Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
de Armistício
Grande
Guerra ANÁLISE
bfe83b33-1b69-47c4-8978-144553b42b84
Grande Guerra • Análises
ÍNDICE
Os jogadores de futebol que foram à guerra
Marco Vaza
LER ARTIGO
2
Grande Guerra • Análises
3
Grande Guerra • Análises
Os jogadores de futebol
que foram à guerra
Durante a I Guerra Mundial, o exército britânico criou batalhões
compostos por futebolistas profissionais. Os desportistas
seriam os homens fisicamente mais aptos da nação e teriam
obrigatoriamente de se juntar ao esforço de guerra.
Soldados britânicos (“tommies”) equipados com máscaras de gás durante um jogo de futebol, em frança, 1916
AGENCE ROL/BIBLIOTHÉQUE NATIONAL DE FRANCE
4
Grande Guerra • Análises
C
arta do Sargento Richard MacFadden, do 17.º Batalhão do
Regimento de Infantaria de Middlesex, escrita em Julho de 1916,
numa trincheira no bosque de Delvile, França. “O Willie virou-se
para mim e disse: ‘Adeus Mac. Boa sorte. Transmite o meu amor
à Mary Jane e um abraço aos rapazes do Orient’. Antes que eu pudesse
responder, ele já tinha saltado da trincheira. Não demorou muito para que
o meu amigo de há 20 anos morresse diante dos meus olhos.” A carta de
MacFadden era dirigida ao Clapton Orient (actual Leyton Orient), clube
londrino da segunda divisão inglesa, onde ele e Willie (William Jonas)
eram dois dos mais destacados jogadores antes de se oferecerem como
voluntários para combater na I Guerra Mundial. Quando a carta chegou a
Londres, alguns meses depois de ter sido escrita, MacFadden também já
tinha morrido em combate.
MacFadden, avançado, e Jonas, médio-ofensivo, foram dois futebolistas
que trocaram o campo de futebol pelo campo de batalha. Dois dos 213
futebolistas profissionais que morreram durante a I Guerra Mundial e
dois entre muitas centenas que combateram integrados nos chamados
Batalhões de Futebol, que também serviram como ferramentas de
propaganda e recrutamento. Os desportistas seriam os homens
fisicamente mais aptos da nação e teriam obrigatoriamente de se juntar
ao esforço de guerra. Seriam um exemplo e arrastariam os adeptos dos
clubes onde jogavam para o campo de batalha. “Venham ao jogo mais
importante, juntem-se ao Batalhão do Futebol”, exortava um cartaz de
recrutamento.
Ainda a dar os primeiros passos em quase todo o mundo, o futebol
já era uma coisa importante nas ilhas britânicas, com ídolos, adeptos
e rivalidades. Desde 1888 que existia um campeonato nacional (a
Football League), entre outras competições (FA Cup e o British Home
Championship, um torneio entre as selecções das ilhas britânicas). Até
1914, dez equipas já tinham sido campeãs, com destaque para o Aston
Villa (6 títulos) e o Sunderland (5), sendo que nenhuma formação de
5
Grande Guerra • Análises
6
Grande Guerra • Análises
7
Grande Guerra • Análises
8
Grande Guerra • Análises
para puxarem Martin, que ele ia tentar atrair o fogo inimigo. Angus ainda
foi atingido 40 vezes antes de chegar à trincheira, quase morto. Mas
sobreviveu – e Martin também. Perdeu um olho e um pé, e recebeu a
Victoria Cross, a mais alta distinção atribuída pelo exército britânico por
bravura em combate.
9
Grande Guerra • Análises
O galês Leigh Roose era uma estrela de primeira grandeza muito antes
da guerra, um guarda-redes brilhante e excêntrico que acompanhou a
sua carreira desportiva com uma formação em medicina. Foi, aliás, como
médico que Roose conheceu os seus primeiros campos de batalha, em
Galipoli. Mais tarde, integraria os regimentos de infantaria em França.
Roose começou a jogar em clubes amadores no País de Gales e tinha
um estilo muito próprio de guardar a baliza. Ao contrário dos seus
contemporâneos, Roose era um guarda-redes que gostava de sair da
sua grande-área para enfrentar os avançados adversários. Mas a sua
temeridade não se ficava por aqui. De acordo com as regras em vigor na
altura, os guarda-redes podiam jogar a bola com as mãos até à linha do
meio-campo desde que não fizessem transporte de bola. Era exactamente
o que o guardião galês fazia. Andava com a bola pelo seu meio-campo
como se fosse basquetebol, sem a agarrar.
No início do século, Roose foi para Londres estudar medicina e
continuou a jogar futebol, sem nunca assinar um contrato como
profissional. Jogava por quem lhe oferecesse mais incentivos – ajudas de
custo, viagens e outros benefícios -, desde que não interferisse com os
estudos. Começou no Stoke City e passou ainda pelo Bolton, Sunderland,
Everton, Huddersfield, Aston Villa e Arsenal. Esta era a sua filosofia de
jogo: “Se necessário, um guarda-redes deve sair da baliza, atirar-se de
cabeça contra os adversários que hesitam em pôr o pé, sem pensar nas
consequências.”
Roose também era um pioneiro no jogo psicológico. Ao intervalo, por
exemplo, ficava sentado na trave da sua baliza e contava anedotas aos
espectadores. Também fingia lesões para os adversários pensarem que
ele estava limitado e fazia autênticos números de circo para distrair o
adversário no momento do penálti. A sua carreira chegou praticamente
ao fim quando se lesionou com gravidade em 1912. Quando a guerra
começou já era médico quase a tempo inteiro, jogando ocasionalmente
em clubes amadores para rentabilizar o seu estatuto de “estrela”.
10
Grande Guerra • Análises
Walter Daniel John Tull teve um início de vida difícil. Aos nove anos de
idade, ele e o irmão mais velho já eram órfãos de pai, um carpinteiro
nascido nos Barbados, e de mãe, filha de camponeses de Kent. Ainda
assim, Tull conseguiu ser um pioneiro no futebol e na guerra. Ele foi
11
Grande Guerra • Análises
12
Grande Guerra • Análises
forte e grande disciplina, era um candidato perfeito para ser oficial e foi
o que aconteceu em 1917, apesar de os regulamentos não permitirem que
um negro assumisse uma posição de comando no exército. Depois de ter
sobrevivido à carnificina do Somme, Tull juntou-se ao 23.º de Middlesex
e, em Março de 1918, foi enviado para Arras, no norte de França,
morrendo durante um ataque germânico. O seu corpo não foi recuperado
apesar dos esforços dos seus companheiros de batalhão. “Walter Tull
ridicularizou as barreiras da ignorância que tentaram negar às pessoas
de cor igualdade em relação aos seus contemporâneos”, é o que está
escrito num memorial que o Northampton dedicou a Walter Tull, o duplo
pioneiro.
Os bravos Hearts
13
Grande Guerra • Análises
Walter Tull foi para Arras, no Norte de França, e morreu durante um ataque germânico DR
14
Grande Guerra • Análises
15
Grande Guerra • Análises
VOLTAR AO ÍNDICE
16
Grande Guerra • Análises
O regime presidencialista
de Sidónio anunciou
o fim da República
Um ano e nove meses depois de entrar formalmente na I Guerra
Mundial a República é varrida pela tempestade política de
Sidónio Pais. A “República Nova” que proclamou ruiria um ano
depois com o seu assassinato, mas a sua experiência política,
inovadora e insólita, deixaria marcas e seria um balão de ensaio
para soluções aplicadas posteriormente pelo Estado Novo
Sidónio Pais à entrada da Sé de Lisboa, onde assistirá aos ofícios religiosos por almo dos soldados portugueses
mortos em França na I Guerra Mundial, Maio de 1918 JOSHUA BENOLIEL/ARQUIIVO MUNICIPAL DE LISBOA
17
Grande Guerra • Análises
A
5 de Dezembro de 1917, o que aparentava ser um vulgar golpe de
Estado em Lisboa com o objectivo primordial de afastar do poder
os democráticos de Afonso Costa depressa se transformou numa
experiência política tão inovadora como insólita em Portugal e na
Europa. À cabeça do movimento militar está o major Sidónio Pais, um
pouco conhecido professor de matemática e discreto membro da elite
republicana conservadora, com fugazes passagens pelos dois primeiros
governos constitucionais republicanos, nas pastas do Fomento e das
Finanças, e ex-embaixador em Berlim. Durante um ano conturbado,
instituiu uma “República Nova”, presidencialista e alicerçada no seu
carisma pessoal, que pretendia aberta a todos os portugueses. Um regime
híbrido, próximo dos regimes autoritários do pós-Grande Guerra, mas
mantendo os elementos próprios do republicanismo. A experiência não
sobreviverá ao seu mentor, assassinado na Estação do Rossio, em Lisboa, a
14 de Dezembro de 1918, mas nada voltaria a ser como antes.
A chegada de Sidónio Pais ao poder não foi antecipada por ninguém,
nem pelo próprio, mas fruto das circunstâncias ditadas por um dos
períodos mais dramáticos da história portuguesa do século XX. Foi uma
resposta directa aos problemas criados pela Grande Guerra, para os quais
o major docente procura encontrar soluções originais e urgentes, mas sem
um programa político pré-definido. No terrível ano de 1917, agudizaram-
se as ondas de choque provocadas pelo quarto ano do conflito mundial. A
falta generalizada de matérias-primas e géneros de primeira necessidade
e o consequente agravamento da inflação provocam o caos nos países
europeus beligerantes e neutrais. Sucederam-se quedas de governos, por
demissão ou derrube violento. Portugal não será excepção. A pressão das
condições provocadas pela I Guerra Mundial e a determinação inabalável
de Afonso Costa e do Partido Democrático (principais promotores da
participação portuguesa no conflito) em manter o poder, a qualquer custo,
vai adiando o inevitável, mas será impotente para contrariar a crescente
onda de impopularidade e contestação. Acentuavam-se todas as clivagens
18
Grande Guerra • Análises
19
Grande Guerra • Análises
20
Grande Guerra • Análises
21
Grande Guerra • Análises
22
Grande Guerra • Análises
Numa das varandas do palácio de Belém, Sidónio Pais, lê à multidão o telegrama do rei de Inglaterra felicitando
Portugal pela sua participação na vitória dos aliados, 1918-11 JOSHUA BENOLIEL/ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA
23
Grande Guerra • Análises
24
Grande Guerra • Análises
25
Grande Guerra • Análises
O Presidente Sidónio Pais, à esquerda o ministro da Guerra, general Amílcar Mota, a caminho do Hipódromo
de Belém, onde se realizaram exercícios de Cavalaria, 1918 JOSHUA BENOLIEL/ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA
26
Grande Guerra • Análises
27
Grande Guerra • Análises
Desagregação do sidonismo
28
Grande Guerra • Análises
29
Grande Guerra • Análises
30
Grande Guerra • Análises
VOLTAR AO ÍNDICE
31
Grande Guerra • Análises
Visita de Alves Roçadas a Humpata, Angola, 1914 FUNDO JOSÉ PASSAPORTE/ CENTRO PORTUGUÊS
DE FOTOGRAFIA/DGLAB/SEC,
32
Grande Guerra • Análises
O
primeiro contacto do pelotão do alferes Manuel Sereno com
a pequena força germânica que tinha entrado em Angola não
terá sido amigável. Mas portugueses e alemães acabam por
pernoitar lado a lado e terão mesmo jantado juntos. Apesar
da desconfiança mútua, não se adivinha um cenário de confronto. É
no dia seguinte, 19 de Outubro de 1914, que ocorre o incidente que,
dois meses depois, culminará num dos mais marcantes combates do
exército português em território africano: o desastre de Naulila.
Quando é interceptado pelo pelotão português, a uma dúzia de
quilómetros do posto de Naulila, o grupo chefiado por Schultze-Jena,
administrador do distrito de Outjo, responde ao alferes que estava em
perseguição de um desertor e queria autorização do administrador de
Humbe para se deslocar a Lubango – escreveu em Naulila, livro editado
em 1922, Augusto Casimiro, escritor e militar português, participante na
guerra, na Flandres, mais tarde opositor do Estado Novo.
Manuel Sereno, que dias antes tinha apreendido carros de víveres
destinados ao Sudoeste Africano alemão, a Damaralândia, território
da actual Namíbia, escreverá que tinha ordens “para prender e
desarmar” os alemães, levando-os ao capitão-mor de Cuamato, António
Fernandes Varão. Tratava-se de cumprir o previsto pela declaração de
estado de sítio em vigor nos distritos do Sul de Angola, que previa o
desarmamento de tropas alemãs que entrassem no território.
Para os portugueses, o grupo alemão, umas duas dezenas de
homens, com o qual tinha já sido estabelecido contacto por uma
primeira patrulha, era apenas um contingente estrangeiro que está
ilegalmente em território angolano. As violações fronteiriças alemãs
não são inéditas. Os portugueses temem há muito a cobiça alemã – e
britânica – sobre os seus territórios coloniais. O ataque germânico
de Agosto a Maziúa, no Norte de Moçambique, mais não faz do que
aumentar o mal-estar. Os alemães têm agora liberdade de movimentos
condicionada em Angola.
33
Grande Guerra • Análises
34
Grande Guerra • Análises
Homenagem aos soldados mortos nas campanhas de África JOSÉ CHAVES CRUZ/ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA
O incidente
35
Grande Guerra • Análises
36
Grande Guerra • Análises
Ataque a Cuangar
37
Grande Guerra • Análises
Escaramuças
38
Grande Guerra • Análises
39
Grande Guerra • Análises
Oficial experimentado nas campanhas coloniais, Alves Roçadas, aqui na sua visita a Humpata, foi escolhido
para comandar a expedição de 1914 FUNDO JOSÉ PASSAPORTE/CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA
40
Grande Guerra • Análises
41
Grande Guerra • Análises
42
Grande Guerra • Análises
43
Grande Guerra • Análises
ideia de que foi a falta de instruções que levou à derrota de Naulila. Fala
nas “contradições das informações de Roçadas” que, em seu entender,
“perdeu a serenidade e caiu em completa desorientação”. “Viam-se
alemães em toda a parte”, afirmou, atribuindo a informação ao tenente-
coronel comandante das forças portuguesas no Sul de Angola. “Segundo
ele [Roçadas], os nossos soldados teriam fugido como carneiros”, disse
aos deputados, num debate muito marcado também pelo posicionamento
político dos intervenientes.
Submeter populações
44
Grande Guerra • Análises
45
Grande Guerra • Análises
VOLTAR AO ÍNDICE
46
Grande Guerra • Análises
A I Guerra Mundial
deu “lucros! muitos lucros!”
à indústria das conservas
As conservas portuguesas alimentaram os soldados nas
trincheiras, mas a voragem do lucro e as fraudes no produto
conduziram ao descrédito do sector no final do conflito.
Pesca de atum DR
47
Grande Guerra • Análises
É
difícil imaginar um soldado a combater numa guerra, com fome e
frio, preparado para abrir uma lata de conserva de sardinha e só lá
encontrar serradura. Ou talos de couve. Ou cabeças de peixe.
A indústria portuguesa das conservas estava ao rubro com
o aumento da procura. A conservação de alimentos permitida pela
esterilização era perfeita para alimentar os milhares de homens atirados
para as trincheiras e, se vender para o estrangeiro já antes era uma
realidade para os empresários, com a I Guerra Mundial o sector teve o seu
arranque definitivo. Contudo, para alguns, a ânsia do lucro foi mais forte.
Joaquim Vieira Rodrigues, professor do ensino secundário que dedicou
a sua tese de mestrado ao estudo da indústria no Algarve, recorda que 80
a 90% das conservas já antes do conflito eram destinadas à exportação, até
porque em Portugal “ninguém tinha dinheiro para as comprar”. A região
sul foi o berço da nação conserveira: foi aqui que, em 1865, se utilizou pela
primeira vez o processo de “appertização” numa fábrica de atum em azeite
da Ramirez, em Vila Real de Santo António. Este método de conservação
de alimentos foi descoberto pelo francês Nicholas Appert e aperfeiçoado
pelo inglês Peter Durand, que patenteou a lata de metal para conservar
comida em 1823. Pasteur demonstrou, mais tarde, os princípios científicos
do processo, daquela que foi a primeira versão de alimento pré-cozinhado
da história da humanidade, como refere Chagas Duarte, num artigo que
escreveu para a Associação do Espaço de Património Popular (Aldraba). Em
1880, a sardinha em conserva é produzida pela primeira vez em Setúbal,
onde nas duas primeiras décadas do século XX se produziam dois terços de
toda a conserva nacional.
Com a guerra de 1912-1918 as vendas para o estrangeiro aumentaram,
“em quantidade mas, sobretudo, em valor”, recorda Joaquim Rodrigues,
que se doutorou em História Económica e Social Contemporânea. As
conservas eram enviadas não só às tropas portuguesas que combatiam em
África e na Flandres, mas também aos exércitos de países aliados contra a
Alemanha. Inglaterra, França e Itália eram os principais destinos.
48
Grande Guerra • Análises
49
Grande Guerra • Análises
50
Grande Guerra • Análises
51
Grande Guerra • Análises
52
Grande Guerra • Análises
53
Grande Guerra • Análises
Bibliografia: Rodrigues, Joaquim Vieira - A indústria de conservas de peixe no Algarve (1865-1945), 1997;
Ferreira, Álvaro Joaquim Fernandes - As conservas enlatadas na alimentação das tropas em campanha,
1949; Ramirez, Memórias de cinco gerações, 2011, edição da empresa
VOLTAR AO ÍNDICE
54
Grande Guerra • Análises
Bilhete postal enviado por João Francisco Rosa à namorada no ano de 1917
O
montinho de cartas a Maria, com os carimbos da censura, esteve
até há não muitos anos atado com uma fita, intocado. São muitas
as cartas, centenas de páginas, letra bem desenhada, em papel
amarelecido, porque o jovem João Francisco Rosa, soldado-
telegrafista, escrevia com regularidade à sua noiva, às vezes com
dois ou três dias de intervalo apenas. “Minha boa Maria...”, “Minha
querida...” No início, contava coisas bonitas. Nem parecia que tinha ido
para a guerra.
56
Grande Guerra • Análises
57
Grande Guerra • Análises
para as letras quanto ele — que, ainda assim, só fizera a quarta classe,
apesar do vocabulário, da consciência política e da escrita parecerem
ser de alguém mais letrado. Mas ia respondendo, cartas e cartões, que
chegavam a demorar 20 dias até chegar a terras francesas. Isto quando
não chegavam de todo. Mas nesta altura, Verão de 1917, João Rosa era
ainda um soldado tranquilo que não
se impacientava. Depois da agradável
viagem por terra e mar, esteve no
quartel-general a “receber instrução
de telegrafista”, porque aquela que
levava, feita na tropa, uns anos antes,
em Portugal, já não era adequada
aos aparelhos que naquela guerra se
usavam, conta ele numa das missivas.
Em Julho, encontrou mais rapazes
portugueses, conhecidos. E estava
animado. Até usava de ironia nas
palavras à amada.
58
Grande Guerra • Análises
59
Grande Guerra • Análises
60
Grande Guerra • Análises
61
Grande Guerra • Análises
João Pereira só desatou a fita que juntava as cartas do pai à mãe quando
em 2008 no jornal O Almonda, de Torres Novas, onde vive, “insistiram”
para que o fizesse, porque queriam assinalar com algo especial o
aniversário da batalha de La Lys. Concordou, analisou as missivas e os
postais e assinou um pequeno texto sobre o pai, que morrera em 1961, aos
70 anos, em Lisboa: “Um soldado torrejano” — foi assim que chamou ao
artigo. Alguns excertos das cartas foram então publicados.
A certa altura, João Pereira decidiu procurar saber mais sobre a vida do
progenitor que, se sobrevivera à mortífera batalha de La Lys talvez, quem
sabe, tivesse recebido algum reconhecimento, uma medalha, qualquer
coisa. “Fui ao Arquivo Militar para ver se havia alguma referência ao meu
pai. Afinal ele foi lá abandonado [no campo de batalha].” Não encontrou
nenhuma distinção. Pelo contrário... mas já lá vamos. O fantasma do dia
9 permaneceu presente nas cartas de João Rosa durante muito tempo.
França, 26 de Abril de 1918: “Quem sabe se me espera também sorte igual
à que alguns tiveram no dia 9 deste mês (...)”
No aniversário de Maria, o 21.º, escreveu-lhe um cartão bonito, com
um cesto de flores bordado. Quis dizer-lhe que apesar de estar longe, não
deixava nunca de pensar nela — “Como se estivesse na tua presença.”
62
Grande Guerra • Análises
em vós, meu único bem, e na família que me resta ainda. Nestas horas aflitas
que passei, pensei e lembrei-me das últimas horas junto de ti, na véspera da
minha despedida. Naquela data, sem saber o que era a guerra, mas pensando
tudo ruim, interroguei-me se te tornaria a ver ou não. Pois daqui a uns dias
faz um ano que cheguei a França e ainda hoje mesmo pergunto ao futuro
se nos tornaremos a ver juntos (...) Por hoje não te enfado mais, dá muitos
cumprimentos à tua família e recebe milhares de saudades e um aperto de mão
bem apertado deste que tem esperança de te ver em breve (...)”
O Verão que se seguiu foi difícil. Havia dias em que João parecia animar-
se. Noutros impacientava-se. Porque não lhe enviava Maria o retrato que
ele tanto pedia nas cartas? O outro, que ele trazia sempre com ele, ficara
nas trincheiras. “Infelizmente ainda não o quiseste ou pudeste mandar.
Pois estou muito ansioso que ele chegue”, pedia João nos primeiros dias
de Junho, mês em que foi promovido a Cabo — “Agora que estou quase
a ir para Portugal”, dizia, sem grande
entusiasmo. “Tenho tanta fé que ainda
vou ajudar a comer as uvas e os figos”,
No dia 11 quando
acrescentava noutra carta. E noutra
chegámos a Lille, ainda: “Oh! Que dias tão felizes e alegres
recebemos a notícia de eu espero passar junto de ti, meu querido
que tinha acabada a Anjo!...” As notícias que chegavam de
casa, contudo, não eram as melhores.
guerra. Não calculas
a grande alegria (...). França, 27 de Julho de 1918: “Fiquei
Para me ficar esse muito triste pela ruim notícia que me
dia bem assente na deste (...) sofro por saber que não gozas
de saúde, julguei que essa maldita febre
memória, apanhei
espanhola que dizes ter não tivesse
uma grande tascada atingido também as províncias (...)
com vinho branco tenho lido que essa febre não é das mais
63
Grande Guerra • Análises
perigosas mas também que é preciso cautela (...) desejo as tua rápidas
melhores. Adeus, até um dia.”
64
Grande Guerra • Análises
sorte, que vêm para França e não passam da Base. Não chegam tão pouco a
saber o que é a guerra... Agora eu também já não me ralo, já deitei o coração
ao largo, quando eu esteja mal seja como agora, a minha vida é comer,
passear e dormir. O perigo também não é muito porque ainda estou um
pouco retirado da frente (...)”
Tudo o que João queria era que a guerra terminasse depressa, com
uma vitória dos aliados, e voltar a ver Maria. Mas tornava-se evidente
que “já não ia comer as uvas e os figos” desse ano. Via-se a envelhecer.
“Quando chegar aí a Portugal já de certo não me queres porque levo cara
de velho.” Chegou a ponderar mandar tirar um retrato novo, para mandar
para a terra, com medo de que quando lá chegasse a namorada já não o
reconhecesse....
Sentia tanto a falta dela que, se fosse “uso” na aldeia, até lhe daria um
abraço, se a visse, um abraço como daria à mãe e à irmã, claro, esclarecia
numa carta. Mas apesar de todas as cautelas de João, Maria não gostou da
referência ao abraço, que considerou abusiva. Ofendeu-se e zangou-se na
carta de resposta.Acabariam por casar-se, mas só em 1925 — antes, João
Rosa quis construir uma casa para a família. Depois nasceria uma menina
e mais tarde, em 1928, João Pereira. Em 1930 iriam viver para Lisboa e ele
integraria a Empresa União Gráfica — proprietária do jornal Novidades,
órgão oficial da Igreja Católica —, como funcionário administrativo.
Teriam uma vida boa. Mas ainda faltava...
65
Grande Guerra • Análises
ferimentos para curar. Nem nenhuma doença de maior, relata o filho, João
Pereira. Que se lembra, contudo, de ver o pai, por vezes, ter uns ataques,
umas tremuras, que depois passavam. Maria costumava explicar que era
por causa dos gases tóxicos que ele tinha inspirado na guerra.
João Pereira gostava de saber mais, mas as suas tentativas para obter
informações não resultaram. Na véspera dos 90 anos de La Lys, que se
assinalaram em 2008, escreveu à Liga dos Combatentes. Haveria dados
66
Grande Guerra • Análises
Notas: (1) e (2): informações retiradas do Memorial ao Mortos na Grande Guerra, desenvolvido pelo Arquivo
Histórico Militar (http://www.memorialvirtual.defesa.pt)
VOLTAR AO ÍNDICE
67
Grande Guerra • Análises
Ingleses em combate. As condenações à morte entre as tropas britânicas chegaram às 306 ALBERTO CARLOS
LIMA/ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA
68
Grande Guerra • Análises
F
altavam cerca de 15 minutos para as oito da manhã quando a
ordem de disparo foi dada por um tenente e as espingardas
quebraram o silêncio, pondo fim à vida do soldado motorista
João Augusto Ferreira de Almeida, de 23 anos. O pelotão de
fuzilamento, formado por quatro soldados, quatro cabos e quatro
sargentos, fora incumbido, naquela madrugada de 16 de Setembro
de 1917 na Flandres, de cumprir a sentença proferida dias antes pelo
Tribunal de Guerra. Todos eram do Batalhão de Infantaria nº 14,
ao qual João de Almeida pertencera antes de ir para a unidade de
automóveis, e, convocados de véspera, tinham sido escolhidos entre
“os menos impressionáveis” e recebido “conselhos sobre a forma de
proceder”. Acusado de tentar passar para as linhas inimigas, João
de Almeida fora condenado à morte por fuzilamento, entrando para
a história como o único caso de execução durante a intervenção
portuguesa na guerra de 1914-1918, o que fez dele também o último
homem que sofreu a aplicação da pena capital.
Pelo seu carácter inédito, e por ser tudo menos uma decisão
consensual, os responsáveis do Corpo Expedicionário Português (CEP)
colocaram um batalhão de prevenção em Laventie, uma localidade
próxima, para a eventualidade de reacções adversas por parte dos
soldados.
O batalhão não foi utilizado, mas o episódio não ficou isento de
incidentes, já que, das doze armas que compunham o pelotão de
execução, apenas onze dispararam. O local escolhido, junto a um muro
em ruínas na zona de Picantin e perto da estrada de Bacquerot, fazia
já parte da frente de combate, pelo que quem não obedecesse à ordem
de comando podia também incorrer na pena de morte. Verificadas as
armas, comprovou-se que uma das espingardas, empunhada por um
sargento, não abrira fogo. Este acabou por ser ilibado, após se concluir
que um problema com o fecho de segurança impediu o tiro, mas não
terá ganho para o susto.
69
Grande Guerra • Análises
“Atmosfera de piedade”
70
Grande Guerra • Análises
71
Grande Guerra • Análises
Estratégia mortal
72
Grande Guerra • Análises
Batalhas longas e mortíferes como a do Somme, em 1916, levavam soldados de todos os exércitos a tentativas
de deserção ARCHIVE OF MODERN CONFLICT LONDON/REUTERS
73
Grande Guerra • Análises
Tentativa de defesa
74
Grande Guerra • Análises
para que fosse feita uma análise à saúde mental de João de Almeida. A
vida do soldado motorista, que propagara aos sete ventos a sua intenção
de querer fugir do CEP e entrar no sector controlado pelos exércitos do
Kaiser, dependia agora de argumentos legais e exames médicos, num
combate travado por palavras escritas.
De acordo com a defesa, o soldado motorista seria filho de um doido,
o que poderia ser atestado pelo juiz auditor, teria mostrado indícios de
insanidade após ter sido condenado, e até mesmo antes disso. Conforme
relataram Aniceto Afonso e Marília Guerreiro no artigo da revista de
História Clio, em 1981, “tais circunstâncias tinham sido referidas em
público pelo próprio chefe do serviço de saúde, tenente-coronel médico,
Dr. José Gomes Ribeiro, pelo que o requerente solicitava que fosse feito
exame médico-legal às faculdades mentais” de João de Almeida.
No entanto, tal não aconteceu. O auditor geral defende, numa
análise relâmpago, que o requerimento não tem efeito por ausência
do “documento comprovativo do facto de dar indícios de alienação
mental após a sua condenação, o que leva a concluir que é menos
exacta semelhante alegação”. Para
todos os efeitos, foi considerado que
A morte é assumida, o requerimento tinha o objectivo de
“protelar a resolução de um crime
pelas autoridades
gravíssimo”. A partir daqui, era
militares, como um apenas uma questão de tempo até ao
instrumento punitivo fuzilamento de João de Almeida.
de comportamentos O julgamento decorreu na data
75
Grande Guerra • Análises
Um caso marcante
Apesar de não ter ficado provado que tentara passar informações vitais
para o inimigo, a ideia de desertar para as linhas alemãs fez com que o
processo de investigação das autoridades militares não parasse com o
fuzilamento de João de Almeida.
A 21 de Novembro de 1917, uma carta do comandante do CEP
endereçada ao ministro da Guerra justifica a “necessidade de conhecer
alguns antecedentes do soldado” para pedir “as providências necessárias”
para se averiguar, no Porto, “as casas onde ele serviu, ligações que
porventura teve com súbditos inimigos e quaisquer outros detalhes que
sejam de interesse e que só a policia daquela cidade pode investigar”.
A missiva, classificada como “confidencial” e “urgente”, recebe
resposta a partir de Lisboa, com data de cinco de Fevereiro de 1918,
quase três meses depois. O chefe da 1ª Secção da Polícia Judiciária,
através do Estado-maior do Exército, informa que “apesar das diligências
empregadas não foi possível averiguar a identidade do chauffeur” João
de Almeida. Após terem sido questionados outros motoristas do Porto,
diz a polícia, “presume-se que o indivíduo era apenas um serviçal que
tratava da limpeza de automóveis da casa do súbdito alemão de nome
Hôfle da Foz desta cidade, tendo também estado ao serviço, em tempos,
do chauffeur João Vieira, que actualmente se encontra em França e que
trabalhava na referida casa Hôfle”.
Doze anos após a morte de João de Almeida, o seu fuzilamento ainda
era assunto de conversa no seio do exército português. No início de
Junho de 1929 o coronel Azambuja Martins envia várias questões sobre
os acontecimentos que culminaram na morte do soldado motorista na
76
Grande Guerra • Análises
Regresso a Lisboa das tropas do Corpo Expedicionário Português que combateram na Flandres, em Janeiro de
1919. Para muitos, o desejo do fim da guerra e do regresso a casa eram factores dissuasores da deserção ou da
automutilação ATRIBUÍDO A JOSHUA BENOLIEL/ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA
77
Grande Guerra • Análises
Reabilitar o passado
78
Grande Guerra • Análises
79
Grande Guerra • Análises
Principais fontes e bibliografia: Das trincheiras com saudades, Isabel Pestana Marques, A Esfera dos Livros,
2008; Um soldado português fuzilado na Flandres, Aniceto Afonso e Marília Guerreiro, revista Clio, 1981; Blind-
fold and alone – British military executions in the Great War, Cathryn Corns e John Hughes-Wilson, Cassel & Co,
2001; A minha cruz de guerra – memórias de campanha 1917-1918, Manuel Baptista, Minerva, 1933; Processo de
João Augusto Ferreira de Almeida, Arquivo Histórico Militar.
VOLTAR AO ÍNDICE
80
Grande Guerra • Análises
Os 72 navios alemães
que levaram à entrada
de Portugal na Grande Guerra
A apreensão dos navios alemães que estavam nos portos
portugueses com as suas cargas levou à guerra com este país.
Recebeu-se um empréstimo inglês, e criou-se a Intendência
dos bens dos inimigos, que vendeu diversos bens dos súbditos
alemães. Mas, vinte anos depois, ainda havia contas por pagar
81
Grande Guerra • Análises
A
salva de 21 tiros dada no rio Tejo pelo navio Vasco da Gama, da
Marinha de Guerra, marcou o final da tarde de 23 de Fevereiro
de 1916, altura em que Portugal tomou posse dos 38 navios
alemães ancorados em Lisboa. O primeiro foi o Santa Úrsula,
depois rebaptizado de Estremadura, com 3771 toneladas brutas. O acto,
com pormenores beligerantes, foi seguido depois em outros portos, e
conduziu à declaração de guerra por parte da Alemanha.
O primeiro passo para o envolvimento oficial de Portugal na I Guerra
Mundial, envolvendo num conflito directo com as forças do Kaiser e
com o Império Austro-Húngaro, tinha sido dado no início de Fevereiro
de 1916. No dia sete desse mês, o Governo republicano publicou uma lei
onde, entre outros aspectos, ficava estabelecido que poderia requisitar,
“em qualquer ocasião”, as “matérias-primas e os meios de transporte que
forem indispensáveis à defesa ou economia nacional, que se encontrem
nos domínios da República”.
No dia 23 foi dado o segundo passo, com a entrada a bordo nos navios
alemães ancorados em Lisboa. Na mão, os emissários portugueses
levavam uma carta pró-forma de notificação da requisição dos navios,
com base numa lei publicada nesse mesmo dia. Esta alegava que a
requisição se tornara necessária devido à falta de navios para transporte
marítimo, o que dificultava o acesso do país a muitos produtos
indispensáveis para a subsistência da população (facto que já dera origem
a vários distúrbios em diversas localidades). De acordo com nova lei, que
conta com a assinatura de Bernardino Machado (presidente) e Afonso
Costa (chefe do Governo), caberia ao Ministério da Marinha avaliar os
navios e todos os seus pertences.
Ao todo, foram apreendidos 72 navios e respectivas cargas, espalhados
por todos os territórios portugueses, como Angola e Moçambique , mas
com destaque para Lisboa (onde estavam mais de metade). No Porto,
por exemplo, estava apenas uma embarcação, o Vesta. Diversos vapores
precisaram de reparações, já que, embora sem incidentes, o processo
82
Grande Guerra • Análises
Os receios ingleses
83
Grande Guerra • Análises
84
Grande Guerra • Análises
Diferentes destinos
85
Grande Guerra • Análises
86
Grande Guerra • Análises
Carga preciosa
87
Grande Guerra • Análises
600 várias outras peças de valor histórico, com destaque para o espólio
egípcio. Hoje, parte dessas peças estão expostas no Museu Natural da
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
88
Grande Guerra • Análises
Evitar especulações
89
Grande Guerra • Análises
90
Grande Guerra • Análises
ela feito coisa alguma contrária aos interesses da Grã-Bretanha e dos seus
aliados”. O perigo fora afastado.
Pagar no futuro
91
Grande Guerra • Análises
As contas de Salazar
Em 1926, oito anos depois do fim da guerra, ainda foi aberto “um crédito
especial” de 2,2 milhões de escudos para liquidar “todas as despesas
excepcionais” anteriores ao ano económico de 1924-1925. Já em Março
de 1927, após a queda do regime republicano (na sequência do golpe
militar de 28 de Maio de 1926), e de acordo com um outro decreto, faz-se
a “consolidação” nas contas públicas da dívida de guerra contraída por
Portugal junto da Grã-Bretanha.
Era, refere-se, “necessário proceder às indispensáveis operações
de escrita a fim de se transferir da conta ‘operações de tesouraria’
para a competente conta de receita e despesa, inscrevendo-se,
92
Grande Guerra • Análises
93
Grande Guerra • Análises
Nesse ano, tomam-se medidas como a subida dos direitos sobre alguns
tipos de tabacos e imposto de selo, “aumentam-se em 5% as taxas do
imposto de rendimento sob os vencimentos dos funcionários públicos”, e
é instituído “o imposto sobre os lucros excepcionais derivados do estado
de guerra” do qual “não consta, porém”, execução em contas públicas.
Os organismos públicos do Estado Novo destacam que após ter
sido “declarada a guerra entre Portugal e a Alemanha, em 1916, é que
começam verdadeiramente as despesas excepcionais resultantes da
guerra e se começa a esboçar o agravamento do custo de vida”. Ao
mesmo tempo, não terá havido a preocupação em “procurar aumentar as
receitas públicas para fazer face ao aumento das despesas públicas”.
A ideia geral, refere-se, é que depois do fim da guerra os preços
voltariam a estabelecer-se tal como antes de 1914. No entanto, é no
início do ano económico de 1918-19 que “as despesas públicas começam
propriamente a sofrer a influência da guerra”. Em 1919-1920, as receitas
do Estado ascendem a 217,2 milhões de escudos, dos quais 8,3 milhões
são receitas extraordinárias derivadas do conflito. Já as despesas somam
315,8 milhões de escudos, dos quais 87,8 milhões são encargos da guerra
devidos pelos ministérios da Guerra e das Finanças.
As últimas indemnizações
94
Grande Guerra • Análises
Portugal). Aos sinistrados que ainda não tinham sido ressarcidos o Estado
devia cerca de 22,6 milhões de escudos. “Os encargos da guerra, qualquer
que seja a sua natureza, que não puderem ser pagos pelas indemnizações
obtidas do inimigo, devem ser suportados por toda a Nação”, defende
Levy Marques da Costa.
Finalmente, no Verão de 1937, já com a guerra civil a atravessar
Espanha, é publicada uma lista com mais de 300 nomes de pessoas e
entidades, civis e militares (ou seus familiares), com o valor da respectiva
indemnização a ser paga. É o caso, por exemplo, de Francisco Marques
Vieira, residente na vila de Chibia (sul de Angola, perto de Lubango) e que
foi um dos vários civis afectados por “prejuízos materiais causados pelo
combate de Naulila, e conjuntamente pela subsequente revolta indígena”.
Duas décadas depois da intervenção militar de Portugal na I Guerra
Mundial, as contas ainda estavam a ser fechadas.
Agradecimentos: A Odete Martins e Teresa Resende, da TT, pelas facilidades no acesso à documentação
VOLTAR AO ÍNDICE
95
Grande Guerra • Análises
96
bfe83b33-1b69-47c4-8978-144553b42b84