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25.10.2010 ­ 07:58 Por Alexandra Lucas Coelho, no Rio de Janeiro
"Lula comprou os pobres do Brasil"  
 
Entrevista com o escritor Ferreira Gullar, Prémio Camões 2010 
 

"Ele [Lula] nunca leu um livro", diz Ferreira Gullar (Foto: DR)
 
O escritor Ferreira Gullar vota José Serra. Vê Dilma como “uma 
marionete” e Lula como um “ignorante”, “mentiroso”, com “fome de 
poder”, que é “a vergonha do Brasil”. 
 
Aos 80 anos, Ferreira Gullar continua de cabeleira branca pelos 
ombros e mão enérgica a bater na mesa, quando sobe de tom, no seu 
apartamento cheio de livros e quadros, em Copacabana. 
Parece tão em forma quanto está: “Não tenho nenhuma doença.” 
 
Nascido em São Luís do Maranhão, Nordeste do Brasil, vive no Rio de 
Janeiro desde os 21 anos. Foi comunista filiado, lutou contra a ditadura, 
esteve preso. Tem uma longa e variada bibliografia, com destaque para 
a poesia. Recebeu este ano o Prémio Camões, o mais importante da 
língua portuguesa. 
 
A conversa começou exaltada e terminou amena. Ferreira Gullar 
explicou depois que tivera umas conversas políticas que o tinham 

 
irritado. E mais para o fim da entrevista dirá, meditativo: 
“Possivelmente nós vamos perder a eleição.” 
A campanha ferve. 
 
Publicou um texto chamado “Vamos errar de novo?”, a apelar ao 
voto em José Serra. Não faz parte de nenhum partido. Porque 
sentiu necessidade de intervir? 
 
Como cidadão, não só tenho o direito como o dever. Sempre participei 
politicamente.  
 
É uma eleição bastante importante. Pode significar uma mudança para 
o país e ter consequências sérias. 
 
Há quem ache o contrário, que nada de essencial se vai alterar, 
seja quem for que ganhe. 
 
[Batendo com a mão na mesa] A permanência do PT no poder é uma 
ameaça à democracia brasileira. Está vendo o que acabou de 
acontecer? Espancando o Serra! 
 
Foi um rolo de papel [atirado à cabeça de Serra num passeio de 
campanha]. 
 
Ah, não, isso é o que o Lula diz. Não acredito no Lula, é um mentiroso. 
 
A campanha de Serra é que diz que foi um rolo de autocolantes de 
campanha. 
 
Um rolo pesado. E uma repórter da “Globo” levou uma pedrada na 
cabeça. Mas não importa o que foi. Não tem que agredir os outros.  
 
Acha que é um sintoma de como a campanha está? 
 
Não, o PT é isto. A televisão mostrou um vídeo [dos anos 90] com José 
Dirceu, então presidente do PT, dizendo: “Esses nossos adversários vão 
ter de apanhar na rua e nas urnas.” O que é que acha disso? Apanhar 
nas ruas faz parte da campanha? Eles espancam as pessoas. Eles 
espancaram duas vezes o Mário Covas [governador de São Paulo nos 
anos 90, já desaparecido, fundador do PSDB]. O PT é fascista. 
 
A Dilma também ia apanhando com sacos de água. A minha 

 
pergunta… 
 
O PSDB se caracteriza por ser um partido pacífico. Não é que sejam 
santos. É que não é o estilo deles. No caso do PT, não. O PT é isto. Vem 
dos sindicatos, que são dominados por gangues. O Lula pertencia a um 
deles. São gangues, que ocupam as instituições, a máquina do Estado. A 
Petrobras hoje está infiltrada de gente do PT e dos sindicatos.  
 
Em relação ao currículo do Serra, o senhor cita a criação dos 
genéricos, o plano de tratamento da sida. Exemplos de currículo 
como ministro da Saúde, como ele foi no governo Fernando 
Henrique. Por que acha que ele daria um bom presidente? 
 
Porque foi um excelente governador em São Paulo. As obras dele no 
plano social, da saúde, da educação, comprovam que é um homem 
responsável e um administrador efectivo. Como prefeito, a mesma 
coisa. Agora, a Dilma, sabe de alguma coisa que ela fez? 
 
Todo o mundo conhece o José Serra no Brasil. Ele tem quase 50 anos 
de vida pública, e nunca foi acusado de ser corrupto, safado, de se 
apropriar de dinheiro público, de entrar em falcatruas. Será que isso 
não é um crédito? 
 
Maria da Conceição Tavares [ver entrevista online], que conhece 
muito bem Serra desde o exílio no Chile, diz que ele mudou para a 
direita. Como comenta isto? 
 
Queria só que ela me explicasse se ela é de esquerda. Porque, veja bem, 
o Lula é aliado do Collor [de Melo]. Ele é de esquerda? Por acaso a 
campanha deles é de esquerda? Aliado com Collor, aliado com o bispo 
[Marcelo] Crivella, que é um safado, braço direito do bispo [Edir] 
Macedo, que enriqueceu com o dinheiro das empregadas domésticas, 
criando a Igreja Evangélica do Reino de Deus. Acha que isso é 
esquerda?Estou a pedir­lhe um comentário em relação ao que 
Maria da Conceição Tavares disse sobre Serra. 
 
A Conceição Tavares afirmar que o Serra é de direita supõe que a 
Dilma é de esquerda. Então eu estou dizendo quais são os aliados da 
Dilma.  
 
Acha que a Dilma não é de esquerda? 
 

 
A Dilma de esquerda? Mas o PT não é de esquerda. É um partido 
corrupto. O PT de esquerda já acabou há muito.  
O comunismo chegou ao fim. Nós todos, que participámos dessa 
aventura, somos obrigados a reconhecer isso. Cumpriu a sua tarefa, 
mudou o mundo, a relação de trabalho, as conquistas dos 
trabalhadores, tudo foi consequência de uma luta que começou com o 
Manifesto Comunista, de 1848. E esgotou a sua tarefa. Então se acabou 
a URSS, alguém sonha que vai fazer socialismo no Brasil? Só piada. Só o 
Hugo Chávez. 
 
Não é isso que Lula e Dilma propõem. 
 
Estou abrangendo a coisa de maneira ampla. Porque é que as FARC 
[guerrilha colombiana] viraram uma organização de narcotráfico? 
Porque não têm mais perspectiva. Vai fazer revolução na Colômbia? 
Socialismo? Acabou na URSS, acabou na China e vai começar na 
Colômbia?  
 
Sempre que se fala no Serra, as pessoas acabam a falar do Lula, e 
eu queria falar um pouco do Serra. 
 
Se a Maria da Conceição disse que ele era de direita, estou mostrando 
que isso é uma bobagem. Eu conheço a Maria da Conceição, é minha 
amiga. E ela própria não é de esquerda, porque ninguém é mais de 
esquerda! Acabou isso, gente.  
 
Acha que já nem existe esquerda? 
 
Lutámos pela reforma agrária, pelas conquistas dos trabalhadores. 
Alguém hoje é contra a reforma agrária no Brasil? Como vai distinguir 
direita de esquerda? Essa diferença só existe na cabeça da Conceição 
Tavares e de algumas outras pessoas. 
 
Falei com pessoas que iam votar Serra mas ficaram desapontadas 
com a discussão em torno do aborto. Acharam que o PSDB e Serra 
não a deviam ter levado naquela direcção, tornando­a religiosa, 
ao tentarem pôr em causa a eventual contradição de Dilma. 
 
Essa questão do aborto não foi levantada pelo Serra. O problema real é 
o seguinte: o PT é a favor do aborto, a Dilma é a favor do aborto, eu sou 
a favor do aborto. O Serra tem a mesma posição. Agora, com a 
candidatura da Marina, os religiosos tomaram uma posição que 

 
ameaçava todos os candidatos. Então a Dilma tratou de tirar o corpo 
fora e o Serra também. Falaram: “Não, não quero perder o voto dos 
religiosos…”  
 
É isso que pergunto, não foi tudo uma falsa discussão? 
 
Você entregaria uma empresa sua para ela dirigir, sem ter tido 
qualquer experiência anterior?  
 
Mas deixe­me perguntar­lhe… 
 
[Ferreira Gullar zanga‐se por estar a ser interrompido e propõe acabar 
a entrevista. Acabamos por retomar no ponto em que ele estava.] 
 
Eu tenho uma empresa. Porque o meu tio me disse que Maria é 
competente, sem ela nunca ter gerenciado nada, vou entregar a ela? 
Não entrego. Compreende? Essa é a situação. Não estou dizendo que o 
Serra é perfeito. O Serra tem mais que mostrar do que ela. Eu tenho 
mais confiança nele porque ele tem trabalho feito, e ela nenhum! A 
Maria da Conceição e o Chico Buarque só votam nessa coisa porque 
têm nostalgia da esquerda! Têm de abrir a cabeça para um mundo 
novo! O comunismo já era, acabou! Sem contar que foi uma besteira. O 
que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz poemas sobre Cuba. É um 
fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em que as 
pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por 
acaso riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento económico e 
falta de liberdade. Eu não vou defender isso, meu Deus. Quero ter o 
direito, se acho que o país é uma merda, de sair daqui na hora que eu 
quiser. Compro uma passagem e vou para Lisboa! Agora! Não tenho de 
pedir licença a ninguém! E o Chico e a Maria da Conceição defendem 
isso! Que moral têm essas pessoas para defender alguma coisa justa? Aí 
fica o Serra de direita? É de direita porque não concorda com isso. Ser 
de esquerda é o quê? Achar que as pessoas não têm o direito de sair do 
seu país quando quiserem? É isso que é ser de esquerda? Isso é uma 
besteirada. Tem de acabar com essa conversa. Eles têm medo de serem 
chamados de direita. Eu não tenho. Porque eu não sou. Tenho a certeza 
absoluta da minha entrega a uma luta a favor das pessoas, de uma 
sociedade melhor. Não tenho de dar explicação a ninguém. Mas o Chico 
tem medo de parecer que é de direita. Problema deles.  
Quando é que o Serra foi de direita? Um cara que teve de ser exilado, 
que lutou contra a ditadura, que sempre defendeu posições a favor de 
uma sociedade mais justa, medidas a favor das pessoas mais pobres, e 

 
tomou medidas efectivamente. Quando o Serra conseguiu introduzir os 
genéricos, a minha mãe, estava em São Luís do Maranhão, doente. E 
sabe o que é que o PT espalhou? Que o genérico era falso, que era só 
farinha e terra, não era remédio. Eu mandava dinheiro para comprar 
remédio para minha mãe, e falei: “Comprem genérico.” E o meu irmão 
falou: “Ah, não, genérico é terra. O PT já nos explicou.” Isso é o PT.O 
que achou do “show” de apoio a Dilma com Chico Buarque, Oscar 
Niemeyer, Leonardo Boff, no Teatro Casa Grande, aqui no Rio 
[segunda­feira passada]? 
 
Campanha eleitoral. Hoje o Teatro Casagrande se chama Oi 
Casagrande, porque a empresa Oi mandou botar. Não tem mais nada a 
ver com aquele passado. Eu pertenci ao grupo que realmente lutou 
contra a ditadura, o Opinião. Nunca ficou rico. Fomos todos presos.  
 
O senhor foi preso com o Gilberto Gil e o Caetano em 1968. 
 
É. Mas o nosso teatro teve bomba lá dentro. E começou a lutar em 
Dezembro de 1964 [meses depois do golpe militar]. 
 
O senhor filia­se no Partido Comunista do Brasil no começo de 
1964, não é? 
 
Entrei no dia do golpe, 1 de Abril de 1964. 
 
Toda a gente conhece o seu percurso contra a ditadura, e o 
percurso do Serra também. Mas vamos esquecer essa parte da 
direita e esquerda. Em relação à Dilma, o senhor diz que ela é uma 
desconhecida. Mas foi ministra… 
 
Sem qualquer expressão. O que é que ela fez como ministra? Nada. Foi 
secretária no Rio Grande do Sul, e segundo a informação de lá foi um 
fracasso completo como administradora. 
 
… e foi Chefe da Casa Civil de Lula, o que lhe dá um conhecimento 
de todo o governo. 
 
Mas a Casa Civil é um orgão de assessoria do presidente. É técnico, não 
realiza nada. Quando diz: “Nós fizemos…” É tudo mentira, não fez nada. 
Não estou dizendo se é competente ou não, não sei. Agora, que fez, não 
fez. 
 

 
Porque é que o senhor acha que é ela a candidata? 
 
Porque o Lula quer voltar em 2014. E então botou uma marioneta. Uma 
pessoa que milita na política desde os 17 anos e nunca se candidatou: 
acha que é porquê? Nunca se candidatou a nada e vai‐se candidatar a 
presidente da República porque o Lula inventou. Não foi iniciativa dela. 
Jamais se atreveria. O Lula fez as contas e viu que para voltar tinha de 
botar uma marionete. Se pusesse um cara como o Ciro Gomes [ex‐
candidato à presidencia, que depois foi ministro de Lula], não ia voltar, 
porque o Ciro ia se recandidatar.Acha que a estratégia do Lula é 
essa? 
 
É. O Lula é a fome do poder. Transparece nele. É a arrogância. Como 
toda a pessoa ignorante, chega a um ponto e não tem autocrítica, não 
tem medida. Ele disse várias vezes que é o único presidente do Brasil 
em 500 anos. Porque veio do povo. Do povo veio também Fernandinho 
Beira‐Mar, do povo vem qualquer coisa. 
 
Para quem não sabe, Fernandinho Beira‐Mar é um narcotraficante. 
 
Um bandido, homicida, dos mais cruéis. Veio do povo. Mais povo que o 
Lula.  
Então, tem de ver o que o cara fez. Ele nunca leu um livro. Acha que 
uma pessoa que nunca leu um livro pode conhecer o Brasil? Sabe do 
Brasil como? De orelha? 
 
Que nunca leu um livro? 
 
É. O Lula. Ele declarou, pessoalmente. 
 
O senhor acredita nisso? 
 
Ele declarou, em 1980. Disse: “Só leio jornal.” E depois declarou: “Nem 
jornal, porque vive me perseguindo.” Todo o mundo sabe que ele não 
lê. Foi deputado federal e não participou em nenhuma Comissão. Não 
fez nada. Não parou no Congresso, porque não aguenta. Ele não 
conhece leis, como é que vai ser deputado? Se vai fazer leis, tem de 
conhecer as leis que existem. E ele não lê, tem horror disso. Só faz 
política. Ganhou a eleição em 2002 e não saiu do palanque até hoje. 
Não é ele que administra o país. Ele só se reúne para saber se aquele 
projecto que o ministro tal está propondo prejudica a popularidade 
dele ou não. Se prejudica ele não quer saber qual é a consequência. 

 
 
O senhor sempre o viu assim, ou houve algo que tenha mudado a 
sua visão? 
 
Defendi a criação do PT quando o Partido Comunista, ao qual eu 
pertencia, era contra. 
 
Mas em relação a ele? Li que o ouviu no Teatro Casa Grande e logo 
aí não gostou do tom. 
 
Achei estranho as bobagens que disse. A primeira coisa foi que era 
contra a burguesia de Ipanema. Só que todas as pessoas que estavam 
ali, nós todos, éramos de Ipanema [ri]. Então não sabe nem do que está 
falando. Ele é o maior mentiroso que já conheci. Fala com uma 
arrogância inacreditável as maiores mentiras como se estivesse 
dizendo uma verdade sagrada. Ele é uma coisa especial, isso eu sou 
obrigado a reconhecer. Nunca vi alguém falar uma mentira com tanta 
convicção, com tanta paixão, sabendo que é mentira.  
 
O Lula tem 80 por cento de aprovação. Como explica esta 
popularidade? Quer dizer que 80 por cento das pessoas estão 
enganadas? 
 
Primeiro, ponho em dúvida o resultado da pesquisa. As últimas 
pesquisas davam a Dilma vitoriosa no primeiro turno. Davam que a 
Marinha tinha 10 por cento e teve 20 por cento. Então, pesquisa… E 
essa do Lula nunca foi testada. Não se sabe se isso é verdade. Que tem 
popularidade tem, mas o índice não sei.  
O demagogo, que visa conquistar as pessoas, e com a veemência que 
ele tem, porque é de facto um orador convincente… Acho que é isso 
que explica [a popularidade]. 
Bolsa Família. Foi ele que criou? Chamava‐se Bolsa Alimentação, criada 
pelo Serra, no governo Fernando Henrique. E o Lula foi para a televisão 
dizer que a Bolsa Alimentação transformava o trabalhador em 
mendigo. Era contra a Bolsa Família que então se chamava Bolsa 
Alimentação! Enquanto isso, o ministro da Educação criou a Bolsa 
Escola. O Lula veio, juntou as duas e botou o nome Bolsa Família. A 
base da estabilidade financeira do Brasil se chama Lei de 
Responsabilidade Fiscal. O PT, orientado pelo Lula, votou contra na 
câmara e no congresso, perdeu nos dois, entrou com uma acção no 
Supremo para anular a lei. E até hoje essa acção está no Supremo. Essa 
lei impede que os prefeitos e governadores gastem além do que 

 
recolhem de imposto, porque isso tornava a inflacção do Brasil 
incontrolável. Com essa lei, acabou. 
O PT foi contra tudo o que todos os governos fizeram: Sarney, Collor, 
Itamar, Fernando Henrique. Tudo! Negaram‐se a assinar a constituição 
em 1988!O senhor acha que isso significa o quê? 
 
Que não têm responsabilidade com o país. São um grupo de demagogos 
que querem o poder e se opõem a tudo. Vêem em cada medida correcta 
uma ameaça ao futuro poder deles. Se tivessem conseguido anular a 
Lei da Responsabilidade Fiscal, anular o Plano Real, em que o Lula foi 
para a televisão dizer: “Isto é uma mentira eleitoral que não durará 
três meses.” Ele disse isto, todo o mundo sabe. É que o país não tem 
memória.  
Se tivessem conseguido anular essas medidas, não haveria governo 
Lula, porque ele herdou e se apropriou de tudo o que foi feito antes, 
que ele combateu ferozmente! 
 
PT e Lula dizem, por exemplo, que herdaram a dívida externa, que 
quando começaram a Bolsa Família a situação estava muito má, e 
que conseguiram dar a volta a isso. O Brasil passou a ser credor, 
em vez de devedor. 
 
Escuta, o Fernando Henrique, com as medidas que tomou, acabou com 
a uma inflacção que chegava a dois mil por cento ao mês. Quando o 
Lula se apresentou candidato, contra todas essas coisas, 
evidentemente criou uma crise económica, porque todos os 
investidores estrangeiros tiraram o seu dinheiro, assustados com o que 
ia acontecer. Ele estava na frente, ia ser o presidente da República. A 
crise que se criou foi em função dele. Depois, quando escreveu a carta à 
nação brasileira em que dizia que abria mão de todas as coisas que 
tinha dito antes, e virou o Lulinha‐Paz‐e‐Amor, aí as pessoas voltaram. 
Mas a inflacção já tinha sido deflagrada. Pouco tempo depois o 
equilíbrio voltou quando as pessoas perceberam que ele ia fazer o 
mesmo governo do Fernando Henrique.  
Pegou o Bolsa Família, que atendia 4 milhões, e botou para 11 milhões. 
O que significa um terço da população brasileira. Ao juntar os dois 
programas tornou impossível fiscalizar de facto a realização. Todo o 
mundo sabe hoje que o sistema é: eu recebo Bolsa Família enquanto 
estou desempregado. O que é que os trabalhadores fazem? Se 
empregam e pedem para o patrão não assinar a carteira de trabalho. 
Então, ficam ganhando salário e bolsa. Como são 50 milhões não dá 
para fiscalizar. 

 
Tem vários municípios no Maranhão em que ninguém trabalha. Vive 
todo o mundo do Bolsa Família.  
 
O senhor que vem lá do Nordeste, a região mais pobre do Brasil, 
não é sensível ao facto do Lula ser o homem que tira uma fatia dos 
brasileiros da miséria e faz deles cidadãos, pessoas que podem ter 
uma conta no banco, que podem comprar uma geladeira 
[frigorífico]? 
 
Exactamente porque conheço o Nordeste é que tenho um juízo 
diferente. Primeiro, no Nordeste ninguém passa fome. Todo o mundo 
tem um pedacinho de terra. Essa miséria que tem na cidade não tem no 
campo. A outra coisa é o que contei do remédio genérico. O que tem no 
Nordeste é falta de conhecimento, de informação e a propaganda que o 
PT faz. Onde há mais necessidade, e a pessoa ganhou o Bolsa Família, é 
claro que fica grata. Mas isso é a fonte do populismo. Porque é que o 
[Paulo] Maluf é votado em São Paulo até hoje, apesar de ser ladrão, 
comprovado? Porque deu casinhas para uma porção de gente. É o lema 
que se conhece no Brasil: “Rouba, mas faz.” Essa é a explicação para o 
Nordeste. Exactamente quem é mais miserável, qualquer coisa que dê 
ganha ele. Difícil é conquistar o cara que vive por sua conta. Difícil é 
conquistar a mim, que trabalho e vivo do meu dinheiro. Não me 
conquistam comprando, como o Lula comprou todos os pobres do 
Brasil. Por isso é que ele tem 80 por cento de aprovação. Ele comprou 
os pobres. Não tem preocupações de fiscalizar, e pôr em prática a 
natureza do programa, que é quando o cara conseguir trabalho sair do 
programa. Ele quer que tenha cada vez mais gente no programa. Ou 
seja, pessoas sem trabalho e dependentes da bondade dele. Não está 
precupado em resolver problema social nenhum.  
O Lula é um esperto. Só pensa no poder dele. Foi para o Ahmadinejad 
fazer o quê? Um bandido. Um facínora. O cara que diz que não houve 
Holocausto. Que diz que o atentado das Torres Gémeas foi uma 
invenção dos americanos. Esse cara não tem qualificação de estadista. 
E o Lula trata ele como se fosse um estadista. Foi para lá achar que ia 
resolver o problema da pacificação, porque ele é doido. É 
megalomaníaco.O argumento de Lula e do PT é que ele está a tentar 
fazer a ponte entre Norte e Sul, Ocidente e Irão. 
 
Veja o seguinte. Aquela luta dos palestinos lá, tem mais de 60 anos. 
Todos os estadistas do mundo tentaram resolver e não conseguiram. E 
o Lula vai conseguir, sem ter lido um livro? Realmente! Alguém 
acredita nisso? O Lula, que mal sabe quem é. Chega lá no Oriente, 
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quando o Brasil não tem nada a ver com aquilo lá. Não está ligado 
efectivamente aquela parte do mundo. Demagogo. Para ter projecção 
internacional, porque ele é mega. Ele é a vergonha do Brasil. É uma 
vergonha.  
 
Mas tem prestígio internacional. Como explica isso? 
 
Tem prestígio na área que acha que operário é melhor. É a herança 
marxista que ficou. Hoje, todo o professor universitário acredita nisso. 
Operário é o salvador do mundo.  
 
Estou a falar de governos. Ele tem prestígio entre governos. 
 
Isso vem do facto do Brasil eleger um operário presidente da 
República. E as pessoas não têm conhecimento do que acontece aqui. 
Será que um redactor do “Le Monde” conhece o Brasil mais do que eu? 
Não conhece. Sabe de ouvir dizer. Há uma lenda em torno do Lula.  
Alguém sabe o que aconteceu quando ele foi preso? Alguém leu a 
entrevista do César Benjamin, quando o Lula entrou na prisão, a 
primeira, única vez em que foi preso? [Põe uma voz de mânfio]: “Aqui 
não tem mulher? Como é que vai ser ‘trepar’ [ter sexo] aqui?” Foi a 
primeira pergunta dele ao ser preso. Isso é que é o Lula. 
A Heloísa Helena, que foi do PT até há pouco tempo, nos contou: “Vocês 
não conhecem quem é o Lula, como ele trata as pessoas, nas reuniões.” 
[Ferreira Gullar projecta a voz]: “Ó seu ‘veado’ [maricas], quer parar de 
falar isso?’, “Cala a boca, ó ‘veado’. Filho da Puta.” É assim. Ele é isto. O 
Lula é essa grossura.  
Outro dia passou um pequeno vídeo, ele com o governador do Rio, e 
um menino de favela. Não sei como, alguém com celular, filmou. [Lula 
falou] assim para o garotinho: “O que é que você gostaria de ser?” “Eu 
gostaria de ser tenista.” E o Lula: “Ó seu ‘veado’, ténis é coisa de 
burguesia!” Para o garoto! 
 
Chamou “veado” ao garoto? 
 
“Ténis é coisa de burguesia, cara!” 
 
Mas chamou “veado”? [No vídeo, o que Lula diz ao garoto é: “Tenis 
é esporte da burguesia, pôrra.” Não o trata por “veado”.]Sei lá. 
Insultou o garoto. O que importa é que tratou o garoto como se fosse 
um adulto. O verdadeiro Lula é este.  
A minha felicidade é que dentro de três meses ele sai da televisão e me 
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deixa em paz. Pára de mentir. 
 
É mesmo uma coisa violenta para si, essa relação com o Lula. 
 
Porque ele mente sem parar. Eu amo o meu país e tenho horror a uma 
pessoa que fez com o Brasil o que ele fez. Ele é uma grande 
embromação. Tenho a certeza de que muita gente na Europa acha que 
o Lula é de facto o que muita gente acha que ele é. Mas eu sei o que ele 
é. A primeira coisa que fez aqui no Rio, depois das bobagens que disse 
sobre a burguesia no Teatro Casa Grande, foi transar a mulher de um 
burguês, amigo dele, burguês de esquerda, da alta aristocracia carioca. 
Virou amante dela numa semana. Esse é o Lula. Não tem nada a ver 
com classe operária, com coisa nenhuma. É um espertalhão.  
 
A Maria da Conceição Tavares diz que hoje ele é um social­
democrata. 
 
Quem ensinou ao Lula isso? Foi ela? Porque ele não lê livro nenhum. 
Quem é que ensinou a social‐democracia para ele? Ela está muito 
enganada com ele. O pessoal de esquerda não quer aceitar que isso 
acabou. Meu amigo Oscar [Niemeyer] não quer aceitar. O nosso 
querido Saramago não queria aceitar. É chato aceitar. Eu também vivi, 
me enganei, fui para o exílio. A diferença é que não posso me enganar a 
mim. Sou obrigado, doídamente, a reconhecer que acabou. Fui reler as 
coisas, e reconhecer o grande equívoco. 
O Manifesto Comunista marca uma mudança radical na história da 
humanidade, contra um capitalismo selvagem, que tirava crianças de 
orfanato e as punha a trabalhar até morrerem. Trabalhador com 60 
anos morria na sarjeta, não tinha aposentadoria. Não havia jornada de 
trabalho definida, não havia salário defenido. O Marx foi um homem de 
um grande carácter quando se revoltou contra isso, e mudou essa 
relação de capital e trabalho. Agora, a sociedade sonhada, depois da 
ditadura da burguesia, ditadura do proletariado nunca houve, e nunca, 
em governo algum, operário mandou em nada. Foi o partido que 
dirigiu a URSS, a China,é o partido que dirige Cuba. 
Houve uma série de equívocos: quem cria riqueza é o trabalhador, e o 
outro explora a riqueza e não trabalha. É mentira. Sem empresário não 
existe trabalhador. O empresário é um intelectual empreendedor. E 
como nem tudo o mundo é romancista, é sociólogo, nem todo o mundo 
é empresário. Eu tenho um amigo que é empresário e ele não pára de 
trabalhar. 
 
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O senhor conversa com o seu amigo Oscar Niemeyer sobre isto? 
 
Tenho muito respeito pelo Oscar. O Oscar é um génio da arquitectura, e 
é um ser humano especial. Generoso, afectuoso. Então eu não vou ficar 
brigando com ele. Mas ele sabe que eu discordo dele. A opinião dele 
sobre mim sabe qual é? “Gosto do Gullar porque ele é transparente.” 
 
E com o Chico não se dá? 
 
Gosto do Chico, admiro‐o. Agora, o Chico é amigo do Lula, é amigo do 
Fidel. Ele não pode, nem que queira, mudar de opinião. Vai ter de 
brigar, se mudar. Mas eu sei que pela inteligência dele, pela 
sensibilidade dele, não pode estar de acordo com um país de que as 
pessoas não podem sair. Não acredito.  
Eu posso ser suicida. Mas se estou em paz com a minha consciência 
pouco se me dá o que pensem. Posso estar errado. Se há uma coisa que 
me caracteriza é: eu não sou dono da verdade. Acredito nas coisas em 
que acredito. Mas acho que posso estar errado também. O meu 
compromisso é com a verdade. Não tenho compromisso ideológico 
coisa nenhuma. E meu compromisso com a poesia é com a qualidade, 
com a beleza. O resto é secundário. Se der, deu, se não der, não deu. 
Acabou. Vou morrer mesmo. Pouco se me dá. Nessa altura, 80 anos, 
estou‐me lixando. 
 
[Pausa hesitante] 
 
Ia dizer alguma coisa? 
 
Possivelmente nós vamos perder a eleição. Se as pesquisas estão 
certas, possivelmente vamos perder. Não é o fim do mundo. Depois da 
eleição começa o governo. Difícil não é ganhar eleição, difícil é 
governar.Acha que está difícil o Serra ganhar? 
 
Acho. Não é impossível, mas com uma diferença de 10 por cento está 
difícil. Há um estudioso que diz que a definição é na última semana, 
mesmo.  
 
Acha que o Serra era o melhor candidato do PSDB para derrotar a 
Dilma? 
 
Olha, quando vi o nome dele, eu achei que era. Pelo que realizou. Eu 
estou perplexo. Não por causa de gente que foi de esquerda, como eu, 
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que dá essas opiniões, como a da Conceição, que é uma pessoa 
inteligentíssima, minha amiga. Mas o povo, a pessoa que está fora 
disso, fico surpreso que esse pessoal não enxergue. Estão sendo 
injustos com uma pessoa que fez coisas importantes no país. Os 
genéricos, eu digo para você: os idosos brasileiros gastam fortunas 
comprando remédios, e hoje gastam menos de metade. Graças às 
medidas que o Serra tomou. Hoje você não vê mais a sida no Brasil 
como um flagelo porque todo o mundo se trata, graças às medidas que 
ele tomou. Tem remédios de graça, remédios caríssimos. O que ele fez 
em relação ao ensino, botando duas professoras por classe, discutindo, 
com especialistas. Todas as coisas que fez são de uma pessoa 
responsável. E contra ele está uma pessoa que não pode apresentar: 
“Eu fiz isto.” 
 
Talvez tenha havido um problema de falta de carisma de José 
Serra… 
 
Mas ela é horrível. O negócio dela é só o Lula.  
 
Há um problema de carisma dos dois, Dilma e Serra. 
 
Dos dois. Ele não tem nenhum. 
 
A Marina era a única que tinha uma empatia com as pessoas. 
 
Também não acho. A própria Marina, que é uma pessoa admirável, 
coerente, como figura tem uma fragilidade que não inspira confiança 
na maioria das pessoas. É um voto ideológico, um voto consciente, de 
qualidade. Mas entre a grande massa, jamais ela vai conseguir. 
 
E imaginando que o Serra perde, quem é que vê ascender no 
PSDB? O Aécio [Neves, mineiro, neto do presidente Tancredo 
Neves]? 
 
Sim. Escrevi um artigo dizendo que as duas forças políticas que 
nasceram da luta contra a ditadura, uma mais à esquerda, que era o PT, 
e outra, de esquerda moderada que era o PSDB, concluem agora o seu 
ciclo. O PSDB cumpriu grande parte da sua função com o governo 
Fernando Henrique. Se o Serra for eleito, tem uma vida extra. Mas os 
outros que constituem o partido não têm a mesma cabeça. Algo acabou. 
E o PT, que teve a sua história, também acabou. Virou o partido dos 
glutões, populista, que não tem nada a ver com o que era. Então essas 
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duas forças nascidas da luta contra a ditadura chegam ao fim.  
O que vai acontecer daqui para a frente talvez seja mais política sem 
ideologia. Por exemplo, o Aécio não é ideológico. É um cara 
carismático, bom administrador. Mas não é o Fernando Henrique, não 
é o Lula, não é dessa geração, não foi para o exílio. Da mesma maneira 
o Sérgio Cabral [agora reeleito governador do Rio, ex‐PSDB, e 
actualmente PMDB], que é um bom administrador. Eles não têm a 
marca daquela vivência doída que nós tivemos. Talvez até seja bom 
para o Brasil. 
 
Pós­ideológico? 
 
É. Sem idealismo. A coisa prática. Acho que é isso que o Brasil vai viver 
daqui para a frente. Acabou a ideologia. 

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