava ao governo grande parte de suas rendas 7. Já no
final do Império, para aumentar os recursos do Estado, o
número de monopólios concedidos aos particulares mediante
retribuição multiplicou -se de forma a abranger toda a
distribuição de alimentos 8.

A prática da concessão de privilégios [i.e., a


concessão do direito à exploração de monopólios de
determinadas atividades] pelos soberanos foi muito
9
difundida, tanto na Idade Antiga, quanto na Idade Média .

Posteriormente, na Inglaterra, a contestação aos


monopólios até então tidos como lícitos expressava, na
realidade, contestação ao poder do monarca que os concedia.
e SDUDGLJPiWLFR R ³&DVR GRV 0RQRSyOLRV´ 10, de 1.603, quando
se decidiu pela ilegalidade do monopólio da atividade de
fabricação e importação de cartas de jogo, que havia sido
concedido pela Rainha a Edward Darcy. Segue-se, em 1.624, o
Statute of Monopolies, que proíbe a sua indiscriminada
concessão pela Coroa --- crown-granted monopolies, como

7
HAROLD G. FO X, Mono polies a nd pat ents , cit. , pág. 20 , sobre o siste ma
GH FRPpUFL R QD 5RP D DQWLJ D ³7KH  5RPDQ WKHR U\ RI WU DGH ZDV WKDW RI 
free competi tion, but th e practice of obtaining ex cl usive sale wa s so
ZLGHVSUHD G WKDW WKH 6HQ DWH UHFHL Y HG PDQ\ FRPSOD LQWV RQ WKH VX EMHF W´
(pág. 22) . 
8
HAROLD G. F OX, M onopol ies an d pa tents, c it., pág. 22. E ssa po lític a
de monopó lios f oi reg ulamen tada p el o Édito d e Zenã o (ou Zeno), de 48 3. 
9
FRANCESC HELLI (Trat tato d i dir itto indu strial e , Mil ano, I , 1960 ,
pág. 77) dá de staque ao pr ocess o que cu lminou na di stinçã o ent re
monopólio s lícitos e ilíci tos: a outorga de monop ólios, na medi da em
TXHD³FD XVDSX EOLFDH XWLOL WDWLV YH OQHFHVVL WDWLV´ HUD MXVWLI LFDGD 
10
11 Coke 84, 77 Eng.R ep. 12 60 (K. B. 1603). 

FGV DIREITO RIO 196


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

dizem os de língua inglesa --- limitand o-os aos que


correspondem às patentes de invenção.

06. É bem evidente que, no evoluir do tempo, as


referências feitas aos monopólios estiveram sempre
vinculadas ao desenvolvimento exclusivo de uma atividade,
geralmente a atividade de comercialização de determinado
bem. Em outras palavras, a atenção social atribuída ao tema
dos monopólios está, desde sempre, visceralmente ligada ao
desenvolvimento de uma atividade, não à propriedade.

Diz FÁBIO KONDER COMPARATO 11 ³>R@ PRQRSyOLR


portanto, diz respeito a uma atividade empresarial, nada
WHQGR D YHU FRP R GRPtQLR H D SURSULHGDGH´ $ SURSyVLWR DR
dizê-lo, FÁBIO socorre- se de PONTES DE MIR ANDA 12, para quem
³>P@RQRSROL]DU QmR p GHVDSURSULDU QHP HQFDPSDU
Desapropria-se ou encampa-se sem se monopolizar, como se,
havendo duas ou mais empresas que exploram determinado ramo
de indústria ou de comércio, a entidade estatal desapropria
os bens da empresa, ou encampa a empresa, e não se dirige
contra as outras. Pode a entidade estatal desapropriar os
bens de todas as empresas existentes, sem estabelecer
monopólio, isto é, sem proibir que se instalem e funcionem
RXWUDVHPSUHVDVFRPDPHVPDDWLYLGDGH´

07. O conceito de monopólio efetivamente não se presta


a explicitar características da propriedade, de modo que não
cabe aludirmos a monopólio de propriedade.

11
Direito Públic o ± Est udos e Par eceres, S araiva , São Paulo, 1.996 ,
pág. 148; afirm ação r eitera da na pá gina 151. 
12
Comentá rios à Cons tituiç ão de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969 , 2 a ed.,
São Paulo , Revi sta do s Trib u nais, 1 .972, t. 6, pág . 86. 

FGV DIREITO RIO 197


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Na medida em que erga omnes, a propriedade é


sempre exclusiva. Isso significa que o conceito de
propriedade porta em si a exclusividade [= monopólio] do
domínio do bem pelo seu titular. Por isso são redundantes e
desprRYLGDV GH VLJQLILFDGR DV H[SUHVV}HV ³PRQRSyOLR GD
SURSULHGDGH´RX³PRQRSyOLRGHXPEHP´

08. A Constituição do Brasil enumera, em seu art. 177,


atividades que constituem monopólio da União [v.g., pesquisa
e lavra das jazidas de petróleo e gás natural, refinação de
petróleo, importação e exportação de produtos derivados de
petróleo, transporte marítimo de petróleo bruto etc.] e, em
seu art. 20, os bens que são de sua exclusiva propriedade
[terras devolutas, ilhas fluviais, mar territorial, terrenos
de marinha, recursos minerais, sítios arqueológicos etc.] 13.
Atividades e bens, uma coisa distinta da outra.

Por isso não é adversa à Constituição a existência


ou desenvolvimento de uma atividade econômica sem que a
propriedade do bem empregado no processo produtivo ou
comercial seja concomitantemente detida pelo agente daquela
atividade --- o que tam bém é afirmado por F ÁBIO KON D ER
14
COMPARATO . Dizendo -o de outro modo: o conceito de atividade
econômica [enquanto atividade empresarial] prescinde da
propriedade dos bens de produção.

13
As Constitu ições de 1 .946 e de 1.967 -69 fa cultav am aos Pod eres
3~EOLFRV VRE FHU WDV FRQ GLo}HV  ³P RQRSROL]D U GHWHU PLQDGD LQG~VW ULD R X
DWLYLGDGH ´ 
14
Direito Público - Estudo s e Pareceres, ci t., pág. 152: ".. . o
agente execu tor do monopól io não precisa ter a propri edade dos ben s,
móveis o u imó veis, utili zados na e xploração da ativid ade m onopol izad a,
podendo, por ex emplo, tomá - los em a rrendamen to de tercei ros". 

FGV DIREITO RIO 198


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

09. Os juristas tradicionalmente se valem dos


ensinamentos da teoria econômica para acolher a definição da
empresa como "organismos econômicos, que se concretizam na
organização dos fatores de produção e que se propõem à
satisfação das necessidades alheias, mais precisamente, das
H[LJrQFLDVGRPHUFDGR JHUDO´ 15; o conceito de empresa firma-
se na idéia de que ela é o exercício da atividade
produtiva 16. Por atividade entenda-se, como anota OSCAR
BARRETO FILHO 17 ³D VpULH FRRUGHQDGD H XQLILFDGD de ato s e m
função de um fim econômico unitário. (...) A prática
UHLWHUDGD´ GH ³DWRV QHJRFLDLV GH PRGR RUJDQL]DGR H HVWiYHO
por um mesmo sujeito, visando a uma finalidade unitária e
permanente, cria, em torno desta, uma série de relações
interdependentes que, conj uga ndo o exercíci o coorden ado d os
atos, o transmuda em atividade negocial. Essa atividade
(...) manifesta-se economicamente na empresa e se exprime
juridicamente na titularidade do empresário e no modo ou nas
FRQGLo}HVGHVHXH[HUFtFLR´

Por isso a empresa [= atividade] não pode ser


confundida com o complexo de bens que possibilita seu
desenvolvimento [= estabelecimento].

De outra parte, a propriedade do resultado da


atividade --- vale diz er, propriedad e dos produ tos ou
serviços da atividade --- t ambém não pode se r tida co mo

15
RUBENS REQU IÃO, Cur so de dire i to comerci al , 8ª ed. , São Paul o ,
Saraiva, 1.977, pág. 47. 
16
Idem, pá g. 57. 
17
Teoria d o estab elecim ento c omerc ial , São Paulo, Max Li monad, 1969 ,
páginas 18 e 19. Em idêntico se nt ido, SYLVIO MARC ONDES, Pro blemas de
direito m ercant il , Sã o Paul o, Max L imonad, 1 970, p ág. 13 6. 

10

FGV DIREITO RIO 199


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

abrangida pelo monopólio do desenvolvimento de determinadas


atividades econômicas.
10. Do monopólio da atividade trata, no caso, o artigo
177 da Constituição; da propriedade detida pela União em
relação a determinados bens, o artigo 20.

Tem-se bem presente, destarte, a separação que se


manifesta tanto no mundo do ser, quanto do dever-ser [na
medida em que uma e outra suportam regulamentação segundo
princípios e regras específicos], entre atividade econômica 18
e propriedade.

Sendo assim, temos que

[i] é perfeitamente possível, em face da


Constituição do Brasil, que um monopólio da União
seja exercido mediante a utilização, para esse
exercício, da propriedade de outrem; e

[ii] a propriedade é sempre exclusiva, isso


significando que o conceito de propriedade porta
em si a exclusividade [= monopólio] do domínio do
bem pelo seu titular; por isso, repito, são
redundantes e desprovidas de significado as
H[SUHVV}HV ³PRQRSyOLR GD SURSULHGDGH´ RX
³PRQRSyOLRGHXPEHP´

18
Aqui mencion o a ativid ade econ ômi ca em geral, nã o apenas e m sentid o
estrito. Pa ra a distinç ão entre at ividade eco nômica em se ntido amp lo e
atividade eco nômica em senti do e strito , meu A or dem econôm ica n a
Constitui ção de 1 988 , 9 a ediçã o, M alheiros E ditore s, São P aulo, 2. 00 4,
págs. 93 e ss. 

11

FGV DIREITO RIO 200


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

11. Concluo este momento de meu voto relembrando que o


monopólio é de atividade, não de propriedade. Isso explica
porque a propriedade do resultado da lavra das jazidas de
petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos
pode ser atribuída a terceiros pela União, sem qualquer
ofensa à reserva do monopólio, contemplada no artigo 177 da
Constituição.

Cabe como uma luva, neste ponto, a lição de FÁBIO


KONDER COMPARATO 19 ³2 WLWXODU GR PRQRSyOLR S~EOLFR QmR HVWi 
obrigado a explorá -lo diretamente, podendo essa exploração
ser exercida por outrem, pessoa jurídica de direito público
RX SULYDGR´ ( SURVVHJXH ³2 ~QLFR SRQWR GLVFXWtYHO QHVVD
matéria, é o modo de se instituir a delegação do monopólio:
por meio de decreto do Poder Executivo, ou por lei. No meu
entender, como todo monopólio público em nosso sistema
constitucional decorre de norma expressa da Constituição,
que excepciona o princípio da livre iniciativa empresarial,
somente a lei pode autorizar o seu exercício por pessoa
GLYHUVD GR WLWXODU´ 1R Faso --- digo eu --- pr ecisam ente a
Lei n. 9.478/97.

A propriedade do produto da lavra das jazidas


minerais atribuída ao concessionário pelo artigo 176 da
Constituição do Brasil é inerente ao modo de produção social
capitalista. A concessão seria materialmente impossível sem
que o proprietário se apropriasse do produto da exploração
da jazida. O mesmo se dá quanto ao produto do exercício das
atividades contratadas com empresas estatais ou privadas nos

19
Ob. cit. , pág. 151; tb pág . 152. 

12

FGV DIREITO RIO 201


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

termos do § 1o do art igo 1 77 da Const ituiçã o do Bras i l.


Essas contratações --- con tratações , note-se bem; não
concessões --- ser iam m ateri almente impos síveis sem que os
contratados da União se apropriassem, direta ou
indiretamente, do produto da exploração das jazidas de
petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos
fluídos.

Apropriação direta ou indireta --- en fatizo --- n o


quadro das inúmeras modalidades de contraprestação
atribuíveis ao contratado, a opção por uma das quais
efetivamente consubstancia, como anteriormente afirmado, uma
escolha política. O que não cabe é reduzir as contratações
com empresas estatais ou privadas, nos termos do § 1o do
artigo 177 da Constituição do Brasil, ao modelo da prestação
de serviços. Voltarei ao tema, mais adiante.

12. Feitas essas observações, prossigo.

A EC 9/95 tornou relativo o monopólio do petróleo.

O § 1o do artigo 177 da CB, em sua redação


RULJLQiULD YHGDYD j 8QLmR ³FHGHU RX FRQFHGHU TXDOTXHU WLSR
de participação, em espécie ou em valor, na exploração de
jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no
art. 20, § 1 o ´

A redação do preceito passou a ser a seguinte:

³$ 8QLmR SRGHUi FRQWUDWDU FRP HPSUHVDV


estatais ou privadas a realização das atividades

13

FGV DIREITO RIO 202


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

previstas nos incisos I a IV deste artigo,


observadas as condições estabelecidas em lei".

Extirpada do preceito a proibição de ceder ou


conceder qualquer tipo de participação na exploração
petrolífera, seja em espécie [petróleo] ou em valor
[dinheiro], a EC 9/95 permite que a União transfira ao
³FRQFHVVLRQiULR´ D SURSULHGDGH GR SURduto da exploração de
jazidas de petróleo e de gás natural, observadas as normas
legais. Aí um novo regime de monopólio, que é o que a EC n.
9/95 preconiza.

Note-se bem: o monopólio permanece íntegro; não


foi extirpado da Constituição; apenas tornou-se relativo em
relação ao contemplado na redação anterior do texto da
Constituição. Anteriormente, de modo bem amplo, projetava-se
sobre o produto da exploração petrolífera. Ia para além da
atividade mon opoliz ada. A Co nstituiçã o im pedia que a Uni ão
cedesse ou conced esse qu alq uer tipo de partic ipação , em
espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou
gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1º --- isto
é, a participação dos Estados -membros, do Distrito Federal e
dos Municípios, bem assim dos órgãos da Administração Direta
da União, no resultado da exploração de petróleo ou gás
natural etc. Esse preceito do parágrafo fazia, como
permanece a fazer, exceção ao regime de propriedade das
jazidas, matéria da propriedade dos bens da União [inciso IX
desse mesmo artigo 20].

13. O parágrafo que substituiu o contemplado na


redação original da Constituição conteve os efeitos do

14

FGV DIREITO RIO 203


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

monopólio no plano da atividade, autorizando expressamente a


União a contratar com empresas estatais ou privadas a
realização das atividades previstas nos incisos I a IV do
artigo 177, observadas as condições estabelecidas em lei.
Dispõe, diretamente, não sobre a propriedade da s jazi da s,
mas sobre a exploração, pela União, da atividade
monopolizada. Como essa contratação supõe, no mo do de
produção social capitalista, a apropriação direta ou
indireta, pelo contratado, do produto da exploração da
jazida, os efeitos do monopólio foram contidos no plano da
atividade , sem projetar-se sobre o produto da expl oraçã o
petrolífera e sem a inclusão dos riscos e resultados
inerentes à atividade. Nesse sentido é que se tornou
relativo em relação ao regime anterior, sem deixar, contudo,
de caracterizar monopólio de atividade .

Permito-me deixar dois aspectos bem vincados:

[i] a inovação introduzida pela EC 9/95, no


sentido de tornar relativo o monopólio, não se
encontra na permissão de que a União contrate com
empresas estatais ou privadas a sua exploração;
desde anteriormente à emenda a União não estava
obrigada a explorar o monopólio diretamente; desde
sempre essa exploração poderia ser exercida por
outrem, pessoa jurídica de direito público ou
privado;

[ii] o monopólio de que se trata tornou-se


relativo precisamente porque antes da EC 9/95
projetava-se, de modo amplo, sobre o produto da

15

FGV DIREITO RIO 204


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

exploração petrolífera; ia, neste sentido, para


além da atividade m onopol iza da; a a usênci a dess a
projeção, no regime da EC 9/95, é que o torna
relativo em relação ao regime anterior.

14. A EC 9/95 permite que a União transfira ao


³FRQFHVVLRQiULR´ RV ULscos e resultados da atividade e a
propriedade do produto da exploração de jazidas de petróleo
e de gás natural, observadas as normas legais.

Ocorre, no entanto, que a Constituição não coloca


HVVH D TXHP HVWRX D FKDPDU GH ³FRQFHVVLRQiULR´ VRE R UHJLPH
do disposto no artigo 176.

Ao contrário, a ele confere tratamento


diferenciado, razão pela qual estou de acordo em que os
preceitos veiculados pelos §§ 1o e 2o do a rtigo 177 da
Constituição do Brasil são específicos em relação ao artigo
176. E isso de modo tal que as empresas estatais ou privadas
a que refere o § 1o não podem ser c hamada s de
³FRQFHVVLRQiULDV´ HLV TXH WLWXODUHV GH XP WLSR GH
propriedade diverso daquele do qual são titulares os
concessionários das jazidas e recursos minerais a que
respeita o artigo 176 da Constituição do Brasil.

A primeira leitura dos preceitos já evidencia que


não há concessão, ato administrativo veiculado mediante
decreto do Poder Executivo --- que se dá em rela ção às
jazidas e recursos minerais a que respeita o artigo 176 ---
não há concessão , dizia eu, no caso da contratação, com
empresas estatais ou privadas, da realização das atividades

16

FGV DIREITO RIO 205


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

previstas nos incisos I a IV do artigo 177, autorizada pelo


seu § 1 o .

15. Permito-me lembrar, ademais, que a propriedade não


existe; existem as propriedades --- a prop riedad e n ão
constitui uma instituição única, mas o conjunto de várias
instituições, relacionadas a diversos tipos de bens 20.
Instituições jurídicas conformadas segundo distintos
conjuntos normativos --- di st intos r egimes --- apl icávei s a
cada um deles.

Um é o regime jurídico geral da propriedade do


produto das explorações de que trata o artigo 176 da CB;
outro é o regime jurídico --- especial em relação àquele 21 --
- do produt o da expl oração de jazidas de petr óleo e gá s
natural, desdobrado do disposto nos §§ 1 o e 2 o do artigo 177.

Não se trata de dizer que o direito de propriedade


dos primeiros é mais amplo do que o direito de propriedade
destes últimos, visto que cada regime de direito de
propriedade manifesta-se, ex iste tal e qual o ordenamento
jurídico o estabelece. Mas é correto dizermos, sim, que a
propriedade dos primeiros é mais ampla do que a propriedade

20
Meu A or dem ec onômic a na C onstit ui ção de 19 88 , ci t., pá gs. 21 5-6. 
21
Os atribut os da esp eciali dade e da general idade, que apar tam as
normas gerai s das especiai s, deri vam de um juízo de comparaçã o ent re
duas nor mas [N ATALIN O IRTI , /¶H Wj GHOOD  GHFRG LILFD] LRQH , 4ª ed .,
Milano, Giuff rè, 1.999, 53 e ss .] . Norma ger al e norm a esp ecial n ão
são geral e esp ecial e m si e por s i, mas se mpre r elativ amente a outr as
normas. A ssim, uma no rma que é ger al em rel ação à outra, pode ser ti da
como espe cial e m face de um a terc ei ra. 

17

FGV DIREITO RIO 206


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

das empresas estatais ou privadas às quais respeita o § 1 o


do artigo 177 da CB 22.

O artigo 176 --- ain da que o artigo 20, IX da CB


estabeleça que os recursos minerais, inclusive os do
subsolo, são bens da União --- garanti u ao con cessio nário da
lavra a propriedade do produto da sua exploração, sem
estipular qualquer restrição a ela, do que decorre a
conclusão de que, existindo concessão de lavra regularmente
outorgada, a propriedade sobre o produto da exploração é
plena.

É erro nefando o de confundir os recursos minerais


--- inclusi ve os do sub solo, que são bens da U nião --- i st o
é, as jazidas, com o que se extrai delas.

16. No caso do petróleo e do gás natural, no entanto,


a propriedade de que se cuida não é plena, mas relativa,
visto que a comercialização de ambos é administrada pela
União, através de uma autarquia sua, a ANP.

Veja-se o artigo 60 da le i qu estionada n a presen te


ADI, observando-se que, para exportar, exige-se seja

22
Não há l imitaç ões aos direi tos de propri edade; há li mitaçõ es tão-
somente à p roprie dade. Isso porq ue os regim es de pro prieda de sã o
aqueles defi nidos pel a ordem ju rídica. Vale di zer: o direi to de
proprieda de só tem exist ência no c ontexto da orde m jurídic a, tal com o
o definiu a ord em jurí dica. Por ce rto que, na com paraçã o entre orden s
jurídicas distin tas, po der -se -á af irmar que n esta, e m relaç ão àque l a,
a propr iedade é mais ² ou men os ² di latada , em deco rrênci a de s er
menos ou mais l imitad a. Não, porém , que o d ireito de pro prieda de aqu i
ou ali seja li mitado , neste ou naquele gr au. Cada d ireito de
proprieda de é dire ito inte gral nos quadra ntes da or dem jurí dic a
positiva que o conte mpla ( vide RENATO A LESSI, Princ ipi di Dirit to
Amministr ativo, v. II , Giuf frè Ed it ore, Milã o, 1.9 78, p. 590). 

18

FGV DIREITO RIO 207


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

atendido o disposto no artigo 4o da Lei n. 8.176/91 ,


observadas as políticas aprovadas pelo Presidente da
República, propostas pelo Conselho Nacional de Política
Energética - CNPE. No s ter mos do artigo 2 º, V, da L ei
 FRPSHWH DR &13( ³HVWDEHOHFHU GLUHWUL]HV SDUD D
importação e exportação, de maneira a atender às
necessidades de consumo interno de petróleo e seus
derivados, gás natural e condensado, e assegurar o adequado
funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de
Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques
Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art. 4º da Lei
Qž  GH  GH IHYHUHLUR GH ´ 2 &13( 23 é ó rgão de
assessoramento da Presidência da República, integrado por
Ministros de Estado, cujas propostas são submetidas à
apreciação do Chefe do Poder Executivo, órgão ao qual
incumbe prover a preservação do interesse nacional. Mais: as
resoluções expedidas pelo colegiado passam pelo crivo do
Presidente da República.

A propriedade deco rrente do disposto no § 1o do


artigo 177 da CB é exercida pelo seu titular no quadro
dessas políticas, especialmente no que respeita à liberdade
de exportar, pois quem decide a respeito dessa possibilidade
é o CNPE, sujeitas suas decisões à aprovação do Chefe do
Executivo, sendo posteriormente autorizada, ou não, pela
autarquia 24.

Em suma: o contratado detém a propriedade do


produto, mas não é titular da sua livre disponibilidade.

23
Decreto n . 3.52 0/00. 
24
Decreto n. 2.9 26/99. 

19

FGV DIREITO RIO 208


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

17. Há mais, porém, a distinguir a propriedade


afirmada pelo artigo 176 da outra, que decorre do disposto
no § 1 o d o ar tigo 177. É que jazida s de pet róleo ou de g ás
natural não são licitadas.

O objeto da licitação, no caso, é a pesquisa e


lavra inicialmente; apenas haverá propriedade de um o u out ro
se a pesquisa resultar frutífera. Na hipótese do artigo 176
há concessão da exploração de jazida. Aqui não. Haverá
exploração apenas se um ou outro --- petró leo ou gá s
natural; ou outro hidrocarboneto fluído --- vi er a s er
encontrado.

Isso é suficiente para evidenciar que cogitamos de


objetos distintos e que os preceitos nos §§ 1 o e 2 o do artigo
177 são especiais em relação ao artigo 176 da Constituição
do Brasil; por isso são distintas as propriedades em um e
outro caso.

18. Insisto ainda em que à impossibilidade material de


concessão sem que o concessionário se aproprie do produto da
exploração da jazida corresponde a evidente impossibilidade
da contratação prevista no § 1o do a rtigo 177 se m que o
contratado se aproprie direta ou indiretamente do produto da
exploração da pesquisa e lavra do petróleo e do gás e seus
derivados. A opção pelo tipo de contrato a ser celebrado com
as empresas que vierem a atuar no mercado petrolífero não
pertence ao Poder Judiciário: este não pode se imiscuir e m
decisões de caráter político. Opção pelo tipo de contrato a

20

FGV DIREITO RIO 209


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ser celebrado pela União e as empresas é, sem dúvida, opção


política.

De mais a mais, a suposição de que essa


contratação deva ser operada sem que a propriedade do
produto da exploração seja at ribuída dire ta ou indiret amen te
aos contratados da União porta em si a proposta de que a
Petrobras seja reduzida à condição de mera prestadora de
serviços. Pois é certo, como enfatizarei mais adiante, que
ela atua, no regime instalado pelo § 1o do art igo 177 da
Constituição do Brasil, redação da EC 9/95, na qualidade de
empresa estatal que explora atividade econômica em sentido
estrito e não serviço público; em regime de competição com a
empresa privada, portanto.

Seriam desastrosas, para a economia nacional, as


conseqüências de eventual declaração de
inconstitucionalidade do artigo 26, caput da Lei n.
9.478/97.

Tornado relativo o monopólio, a Petrobras perdeu a


qualidade de sua executora, que lhe fora atribuída pela Lei
n. 2.004/53. Assim, impedidos os leilões, tal como regulados
pela Lei n. 9.478/97, a Petrobras resultaria impossibilitada
de dar continuidade a sua atividade de pesquisa e lavra, e
sua possível exploração, do petróleo e do gás natural.

Permito-me anotar a circunstância de, nessas


condições, a Petrobras ficar impedida de renovar, de repor
os seus projetos de pesquisa, imprescindíveis à manutenção
do ciclo produtivo do petróleo, recurso natural não -

21

FGV DIREITO RIO 210


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

renovável, como bem anotado pelo Autor, mas que reclama a


pesquisa e descoberta de novas jazidas para a sua
manutenção. Observe-se, ademais, ser notória a participação
extremamente relevante da Petrobras nos blocos leiloados,
alcançando, no sexto leilão realizado, 91% dos blocos
adjudicados.

19. Note-se bem que, não sendo prestadora de serviço


público, a Petrobras não pode ser concebida como delegada da
União.

Embora, na dicção do Ministro Carlos Britto, possa


VHU WLGD FRPR ³H[SUHVVmR GR VHWRU S~EOLFR H QmR GR VHWRU
SULYDGR GD (FRQRPLD´ H[SORUD DWLYLGDGH HFRQ{PLFD HP VHQWLGR
estrito, estando sujeita, portanto, ao disposto no § 1 o , II,
do artigo 173 da Constituição do Brasil. Vale dizer: está
VXMHLWD DR ³UHJLPH MXUtGLFR SUySULR GDV HPSUHVDV SULYDGDV´
Atua em regime de competição com empresas privadas que se
disponham a disputar, no âmbito de procedimentos
licitatórios, as contratações previstas no § 1o do arti g o
177 da Constituição do Brasil.

A União não poderá, ex vi do disposto no incis o


XXI do artigo 37 da Constituição, contratá-la senão mediante
processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, observadas as condições
estabelecidas na lei prevista no § 1o do a rtigo 177 da
Constituição 25.

25
A lei referida no § 1 o do art ig o 177 da Constitu ição do Bras il é
especial em r elação à L ei n. 8.666/93; ao caso não s e apl ic a ,
portanto, o dispo sto no in ciso VIII do art igo 24 de sta últ i ma

22

FGV DIREITO RIO 211


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Seriam realmente desastrosas, logo se vê, para a


economia nacional, as conseqüências de eventual declaração
de inconstitucionalidade do artigo 26, caput da L ei n.
9.478/97. Impedida de licitar a contratação da realização
das atividades previstas no artigo 177, incisos I a IV da
Constituição --- obj etivo da ADI --- a Un ião n ão pod er ia
valer-se, diretamente, da Petrobras para tanto.

O argumento segundo o qual esta poderia


comercializar o petróleo da União porque a sua propriedade
[dela, Petrobras] é detida pela União não se sustenta. Pois
é certo que mesmo para contratar unicamente a
comercialização de petróleo a União teria de licitá-la. De
qualquer modo a Petrobras, transformada em simples agente
comercial da União, feneceria, ao passo que resultaria
marcante e marcadamente sacrificada a exploração do petróleo
e do gás natural entre nós.

Vê-se bem, destarte, que quem investe contra o


disposto no artigo 3o da Constitui ção do Bras il é, na
verdade, a ADI; não a lei por ela contestada.

Ela sim, a ADI --- data venia do eminente Ministr o


Carlos Britto --- abespi nha a Petrobr as, e m últ ima in stânc ia
afrontando a soberania e o desenvolvimento nacionais.
Permito-me repetir: a interpretação da Constituição não é

>³DTXLVLo mR SRU SHVVRD  MXU tGLFD  GH GLUH LWR S~EOLF R LQ WHUQR  GH  EH QV
produzido s ou serviços pre stados por órgão ou entidad e que integre a
Administr ação Púb lica e que tenh a sido criado pa ra ess e fim esp ecífi co
em data ant erior à v igênci a des ta Lei, desde que o p reço contr ata do
VHMDFRPS DWtYHO FRPR SUDWL FDGRQ R PHUFDGR´@  

23

FGV DIREITO RIO 212


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

para ser procedida à margem da realidade, sem que se a


compreenda como elemento da norma resultante da
interpretação; interpretações corretas são incompatíveis com
teorizações nutridas em idealismo que não a tome, a práxis,
como seu fundamento; ao interpretá-la, a Constituição, o
intérprete há de tomar como objeto de compreensão também a
realidade em cujo contexto dá -se a interpretação, no momento
histórico em qu e ela se dá. No caso, se não a História, a
estória parece repetir-se. Antes se afirmava, em afronta à
soberania nacional, que não existiria petróleo no subsolo
brasileiro, não haveria razão a justificar a criação da
Petrobras. Hoje --- não impor ta a boa ou perni ciosa i ntenção
de quem o pretenda, ingenuamente ou não --- se a p reten de
inviabilizar como empresa que integra o patrimônio nacional.

20. Insisto em que a ADI, ela sim, investe contra o


o
disposto no artigo 3 da Constituição do Brasil.

Pois é certo que, a acatar-se a linha de


raciocínio nela eleito, isolado da práxis, tomando-se os
textos destacadamente do todo no qual se compõem, a acatar-
se essa linha de raciocínio a Petrobras já teria sido, desde
1.988, desmilingüida.

Demonstro-o.

Dizia o § 1 o do art igo 177 da Constitui ção de 5 de


outubro de 1.988, em sua redação de então:

³†  o . O monopólio previsto neste artigo


inclui os riscos e resultados decorrentes das

24

FGV DIREITO RIO 213


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

atividades nele mencionadas, sendo vedado à


União ceder ou conceder qualquer tipo de
participação, em espécie ou em valor, na
exploração de jazidas de petróleo ou gás
natural, ressalvado o disposto no art. 20, §
1 o ´

Aí se encontravam dois distintos comandos:

[i] o monopólio inclui os riscos e resultados


decorrentes das atividades; e

[ii] é vedado à União ceder ou conceder qualquer


tipo de participação, em espécie ou em valor, na
exploração de jazidas de petróleo ou gás natural,
ressalvado o disposto no § 1 o do artigo 20.

Uma das interpretações possíveis desse parágrafo


conduziria às seguintes conclusões:

[a] o primeiro comando aplicava-se a todas as


atividades discriminadas no caput do artigo 177; o
segundo, apenas às atividades de exploração de
jazidas de petróleo ou gás natural --- ressa lvad o
o disposto no § 1 o do artigo 20;

[b] a Lei n. 2.004/53 não teria sido recebida pela


Constituição, dado que os riscos e resultados das
atividades de exploração de jazidas de petróleo ou
gás natural --- bem assim das demais, incisos II a

25

FGV DIREITO RIO 214


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

IV do artigo 177 --- sendo exclusivo s da União,


não poderiam mais ser atribuídos à Petrobras;

[c] ademais, ainda que perseverasse a empreendê -


las, a Petrobras não poderia participar, em
espécie ou em valor, dos resultados da exploração
de jazidas de petróleo ou gás natural.

Ao aniquilamento da Petrobras --- ao qu al leva ria


a procedência da presente ADI --- já se teria chegado se
esse tipo de interpretação do texto do § 1 o do artigo 177 da
Constituição de 5 de outubro de 1.988, em sua redação de
então, fosse consagrado.

As conclusões não são, porém, corretas, seja


porque não se interpreta a Constituição em tiras, aos
pedaços 26, seja porque --- com o venho insis tindo --- a sua
interpretação não é para ser procedida à margem da
realidade.

A norma que se extrai da redação originária do §


1 o do a rtigo 177 d a Cons titui ção de 1.988, no s eu tod o e em
especial considerando-se o disposto no parágrafo único do
DUWLJR  GR $'&7 >³Ficam ressalvados da vedação do art.
177, § 1o, os contratos de risco feitos com a Petróleo
Brasileiro S.A. (Petrobras), para pesquisa de petr óleo, qu e
estejam em vigor na data da promulgação da Constituição´@ p
D VHJXLQWH ³6mR GD 8QLmR RX GH HPSUHVD VRE VHX FRQWUROH

26
Vide meus Ensaio e disc urso s obre a int erpret ação/a plicaç ão d o
direito, 2 a ediç ão, M alheir os E dit ores, S ão Pa ulo, 2.003 , pág s. 4 0 e
121-2 e A ordem ec onômic a na Cons tituição de 1 988 , cit. , 2.004, p á g.
150. 

26

FGV DIREITO RIO 215


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

acionário, os riscos e resultados decorrentes da exploração


de jazidas de petróleo ou gás natural, sendo vedado à União,
diretamente ou através de empresa sob seu controle
acionário, ceder ou conceder qualquer tipo de participação,
em espécie ou valor, nessa exploração, ressalvado o disposto
no art. 20, § 1 o ´ 27.

O que, de todo modo, ora importa considerarmos é a


redação assumida pelo § 1 o do artigo 177 da C onstit uição n os
termos da EC 9/95, em face do qual tenho como inquestionável
a constitucionalidade do artigo 26, caput, da Lei n.
9.478/97.

21. Um outro aspecto, como que voltando a minhas


observações iniciais, desejo ainda ferir.

É que nas democracias, estruturadas também --- mas


não exclusivamente --- sobre o princípio da inte rdepen dênc ia
e harmonia entre os poderes, cabe ao Judiciário controlar a
constitucionalidade dos atos e procedimentos do Executivo,
na implementação de suas políticas públicas. Incumbe-lhe
rechaçar a implementação de opções políticas, pelo
Executivo, que não sejam plenamente adequadas ao todo
orgânico que a Constituição é. Mas não compete ao Poder
Judiciário substituir essas opções por outras, quando não
afrontem, como ocorre no caso presente, a Constituição. Esta
Corte está a serviço da Constituição, para afirmar a sua
força normativa, não se prestando a fazer praça de verdades
proclamadas por quantos se atribuam, sem que tenham recebido

27
Vide Carlos E duardo B ulhões P e dreira, Mo nopóli o ± Gás, in RT D P
10:154 e ss. 

27

FGV DIREITO RIO 216


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

mandato popular para tanto, a faculdade de, com ar de


certeza, proclamá-las.

22. Alcançado este ponto, vou sucintamente ao exame


dos demais preceitos atacados --- § 3 o do art. 26; incisos I
e III do artigo 28; parágrafo único do artigo 43; parágrafo
único do artigo 51; e artigo 60, caput .

23. Quanto ao § 3o do artigo 26, ser ia


inconstitucional por traduzir conduta negativa da
Administração [aprovação tácita dos planos e projetos de
desenvolvimento e produção do bloco que couber ao
concessionário se a ANP não se manifestar em cento e oitenta
dias].

A lei dá regulação, neste ponto, ao chamado


silêncio da Administração. Aqui se trata de matéria de lei,
ordenação no plano da infraconstitucionalidade, sem ofensa
direta à Constituição.

24. Em relação aos demais preceitos questionados, são


próprios às contratações de que se cuida, admitidas
o
expressamente no § 2 do ar tigo 17 7. Nã o vis ualizo , aq ui
também, ofensa à Constituição.

25. O artigo 60, caput respei ta à possibilida de da


exportação do produto, que, como anotei linhas acima, é
administrada pela União.

Repito: veja-se o artigo 60 da lei questionada na


presente ADI, observando-se que, para exportar, exige -se

28

FGV DIREITO RIO 217


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

seja atendido o disposto no artigo 4o da Le i n. 8. 176/91 ,


observadas as políticas aprovadas pelo Presidente da
República, propostas pelo Conselho Nacional de Política
Energética - CNPE.

A leitura isolada do preceito é falaciosa, dando


lugar a questionamento que o conhecimento da totalidade do
regime estabelecido pela lei prontamente espanca. Permissa
venia, vou repetir: o direito não pode ser interpretado em
tiras, aos pedaços, senão no seu todo.

De resto, a ANP é uma autarquia, pouco importando


VHMD FKDPDGD GH ³DJrQFLD´ &RPR DXWDUTXLD FRPS}H-se na
unidade estrutural e sistemática 28 que a Administr ação é, sob
a direção superior do Presidente da República, nos termos do
artigo 84, II, da Constituição do Brasil. A ANP não pode
ser, e efetivamente não é, senão uma autarquia.

Nenhuma inconstitucionalidade, portanto, no


preceito.

Sendo assim, julgo improcedente a ADI n. 3273 e,


em conseqüência, a ADI n. 3366.

28
Dicção de E DUARDO GARCI A DE ENTER RIA e T OMAS -R AMON FERNAN DES, C urso
de Derecho Admi nistra tivo , 4ª ed., v. I, Madrid, Civitas , 1.983, pá g.
34. 

29

FGV DIREITO RIO 218


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ANEXO IV
Despacho do Consultor-Geral da União nº 438/2006

PROCESSO Nº 50000.029371/2004-83

PROCEDÊNCIA: Ministério dos Transportes - MT

INTERESSADO: Tecon Salvador S/A

ASSUNTO: Porto de Salvador. Operadores portuários. Cobrança de taxa


(THC2) pela entrega de contêineres aos demais recintos alfandegados.

Senhor Advogado-Geral da União,

1.A questão trazida à apreciação, como bem mostrado pelo Parecer


AGU/MS-04/2006 que ora submeto à consideração de Vossa Excelência está
estreitamente relacionada com a adequada compreensão do regime jurídico
legal de regulação.

Com efeito, desde que a Constituição estabeleceu caber privativamente


ao Presidente da República o exercício do poder regulamentar, tem-se como
certo que lhe cabe, em qualquer circunstância, determinar as medidas
correspondentes. É claro que essa prerrogativa não exclui o próprio poder
regulador da lei até mesmo porque a atuação da administração fica sempre
sujeita ao princípio da legalidade.

Ocorre que, a despeito disso, é inegável o poder de avocação


presidencial em decorrência dessa privatividade de regular, o que implica
assentar a verdade lógica de que não há exceção à essa eminência, a qual, de
resto, é também derivação natural do regime presidencialista adotado pela
Constituição.

Daí resulta perfeitamente compreensível que em relação à


administração direta ou indireta do poder executivo todas as instituições estão
vinculadas à lei e as determinações regulamentares do Presidente da
República, estas as quais resultam por sua vez precisamente do exercício do
poder de definir as prioridades e discrição de sua administração auxiliada pelos
Ministros de Estado. Em resumo, Presidente da República através de seus
Ministros, exercendo a administração pública superior, estão limitados apenas
pela Constituição e pelas leis, em cujos limites, por isso, exercem também a
supervisão e controle dos órgãos intermediários e inferiores da administração.

Em outros termos, a adequada compreensão como acima mencionada


se fixa pela exata inteligência constitucional que exclui nichos de autonomia
absoluta no interior da administração e pela necessária atenção ao sistema
constitucional de regulação. Nesse quadro é que se deve desenvolver a
discussão ora descrita no parecer em causa.

Assim, a questão não é a quantidade de autonomia destinada pela lei às


agências reguladoras senão a intensidade da supervisão que lhes pode votar a
administração direta dos Ministérios. Nesse sentido, a argumentação do

FGV DIREITO RIO 219


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

parecer referido é precisa ao definir as bordas da "autonomia" reguladora


titulada por elas nos limites de suas precípuas finalidades legais e na
escrupulosa sintonia com as políticas públicas a cargo dos ministérios. A rigor,
uma e outra têm sede legal ou constitucional, daí porque em verdade a
controvérsia não se situa no reconhecimento da autonomia ou não, mas na
compreensão da vontade legal-constitucional relacionada com a atividade de
cada uma delas.

Nessa linha de compreensão, as ações e atividades das agências


reguladoras, embora submetidas ao mesmo regime de supervisão, só
desfrutam dessa pretendida autonomia na medida em que desempenhem seus
encargos ou poderes no limite da competência legal, situação em que a
supervisão ministerial fica inversamente mitigada, o que, de resto, é comum a
todas as entidades da administração indireta. Assim, o pressuposto necessário
da premissa é a existência incondicional da supervisão ministerial como traço
essencial do regime presidencialista vigente - que, aliás, repita-se, não é mera
aplicação das regras do Decreto-Lei n° 200/1967, mas reconhecimento da
aplicação sistemática das prerrogativas constitucionais de regulação privativas
do Presidente da República - e então a aferição da autonomia das agências e
de suas condutas além de diretamente vinculadas às suas finalidades
institucionais se mede principalmente pela adequada compatibilização com as
políticas públicas adotadas pelo Presidente a República e os Ministérios que o
auxiliam.

Pelas mesmas razões, o cabimento do recurso hierárquico impróprio não


encontra objeções já que inexiste área administrativa imune à supervisão
ministerial, reduzindo-se, contudo, o âmbito de seu cabimento, de modo
idêntico, na mesma razão inversa da obediência às políticas de iniciativa do
Ministério supervisor.

Em suma, não há suficiente autonomia para as agências que lhes possa


permitir ladear, mesmo dentro da lei, as políticas e orientações da
administração superior, visto que a autonomia de que dispõem serve
justamente para a precípua atenção aos objetivos públicos. Não é outra,
portanto, a conclusão com respeito à supervisão ministerial que se há de
exercer sempre pela autoridade ministerial competente, reduzindo-se, no
entanto, à medida que, nos limites da lei, se atendam às políticas públicas
legitimamente formuladas pelos Ministérios setoriais. Por isso, se afirma que a
autonomia existe apenas para o perfeito cumprimento de suas finalidades
legais.

Nesses termos, encaminho a manifestação referida ao exame de Vossa


Excelência, sugerindo a aprovação e propondo ainda submeter-se o caso à
arbitragem presidencial na forma legal.

À consideração.

Brasília, 5 de junho de 2006.


MANOEL LAURO VOLKMER DE CASTILHO
Consultor-Geral da União

FGV DIREITO RIO 220


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

PARECER N. AGU/MS 04/2006

ASSUNTO: Porto de Salvador. Operadores portuários. Cobrança de taxa


(THC2) pela entrega de contêineres aos demais recintos alfandegados.
Decisão da ANTAQ pela ocorrência de indícios de exploração abusiva de
posição dominante no mercado pelos operadores portuários e determinação de
remessa da questão ao CADE. Recurso hierárquico contra a decisão da
Agência Reguladora rigido ao Ministério dos Transportes. Conhecimento e
provimento do recurso pelo Ministério supervisor. Revisão da decisão da
Agência. Definição acerca dos instrumentos da supervisão ministerial e da
possibilidade de provimento de recurso hierárquico impróprio contra as
decisões das agências reguladoras. Consultorias Jurídicas. Coordenação dos
órgãos jurídicos das respectivas entidades vinculadas. Pareceres aprovados
pelo Ministro de Estado. Vinculação dessas entidades. Definição acerca da
extensão dessa coordenação e vinculação. Atribuições dos titulares do cargo
de Procurador Federal.

EMENTA: PORTO DE SALVADOR. THC2. DECISÃO DA


ANTAQ. AGÊNCIA REGULADORA. CONHECIMENTO E
PROVIMENTO DE RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO
PELO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. SUPERVISÃO
MINISTERIAL. INSTRUMENTOS. REVISÃO ADMINISTRATIVA.
LIMIT AÇÕES.

I - "O Presidente da República, por motivo relevante de interêsse


público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da
Administração Federal" (DL nº 200/67, art. 170).

II - Estão sujeitas à revisão ministerial, de ofício ou por


provocação dos interessados, inclusive pela apresentação de
recurso hierárquico impróprio, as decisões das agências
reguladoras referentes às suas atividades administrativas ou que
ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas
em lei ou regulamento, ou, ainda, violem as políticas públicas
definidas para o setor regulado pela Administração direta.

III - Excepcionalmente, por ausente o instrumento da revisão


administrativa ministerial, não pode ser provido recurso
hierárquico impróprio dirigido aos Ministérios supervisores contra
as decisões das agências reguladoras adotadas finalisticamente
no estrito âmbito de suas competências regulatórias previstas em
lei e que estejam adequadas às políticas públicas definidas para o
setor.

IV - No caso em análise, a decisão adotada pela ANTAQ deve ser


mantida, porque afeta à sua área de competência finalística,
sendo incabível, no presente caso, o provimento de recurso
hierárquico impróprio para a revisão da decisão da Agência pelo
Ministério dos Transportes, restando sem efeito a aprovação
ministerial do Parecer CONJUR/MT nº 244/2005.

FGV DIREITO RIO 221


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

V - A coordenação das Procuradorias Federais junto às agências


reguladoras pelas Consultorias Jurídicas dos Ministérios não se
estende às decisões adotadas por essas entidades da
Administração indireta quando referentes às competências
regulatórias desses entes especificadas em lei, porque, para
tanto, decorreria do poder de revisão ministerial, o qual, se
excepcionalmente ausente nas circunstâncias esclarecidas
precedentemente, afasta também as competências das
Consultorias Jurídicas. O mesmo ocorre em relação à vinculação
das agências reguladoras aos pareceres ministeriais, não estando
elas obrigadas a rever suas decisões para lhes dar cumprimento,
de forma também excepcional, desde que nesse mesmo âmbito
de sua atuação regulatória.

VI Havendo disputa entre os Ministérios e as agências


reguladoras quanto à fixação de suas competências, ou mesmo
divergência de atribuições entre uma agência reguladora e outra
entidade da Administração indireta, a questão deve ser submetida
à Advocacia-Geral da União.

VII - As orientações normativas da AGU vinculam as agências


reguladoras.

VIII - As agências reguladoras devem adotar todas as


providências para que, à exceção dos casos previstos em lei,
nenhum agente que não integre a carreira de Procurador Federal
exerça quer das atribuições previstas no artigo 37 da MP nº
2.22943/2001.

Senhor Consultor-Geral da União,

1.A Agência Nacional de Transportes Aquaviários ANTAQ, no processo


nº 50300.000022/02, decidiu, pelo voto da maioria de seus Diretores, que a
cobrança de taxa efetuada pelos operadores portuários sobre a movimentação
e entrega de contêineres destinados a outros recintos alfandegados no Porto
de Salvador, conhecida como THC ( terminal handling charge) 2, constitui
indício de exploração abusiva de posição dominante no mercado por parte
desses operadores portuários, motivo pelo qual remeteu o caso à análise do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. Fundamentou essa
decisão da ANTAQ a conclusão de que, "embora existam custos adicionais na
movimentação de cargas destinadas a outros recintos alfandegados, o serviço
prestado está totalmente abrangido pelo conceito do serviço de movimentação
de containers consagrado no contrato de arrendamento, não estando pois
configurada a existência de serviços adicionais".

2.A empresa TECON Salvador S/A apresentou recurso administrativo


contra a citada decisão, tendo a ANTAQ, à unanimidade, conhecido do pedido
de reconsideração, mas, no mérito, negado provimento ao mesmo.

FGV DIREITO RIO 222


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.Em seguida, a mesma empresa interpôs recurso hierárquico junto à


ANTAQ, para que a Agência o encaminhasse à apreciação do Senhor Ministro
de Estado dos Transportes . Contudo, a ANTAQ determinou o arquivamento
desse recurso pelo seguinte fundamento:

"Apreciada a matéria pelo ilustre Procurador-Geral, foi emitido o


Parecer de fls. 429 a 432, concluindo pelo não encaminhamento
do recurso ao Senhor Ministro dos Transportes, cujos itens 9 e 10
do citado Parecer transcrevo a seguir:

'9. Urge afirmar, deste modo, que as decisões da Diretoria da


ANTAQ não estão sujeitas a recurso administrativo hierárquico
para qualquer outro órgão ou autoridade da Administração Direta,
com ressalva tão-somente para o controle judicial feito pelo Poder
Judiciário, em caso de ilegalidade, e o pedido de reconsideração
preconizado no § 3º do art. 68 da Lei nº 10.233, de 2001,
hipóteses não presentes no caso em exame.

10. Assim exposto , à falta de pressupostos legais à


admissibilidade do Recurso Administrativo hierárquico interposto
às fls. 370/427, manifesta-se esta Procuradoria-Geral pelo não
encaminhamento do recurso ao Senhor Ministro dos Transportes
e, de conseqüência, pelo arquivamento do Processo.'"

4.Dirigindo então o referido recurso hierárquico diretamente ao Senhor


Ministro de Estado dos Transportes, a empresa TECON Salvador S/A,
preliminarmente, sustentou o cabimento desse recurso hierárquico e a
subordinação das autarquias, inclusive da ANTAQ, aos seus respectivos
ministérios supervisores, no caso, o Ministério dos Transportes . Para tanto,
mencionou a recorrente os seguintes dispositivos legais:

Constituição

Art. 5º. XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do


pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos


ou contra ilegalidade ou abuso de poder; (...);

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o


devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos


acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...).

Lei nº 10.233/2001

Art. 21. Ficam instituídas a Agência Nacional de Transportes


Terrestres - ANTT e a Agência Nacional de Transportes

FGV DIREITO RIO 223


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Aquaviários - ANTAQ, entidades integrantes da Administração


Federal indireta, submetidas ao regime autárquico especial e
vinculadas ao Ministério dos Transportes, nos termos desta Lei.

§ 2o O regime autárquico especial conferido à ANTT e à ANTAQ


é caracterizado pela independência administrativa, autonomia
financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes.

Art. 68. § 3o Qualquer pessoa, desde que seja parte interessada,


terá o direito de peticionar ou de recorrer contra atos das
Agências, no prazo máximo de trinta dias da sua oficialização,
observado o disposto em regulamento.

Decreto-Lei nº 200/67

Art . 19. Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta


ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado
competente, excetuados unicamente os órgãos mencionados no
art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente
da República.

Resolução ANTAQ nº 124/2003

Art. 11 O processo administrativo regula-se pela Lei nº 10.233, de


2001, por esta Norma e pela legislação que disciplina o processo
administrativo na Administração Pública Federal, e observará os
princípios da legalidade e da impessoalidade, assegurados a
ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal,
respeitado o interesse público e dos usuários.

Lei n° 9.784/99

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos


princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão


observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

(...)

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que


determinarem a decisão;

(...)

FGV DIREITO RIO 224


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

X garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de


alegações finais, à produção de provas e à interposição de
recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas
situações de litígio;

(...)

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor


garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada
aplicação retroativa de nova interpretação.

Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não


houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a
outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam
hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em
razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica,
jurídica ou territorial.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à


delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos
presidentes.

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:

I - a edição de atos de caráter normativo;

II - a decisão de recursos administrativos;

III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de


razões de legalidade e de mérito.

§ 1o O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a


qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o
encaminhará à autoridade superior.

Art. 57. O recurso administrativo tramitará no máximo por três


instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa.

5.No mérito, conforme sintetizado pela própria recorrente, alegava-se no


citado recurso hierárquico, topicamente:

"I - Existe decisão judicial sobre a matéria objeto do julgamento da


ANTAQ, reconhecendo a legalidade da cobrança questionada no
processo administrativo. A decisão da ANTAQ constitui evidente e
grave desrespeito ao princípio da separação dos poderes, bem
como às decisões judiciais. Ofensa à coisa julgada (art. 5º,
XXXVI) e à primazia da jurisdição (art. 5º, XXXV).

FGV DIREITO RIO 225


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

II - Não existe infração à ordem econômica e justa causa para a


remessa do processo ao CADE, diante da legalidade da atuação
do recorrente.

III - Existe manifestação da ANTAQ em juízo propugnando pela


incompetência da Agência para administrar/fiscalizar o contrato de
arrendamento da recorrente. Impossibilidade do exercício pela
ANTAQ de competência para a qual se declarou incompetente.

IV - Há nulidade do processo administrativo por cerceamento de


defesa, por violação ao artigo 78-C da Lei 10.233/2001, artigo 2º,
caput e par. único, incisos V, VIII, X e XIII, 38, 41 e 44 da Lei nº
9.784/99 e artigo 5º, incisos LIV e LV da Magna Carta.

V Nulidade do acórdão recorrido em virtude de vício


procedimental.

VI - É legítima a cobrança do serviço de segregação. Contrato de


arrendamento TECON/CODEBA. Definição de competências:
ANTAQxCODEBA.

VII - A cobrança questionada é compatível com o princípio da livre


concorrência Majoração do serviço de segregação de carga
Juridicidade.

VIII - Existem outros contratos de arrendamento dos terminais de


Vitória e Rio de Janeiro - Redação idêntica ao do TECON -
Salvador - Cláusula 24."

6.Esse recurso hierárquico foi então analisado pela Consultoria Jurídica


do Ministério dos Transportes através do PARECER CONJUR/MT nº 244/2005.
Quanto à preliminar de cabimento do recurso hierárquico, pronunciou-se a
CONJUR/MT nos seguintes termos:

"59.Com efeito, antes de adentrar no mérito da questão


relacionada com a legitimidade da cobrança dos serviços de
segregação de contêineres destinados a outros recintos
alfandegados, cumpre-me opinar a respeito da admissibilidade ou
não do recurso interposto pela interessada.

60.Nesse trilhar, cabe novamente enfatizar que a ANTAQ sob a


alegativa de que inexistia na Lei nº 10.233, de 5 de junho de
2001, qualquer previsão de admissão de recurso hierárquico
impróprio ao Exmo. Senhor Ministro de Estado dos Transportes
contra decisão proferida pela Diretoria daquela Autarquia,
embasando o seu posicionamento nos magistérios de Alexandre
Santos de Aragão e de Lélia Cuellar, indeferiu o pleito da
recorrente, restringindo a possibilidade da matéria ser submetida
ao Titular da Pasta dos T ransportes.

FGV DIREITO RIO 226


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

(...)

63.Como notório, a ANTAQ é uma autarquia federal, pessoa


jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de
autoadministração, para o desempenho de serviço público
descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos
limites da lei, tando-se, portanto, à supervisão ministerial, de vez
que está vinculada ao Ministério dos Transportes, ex vi do art. 21
da Lei nº 10.233, de 2001.

64.A criação por lei é exigência que vem desde o Decreto-Lei nº


6.016, de 1943, repetindo-se no Decreto-Lei nº 200/67 e
constando do art. 37, XIX, da Constituição Federal.

65.Detêm esses entes jurídicos autonomia gerencial,


orçamentária e financeira (§ 8º do art. 37 da C.F.), mas está sob
controle administrativo ou tutela, indispensável para assegurar
que a autarquia não se desvie de seus fins institucionais.

66.Dentro da ótica do controle administrativo, compete ao Ministro


de Estado exercer a orientação, coordenação e supervisão dos
órgãos e entidades da administração federal na área de sua
competência, expedindo as competentes instruções para a
execução das leis, decretos e regulamentos (incisos I e II do
parágrafo único do art. 87 da C.F.).

67.Nesse sentido, a vinculação das entidades da Administração


Indireta aos Ministérios traduz-se pela supervisão ministerial, que
tem por objetivos principais a verificação dos resultados, a
harmonização de suas atividades com a política e a programação
do Governo, a eficiência de sua gestão e a manutenção de sua
autonomia administrativa, operacional e financeira, através dos
meios de controle enumerados na lei (art. 26, parágrafo único, do
Decreto-Lei nº 200/67 e o art. 29 da Lei nº 8.490/92).

68.Dessa maneira, o controle das atividades administrativas no


âmbito interno da Administração é, ao lado do comando, da
coordenação e da correção, um dos meios pelos quais se exercita
o poder hierárquico. Assim, o órgão superior controla o inferior,
fiscalizando o cumprimento da lei e das instruções e a execução
de suas atribuições, bem como os atos e o rendimento de cada
servidor, motivo pelo qual o art. 20 do Decreto-Lei nº 200/67 é
cristalino no sentido de que "o Ministro de Estado é o
responsável, perante o Presidente da República, pela supervisão
dos órgãos da Administração Federal enquadrados em sua área
de competência", e que a aludida supervisão ministerial exercer-
se-á através da orientação, coordenação e controle dos atos
vinculados, podendo, inclusive, afigurar-se até uma drástica
intervenção na entidade vinculada (alínea "i" do art. 26 do D.L.

FGV DIREITO RIO 227


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

200/67) no caso do descumprimento dos objetivos legais para a


qual foi criada.

69.Em assim sendo, a supervisão ministerial visa precipuamente


a assegurar a realização dos objetivos estabelecidos nos atos de
constituição da entidade, a harmonização de sua atuação com a
política e a programação governamentais e a eficiência de sua
gestão.

70.Sobre o tema relativo ao recurso hierárquico impróprio, em que


a parte o dirige a autoridade ou órgão estranho à repartição que
expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora
expressa, nunca é demais lembrar que o próprio Decreto-Lei nº
200/67, no art. 170, atribuiu competência expressa ao
Excelentíssimo Presidente da República para avocar e decidir
qualquer assunto na esfera da Administração Federal.

71.A doutrina dominante ao abordar o assunto em debate foi


enfática ao lecionar que vão se tomando comuns esses recursos
na instância final, em que a autoridade julgadora é o titular do
Ministério, principalmente atendo-se ao fato de que "são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o
direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder" (art. 5º, XXXIV, "a" da
C.F.), e tendo em vista que o Ministro de Estado é o supervisor de
todos os órgãos e entidades vinculadas.

72.Desse modo, peço vênia para dissentir do entendimento


posado pela douta Procuradoria-Geral Federal da ANTAQ pelas
razões antes declinadas, lembrando, inclusive, que às
Consultorias Jurídicas compete exercer a coordenação dos
órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades
vinculadas (art. 11, inciso II da Lei Complementar nº 73/93), razão
pela qual propugno pelo recebimento do presente recurso nos
seus regulares efeitos."

7.Por sua vez, acerca do mérito do recurso hierárquico, assim concluiu o


mesmo PARECER CONJUR/MT nº 244/2005:

"110.Diante de todo o exposto, tenho em conclusão que os


serviços de segregação e entrega de contêineres pelos
operadores portuários aos recintos alfandegados geram custos
adicionais não cobertos pela THC do armador, sendo sua
cobrança pela recorrente legítima, em face da previsão contratual
inserta no inciso XVII da Cláusula 24ª do Contrato de
Arrendamento, celebrado entre Tecon Salvador S.A. e a
CODEBA, consoante inclusive posição da autoridade portuária, da
ANTAQ no processo do Porto de Santos, e do Poder Judiciário do
Estado da Bahia, e das decisões judiciais que ampararam a

FGV DIREITO RIO 228


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

cobrança da CODESP quando ainda atuava como operadora


portuária."

8.O parecer da CONJUR/MT foi então aprovado, nos termos da Lei


Complementar nº 73/93, pelo Senhor Ministro de Estado dos Transportes, que
determinou que dele se desse ciência à recorrente e à ANTAQ.

9.Tomando conhecimento do PARECER CONJUR/MT nº 244/2005,


aprovado pelo Senhor Ministro de Estado dos T ransportes, a Procuradoria
Federal junto à ANTAQ proferiu o P ARECERPRG-ANTAQ/Nº 149/2005-JRLO,
da lavra do Assessor José Ribamar Leite de Oliveira, não integrante da carreira
de Procurador Federal, e aprovado pelo Senhor Procurador-Geral da Agência,
com a seguinte ementa:

"EMENTA: Provimento de Recurso Administrativo hierárquico


interposto por Tecon Salvador S/A perante o Sr. Ministro dos T
ransportes contra decisão da Diretoria da ANTAQ.

Decisão que invade competência privativa da ANTAQ e atenta


contra o princípio da legalidade, tendo em vista que a legislação
de regência não prevê a admissão de recurso administrativo
hierárquico impróprio das decisões da Diretoria Colegiada das
Agências Reguladoras Independentes.

Incompetência de autoridades do Ministério dos Transportes para


rever ou corrigir decisão proferida pela ANTAQ no exercício de
suas atribuições institucionais.

A solução do impasse passa pela declaração de nulidade do


Despacho Ministerial que aprovou matéria cuja competência
material não lhe foi outorgada pelo sistema legal vigente, sob
pena de quebra do poder normativo e da independência conferida
à ANTAQ pela sua lei de criação."

10.Lastreado nesse parecer e apreciando novamente a questão em


razão da decisão do Ministério dos Transportes e de novo recurso apresentado
pela empresa interessada, a Diretoria da ANTAQ proferiu o seguinte Acórdão:

"Acórdão:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos,... os Diretores


da Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ, tendo
em vista a ) que, a decisão ministerial invade a competência
privativa da ANTAQ e atenta contra o princípio da legalidade,
tendo em vista que a legislação de regência não prevê a
admissão de recurso administrativo hierárquico impróprio das
decisões da Diretoria Colegiada das Agências Reguladoras,
considerando não competentes as autoridades do Ministério dos
Transportes para rever ou corrigir decisão proferida pela ANTAQ
no exercício de suas atribuições institucionais; b ) que,

FGV DIREITO RIO 229


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

relativamente à tramitação do assunto na 9ª Vara da Justiça


Federal em Salvador, que determinou, em medida cautelar, que a
TECON SALVADOR S/A se abstenha de exigir o pagamento da
intitulada taxa de segregação de contêineres ou de qualquer outra
a esse mesmo título, ao proceder a entrega à requerente das
cargas destinadas à armazenagem no seu recinto alfandegado, o
que ratifica a posição desta Agência com relação à cobrança da
referida taxa e na unânime decisão do CADE sobre a matéria,
ACORDAM por voto de qualidade do Diretor-Geral, vencido o
Diretor-Relator, conforme o que consta do art. 15 do Regimento
Interno, em: conhecer do pedido de REVISÃO da TECON
Salvador S/A e, no mérito, negar-lhe provimento..."

11.Diante desse impasse, a Consultoria Jurídica do Ministério dos


Transportes proferiu nova manifestação, consubstanciada no PARECER
CONJUR/MT nº 81/2006, assim ementada:

"Controvérsia entre órgãos jurídicos da Administração Federal


acerca da admissibilidade de recurso hierárquico dirigido para o
Ministro de Estado dos Transportes em face de Agência
Reguladora, tendo como objeto cabimento de supervisão
ministerial sobre Agências Reguladoras, vinculação das
Procuradorias Jurídicas das Agências Reguladoras às
Consultorias Jurídicas dos Ministérios e sobre cobrança do preço
público THC2 em contratos de arrendamento portuário.
Competência do Advogado-Geral da União para dirimir tais
controvérsias. Inteligência do art. 4º, XI da Lei Complementar nº
73, de 10 de fevereiro de 1993."

12.Ao aprovar esse novo parecer, a Senhora Consultora Jurídica do


Ministério dos Transportes proferiu o Despacho nº 200/2006/CONJUR/MT,
assim concluindo:

"De todo o exposto, aprovo o Parecer CONJUR/MT nº 81/2006,


para submeter as questões levantadas ao Exmo. Advogado-Geral
da União, para a devida apreciação, no exercício da competência
firmada pelo art. 4º, XI, da Lei Complementar nº 73, de 10 de
fevereiro de 1993, em especial para dirimir as questões referentes
aos seguintes pontos: supervisão ministerial sobre as Agências
Reguladoras, nos termos da legislação aplicável; admissibilidade
de recurso das decisões das Agências Reguladoras, vinculadas a
este Ministério; alcance do art. 42 da Lei Complementar nº 73, de
10 de fevereiro de 1993 sobre as Agências Reguladoras
vinculadas a este Ministério, bem como as Procuradorias Federais
Especializadas vinculadas a esta Consultoria Jurídica;
coordenação e supervisão da Consultoria Jurídica deste Ministério
sobre as Procuradorias Federais Especializadas e os demais
órgãos jurídicos dos entes vinculados ao Ministério dos
Transportes; possibilidade de responsabilização pela conduta dos
agentes vinculados à ANTAQ (Assessor Jurídico, Procurador-

FGV DIREITO RIO 230


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Geral e Diretor-Geral), por inobservância da supervisão ministerial


e de preceitos e procedimentos legais aplicáveis à espécie;
possibilidade de usurpação de competência por exercício das
atribuições do cargo de Procurador Federal por pessoa estranha à
carreira e arredada dos permissivos legais, bem como a validade
de parecer emitido por agente nessa condição; e, por fim,
apreciação acerca da questão da segregação e entrega de
contêineres movimentados através da interessada para os
recintos alfandegados por implicar em custos adicionais para o
operador portuário, nos termos dos incisos XIV e XVII da Cláusula
Vigésima Quarta do Contrato de Arrendamento nº 012/2000,
atinente aos direitos e obrigações da arrendatária, celebrado entre
a CODEBA e a interessada."

13.Como relatado até aqui, há no presente processo uma divergência


entre o Ministério dos Transportes e a ANTAQ acerca da cobrança pelos
operadores portuários do Porto de Salvador de taxa de segregação dos
contêineres destinados aos demais recintos alfandegados, também conhecida
como THC2. No entanto, existe no caso uma questão preliminar a ser
enfrentada, atinente à própria definição das competências das duas
instituições, tendo em vista a decisão do Ministério que conheceu e proveu
recurso hierárquico impróprio contra ato da Agência: a extensão da supervisão
do Ministério dos Transportes sobre a ANTAQ, autarquia a ele vinculada.

14.Por certo, a natureza jurídica das entidades envolvidas nessa


controvérsia, uma agência reguladora, dotada de certa autonomia
decisória, e seu respectivo ministério supervisor, indica que a solução
dessa questão preliminar extrapola os limites do conflito sob apreciação,
porque alcança todo um modelo de regulação da atividade econômica
instituído a partir da criação dessas agências, e não apenas a relação
entre o Ministério dos Transportes e a ANTAQ . Por isso, passa-se em
seguida à análise do instituto da supervisão ministerial sobre as agências
reguladoras em geral.

SUPERVISÃO MINISTERIAL E AUTONOMIA DECISÓRIA DAS AGÊNCIAS


REGULADORAS

15.Desde 1996 foram criadas as seguintes agências reguladoras


federais: Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL (Lei nº 9.427/96),
Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL (Lei nº 9.472/97), Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP (Lei nº 9.478/97),
Agência Nacional de Vi gilância Sanitária - ANVISA (Lei nº 9.782/99), Agência
Nacional de Saúde Suplementar - ANS (Lei nº 9.961/2000), Agência Nacional
de Águas - ANA (Lei nº 9.984/2000), Agência Nacional de Transportes
Terrestres - ANTT (Lei nº 10.233/2001), Agência Nacional de T ransportes
Aquaviários - ANTAQ (Lei nº 10.233/2001), Agência Nacional do Cinema -
ANCINE (MP nº 2.228-1/2001) e Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC
(Lei nº 11.182/2005).

FGV DIREITO RIO 231


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

16.Cada uma dessas agências reguladoras foi constituída pela sua


respectiva lei acima citada como uma "autarquia sob re gime especial", ou,
em outras palavras, possui um "regime autárquico especial". Assim, ainda
que sob regime especial, essas entidades são, em sua essência, autarquias,
motivo pelo qual é necessário conceituar-se, inicialmente, as autarquias, para,
em seguida, anotar-se qual a especialidade que as agências reguladoras
possuem em relação àquele gênero.

17.As autarquias integram a Administração Pública indireta , e, como


tal, no âmbito federal, segundo a lição do Professor Hely Lopes Meirelles, são "
pessoas jurídicas diversas da União, públicas..., vinculadas a um
Ministério, mas administrativa e financeiramente autônomas ", possuindo
as seguintes características: " criação por lei específica, personalidade
jurídica e patrimônio próprio ". Em outros termos, uma autarquia, " pessoa
jurídica de Direito Público, realiza um serviço destacado da
Administração direta, exercendo, assim, atividades típicas da
Administração Pública " ( Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 1996,
pp. 636637). Esse conceito espelha o que contém o Decreto-Lei nº 200/67:

Decreto-Lei nº 200/67

Art. 4° A Administração Federal compreende:

(...)

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes


categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica
própria:

a) Autarquias; (...).

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração


Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência
estiver enquadrada sua principal atividade. (Renumerado pela Lei
nº 7.596/87)

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com


personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para
executar atividades típicas da Administração Pública, que
requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa
e financeira descentralizada.

Art. 19. Todo e qualquer órgão da Administração Federal,


direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado
competente...

Art. 20. O Ministro de Estado é responsável, perante o


Presidente da República, pela supervisão dos órgãos da

FGV DIREITO RIO 232


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Administração Federal enquadrados em sua área de


competência.

Parágrafo único. A supervisão ministerial exercer-se-á através da


orientação, coordenação e contrôle das atividades dos órgãos
subordinados ou vinculados ao Ministério, nos têrmos desta lei.

Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão


ministerial visará a assegurar, essencialmente:

I - A realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da


entidade.

II - A harmonia com a política e a programação do Govêrno no


setor de atuação da entidade.

III - A eficiência administrativa.

IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da


entidade.

Parágrafo único. A supervisão exercer-se-á mediante adoção das


seguintes medidas, além de outras estabelecidas em
regulamento:

a) indicação ou nomeação pelo Ministro... dos dirigentes da


entidade...;

(...)

c) recebimento sistemático de relatórios, boletins, balancetes,


balanços e informações que permitam ao Ministro acompanhar as
atividades da entidade e a execução do orçamento-programa e da
programação financeira aprovados pelo Govêrno;

d) aprovação anual da proposta de orçamento-programa e da


programação financeira da entidade, no caso de autarquia;

e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente ou


através dos representantes ministeriais nas Assembléias e órgãos
de administração ou contrôle;

f) fixação, em níveis compatíveis com os critérios de operação


econômica, das despesas de pessoal e de administração;

g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e


relações públicas;

h) realização de auditoria e avaliação periódica de rendimento e


produtividade;

FGV DIREITO RIO 233


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

i) intervenção, por motivo de interêsse público.

18.Não se esqueça ainda que, segundo o modelo constitucional


brasileiro, o Presidente da República exerce a direção superior de toda a
Administração Federal, incluindo a indireta, auxiliado pelos Ministros de Estado,
a quem cabe a orientação, coordenação, e supervisão dos órgãos e entidades
em sua área de competência, e que a ação da Administração deve-se pautar
sempre pelos princípios gerais da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência . Leia-se:

Constituição

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... (Redação
dada pela EC nº 19/98)

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção


superior da administração federal; (...).

Art. 87. Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de


outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e


entidades da administração federal na área de sua
competência...; (...).

19.Em resumo, e no que importa para o presente estudo, deve-se


analisar as autarquias de acordo com o princípio da legalidade , comum a toda
a Administração Pública, conjugando-se este com o binômio autonomia
administrativa , prevista em lei, e supervisão ministerial , decorrente da
Constituição. Ou, como dito pela Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro em
relação às autarquias, "a capacidade de auto-administrar-se é exercida nos
limites da lei; da mesma forma, os atos de controle não podem ultrapassar os
limites legais" ( Direito Administrativo, Atlas, 2002, p. 369).

20.A interpretação sistemática dessas duas características


indissociáveis que compõem as autarquias, autonomia administrativa e
supervisão ministerial , aparentemente conflitantes, leva à conclusão de que a
necessária preservação de ambas somente é possível se delas se extrair
apenas seu núcleo essencial, sem considerá-las de forma isolada e absoluta.
Tanto é assim que, analisando a relação entre as autarquias e seus órgãos
supervisores somente sob o manto da autonomia administrativa, alcança-se,
como regra geral, a inexistência de hierarquia propriamente dita entre os

FGV DIREITO RIO 234


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ministérios e as autarquias por eles tuteladas. Assim explica tecnicamente a


Professora Odete Medauar:

"... Juridicamente, entre essas entidades e a Administração direta


não existem vínculos de hierarquia, os poderes centrais exercem
um controle (tutela, controle administrativo, supervisão ministerial)
que, do ponto de vista jurídico, não se assimila ao controle
hierárquico, embora na prática assim possa parecer.

Em geral, cada uma dessas entidades se vincula a um órgão da


Administração direta, cuja área de competência tenha afinidade
com sua atuação específica...

O órgão da Administração direta a que se vincula a entidade


exerce o controle administrativo (tutela) sobre a mesma. Em nível
federal esse controle denomina-se supervisão ministerial , sendo
atribuição do Ministro de Estado competente (art. 19 do Dec.-lei
200/67)."

( Direito Administrativo Moderno, Revista dos Tribunais, 2006, pp.


68-69)

21.Ainda que não se possa falar em hierarquia propriamente dita entre


os ministérios e as autarquias por eles supervisionadas, é certo que a
supervisão ministerial pressupõe a tência de instrumentos específicos que
garantam aos Ministros de Estado poderes de manter a observância dos
princípios constitucionais regedores da atividade administrativa por essas
entidades .

22.Quando a Carta Política afirma que compete privativamente ao


Presidente da República a direção superior da Administração Federal , tem-se
que a lei não pode retirar-lhe essa atribuição e repassá-la a outro agente ,
podendo apenas estabelecer que os Ministros de Estado o auxiliarão,
orientando, coordenando e supervisionando os órgãos e entidades da
Administração na sua área de competência . E mesmo o Decreto-Lei nº 200/67
já previa que "o Presidente da República, por motivo relevante de interêsse
público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração
Federal" (art. 170) .

23.Além da avocatória presidencial de qualquer assunto por motivo de


relevante interesse público, viu-se que o Decreto-Lei nº 200/67 também prevê
instrumentos de exercício da supervisão ministerial, como, por exemplo, a
indicação ou nomeação dos dirigentes das entidades vinculadas, aprovação
anual da proposta de orçamento e da programação financeira das autarquias e,
se necessária, até mesmo a intervenção no ente.

24.Um dos principais instrumentos de que dispõe nesse sentido o


Ministro de Estado responsável pela supervisão de uma autarquia é a
exoneração do dirigente da entidade , diretamente, se dele for essa
competência, ou indicando essa medida ao Presidente da República, se deste.

FGV DIREITO RIO 235


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Com isso, poderá ser nomeado outro dirigente que, considerando a


prerrogativa da Administração de "anular seus próprios atos, quando eivados
de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos" (Súmula
nº 473/STF), adotará essa providência.

25.Nessa mesma trilha, deve-se ainda observar o que prevê a Lei


Complementar nº 73/93:

LC nº 73/93

Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este


submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho


presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e
entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as


repartições interessadas, a partir do momento em que dele
tenham ciência.

Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-


Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que,
emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele
aprovados e submetidos ao Presidente da República.

Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo


Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das
demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do
EstadoMaior das Forças Armadas, obrigam, também, os
respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.

26.Assim, compete tanto ao Presidente da República, em relação a toda


a Administração Federal, quanto aos Ministros de Estado, em relação aos
órgãos a eles vinculados e entes a eles subordinados, a aprovação dos
denominados pareceres normativos , elaborados pelos seus órgãos de
assessoramento jurídico, respectivamente o Advogado-Geral da União e as
Consultorias Jurídicas dos Ministérios. Esses pareceres têm eficácia vinculante
para os órgãos e entidades aos quais se destinam, podendo inclusive rever
decisões adotadas por autarquias federais, que se obrigam legalmente a lhes
dar fiel cumprimento . Sobre esse tema se tratará em tópico específico.

27.Há ainda outros instrumentos de supervisão ministerial previstos em


lei, alguns gerais e outros específicos a algumas autarquias. Esses
instrumentos de controle, ainda que expressem algum nível de subordinação
das autarquias, são absolutamente legítimos, porque previstos em lei e
respaldados pela Constituição, devendo ser utilizados com o objetivo de
garantir a preservação do interesse público, que, como se sabe, extrai-se para
o administrador público através da observância do princípio da legalidade, de
estatura constitucional e conseqüentemente superior à autonomia

FGV DIREITO RIO 236


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

administrativa das autarquias, inclusive porque fundamento de validade do


próprio Estado Democrático de Direito e do Poder Público, do qual a autarquia
detém parcela .

28.Então, pode-se afirmar que, via de regra, as autarquias não são


subordinadas hierarquicamente a seus ministérios supervisores, embora a
legislação possua a previsão de alguns instrumentos de exercício do controle
ministerial que impõem alguma subordinação às autarquias, porque voltados à
pr eservação do interesse público, e, em última análise e especialmente, do
princípio da legalidade .

29.Esses instrumentos devem ser utilizados pelos Ministros de Estado


sempre que tiverem conhecimento de ato administrativo de autarquia sob sua
supervisão que viole a Constituição ou a legislação em geral, seja de ofício ou
mediante a provocação por interessados . Cabe lembrar aqui do direito
constitucional de petição :

Constituição

Art. 5º XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do


pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos


ou contra ilegalidade ou abuso de poder; (...).

30.Acerca do direito de petição , tem-se que, doutrinariamente, costuma-


se denominar de recurso a impugnação de ato administrativo perante
autoridade diversa daquela que proferiu o ato, e o recurso dirigido contra ato de
autarquia que não seja mais passível de revisão interna, considerando a
supervisão ministerial, deve ser apreciado, a princípio, pelo seu respectivo
Ministério supervisor. Porém, não havendo hierarquia propriamente dita entre
as autarquias em geral e seus respectivos ministérios supervisores, conclui-se,
de pronto, que contra as decisões daquelas não podem ser cabíveis recursos
hierárquicos propriamente ditos dirigidos a estes.

31.Inobstante, em razão da supervisão ministerial, e, mais que isso, das


competências privativas do Presidente da República expostas na Constituição
quanto à direção superior da Administração Federal e do direito constitucional
de petição, o recurso contra as decisões das autarquias se mostra mesmo
cabível e, diante da ausência de hierarquia propriamente dita nesse ponto, a
doutrina convencionou denominá-lo de recurso hierárquico impróprio ,
devendo-se resgatar a conclusão da Professora Odete Medauar ao afirmar que
a existente supervisão ministerial e a inexistente hierarquia propriamente dita
entre essas instituições não se confundem, "embora na prática assim possa par
ecer" .

32.Como se sabe , há situações em que até existe expressa previsão


legal de cabimento de recurso hierárquico impróprio contra autarquia, ou seja,
a provocação da revisão de seus atos por autoridade externa à entidade, no
caso o Ministro de Estado, encontra disposição clara na lei. Mas, como visto,

FGV DIREITO RIO 237


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ainda que inexistente essa previsão ou que receba ele qualquer outra
denominação, esse recurso é cabível, porque decorrente do direito
constitucional de petição, servindo de meio para que o administrado possa
provocar a incidência da supervisão ministerial, que, de qualquer forma,
poderia realizar-se inclusive de ofício.

33.Logo, a definição acerca do cabimento de recurso hierárquico


impróprio contra as decisões das autarquias, receba ele qualquer nome, deve
ser analisada sob o prisma da supervisão ministerial , o que significa dizer que,
ainda que não previsto em lei expressamente o recurso hierárquico impróprio
contra as decisões de uma autarquia qualquer, o mesmo se mostra a princípio
cabível, porquanto se destina a provocar a incidência dessa supervisão
ministerial, derivada da Constituição e que poderia ocorrer de ofício ou por
petição dos interessados .

34.Posta a questão acerca da supervisão ministerial, não se olvide que,


a par do regime geral das autarquias, existem aquelas que, por determinação
de sua lei de criação, foram constituídas sob regimes específicos, ou especiais,
pois presentes nelas determinadas peculiaridades em relação ao gênero .

35.Nesse ponto encaixam-se as denominadas agências reguladoras ,


porque dotadas, repita-se, de um regime autárquico especial , assim definido
em suas respectivas legislações de regência:

ANEEL - Lei nº 9.427/96

Art. 1º É instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL,


autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e
Energia, com sede e foro no Distrito Federal e prazo de duração
indeterminado.

Art. 2º A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por


finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição
e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as
políticas e diretrizes do governo federal.

Art. 5º O Diretor-Geral e os demais Diretores serão nomeados


pelo Presidente da República para cumprir mandatos não
coincidentes de quatro anos, ressalvado o que dispõe o art. 29.

Parágrafo único. A nomeação dos membros da Diretoria


dependerá de prévia aprovação do Senado Federal, nos termos
da alínea "f" do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.

ANATEL - Lei nº 9.472/97

Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações,


entidade integrante da Administração Pública Federal indireta,
submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério
das Comunicações, com a função de órgão regulador das

FGV DIREITO RIO 238


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo


estabelecer unidades regionais.

§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é


caracterizada por independência administrativa, ausência de
subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus
dirigentes e autonomia financeira.

Art. 9° A Agência atuará como autoridade administrativa


independente, assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as
prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua
competência.

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o


atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das
telecomunicações brasileiras, atuando com independência,
imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e
especialmente: (...).

XXV - decidir em último grau sobre as matérias de sua alçada,


sempre admitido recurso ao Conselho Diretor; (...).

Art. 23. Os conselheiros serão brasileiros, de reputação ilibada,


formação universitária e elevado conceito no campo de sua
especialidade, devendo ser escolhidos pelo Presidente da
República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado
Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da
Constituição Federal.

Art. 24. O mandato dos membros do Conselho Diretor será de


cinco anos.

Art. 44. Qualquer pessoa terá o direito de peticionar ou de recorrer


contra ato da Agência no prazo máximo de trinta dias, devendo a
decisão da Agência ser conhecida em até noventa dias.

ANP - Lei nº 9.478/97

Art. 7º Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural


e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da Administração
Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como
órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus
derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e
Energia. (Redação dada pela Lei nº 11.097/2005)

Art. 11. § 2º Os membros da Diretoria serão nomeados pelo


Presidente da República, após aprovação dos respectivos nomes
pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art.
52 da Constituição Federal.

FGV DIREITO RIO 239


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

§ 3° Os membros da Diretoria cumprirão mandatos de quatro


anos, não coincidentes, permitida a recondução, observado o
disposto no art. 75 desta Lei.

ANVISA - Lei nº 9.782/99

Art. 3º Fica criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária,


autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde,
com sede e foro no Distrito Federal, prazo de duração
indeterminado e atuação em todo território nacional.

Parágrafo único. A natureza de autarquia especial conferida à


Agência é caracterizada pela independência administrativa,
estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.

Art. 4º A Agência atuará como entidade administrativa


independente, sendo-lhe assegurada, nos termos desta Lei, as
prerrogativas necessárias ao exercício adequado de suas
atribuições.

Art. 10. Parágrafo único. Os Diretores serão brasileiros, indicados


e nomeados pelo Presidente da República após aprovação prévia
do Senado Federal nos termos do art. 52, III, "f", da Constituição
Federal, para cumprimento de mandato de três anos, admitida
uma única recondução.

Art. 11. O Diretor-Presidente da Agência será nomeado pelo


Presidente da República, dentre os membros da Diretoria
Colegiada, e investido na função por três anos, ou pelo prazo
restante de seu mandato, admitida uma única recondução por três
anos.

Art. 12. A exoneração imotivada de Diretor da Agência somente


poderá ser promovida nos quatro meses iniciais do mandato,
findos os quais será assegurado seu pleno e integral exercício,
salvo nos casos de prática de ato de improbidade administrativa,
de condenação penal transitada em julgado e de descumprimento
injustificado do contrato de gestão da autarquia.

Art. 15. Compete à Diretoria Colegiada: (...)

VII - julgar, em grau de recurso, as decisões da Diretoria,


mediante provocação dos interessados; (...).

§ 2º Dos atos praticados pela Agência caberá recurso à Diretoria


Colegiada, com efeito suspensivo, como última instância
administrativa.

FGV DIREITO RIO 240


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 20. O descumprimento injustificado do contrato de gestão


implicará a exoneração do Diretor-Presidente, pelo Presidente da
República, mediante solicitação do Ministro de Estado da Saúde.

ANS - Lei nº 9.961/2000

Art. 1º É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar -ANS,


autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da
Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro RJ, prazo de
duração indeterminado e atuação em todo o território nacional,
como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização
das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.

Parágrafo único. A natureza de autarquia especial conferida à


ANS é caracterizada por autonomia administrativa, financeira,
patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas
suas decisões técnicas e mandato fixo de seus dirigentes.

Art. 6º. Parágrafo único. Os Diretores serão brasileiros, indicados


e nomeados pelo Presidente da República após aprovação prévia
pelo Senado Federal, nos termos do art. 52, III, "f", da
Constituição deral, para cumprimento de mandato de três anos,
admitida uma única recondução.

Art. 7º O Diretor-Presidente da ANS será designado pelo


Presidente da República, dentre os membros da Diretoria
Colegiada, e investido na função por três anos, ou pelo prazo
restante de seu mandato, admitida uma única recondução por três
anos.

Art. 8º Após os primeiros quatro meses de exercício, os dirigentes


da ANS somente perderão o mandato em virtude de:

I - condenação penal transitada em julgado;

II - condenação em processo administrativo, a ser instaurado pelo


Ministro de Estado da Saúde, assegurados o contraditório e a
ampla defesa;

III - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;


e

IV - descumprimento injustificado de objetivos e metas acordados


no contrato de gestão de que trata o Capítulo III desta Lei.

§ 1º Instaurado processo administrativo para apuração de


irregularidades, poderá o Presidente da República, por solicitação
do Ministro de Estado da Saúde, no interesse da Administração,
determinar o afastamento provisório do dirigente, até a conclusão.

FGV DIREITO RIO 241


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

§ 2º O afastamento de que trata o § 1º não implica prorrogação ou


permanência no cargo além da data inicialmente prevista para o
término do mandato.

Art. 10. Compete à Diretoria Colegiada: (...)

VI - julgar, em grau de recurso, as decisões dos Diretores,


mediante provocação dos interessados; (...).

§ 2º Dos atos praticados pelos Diretores caberá recurso à


Diretoria Colegiada como última instância administrativa.
(Redação dada pela MP nº 2.177-44/2001)

§ 3º O recurso a que se refere o § 2º terá efeito suspensivo, salvo


quando a matéria que lhe constituir o objeto envolver risco à
saúde dos consumidores.

Art. 15. O descumprimento injustificado do contrato de gestão


implicará a dispensa do Diretor-Presidente, pelo Presidente da
República, mediante solicitação do Ministro de Estado da Saúde.

ANA - Lei nº 9.984/2000

Art. 3º Fica criada a Agência Nacional de Águas - ANA, autarquia


sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira,
vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de
implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de
Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Art. 9º A ANA será dirigida por uma Diretoria Colegiada, composta


por cinco membros, nomeados pelo Presidente da República, com
mandatos não coincidentes de quatro anos, admitida uma única
recondução consecutiva, e contará com uma Procuradoria.

§ 1º O Diretor-Presidente da ANA será escolhido pelo Presidente


da República entre os membros da Diretoria Colegiada, e
investido na função por quatro anos ou pelo prazo que restar de
seu mandato.

Art. 10. A exoneração imotivada de dirigentes da ANA só poderá


ocorrer nos quatro meses iniciais dos respectivos mandatos.

§ 1º Após o prazo a que se refere o caput, os dirigentes da ANA


somente perderão o mandato em decorrência de renúncia, de
condenação judicial transitada em julgado, ou de decisão
definitiva em processo administrativo disciplinar.

§ 2º Sem prejuízo do que prevêem as legislações penal e relativa


à punição de atos de improbidade administrativa no serviço

FGV DIREITO RIO 242


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

público, será causa da perda do mandato a inobservância, por


qualquer um dos dirigentes da ANA, dos deveres e proibições
inerentes ao cargo que ocupa.

§ 3º Para os fins do disposto no § 2º, cabe ao Ministro de Estado


do Meio Ambiente instaurar o processo administrativo disciplinar,
que será conduzido por comissão especial, competindo ao
Presidente da República determinar o afastamento preventivo,
quando for o caso, e proferir o julgamento.

Art. 12. Compete à Diretoria Colegiada: (...)

IX - conhecer e julgar pedidos de reconsideração de decisões de


componentes da Diretoria da ANA.

ANTT e ANTAQ - Lei nº 10.233/2001

Art. 21. Ficam instituídas a Agência Nacional de Transportes


Terrestres - ANTT e a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários - ANTAQ, entidades integrantes da Administração
Federal indireta, submetidas ao regime autárquico especial e
vinculadas ao Ministério dos Transportes, nos termos desta Lei.

§ 2º O regime autárquico especial conferido à ANTT e à ANTAQ é


caracterizado pela independência administrativa, autonomia
financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes.

Art. 53 § 1o Os membros da Diretoria serão brasileiros, de


reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no
campo de especialidade dos cargos a serem exercidos, e serão
nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo
Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da
Constituição Federal.

§ 2o O Diretor-Geral será nomeado pelo Presidente da República


dentre os integrantes da Diretoria, e investido na função pelo
prazo fixado no ato de nomeação.

Art. 54. Os membros da Diretoria cumprirão mandatos de quatro


anos, não coincidentes, admitida uma recondução.

Art. 56. Os membros da Diretoria perderão o mandato em virtude


de renúncia, condenação judicial transitada em julgado, processo
administrativo disciplinar, ou descumprimento manifesto de suas
atribuições.

Parágrafo único. Cabe ao Ministro de Estado dos Transportes


instaurar o processo administrativo disciplinar, competindo ao
Presidente da República determinar o afastamento preventivo,
quando for o caso, e proferir o julgamento.

FGV DIREITO RIO 243


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 68. § 3º Qualquer pessoa, desde que seja parte interessada,


terá o direito de peticionar ou de recorrer contra atos das
Agências, no prazo máximo de trinta dias da sua oficialização,
observado o disposto em regulamento.

ANCINE - MP nº 2.228-1/2001

Art. 5º Fica criada a Agência Nacional do Cinema - ANCINE,


autarquia especial, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, observado o disposto no art. 62
desta Medida Provisória, órgão de fomento, regulação e
fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica,
dotada de autonomia administrativa e financeira.

Art. 8º A ANCINE será dirigida em regime de colegiado por uma


diretoria composta de um Diretor-Presidente e três Diretores, com
mandatos não coincidentes de quatro anos.

§ 1º Os membros da Diretoria serão brasileiros, de reputação


ilibada e elevado conceito no seu campo de especialidade,
escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados
após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea "f" do
inciso III do art. 52 da Constituição Federal.

Art. 9º Compete à Diretoria Colegiada da ANCINE: (...)

IX julgar recursos interpostos contra decisões de membros da


Diretoria; (...).

ANAC - Lei nº 11.182/2005

Art. 1º Fica criada a Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC,


entidade integrante da Administração Pública Federal indireta,
submetida a regime autárquico especial, vinculada ao Ministério
da Defesa, com prazo de duração indeterminado.

Art. 4º A natureza de autarquia especial conferida à ANAC é


caracterizada por independência administrativa, autonomia
financeira, ausência de subordinação hierárquica e mandato fixo
de seus dirigentes.

Art. 5º A ANAC atuará como autoridade de aviação civil,


assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas
necessárias ao exercício adequado de sua competência.

Art. 8º Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o


atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e
fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e
aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade,
impessoalidade e publicidade, competindo-lhe: (...)

FGV DIREITO RIO 244


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

XLIII - decidir, em último grau, sobre as matérias de sua


competência;

XLIV - deliberar, na esfera administrativa, quanto à interpretação


da legislação, sobre serviços aéreos e de infra-estrutura
aeronáutica e aeroportuária, inclusive casos omissos, quando não
houver orientação normativa da Advocacia-Geral da União; (...).

Art. 11. Compete à Diretoria: (...)

VIII - apreciar, em grau de recurso, as penalidades impostas pela


ANAC; e (...).

Art. 12. Os diretores serão brasileiros, de reputação ilibada,


formação universitária e elevado conceito no campo de
especialidade dos cargos para os quais serão nomeados pelo
Presidente da República, após serem aprovados pelo Senado
Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da
Constituição Federal.

Art. 13. O mandato dos diretores será de 5 (cinco) anos.

Art. 14. Os diretores somente perderão o mandato em virtude de


renúncia, de condenação judicial transitada em julgado, ou de
pena demissória decorrente de processo administrativo
disciplinar.

§ 2º Cabe ao Ministro de Estado da Defesa instaurar o processo


administrativo disciplinar, que será conduzido por comissão
especial constituída por servidores públicos federais estáveis,
competindo ao Presidente da República determinar o afastamento
preventivo, quando for o caso, e proferir julgamento.

36.Inicialmente, não se pode deixar de registrar que causa espécie a


forma assistemática com a qual as leis acima transcritas foram editadas,
utilizando-se das mais diversas redações para caracterizar o regime especial a
que estão sujeitas as agências reguladoras.

37.Especificamente quanto à possibilidade de revisão das decisões das


agências, tem-se que a legislação da ANEEL e da ANP é absolutamente
omissa quanto ao tema. A Lei nº 10.233/2001, que trata da ANTT e da ANTAQ
, somente prevê o cabimento de re curso contra suas decisões, mas não
informa a quem compete julgá-los . Quanto à norma da ANA , somente informa
que a ela compete julgar pedidos de reconsideração contra decisões de seus
Diretores . Acerca da ANCINE , há previsão do cabimento de re curso a ser por
ela apreciado também contra as decisões de seus dirigentes . Por outro lado,
as leis referentes à ANATEL e à ANVISA prevêem expressamente que essas
agências decidem em último grau administrativo as matérias de sua
competência, sendo cabível recurso contra suas decisões, os quais serão
julgados pelas próprias agências . Quanto à ANS , a lei prevê o mesmo , e

FGV DIREITO RIO 245


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ainda trata da autonomia nas suas decisões técnicas . Por fim, a última lei
editada sobre as agências, que trata sobre a ANAC , sem dúvida é a mais
completa, pois prevê: ausência de subordinação hierárquica em relação ao
Ministério supervisor, capacidade de decidir em último grau administrativo
sobre as matérias de sua competência e poder de apreciar recursos contra as
penalidades por ela impostas . Diz ainda a Lei nº 11.182/2005 acerca da
ANAC, repita-se, dada a relevância do dispositivo:

ANAC - Lei nº 11.182/2005

Art. 8º Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o


atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e
fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e
aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade,
impessoalidade e publicidade, competindo-lhe: (...)

XLIV - deliberar, na esfera administrativa, quanto à interpretação


da legislação, sobre serviços aéreos e de infra-estrutura
aeronáutica e aeroportuária, inclusive casos omissos, quando não
houver orientação normativa da Advocacia-Geral da União ; (...).

38.A ausência de rigor técnico aqui é tamanha que apenas alguns dados
bastam para comprovar isso. Primeiro: as leis que tratam da ANEEL e da ANP
não prevêem nenhum pedido de reconsideração ou recurso a ser julgado pelas
próprias agências, não sendo crível que a elas não seja dado rever suas
próprias decisões e que os particulares não possam demandar nesse sentido.
Segundo: a Lei da ANA diz expressamente que "compete à Diretoria Colegiada
conhecer e julgar pedidos de reconsideração de decisões de componentes da
Diretoria", quando, tecnicamente, se o órgão que apreciará o pedido (Diretoria
Colegiada) não é o mesmo que proferiu a decisão (componentes da Diretoria),
não há que se falar em pedido de reconsideração, mas em recurso, como
corretamente previsto nas Leis da ANS e da ANCINE. Terceiro: as Leis da
ANATEL, ANVISA e ANAC fazem o contrário, pois prevêem o cabimento de
recurso contra suas próprias decisões, a serem julgados por elas mesmas,
quando o correto seria falar-se em pedido de reconsideração, porque apreciado
pelo mesmo órgão que proferiu a decisão impugnada.

39.Mesmo diante da falta de clareza da legislação no ponto específico


que trata dos recursos, constata-se que nenhuma das leis citadas prevê para
qualquer das agências reguladoras a possibilidade de interposição de recurso
hierárquico impróprio para seu respectivo Ministério supervisor . A princípio,
porém, como dito até aqui, isso não impediria seu cabimento, porque decorreria
tanto da supervisão ministerial quanto do direito constitucional de petição. Mas,
sigamos a análise.

40.Não por acaso, buscou-se, na reprodução acima de trechos das leis


de cada uma das agências reguladoras, transcrever ainda as normas
referentes a seus dirigentes , havendo aqui pontos comuns a todas elas: todos
cumprem mandatos, não sendo demissíveis ad nutum , e suas indicações são

FGV DIREITO RIO 246


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

submetidas à aprovação do Senado Federal , como prevê o artigo 52, III, "f" da
Constituição. A Lei nº 9.986/2000 reiterou essa uniformidade de tratamento:

Lei nº 9.986/2000

Art. 5º O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente


(CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria
(CD II) serão brasileiros, de reputação ilibada, formação
universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos
cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos
pelo Presidente da República e por ele nomeados, após
aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso
III do art. 52 da Constituição Federal.

Parágrafo único. O Presidente ou o Diretor-Geral ou o


DiretorPresidente será nomeado pelo Presidente da República
dentre os integrantes do Conselho Diretor ou da Diretoria,
respectivamente, e investido na função pelo prazo fixado no ato
de nomeação.

Art. 6º O mandato dos Conselheiros e dos Diretores terá o prazo


fixado na lei de criação de cada Agência.

Art. 9º Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o


mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada
em julgado ou de processo administrativo disciplinar.

Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras


condições para a perda do mandato.

41.Como explicitado anteriormente, um dos principais instrumentos de


supervisão dos Ministros de Estado sobre as tarquias em geral é a
possibilidade de exonerar seus dirigentes ou indicar essa medida ao Presidente
da República , se este não lhes houver delegado essa competência, como
forma de viabilizar a re visão de suas decisões pelos novos dirigentes a serem
indicados/nomeados. Porém, essa medida não é aplicável às agências r
eguladoras, salvo nos estritos casos previstos em lei, o que, por si só, induz à
conclusão de que, em alguma medida, a supervisão ministerial sobre as
agências admite temperamentos. De que ordem?

42.Se, por um lado, como visto, a supervisão ministerial decorre


diretamente da Constituição (art. 87, par. ún., I), o que implica na afirmação da
impossibilidade de que venha a ser excepcionada pela legislação
infraconstitucional, não se pode dizer o mesmo acerca de todos os meios de
seu exercício, pois alguns destes não possuem sede constitucional . Nesse
sentido, a impossibilidade de exoneração ad nutum dos dirigentes das
agências reguladoras representa a principal restrição de meios de que dispõem
os Ministérios na sua relação de supervisão com essas entidades.

FGV DIREITO RIO 247


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

43. Tendo em conta a vedação de substituição política dos dirigentes


das agências reguladoras, não é difícil avançar-se para a definição de
impossibilidade de revisão ministerial de algumas de suas decisões, o que, por
conseqüência, limitaria na mesma medida o âmbito de provimento de recursos
hierárquicos impróprios que visassem impugnar essas decisões, pois, por via
transversa, o cabimento indistinto do recurso hierárquico impróprio garantiria
aos Ministérios o mesmo efeito revisor que não podem obter através da
substituição política do comando dessas entidades, representando por isso
uma possível burla à disciplina legal das agências reguladoras, que aponta
para a existência de exceções aos meios que podem ser utilizados para o
exercício da supervisão ministerial, como forma de lhes garantir a autonomia
decisória a elas conferida pelos mandatos fixos de seus dirigentes.

44.E essa autonomia decisória das agências, atualmente, seria


compartilhada em determinado grau por todas elas, pois nada justificaria que
apenas ANATEL, ANVISA, ANS e ANAC não estivessem sujeitas à revisão
ministerial de algumas de suas decisões, enquanto as demais agências
reguladoras, ANEEL, ANP, ANTT, ANTAQ, ANA e ANCINE, estariam adstritas
a esse instrumento de supervisão de forma indistinta, como se poderia, à
primeira vista, extrair da literalidade das díspares redações de suas respectivas
leis de criação. Não haveria nenhuma razoabilidade na separação das
agências nesses dois grupos, porque não possuem elas entre si qualquer fator
de discrímen que autorize essa divisão, a qual seria, então, meramente
aleatória .

45.Nem mesmo a discussão doutrinária acerca de sua previsão


constitucional seria suficiente para tanto. É sabido que parte da doutrina
administrativista defende a tese de que apenas a ANATEL e a ANP seriam
juridicamente dotadas de um regime especial que lhes conferiria uma
autonomia diferenciada e, verdadeiramente, um poder normativo, porque
somente as duas seriam previstas pela Constituição, motivo pelo qual, em
decorrência, somente elas não se sujeitariam, por exemplo, à revisão de
algumas de suas decisões. Disciplina a Constituição:

Constituição

Art. 21. Compete à União: (...)

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou


permissão, os serviços de telecomunicações , nos termos da lei,
que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um
órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada
pela EC nº 8/95)

Art. 177. Constituem monopólio da União:

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e


outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

FGV DIREITO RIO 248


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos


resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou


de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim
o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus
derivados e gás natural de qualquer origem; (...).

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas


a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste
artigo observadas as condições estabelecidas em lei. ( Redação
dada pela EC nº 9/95)

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: (Incluído pela EC


nº 9/95)

(...)

III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da


União. (Incluído pela EC nº 9/95)

46.Apenas para argumentar, partindo do pressuposto de que essa


premissa seja verdadeira, e que esse seria um fator de discrímen válido,
legitimando a criação de dois tipos de agências reguladoras, um deles dotado
de maior autonomia para suas decisões regulatórias, tem-se que a legislação
ordinária não estaria refletindo essa realidade, porque a legislação da ANP não
possui previsão expressa nesse sentido, mas somente a da ANATEL, sendo
que a ANVISA, a AN S e a ANAC também a possuem, mas, a princípio, não
teriam lastro constitucional para tanto. De qualquer forma, com a devida vênia,
essa premissa sequer pode ser sustentada à luz da Constituição, considerando
ainda o disposto no seu artigo 174:

Constituição

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade


econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante
para o setor público e indicativo para o setor privado.

47.Ainda que a exploração das telecomunicações e do petróleo


necessariamente deva ser regulada por órgãos criados especificamente para
esse fim, a Carta de 1988 possui previsão genérica para que o Estado atue
como agente regulador de outras atividades econômicas, definidas em lei, o
que respalda a criação de órgãos reguladores em outros setores com a mesma
finalidade e, inclusive, com as mesmas características daqueles.

48.Ademais , a Constituição não define esse órgãos re guladores, não


trazendo qualquer previsão quanto ao modelo a ser adotado, o que, a princípio,
admitiria que fossem constituídos como órgãos da Administração direta, ou

FGV DIREITO RIO 249


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

como entidades da indireta, não fazendo menção às agências reguladoras e


nem mesmo a autarquias em regime especial.

49.Em outras palavras, o modelo das agências r eguladoras decorre de


opção do legislador ordinário, mas não da Constituição, e elas podem ser
extintas por lei , inclusive a ANATEL e a ANP, sendo que, em relação a estas,
desde que sejam substituídas por outro órgão regulador, sob qualquer modelo
administrativo conhecido ou a ser especialmente criado para esse fim. E se
nem mesmo as normas constitucionais podem justificar logicamente a
existência de agências com maior autonomia de decisão do que as demais, a
regra deve ser a extensão dessa característica, dentro de limites excepcionais
definidos, a todas elas.

50.É conhecida a doutrina que defende a autonomia decisória das


agências:

"Embora não haja disciplina legal única, a instituição dessas


agências vem obedecendo mais ou menos ao mesmo padrão, o
que não impede que outros modelos sejam idealizados
posteriormente.

Elas estão sendo criadas como autarquias de regime especial .


Sendo autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que
disciplinam esse tipo de entidade; o regime especial vem definido
nas respectivas leis instituidoras, dizendo respeito, em regra, à
maior autonomia em relação à Administração Direta; à
estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo exercício de
mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses
expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração
ad nutum ; ao caráter final das suas decisões, que não são
passíveis de apreciação por outros órgãos ou entidades da
Administração Pública."

(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., pp. 404-405)

51.Inobstante, quais seriam os limites dessa autonomia decisória


especial conferida às agências reguladoras? A sua resposta passa,
necessariamente, pela análise de um dos requisitos de validade dos atos
administrativos: a competência .

52. Todas as prerrogativas especiais concedidas pela legislação às


agências reguladoras, incluindo sua autonomia decisória, são apenas
instrumentos para que elas possam atuar de forma adequada no desempenho
das atividades regulatórias que tenham sido expressamente conferidas a elas
por lei. Ultrapassado esse limite, as agências reguladoras estão
automaticamente desinvestidas dessas salvaguardas excepcionais. E não
poderia ser diferente, considerando o atual regime constitucional da
organização do Estado brasileiro.

FGV DIREITO RIO 250


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

53.Transcreva-se novamente o que prevê a Constituição acerca da


direção superior da Administração Federal:

Constituição

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção


superior da administração federal; (...).

Art. 87. Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de


outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e


entidades da administração federal na área de sua
competência...; (...).

54.Além disso, recordemos os princípios constitucionais que regem a


Administração Pública como um todo:

Constituição

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... (Redação
dada pela EC nº 19/98)

55.Como já afirmado, determina a Carta de 1988 que compete ao


Presidente da República a direção superior da Administração Federal, que é
exercida com o auxílio dos Ministros de Estado, os quais orientam, coordenam
e supervisionam os órgãos e entidades de suas respectivas áreas, respeitados
os princípios gerais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. A mesma Carta (art 174), conforme também já dito, autoriza o
Estado a atuar como agente regulador da atividade econômica.

56. A compatibilização dessas normas constitucionais, partindo do


pressuposto de que essa atividade regulatória demanda conhecimentos
técnicos específicos e, com isso, um maior grau de autonomia decisória para
se garantir que os parâmetros técnicos sejam observados com primazia, ao
mesmo tempo que autoriza conferir, excepcionalmente, autonomia decisória
efetiva às agências reguladoras face à Administração direta, não permitindo,
via de regra, a revisão de suas decisões em sua área fim através de recursos
hierárquicos, exige também a limitação desse poder estritamente ao âmbito de
suas competências finalísticas expressamente definidas em lei, exatamente
com o objetivo de que estas sejam exercidas de forma adequada e efetiva.

FGV DIREITO RIO 251


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

57.Diante disso, não há como negar que os atos das agências


reguladoras referentes às suas atividades de administração ordinária (atividade
meio) estão sujeitos ao controle interno do Poder Executivo, como forma de se
garantir a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência da Administração, assim como podem ser
anuladas as suas decisões de mérito quando a entidade for incompetente para
adotá-las, observada a repartição de competências entre os diversos órgãos e
entidades federais definida em leis e regulamentos. Não fosse assim, estaria
admitido que esses entes pudessem se auto-administrar de forma alheia aos
princípios gerais da Administração, e, mais ainda, pudessem avocar para si a
decisão administrativa final sobre temas que não são de sua competência,
usurpando a competência de outros órgãos ou entidades da Administração
Federal direta ou indireta, inclusive do próprio Presidente da República ou dos
Ministros de Estado, tornando-se verdadeiras "ilhas" de poder alheias a
qualquer controle pela Administração central.

58.Novamente, pode-se encontrar na doutrina amparo para a definição


de limites administrativos para a autonomia decisória das agências
reguladoras:

"A independência maior que existe é em relação ao Poder


Executivo, assim mesmo nos limites estabelecidos em lei,
podendo variar de um caso para outro. Como autarquias,
compõem a Administração Indireta, sendo-lhes aplicáveis todas
as normas constitucionais pertinentes; assim sendo, estão
sujeitas à tutela ou controle administrativo exercido pelo Ministério
a que se acham vinculadas,... não podendo escapar à 'direção
superior da administração federal', prevista no artigo 84, II.
Porém, como autarquias de regime especial, os seus atos não
podem ser revistos ou alterados pelo Poder Executivo..."

(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 406)

"A ausência de subordinação hierárquica deve ser entendida de


forma restritiva em face da possibilidade da supervisão ministerial
que incide sobre a legalidade dos atos das agências, tendo em
vista a caracterização legal dessas entidades como autarquias.

... o controle interno e externo da Administração se submetem ao


regramento constitucional que não pode ser afastado por lei, mas
isso não impede que as decisões de mérito das agências sejam
insuscetíveis à revisão pelo Executivo. O que não se pode é fazer
com que essa ausência de subordinação transforme as agências
em entidades soberanas, alheias aos freios das atividades
administrativas."

(GALVÃO, Gabriel de Mello. Fundamentos e Limites da Atribuição


de Poder Normativo às Autarquias Autônomas Federais (Agências
Reguladoras, Ed. Renovar, 2006, pp. 177-178)

FGV DIREITO RIO 252


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

"... essa autonomia ..., mesmo que tratemos dos campos


gerencial, orçamentário e financeiro na Carta referidos, é
bastante relativa .

Poderia tal entidade admitir o pessoal que desejasse, sem realizar


concurso público, desrespeitando nesse caso o próprio art. 37,
inciso II, da Constituição Federal? Poderiam os servidores ser
demitidos sem processo, com ampla defesa e contraditório (art.
41, § 1º, incisos I e II, da CF), ou procedimento de avaliação de
desempenho, também com ampla defesa (art. 41, § 1º, inciso III,
da mesma Carta), ao alvedrio do administrador público?
Poderiam, mesmo por lei, ser estabelecidas remunerações
superiores às da generalidade dos servidores e de seus limites
constitucionais e legais? Seria possível que essa autarquia, em
razão de contratos de gestão que eventualmente celebrasse com
o Governo, contratasse obras e serviços com quem julgassem
seus administradores ser mais adequados à realização das
metas, independentemente do princípio da obrigatoriedade de
licitação (CF, art. 37, inciso XXI, e Lei nº 8.666/93, arts. 1º e 2º)?
Poderia conceder ou permitir (art. 175 da CF) serviços públicos
sem licitação? Estaria a entidade dispensada dos controles e
fiscalização do Poder Legislativo (art. 70 e parágrafo único da CF)
e dos T ribunais de Contas (art. 71 da CF)? Sua tão propalada
autonomia poderia configurar regime jurídico diverso do
constitucional para finanças públicas (arts. 163 e ss) e
orçamentos (arts. 165 e ss)?

Realmente, quando se fala em autonomia , não se pode ampliar


esse conceito para equipará-lo à soberania, independência ou
outros sentidos inadequados para caracterizar o regime jurídico
das autarquias."

(ARAUJO, Edmir Netto de. A Aparente Autonomia das Agências


Reguladoras. In: Agências Reguladoras, Ed. Atlas, 2002, p. 126)

"A independência das agências está também baseada na


autonomia decisória, em relação a outros órgãos ou entidades da
ministração Pública. O que se questiona é se a agência
reguladora, como entidade da Administração federal indireta,
vinculada ao Ministério supervisor, pode fugir da orientação e
coordenação do Ministro de Estado da área respectiva.

A Constituição Federal, no seu art, 84, II, estabelece que compete


ao Presidente da República 'exercer, com auxílio dos Ministros de
Estado, a direção superior da Administração federal', e, no art, 87,
par. ún., I, preceitua que compete ao Ministro de Estado 'exercer
a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades
da Administração federal na área de sua competência (...)'.

FGV DIREITO RIO 253


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Desses dispositivos deflui que alguma espécie de ligação entre


Executivo e agências é imposta pela Lei Maior, pois deve haver
ao menos uma supervisão administrativa daquele em relação a
estas, que não podem funcionar, no dizer de Carlso Ari Sundfeld,
'como se fossem 'Estados independentes', isto é, verdadeiros
Estados ao lado do Estado. Isso, no entanto, não quer dizer que,
quanto às matérias de competência das agências , a
Administração direta deva necessariamente intervir'."

(GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As Agências Reguladoras. In:


Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº 46 . Ed.
Revista dos Tribunais, 2004, pp. 86-87) -grifo nosso

59. Confirmadas, por um lado, as conclusões, a princípio, quanto às


excepcionais impossibilidades de revisão ministerial de algumas decisões das
agências reguladoras e, por conseqüência, de provimento de recurso
hierárquico impróprio sobre as decisões finalísticas das agências reguladoras
nos estritos limites de suas competências legais, garante-se, por outro, aos
Ministros de Estado e ao Presidente da República, respectivamente, a
preservação de suas competências de supervisão e de direção superior da
Administração como regra geral. No exercício dessas competências
constitucionais, no entanto, o uso de um de seus instrumentos usuais se
mostra limitado aos Ministérios supervisores, a revisão hierárquica, que
permanece adstrita à r egularidade administrativa das agências (atividades
meio) ou à pr eservação das competências próprias e dos demais órgãos e
entidades do Estado por elas eventualmente usurpadas.

60.Não é demais lembrar, ainda, que a formulação das políticas públicas


dos diversos setores regulados permanece, via de regra, na alçada dos
respectivos Ministérios, e a sua violação pelas agências, da mesma forma, atrai
a incidência da revisão ministerial como instrumento de realinhamento de suas
decisões às políticas públicas estabelecidas para esses setores , como não
poderia ser diferente:

"O Governo é responsável politicamente pela atuação desses


organismos porque dirige a atuação das administrações
independentes e por remover os dirigentes por procedimento
próprio."

(LIMBERGER, Têmis. Agências Administrativas Independentes no


Direito Comparado - Uma contribuição ao PL 3.337/2004. In:
Revista de Direito do Consumidor, nº 51 . Ed. Revista dos
Tribunais, 2004, p. 244)

"... Tipicamente, as agências reguladoras encarregam-se da


elaboração e implementação de parâmetros técnicos, segundo os
meios e os modos e para atenderem aos fins e objetivos fixados
em normas, tendo em vista opções e pretensões
consubstanciadas em políticas. Elas não devem fixar os fins e
objetivos e não devem definir opções e pretensões. É no exercício

FGV DIREITO RIO 254


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

dessa função (dever-poder) de regular, de função consistente na


elaboração e implementação de parâmetros técnicos para a
atuação de agentes econômicos em sentido amplo, e não de
outras funções, quaisquer que sejam, que deve haver a garantia
de autonomia, seja frente aos agentes e entes regulados, seja
frente aos agentes, órgãos e entes encarregados de outras
funções não-técnicas..."

(TURA, Marco Antônio Ribeiro. A Autonomia das Agências


Reguladoras. In: Revista do Instituto Brasileiro de Estudos de
Concorrência, Consumo e Comércio Internacional - IBRAC. 2002,
pp. 206-207)

61.Vale recordar que as conclusões acima não inovam o entendimento


tradicional da União quanto à questão. Ainda que a criação das agências
reguladoras seja recente, há uma outra autarquia, também constituída sob
regime especial, que teve sua especificidade quanto ao tema analisada na
NOTA N. AGU/MS 02/2006, aprovada pelo Excelentíssimo Senhor Advogado-
Geral da União em 27.01.2006. Trata-se do CADE, e a leitura de trecho dessa
manifestação serve para destacar o importante histórico do tratamento
administrativo dado ao problema desde a antiga Consultoria-Geral da
República:

"3.O artigo 3º da Lei nº 8.884/94 estabelece que o CADE é "órgão


judicante com jurisdição em todo o território nacional". O artigo 50
da mesma Lei diz ainda:

Lei nº 8.880/94

Art. 50. As decisões do Cade não comportam revisão no âmbito


do Poder Executivo, promovendo-se, de imediato, sua execução e
comunicando-se, em seguida, ao Ministério Público, para as
demais medidas legais cabíveis no âmbito de suas atribuições.

4.Portanto, a despeito de o CADE se constituir


administrativamente como uma autarquia, suas decisões em
processos atinentes à defesa da ordem econômica não estão
sujeitas ao controle hierárquico de mérito . Em outras palavras, as
decisões do CADE em seus processos de sua área fim, a defesa
da ordem econômica, somente podem ser revistas
administrativamente por ele próprio, mas não pelo Ministro da
Justiça ou mesmo pelo Presidente da República ...

5.Contudo, como ocorre com qualquer órgão ou entidade especial


da Administração Pública, sua autonomia não é absoluta, e se
contém nos exatos limites definidos por sua legislação de
regência. Pelo teor do artigo 50 da Lei nº 8.880/94, no caso do
CADE, essa autonomia se restringe às decisões nos processos
que se refiram à defesa da ordem econômica, motivo pelo qual as
decisões de seu Presidente ou de seu colegiado em matéria de

FGV DIREITO RIO 255


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

gestão administrativa estão subordinadas ao poder hierárquico


tanto do Ministro da Justiça, quanto do Presidente da República .

6.Essas duas conclusões preliminares, acerca da inexistência de


poder hierárquico sobre as decisões do CADE em processos de
defesa da ordem econômica, e de sua existência quanto às
decisões administrativas da entidade, são reconhecidas pela
Administração Federal desde a antiga Consultoria-Geral da
República, como se lê no Parecer CGR L-084/1975, da lavra do
então Consultor-Geral da República, Luiz Rafael Mayer, aprovado
pelo Presidente da República, e publicado no Diário Oficial da
União em 02.12.75:

Parecer CGR L-084/1975

" EMENTA: O CADE, como órgão autônomo, integrante da


estrutura do Ministério da Justiça, está sujeito à supervisão
ministerial prevista nos arts. 19 e 25 do Decreto-Lei nº 200-67.
Entretanto, o processo específico de apuração e repressão de
abuso ao poder econômico, no molde de sistema misto,
administrativo-judicial, está exaustiva e completamente regulado,
em todos os seus trâmites, na Lei nº 4.137/62 (arts. 26-71), não
comportando incidentes, procedimentos ou recursos que não os
previstos explicitamente. As decisões do CADE, nessa matéria
específica, estão apenas sujeitas ao controle judicial
necessariamente subseqüente, não sendo suscetíveis de revisão
por via de recurso hierárquico."

7.Ainda que, atualmente, o processo de apuração e repressão de


infrações da ordem econômica esteja regulado em outra Lei, a de
nº 8.884/94, as conclusões a que chegou a antiga Consultoria-
Geral da República no Parecer do então Consultor-Geral, Rafael
Mayer, permanecem válidas hoje, tendo em vista o que prevê de
forma expressa o acima transcrito artigo 50 desta Lei, inserido no
título que regulamenta o processo administrativo de apuração de
infração da ordem econômica, motivo pelo qual, repita-se,
somente se aplica nesse caso .

8.Não se ignora que a própria Consultoria-Geral da República


reviu esse entendimento através do Parecer CGR SR-97/1989 e,
posteriormente, do Despacho CGR CS-13/1992, mas não para
excluir o poder hierárquico sobre o CADE em todas as matérias, e
sim para admiti-lo inclusive em relação aos processos referentes
à defesa da ordem econômica.

9.Quanto ao Despacho CGR CS-13/1992, do Senhor


ConsultorGeral da República Célio Silva, que adotou a NOTA
CR/RN-07/92, registre-se que o mesmo sobreveio em momento
absolutamente particular, quando estava em vigor a Lei nº
8.158/91, que, tratando de normas para a defesa da concorrência,

FGV DIREITO RIO 256


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

estabelecia em seu artigo 21 que "as decisões administrativas


previstas nesta lei serão passíveis de recurso, voluntários ou de
ofício, interposto ao Ministro da Justiça, no prazo de dez dias".
Contudo, essa Lei, de vigência curta, foi expressamente revogada
pela Lei nº 8.884/94, a qual, como demonstrado, possui
dispositivo expresso em sentido contrário (art. 50), razão pela qual
esse precedente administrativo tem apenas valor histórico.

10.Outrossim, em relação ao Parecer CGR SR-97/1989, redigido


pelo então Consultor-Geral, Saulo Ramos, esclareça-se que a
matéria de fundo nele discutida era a incompetência do CADE ,
não se tendo analisado o mérito de sua decisão, como se lê
abaixo:

Parecer CGR SR-97/1989

"(...)

12.A competência do CADE, que antes decorre do próprio texto


constitucional, vem definida na lei que o criou. Cabem-lhe a
apuração e a repressão dos abusos do poder econômico.

O CADE não pode, assim, agir ultra vires , além dos limites
estabelecidos em nosso ordenamento positivo. O extravasamento
do âmbito de sua atuação material tornará írritas as resoluções
dele emanadas. Daí a advertência de Hely Lopes Meirelles, de
que 'todo ato... realizado além do limite de que dispõe a
autoridade incumbida de sua prática é inválido, por lhe faltar um
elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para
manifestar a vontade da Administração' (ver 'Direito Administrativo
Brasileiro', p. 111, 13ª ed., 1987, RT).

Identicamente, Celso Antônio Bandeira de Mello: '... a questão da


competência material concerne também - e sempre - à
delimitação de poderes jurídicos distribuídos por ramos de
atividade administrativa, que correspondem a uma segmentação
por matéria; vale dizer: por setores de especialidade. Os órgãos
da administração têm suas atribuições compartimentadas (...). Daí
que o plexo de poderes residentes nos órgãos é balizado pelo
objeto temático. Não há poder ilegítimo, ou seja, não há
competência material fora do círculo temático predefinido. Assim,
não apenas o órgão, mas o agente nele preposto são carentes de
poder jurídico administrativo em áreas exteriores a este campo'
(ver 'Ato Administrativo e Direito dos Administrados', p. 58/59,
1981, RT).

Os elementos de que disponho evidenciam que o CADE pretende,


muito além dos estritos limites de sua competência , avaliar a
política do Governo Federal para o setor petroquímico.

FGV DIREITO RIO 257


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Ora, a essência das políticas governamentais e os motivos que as


determinam refogem, por inteiro, ao círculo temático predefinido
que delimita, estritamente, o campo de atuação do CADE.

Trata-se de inaceitável interferência em área sujeita às decisões


do Chefe do Poder Executivo e às diretrizes fixadas pelo
Congresso Nacional.

Por isso, acentua José Inácio Gonzaga Franceschini, em trabalho


anteriormente referido sobre o CADE e a lei antitruste brasileira:
'No que diz ao objeto jurídico protegido, já salientamos não ser
este a política econômica do Estado...' (ver op. cit., p. 325).

Há, pois, o CADE, que se adstringir aos limites fixados em lei, que
restringem, tematicamente, o campo de incidência de sua
atuação, sob pena de nulificar-se o procedimento por evidente
incompetência material desse órgão administrativo.

(...)

15.Em face do exposto, proponho, mediante avocação do pr


ocesso , seja determinado ao CADE, por intermédio do
Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, que se abstenha, o
órgão, de proceder à análise, investigação e questionamento da
política governamental para o setor petroquímico, posto tratar-se
de matéria evidentemente estranha aos limites de sua estrita e
específica competência legal."

(Parecer aprovado pelo Presidente da República. Publicado no


DOU de 21.08.89)

11. Ainda que este Parecer CGR SR-97/1989 tenha expr


essamente alterado o entendimento do Parecer CGR L-084/1975,
a superveniência do artigo 50 da Lei nº 8.880/94 revigorou as
lições deste quanto à inexistência de controle hierárquico sobre o
mérito das decisões do CADE tomadas em processo de defesa da
ordem econômica, sem contudo afastar, em relação àquele,
excepcionalmente, o trecho acima transcrito, que admite a
supervisão hierárquica sobre essas decisões do CADE quando o
mesmo refoge às suas competências, pois a norma citada, por
interpretação sistemática, confere autonomia ao CADE somente
em processos que apurem infração da ordem econômica que
esteja efetivamente sujeita à sua competência legal, não lhe
garantindo a mesma autonomia se for verificada sua
incompetência material no caso concreto.

12.Essa excepcionalidade, que deve ser somada àquela atinente


às decisões de caráter meramente administrativo da autarquia, é
reforçada quando se verifica que o CADE, ao atuar em caso para
o qual não possui competência legal, ainda que aparentemente

FGV DIREITO RIO 258


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

proceda sob a forma de um processo de apuração de infração à


ordem econômica nos termos da Lei nº 8.880/94, pode invadir a
esfera de competência de outro órgão ou entidade da
Administração Federal, decidindo, eventualmente, de forma
diversa deste, o que causaria ao administrado uma imensa
insegurança, pois haveria duas decisões distintas do Poder
Público para a mesma questão. Nesse caso, se a Administração
não resolver internamente esse conflito de competência, o CADE
e a União ou outra de suas entidades poderão acabar litigando
em juízo para discutir essa questão de competência, o que não é
desejável e pode ser corrigido administrativamente através do uso
do poder hierárquico superior para se definir qual o órgão
competente no caso, sem qualquer ingerência sobre o mérito da
decisão do CADE, mas apenas decidindo pela sua competência
ou, eventualmente, pela sua incompetência material .

13.Esta Advocacia-Geral da União já tem decisão nesse sentido,


como se lê no Parecer AGU GM-20/2001, no qual o então
AdvogadoGeral da União, Gilmar Ferreira Mendes, adotou o
Parecer nº AGU/LA-01/2001, cuja ementa é a que segue:

Parecer AGU GM-20/2001

"Ementa:

1. Consulta sobre conflito de competência entre o Banco Central


do Brasil e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica -
CADE.

2. As posições conflitantes: Parecer da Procuradoria-Geral do


Banco Central, de um lado, e Pareceres da Consultoria Jurídica
do Ministério da Justiça e da Procuradoria do CADE e estudo do
Dr. Gesner Oliveira, de outro.

3. O cerne da controvérsia.

4 . Conclusão pela competência privativa do Banco Central do


Brasil para analisar e aprovar os atos de concentração de
instituições integrantes do sistema financeiro nacional, bem como
para regular as condições de concorrência entre instituições
financeiras e aplicar-lhes as penalidades cabíveis."

(Parecer aprovado pelo Presidente da República. Publicado no


DOU de 25.04.2001)"

(NOTA N. AGU/MS 02/2006, aprovada pelo AGU em 27.01.2006)

62.A propósito da menção ao Parecer CGR L-084/1975, da lavra do


então Consultor-Geral da República, Luiz Rafael Mayer, pode-se transcrever
ainda outro trecho do mesmo, oportuno por ser extremamente didático quanto

FGV DIREITO RIO 259


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

à definição do cabimento, ou não, de recursos administrativos hierárquicos, ou,


em outras palavras, quanto aos instrumentos da supervisão ministerial:

"Poder-se-ia tentar, em face do exposto, dar como válidas, na


matéria, as seguintes proposições:

a) o recurso hierárquico próprio, decorrente do princípio e da


organização hierárquica no âmbito próprio de cada instância ou
nível administrativo, tendente a submeter à autoridade superior o
ato ou decisão praticada pela autoridade inferior, na escala
organizacional, tem sempre cabimento, independente da previsão
legal, salvo se, excepcionalmente, a lei ou o regulamento excluí-
lo, de modo explícito;

b) o recurso hierárquico impróprio, entendido como aquele que


devolve à autoridade superior, estranha ao corpo administrativo
da entidade, mas incumbida de sua vigilância e controle, os atos e
decisões emanados dos Órgãos da Administração Indireta, tem
irrefutável cabimento quando expressamente previsto em lei, e na
extensão em que previsto;

c) cabe, implicitamente, o recurso hierárquico impróprio, das


decisões finais dos Órgãos da Administração Indireta, em virtude
do poder de supervisão ministerial, quando os atos e decisões
possam suscitar, mediante o recurso, o controle repressivo (art.
25, I; art. 26, I, do DL 200-67), quer se tenha por objeto a proteção
de direitos subjetivos legítimos, quer o resguardo do interesse
público;

d) não terá cabimento, porém, o recurso impróprio, quando a


própria lei atribuir, de modo induvidoso, a determinados atos e
decisões, caracteres de definitividade e preclusão, no âmbito
administrativo, de modo que somente tenha lugar o seu controle e
revisão no âmbito da apreciação judicial;

e) em qualquer caso, porém, embora numa colocação e efeitos de


todo diversos da matéria recursal, todo assunto em curso na
esfera da Administração Federal é sujeito à avocação de
competência pelo Presidente da República, desde que ocorra
relevante motivo de interesse público, operando-se uma
substituição do poder decisório nos termos do artigo 170 do DL
200-67."

(Parecer CGR L-084/1975, aprovado pelo Presidente da


República e publicado no DOU de 02.12.75)

63.Note-se ainda que permanece em vigor o disposto no artigo 170 do


Decreto-Lei nº 200/67 , e que, em qualquer caso, "o Presidente da República,
por motivo relevante de interêsse público, poderá avocar e decidir qualquer
assunto na esfera da Administração Federal" .

FGV DIREITO RIO 260


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

64.As conclusões até aqui apresentadas, de fácil compreensão teórica,


mostram-se no entanto complexas na análise das situações concretas que
possam surgir quando for necessário definirse a existência ou não de
competência de determinada agência reguladora para decidir certa matéria em
seu âmbito regulatório, especialmente quando se verifica, nas diversas leis de
criação das agências atualmente existentes, que a distribuição de
competências em cada setor entre cada Ministério e sua agência reguladora
tem contornos absolutamente específicos.

65.Considerando que a análise da forma de repartição de competências


entre cada uma das agências reguladoras atualmente existente e seu
respectivo Ministério supervisor demandaria um estudo extremamente
detalhado de cada uma de suas leis de criação, o que não é o objeto do
presente parecer, tem-se que as conclusões até aqui adotadas poderão ser
utilizadas como norte em cada situação de conflito que vier a ocorrer entre
essas instituições, sendo, em resumo, as seguintes:

-estão sujeitas à revisão ministerial, de ofício ou por pr


ovocação dos interessados, inclusive pela apresentação de
recurso hierárquico impróprio, as decisões das agências
reguladoras re ferentes às suas atividades administrativas ou
que ultrapassem os limites de suas competências materiais
definidas em lei ou re gulamento, ou, ainda, violem as
políticas públicas definidas para o setor regulado pela
Administração direta;

-excepcionalmente, por ausente o instrumento da revisão


administrativa ministerial, não pode ser provido recurso
hierárquico impróprio dirigido aos Ministérios supervisores
contra as decisões das agências reguladoras adotadas
finalisticamente no estrito âmbito de suas competências
regulatórias previstas em lei e que estejam adequadas às
políticas públicas definidas para o setor.

66. De lege ferenda , registre-se que o Projeto de Lei nº 3.337/2004,


encaminhado pelo Poder Executivo e em tramitação na Câmara dos
Deputados, segue no mesmo sentido, ao prever expressamente que os
recursos contra as decisões das agências reguladoras, no que diz respeito à
regulação setorial específica, serão julgados por elas próprias, e não por entes
externos (art. 3º, §§ 2º e 3º), confirmando o afastamento extraordinário da
revisão administrativa ministerial no ponto.

DIVERGÊNCIA ESTABELECIDA ENTRE O MINISTÉRIO DOS


TRANSPORTES E A ANTAQ

67.Ainda que não caiba no presente parecer a análise da repartição de


competências entre cada uma das agências reguladoras e seu respectivo
Ministério supervisor, há que se equacionar o caso concreto submetido à
apreciação desta Advocacia-Geral da União: a divergência entre o Ministério
dos Transportes, que conheceu e deu provimento a recurso hierárquico

FGV DIREITO RIO 261


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

impróprio apresentado contra decisão da ANTAQ, sob o fundamento de


exercer sua supervisão ministerial sobre a entidade, e esta agência reguladora,
que se recusou a dar cumprimento a essa determinação ministerial. Passemos
então à análise do que prevê a Lei nº 10.233/2001 quanto à distribuição de
competências entre as duas instituições:

Lei nº 10.233/2001

Art. 20. São objetivos das Agências Nacionais de Regulação dos


Transportes Terrestre e Aquaviário:

I - implementar, em suas respectivas esferas de atuação, as


políticas formuladas pelo Conselho Nacional de Integração de
Políticas de Transporte e pelo Ministério dos Transportes,
segundo os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei;

II - regular ou supervisionar, em suas respectivas esferas e


atribuições, as atividades de prestação de serviços e de
exploração da infra-estrutura de transportes, exercidas por
terceiros, com vistas a:

a) garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento


a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade,
pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;

b) harmonizar, preservado o interesse público, os objetivos dos


usuários, das empresas concessionárias, permissionárias,
autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando
conflitos de interesses e impedindo situações que configurem
competição imperfeita ou infração da ordem econômica.

Art. 23. Constituem a esfera de atuação da ANTAQ:

(...)

II - os portos organizados; (...).

Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação:

I - promover estudos específicos de demanda de transporte


aquaviário e de serviços portuários;

II - promover estudos aplicados às definições de tarifas, preços e


fretes, em confronto com os custos e os benefícios econômicos
transferidos aos usuários pelos investimentos realizados;

III - propor ao Ministério dos Transportes o plano geral de


outorgas de exploração da infra-estrutura aquaviária e portuária e
de prestação de serviços de transporte aquaviário;

FGV DIREITO RIO 262


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

IV - elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação


de serviços de transporte e à exploração da infra-estrutura
aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso,
assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição
entre os operadores;

V - celebrar atos de outorga de permissão ou autorização de


prestação de serviços de transporte pelas empresas de
navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de
apoio portuário, de cabotagem e de longo curso, observado o
disposto nos art. 13 e 14, gerindo os respectivos contratos e
demais instrumentos administrativos;

(...)

VII - aprovar as propostas de revisão e de reajuste de tarifas


encaminhadas pelas Administrações Portuárias, após prévia
comunicação ao Ministério da Fazenda; (Redação alterada pela
MP nº 2.217-3/2001)

(...)

XIV estabelecer normas e padrões a serem observados pelas


autoridades portuárias, nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de
fevereiro de 1993;

XV - publicar os editais, julgar as licitações e celebrar os contratos


de concessão para exploração dos portos organizados em
obediência ao disposto na Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de
1993;

XVI - cumprir e fazer cumprir as cláusulas e condições avençadas


nos contratos de concessão quanto à manutenção e reposição
dos bens e equipamentos reversíveis à União e arrendados nos
termos do inciso I do art. 4º da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de
1993;

(...)

XXV celebrar atos de outorga de concessão para a exploração da


infra-estrutura aquaviária e portuária, gerindo e fiscalizando os
respectivos contratos e demais instrumentos administrativos.
(Incluído pela MP nº 2.217-3/2001)

Art. 51-A. Fica atribuída à ANTAQ a competência de supervisão e


de fiscalização das atividades desenvolvidas pelas
Administrações Portuárias nos portos organizados, respeitados os
termos da Lei nº 8.630, de 1993. (Incluído pela MP nº 2.217-
3/2001)

FGV DIREITO RIO 263


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

68.No caso concreto posto à apreciação da AGU, a ANTAQ deliberou


que a cobrança da taxa denominada THC2 pelos operadores portuários do
Porto de Salvador constitui indício de exploração abusiva de posição
dominante no mercado, motivo pelo qual encaminhou a questão ao
conhecimento do CADE.

69. Ocorre que essa decisão não invade nenhuma pr errogativa de


formulação de política para o setor portuário, cuja competência estaria
realmente afeta à Administração direta, nos termos do artigo 20, inciso I da Lei
nº 10.233/2001, mas, isto sim, está incluída nas competências conferidas
expressamente à ANTAQ no artigo 27, incisos II, IV e XIV da mesma Lei,
dentro de sua área de atuação regulatória. Diante disso, mostra-se ausente,
excepcionalmente, a possibilidade de revisão ministerial da decisão da
agência, e o recurso hierárquico impróprio interposto pela empresa TECON
Salvador S/A não poderia ser provido para os fins pretendidos pela recorrente,
devendo ser mantida a decisão adotada pela ANTAQ, porque afeta à área de
competência finalística da agência reguladora, autarquia constituída sob re
gime especial, conforme visto no tópico anterior.

70.Diante dessa constatação, infere-se ainda que todos os argumentos


de forma ou de mérito apresentados pela empresa TECON Salvador S/A em
seu recurso hierárquico impróprio não podem ser apreciados pela
Administração direta, porque já analisados pela ANTAQ, que, como visto,
possuía competência para decidir a questão em última instância administrativa,
não se podendo, de qualquer forma, aceitar os argumentos apresentados
referentes a eventual violação às garantias constitucionais do devido processo
legal, contraditório e ampla defesa da interessada, porque dois "recursos"
apresentados pela empresa foram sucessivamente apreciados pela ANTAQ e
desprovidos, não havendo nenhum dispositivo na Constituição ou em lei que
lhe assegure o direito de revisão, no caso, da decisão da ANTAQ pelo
Ministério dos Transportes, conforme amplamente fundamentado
precedentemente.

71.Finalmente, quanto à eventual existência de ação judicial acerca da


cobrança da THC2 pela TECON Salvador S/A, a União não é parte nesses
feitos, motivo pelo qual não está abrangida por qualquer decisão provisória ou
definitiva adotada em juízo, não havendo então qualquer empecilho judicial à
edição do presente parecer, se o mesmo for aprovado. Quanto à ANTAQ, se
for parte em alguma ação em que a mesma questão esteja em disputa, e
somente nessa situação, por certo deverá observância às decisões do Poder
Judiciário tomadas nesse processo, a despeito das conclusões do presente
parecer, se for o caso.

PARECERES MINISTERIAIS. COORDENAÇÃO E VINCULAÇÃO DOS


ÓRGÃOS JURÍDICOS DAS ENTIDADES VINCULADAS. CONFLITOS DE
COMPETÊNCIA. PARECERES NORMATIVOS DA AGU.

72.A princípio, a solução para o caso em tela estaria circunscrita ao que


já se decidiu até aqui. Contudo, considerando que a Consultoria Jurídica do
Ministério dos Transportes solicitou expressa manifestação desta Advocacia-

FGV DIREITO RIO 264


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Geral da União acerca de outros temas correlatos - "alcance do art. 42 da Lei


Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 sobre as Agências
Reguladoras vinculadas a este Ministério, bem como as Procuradorias
Federais Especializadas vinculadas a esta Consultoria Jurídica; coordenação e
supervisão da Consultoria Jurídica deste Ministério sobre as Procuradorias
Federais Especializadas e os demais órgãos jurídicos dos entes vinculados ao
Ministério dos Transportes" -, passa-se à sua análise. Leia-se o citado
dispositivo e outro que lhe é afeto:

LC nº 73/93

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente


subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos
demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao
Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete,
especialmente:

(...)

II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos


órgãos autônomos e entidades vinculadas;

III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e


dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em
suas áreas de atuação e coordenação quando não houver
orientação normativa do Advogado-Geral da União; (...).

Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo


Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das
demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do
EstadoMaior das Forças Armadas, obrigam, também, os
respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.

73.Combinando o que se concluiu até aqui acerca da divisão de


competências entre os Ministérios supervisores e as agências reguladoras com
o disposto na Lei Complementar nº 73/93, a única interpretação possível é a
seguinte: a coordenação das Pr ocuradorias Federais junto às agências
reguladoras pelas Consultorias Jurídicas dos Ministérios não se estende às
decisões adotadas por essas entidades da Administração indireta quando
referentes às competências regulatórias desses entes especificadas em lei,
porque, para tanto, decorreria do poder de revisão ministerial, o qual, se
excepcionalmente ausente nas circunstâncias esclarecidas precedentemente,
afasta também as competências das Consultorias Jurídicas. O mesmo ocorre
em relação à vinculação das agências reguladoras aos pareceres ministeriais,
não estando elas obrigadas a rever suas decisões para lhes dar cumprimento,
de forma também excepcional, desde que nesse mesmo âmbito de sua
atuação regulatória. Vale ainda a lembrança de que essa exceção somente se
mantém válida na medida em que a agência observar as políticas definidas
para o setor pela Administração direta.

FGV DIREITO RIO 265


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

74.O fundamento dessa conclusão reside exatamente no fato de essas


competências regulatórias pertencerem, por determinação legal, e nos estritos
limites dessas previsões, às agências reguladoras, e não aos Ministérios, e, por
conseqüência, também não se encontrarem na seara das suas Consultorias
Jurídicas. Porém, fora desses limites definidos, valem integralmente as
previsões dos artigos 11, incisos II e III, e 42 da LC nº 73/93, que podem ser
invocadas pelos Ministérios inclusive nas situações em que as agências
tenham usurpado suas competências legais ou violado políticas públicas
definidas para o setor , o que, como explicitado, não ocorreu no caso em
apreço, motivo pelo qual não se pode falar ainda em qualquer
responsabilização funcional dos agentes que atuaram no caso na ANTAQ por
eventual insubordinação.

75.E mais: havendo disputa entre os Ministérios e as agências


reguladoras quanto à fixação dessa competência, não aceitando a agência
decisão do Ministério que se dê por competente para deliberar sobre
determinada matéria, ou mesmo divergência de atribuições entre uma agência
reguladora e outra entidade da Administração indireta, a questão deve ser
submetida a esta Advocacia-Geral da União , nos termos do que prevê a
mesma LC nº 73/93, a Lei Orgânica da AGU:

Lei Complementar nº 73/93

Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:

(...)

XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta


aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os
órgãos jurídicos da Administração Federal; (...).

76.Essa possibilidade de atuação da Administração Federal,


particularmente da Advocacia-Geral da União, com o respaldo da aprovação
presidencial, para definir disputas internas de competência entre seus órgãos e
entidades, ainda que envolvendo agências reguladoras, também é reconhecida
pela doutrina:

"Há, contudo, inúmeras situações que implicarão em conflitos de


competência... que dependerão de decisão em esfera alheia aos
respectivos órgãos reguladores...

(...)

Quando o conflito envolver entidades da mesma esfera de poder


da Federação, a solução deve se dar no exercício do poder
hierárquico do administrador..."

(SOUTO, Marcos Juruena Villela. Agências Reguladoras. In:


Revista de Direito Administrativo, nº 216, pp. 136-137)

FGV DIREITO RIO 266


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

"... a enorme setorização dos centros estatais de poder torna


inevitável a necessidade de criação de mecanismos de
coordenação entre estas diversas sedes, evitando-se conflitos
positivos e negativos de competências e propiciando a otimização
do conjunto de suas atuações.

As agências reguladoras, como uma das mais importantes


manifestações do fenômeno no Direito Público brasileiro, não
poderiam fugir à regra. Já se constata na prática de sua regulação
uma série de conflitos, seja entre agências reguladoras...; com
outras entidades da Administração Indireta (ex.: CADE); ou com
órgãos, notadamente Ministérios, da Administração Direta.

As leis instituidoras das agências são muito avaras no


preestabelecimento de soluções para estes conflitos e nem
poderia ser diferente, uma vez que a quantidade e
particularidades dos possíveis conflitos inviabilizam qualquer
tentativa de prévia solução legislativa rígida e uniforme.

O ideal é que os órgãos e entidades cujas competências tenham


potenciais pontos de atrito expeçam os atos normativos conjuntos
e celebrem os convênios necessários à prevenção de conflitos.
Caso o conflito e revele inevitável a solução no âmbito
administrativo será determinada pela Advocacia-Geral da União e
pelo Presidente da República com base nos incisos X e XI do art.
4º e no art. 40 da Lei Complementar nº 73/93.

Esta competência da Advocacia-Geral da União certamente


constitui um forte mecanismo de controle da autonomia reforçada
das agências reguladoras pela Administração central, mecanismo
de tutela este legítimo, já que expressamente previsto em lei ( pas
de tutelle sans texte )."

(ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a


Evolução do Direito Administrativo Econômico. Forense, 2005, pp.
360361)

77.Perfeita a lição do Professor Alexandre Santos de Aragão, à qual


permito-me fazer apenas um reparo, pois conclui o autor em seguida ao trecho
acima transcrito que a agência reguladora pode, se discordar da decisão da
Advocacia-Geral da União, ainda que aprovada pelo Presidente da República,
questioná-la em juízo , o que, com a devida vênia, resta vedado às
Procuradorias Federais junto às agências , seja porque se constituem em
órgãos de execução da Procuradoria-Geral Federal e, por isso, vinculados à
AdvocaciaGeral da União (LC nº 73/93, art. 4º, XIII e Lei nº 10.480/2002, arts.
9º e 10), ou em razão do disposto na Medida Provisória nº 2.18035/2001, artigo
11:

MP nº 2.180-35/2001

FGV DIREITO RIO 267


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 11. Estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre


entidades da Administração Federal indireta, ou entre tais entes e
a União, os Ministros de Estado competentes solicitarão, de
imediato, ao Presidente da República, a audiência da Advocacia-
Geral da União.

Parágrafo único. Incumbirá ao Advogado-Geral da União adotar


todas as providências necessárias a que se deslinde a
controvérsia em sede administrativa.

78.Por fim, resgate-se ainda o que prevê expressamente a Lei nº


11.182/2005 acerca da ANAC:

Lei nº 11.182/2005

Art. 8º Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o


atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e
fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e
aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade,
impessoalidade e publicidade, competindo-lhe: (...)

XLIV - deliberar, na esfera administrativa, quanto à interpretação


da legislação, sobre serviços aéreos e de infra-estrutura
aeronáutica e aeroportuária, inclusive casos omissos, quando não
houver orientação normativa da Advocacia-Geral da União ; (...).

79.Embora não prevista norma de idêntico teor na legislação de criação


das demais agências reguladoras, vale o mesmo preceito em razão do disposto
nos artigos 4º, inciso X, e 40 da LC nº 73/93, devendo todas as agências
reguladoras respeito às orientações normativas da Advocacia-Geral da União :

LC nº 73/93

Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:

(...)

X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e


demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos
órgãos e entidades da Administração Federal; (...).

Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este


submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho


presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e
entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

FGV DIREITO RIO 268


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as


repartições interessadas, a partir do momento em que dele
tenham ciência.

Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-


Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que,
emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele
aprovados e submetidos ao Presidente da República.

ATRIBUIÇÕES DOS TITULARES DO CARGO DE PROCURADOR


FEDERAL.

80.Conforme relatado, a Procuradoria Federal junto à ANTAQ proferiu o


PARECER-PRG-ANTAQ/Nº 149/2005-JRLO, da lavra de "assessor" não
integrante da carreira de Procurador Federal. Esse parecer, recomendando à
Diretoria da ANTAQ que não acatasse a decisão proferida pelo Senhor Ministro
de Estado dos Transportes que conheceu e deu provimento ao recurso
hierárquico impróprio apresentado contra deliberação da Agência, foi aprovado
pelo Senhor Procurador-Geral da ANTAQ, e expressamente impugnado pela
Senhora Consultora Jurídica do Ministério dos Transportes, em razão de ter
sido proferido por agente que não detinha competência para tanto, por não ser
Procurador Federal.

81.Acerca das atribuições dos titulares do cargo de Procurador Federal,


a Medida Provisória nº 2.229-43/2001 dispõe:

MP nº 2.229-43/2001

Art. 37. São atribuições dos titulares do cargo de Procurador


Federal:

I - a representação judicial e extrajudicial da União, quanto às


suas atividades descentralizadas a cargo de autarquias e
fundações públicas, bem como a representação judicial e
extrajudicial dessas entidades;

II - as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos à


União, em suas referidas atividades descentralizadas, assim
como às autarquias e às fundações federais;

III a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer


natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida
ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial; e

IV - a atividade de assistir a autoridade assessorada no controle


interno da legalidade dos atos a serem por ela praticados ou já
efetivados.

82.A par da correção material das conclusões adotadas pelo subscritor


da manifestação da Procuradoria Federal junto à ANTAQ, e sem qualquer

FGV DIREITO RIO 269


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

consideração acerca dos demonstrados conhecimentos jurídicos que possui


sobre a matéria, é evidente que sua atuação realizada inclusive sob os timbres
da Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral Federal, Procuradoria
Federal - ANTAQ -usurpou as atribuições dos integrantes da carreira de
Procurador Federal definidas no artigo 37, incisos II e IV da MP nº
2.22943/2001.

83.Excepcionalmente, a legislação autoriza que outros profissionais


exerçam essas atribuições específicas da carreira de Procurador Federal em
situações específicas, mas justamente não há nenhuma lei que respalde a
atuação do subscritor do parecer na Procuradoria Federal junto à ANTAQ na
presente hipótese.

84.Por outro lado, esse fato não chega a invalidar a deliberação final da
ANTAQ. A uma, por que sua Diretoria não estava vinculada no mérito à
recomendação da Procuradoria; a duas, porque de qualquer forma ratificou-se
essa manifestação pelo seu Procurador-Geral.

85.De qualquer sorte, se aprovado o presente parecer, devem as


agências reguladoras adotar todas as providências para que, à exceção dos
casos previstos em lei, nenhum agente que não integre a carreira de
Procurador Federal exerça quaisquer das atribuições previstas no artigo 37 da
MP nº 2.229-43/2001.

86.Essas são as razões que submeto à elevada consideração de Vossa


Excelência, e que, acaso aprovadas, sugiro o sejam nos termos do artigo 40, §
1º, da Lei Complementar nº 73/93, servindo como precedente para a definição
de controvérsias futuras entre as agências reguladoras e seus Ministérios
supervisores, bem como restabelecendo as deliberações adotadas pela
ANTAQ no processo nº 50300.000022/02.

Brasília/DF, 23 de maio de 2006

MARCELO DE SIQUEIRA FREITAS

Consultor da União

FGV DIREITO RIO 270


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ANEXO V

Superior Tribunal de Justiça


MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.827 - DF (2005/0118269-9)

RELATOR : MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA


IMPETRANTE : SÉRGIO LUIZ LAGEANO MOREIRA
ADVOGADO : JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES E OUTROS
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VÍCIOS FORMAIS. INEXISTÊNCIA.
APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO. DESPROPORCIONALIDADE
CONFIGURADA NA ESPÉCIE. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE.
1. A autoridade administrativa, ciente da prática de qualquer irregularidade no
serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal, determinar a apuração dos
fatos imediatamente, assegurada ao acusado a ampla defesa. Inteligência do art.
143 da Lei n. 8.112/90.
2. A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem
estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos
princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento
inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar,
ainda sem a presença obrigatória de acusados.
3. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica em afirmar que o excesso de
prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não conduz à nulidade
deste.
4. O mandado de segurança somente se viabiliza quando o alegado direito líquido
e certo, que se visa proteger, vier comprovado de plano, aferindo-se sua
existência apenas com as provas trazidas com a impetração, nos limites do
procedimento sumário, característico dos remédios constitucionais.
5. A autoridade julgadora pode acatar o parecer de sua Consultoria Jurídica,
servindo aquele como elemento integrante do ato demissionário, sem que isso
vicie o procedimento administrativo.
6. A punição administrativa há de se nortear, porém, segundo o princípio da
proporcionalidade, não se ajustando à espécie a pena de demissão, ante a
insignificância da conduta do agente, consideradas as peculiaridades verificadas.
7. Segurança concedida em parte para o fim específico de anular-se a Portaria n.
469, de 29 de março de 2005, que demitiu o impetrante do cargo de Policial do
Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça, sem
prejuízo de eventual apenamento menos gravoso, pelas infrações disciplinares
detectadas, a partir do procedimento administrativo disciplinar instaurado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder em parte a segurança,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Votaram com o Relator os Srs. Ministros ARNALDO ESTEVES LIMA, FELIX
FISCHER, PAULO GALLOTTI, LAURITA VAZ e PAULO MEDINA.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros NILSON NAVES e HAMILTON
CARVALHIDO.
Documento: 601083 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/02/2006 Página 1 de 14

FGV DIREITO RIO 271


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Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GILSON DIPP.
Brasília (DF), 14 de dezembro de 2005 (Data do Julgamento)

MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA


Relator

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FGV DIREITO RIO 272


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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.827 - DF (2005/0118269-9)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (Relator):


Trata-se de mandado de segurança impetrado por SÉRGIO LUIZ LAGEANO
MOREIRA, contra ato do MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, que, em face de
irregularidades cometidas na comprovação de despesas realizadas com transporte coletivo
para fins de percebimento do auxílio-transporte, o demitiu do cargo de policial do
Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça, com fulcro no art. 132,
IV e XIII, da Lei n. 8.112/90, combinado com art. 11 da Lei n. 8.429/92, por ter se valido do
cargo para lograr proveito pessoal, em detrimento da dignidade da função pública, bem como
por improbidade administrativa.
Objetiva o impetrante a reintegração no cargo anteriormente ocupado, ante a
ausência de justa causa para a instauração da sindicância e do processo administrativo
disciplinar, posto ser ilegal e inconstitucional a Instrução Normativa n. 04/2000, alterada pela
Instrução Normativa n. 05/2002, condicionante do pagamento do auxílio-transporte à
comprovação por meio de bilhetes de passagem, que contenham indicação de data, horário e
itinerário coincidentes com o deslocamento para o serviço; alega, outrossim,
desproporcionalidade na aplicação da pena, em face das transgressões disciplinares
praticadas, uma vez inexistente dano ao erário, vulnerando-se, por assim, os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, da insignificância e da individualização da pena.
Sustenta, ainda, a presente impetração outras razões: ausência de contraditório
e de ampla defesa no inquérito administrativo; excesso de prazo para conclusão do processo
administrativo; afronta ao princípio da impessoalidade; e, por fim, inexistência de decisão
administrativa de julgamento pela autoridade coatora.
Indeferido o pedido de concessão de medida liminar pelo Ministro
Vice-Presidente no exercício da Presidência deste Tribunal Superior (fl. 74), a autoridade
impetrada prestou informações, asseverando que, pese embora o Poder Judiciário já ter
proclamado a ilegalidade da IN n. 05/2002, não se pode perder de vista que houve fraude
contra a Administração.
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FGV DIREITO RIO 273


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Assevera ser a sindicância um procedimento inquisitorial que visa apurar
irregularidades ainda imprecisas, sem definição definitiva de autoria; e, por ser desprovido de
acusados, não há como prestigiar os princípios do contraditório e da ampla defesa; aduz que o
excesso de prazo para conclusão de processo administrativo disciplinar, segundo a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não justifica a invalidação do procedimento.
Sobre o argumento de que a Administração feriu o princípio da impessoalidade,
diz a autoridade indigitada de coatora tal assertiva não ser condizente com a verdade; ademais,
aduz necessária a revisão do material fático apurado no processo administrativo disciplinar,
com óbice no rito especial do mandado de segurança.
Quanto à inexistência de decisão administrativa de julgamento pela autoridade
coatora, é afirmado que quando o ato decisório se limita a aprovar parecer, este integra aquele
como razão de decidir.
Por fim, no que se refere à vulneração do princípio da razoabilidade, sustenta a
não aceitação do princípio da insignificância no direito disciplinar, assim como aduz ser o ato
de improbidade administrativa uma transgressão de índole formal, que se consuma apenas com
a conduta ilícita do agente, sem que precise haver, necessariamente, a obtenção de proveito
pessoal.
O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, oferta parecer pela
parcial concessão da ordem, anulando-se o ato demissório, sem prejuízo de eventual
imposição de outras sanções cabíveis, mas, ordenada, ao final, a reintegração do impetrante
no cargo que preenchia.
É o relatório.

Documento: 601083 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/02/2006 Página 4 de 14

FGV DIREITO RIO 274


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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.827 - DF (2005/0118269-9)

EMENTA
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VÍCIOS FORMAIS. INEXISTÊNCIA.
APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO. DESPROPORCIONALIDADE
CONFIGURADA NA ESPÉCIE. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE.
1. A autoridade administrativa, ciente da prática de qualquer irregularidade no
serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal, determinar a apuração dos
fatos imediatamente, assegurada ao acusado a ampla defesa. Inteligência do art.
143 da Lei n. 8.112/90.
2. A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem
estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos
princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento
inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar,
ainda sem a presença obrigatória de acusados.
3. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica em afirmar que o excesso de
prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não conduz à nulidade
deste.
4. O mandado de segurança somente se viabiliza quando o alegado direito líquido
e certo, que se visa proteger, vier comprovado de plano, aferindo-se sua
existência apenas com as provas trazidas com a impetração, nos limites do
procedimento sumário, característico dos remédios constitucionais.
5. A autoridade julgadora pode acatar o parecer de sua Consultoria Jurídica,
servindo aquele como elemento integrante do ato demissionário, sem que isso
vicie o procedimento administrativo.
6. A punição administrativa há de se nortear, porém, segundo o princípio da
proporcionalidade, não se ajustando à espécie a pena de demissão, ante a
insignificância da conduta do agente, consideradas as peculiaridades verificadas.
7. Segurança concedida em parte para o fim específico de anular-se a Portaria n.
469, de 29 de março de 2005, que demitiu o impetrante do cargo de Policial do
Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça, sem
prejuízo de eventual apenamento menos gravoso, pelas infrações disciplinares
detectadas, a partir do procedimento administrativo disciplinar instaurado.

VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (Relator):
1. Em linha de princípio, insta asseverar que não é motivo para inibir a
instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, por ausência de justa
causa, a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da Instrução Normativa n. 04/2000, alterada
pela Instrução Normativa n. 05/2002, isso porque a autoridade administrativa, ciente da
prática de qualquer irregularidade no serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal
(art. 143 da Lei n. 8.112/90), determinar a apuração dos fatos imediatamente, assegurado ao

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FGV DIREITO RIO 275


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acusado a ampla defesa.
2. Não se sustenta, tampouco, o argumento de que a inobservância do
contraditório e da ampla defesa, no inquérito administrativo, conduziria à nulidade da própria
sindicância, assim também do processo administrativo disciplinar subseqüente.
A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem,
com isso, se destinar, diretamente, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos
princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial,
prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou, conforme espelha a
seguinte ementa:

"MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICÂNCIA. ALEGAÇÃO DOS


IMPETRANTES DE NÃO TEREM SIDO OUVIDOS NESTA FASE.
PROCEDIMENTO DESTINADO À SIMPLES VERIFICAÇÃO DE
IRREGULARIDADES. EQUIPARAÇÃO AO INQUÉRITO POLICIAL.
DISCUSSÃO QUANTO À APLICAÇÃO DE PENA NO ÂMBITO DE
SINDICÂNCIA. AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. PORTARIA. PUBLICAÇÃO NO BOLETIM DE SERVIÇO.
VALIDADE. PRECEDENTE. EXCESSO DE PRAZO NÃO IMPLICA
NULIDADE DO PROCESSO. § 1º DO ART. 169 DA LEI 8.112.
CONTROVÉRSIA ACERCA DOS FATOS. MATÉRIA NÃO
SUPORTÁVEL NA VIA DO MANDADO DE SEGURANÇA. Segurança
indeferida." (Supremo Tribunal Federal, MS n. 22.888/PR, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Nelson Jobim, DJ de 18.2.1998).

3. De outra parte, consolidou-se também na jurisprudência desta Corte


Superior o entendimento de que o excesso de prazo para conclusão do processo
administrativo disciplinar, por si só, não conduz à nulidade do procedimento, ainda mais
quando, diante das pelas irregularidades apontadas, em seu todo, a superação do prazo é
inevitável, na apuração dos ilícitos investigados.
Esse o entendimento vigente na Terceira Seção deste Tribunal Superior,
conforme se verifica da leitura da ementa que se segue:

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CASSAÇÃO DE


APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.
INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO
DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO.
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FGV DIREITO RIO 276


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INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL.
IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO
MÉRITO ADMINISTRATIVO. "WRIT " IMPETRADO COMO FORMA DE
INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA.

[...]
II – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o excesso de
prazo, quando ocorre devido ao conjunto de circunstâncias que norteiam a
investigação, não pode ser alegado como fator de nulidade do processo.
[...]
VI - Ordem denegada." (MS n. 8.780/DF, Terceira Seção, Rel. Min. Gilson
Dipp, DJ de 28.10.2003).

4. Quanto à assertiva de que houve afronta ao princípio da impessoalidade,


vê-se que o procedimento reprochado não abre ensanchas à correção, uma vez que o
instrumento escolhido pelo impetrante – mandado de segurança – somente viceja quando o
alegado direito líquido e certo, que se almeja proteger, vier comprovado de plano, aferível só
com as provas trazidas com a inicial, dentro do rito sumário, característico dos remédios
constitucionais.
5. No tocante à alegada inexistência de decisão administrativa de julgamento,
em verdade, tal proposição não encontra amparo na jurisprudência consolidada deste
Sodalício.
O Superior Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, perfilhado o entendimento
de que a autoridade julgadora pode acatar o parecer de sua consultoria jurídica, servindo tal
peça como elemento integrante do ato demissionário, sem que isso vicie o procedimento
administrativo realizado.
Nessa esteira, cai como luva posição esposada pelo insigne Ministro Hamilton
Carvalhido, para quem "em havendo a autoridade administrativa acatado o parecer elaborado
pela Consultoria Jurídica da Advocacia da União, na forma do artigo 168 da Lei 8.112/90,
não há falar em ilegalidade da Portaria que demitiu o impetrante por ausência de motivação"
(MS n. 8259/DF, Terceira Seção, DJ de 17.02.2003).
6. Superadas as questões de ordem formal, passa-se ao exame da alegada
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FGV DIREITO RIO 277


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desproporcionalidade da pena imposta ao impetrante.
A Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, formada para apurar
supostas irregularidades na comprovação de despesas para percebimento do
auxílio-transporte dos policiais rodoviários federais lotados na delegacia de Dourados, Mato
Grosso do Sul, concluiu que o impetrante valeu-se do cargo para lograr proveito pessoal, em
detrimento da dignidade da função pública (art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90), ao ter
apresentado bilhetes de passagens utilizadas por outros usuários, bilhetes contendo rasuras e
outros tantos não correspondentes aos dias e horários efetivamente trabalhados.
Em decorrência da conclusão da comissão processante, o Ministro de Estado
da Justiça aplicou pena máxima de demissão, com supedâneo no art. 132, incisos IV e XIII,
da Lei n. 8.112/90, por improbidade administrativa, e transgressão do inciso IX do art. 117 do
Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União ("valer-se do cargo para lograr proveito
pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública").
Ocorre que, consoante dos autos emana, a conduta ilícita do servidor resultou
em prejuízo aos cofres públicos, de aproximadamente R$ 36,80 (trinta e seis reais e oitenta
centavos); ressalte-se que a partir da documentação acostada aos autos, não se tem notícia da
prática de outras condutas irregulares que pudessem interferir na convicção de que se trata de
servidor público possuidor de bons antecedentes, o qual, aliás, servia na Delegacia da Polícia
Rodoviária Federal de Dourados, Mato Grosso do Sul, segundo reconhecida, inclusive pela
imprensa e pelo Ministério Público Federal (fls. 48 e segs.), uma das mais eficientes no
combate ao roubo de veículos e de cargas, ao tráfico de entorpecentes e ao contrabando e
descaminho.
Segundo a dicção do art. 128 do Regime Jurídico Único dos Servidores
Públicos Civis da União, "na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a
gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as
circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais". Esse preceito é a
própria expressão do princípio da proporcionalidade na lei, e do qual o administrador não
pode se afastar, bem assim há de lhe dever obediência quando, nos procedimentos
disciplinares, editar atos administrativos, no exercício do poder disciplinar.

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FGV DIREITO RIO 278


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Em caso de idêntico jaez, apreciado por esta Terceira Seção, na assentada de
23 de fevereiro do ano em curso, Mandado de Segurança n. 7.983/DF, com respaldo e
aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, se apreciou o conteúdo de
ato administrativo de natureza disciplinar, posto ter sido constatado, na peculiaridade daquela
espécie, por parte da Administração, excesso na aplicação da pena imposta a servidor público
que, no universo amplo das irregularidades apuradas, tivera conduta de menor significância.
Vale rememorar como, naquela ocasião, foi dirimida, no ponto, a questão, sob
minha relatoria:

"Ao propósito, vale ressaltar, desde logo, não estar sendo abstraída,
pura e simplesmente, a noção comezinha de que, via de regra, ao Poder Judiciário
não é dado substituir juízo de avaliação no âmbito disciplinar, reservado à
Administração, no tocante à definição da gravidade da conduta atribuída ao agente
público infrator e, conseqüentemente, à escolha, bem como à dosagem da
reprimenda cabível em razão do ilícito administrativo perpetrado.
[...]

Não se trata, vale a reprise, de pretender substituir o Judiciário o


juízo prévio de mérito da Administração, que faz por prenunciar a iminente aplicação
daquela reprimenda, mas de haver em conta, diante do quadro fático apurado, com
observância dos princípios da razoabilidade, num plano mais abrangente, e da
proporcionalidade, seu desdobramento, que a se eleger a reprimenda mais drástica,
com vista à punição do faltoso, estar-se-á, em última análise, também a incidir na
prática de ato ilegítimo, que o é aquele desafeiçoado da finalidade para o qual se diria
praticado.

Ilegítimo, com efeito, não será apenas o ato que colida frontalmente
com a exigência de subordinação aos requisitos ordinários de validade do ato, dentre
estes os de forma e de motivação; nesse último terreno, com efeito, sob pena de
perpetrar-se ato maculado por desvio de poder, se inclui a pertinência de que o
motivo argüido se ajuste ao resultado do ato, ou seja, aos fins a que se destina.

[...]

Sob tal ótica e dentro da vertente da razoabilidade, não se antecipe

Documento: 601083 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/02/2006 Página 9 de 14

FGV DIREITO RIO 279


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crítica alicerçada em que ao juiz não caiba, por entender que a valoração específica
do administrador se confronte com a sua, do que é razoável, a partir de parâmetros
variáveis dentre os quais oscilam os standards de aceitabilidade, substituir o juízo de
valor do administrador; porque, ainda assim se pensando — e com razão
irreprochável —, tal não inibe o desfazimento do ato, na via judicial, ou que se lhe
anteponha obstáculo, caso iminente a sua prática, porquanto, afinal, a detectada falta
de congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas afronta,
sim, verdadeiramente, ao próprio princípio da legalidade, não somente ao da
razoabilidade.

Este, com efeito, tem fundamento e base de sustentação nos


princípios maiores, da legalidade e da finalidade,os quais, por si, bastariam para
ferretear uma providência desarrazoada.

Porque "uma providência desarrazoada", consoante magistério de


Celso Antônio, "não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal; é
desbordante dos limites nela admitidos" (Curso de Direito Administrativo, ed.
Malheiros, São Paulo, 1993, p. 55).

Idêntica linha de raciocínio subsidia a consagração e a aplicabilidade


do princípio da razoabilidade, também em sede do controle jurisdicional dos atos
administrativos, tomando em consideração que referido princípio se põe a campo e
há de operar, naqueles casos em que se manifeste a prática de atos viciados por
excesso ou desvio de poder, ou quando haja sinalização convincente de que estão
prestes a ser praticados, caracterizando comportamento administrativo ilegítimo,
bem por isso, suscetível de correção pela via judicial.

Sobre o princípio da razoabilidade, discorre o festejado Alexandre de


Moraes, não deixando à margem o da proporcionalidade, umbilicalmente atrelados
que se acham um ao outro:

"o que se exige do Poder Público é uma coerência lógica nas decisões
e medidas administrativas e legislativas, bem como na aplicação da
medidas restritivas e sancionadoras; estando, pois, absolutamente
interligados, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
(Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, ed.
Atlas, São Paulo, 2004, 4ª edição, p. 370).
Em remate e consoante estudo de Ricardo Aziz Cretton:

"Confluem ambos, pois, rumo ao (super) princípio da ponderação de


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FGV DIREITO RIO 280


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valores e bens jurídicos, fundante no próprio Estado de Direito
Democrático contemporâneo (plenalista, cooperativo, publicamente
razoável e tendente ao justo)" (Os Princípios da Proporcionalidade e
da Razoabilidade e sua Aplicação no Direito Tributário, ed. Lumen
Juris, Rio de Janeiro, 2001, p. 75).
[...]

Multiplicam-se precedentes, nesta Corte, em que não se recusou o


exame de pedidos revisionais de penalidades administrativas, mediante análise do
aspecto concernente à devida proporcionalidade entre o fato punível e a reprimenda
imposta, embora na imensa maioria das impetrações não tenham sido mitigadas as
penas impostas (MS n. 8.149/DF, Terceira Seção, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, DJ de de
16.6.2003; RMS n. 10.895/ES, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca,
DJ de 13.10.2003; MS n. 7.453/DF, Terceira Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de
4.10.2004)."

Sobressaiu naquele momento, precedente julgado em que, ademais de admitido


o embate travado sob invocação do princípio da proporcionalidade, terminou desaguando no
abrandamento da pena imposta, afastada a demissória, espelhando-se o aresto na seguinte
ementa:

"ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR


PÚBLICO - DEMISSÃO - PRELIMINAR DE CARÊNCIA DA AÇÃO
AFASTADA - PRÁTICA DE USURA NÃO COMPROVADA -
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - NÃO OBSERVÂNCIA -
ILEGALIDADE - CONCESSÃO.
1 - Visa a via mandamental a proteger direito, individual ou coletivo, líquido e
certo, de lesão ou ameaça de lesão por ato da autoridade. Conforme se
depreende dos autos, a pena imposta ao impetrante, bem como uma decisão
judicial desta Corte Superior de Uniformização Infraconsticional, idêntica ao
presente caso, com certeza, são hábeis a sustentar esta impetração. Preliminar
de carência rejeitada.
2 - No mérito, deve a autoridade competente, na aplicação da penalidade, em
respeito ao princípio da proporcionalidade (devida correlação na qualidade e
quantidade da sanção, com a grandeza da falta e o grau de responsabilidade do
servidor), observar as normas contidas no ordenamento jurídico próprio,
verificando a natureza da infração, os danos para o serviço público, as
circunstâncias atenuantes ou agravantes e os antecedentes funcionais do
servidor. Inteligência do art. 128, da Lei nº 8.112/90. Assim, não havendo
prova da prática de usura, bem como da utilização de recursos materiais da
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FGV DIREITO RIO 281


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repartição, não há como manter a aplicação de tal penalidade.
3 - Ademais registro que, por se tratar de demissão, pena capital aplicada a um
servidor público, a afronta ao princípio supracitado constitui desvio de
finalidade por parte da Administração, tornando a sanção aplicada ilegal, sujeita
a revisão pelo Poder Judiciário. Deve a dosagem da pena, também, atender ao
princípio da individualização inserto na Constituição Federal de 1988 (art. 5º,
XLVI), traduzindo-se na adequação da punição disciplinar à falta cometida.
4 - Precedente da 3a. Seção (MS 6.663/DF).
5 - Preliminar rejeitada e segurança concedida para determinar que sejam
anulados os atos que impuseram a pena de demissão ao impetrante, com a
conseqüente reintegração do mesmo no cargo que ocupava, sem prejuízo de
que, em nova e regular decisão, a Administração Pública aplique a penalidade
adequada à infração administrativa. Os efeitos financeiros retroativos devem ser
reclamados em via adequada, consoante Súmula 271/STF.
6 - Custas ex lege. Sem honorários advocatícios a teor das Súmulas 512/STF e
105/STJ." (MS n. 7.260/DF, Terceira Seção, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ
de 26.6.2002).

7. É desate que se amolda à espécie, diante da manifesta insignificância do


resultado do ilícito perpetrado, que se não o exclui, nem o torna moral e eticamente menos
censurável, impõe, ao menos, em virtude da baixa lesividade da conduta do agente, se lhe
aplique, em sendo o caso, reprimenda menos severa que a expulsória, em homenagem não só
ao princípio da proporcionalidade, como também ao regramento das penas disciplinares,
segundo critérios específicos, dentre os quais se destacam e sobrelevam "a gravidade da
infração cometida" e "os danos que dela provierem para o serviço público" (art. 128 da Lei n.
8.112/90)
Tal é o sentido do direito pretoriano, como faz lembrar o parecer ministerial,
subscrito pela Subprocuradora-Geral da República Dulcinéa Moreira de Barros (fls. 107/108).
Não destoa a doutrina, dizendo por todos Fábio Medina Osório, de cuja obra
se colhe que:

"Também no sancionamento dos atos ilícitos, pelo ângulo de Direito


Administrativo, haverá incidência da proporcionalidade, atenuando o rigor das
sanções, notadamente no campo de sua obrigatória imposição, e isto está nas
origens desse princípio, no próprio Direito Penal, onde o instituto ganhou
notoriedade para fins de estancar sancionamentos demasiado severos ou
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FGV DIREITO RIO 282


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rígidos, com ofensa aos direito humanos" ("Direito Administrativo
Sancionador", ed. R.T., S. Paulo, 2005, nº 3.3.2.4, p. 248).

Tudo isso dentro de um contexto amplo, no meio do qual, cada vez com maior
força, "a proporcionalidade assume contornos mais sofisticados, com funcionalidades distintas.
A proporcionalidade, juntamente com o preceito da proibição de excesso, é resultante da
essência dos direitos fundamentais e do caráter aberto dos sistemas jurídicos, que demandam
processos decisórios repletos de ponderações e raciocínios fundamentados. Proíbem-se
intervenções desnecessárias e excessivas, apesar do fato de que o excesso ou a
desnecessidade nem sempre resultam claramente definidos em leis ou nas Constituições.
Trata-se de uma metodologia que rompe com os clássicos limites positivistas à interpretação. É
no plano dos valores racionalizados e percebidos em seus fragmentos que a idéia de
proporcionalidade assume funções progressivas, porém persistentes, na contenção de
paradigmas civilizatórios, em esfera moral, jurídica e filosófica" (ob. cit., nº 3.3.1, p. 226).
8. Diante do exposto, concedo em parte a segurança para o fim específico de
anular a Portaria n. 469, de 29 de março de 2005, que demitiu o impetrante do cargo de
Policial do Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo
de eventual apenamento menos gravoso, pelas infrações disciplinares detectadas, a partir do
procedimento administrativo disciplinar instaurado.
É como voto.

Documento: 601083 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/02/2006 Página 1 3 de 14

FGV DIREITO RIO 283


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Superior Tribunal de Justiça


CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2005/0118269-9 MS 10827 / DF

PAUTA: 14/12/2005 JULGADO: 14/12/2005

Relator
Exmo. Sr. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro GILSON DIPP
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS
Secretária
Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : SÉRGIO LUIZ LAGEANO MOREIRA
ADVOGADO : JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES E OUTROS
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo - Servidor Público Civil - Reintegração

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a) PAULO ESTEVÃO DA CRUZ E SOUZA/MS, pela parte: IMPETRANTE: SÉRGIO LUIZ
LAGEANO MOREIRA

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, concedeu em parte a segurança, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Votaram com o Relator os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer, Paulo
Gallotti, Laurita Vaz e Paulo Medina.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nilson Naves e Hamilton Carvalhido.

Brasília, 14 de dezembro de 2005

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO


Secretária

Documento: 601083 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/02/2006 Página 1 4 de 14

FGV DIREITO RIO 284


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ANEXO VI – ADI 2135

INFORMATIVO Nº 243

TÍTULO
Emenda Constitucional 19, de 1998

PROCESSO ADI - 2135

ARTIGO

Iniciado o julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Tra-
balhadores - PT, Partido Democrático Trabalhista - PDT, Partido Comunista do Brasil
- PC do B, Partido Socialista do Brasil - PSB, contra a Emenda Constitucional 19/98, que
modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores
e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo
do Distrito Federal e dá outras providências. Sustenta-se, na espécie, a inconstitucionalida-
de formal da EC 19/98 por ofensa ao § 2º do art. 60 da CF (“A proposta será discutida e
votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se
obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.”), e a inconstituciona-
lidade material por violação ao § 4º do art. 60 (“Não será objeto de deliberação a proposta
de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto,
universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individu-
ais.”). Após o relatório e as sustentações orais da tribuna, o Tribunal deliberou suspender
a apreciação do pedido de concessão de liminar. ADInMC 2.135-DF, rel. Min. Néri da
Silveira, 27.9.2001.(ADI-2135)

Emenda Constitucional 19, de 1998 - 1

Retomado o julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos
Trabalhadores - PT, Partido Democrático Trabalhista - PDT, Partido Comunista do Brasil -
PC do B, Partido Socialista do Brasil - PSB, contra a Emenda Constitucional 19, de 1998,
que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, ser-
vidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades
a cargo do Distrito Federal e dá outras providências (v. Informativo 243). Sustenta-se, na
espécie, a inconstitucionalidade formal da EC 19/98 por ofensa ao § 2º do art. 60 da CF
(“A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois tur-
nos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos
membros”), e a inconstitucionalidade material por violação ao § 4º do art. 60 (“Não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Es-
tado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os
direitos e garantias individuais.”).
O Min. Néri da Silveira proferiu voto no sentido de deferir a medida cautelar para
suspender a eficácia do art. 39, caput, da CF, com a redação imprimida pela EC 19/98 (“A
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de ad-
ministração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos
Poderes.”), de modo a continuar em vigor a redação original da CF, que consagrava o regi-

FGV DIREITO RIO 285


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

me jurídico único dos servidores públicos, por entender caracterizada a aparente violação
ao mencionado § 2º do art. 60 da CF, uma vez que o Plenário da Câmara dos Deputados
manteve, em primeiro turno, a redação original do caput do art. 39, e a comissão especial
incumbida de dar nova redação à proposta de emenda constitucional suprimiu o dispositi-
vo, colocando, em seu lugar, a norma relativa ao § 2º, que havia sido aprovada em primeiro
turno. Em seguida, a Ministra Ellen Gracie pediu vista relativamente a esse artigo.
Em seqüência, o Tribunal declarou prejudicada a ação direta na parte em que impugna
o art. 26 da EC 19/98, por já ter vencido o prazo de sua vigência (“Art. 26. No prazo de
dois anos da promulgação desta Emenda, as entidades da administração indireta terão seus
estatutos revistos quanto à respectiva natureza jurídica, tendo em conta a finalidade e as
competências efetivamente executadas.”).
Prosseguindo, o Tribunal, tendo em vista a firme jurisprudência do STF no sentido de
que não há direito adquirido a forma de regime jurídico, indeferiu a suspensão cautelar do
§ 1º do art. 39, dos incisos X e XIII do art. 37, todos da CF (com a nova redação dada pela
EC 19/98), que dispõem sobre regras gerais de remuneração dos servidores públicos, por
não vislumbrar, à primeira vista, a plausibilidade jurídica da tese de inconstitucionalidade
material sustentada pelos autores da ação. No tocante ao caput do art. 37 da CF, o Tribunal
também indeferiu o pedido por entender não caracterizada, à primeira vista, a argüição de
vício formal em face da mudança, pelo Senado Federal, da expressão “qualidade do serviço
prestado” aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo vocábulo “eficiência”, haja vista que
essa alteração não feriu a substância da proposta.
O Tribunal também não entendeu relevantes as argüições de inconstitucionalidade ma-
terial do § 7º do art. 169, do art. 135 e do inciso V do art. 206, todos da CF, na redação
dada pela EC 19/98. Após o voto do Min. Néri da Silveira, relator, indeferindo a medida
liminar quanto ao § 2º art. 41 da CF, na redação dada pela EC 19/98, foi suspensa sua
apreciação (“§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele
reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem
direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remu-
neração proporcional ao tempo de serviço.”).
ADInMC 2.135-DF, rel. Min. Néri da Silveira, 8.11.2001. (ADI-2135)

INFORMATIVO Nº 274

TÍTULO
Emenda Constitucional 19, de 1998

PROCESSO ADI - 2135

ARTIGO
Retomado o julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos
Trabalhadores - PT, Partido Democrático Trabalhista - PDT, Partido Comunista do Bra-
sil - PC do B, Partido Socialista do Brasil - PSB, contra a Emenda Constitucional 19, de
1998, que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública,
servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de ativida-
des a cargo do Distrito Federal e dá outras providências (v. Informativo 243). Os Ministros
Ellen Gracie e Sepúlveda Pertence votaram no sentido de deferir a medida cautelar para
suspender a eficácia do art. 39, caput, da CF, com a redação imprimida pela EC 19/98 (“A

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SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de ad-


ministração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos
Poderes.”), de modo a continuar em vigor a redação original da CF, que consagrava o regime
jurídico único dos servidores públicos - acompanhando o Min. Néri da Silveira, relator, que
entendera caracterizada a aparente violação ao mencionado § 2º do art. 60 da CF, uma vez
que o Plenário da Câmara dos Deputados manteve, em primeiro turno, a redação original
do caput do art. 39, e a comissão especial incumbida de dar nova redação à proposta de
emenda constitucional suprimiu o dispositivo, colocando, em seu lugar, a norma relativa ao
§ 2º, que havia sido aprovada em primeiro turno. Após, o julgamento foi adiado em virtude
do pedido de vista do Min. Nelson Jobim. ADI (MC) 2.135-DF, rel. Min. Néri da Silveira,
27.6.2002. (ADI-2135)

INFORMATIVO Nº 420

TÍTULO
Emenda Constitucional 19, de 1998 - 7

PROCESSO ADI - 2135

ARTIGO

O Tribunal retomou julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido
dos Trabalhadores - PT, pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT, pelo Partido Comu-
nista do Brasil - PC do B, e pelo Partido Socialista do Brasil - PSB, contra a Emenda Consti-
tucional 19/98, que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração
Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de
atividades a cargo do Distrito Federal e dá outras providências — v. Informativos 243, 249
e 274. O Min. Nelson Jobim, presidente, em voto-vista, indeferiu a liminar. Inicialmente,
acompanhou os fundamentos do voto do Min. Néri da Silveira, relator, que afastou a alega-
ção de inconstitucionalidade formal e material dos artigos 39, §§ 1º, 5º e 7º; 41, § 2º; 169, §
7º; 206, V, todos da CF, e de prejuízo da ação relativamente ao art. 26 da EC 19/98. No que
se refere à apontada inconstitucionalidade formal do caput do art. 39, divergiu por não vis-
lumbrar, a princípio, a alegada afronta ao § 2º do art. 60 da CF, ao fundamento de que não
houve inclusão de texto novo que não tenha sido votado nem a substituição de palavras ou
expressões, mas, sim, transposição do texto do § 2º do art. 39 — que não fora objeto de desta-
que pelo Bloco de Oposição — para o caput desse artigo. Após, o Min. Ricardo Lewandowski
pediu vista dos autos. ADI 2135 MC/DF, rel. Min. Néri da Silveira, 23.3.2006. (ADI-2135)

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INFORMATIVO Nº 432

TÍTULO
Emenda Constitucional 19, de 1998 - 8

PROCESSO ADI - 2135

ARTIGO

O Tribunal retomou julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido
dos Trabalhadores - PT, pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT, pelo Partido Comu-
nista do Brasil - PC do B, e pelo Partido Socialista do Brasil - PSB, contra a Emenda Consti-
tucional 19/98, que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração
Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de
atividades a cargo do Distrito Federal e dá outras providências — v. Informativos 243, 249,
274 e 420. Após o voto-vista do Min. Ricardo Lewandowski, que acompanhava o voto do
Min. Nelson Jobim, no sentido de indeferir a liminar, no que foi acompanhado pelo Min.
Joaquim Barbosa, e dos votos dos Ministros Eros Grau e Carlos Britto que, acompanhando
o voto do relator, deferiam parcialmente a liminar, pediu vista dos autos o Min. Cezar Pelu-
so. ADI 2135 MC/DF, rel. Min. Néri da Silveira, 22.6.2006. (ADI-2135)

INFORMATIVO Nº 474

TÍTULO
Emenda Constitucional 19, de 1998 - 9

PROCESSO ADI - 2135

ARTIGO

Em conclusão de julgamento, o Tribunal deferiu parcialmente medida liminar em ação


direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT, pelo Partido Democrático Trabalhista -
PDT, pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, e pelo Partido Socialista do Brasil - PSB,
para suspender a vigência do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação que
lhe foi dada pela Emenda Constitucional 19/98 (“A União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal,
integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.”), mantida sua redação ori-
ginal, que dispõe sobre a instituição do regime jurídico único dos servidores públicos — v.
Informativos 243, 249, 274 e 420. Entendeu-se caracterizada a aparente violação ao § 2º
do art. 60 da CF (“A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos
respectivos membros.”), uma vez que o Plenário da Câmara dos Deputados mantivera, em
primeiro turno, a redação original do caput do art. 39, e a comissão especial, incumbida
de dar nova redação à proposta de emenda constitucional, suprimira o dispositivo, colo-
cando, em seu lugar, a norma relativa ao § 2º, que havia sido aprovada em primeiro turno.
Esclareceu-se que a decisão terá efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos
da emenda declarada suspensa. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Bar-

FGV DIREITO RIO 288


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

bosa e Nelson Jobim, que indeferiam a liminar. ADI 2135 MC/DF, rel. orig. Min. Néri da
Silveira, rel. p/ o acórdão Min. Ellen Gracie, 2.8.2006. (ADI-2135)

FGV DIREITO RIO 289


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

SÉRGIO GUERRA
Professor de Direito Administrativo do Curso de Graduação e Coordenador Geral
dos Cursos de Pós-Graduação da Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação
Getúlio Vargas. Diretor Executivo da Revista de Direito Administrativo - RDA.

210
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Cur-
so de direito administrativo. 17ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2004, p. 234.
211
Caso Gerador constante da apostila
“Agências reguladoras”, elaborada pela
pesquisadora Patrícia Sampaio sob a
orientação do Professor Floriano de
Azevedo Marques Neto para o Curso de
Regulação do Setor de Energia Elétrica
do Programa de Educação Continuada
da Escola de Direito da Fundação Ge-
tulio Vargas.

FGV DIREITO RIO 290


SERVIÇOS PÚBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Joaquim Falcão
DIRETOR
Fernando Penteado
VICE-DIRETOR DA GRADUAÇÃO
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO
Luiz Roberto Ayoub
PROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO
Ronaldo Lemos
COORDENADOR CENTRO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE
Evandro Menezes De Carvalho
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
Rogério Barcelos Alves
COORDENADOR DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO
Lígia Fabris e Thiago Bottino do Amaral
COORDENADORES DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Wania Torres
COORDENADORA DE SECRETARIA DE GRADUAÇÃO
Diogo Pinheiro
COORDENADOR DE FINANÇAS
Milena Brant
COORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO

FGV DIREITO RIO 291

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